<<

2º CICLO ESTUDOS ANGLO-AMERICANOS

A “segunda geração perdida”: uma leitura da paisagem suburbana no romance Revolutionary Road de Rita Carla Fernandes Pacheco

M 2020

Rita Carla Fernandes Pacheco

A “segunda geração perdida”: uma leitura da paisagem

suburbana no romance Revolutionary Road de Richard Yates

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Estudos Anglo-Americanos, orientada pela Professora Doutora Maria Teresa Lobo Castilho

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

outubro de 2020

Ao meu irmão, António

Sumário

Declaração de honra ...... 7 Agradecimentos ...... 8 Resumo ...... 10 Abstract ...... 11 Introdução ...... 12 Capítulo 1 – Uma leitura da paisagem suburbana ...... 28 1.1. A paisagem suburbana como um pulsar do Sonho Americano ...... 28 1.2. A “terra prometida” da classe média americana ...... 32 1.3. A “cruel parody” da paisagem suburbana ...... 37 1.4. A distopia suburbana e o encerramento de paisagens físicas e mentais ...... 39 1.5. “An encapsulated life” e a continuação de uma tendência anti-intelectual ...... 42 1.6. O fim da “estrada” americana ...... 46 Capítulo 2 – Revolutionary Road: a solidão e a clausura na paisagem suburbana americana .... 50 2.1. A contaminação pelos subúrbios – uma paisagem artificial ...... 50 2.2. A “promessa do fracasso” e os subúrbios como “floresta” simulada ...... 58 2.3. Os conformistas e os rebeldes ...... 65 2.3.1. Frank Wheeler – “Frontiersman” vs. Marido, pai e “organization man” ...... 65 2.3.2. April Wheeler e a materialização do sentimento de “hopeless emptiness” ...... 71 2.3.3. Helen e John Givings – o confronto entre a conformista e o rebelde ...... 79 Conclusão ...... 84 Referências Bibliográficas ...... 91

6

Declaração de honra

Declaro que a presente dissertação é de minha autoria e não foi utilizado previamente noutro curso ou unidade curricular, desta ou de outra instituição. As referências a outros autores (afirmações, ideias, pensamentos) respeitam escrupulosamente as regras da atribuição, e encontram-se devidamente indicadas no texto e nas referências bibliográficas, de acordo com as normas de referenciação. Tenho consciência de que a prática de plágio e auto-plágio constitui um ilícito académico.

Porto, 12 de outubro de 2020

Rita Carla Fernandes Pacheco

7

Agradecimentos

À Professora Doutora Maria Teresa Lobo Castilho pelos seus inestimáveis conselhos, assim como pela sua paciência e disponibilidade. O caminho para a conclusão desta dissertação nem sempre foi fácil para ambas, mas o apoio e encorajamento constantes da minha orientadora, assim como os seus preciosos ensinamentos, fizeram de mim uma melhor pessoa. Por essa razão, estou-lhe eternamente grata.

Às minhas colegas de mestrado Alexandra Gagean, Bruna Olivieri, Luisa Lamounier, Rita Costa Marinho e Tânia Almeida. Sem o apoio que me prestaram e sem as suas palavras de incentivo, esta dissertação jamais teria chegado a bom porto. A amizade delas foi, sem dúvida, a melhor parte deste mestrado. Um agradecimento especial à Rita Costa Marinho, que por inúmeras vezes me escutou e acompanhou pacientemente nos momentos de maior incerteza.

À minha amiga Sofia Sá, que mesmo à distância acompanhou o meu trabalho, sempre com calorosas palavras de alento.

À minha amiga Miriam Ferreira pela sua inestimável amizade, pelas suas preciosas (e inesgotáveis) palavras de estímulo e por ver em mim potencialidades que por vezes creio estarem dormentes.

Ao Rogério Paz, cujo amor, carinho e incentivo foram cruciais no momento mais decisivo deste trabalho.

Aos meus pais pelo apoio e amor com que sempre me presentearam, e ao meu irmão, António, o grande impulsionador do meu regresso aos estudos. Sem o inabalável encorajamento do meu irmão, eu jamais teria conseguido.

8

Finalmente, porque o caminho para a conclusão desta etapa chegou a ser tortuoso, principalmente devido ao momento pandémico que enfrentamos, não posso deixar de manifestar o imenso orgulho que tenho em mim mesma por ter conseguido terminar este trabalho com o qual sonhei mais de uma década da minha vida. A minha perseverança para concluir esta dissertação foi por diversas vezes titubeante, mas este foi, sem dúvida, um trabalho de muito amor.

9

Resumo

Esta dissertação propõe uma leitura crítica do romance Revolutionary Road (1961) de Richard Yates, partindo de uma abordagem em torno da paisagem suburbana na década de 50 do século XX como sendo responsável por um mal-estar e ansiedade generalizados, resultantes da estratégia de conformismo e domesticidade que marcou o pós-Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos da América. Tomando como ponto de partida a afirmação presente no romance Young Hearts Crying de Richard Yates de que a geração suburbana do pós-Segunda Guerra Mundial é uma “segunda geração perdida”, este trabalho debruça-se sobre o sentimento de claustrofobia causado por uma paisagem mundana e descaracterizada. A abordagem ficcional de Yates reflete, acima de tudo, a alienação e as angústias de uma geração atormentada pela solidão e por um sentimento de frustração constante numa paisagem suburbana que acaba por se revelar vazia de sentido apesar de inicialmente entendida como um local que representava a possibilidade de um novo pulsar do Sonho Americano. Consequentemente, os personagens em Revolutionary Road continuamente sonham poder escapar de uma paisagem com a qual não se identificam, parecendo assim seguir os passos da boémia Geração Perdida dos anos 20. Porém, ainda que exista ao longo de Revolutionary Road um enfoque constante na possibilidade de fuga, qual libertação das restrições da paisagem suburbana, essa fuga nunca chega a concretizar-se. De facto, apesar das suas ambições, os personagens acabam por permanecer num limbo de indecisão e de inação que os atormenta, o que resulta num sentimento de passividade, a par da subversão do espírito empreendedor americano.

Palavras-chave: Richard Yates; Revolutionary Road; “segunda geração perdida”; subúrbios; Fronteira Americana

10

Abstract

Paying close attention to the suburban landscape of the 1950s as conducive to a generalized malaise and anxiety caused by the strategy of conformity and domesticity in post-World War II America, this dissertation offers a critical reading of the novel Revolutionary Road (1961), by Richard Yates. Taking as a starting point the statement in Richard Yates’s novel Young Hearts Crying that the post-World War suburban generation was a “second lost generation”, this dissertation addresses the claustrophobia and the inescapable mundanity caused by the suburbs. Richard Yates’s fictional approach reflects, above all, the alienation and anguish of an entire generation tormented by loneliness and by a constant feeling of frustration in a landscape that proved to be devoid of meaning, although designed as a symbol of the American Dream. Consequently, the characters in Revolutionary Road continuously dream to escape this landscape, thus seeming to follow the path of the bohemian Lost Generation of the 1920s. Even though there is in Revolutionary Road a constant emphasis on the possibility of escaping the restrictions of the suburban landscape, that escape never takes place. In fact, despite their ambitions, the characters in the novel remain in a tormenting limbo of indecision and inaction that completely subverts the daring American spirit.

Keywords: Richard Yates; Revolutionary Road; “second lost generation”; suburbs; American Frontier

11

Introdução

Americans have always assumed, subconsciously, that every story will have a happy ending. Adlai Stevenson1

I’ll suggest that you’re still hooked on the ‘lost generation’ crowd of thirty years ago, and the trouble is we no longer have anything in common with those people. We’re the second lost generation. Richard Yates2

Para propor uma leitura crítica do romance Revolutionary Road (1961) de Richard Yates, esta dissertação parte de uma abordagem em torno da paisagem suburbana na década de 50 do século XX como sendo responsável por um mal-estar e ansiedade generalizados, resultantes da estratégia de conformismo e domesticidade que marcou o pós-Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos da América. A abordagem ficcional de Yates reflete, acima de tudo, a alienação e as angústias de uma geração atormentada pela solidão e por um sentimento de frustração constante numa paisagem suburbana concebida como uma manifestação da possibilidade do Sonho Americano nos anos 50, que acaba, afinal, por se revelar opressiva, claustrofóbica e anuladora de identidade. Antes de me debruçar sobre a premissa onde assenta a perspetiva que serve como ponto de partida para esta dissertação, é fundamental perceber em primeiro lugar quem foi Richard Yates e, em segundo, perceber também as razões pelas quais considero que este autor representa um contributo crucial para uma leitura crítica da paisagem suburbana e do descontentamento

1 Bailey, Blake. A Tragic Honesty - The Life and Work of Richard Yates. Methuen, 2004, p.581. De acordo com Blake Bailey, autor da única biografia sobre o escritor, Yates ponderava utilizar a citação de Adlai Stevenson como epígrafe do seu último romance, Uncertain Times, que deixou inacabado. À data da morte de Yates em 1992, a frase encontrava-se afixada na parede por cima da sua secretária.

2 Yates, Richard. Young Hearts Crying. Vintage Books, 2008, pp.85-6. 12 que dela resulta. Para isso, nesta introdução abordarei essencialmente a receção de Revolutionary Road, apontando algumas das razões que terão impedido a canonicidade do romance. Já no Capítulo 1 fornecerei uma contextualização sociocultural que servirá de base para a minha análise do romance Revolutionary Road no Capítulo 2. Foi em 1961 que Richard Yates publicou Revolutionary Road, aquele que viria a ser o seu primeiro e mais aclamado romance, depois de inicialmente o autor se ter dedicado exclusivamente à escrita de short stories.3 Nascido em Yonkers, no estado de Nova Iorque, em 1926, Richard Yates publicou ainda duas coleções de contos e seis romances, tendo deixado um outro inacabado quando veio a falecer em 1992 em Birmingham, no Alabama. No seu primeiro romance, cuja diegese remonta ao ano de 1955, o autor oferece uma crónica da movimentação para as promessas dos subúrbios e da vivência nesta geografia, cuja homogeneização acaba por resultar num sentimento de clausura e de solidão. Atormentados por uma paisagem que veem como sendo anuladora de uma identidade, os personagens yatesianos expressam continuamente a sua ambição de se mudarem para uma outra geografia onde poderão finalmente concretizar os seus objetivos pessoais. Porém, ao circunscreverem as paisagens físicas e mentais dos seus habitantes, os subúrbios em Revolutionary Road confrontam os personagens com as suas próprias limitações, não conseguindo tanto April como Frank Wheeler abandonar o local que consideram opressivo, nem mesmo recriar novas geografias de possibilidade, pondo assim em causa a validade do Sonho Americano. A receção do primeiro romance de Yates acabou por ser tudo menos unânime com a crítica a destacar, por um lado, a superioridade ficcional, assim como a força do olhar clínico e impiedoso do autor, e por outro a sua insistência na falta de capacidades redentoras dos seus personagens, o que, para alguns, constitui uma limitação temática.4 Se para determinados críticos o enfoque nos temas da solidão e da desilusão que afetam

3 Yates só viria a publicar a sua primeira coletânea de contos, Eleven Kinds of Loneliness, em 1962, depois da publicação de Revolutionary Road.

4 Apesar de unanimemente considerado um dos mais importantes cronistas da vivência suburbana, ao longo da sua carreira, Richard Yates foi continuamente acusado de insistir numa escrita demasiadamente negativista e de possuir um corpo ficcional tematicamente limitado.

13 a generalidade dos personagens yatesianos constitui uma desvantagem, para outros é precisamente nesta audácia temática que reside a força ficcional do autor, particularmente numa altura em que o tópico da solidão ia de encontro ao ambiente otimista dos anos 50, a época com mais destaque no universo ficcional do autor.5 Tal como afirmam Castronovo e Goldleaf no primeiro estudo crítico sobre o autor, intitulado Richard Yates, “[Yates] told stories about psychologically and socially stifled people living in an atmosphere of official optimism” (1). Porém, apesar de Seymour Lawrence, editor de toda a obra de Yates, descrever o autor como “an important new writer” a quem o mundo literário iria certamente prestar atenção, e apesar ainda de muitos terem acreditado que Revolutionary Road se tornaria um clássico da literatura americana, nem mesmo as críticas mais positivas conduziram a um sucesso de vendas.6 De facto, tal como afirma Blake Bailey, após a publicação de Revolutionary Road, “[the author] was broke again, still living in a basement, and hardly able to write a word without crossing it out (Bailey, “Richard Yates on the Edge of Success” 6). Para o próprio autor, a classificação inicial de Revolutionary Road como ficção suburbana era simplista e incorreta, pois catalogou-o como somente mais um de muitos exemplares de romances do género, o que, na sua opinião, terá ditado a fraca receção do romance. Isto é de resto confirmado por Rory McGinley na sua tese de doutoramento intitulada Richard Yates: Rewriting Postwar American Culture. Entre outros aspetos, McGinley sublinha a receção do primeiro romance do autor e defende que, num mercado saturado da temática suburbana, “suburbanites themselves would surely have been exhausted by the number of fictional critiques of the topic, thus lessening its appeal to a rapidly-increasing market” (50).

5 Toda a obra yatesiana explora o tema da solidão nos anos 50, nos Estados Unidos da América. A propósito da publicação da coletânea Eleven Kinds of Loneliness (1962), na qual Richard Yates aborda este tema ao longo de onze contos, Blake Bailey cita o crítico francês Jacques Cabau que enaltece Yates, afirmando: “[It is] a corageous theme in America, where loneliness is a sin, where success is obligatory and happiness is the first duty of every citizen” (271).

6 No seu artigo “The Lost World of Richard Yates”, Stewart O’Nan refere-se a Yates como que estando relegado ao “limbo of the mid-list author, well-regarded but hardly read” (O’Nan, Stewart. “The Lost World of Richard Yates.” The Boston Review, 1999, http://bostonreview.net/stewart-onan-the-lost-world-of- richard-yates, último acesso em 12 de outubro de 2020). 14

Os receios de que o romance ficasse tematicamente catalogado concretizaram-se e para isso muito terá contribuído também o comentário à obra, impresso na contracapa da primeira edição de Revolutionary Road (1961), assinado por Alfred Kazin, um dos mais conceituados críticos a seu tempo. No seu trabalho, Rory McGinley cita Kazin, que terá argumentado que “the novel [is] a powerful commentary on the way we live now. It locates the American tragedy squarely on the field of marriage” (52; itálico meu). Porém, numa entrevista à revista com Geoffrey Clark e DeWitt Henry, Yates assume que esta é uma interpretação incorreta do seu romance:

the publishers grabbed up that one quote out of context and plastered it all over the dust jacket, in big red print – they thought it would “sell” – along with a cheap, vulgar illustration. And I let them do it, like an idiot, because I guess I thought they knew their business, but I’ve regretted it ever since. Oh, maybe it did help sell copies to people snooping around bookstores in search of an antimarriage polemic or something, but I think it must have repelled and turned away a good many other, more intelligent readers.7

Para Yates, a ênfase excessiva nas temáticas dos subúrbios e do casamento não passou de uma inadequada campanha de comercialização, que terá contribuído, a par da fraca receção do romance, para a alienação do público leitor, com os personagens a serem vistos como meras recriações das lamentações suburbanas e matrimoniais. Além de ver como redutora a leitura de Revolutionary Road, Yates considerava ainda que a sua própria editora havia colocado entraves ao reconhecimento e à canonicidade do texto, já que, na sua opinião, a editora descurou, no resumo impresso na contracapa da edição, qualquer menção ao estilo yatesiano. Tal como sustenta McGinley, ao haver esta exclusão de “any indication of style, Yates believed the publishers once again pushed Revolutionary Road towards a particular audience” (51). Mais do que uma crítica à paisagem suburbana e à instituição do matrimónio, Yates afirma que o seu alvo era bem mais abrangente:

7 Clark, Geoffrey e DeWitt Henry. “From the Archive: An Interview with Richard Yates.” Ploughshares (1972), https://www.pshares.org/issues/fall-2011/archive-interview-richard-yates, último acesso em 12 de outubro de 2020.

15

The book was widely read as an antisuburban novel, and that disappointed me. […] I meant it more as an indictment of American life in the 1950s. Because during the fifties there was a general lust for conformity all over this country, by no means only in the suburbs – a kind of blind, desperate clinging to safety and security at any price, as exemplified politically in the Eisenhower administration and the Joe McCarthy witch-hunts.8

Por ter sido categorizado como um romance sobre os subúrbios, Revolutionary Road era frequentemente comparado com The Man in The Gray Flannel Suit, de Sloan Wilson, publicado em 1955.9 Uma vez que ambos retratam a claustrofobia da vivência suburbana, é possível, de facto, estabelecer um paralelo entre os dois autores. Porém, ao contrário de Wilson, Yates não permite no seu romance um final conciliador e acrescenta uma camada de complexidade à sua trama, confrontando os personagens não só com as suas próprias limitações, mas também com uma paralisante incapacidade de movimentação numa paisagem que veem como opressiva e anuladora de identidade. Este terá sido, aliás, outro fator que poderá ter afastado o público leitor do romance. De facto, se olharmos para a América como uma nação embriagada pelo sentimento de vitória na Segunda Guerra Mundial e pelo consequente sucesso económico, o final do romance Revolutionary Road, em que April Wheeler prefere autoinfligir um aborto a resignar-se a uma vida mundana nos subúrbios, percebemos que Yates vem pôr em causa a validade do Sonho Americano ao contrariar violentamente o sentido de fertilidade e de família nuclear em que esta mesma paisagem assentava.

8 Clark, Geoffrey e DeWitt Henry. “From the Archive: An Interview with Richard Yates.” Ploughshares (1972), https://www.pshares.org/issues/fall-2011/archive-interview-richard-yates, último acesso em 12 de outubro de 2020.

9 Publicado em 1955, seis anos antes de Revolutionary Road, o romance de Sloan Wilson conta a história de Betsy e Tom Rath, um casal suburbano de classe média que luta para encontrar um sentido numa cultura cada vez mais comercial, industrializada, homogeneizada e subjugada ao status quo. Como o próprio título do livro sugere, e citando o próprio romance, Wilson escreve sobre “young men in gray flannel suits rushing around New York in a frantic parade to nowhere. They seemed […] to be pursuing neither ideals nor happiness – they were pursuing a routine” (272). Após a sua publicação, o romance de Wilson tornou-se instantaneamente num sucesso de vendas, com leitores e críticos a identificarem-se com a vida mundana e com o sentimento de claustrofobia, não só da paisagem suburbana, mas também do mundo empresarial. Porém, Betsy e Tom conseguem materializar o seu próprio Sonho Americano. Tal como afirma Morris Dickstein no seu artigo “Fiction and Society”, “[The Man in the Gray Flannel Suit] takes up the problem of the organization man and resolves it through wish fulfilment” (219). Esta capacidade de resolução não é permitida no romance de Yates.

16

O sentimento de fatalismo que inaugura e permeia todo o romance, assim como o seu final polémico, acabou por travar uma possível adaptação cinematográfica que chegou a ser ponderada logo após a sua publicação e que, caso se tivesse concretizado, teria certamente dado novo ímpeto às vendas de Revolutionary Road e impulsionado a carreira do autor. A este propósito, na biografia de Yates, Blake Bailey cita o conceituado produtor cinematográfico Sam Goldwyn Jr., que terá afirmado que, naquela altura, o público não estava preparado “for a story of such unrelieved tragedy, for so relentless a probing of the sources of pain” (219). Por outras palavras, o pessimismo yatesiano não seria rentável. Sendo assim, a visão negativista de Yates, que viria a pautar toda a sua obra, terá também minado a possível canonicidade de Revolutionary Road e deixado o romance fora dos radares do público leitor. De facto, tal como afirma Seymour Lawrence, citado por Elizabeth Venant no artigo “A Fresh Twist in the Road: For Novelist Richard Yates, a Specialist in Grim Irony, Late Fame’s a Wicked Return”, publicado no Los Angeles Times, “[Yates’s] books are grim portrayals of life in America. People want to be cheered up and entertained”. Carolyn See, romancista e crítica literária referida no mesmo artigo de Venant, foi ainda mais longe ao prever que Richard Yates nunca conseguiria obter “the recognition he truly deserve[d] because to read Yates is as painful as getting all your teeth filled down to the gum with no anesthetic”.10 Será ainda pertinente uma breve reflexão sobre a data de publicação de Revolutionary Road. Publicado em 31 de dezembro de 1961, numa altura em que começavam a fervilhar novos movimentos sociais e estéticos na América, Yates coloca propositadamente a ação de Revolutionary Road no ano de 1955, num cenário suburbano no estado do Connecticut. Dada a escolha temática que não se coadunava com as novas tendências literárias dos anos 60 e o estilo marcadamente naturalista adotado na sua ficção, Yates acabou também por ser visto como um autor datado e conservador.11 De

10 Venant, Elizabeth. “A Fresh Twist in the Road: For Novelist Richard Yates, a Specialist in Grim Irony, Late Fame’s a Wicked Return”, Los Angeles Times, 1989, https://www.latimes.com/archives/la-xpm-1989- 07-09-vw-5311-story.html, último acesso em 12 de outubro de 2020.

11 Além da enorme influência da ficção de F. Scott Fitzgerald, Yates herda o seu estilo naturalista de Gustave Flaubert (1821–1880), considerado o pai e maior propulsionador do naturalismo e do realismo. Ao insistir numa escrita marcadamente naturalista, principalmente num período mais recetivo a ideias inovadoras, não admira que a crítica tenha classificado Yates como um autor tradicionalista e até mesmo 17 facto, ao longo da sua carreira, Yates sempre dialogou mais com posturas realistas do que com perspetivas pós-realistas, defendendo a utilização de uma linguagem simples e autêntica, o que viria a contrastar com a frescura dos novos estilos artísticos incentivados pela década de 60 que se iniciava, pautados pelo não-conformismo e pela improvisação. Tal como afirmam Castronovo e Goldleaf, “[Yates] practiced realism in an age when the mode was retreating before the onslaughts of more experimental writers such as Thomas Pynchon and Donald Barthelme” (3). Nick Fraser é da mesma opinião quando refere no seu artigo “Rebirth of a dark genius” que a falta de popularidade de Yates se deveu precisamente a uma questão de timing. Para Fraser, “[Yates’s] books appeared either passé when they dealt with the time in which he was growing up or dangerously at odds with prevailing wisdom”.12 Yates nunca abandonou o seu compromisso com uma prosa clara, preferindo uma ficção que, como afirma O’Nan, “rarely if ever draws attention to itself”.13 De facto, para o autor a ficção pós-realista pecava pela sua falta de autenticidade14 e pela sua tendência para ignorar, como afirmam Castronovo e Goldleaf, “emotional problems in favor of intelectual puzzles […]. Yates was offended especially by the idea that life had become suddenly too complicated or incomprehensible somehow to be rendered in traditional ways” (21). No seu artigo “Master and Model: F. Scott Fitzgerald’s Role in Richard Yates’s ‘Saying Goodbye to Sally’”, Goldleaf afiança mesmo que:

datado, não só pelo seu estilo, mas também pelo seu conteúdo ficcional que já não se coadunava com os novos tempos.

12 Fraser, Nick. “Rebirth of a dark genius.” The Guardian, https://www.theguardian.com/books/2008/feb/17/biography.fiction, último acesso em 12 de outubro de 2020.

13 O’Nan, Stewart. “The Lost World of Richard Yates.” The Boston Review, 1999, http://bostonreview.net/stewart-onan-the-lost-world-of-richard-yates, último acesso em 12 de outubro de 2020.

14 Além da falta de artifícios que pauta a sua obra, Yates era ainda conhecido por ser particularmente lento no seu processo de escrita. Defensor fervoroso da autenticidade, o autor não se contentava com uma palavra que não descrevesse exatamente o sentimento que pretendia colocar no papel, o que é confirmado por Blake Bailey, que afirma na biografia do autor: “[Yates] couldn’t help but work with agonizing care” (276). A título de exemplo, Richard Yates precisou de cerca de seis anos para terminar Revolutionary Road.

18

Yates felt strongly that inventing material was dishonest and that his art came from choosing where to start a story and where to end it, from selecting which details to emphasize and which ones to suppress, from stressing certain characters and certain of their traits out of all the characters and traits in his own life, rather than from devising completely original and imaginary plots. (222; itálico meu)

A meu ver, porém, ao publicar o seu romance em 1961, no início de uma mudança cultural de extrema relevância na América, e situando-o propositadamente em 1955, Yates consegue colocar-se numa posição privilegiada que lhe permite dialogar com as duas décadas. Apesar de a década de 50 ser encarada nostalgicamente como descomplicada e pacífica, a ficção desta altura cedo começa a denunciar os conflitos e as incertezas resultantes da prosperidade suburbana. No artigo “Fiction and Society”, Morris Dickstein esclarece que, nos anos 50, “[w]hile some writers had used the road novel to declare their turn from the American mainstream, others invented a kind of anti-road novel to explore these tensions and uncertainties, to show how hard they might be to resolve” (210; itálico meu). O que Yates faz no início dos anos 60 com Revolutionary Road, mas com os olhos postos na década anterior, é oferecer um contraponto ao que Dickstein chama de uma “self-liberation celebrated by Kerouac” (210), e que viria a dar origem aos “road novels” de que The Catcher in the Rye de J. D. Salinger e On the Road de Jack Kerouac são exemplos máximos nos anos 50.15 Morris Dickstein vai ainda mais longe quando afirma que Revolutionary Road é uma espécie de imagem espelhada de On the Road. Apesar de inicialmente se verificar uma movimentação para a promessa dos subúrbios como lugar

15 On the Road e The Catcher in the Rye viriam a tornar-se textos canónicos da cultura jovem nos anos 60 que já não se identificava com os valores e com as escolhas dos seus pais e começava a tentar libertar-se da paisagem suburbana que considerava opressiva. Normalmente escritos na primeira pessoa, os “road novels” usam um sentido de movimentação para recuperarem ou recriarem a liberdade e a individualidade que os subúrbios negam (Dickstein 214). Para Dickstein, Salinger foi o autor que melhor conseguiu recriar a tradição de Huck Finn ao capturar com sucesso “the exact accent and rhythm of the adolescent voice and sensibility” (173). No seu livro Beyond the Gray Flannel Suit: Books from the 1950s that Made American Culture, David Castronovo afirma que On the Road é um romance sobre “breaking out of the patterns of ordinary life [and] it seems to fulfil a central fantasy in Catcher: escaping to someplace, any place, where you can spontaneously savor America” (64). A tradição dos “road novels” viria a continuar nos anos 60 já que também nesta altura permanece no pensamento americano a necessidade de libertação da claustrofobia dos subúrbios.

19 seguro para uma jovem família, no romance de Yates encontramos em April e Frank Wheeler figuras exemplificativas de toda uma geração que acaba por se ver enclausurada numa paisagem homogénea e opressiva. Perante isto, April e Frank professam uma identidade que não se coaduna com a paisagem suburbana e com a cultura vigente, alimentando a ambição por uma outra geografia onde possam recriar, mais uma vez, este sentido de movimentação. Porém, April e Frank nunca encontram a determinação para a mudança. Para Dickstein, o romance de Yates é exemplo por excelência daquilo a que chama de “anti-road novel”, já que apesar de narrar a história de Frank, um “would-be rebel, [an] imagined free spirit, [he] never leaves home, never quits his job” (218; itálico meu). Existe, portanto, nem que temporariamente, uma incapacidade por parte dos personagens de construírem uma estrada de significado e de concretizarem uma identidade, quer no ambiente que consideram opressivo, quer mesmo fora ele. Mais do que isso, os personagens não conseguem recriar o sentido de movimentação e de individualidade que informou o pensamento americano desde a sua génese, e que os conduziu aos subúrbios como promessa de um local seguro para a constituição de uma família. A meu ver, ao não permitir sequer a recriação deste sentido de movimentação, o romance de Yates parece sugerir que nos anos 50 a estrada da América encerra com os subúrbios, qual “Fronteira Americana”, e que daí em diante qualquer tentativa de recuperação dessa mesma “Fronteira” estaria condenada ao insucesso.16 Ainda que Revolutionary Road contraste com as obras mais marcantes dos anos 50 e 60, ao não permitir uma libertação da paisagem suburbana, o romance acaba, contudo, por se assemelhar a elas na medida em que os personagens enfrentam também uma crise de identidade e buscam um sentido pessoal, defendendo a sua diferença e superioridade. Para isso, tanto April como Frank Wheeler tentam demarcar-se da uniformização do seu ambiente e da existência mundana que este proporciona. O que Yates faz na sua ficção é explorar a desilusão resultante desta tendência generalizada dos seus personagens para não acreditarem na sua própria mediocridade, já que estes recusam

16 De recordar que no ano anterior à publicação de Revolutionary Road, John F. Kennedy havia baseado toda a sua campanha na criação de uma Nova Fronteira como resposta a um sentimento generalizado de mal-estar e de estagnação herdado da década anterior.

20 confrontar-se com as suas próprias limitações, resultando daí um constante sentimento de frustração.17 Assim sendo, os personagens ficam como que suspensos entre a crença inicial nos subúrbios como possibilitando a recuperação de uma paisagem segura ou mesmo da própria paisagem pastoril do ideário americano, e entre a falta de vitalidade e autenticidade da sua experiência suburbana, da qual se tentam demarcar sem sucesso. Revolutionary Road representa, assim, não só um comentário social, mas também uma crónica da vivência suburbana e da desilusão que dela resulta. Como afirmam Castronovo e Goldleaf:

Yates was in tune with some of the major currents of thought, but his attitude towards his subject matter was quite different. Cool and analytic, never preachy or polemical, he studies the specifications of his characters’ downfall without thundering at the sane society. He looked at the mad and the normal and showed how they made up one world of clumsiness, compromise, and hypocrisy. (76)

Apesar de algumas críticas negativas e de uma receção pouco efusiva junto do público leitor, nunca Revolutionary Road deixou de ser encarado como o expoente máximo da obra yatesiana,18 tendo o autor desde cedo conseguido estabelecer-se como uma das vozes mais relevantes da geração dos anos 50; uma geração que viu os seus pais passarem pela Grande Depressão e que participou, de forma direta ou indireta, nos esforços da Segunda Guerra Mundial. Em 1962, Revolutionary Road é nomeado para os National Book Awards (NBA), aparecendo ao lado de outras obras conceituadas como A New Life (1961) de Bernard Malamud, Franny and Zooey (1961) de J.D. Salinger, Catch- 22 (1961) de Joseph Heller e, finalmente, The Moviegoer (1961) de Walker Percy, tendo

17 A propósito desta consideração, na biografia de Yates, Blake Bailey cita Joyce Carol Oates, que terá afirmado que o universo ficcional criado por Yates é um “sad, gray, deathly world” onde existe uma tendência generalizada para os personagens não aceitarem “[t]heir own mediocrity” (395).

18 Richard Yates estava perfeitamente consciente de que o seu primeiro romance era o seu melhor. Numa entrevista ao Los Angeles Times, Yates resume a sua carreira literária afirmando: “I’m one of these writers who has the misfortune to write his best book first” (Venant, Elizabeth. “A Fresh Twist in the Road: For Novelist Richard Yates, a Specialist in Grim Irony, Late Fame’s a Wicked Return.” Los Angeles Times, 1989, https://www.latimes.com/archives/la-xpm-1989-07-09-vw-5311-story.html, último acesso em 12 de outubro de 2020).

21 este último acabado por arrecadar o prémio. Ainda que o sucesso de Yates não estivesse dependente do prémio NBA, uma vitória teria certamente consolidado o seu nome nos círculos literários e, possivelmente, reavivado o interesse pelo jovem autor. Contudo, o facto de aparecer ao lado de nomes sonantes como Salinger e Heller, que viriam nas décadas seguintes a marcar indelevelmente o cânone literário americano, é, a meu ver, um contraponto a uma possível falta de reconhecimento do mérito literário de Yates. De facto, tal como afirma Richard Russo na sua introdução ao livro The Completed Stories of Richard Yates, publicado em 2002, “after almost a decade spent out of print, [Yates] continues to inspire almost fanatical devotion among writers” (xii).19 Por essa mesma razão, o autor aparece frequentemente acompanhado do epíteto de “writer’s writer”.20 Porém, para Russo, também esta caracterização poderá ter sido prejudicial à receção de Yates, já que traz consigo um nível de sofisticação que, além dos motivos já enunciados, poderá ter alienado o público leitor do romance yatesiano. No entanto, segundo afirma Richard Ford no seu artigo “American Beauty (Circa 1955)”, apesar de uma receção morna e da falta de circulação que minaram um reconhecimento mais amplo de Revolutionary Road, Yates beneficia ainda hoje de uma espécie de “cultish standard”. No entendimento de Richard Ford, este legado prende-se com o facto de Revolutionary

19 Para Yates, não ter a sua obra em circulação era comparável a uma sentença de morte. De acordo com Blake Bailey, Yates terá mesmo afirmado: “Do you know what being out of print is like? It’s like being dead” (408).

20 Alguns dos escritores que manifestaram a sua admiração pela prosa cuidadosamente trabalhada por Yates e o seu apreço por Revolutionary Road logo após a sua publicação incluem Tennessee Williams, ou John Updike. De acordo com Elizabeth Venant, Tennessee Williams terá afirmado acerca de Revolutionary Road: “Here is more than fine writing; here is what, added to fine writing, makes a book come immediately, intensely, and brilliantly alive. If more is needed to make a masterpiece in modern American fiction, I am sure I don’t know what it is” (Venant, Elizabeth. “A Fresh Twist in the Road: For Novelist Richard Yates, a Specialist in Grim Irony, Late Fame’s a Wicked Return.” Los Angeles Times, 1989, https://www.latimes.com/archives/la-xpm-1989-07-09-vw-5311-story.html, último acesso em 12 de outubro de 2020). Além disso, Blake Bailey refere ainda que John Updike terá escrito: “I was fascinated and, in the end, deeply distressed by Mr Yates’s compassionate, well-wrought and claustrophobic book” (226). Todos estes escritores, e mesmo outros, terão desempenhado durante vários anos um papel fundamental na divulgação do nome de Yates junto dos círculos literários já que, como afirma Stewart O’Nan, viam o autor como sendo “the voice of a generation” (O’Nan, Stewart. “The Lost World of Richard Yates.” The Boston Review, 1999, http://bostonreview.net/stewart-onan-the-lost-world-of-richard-yates, último acesso em 12 de outubro de 2020).

22

Road despertar ainda nos nossos dias uma espécie de “cultural-literary secret handshake among its devotees”.21

***

É na intervenção súbita de Al Damon, personagem do romance de Yates Young Hearts Crying cuja função parece ser somente a chamada de atenção para o facto de a geração dos subúrbios do pós-Segunda Guerra Mundial ser uma “segunda geração perdida”, que se sustenta a minha problematização do romance Revolutionary Road. Em Young Hearts Crying, publicado em 1984, Al Damon utiliza a expressão “second lost generation”, o que, a meu ver, reflete o sentimento de ansiedade que permeia toda a obra de Yates e Revolutionary Road em particular. Young Hearts Crying é um romance repleto de personagens com pretensões artísticas que acreditam que lhes permitirão ultrapassar o sentimento de vazio e a existência mundana proporcionados pelos subúrbios. No contexto de uma festa, olhando para a geração dos anos 50 que ali se encontra, Al Damon afirma:

Well, I’m not going to charge you with ‘selling out,’ my friend, but I suggest that you’re chasing after false gods. I’ll suggest that you’re still hooked on the ‘lost generation’ crowd of thirty years ago, and the trouble is we no longer have anything in common with those people. We’re the second lost generation. (85-6; itálico meu)

Os personagens acreditam que escolher uma existência suburbana é o equivalente a abdicar da sua personalidade, ou “selling out”, pelo que a expressão artística na qual sustentam a sua identidade serve como escape à realidade que habitam. Porém, apesar de reclamarem uma superioridade artística, a clausura nos subúrbios traz consigo um sentimento de claustrofobia que faz com que os personagens se sintam incapazes de forjar novas “estradas” de possibilidade.

21 Ford, Richard. “American Beauty (Circa 1955).” New York Times, 2000, https://www.nytimes.com/2000/04/09/books/essay-american-beauty-circa-1955.html, último acesso em 12 de outubro de 2020. 23

Tomando como ponto de partida este entendimento expresso no romance Young Hearts Crying de que a geração suburbana do pós-Segunda Guerra Mundial é uma espécie de “segunda geração perdida”, argumento nesta dissertação que, tal como a Geração Perdida dos anos 20, também esta “segunda geração perdida” perdeu a sua fé nos valores defendidos pela nação americana. A paisagem suburbana era vista inicialmente por aqueles que se mudavam para os subúrbios nos anos 50 como uma oportunidade para preservar as promessas da Fronteira Americana e como um local seguro para a constituição de uma família ao permitir um contacto mais próximo com um ambiente natural, longe dos efeitos perniciosos da cidade. Porém, essa geografia acabou por negar as possibilidades desejadas e projetadas nessa paisagem. Consequentemente, esta materialização da possibilidade do Sonho Americano,22 dirigida à classe média do pós- Segunda Guerra Mundial, acabou por resultar num sentimento generalizado de desilusão e de alienação, levando a uma rejeição do ideal suburbano e à convicção de que a cultura americana se havia tornado mais restrita. Os subúrbios na América, marcados por um pulsar do renascimento do Sonho Americano, ofereciam inicialmente um refúgio e eram vistos como um símbolo dos ideais democráticos da nação. Porém, a estratégia de conformismo e domesticidade que marcou o período do pós-Segunda Guerra Mundial acabou por resultar num sentimento de desorientação causado pelo ambiente de clausura nos subúrbios. De facto, nos anos 50, esta paisagem acaba por se revelar vazia de sentido, não só pela experiência suburbana em si, mas também pelos efeitos deixados pela Grande Depressão e pela participação no conflito mundial sangrento, o que contribuiu para que os americanos se tornassem mais introspetivos e tivessem uma menor propensão para o risco. Além disso, o confinamento na paisagem suburbana, num ambiente de Guerra Fria, de uniformização e de conformismo, acaba por negar a individualidade ao impor uma identidade social homogénea, resultando num sentimento de solidão e de ansiedade. Ansiedade é, de facto, um dos termos mais usados para caracterizar a era do pós-Segunda Guerra Mundial, tal como confirmado pelo poema The Age of Anxiety, de W. H. Auden, publicado em 1947,

22 O Sonho Americano é um dos conceitos orientadores no pensamento na América desde a génese da nação, ligando as ambições pessoais a um sentimento mais amplo de missão nacional.

24 onde o poeta se debruça sobre a dificuldade de encontrar um sentido e autenticidade num mundo cada vez mais industrializado.23 Para Stewart O’Nan, a ficção yatesiana marcou precisamente “the lostness of the Age of Anxiety as deftly as Fitzgerald’s did that of the Jazz Age”. De facto, ainda na opinião de O’Nan,

[Yates’s] fiction represents an important aspect of the American experience: the confusion of the post-war boom. No one portrays the Age of Anxiety as well or as deeply as Yates, or the logical fallout of American individualism, the impossibly high hopes of the ’40s and ’50s curdling, turning bitter.24

Ao longo desta dissertação, discutirei o sentimento de claustrofobia e de ansiedade causado pelos subúrbios e pela vida mundana, o que resulta da vivência nesta paisagem em particular; uma paisagem de onde os personagens em Revolutionary Road sonham poder escapar, parecendo assim regressar aos passos da boémia Geração Perdida dos anos 20, também ela armadilhada. Ainda que Richard Yates tenha desvalorizado a importância dos subúrbios no destino dos seus personagens, tentando mesmo desvincular-se da categorização temática de Revolutionary Road como um romance sobre os subúrbios, a meu ver, os subúrbios desempenham um papel fundamental no romance na medida em que circunscrevem as paisagens físicas e mentais dos personagens, expondo as suas limitações25 e contribuindo para o exacerbar de um sentimento de exasperação. Consequentemente, os personagens veem-se incapazes de se mover e de recriar novas geografias de possibilidade fora do ambiente que habitam. De facto, os subúrbios surgem

23 No seu artigo “Allegory in Auden’s The Age of Anxiety”, Edward Callan refere que, com The Age of Anxiety, Auden tenta construir “an allegorical drama of modern man in search of a soul” (155). Esta era inaugura um discurso de crise de identidade que explica a crescente popularidade de tratamentos psicológicos e psiquiátricos em meados do século XX, em que os subúrbios representavam o campo de batalha de uma luta interna causada pelas expectativas irrealizadas numa paisagem homogénea e anuladora de identidade.

24 O’Nan, Stewart. “The Lost World of Richard Yates.” The Boston Review, 1999, http://bostonreview.net/stewart-onan-the-lost-world-of-richard-yates, último acesso em 12 de outubro de 2020.

25 De acordo com Steven Goldleaf, “[t]he central conceit of Yates’s work, and of Fitzgerald’s less prominently, is the exposure of profound flaws in almost every character” (229).

25 como pano de fundo constante ao longo deste romance yatesiano, com o escritor a conjugar o local com as vidas fragmentadas dos personagens que o habitam. A meu ver, Revolutionary Road representa não só um contributo ficcional relevante para questionar e entender este período do pós-Segunda Guerra Mundial, como também oferece uma pertinente representação ficcional do descontentamento resultante da vivência nos subúrbios, o que, na minha opinião, motiva em Al Damon a perceção de uma “segunda geração perdida”. Se como revela O’Nan, “[Yates’s] work was neglected during his lifetime, after his death it has practically disappeared.”26 Porém, depois de um período de relativo esquecimento, a publicação, em 2003, da biografia de Richard Yates, da autoria de Blake Bailey,27 levou a um ressurgimento do escritor na cena literária e a um interesse renovado no autor.28 Consequentemente, a editora Vintage reeditou toda a obra de Richard Yates em 2007 e 2008. Além disso, a adaptação cinematográfica de Revolutionary Road em 2008 acabou também por impulsionar uma recuperação do lugar do escritor, divulgando o seu nome junto de novos leitores.29 Esta conjugação de fatores terá levado a um maior interesse e dado um novo ímpeto à obra yatesiana, motivando inclusive o aparecimento de alguns trabalhos críticos e académicos sobre o autor, ainda que em número bastante reduzido. Com Richard Yates a ser considerado por alguns uma das vozes por excelência e um dos maiores cronistas das tribulações da geração do pós-Segunda Guerra Mundial,30

26 O’Nan, Stweart. “The Lost World of Richard Yates.” The Boston Review, 1999, http://bostonreview.net/stewart-onan-the-lost-world-of-richard-yates, último acesso em 12 de outubro de 2020.

27 A publicação de A Tragic Honesty: The Life and Work of Richard Yates valeu a Blake Bailey uma nomeação para o National Book Critics Circle Award no ano de 2003.

28 Em 1999, Stewart O’Nan previu que “[a] good biography could spark a re-evaluation of [Yates’s] achievement” e possivelmente permitiria que Yates conquistasse finalmente um lugar no cânone americano (O’Nan, Stweart. “The Lost World of Richard Yates.” The Boston Review, 1999, http://bostonreview.net/stewart-onan-the-lost-world-of-richard-yates, último acesso em 12 de outubro de 2020).

29 Realizada por , a adaptação cinematográfica conta com as interpretações de e Leonardo DiCaprio nos papéis de April e Frank Wheeler. Winslet arrecadou um Golden Globe pelo seu papel como April Wheeler e, no seu discurso de agradecimento na cerimónia, mencionou o apreço por Richard Yates e pelo romance que deu o nome ao filme. Esta menção específica terá certamente levado a um aumento da procura pela obra de Yates.

26 e numa altura em que se aproxima o 60º aniversário da publicação de Revolutionary Road, pretendo com este trabalho dar um contributo para a recuperação do autor no círculo académico português, dando ênfase igualmente nesta dissertação não só à movimentação para a paisagem suburbana como tentativa de recuperação da promessa e das inclinações que abriram o caminho até à Fronteira Americana no século XIX, mas também à desilusão e ansiedade resultantes da experiência suburbana. Como já aqui ao iniciar esta Introdução deixei claro, o Capítulo 1 levar-nos-á a uma contextualização sociocultural, onde haverá um debruçar sobre o fenómeno dos subúrbios e as motivações que levaram ao aparecimento desta paisagem, não esquecendo o peso que, por outro lado, esta representa para o pensamento americano. Já no Capítulo 2, dedicar-me-ei à análise literária de Revolutionary Road tendo como base de sustentação os aspetos abordados e problematizados no capítulo anterior. A Conclusão sublinhará os pontos de chegada deste trabalho.

30 Richard Yates é considerado um dos mais importantes cronistas dos subúrbios. Na edição de julho-agosto de 2001 da revista The Atlantic, Stephen Amidon refere-se mesmo ao autor como “the supreme chronicler of American solitude” (Amidon, Stephen. “A Harrowing Mirror of Loneliness.” The Atlantic, 2001 https://www.theatlantic.com/magazine/archive/2001/07/a-harrowing-mirror-of-loneliness/302256/, último acesso em 12 de outubro de 2020). 27

Capítulo 1 – Uma leitura da paisagem suburbana

What Francis Parkman had said of the westward march of the pioneer was equally true of the suburb: ‘The sons of civilization, drawn by the fascinations of a fresher and bolder life, thronged to the western wilds in multitudes which blighted the charm that had lured them.’ Lewis Mumford31

But then, as long as I’ve lived, getting out of wherever I am has seemed an appealing idea. Richard Yates32

1.1. A paisagem suburbana como um pulsar do Sonho Americano

Nesta dissertação, argumento que a paisagem suburbana na década de 50 do século XX é responsável por um mal-estar e ansiedade generalizados, resultantes da estratégia de conformismo e domesticidade que viria a marcar o pós-Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos da América. A paisagem suburbana dos anos 50, marcada por um pulsar do renascimento do Sonho Americano, oferecia inicialmente um refúgio face aos efeitos perniciosos das cidades, sendo vista como um símbolo dos ideais democráticos que informaram a nação desde a sua génese. Nesta década, encarada pela classe média americana como a possibilidade de preservar as promessas da Fronteira

31 Mumford, Lewis. The City in History. Hartcourt Brace Jovanovich, Inc., 1961, p.491.

32 Venant, Elizabeth. “A Fresh Twist in the Road: For Novelist Richard Yates, a Specialist in Grim Irony, Late Fame’s a Wicked Return.” Los Angeles Times, 1989, https://www.latimes.com/archives/la-xpm-1989- 07-09-vw-5311-story.html, último acesso em 12 de outubro de 2020.

28

Americana, os subúrbios acolheram uma migração em massa, numa tentativa de retomar as inclinações que motivaram a expansão americana. Ainda que os subúrbios sejam encarados ainda hoje como um símbolo fundamental dos anos 50 na América, as origens e motivações desta movimentação para fora das cidades, que deram ímpeto e justificação à expansão suburbana que se verificou no século XX, remontam a um período mais longínquo da História da nação, mais concretamente a dois conceitos fundamentais ligados à sua génese – a propriedade privada e o impulsionamento de um constante sentido de movimentação e de autossuficiência. De acordo com James Howard Kunstler, autor do livro The Geography of Nowhere: The Rise and Decline of America's Man-Made Landscape, à chegada ao Novo Mundo, os colonos encontraram o palco perfeito para porem em prática o “romance of redemption, of a second chance at life” (17). Apesar de as quantidades de território selvagem que se abriam perante os colonos serem vistas com alguma apreensão,33 as terras eram encaradas com uma esperança utilitária de que, como afirma Kunstler, pudessem ser “conquered, vanquished, and ultimately redeemed by godly men” (19). Assim sendo, apesar de a construção de uma “city upon a hill” no Novo Mundo representar um esforço comunitário, começava aqui a germinar a noção de propriedade privada que viria a marcar a expansão pelo território nos séculos seguintes. Além disso, como explica Kunstler, “[w]here a minority couldn’t abide the way a town was run, [the settlers] could resolve their problem by ‘hiving out’ to some unsettled area – always in a group – and creating a way of life with which they were at ease” (20). Consequentemente, não só a propriedade privada servia de motivação para a conquista do território, mas também incentivava um constante sentido de movimentação e de autossuficiência.

33 As grandes quantidades de território que iam sendo descobertas eram inicialmente vistas com uma grande apreensão, principalmente pela forma como os colonos encaravam o território selvagem por explorar. De acordo com Kunstler, “[t]he wilderness of Hebrew folklore had been the abode of evil presided over by the arch-demon Azazel. Yet the wilderness was also a place where the Hebrew prophets went to commune with God, to be tested by him, and purify themselves”. Consequentemente, para os colonos, o território selvagem americano era um lugar “fraught with paradox” (17), especialmente porque era também visto como sendo utilitário. Desta forma, a justificação para a exploração continuou a seguir uma lógica de domínio do território, encarado como um Jardim do Éden que nenhum homem pecador poderia reivindicar.

29

Isto viria também a informar a Revolução Americana, que representava uma luta pelo direito à utilização do território e à livre movimentação, sem as restrições impostas pela Coroa inglesa. Com a Revolução em 1776 e com a Compra da Louisianna34 em 1803, no âmbito da qual o Presidente Thomas Jefferson adquiriu à França o território da Louisianna, grandes quantidades de terras passaram a estar disponíveis, motivando assim as expedições que viriam a marcar as décadas seguintes. De acordo com o historiador Sam Bass Warner, autor do livro The Urban Wilderness: A History of the American City, nesta altura, a legislação do território do século XIX favorecia os exploradores de terras na medida em que facilitava a sua aquisição e exploração. Consequentemente, a legislação viria a ser largamente apoiada e os territórios a serem vistos como “a civil liberty instead of as a social resource” (15), justificando-se desta forma a conquista incessante do território a Oeste, o que viria a pautar o século XIX. Com efeito, parece existir logo desde esta fase inicial uma ligação entre o individualismo e a posse de propriedade, princípio sagrado no pensamento americano. A meu ver, este vínculo entre um sentido de movimentação e a posse de propriedade é deveras relevante, pois ambos os conceitos acabaram por exercer uma enorme influência no caráter americano, para o qual o movimento representa uma oportunidade de recomeço e a propriedade é sinónima de sucesso. À medida que no século XIX as cidades se começaram a propagar como centros de negócio com o desenvolvimento da industrialização, esta necessidade de movimentação começou a intensificar-se, pelo que os espaços naturais representavam um refúgio face aos efeitos perniciosos das metrópoles. Na minha opinião, ainda que fortemente contestada, a teoria da Fronteira Americana avançada por Frederick Jackson Turner é fundamental para entender este fenómeno. Em 1893, três anos depois da conquista total do Oeste americano, Turner identifica no seu ensaio “The Frontier in American History” o conceito da Fronteira Americana como fator decisivo para a formação de uma identidade essencialmente americana. De facto, o historiador assevera mesmo que terá sido o processo de conquista do Oeste que terá tornado os americanos empreendedores e autossuficientes, e que este

34 Em inglês, “Louisianna Purchase”. 30 fenómeno permite explicar o processo de desenvolvimento da América, que recomeçava “over again on the frontier” (2). Mais do que uma área geográfica específica, o Oeste era visto não só como um espaço em transição que se ia alterando com a expansão, mas também como um lugar transformador que permitiu desenvolver aquilo a que, no seu estudo “Agrarianism, Expansionism, and the Myth of the American West”, Heike Paul chama de “epic cultural scripts of Americanness” (312). Com uma identidade essencialmente americana construída com base no avanço da Fronteira, este sentido de movimentação, conjugado com a própria geografia americana, acabou por ficar associado às noções de possibilidade de sucesso e de autonomia. Para Turner, a Fronteira Americana funcionava como “a gate of escape from the bondage of the [European] past” (54) e qualquer tentativa de restrição das possibilidades que advinham desta movimentação era encarada como uma ameaça à liberdade e ao individualismo do explorador rumo ao Oeste. Se a mudança para os subúrbios nos anos 50 representa um retomar desta tendência americana de uma possibilidade de recomeço herdada da Fronteira Americana, por outro lado também não podemos descurar o facto de esta migração ser feita para um espaço mais natural. A meu ver, a mudança para os subúrbios igualmente constitui uma recuperação do impulso agrário que marcou a nação desde a sua génese, mas que teve maior repercussão no século XIX. Como explica Leo Max no seu livro The Machine in the Garden: Technology and the Pastoral Ideal in America, o ideal pastoril jamais deixa de exercer influência sobre a imaginação da América, sendo o século XIX em particular caracterizado pelo “ruling motive of the good shepherd, leading figure of the classic, Virgilian mode, [that] was to withdraw from the great world and begin a new life in a fresh, green landscape” (3; itálico meu).35 Por seu lado, também Frederick Jackson Turner defendeu que o avanço da Fronteira representava um regresso à simplicidade e o

35 É importante destacar, no entanto, que esta noção agrária remonta ao século XVIII. Tal como Heike Paul esclarece, o americano era visto como um agricultor, o que constituía “a democratic form of address that signifies equality and the absence of rank and hierarchy among men in rural America” (316). Thomas Jefferson e Hector St. John de Crèvecoeur foram os primeiros proponentes do mito agrário, cujo discurso foi fundamental para as fases iniciais da república já que concebia a América como o novo Jardim do Éden para assim legitimar os esforços de independência.

31 contacto com o território selvagem era encarado como um “perennial rebirth” (2).36 Assim sendo, a procura por um ambiente mais natural na América tem toda uma carga ideológica que não pode ser descurada. De facto, no século XIX, a expansão para Oeste passou a ser vista como um dever patriótico, pelo que o contacto com este local regenerador era fortemente encorajado. Por conseguinte, a imagem de um vasto continente por conquistar tornou-se uma conceção que viria a caracterizar a promessa americana.

1.2. A “terra prometida” da classe média americana

Assim que as fábricas começaram a espalhar-se pelas cidades no século XIX, as metrópoles iam-se tornando um local cada vez menos atrativo já que, como afirma Lewis Mumford, historiador e autor do livro The City in History, apesar de a industrialização ter representado a maior força criativa daquela era, esta acabou também por produzir “the most degraded human environment the world had yet seen” (447). Consequentemente, como defende Kunstler, passou a verificar-se um “yearning to escape industrialism [that] expressed itself as a renewed search for Eden” (37). Foi esta procura de territórios fora das cidades que levou à criação dos primeiros subúrbios. De acordo com Robert Beuka, autor do livro SuburbiaNation – Reading Suburban Landscape in Twentieth-Century American Fiction and Film, os subúrbios eram encarados no século XIX como “the physical embodiment of an ongoing agrarian impulse in the national culture” (24). Com esta movimentação para fora das grandes metrópoles a ser vista como uma necessidade cultural, os americanos procuravam aquilo a que Kunstler chama de “dream of Arcadia” (42), um local situado entre os espaços urbano e rural que oferecia um refúgio pastoril e doméstico longe de uma paisagem deteriorada pela

36 Para Turner, a peculiaridade das instituições americanas reside precisamente no facto de os americanos serem caracterizados por este sentido de expansão, já que tiveram de se adaptar “to the changes of an expanding people – to the changes involved in crossing a continent, in winning a wilderness, and in developing at each area of this progress out of the primitive economic and political conditions of the frontier into the complexity of city life” (1). De acordo com Heike Paul, ao defender um estudo da América de uma perspetiva Este/Oeste – e não com base na herança europeia ou nas divisões entre Norte e Sul – Turner inaugura “an exceptionalism discourse based on experiences of and with the land” (311; itálico meu). 32 indústria.37 Assim sendo, esta versão inicial dos subúrbios representou desde a sua génese um esforço utópico caracterizado pela busca por um ambiente mais natural e as primeiras construções suburbanas do final século XIX eram vistas como empreendimentos salutares que tentavam manter uma ligação com o mundo exterior e natural. Tal como afiança Kunstler:

No matter how fanciful, nineteenth-century homes were built of natural materials that aged gracefully. The procession of porches along the street created a lovely mediating zone between the private world of the home and the public world of the street, further connected and softened by the towering elm trees and the lush foliage (185).

Porém, a entrada no século XX não só veio subverter esta coexistência harmoniosa entre a artificialidade das construções e da paisagem natural, como também representou um corte nos relacionamentos humanos. Cedo se tornou evidente que esta movimentação para fora das cidades não era inteiramente democrática, já que as populações indesejadas e mais pobres iam ficando para trás nas cidades. Assim sendo, à medida que as classes altas se começaram a separar do resto da sociedade, os primeiros subúrbios tornaram-se, como afirma Kunstler, numa espécie de “factory for the production of comfort”, caracterizada pela segregação social (52).38 De facto, apesar de os subúrbios serem considerados uma manifestação per se dos ideais democráticos e pastoris da nação, inicialmente apenas os mais abastados tinham acesso a este local. Como elucida Beuka, a experiência suburbana proporcionava “imaginative models of the type of nonurban experience that the middle and working classes could at that time only dream of” (Beuka 26). Ao efetivar uma

37 De acordo com a doutrina do século XIX, é na Natureza que o homem encontra o seu Eu genuíno. De facto, no seu ensaio “Nature”, publicado em 1836, Ralph Waldo Emerson afirma mesmo que “man and nature are indissolubly joined” e que o mundo natural é “the organ through which the universal spirit speaks to the individual” (63-72). Como tal, ao participar de um espaço divino, também o homem descobre a divindade em si mesmo. Para Emerson, o objetivo fundamental da experiência humana é encontrar uma espécie de luz interior, a que chama “Over-Soul”, ou seja, o divino que unifica todos os seres vivos.

38 Também no século XX, mesmo depois da Segunda Guerra Mundial, altura em que se verificou uma “explosão” de construções suburbanas, os subúrbios não eram completamente democráticos, já que o acesso ao projeto suburbano estava vedado a todos os que não fossem de raça branca e pertencentes à classe média. Consequentemente, Robert Beuka caracteriza os subúrbios do pós-Segunda Guerra Mundial como tendo um “exclusionary ethos” (9).

33 separação entre as populações mais ricas e as mais pobres, a utopia suburbana acaba por falhar visto não considerar aspetos sociais e comunitários, minando assim os seus valores democráticos. Consequentemente, os americanos foram-se tornando cada vez mais isolados, focados somente no seu sucesso pessoal. Por outras palavras, a procura por uma individualidade e por um espaço mais natural numa paisagem suburbana trazia consigo o elevado preço do isolamento, já que a cultura e todas as características cívicas das metrópoles iam sendo deixadas para trás. Tal como defende Kunstler, com a chegada do século XX, a paisagem suburbana deixa de ser caracterizada por construções harmoniosas para passar a não oferecer mais do que “an artificial way of life in an inorganic community that pretended above all other virtues to be ‘natural’” (57). Além de as construções incessantes terem acabado por dominar os meios rurais, também uma nova máquina – o automóvel – começava a penetrar o “jardim” americano.39 Os anos 20 trouxeram consigo uma euforia imobiliária influenciada pelo Modernismo40 e impulsionada por uma economia em crescimento, levando à construção em massa dos arranha-céus que viriam a caracterizar as paisagens citadinas da América. Com a chegada dos anos 20, tal como afirma Catherine Jurca no seu livro White Diaspora – The Suburb and the Twentieth-Century American Novel, à medida que se expandiam as metrópoles, “the suburban home emerged as a crucial symbol of consumer prosperity and fulfillment”, pelo que os interesses governamentais e comerciais passaram a promover uma campanha “Own Your Own Home” a nível nacional. Consequentemente, o Sonho Americano passou a estar cada vez mais associado à aquisição de uma casa, o verdadeiro indicador de sucesso, e não tanto à posse de um negócio próprio (6). Além disso, se a moradia suburbana passou a ser indicador de

39 Aproprio-me aqui da expressão “machine in the garden” de Leo Marx, que, no seu livro The Machine in the Garden: Technology and the Pastoral Ideal in America, problematiza as utilizações do “pastoral ideal in the interpretation of American experience […] and its subsequent transformation under the impact of industrialism” (Marx 4).

40 No início do século XX, o desenvolvimento da paisagem citadina foi largamente influenciado pelo Modernismo. Além de glorificar a máquina, o Modernismo promovia construções simples, uniformes e sem domínio de classe. De facto, de acordo com Kunstler, os estilos arquiteturais ornamentais eram vistos na altura como sendo preferidos por déspotas e, por conseguinte, o estilo Modernista era considerado moralmente superior, “the only acceptable style, the official architecture of decency, democracy, and freedom” (77). 34 sucesso, o mesmo pode ser dito do automóvel que, com a chegada do século XX, começou a ser produzido em massa, facilitando a deslocação para fora das cidades e garantindo a privacidade dos moradores dos subúrbios.41 De facto, o automóvel representa um dos elementos-chave deste período da História da América já que permitia aos americanos não só continuarem a tradição da movimentação como possibilidade, mas também facilitava a sua busca por uma paisagem natural afastada das cidades. Tal como afirma Catherine Jurca, é esta movimentação que permite e impulsiona uma espécie de auto- segregação como “a necessary retreat from and defense against a colonizing presence that is metonymically figured as the city” (7). Porém, apesar do entusiasmo com o progresso do início do século XX, como afirma Susan Currel no estudo American Culture in the 1920s, a Primeira Guerra Mundial vem expor “the bankruptcy of such idealism” (2). De facto, o crescimento económico dos anos 20, possibilitado pela linha de montagem que produzia enormes quantidades de automóveis e outros bens de consumo que viriam a caracterizar as décadas seguintes, foi travado pela saturação do mercado que viria a resultar na Grande Depressão de 1929. Como esclarece Kunstler, “[t]he system of individual enterprise that made America so optimistic and successful during the nineteenth century had evolved into a corporate industrial juggernaut, prone to fabulous booms and cataclysmic busts” (101). Não obstante, ainda que profundamente abalados pelas consequências catastróficas da Queda da Bolsa de Valores, e apesar de a construção e a expansão dos subúrbios ter sido

41 A produção em massa de automóveis permitiu que o carro se tornasse amplamente disponível e facilitou esta movimentação para fora das cidades. Aquilo a que Kunstler chama de “automobile suburbs” (49) foi surgindo à medida que o governo iniciava o financiamento em larga escala de estradas que pudessem acomodar um número crescente de veículos. Tal como este estudioso sugere, verificou-se nesta altura uma campanha deliberada de lobbying para eliminar os transportes públicos por todo o país, através da canalização de subsídios consideráveis para o automóvel privado. Em contrapartida, os sistemas de elétricos citadinos enfrentavam regulamentações onerosas e estavam privados de fundos públicos, o que tornava a sua sobrevivência económica praticamente inviável. Mais concretamente, a General Motors levou a cabo uma forte campanha para a substituição dos elétricos por autocarros movidos a gasolina em todas as cidades dos Estados Unidos da América. Kunstler assevera mesmo que o objetivo da General Motors era “to replace public transportation with private transportation”, uma estratégia que “ultimately cost America its cities” (90-2). Para Kunstler, a deterioração da vida urbana é causada precisamente “by enticing the middle class to make their homes outside of town” (90). Para os americanos, o automóvel trazia consigo um estatuto que os separava das classes sociais mais baixas, que eram as únicas a utilizar os transportes públicos nas cidades (86-92).

35 momentaneamente interrompida pela crise, os americanos nunca deixaram de sonhar com um regresso a uma economia robusta. Ironicamente, a nação viria a ultrapassar as falhas inerentes ao capitalismo tornando-se uma importante economia mundial, promovendo diferentes iniciativas, como a Federal Housing Administration (FHA),42 que permitiram criar as condições para a grande expansão suburbana que viria a marcar as décadas seguintes e promoveram o aparecimento e o crescimento exponencial de uma classe média logo após a Segunda Guerra Mundial. De facto, e como refere Catherine Jurca, as divisões de classe são atenuadas neste período pela celebração de uma “capitalist society that had made everyone middle class” (135; itálico meu). Não só a FHA permitia que possíveis compradores acedessem mais facilmente a empréstimos que tornariam possível o sonho do lar suburbano, mas também outras iniciativas como o Servicemen’s Readjustment Act (mais conhecido como “GI Bill”) de 1944 garantiram aos soldados regressados da guerra as condições financeiras que lhes permitiriam adaptar-se mais facilmente à vida civil e iniciar o seu projeto familiar. Nos anos 50 estavam reunidas todas as condições para aquilo que Catherine Jurca chama de “white diaspora”, ou seja, a movimentação em massa para os subúrbios. Tal como no século XIX em que o explorador era atraído pelas terras na Fronteira Americana, os futuros moradores dos subúrbios viram-se também atraídos pelos preços acessíveis das moradias suburbanas que cada vez mais se tornavam a paisagem dominante. De facto, esta movimentação para os subúrbios representa um dos mais importantes aspetos sociais da vida moderna na América. Munidos de uma constante crença na sua autossuficiência e no seu individualismo, assim como num regresso ao pastoralismo herdado do ideário da nação, os americanos procuravam encontrar na paisagem suburbana uma espécie de “Fronteira Americana” na qual pudessem recomeçar ou mesmo onde se conseguissem reinventar, concretizando assim o seu Sonho Americano de sucesso material. Assim

42 A Federal Housing Administration (FHA) foi criada em 1934 pelo Presidente Franklin Delano Roosevelt com o objetivo de facilitar o financiamento de habitações, garantido um seguro para os créditos hipotecários cedidos pelos bancos. Assim, as instituições bancárias viam-se encorajadas a ceder empréstimos a possíveis compradores. A FHA foi ainda responsável pela melhoria das condições de habitação e pela criação de empregos na área da construção civil na sequência da Grande Depressão.

36 sendo, a meu ver, os subúrbios representam um recontar da História Americana em que o pastoril é novamente reclamado e a Natureza subjugada. A economia de guerra e a prosperidade dos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial tornaram possível retomar esta busca por um ambiente mais natural, tendo a construção de moradias suburbanas e o êxodo para esta paisagem atingido níveis sem precedentes. De facto, depois do trauma da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial, tudo o que os americanos desejavam era finalmente assentar mudando-se para a paisagem suburbana, encarada, de acordo com Robert Beuka, como “the promised land of the American middle class” (5). Além de representar uma forma de recompensa para os cidadãos pelas suas provações durante a Depressão e durante a Segunda Guerra Mundial, na opinião de Jurca, a moradia suburbana era vista acima de tudo como um “vehicle of Americanization and social mobility, a marker of stability, independence, and respectability, a source of emotional as well as material shelter” (10).

1.3. A “cruel parody” da paisagem suburbana

Na tentativa de escaparem às influências negativas das cidades,43 os americanos procuravam na paisagem suburbana aquilo que, no seu ensaio “The Suburban

43 Robert Beuka dá o nome de “suburbianation” a esta procura por uma paisagem separada dos problemas sociais que caracterizam as cidades, já que garantia aos habitantes dos subúrbios um afastamento suficiente que lhes permitia ignorar de forma deliberada o que se passava nas cidades. Assim, os subúrbios constituíam uma paisagem insular assentada em valores familiares e comunitários (10). Como afirma David Riesman em “The Suburban Dislocation”, a movimentação para os subúrbios, o casamento e a crescente taxa de natalidade que viriam a caracterizar a cultura americana no pós-Segunda Guerra Mundial constituíam também um protesto contra “the values inherited from industrialism, and the low-birth-rate middle-class metropolis” (132). Por outras palavras, os anos 50 acabam por inverter uma tendência mais radical inaugurada no início do século XX, promovendo não só um regresso ao pastoralismo do ideário americano ameaçado pela metrópole, mas também aos valores e papéis tradicionais que caracterizaram o século XIX. De facto, enquanto que nos anos 20 do século XX os homens se identificavam com as áreas do comércio e da indústria e as mulheres conseguiram quebrar a barreira que as separava dos homens ao tornarem-se aquilo que Riesman descreve como “man-imitating career girls” (132), nos anos 50 verificou-se uma inversão desta tendência com uma crescente homogeneização dos papéis do homem como responsável pelo sustento da família e da mulher como dona de casa. Nas raras ocasiões em que as mulheres tinham empregos, estes, por norma, suportavam “the suburban menage” (132). Deste modo, os subúrbios contribuíram não só para a criação de emprego e para impulsionar a economia, mas também serviram de palco para um regresso aos valores tradicionais da família e, em teoria, de comunidade. 37

Dislocation”, David Riesman descreve como “an inchoate dream of spaciousness [with] qualities of possibility” (141). Porém, apesar do entusiasmo inicial com o planeamento e a reorganização da paisagem suburbana, centrada em valores familiares tradicionais, de acordo com Kunstler, o projeto suburbano acabou por se revelar “a cruel parody” (105). De facto, ainda que hipoteticamente ligada a um espaço rural e construída, como defende Robert Beuka, “as a sort of plotted, ordered, endlessly repeating pastoral landscape” (20), a paisagem suburbana acaba por se revelar homogénea e artificial, contrastando assim com a paisagem natural pretendida. Além disso, este espaço acaba por eliminar a separação entre o urbano e o rural, contribuindo para aquilo que Beuka descreve como um “proliferating sense of placelessness” (2). A este esbatimento das distinções entre espaço rural e urbano junta-se ainda o sentimento de clausura resultante de um ambiente de Guerra Fria. A prosperidade económica e o êxodo para os subúrbios após a Segunda Guerra Mundial andaram lado a lado com a “Ameaça Vermelha”, que atingiu o seu auge entre 1950 e 1954 quando o senador Joseph McCarthy lançou uma série de investigações sobre possíveis infiltrações comunistas em instituições governamentais americanas. Neste período, “contenção” e “conformismo” tornaram-se palavras de ordem e são fundamentais para entender os anos 50 e a paranoia política que caracterizou esta era. Verificava-se nesta altura um sentimento generalizado de ansiedade não só causado pelos receios dos possíveis efeitos de uma bomba atómica, especialmente após os resultados devastadores das bombas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, mas também, como afirma Martin Halliwell no seu livro American Culture in the 1950s, pela crença generalizada de que os comunistas poderiam estar a trabalhar “to disintegrate American society from within” (2). Este clima de Guerra Fria teve como consequência generalizada o confinamento no lar suburbano que oferecia, como afirma Elaine Tyler May em Homeward Bound - American Families in the Cold War Era, “a secure, private nest removed from the dangers of the outside world” (1). Além disso, o medo e o sentimento generalizado de suspeição eram promovidos e explorados de forma a que a população americana sentisse que a prosperidade conquistada durante a guerra estava constantemente sob ameaça e, por isso

38 mesmo, devia ser mantida a todo o custo.44 De facto, era generalizada a hostilidade para com aqueles que não se adaptavam ao padrão suburbano da família nuclear, sendo as vozes mais rebeldes encaradas como um perigo para a sociedade americana pelo seu questionamento do status quo.

1.4. A distopia suburbana e o encerramento de paisagens físicas e mentais

A experiência da classe média nos subúrbios acabou por ser caracterizada pelo medo do intruso, ou seja, o comunista ou o subversivo, assim como por uma paisagem homogénea, dominada por blocos de moradias idênticas, que não só impedia a individualidade e a originalidade, mas também provou ser um ambiente artificial, não permitindo qualquer tipo de refúgio natural. Consequentemente, a vivência suburbana acabava por se revelar frustrante e vazia de sentido, levando, de uma forma generalizada, a um repúdio por aquela paisagem. À medida que os projetos suburbanos iam dominando a América, logo os sociólogos começaram a considerar os efeitos adversos que esta

44 De acordo com David Riesman, aspetos tais como a uniformidade e o confinamento são tópicos comuns nas obras literárias produzidas no pós-Segunda Guerra Mundial. De facto, por norma, os romancistas desta era que se debruçam sobre a paisagem suburbana realçam “the uniformity of the ranch style, the ever- present television antennae, the lamp, if not the crack, in the picture window – which usually provides a view of the nearly treeless street, the cars, and someone else’s picture window” (142). A “picture window” ou janela panorâmica é, de facto, um dos símbolos mais comummente utilizados na ficção produzida nesta altura já que, num clima de Guerra Fria, como afirma Beuka, a janela “symbolically eliminated the distinction between the public and private sectors” (79). O que resulta é um sentimento constante de vigilância e de controlo, justificados como forma de proteger o ideal suburbano. Consequentemente, Beuka descreve a paisagem suburbana como uma “landscape of fear” (21). Além de Revolutionary Road, outro exemplo ficcional da utilização deste símbolo da janela panorâmica pode ser encontrado no romance Rabbit, Redux, de John Updike, o segundo volume da tetralogia Rabbit Angstrom. Neste romance, a janela permite “[the] outdoors to come indoors, other houses to enter yours” (328). Isto é exemplificativo do sentimento constante de vigilância em que a população deveria estar atenta a comportamentos considerados subversivos, enquanto o governo e os média promoviam o “American way of life”, destacando a importância dos confortos materiais e afirmando a superioridade da América durante a Guerra Fria. Isto é eloquentemente exemplificado no livro Homeward Bound: American Families in the Cold War Era, de Elaine Tyler May. De acordo com esta estudiosa, num encontro com o primeiro-ministro soviético Nikita Khrushchev durante a American Exhibition, que se realizou em Moscovo no ano de 1959, o na altura vice- presidente americano Richard Nixon ajudou a reforçar que a “American superiority in the Cold War rested not on weapons, but on the secure, abundant family life of modern suburban homes. In these structures, adorned and worshipped by their inhabitants, women would achieve their glory and men would display their success. Consumerism was not an end in itself; it was the means for achieving individuality, leisure, and upward mobility” (21).

39 homogeneização e artificialidade trariam para a classe média americana. De facto, os subúrbios excluíam a possibilidade de encontrar um sentido de redenção e de autenticidade, já que esta “natureza” simulada contrastava com a paisagem natural encarada no século XIX como uma força libertadora e purificadora para o indivíduo. Por outras palavras, apesar de os blocos de casas evocarem o Sonho Americano da classe média e promoverem o “American way of life”, estes acabavam também por sugerir, como sustenta Robert Beuka, “that dream’s inverse: the vision of a homogenized, soulless, plastic landscape of tepid conformity, an alienating ‘noplace’” (4). O que se verificava era uma experiência pouco genuína já que a paisagem artificial45 não permitia uma reinvenção pessoal ou, voltando às palavras de Frederick Jackson Turner, não possibilitava o “perennial rebirth” que no passado da nação resultava do contacto com a Natureza (2). Desta forma, se o objetivo dos subúrbios era ainda proporcionar um contacto mais próximo com um espaço natural, oferecendo um local seguro e livre dos perigos da Guerra Fria e do “valley of ashes”46 produzido pelas cidades, enquanto teoricamente promovia a individualidade e o sucesso pessoal, a paisagem suburbana revelou não ser original nem estimulante devido à sua uniformização,47 pelo que a autenticidade da vivência neste local ficava aquém das idealizações dos seus habitantes.

45 De facto, no pós-Segunda Guerra Mundial, grande parte das vezes o único elemento natural nos subúrbios era o relvado, que veio a tornar-se componente obrigatória da paisagem suburbana. O relvado não só simbolizava a face natural dos subúrbios como era uma manifestação do estatuto da família e da comunidade suburbana em geral, proporcionando, como afirma Robert Beuka, a ilusão de um “shared, neighborly space” (177). Por outras palavas, um relvado cuidado era um símbolo de sucesso. Porém, ainda que manter um pequeno jardim sugerisse que os subúrbios eram um local natural e mais saudável, o relvado acabou por se tornar, de acordo com Riesman, numa espécie de “compulsory outdoor housekeeping”. De facto, dada a sua artificialidade, os subúrbios não representavam um local fértil e, logo, não conseguiam contrastar inteiramente com o espaço urbano, sendo o relvado não mais do que “a tax imposed by neighborhood consciousness” (Riesman 139-40). Os anúncios publicitários desempenhavam um papel importantíssimo neste âmbito, já que forneciam orientações sobre a manutenção desta componente do lar suburbano. Enquanto que uma manutenção adequada do relvado era uma demonstração de uma boa vizinhança, a sua negligência simbolizava precisamente o contrário.

46 Aproprio-me aqui da expressão utilizada por F. Scott Fitzgerald no seu romance para descrever a área situada entre West Egg e Manhattan que simboliza o resultado da incansável busca pelo sucesso material que caracterizou o início do século XX.

47 Talvez possamos ir ainda mais longe afirmando mesmo que, ironicamente, os subúrbios tinham as mesmas condições estáticas e as construções homogéneas de um ambiente de confinamento quase totalitário que em muito se assemelhava ao regime Comunista que os Estados Unidos da América tanto esperavam localizar, espiar e subverter.

40

Se no século XIX os primeiros subúrbios representavam uma oportunidade de recomeço longe do ambiente estéril da cidade, nos subúrbios do século XX a experiência suburbana assenta, acima de tudo, no consumo e nos confortos materiais. Além disso, a paisagem suburbana no pós-Segunda Guerra Mundial ficou marcada pelas construções com materiais baratos e pouco duradouros, produzindo um ambiente artificial que contrastava com uma paisagem natural e viva, revelando ser tão estéril como o ambiente citadino do qual os americanos tentavam escapar. De acordo com Catherine Jurca, à moradia suburbana faltava “emotional texture” (5), o que fazia com que os seus moradores não conseguissem encontrar um sentido nas suas casas, que viam como artificiais e inautênticas. Naturalmente, esta situação era também magnificada na medida em que as construções suburbanas e as das estradas que as serviam acabavam por dominar a paisagem natural.48 Seguindo Mumford, do êxodo para os subúrbios nos Estados Unidos resultou

a multitude of uniform, unidentifiable houses, lined up inflexibly, at uniform distances, on uniform roads, in a treeless communal waste, inhabited by people of the same class, the same income, the same age group, witnessing the same television performances, eating the same tasteless pre- fabricated foods, from the same freezers, conforming in every outward and inward respect to a common mold. (486)

De acordo com Riesman, neste ambiente uniformizado, “radically alternative ways of life which might evoke different desires [were] strikingly absent from the visual and psychological landscape of America” (129). Ao aceitarem o conformismo e a clausura, os americanos parecem finalmente ter chegado ao fim da sua “estrada”. De facto, a individualidade conseguida com a compra de uma casa contrastava com o “rugged individualism” do século XIX visto que a posse de propriedade privada no ambiente de prosperidade económica do pós-Segunda Guerra Mundial acarreta aquilo que Catherine

48 F. Scott Fitzgerald já havia ficcionalizado em The Great Gatsby esta preocupação relativamente à evolução da paisagem. O final do romance – “boats against the current, borne back ceaselessly into the past” (115) – está imbuído de nostalgia, como se Fitzgerald, como defende Robert Beuka, procurasse um significado em “landscapes of memory” (63). Desta forma, Fitzgerald acaba por antecipar certas preocupações que viriam a caracterizar a grande era suburbana no pós-Segunda Guerra Mundial.

41

Jurca descreve como uma “sentimental dispossession”.49 Para esta estudiosa, “white middle class suburbanites beg[a]n to see themselves as spiritually and culturally impoverished by prosperity” (7). A “cruel parody” a que Kunstler se refere no seu estudo sobre os subúrbios tem ainda mais peso e ironia se tivermos em conta que o ambiente artificial dos complexos suburbanos era, por norma, associado a nomes ligados à Natureza. Além disso, para criar uma ilusão de ancestralidade que reduzisse os efeitos de uma paisagem cada vez mais homogénea, os complexos suburbanos evocavam por vezes nos seus nomes momentos relevantes da História Americana.50 Porém, ainda de acordo com Kunstler, o grande problema desta paisagem não era somente a sua artificialidade, mas também o facto de eliminar “all the traditional connections and continuities of community life, [replacing] them with little more than cars and television” (105).

1.5. “An encapsulated life” e a continuação de uma tendência anti-intelectual

À posse de uma casa nos subúrbios e de um carro como indicadores de sucesso juntavam-se ainda outros objetos materiais, incluindo televisores, eletrodomésticos e outros bens de consumo que a crescente indústria publicitária divulgava, encorajando a sua compra. Como muito bem Riesman defende, esta era uma forma de afirmar um estatuto social, “no longer gained by hard work and craftsmanship, but rather by one’s consumer skills” (130). Por outro lado, e ainda de acordo com Riesman, o crescimento e a democratização dos subúrbios, assim como a consequente “constriction of alternatives” causada pelo crescente confinamento neste local alienador, acabaram por alterar as

49 Naturalmente, este sentido de “dispossession” contrasta com a expropriação literal que vemos retratada, por exemplo, na obra de John Steinbeck, ou mesmo com a expropriação dos afroamericanos a quem o Sonho Americano dos subúrbios estava obviamente vedado.

50 Em Levittown, por exemplo, uma urbanização com sete grandes desenvolvimentos suburbanos nos estados de Nova Iorque e da Pensilvânia, construídos por William J. Levitt entre 1947 e 1958, os modelos das moradias tinham nomes como “The Country Clubber”, “The Colonial” ou “The Rancher”. Este será também o caso no romance yatesiano aqui abordado, onde temos a “Revolutionary Road”, que é o nome do caminho para os “Revolutionary Hill Estates”, o complexo suburbano junto à moradia dos Wheeler. 42 paisagens físicas e mentais dos americanos, levando a um sentimento de insatisfação e de solidão causados pela perda de individualidade e de liberdade (136), o que, a meu ver, representa o fim da “estrada” americana.51 Adicionalmente, visto que os subúrbios não ofereciam o valor cultural e artístico das cidades, os americanos acabaram por se voltar cada vez mais para si mesmos e a televisão tornou-se o seu principal canal de ligação com o mundo exterior. De facto, na década de 50, a televisão tornou-se a ferramenta cultural popular por excelência para a promoção e glorificação da experiência suburbana, previamente inatingível para grande parte da população. Este meio de comunicação veio continuar na América uma tendência para o anti-intelectualismo e para a ausência de pensamento independente, inaugurada por Henry Ford com a produção em massa de carros e com o crescimento de uma cultura empresarial.52 Semelhantemente aos anos 20 em que, como sustenta Susan Currell, o cinema produzia “sensations of living without the direct experience of life” (7), no pós- Segunda Guerra Mundial, a televisão acabou por preencher o vazio resultante da introspeção dos americanos, tornando-se um sistema unidirecional que lhes permitia assumir “identidades” de forma secundária e passiva, imitando comportamentos ao invés de desenvolverem uma identidade única e original.53 De acordo com David Riesman, a

51 No seu ensaio intitulado “This Age of Conformity”, Irving Howe atribui àquilo que chama de “breakup of bohemia” a culpa pelo sentimento de solidão e de isolamento resultante da experiência suburbana. Para Howe, que problematiza este sentimento em particular junto dos intelectuais americanos, “young writers [who] would once face the world together […] now sink into suburbs [and] the price they pay for this rise in social status is to be measured in more than an increase in rent” (6).

52 De acordo com Susan Currell, nos anos 20, “the flip side of mass production was mass consumption. The growth of middle-class America – made up increasingly of people living in suburban houses, commuting, socialising and shopping using automobiles – fuelled intellectual concerns over the disappearance of ‘authentic’ culture into one that was mass produced, created to distract and depoliticise the consumer” (7).

53 A meu ver, confinados na paisagem suburbana, que encerra qual “Fronteira Americana”, os americanos continuamente recorriam à televisão, ao cinema e à publicidade para imitarem comportamentos prescritos, que eram promovidos por forma a prevenir comportamentos subversivos. De facto, o “American way of life” era protegido através de uma política de conformismo que era contrária ao caráter dissidente que, desde muito cedo, pautou a identidade americana, começando com os Puritanos, até à rutura com a Coroa Inglesa, que culminou com a Revolução Americana. A meu ver, em conjunto com o medo causado pela ameaça comunista que absorvia a população, o sentimento generalizado de mal-estar que se verificava na paisagem suburbana pode possivelmente ser explicado por esta estratégia de conformismo que era tão contrária à tradição americana. Por outras palavras, a mente americana sempre se mostrou resistente à domesticação.

43 continuação desta tendência anti-intelectual é causada por aquilo que descreve como uma “decentralization of leisure [where] the home itself, rather than the neighborhood, becomes the chief gathering place for the family”. Riesman acrescenta ainda que a clausura no espaço suburbano causa uma “loss of differentiation as the parents play pals to their children and the latter, while gaining a superficial precocity, lose the possibility of wider contacts” (134). Esta “diferenciação” que caracterizava as metrópoles acaba por se perder, perpetuando a solidão que permeia o ambiente suburbano. De facto, ainda que sendo manifestação de um estatuto social, o lar e todas as comodidades a si associadas acabavam também por substituir as relações humanas, contribuindo para um sentimento generalizado de alienação. Para Lewis Mumford, na América,

[n]ot merely did the suburb keep the busier, dirtier, more productive enterprises at a distance, it likewise pushed away the creative activities of the city. Here life ceased to be a drama, full of unexpected challenges and tensions and dilemmas: it became a bland ritual of competitive spending. (494)

De facto, o confinamento no lar suburbano e a falta de contacto com o mundo exterior – filtrado pelo ecrã de televisão – levou àquilo que Mumford caracteriza como “an encapsulated life, spent more and more either in a motor car or within the cabin of darkness before a television set”. Desta forma, a população era mantida sob controlo, com o conhecimento a ser “monopolized by central agents and conveyed through guarded channels” (512). Ainda que inicialmente o objetivo dos subúrbios fosse criar uma comunidade ideal de contornos utópicos, com as moradias semelhantes a eliminarem as diferenças entre os seus habitantes, a homogeneização da paisagem e a eliminação da sua dimensão cívica cedo tornaram os subúrbios numa experiência distópica que proporcionava somente uma existência claustrofóbica. Por conseguinte, e apropriando-me de Catherine Jurca, os subúrbios eram vistos como “an institution that delivers far more in the way of self-pity than gratification”, especialmente porque o privilégio que a vivência nesta paisagem acarretava era indissociável de “an embarrassing cultural and spiritual banality” (11-7). Adicionalmente, ao procurarem um refúgio nos subúrbios, os habitantes desta paisagem

44 não conseguiram aperceber-se da debilidade da concretização do seu sonho, que era, como sublinha Mumford, “the penalty of popularity, the fatal inundation of a mass movement whose very numbers would wipe out the goods each individual sought for his own domestic circle” (486). Por outras palavras, dado que os subúrbios representavam um sonho comum para grande parte da população, nesse local não era permitida uma vivência marcada pela individualidade, já que neste espaço homogeneizado haviam sido eliminados todos os indícios de originalidade e autenticidade. Na opinião de Robert Beuka, os subúrbios representavam mesmo uma ameaça aos “cherished ideals of individuality and self-determination” (6). Desta forma, o que era suposto ser um indicador de individualidade e um refúgio do espaço citadino acabou ironicamente por se tornar, como com pertinência Mumford refere, num “low-grade uniform environment from which escape [was] impossible” (486). A meu ver, o confinamento na paisagem suburbana, assim como a criação de um espaço geográfico que acaba por negar qualquer tipo de individualidade ao promover uma identidade social homogénea e a reificação de papéis, acabaram por levar a um sentimento de introspeção, de solidão e de ansiedade, que, por sua vez, provocou uma rejeição do ideal suburbano e uma convicção de que a cultura americana se havia tornado mais restrita. É esta separação da população que se muda para os subúrbios daquela população indesejada que permanece nas cidades que inaugura o fracasso e mesmo o fim das relações interpessoais, dando origem ao que chamo nesta dissertação de “segunda geração perdida”.

45

1.6. O fim da “estrada” americana

Kunstler defende que apesar de um sentimento de clausura, tanto nos subúrbios como nos cargos empresariais exercidos por homens na sua esmagadora maioria,54 “Americans still liked to think of themselves as rugged individualists, as pioneers out on the frontier, no matter how many of them really worked as factory slaves or office drones” (101). De facto, apercebendo-se da homogeneidade, do vazio e da artificialidade da experiência suburbana, os americanos afirmavam continuamente a sua autenticidade, demarcando-se da condição suburbana e proclamando a sua diferença relativamente ao ambiente que habitavam. Existia uma preocupação em criar e projetar “a self that is different from ‘the crowd’” (12), como assevera Jurca. Com efeito, ao verem-se confrontados com uma paisagem mundana e claustrofóbica, os habitantes dos subúrbios tentavam contestar o sentimento de inércia e de alienação que experienciavam, resistindo fortemente à paisagem suburbana, ao mesmo tempo que ironicamente a integravam. Por outras palavras, alimentavam a ilusão de que a sua experiência suburbana seria temporária, reclamando para si uma posição de superioridade em que, como afirma Beuka, “evidence of cultural distinction serve[d] as the measure of social status” (71; itálico meu). Porém, ao fazê-lo, estavam precisamente a exemplificar a cultura suburbana já que toda a população que habitava esta paisagem tentava igualmente separar-se da multidão. Assim sendo, o conformismo é disfarçado com descontentamento, o que se torna também um dos principais indicadores da experiência suburbana. Nos subúrbios, o que se verificava era uma incapacidade de movimentação que, a meu ver, era causada por esta imersão num ambiente insípido que refletia o fracasso das promessas do Sonho Americano. Além disso, à medida que a cultura popular promovia

54 Esta vida “encapsulada” alargava-se aos cargos empresariais mantidos pelos homens e necessários para financiar a experiência suburbana. A meu ver, a clausura no lar suburbano estava intimamente ligada ao escritório, sendo que ambos constituíam experiências severamente alienadoras. Para Catherine Jurca, ao invés de proporcionar uma espécie de alívio do trabalho administrativo – o chamado trabalho “white collar” que foi “reinvented as the factory slave of the fifties” –, o lar suburbano representava antes “a castle […] ruled by a nervous and unhappy king” (137-8).

46

“guiões” de comportamentos normalizados,55 as identidades passavam a ser tão artificiais e inautênticas como as casas suburbanas em si, pois os homens tornavam-se indistinguíveis nos seus cargos empresariais e as mulheres nos seus papéis como esposas e mães. Em suma, existe uma visão paradoxal dos subúrbios, que representavam, de acordo com Beuka, “both the promise and the failure of mainstream, middle-class American culture” (16). Encurralados pelas vantagens oferecidas pelo espaço que habitavam, assim como pelo conformismo que este acarretava, os americanos não conseguiam nem encontrar uma “Nova Fronteira”, nem construir um caminho para uma nova paisagem, com outras possibilidades. Para Kunstler, isto pode ser explicado pelo facto de a vida ser tão “easy [in the suburbs] for so many for such a long time that Americans somehow got the idea that [they] merely had to wish something was so in order to make it so” (169). De facto, só a geração seguinte, a dos filhos dos habitantes dos subúrbios, viria a encetar uma tentativa de libertação deste ambiente claustrofóbico, revoltando-se contra as escolhas dos seus pais e procurando a experiência autêntica que os subúrbios negavam. Para isso, inspirando-se no século XIX, tentaram recriar uma movimentação para outras “geografias”, quer através da itinerância, quer através da arte e das drogas.56 Esta nova contracultura – impulsionada também por um desdém pela cultura capitalista da

55 A televisão e o cinema desempenharam um papel fundamental na promoção do espírito da Fronteira Americana. De facto, o interesse na teoria da Fronteira Americana avançada por Frederick Jackson Turner foi reavivado nos anos 50, tornando-se o Western o género cinematográfico mais popular no século XX até aos anos 60. De facto, nesta altura, a teoria da Fronteira foi adaptada para legitimar a expansão dos subúrbios, ajudando a manter uma ilusão de possibilidade, enquanto que se ia promovendo simultaneamente a normalização dos papéis domésticos e corporativos. Como afirma Mark Wheeler em Hollywood: Politics and Society, “Hollywood’s status in political affairs demonstrated its growing importance as a purveyor of popular dreams” (52; itálico meu).

56 A propósito deste aspeto, é interessante realçar que no seu penúltimo romance Young Hearts Crying (1984), Richard Yates retrata este aspeto da cultura americana, ainda que de forma superficial. Laura Davenport, filha do casal suburbano Michael e Lucy Davenport, acaba por deixar o seu lar nos subúrbios para conseguir alcançar, através do consumo de drogas, aquilo que descreve como “the Outer Limits” (355). Não creio ser acidental a utilização desta expressão já que a geração que nasce nos subúrbios despreza completamente as limitações da paisagem suburbana.

47

América,57 pela agitação do Movimento dos Direitos Civis, assim como pela desilusão com o envolvimento dos Estados Unidos na Guerra do Vietname – tentou recuperar o sentido de espírito comunitário que o isolamento da experiência suburbana impossibilitava. Na sua tentativa de recriarem novas “estradas”,58 os filhos dos subúrbios pretendiam novamente recuperar, como sustenta Kunstler, “[t]he freedom to pick up and move [that] is a premise of the national experience”. Porém, também esta tentativa nostálgica de recuperação de uma tradição americana acabou por se revelar inautêntica já que, como interroga o estudioso, numa nação dominada pela paisagem suburbana, “[w]here is the ultimate destination when every place is Noplace?” (173). Nos anos 50 não se verificou uma construção de novas “fronteiras” nem de “estradas” de significado, pelo que a individualidade e liberdade hipoteticamente oferecidas pelos subúrbios acaba por não ser genuína. De acordo com Mumford, a paisagem suburbana “narrow[ed] the effective range of the person [who became] imprisoned by the very separation that he ha[d] prized” (513). Como Kunstler bem defende, esta restrição de possibilidades e de geografias ia de encontro à “restless human mind [that] loves to have a goal in view, to savor the approach, to enjoy the reward of reaching the destination, and to then get on with the next thing” (127). Assim sendo, os subúrbios acabavam por negar as possibilidades desejadas com esta reinterpretação do mito do Sonho Americano, pois os seus habitantes viam-se incapazes de encontrar originalidade na “fronteira” do seu lar e no seu sucesso pessoal. A resultante incapacidade

57 De acordo com Robert Beuka, para esta contracultura, a paisagem suburbana era vista como “a symbol of their parents’ commitment to a suffocating, oppressive materialism” (137).

58 Não surpreende, portanto, que no seu discurso de 1960 acerca da sua nomeação como candidato Democrata à presidência dos Estados Unidos, John F. Kennedy tenha prometido à nação uma “Nova Fronteira”. Este discurso, que tanto impacto teve junto da população americana, veio trazer novo vigor à crença no potencial americano. Baseando-se na tradição americana da Fronteira, Kennedy evoca um novo e excitante futuro caracterizado através de “a set of challenges […] to get the country moving again” (Kennedy, John F. “Historic Speeches - Acceptance of Democratic Nomination for President.” John F. Kennedy Presidential Library and Museum, 1960, https://www.jfklibrary.org/learn/about-jfk/historic- speeches/acceptance-of-democratic-nomination-for-president, último acesso em 12 de outubro de 2020). A meu ver, esta alusão a um sentido de movimentação é particularmente relevante já que evoca um dos princípios básicos da doutrina americana. No seu livro Beyond the Gray Flannel Suit: Books from the 1950s that Made American Culture, David Castronovo afirma que esta ideia de uma “Nova Fronteira” estava já “lodged in the heart – if not the politics – of the 1950s” (11).

48 de produzir ligações humanas nos subúrbios, de conseguir comunicar com o outro, assim como de desenvolver uma ligação à paisagem em si, é evidente no romance Revolutionary Road de Richard Yates, onde as representações do espaço suburbano subvertem completamente não só as conceções Românticas da Natureza do século XIX como um ambiente regenerador, mas também o espírito aventureiro dos pioneiros da Fronteira Americana, já que a paisagem suburbana é caracterizada como um local que abafa a identidade e a individualidade dos seus habitantes. Numa paisagem suburbana que é vista como claustrofóbica, homogénea e opressiva, apesar de todas as suas promessas e potencialidades, os personagens são confrontados com as suas limitações e revelam ser incapazes de afirmar a sua individualidade, bem como de forjar novos caminhos pessoais, tornando-se somente mais um numa multidão, como melhor se entenderá no capítulo seguinte.

49

Capítulo 2 – Revolutionary Road: a solidão e a clausura na

paisagem suburbana americana

If my work has a theme, I suspect it is a simple one: that most human beings are inescapably alone, and therein lies their tragedy. Richard Yates59

Don’t let them stifle you with their talk about duty. Go to France – find yourself! Robert E. Sherwood60

2.1. A contaminação pelos subúrbios – uma paisagem artificial

O romance Revolutionary Road tem como pano de fundo uma cultura definida pela Guerra Fria e a paisagem suburbana como estando caracterizada por uma homogeneidade que representa uma ameaça à identidade dos seus habitantes. Dividido em três partes, Revolutionary Road é um romance que explora as contradições resultantes da tentativa de concretização de sonhos e a frustração causada pela solidão e pelo fracasso da construção de “estradas” de significado naquela paisagem. A trama gira em torno de April e Frank Wheeler, um casal que se muda para os subúrbios a oeste do estado do Connecticut depois de April engravidar inesperadamente do seu primeiro filho. Nos subúrbios, tanto April como Frank esperam encontrar o lugar seguro para criarem os seus

59 O’Nan, Stewart. “The Lost World of Richard Yates.” The Boston Review, 1999, http://bostonreview.net/stewart-onan-the-lost-world-of-richard-yates, último acesso em 12 de outubro de 2020. De acordo com O’Nan, Richard Yates terá proferido esta expressão numa entrevista.

60 Sherwood, Robert E. The Petrified Forest. Internet Archive Books, 1935, https://archive.org/details/petrifiedforest0000sher/page/n9, último acesso em 12 de outubro de 2020.

50 filhos e constituírem uma família, já que isso era, nos anos 50, o esperado de um jovem casal. Porém, ainda que April e Frank procurem nessa paisagem um lugar protegido longe dos efeitos perniciosos da cidade, descrita pelo narrador como “[a place of] mildew and splinters and cockroaches and grit” (30), ambos estão perfeitamente conscientes das restrições do ambiente suburbano. De facto, ao longo de todo o romance, o casal denuncia e escarnece dos subúrbios, sempre reclamando para si uma posição de superioridade, como se fosse imune ao ambiente que habita. Contudo, apesar de ambos tentarem destacar-se pela diferença, contrariando a clausura do ambiente suburbano, Frank acaba por se sentir preso aos subúrbios e a um emprego que vê como “the dullest job you can possibly imagine” (13), e April minada pela natureza inatingível dos seus sonhos. De acordo com David Castronovo, autor do livro Beyond the Gray Flannel Suit: Books from the 1950s that Made American Culture, Richard Yates escreve sobre as vidas de “average and below-average strugglers faced with the limitations and desperations of suburbia” (187). Em Revolutionary Road em particular, Yates explora a forma como os personagens enfrentam uma vida mundana numa paisagem que veem como limitativa e anuladora da sua identidade ao mesmo tempo que, como afirma Jennifer Daly na sua tese de doutoramento intitulada Why Is Your Brand Crisis? Challenging the Representation of Masculinity in the Work of Richard Yates, Richard Ford, and Jonathan Franzen, tentam conciliar esta banalidade com “a culturally engrained set of beliefs that tells them they can be anything they want to be” (38). De facto, ao longo do romance, April e Frank Wheeler – e Frank em particular – expressam o seu desdém pela vida nos subúrbios, rejeitando o seu conformismo e a sua futilidade, que acreditam ser os maiores males da sociedade americana. De acordo com Daly,

Frank and April repeatedly discuss the ills of contemporary society and continually attempt to place themselves above it. All this they do from the comfort of their detached suburban house complete with the ubiquitous, and much maligned, picture window. They find it easy to critique the system they are part of because they are convinced that they, and they alone among their peers, are fully aware of everyone’s place within it. It is essential for them to feel slightly removed from the mass conformity they participate in, but still condemn. (46)

51

Para permanecerem imunes à homogeneidade que caracteriza a paisagem suburbana e ao conformismo que esta acarreta, tal como é afirmado no romance, “the important thing was to keep from being contaminated. The important thing, always, was to remember who you were” (20). De facto, Catherina Jurca considera que os subúrbios em Revolutionary Road são “a living space that is in constant danger of contaminating you, of turning you into something you’re not – someone who belongs there” (148). Por conseguinte, existe por parte dos Wheeler uma constante afirmação da sua individualidade ao longo de todo o romance, mas que não passa de uma ilusão da qual os personagens não se conseguem libertar, o que por sua vez instala um sentimento generalizado de ansiedade, de frustração e de solidão.61 Os Wheeler tentam ao longo do romance conciliar a versão idealizada que haviam construído deles mesmos como casal boémio e culto com o ambiente banal que habitam, mas acabam minados por uma paisagem que consideram opressiva e que, a meu ver, os confronta com as suas próprias limitações e com a sua incapacidade para alterarem a sua situação pessoal. Na minha opinião, é este conflito entre a idealização e a incapacidade de concretização dos sonhos que impulsiona esta narrativa yatesiana e que leva a que os personagens fiquem presos num limbo de desilusão, de inação e de frustração. Por sua vez, esta clausura nos subúrbios e o desencanto daí resultante levam ao isolamento dos personagens e à degradação dos relacionamentos humanos, o que resulta num conjunto de personagens que se isolam em si mesmos, falhando nas suas tentativas de diálogo com o outro. Nos anos 50, os subúrbios representavam uma tentativa de retomar as inclinações que motivaram a expansão americana no século XIX e estavam assentes numa visão pastoril, tendo por base a tradição americana de uma perspetiva da Natureza como refúgio e como lugar por excelência para a reinvenção pessoal.62 Porém, em Revolutionary Road,

61 Em Beyond the Gray Flannel Suit: Books from the 1950s that Made American Culture, David Castronovo equipara este sentimento de mal-estar a uma crise espiritual. De acordo com este estudioso, Richard Yates, tal como John Updike, “make suburbia the center of mid-century American spiritual crisis, and in so doing create permanent images of Americans struggling to make sense of their culture and themselves” (16).

62 De acordo com Michael Moreno, autor do artigo “Consuming the Frontier Illusion: The Construction of Suburban Masculinity in Richard Yates’s Revolutionary Road”, esta ligação dos subúrbios ao passado da nação “paved the way for an ideal sense of domestication for the generation to come” (85). 52 os subúrbios são expostos desde logo como um ambiente descaracterizado, um lugar inautêntico que abafa a identidade dos personagens ao promover uma sociedade coletiva uniformizada. Por conseguinte, dada a frustração de expectativas com a experiência naquela paisagem, April Wheeler irá romantizar uma nova paisagem exterior à esfera suburbana, tentando assim retomar mais uma vez o sentido de movimentação que havia levado o casal aos subúrbios. As casas suburbanas são descritas logo no início do romance como sendo “weightless and impermanent, as foolishly misplaced as a great many bright new toys that had been left outdoors overnight and rained on”, aparecendo em contraste com “a few very old, weathered houses [that] seemed to belong” (5). Esta perspetiva estende-se ainda aos veículos, que são “unnecessarily wide and gleaming in the colors of candy and ice cream”, assim como à zona circundante que serve os subúrbios, e que é descrita como “a long bright valley of colored plastic and plate glass and stainless steel – KING KONE, MOBILGAS, SHOPORAMA, EAT” (5).63 Em Revolutionary Road, os subúrbios são caracterizados pela inautenticidade. Ainda antes da mudança para aquele local, April e Frank haviam já percebido que a homogeneização da paisagem suburbana representava uma ameaça às suas personalidades, pelo que desde cedo se verifica por parte do casal uma tentativa de cultivar e de preservar um sentimento de autenticidade naquele lugar artificial que viam como anulador da sua identidade. De acordo com Leif Bull, autor de A Thing Made of Words: The Reflexive Realism of Richard Yates, isto verifica-se porque os subúrbios “take on a contagious quality, threatening to alter the subjects who occupy them, a process Frank and April try to resist” (72). Deste modo, quando iniciam a procura de uma casa fora da cidade, April e Frank tentam encontrar “something out of the ordinary – a small

63 Com as expressões em maiúsculas, Yates está a aludir à cultura consumista que viria a caracterizar os anos 50 nos Estados Unidos da América e que contrasta com a noção idílica e pastoril em que a construção da paisagem suburbana assenta. De acordo com Michael Moreno, a ação em Revolutionary Road decorre num momento em que os Estados Unidos estavam a conceber-se como “a ‘new and improved’ culture based upon material consumption of leisure products and lifestyle amenities” e os subúrbios constituíam “the genesis of the modern consumer identity” (84-5). Já de acordo com Leif Bull existe mesmo nestas descrições de Yates aquilo a que chama de uma espécie de infantilização estilizada que permite ao autor tecer um comentário sobre a paisagem suburbana do pós-Segunda Guerra Mundial, “thereby demonstrating realist intent” (66).

53 remodeled barn or carriage house, or an old guest cottage – something with a little charm”.64 Porém, como afirma a agente imobiliária Helen Givings que os ajuda na procura de casa, “those things simply weren’t available any more” (28-9), o que sugere que as construções suburbanas dominavam já a paisagem na América. Ainda assim, apercebendo-se da necessidade dos Wheeler encontrarem algo de diferente, Helen Givings afirma ter disponível aquilo que acredita ser um último reduto de originalidade, a casa que o casal acaba eventualmente por escolher. De forma a convencê-los, a agente imobiliária reitera a diferença da casa, que havia sido construída logo após a guerra:

It’s really rather a sweet little house and a sweet little setting. Simple, clean lines, good lawns, marvelous for children. It’s right around this next curve, and you see the road is nicer along in here, isn’t it? Now you’ll see it – there. See the little white one? Sweet, isn’t it? The perky way it sits there on its little slope? (29; itálico meu)

Para estabelecer uma ideia de originalidade, a casa dos Wheeler, situada em Revolutionary Road, aparece demarcada das demais, tornando-a mais apelativa para o casal já que aparentemente contrasta com o complexo suburbano adjacente de Revolutionary Hill Estates, que Helen Givings descreve depreciativamente como “a perfectly dreadful new development [with] great hulking split levels, all in the most nauseous pastels” (29). A meu ver, este enfoque nas características da moradia é fundamental para o entendimento do lar como manifestação de um estatuto social e da busca por um ambiente mais natural e propício para a constituição de uma família. Simultaneamente, denota a constante tentativa de os personagens se destacarem dos demais pela diferença e o facto de a casa surgir localizada “on its little slope” parece também sugerir essa mesma separação relativamente à zona circundante.65 Além disso,

64 Esta busca por um sentimento de autenticidade é recorrente na ficção de Yates. No romance Young Hearts Crying, quando Lucy e Michael Davenport se mudam para os subúrbios escolhem uma casa com uma cabana como anexo, onde Michael poderia trabalhar na sua escrita. Desta forma, existe uma tentativa constante de procurar algo de autêntico numa paisagem banal, uniformizada e vazia de sentido.

65 Michael Moreno considera que esta procura pela integração numa comunidade suburbana ao mesmo tempo que se tenta preservar um sentido de individualidade constitui um paradoxo que “continues to mark the United States’ psychological and spatial anatomy well into the twenty-first century” (85).

54 ao escolherem uma casa branca que contrasta com os “nauseous pastels” dos lares suburbanos de Revolutionary Hill Estates, a meu ver, sugere-se que os Wheeler terão ao seu dispor uma possibilidade de recomeço ou uma tela branca que poderão moldar de acordo com a sua personalidade, que acreditavam ser culta e boémia. Porém, logo Yates desconstrói a singularidade da casa, que, apesar de tudo, necessitaria também de “a sparse, skillful arrangement of furniture [to] counteract the prim suburban look of this too- symmetrical living room” (30). A originalidade da casa é ainda impossibilitada pela presença esmagadora da “picture window”, ou janela panorâmica, uma das características mais comuns do lar suburbano, que é descrita como que olhando para April e Frank “like a big black mirror” (29). Ao funcionar como um espelho, a janela panorâmica sugere um olhar interior que não só confronta os personagens com as suas limitações, mas também acaba por chamar a atenção para a inautenticidade, não só da moradia suburbana, mas também dos personagens, já que enfatiza o facto de estes parecerem estar constantemente a representar um papel, fingindo-se imunes ao ambiente que habitam. Apesar de os Wheeler verem o seu lar como umas espécie de “ilha” de inconformismo, logo essa possibilidade é desmantelada pela denúncia da sua homogeneidade e artificialidade. Com efeito, ainda que o casal tenha tentado contrariar o aspeto suburbano da sua habitação e adaptar a casa às suas personalidades cultas, esperando que “their solid wall of books would take the curse off the picture window” (30), nunca conseguem a autenticidade que procuram. Mesmo após anos a viver na casa situada em Revolutionary Road, o casal jamais consegue contrariar o aspeto suburbano da sua habitação:

there was the wall of books, obediently competing for dominance with the picture window, but it might as well have been a lending library. The other pieces of furniture had indeed removed the suggestion of primness, but they had failed to replace it with any other quality. Chairs, coffee table, floor lamp and desk, they stood like items arbitrarily grouped for auction. Only one corner of the room showed signs of pleasant human congress – carpet worn, cushions dented, ash trays full – and this was the alcove they had established with reluctance less than six months ago: the province of the television set (“Why not? Don’t we really owe it to the kids? Besides, it’s silly to go on being snobbish about television…”). (30-1)

55

Acreditando que estariam imunes aos efeitos opressivos e homogeneizadores da nova paisagem que iriam habitar, April e Frank rapidamente adequam as suas expectativas e acabam por fazer cedências às comodidades da paisagem suburbana, tal como a televisão, ou mesmo à presença da janela panorâmica, especialmente quando Frank afirma: “I don’t suppose one picture window is necessarily going to destroy our personalities” (29). Na verdade, April e Frank veem a sua condição suburbana como temporária. Apropriando- me de Jennifer Daly, “[Frank] claims only to follow this path of the conservative, traditional family man because it suits him for the time being until he can think of a more exciting and attractive alternative”. É esta separação do ambiente que habita que permite a Frank, ainda de acordo com Daly, “to cultivate an air of individuality without ever having to define it” (47-8). Verifica-se, de facto, em Revolutionary Road uma adequação de expectativas e concessões feitas à paisagem que são contrabalançadas pela constante tentativa de afirmação de uma posição de superioridade. Tal como sugere Jennifer Daly, que parte das perspetivas culturais avançadas por Alexis de Tocqueville relativamente ao Excecionalismo Americano,66 os Wheeler “mark themselves out from the crowd. It has almost been cultivated in their minds as a right, as something to which they are entitled” (49). Esta sentimento de superioridade que os Wheeler tentam cultivar irá desempenhar um papel fundamental na forma como estes enfrentam o seu ambiente, criticando o conformismo e o “outrageous state of the nation”, à medida que acreditam que “they alone [are] painfully alive in a drugged and dying culture” (59-60). Apropriando-me de Catherine Jurca, Revolutionary Road “brilliantly defines the postwar suburbanite as the antisuburbanite, whose existence is a protest against everyone else’s putative conformity” (148; itálico meu). Porém, com esta insistência na sua diferença, nunca os Wheeler chegam a debruçar-se sobre uma possível solução para o seu descontentamento,

66 Alexis de Tocqueville terá sido o primeiro proponente da América como sendo uma nação com características excecionais. De acordo com o historiador francês, “the situation of the Americans is entirely exceptional, and it may be believed that no democratic people will ever be put in the same situation. Their entirely Puritan origin, their uniquely commercial habits, even the country that they inhabit and that seems to divert their intelligence from the study of the sciences, letters and the arts; the proximity of Europe, that allows them not to study them without falling back into barbarism; a thousand particular causes, of which I have been able to show only the principal ones, had to concentrate the American mind in a singular way in the concern for purely material things” (768). 56 vivendo ensimesmados e projetando uma imagem de si mesmos que não se adequa à sua realidade, já que permanecem expectantes, acreditando que algo de extraordinário lhes acontecerá um dia. De acordo com Jennifer Daly, isto pode ser explicado pela crescente influência das terapias psicológicas que marcaram a nomeada “The Age of Anxiety”. Como afirma esta estudiosa, “people were encouraged to talk about their problems until they accepted their existence rather than actively try to solve them” (51). Os personagens em Revolutionary Road tentam conciliar a banalidade da sua geografia com uma crença cultural enraizada de que nada é impossível para um americano. A dramaticidade do romance de Yates reside precisamente no facto de os personagens nunca perceberem aquilo que pretendem ser, ou mesmo como consegui-lo, especialmente porque a sua força de vontade é diretamente proporcional à sua falta de coragem. Tal como Castronovo e Goldleaf afirmam, “unlike the clear-headed strivers of an older America, [the characters in Yates’s stories] do not look to a definable goal” (11). No âmbito da experiência suburbana verifica-se um olhar interior, um enfoque no “eu”, que acaba por ganhar lugar de destaque em detrimento do relacionamento com os outros, o que contraria o espírito comunitário de uma vida em sociedade e leva ao isolamento e, consequentemente, à deterioração dos relacionamentos interpessoais. Assim sendo, a experiência suburbana acaba por resultar num sentimento de alienação que é contrário aos ideais comunitários e democráticos em que esta paisagem teoricamente assenta, fazendo com que os seus habitantes se sintam isolados e à deriva, e procurem constantemente encontrar uma identidade individual centrada no próprio “eu”. Tal como afirma Jennifer Daly, em Revolutionary Road, “[c]oncern for how their own selves are perceived is their main priority rather than how they interact with others” (59). Os personagens em Revolutionary Road nunca conseguem entender o outro e, tal como afirma Stewart O’Nan, na sua ficção Yates destaca precisamente esta “lack of communication (let alone communion) between people”.67

67 O’Nan, Stewart. “The Lost World of Richard Yates.” The Boston Review, 1999, http://bostonreview.net/stewart-onan-the-lost-world-of-richard-yates, último acesso em 12 de outubro de 2020.

57

2.2. A “promessa do fracasso” e os subúrbios como “floresta” simulada

Ainda que os Wheeler vejam a sua situação como temporária e acreditem na sua superioridade, a meu ver, a paisagem suburbana e o sentimento de clausura que dela resulta em muito contribuem para um olhar interior por parte dos personagens que leva a um questionamento do seu excecionalismo e à constatação das limitações dos seus sonhos. Revolutionary Road abre com a encenação falhada da peça The Petrified Forest pelo recentemente criado grupo de teatro “The Laurel Players”. A peça é encabeçada por April Wheeler no papel da personagem principal, Gabrielle, uma empregada de mesa que não consegue encontrar um sentido numa vida mundana no meio do deserto do Arizona e, por isso, sonha um dia poder mudar-se para a Europa.68 Apesar das expectativas da plateia e dos atores, a produção da peça The Petrified Forest acaba por fracassar e Richard Yates caracteriza minuciosamente o fiasco e a consequente humilhação dos principais envolvidos. A peça sugere mesmo o desmoronamento das expectativas dos personagens no romance. De facto, de acordo com Stewart O’Nan, com a encenação falhada da peça, “Yates crushes not only Frank’s and April’s hopes, but the reader’s, making us suffer along with his characters. […] Hope has been replaced by acid reality.”69 Esta substituição da esperança e da ambição por uma realidade amarga é um dos temas mais marcantes deste romance yatesiano. Com efeito, logo no primeiro capítulo, o leitor é confrontado com a intrusão da vida real na vida idealizada pelos personagens e com a forma como isso os afeta. April imaginava que o seu desempenho na peça a destacaria dos demais, servindo como confirmação da sua superioridade e criatividade, já que, menos de uma década antes, havia frequentado uma das mais importantes escolas de teatro do país. Além disso, a sua participação na peça servia acima de tudo como um escape artístico no ambiente mundano dos subúrbios. Como sublinha Jerome Klinkowitz em The New

68 The Petrified Forest, da autoria de Robert E. Sherwood, é uma peça de teatro da era da Grande Depressão. A personagem principal, Gabrielle, vive presa a uma vida que não a preenche no deserto do Arizona, onde, como afirma, “it’s just the same thing over and over again” (The Petrified Forest 27). Gabrielle deseja fugir para Paris pois acredita que nessa cidade teria oportunidade para explorar o seu talento como artista.

69 O’Nan, Stewart. “The Lost World of Richard Yates.” The Boston Review, 1999, http://bostonreview.net/stewart-onan-the-lost-world-of-richard-yates, último acesso em 12 de outubro de 2020. 58

American Novel of Manners, “[April] hopes to have her world transformed by the play’s success” (19). Porém, o que se verifica é precisamente o contrário. Yates constrói a cena com base na promessa de sucesso, assente no potencial de April como atriz, reconhecido não só pelos restantes membros dos “The Laurel Players”, mas também pela plateia junto de quem, tal como afirmado no romance, “there were hopeful nudges and whispers of ‘She’s good,’ [and] stately nods of pride” (7). Contudo, como defende Klinkowitz, a peça estava já “couched in pessimistic terms, as after their last rehearsal the Players ‘read the promise of failure in each other’s eyes’” (17). Nem mesmo o talento de April impede o fracasso da peça, levando-a a ser confrontada com o seu próprio insucesso, apesar do seu potencial, e com o choque do fiasco a causar a sua humilhação e, consequentemente, a de Frank, já que este esperava que o sucesso da esposa se refletisse em si mesmo. De facto, a peça é descrita do ponto de vista de Frank, que faz de si personagem principal naquela que imaginava que viria a ser uma história de sucesso. Durante o dia, antes de peça,

“[Frank] had drawn enough strength from a mental projection of scenes to unfold tonight: himself rushing home to swing his laughing children in the air, to gulp a cocktail and chatter through an early dinner with his wife; himself driving her to the high school, with her thigh tense and warm under his reassuring hand (“If only I weren’t so nervous, Frank!”); himself sitting spellbound in pride and then rising to join a thunderous ovation as the curtain fell; himself glowing and dishevelled, pushing his way through jubilant backstage crowds to claim her first tearful kiss. (13; itálico meu)

A grande ironia desta cena em particular é que apesar de se identificar como um inconformista que se opõe aos subúrbios, Frank imagina-se feliz como protagonista de uma cena perfeitamente doméstica e suburbana, o que denota desde logo uma concessão àquela paisagem. Nesta cena, “Frank Wheeler is the star of his own film and […] he had never intended to go out to enjoy his wife’s success. If that had been his intention, it was only insofar as it reflected well on him” (17), refere com pertinência Kate Charlton-Jones. Tal como expresso pelo narrador no romance, “nowhere in [Frank’s] plans had he foreseen the weight and shock of reality” (13). O fracasso acaba por ser particularmente humilhante graças à presença dos vizinhos na plateia, também eles “mostly on the young 59 side of middle age […] attractively dressed in what the New York clothing stores described as Country Casuals. Anyone could see they were a better than average crowd” (6; itálico meu).70 Com esta caracterização, Yates parece sugerir que, tal como April e Frank, também os vizinhos poderão eventualmente albergar as mesmas ilusões de grandeza. O fracasso da peça não só deita por terra as ambições artísticas de April, mas também insinua que mesmo aqueles que são uma “better than average crowd” podem a qualquer momento ser vítimas do desmoronamento dos seus sonhos. Com as peripécias em cena, Yates inicia simbolicamente o desmantelamento das fantasias de grandeza de April e de Frank e o que se verifica é a existência de um fosso entre a esperança e a realidade que acaba por abafar os seus anseios. De facto, a meu ver, é possível estabelecer um paralelo entre a peça The Petrified Forest e os subúrbios. Tal como saem frustradas as expectativas de April com a peça apesar de todo o seu potencial como atriz, a paisagem suburbana, mesmo com a sua promessa inicial, acaba por se verificar vazia de sentido e seu potencial não chega a ser concretizado. Considero mesmo que neste romance yatesiano a peça The Petrified Forest funciona como uma metáfora da paisagem suburbana.71 Mais concretamente, apesar de concebidos para oferecerem um contacto mais próximo com um ambiente natural e seguro para jovens famílias, em Revolutionary Road os subúrbios não passam de uma “floresta” simulada de casas idênticas, que os Wheeler acabam por denunciar e rejeitar. Tanto April como Frank lutam para encontrar um sentido nesta paisagem visto que a uniformização e a inautenticidade das habitações à sua volta, e mesmo da sua própria casa, contradizem a individualidade que procuram.72 Ainda que concebidos como o novo Jardim do Éden para a população americana nos anos 50, um espaço teoricamente salutar com o qual os americanos deviam contactar, nesta representação yatesiana, os subúrbios não passam de uma “floresta

70 De acordo com Blake Bailey, um dos temas mais marcantes da obra yatesiana no seu geral é “the depths to which people deceive themselves into thinking they’re somehow special, set apart from the herd” (127).

71 Já Stewart O’Nan acredita que The Petrified Forest é uma metáfora para o casamento de April e Frank, pois reflete o desmoronamento das expectativas do casal.

72 O mesmo poderá ser dito acerca de Gabrielle na peça The Petrified Forest, que se vê enclausurada numa paisagem banal onde não acredita ser possível concretizar o seu potencial como artista.

60 petrificada” cuja artificialidade contrasta com a Natureza que havia sido encarada no século XIX como um espaço vivo e orgânico que tornava possível a revitalização ou mesmo a reinvenção pessoal. Adicionalmente, tal como os subúrbios, a peça parece confrontar os personagens com as suas limitações, sendo por isso ambas as experiências extremamente desconfortáveis, alienadoras e até mesmo dolorosas para os seus intervenientes. De facto, esta “petrificação” acaba também por espelhar a inação dos personagens, caracterizados pela sua imobilidade, já que se veem incapazes de saírem da geografia que habitam através da construção de novas “estradas”. A produção de The Petrified Forest, tal como a experiência suburbana em si, acaba por fracassar e o único resultado possível é a paralisação. Durante a peça, April alterna entre “false theatrical gestures and a white-knuckle imobility” para, já no final, permanecer “paralyzed in a formal smile” (9-10). Porém, a meu ver, ainda mais relevante é a paralisação que resulta da vivência suburbana em si, já que, apesar das suas promessas, não fornece um refúgio dos efeitos perniciosos da paisagem citadina, tornando-se somente numa armadilha imobilizadora, um ambiente artificial do qual os personagens se sentem incapazes de escapar. “Trap” é precisamente a expressão que April Wheeler utiliza para caracterizar a sua condição como habitante dos subúrbios. Na sequência do fiasco de The Petrified Forest, April e Frank defrontam-se numa violenta discussão em que ela acusa o marido de ser um “poor, self-deluded [man]”, afirmando que com o casamento e a mudança para os subúrbios Frank havia conseguido colocá-la “safely in a trap” (27). Por sua vez, Frank, ainda que consciente dos efeitos da clausura suburbana, acaba por ceder aos confortos desta paisagem já que estes são os indicadores possíveis de uma masculinidade que acredita estar ameaçada por um emprego que vê como castrador e limitativo, e por uma esposa que lhe parece estar sempre “poised for immediate flight” (48). De facto, tal como esclarece Blake Bailey na sua biografia de Richard Yates:

Amid the affluence of postwar America, the temptation was particularly keen to accept the easy rewards of suburban comfort, an undemanding job, and to fill the emptiness that followed with dreams of potential greatness or adventure. But to pursue such dreams in fact – as Yates well knew – required a resilient sense of autonomy. (232; itálico meu).

61

A meu ver, este sentimento de imobilidade, a par de uma vida armadilhada resultante da vivência suburbana, é fundamental para o entendimento quer dos anos 50, quer da paisagem suburbana americana em particular, como contribuindo para a criação de uma “segunda geração perdida”, que se vê cristalizada e amordaçada pela solidão. Despida de um sentido de resiliência e de autonomia, esta geração vê-se impedida de exercer uma mudança nas suas próprias vidas. Da vivência nesta paisagem resulta uma incapacidade de produzir ligações não só entre pessoas, mas também com a paisagem suburbana em si. A meu ver, ao retratar a experiência suburbana do pós-Segunda Guerra Mundial, Yates faz uma representação ficcional da circunscrição das “fronteiras” físicas e mentais dos personagens, e do descontentamento daí resultante, que dá origem ao aparecimento de uma geração que se vê incapaz de escapar à sua condição suburbana. April está desiludida não só com seu fracasso como atriz na peça The Petrified Forest, mas também com a perda de liberdade e a falta de realização que a experiência suburbana acarreta.73 Apercebendo-se de que o seu casamento não resultou na vida boémia e intelectual que Frank parecia prometer durante o namoro, April acaba por romantizar uma geografia exterior à esfera suburbana e sugere uma mudança para a Europa, o lugar onde Frank havia lutado como soldado durante a Segunda Guerra Mundial, e que ele frequentemente descrevia como “the only part of the world worth living in” (22). Em Paris, local com todo o magnetismo de que a paisagem suburbana está despida, April acredita que Frank teria tempo para encontrar a sua vocação, enquanto ela reverteria os papéis tradicionais para passar a sustentar a sua família. Tentando convencer Frank da viabilidade do seu plano, April dirige-se ao marido, afirmando:

The point is you won’t be getting any kind of a job, because I will. […] You’ll be doing what you should’ve been allowed to do seven years ago. You’ll be finding yourself. You’ll be reading and studying and raking long walks and thinking. You’ll have time. For the first time in your life you’ll

73 No seu trabalho de referência The Feminine Mystique (1963), Betty Friedan destaca este sentimento de clausura e de falta de concretização pessoal das mulheres em meados do século XX. Friedan descreve este sentimento como “a strange stirring, a sense of dissatisfaction that women suffered in the middle of the twentieth century in the United States. Each suburban wife struggled with it alone… afraid to ask even of herself the silent question – ‘Is this all?’” (16).

62

have time to find out what it is you want to do, and when you find it you’ll have the time and the freedom to start doing it. (108-9; itálico meu)

Ao colocar as suas ambições numa nova geografia de possibilidades, April está a tentar que Frank consiga recuperar a masculinidade ameaçada pelo emprego e pela paisagem suburbana, que ambos desprezam e veem como experiências incapacitantes. Além disso, ela acredita que, em Paris, Frank poderá finalmente explorar a criatividade que sempre afirmou ter, e que terá sido o atributo pessoal que a terá atraído logo na noite em que se conheceram, levando-a mesmo a afirmar para Frank: “you’re the most interesting person I’ve ever met” (24). O que April não entende é que Frank não é criativo nem mesmo o rebelde que sempre aparentou ser ao constantemente reiterar a sua superioridade e a sua dificuldade em viver entre o que caracteriza desdenhosamente no romance como “these damn little suburban types” (24). Pelo contrário, como afirma David Castronovo, Frank não passa de “an attractive hot-air artist who’s probably better suited to bitching and moaning about suburbia than striking out for a bolder destiny” (193). Ao escutar o plano da esposa, Frank sente-se ameaçado pela hipotética imagem de April como mulher profissional que sustentaria a família, o que violaria as regras da domesticidade que ele efetivamente subscreve. De facto, a primeira reação de Frank ao plano de April é imaginar que esta chegaria a casa depois de um dia de trabalho em Paris para o encontrar “hunched in an egg-stained bathrobe, on an unmade bed, picking his nose” (109). Apesar de demonstrar um breve entusiasmo inicial relativamente ao plano, na verdade, Frank não parece ter vontade alguma de explorar os seus sonhos de jovem, preferindo pelo contrário permanecer seguro na esfera doméstica dos subúrbios. Por conseguinte, Frank deixa o plano cair por terra quando é promovido no trabalho e a sua esposa engravida pela terceira vez, justificações que ele utiliza para não avançar com a viagem. Ainda que proclame a sua diferença e um sentido de superioridade, Frank convence-se de que a segurança é melhor do que correr riscos. De facto, como refere Blake Bailey relativamente a Frank:

in a society where one’s status depends almost entirely on the nice house and ‘good’ job, one must possess a formidable sense of self-worth, and perhaps formidable talent as well, to risk failure by

63

leaving the beaten path. Frank Wheeler, like most, would prefer to believe he’s special without putting the matter to a test. (233; itálico meu)

Frank deixa-se levar pela promessa de um aumento e de uma melhoria do seu estatuto profissional, apesar de ver o seu trabalho como limitador, e acaba por adaptar o seu papel como profissional, incorporando-o na sua imagem de homem boémio, sem nunca considerar que um papel anula o outro. Existe em Frank a maleabilidade de um personagem que se molda de modo a manter intacta a fachada de homem intelectual. Ao invés de construir uma nova “estrada”, de trilhar um novo caminho onde poderia efetivamente colocar à prova a criatividade que afirma ter, Frank resigna-se à sua situação e, ainda que acredite ser um inconformista e um “frontiersman”, secretamente ele acaba por ceder aos confortos dos subúrbios e da sua casa, descrita do seu ponto de vista como “safe on its carpet of green, the frail white sanctuary of a man’s love, a man’s wife and children” (45). De facto, para Frank “the house looked very neat and white as it emerged through the green and yellow leaves; it wasn’t such a bad house after all” (274). Assim sendo, acabamos por testemunhar em Frank uma espécie de romantização e mesmo aceitação dos subúrbios como eles haviam sido ideologicamente concebidos, ou seja, como reduto protetor, Jardim do Éden da classe média na América. Como afirma Morris Dickstein, “‘Paris’ is Frank’s road, his dream of escape, but this is a road novel in reverse, with the hero secretly unwilling to go anywhere” (219; itálico meu). De acordo com David Castronovo, um dos grandes temas da literatura de meados do século XX é “a desire to free ourselves of constraints” (9). No que concerne a Revolutionary Road, com a proposta de um recomeço na Europa, April está acima de tudo a tentar recuperar a liberdade de movimentação que havia levado o casal à paisagem suburbana, uma necessidade que a mudança para aquele local não havia conseguido suprir. Assim sendo, eu acrescentaria ao argumento de Morris Dickstein acima exposto que Paris se torna, mais do que para Frank, a “estrada” de April, um caminho que ela tenta incessantemente recriar. Porém, acostumada na paisagem suburbana a um papel de passividade, April sente que não pode recriar esse caminho sozinha e munindo-se da sua crença de que Frank é efetivamente criativo e boémio, ela coloca nele todas as suas esperanças para a recriação desse caminho. A cidade de Paris adquire uma importância 64 vital para April, que vive indiretamente as (supostas) ambições do marido, assim como as sua memórias como soldado na Europa. Ao contrário de Frank que secretamente não quer trilhar o caminho para uma nova geografia de possibilidades, preferindo a segurança suburbana sem efetivamente se pôr à prova, April está disposta a abandonar tudo para concretizar essa mudança já que coloca em Paris a possibilidade de encontrar não só a sua felicidade e concretização pessoal, mas também a do marido. Contudo, apesar de tanto April como Frank afirmarem a sua necessidade por um espaço boémio como ambiente propulsionador da criatividade e originalidade que acreditam ter, e de professarem uma dificuldade em se identificarem com a cultura vigente, assemelhando-se assim à Geração Perdida dos anos 20, o casal nunca chega efetivamente a abandonar a paisagem que habita, ficando como que retido num limbo de insatisfação, solidão e desespero. Além disso, como sustentam Castronovo e Goldleaf, a ilusão que albergam relativamente à Europa é formada mais pelos “romantic longings of their parents’ generation than by any genuine urges of their own. At their most idealistic, Frank and April want merely to conform to some cultural fantasy of rebellion, of originality, of creativity. Their delusions are quickly exposed” (2). Ao contrário de Frank, April está perfeitamente disposta a seguir aquilo que acredita ser o caminho da originalidade e da criatividade, o que irá gerar constantes tensões entre o casal.

2.3. Os conformistas e os rebeldes

2.3.1. Frank Wheeler – “Frontiersman” vs. Marido, pai e “organization man”

As tensões domésticas dos Wheeler são, a meu ver, representativas da crise de identidade que afetou a classe média na América dos anos 50. O romance é narrado quase na sua totalidade do ponto de vista de Frank Wheeler, que está dividido entre o idealismo do espírito herdado da Fronteira Americana, marcado pela virilidade e pela aventura, e entre o seu papel como marido, pai e “organization man”.74 Por outras palavras, Frank

74 De acordo com William H. Whyte, o “organization man” é um homem que está “deeply beholden to the organization” que serve. Para o autor do livro The Organization Man (1956), na América do pós-Segunda 65 oscila entre a liberdade pela qual anseia e pelas suas obrigações enquanto membro de uma sociedade com a qual afirma não se identificar, mas que acaba por integrar na totalidade. Frank é descrito como sendo “neat and solid, a few days less than thirty years old, with closely cut black hair and the kind of unemphatic good looks that an advertising photographer might use to portray the discerning consumer of well-made but inexpensive merchandise (Why Pay More?)” (12). É interessante notar nesta descrição que Frank parece saído de um anúncio publicitário, uma alusão que Yates parece usar para sugerir que Frank tem todas as características e motivos para ser bem-sucedido. Porém, esta ligação à publicidade denota também um sentido de inautenticidade,75 que Morris Dickstein acredita caracterizar Frank. De acordo com este estudioso,

[u]nable to be frank with anyone, not even himself, Frank mouths glib clichés attacking conformity, adjustment, security, and togetherness, those familiar staples of fifties social criticism. Meanwhile, he maneuvers his wife into a suburban domesticity that shields him from his own sense of diminished horizons. (219)

Guerra Mundial, os cidadãos subscreviam uma “increasingly collective society”, que acabou por subverter a noção de “rugged individualism” profundamente enraizada no pensamento americano (8). Esta ética desempenhou um papel fundamental ao promover identidades coletivas ao invés da individualidade. De acordo com Leif Bull, ao olhar para o surgimento de uma classe média profissional, ou seja, o “organization man”, o que Whyte faz é explorar “the new identities that were being formed within this economic climate” (55). Para Michael Moreno, o “organization man” contrasta com o pioneiro da Fronteira Americana que “was beholden to no one and lived freely on the open frontier” (87).

75 Por toda a sua ficção, Yates demonstra uma preocupação constante com a exposição de comportamentos inautênticos. Existe para o romancista na linguagem publicitária uma desonestidade latente que leva à glamorização e à romantização exacerbada de ideais. Assim sendo, esta alusão à publicidade parece sugerir desde já que Frank será caracterizado por um sentido de inautenticidade que, a meu ver, se aplica também à paisagem suburbana em si. De facto, existe ao longo do romance um enfoque especial na natureza performativa dos personagens que, enclausurados numa paisagem suburbana artificial, parecem estar constantemente a desempenhar um papel, imitando os comportamentos, também eles artificiais, da televisão e do cinema. Por outras palavras, a vivência suburbana acaba por negar a espontaneidade e a criatividade e por promover comportamentos inautênticos. Como confirma Martin Halliwell referindo-se aos anos 50: “[o]ne of the strongest themes of the decade was that of authenticity, the difficulty of preserving genuine experience in the face of commercial and ideological pressures. The hard economic experiences of the Depression and close-range combat of World War II soldiers fighting for a just cause were favourably contrasted to shallow suburban lifestyles, television quiz shows and the easy musical sentiments of the Billboard charts. The image of the ‘phoney’ runs through 1950s literature: from Holden Caulfield’s concerns about the lack of authenticity in The Catcher in the Rye (1951) and Norman Mailer’s exposure of shallow Hollywood culture in The Deer Park (1955)” (10). Em Revolutionary Road, Yates estabelece um contraste entre os comportamentos de April e de Frank relativamente à inautenticidade promovida, por exemplo, pela televisão: “they watched a television drama which he found wholly absorbing and she declared was trash” (206; itálico meu).

66

Ao longo do romance, Yates levanta o que Kate Charlton-Jones denomina de “romanticizing veil” (17) dos ideais de Frank, que se concebia a si mesmo, como é afirmado pelo narrador no romance, como um “intense, nicotine-stained, Jean-Paul Sartre sort of man” (23) que critica constantemente o conformismo da paisagem suburbana e da cultura americana dos anos 50 como um todo. Este “véu romantizado” que caracteriza a vida de Frank estende-se mesmo à sua infância pois já aos 14 anos planeara viajar até à costa ocidental dos Estados Unidos a bordo de um comboio de mercadorias. Enquanto percorre os corredores do liceu onde assiste à encenação de The Petrified Forest, Frank recorda nostalgicamente os seus planos de fuga para o Oeste. Para conferir autenticidade à sua idealização de si mesmo, já em jovem, como um “explorador” a caminho da “Fronteira Americana” e a adequar a sua personalidade ao seu plano, Frank planeava vestir-se como um pioneiro ou como um cowboy, com “Levi jacket and pants, an army- type khaki shirt with shoulder tabs, high-cut work shoes with steel caps at heel and toe. An old felt hat of his father’s […] would lend the right note of honest poverty to the outfit” (18). Porém, logo de seguida o plano da viagem para Oeste é desmantelado após o comentário trocista de um colega de escola que denuncia imediatamente o idealismo de Frank como meras “weird ideas” emprestadas do cinema:

Jeez, you kill me, Wheeler. How far do you think you’d get on a freight train? Where do you get these weird ideas, anyway? The movies or someplace? You want to know something, Wheeler? You want to know why everybody thinks you’re a jerk? Because you’re a jerk, that’s why. (18)

O comentário do colega de escola deita por terra a expedição do jovem Frank, com Yates a parecer sugerir desde logo a existência de um enorme fosso entre o idealismo de Frank e a realidade que este se recusa a constantemente enfrentar, mas, acima de tudo, a insinuar que provavelmente Frank não era, desde tenra idade, capaz superar a mínima contradição. Contudo, nunca Frank deixa de continuamente romantizar a sua vida, o seu passado e os seus sonhos de fuga, que acabam por acompanhá-lo até à idade adulta. Reclamando incessantemente para si uma posição de superioridade, Frank acredita que o seu potencial poderia ser facilmente concretizado se assim o quisesse, quando o desejasse. Frank concebe-se e idealiza-se como boémio, voltando-se frequentemente para o seu passado

67 de forma nostálgica e munindo-se, já em solteiro, dos emblemas de “veterano” e “intelectual” que lhe permitiam cultivar uma aura de sucesso e de boémia em após o seu regresso da guerra. Tal como expresso pelo narrador,

[…] as it often did in the effort to remember who he was, [Frank’s] mind went back to the first few years after the war and to a crumbling block of Bethune Street, in that part of New York where the gentle western edge of the Village flakes off into silent waterfront warehouses, where the salt breeze of evening and the deep river horns of night enrich the air with a promise of voyages. In his very early twenties, wearing the proud mantles of “veteran” and “intellectual” as bravely as he wore his carefully aged tweed jacket and washed-out khakis, he had owned one of three keys to a one-room apartment on that street. (20; itálico meu)

É neste ambiente de Greenwich Village que conhece April, que se rende imediatamente ao fascínio de Frank. Por sua vez, a beleza de April, descrita no romance como “a tall ash blonde with a patrician kind of beauty that no amount of amateur lighting could distort” (7), atrai imediatamente Frank. De facto, April é a única “exceptionally first-rate girl” (23) que Frank alguma vez conheceu, pelo que a união com ela lhe permitirá também continuar a cultivar uma aura de superioridade. Com o casamento e a mudança da cidade para os subúrbios, Frank passa a ser catalogado como “corporate man” e como homem suburbano, mas nunca ele deixa de ver estas insígnias como provisórias. De facto, mesmo após o casamento e a mudança para os subúrbios, Frank continua a conceber-se como um “pioneiro”, um homem que quer manter a sua identidade, recusando incessantemente uma ligação não só à paisagem suburbana, mas também ao seu emprego. O próprio Frank admite:

I want to retain my own identity. Therefore the thing I’m most anxious to avoid is any kind of work that can be considered ‘interesting’ in its own right. I want something that can’t possibly touch me. I want some big, swollen old corporation that’s been bumbling along making money in its sleep for a hundred years, where they have to hire eight guys for every one job because none of them can be expected to care about whatever boring thing it is they’re supposed to be doing. I want to go into that kind of place and say, Look. You can have my body and my nice college-boy smile for so many hours a day, in exchange for so many dollars, and beyond that we'll leave each other strictly alone. Get the picture? (75; itálico meu)

68

Não só vemos Frank a rejeitar a “contaminação” pelo seu trabalho, mas também pela paisagem suburbana que habita e que caracteriza pela sua decadência e pelo seu excesso de sentimentalismo:

how decadent can a society get? […] It’s as if everybody’d made this tacit agreement to live in a state of total self-deception. The hell with reality! Let’s have a whole bunch of cute little winding roads and cute little houses painted white and pink and baby blue; let’s all be good consumers and have a lot of Togetherness and bring our children up in a bath of sentimentality – Daddy’s a great man because he makes a living, Mummy’s a great woman because she’s stuck by Daddy all these years. (65-6; itálico meu)

Recusando um vínculo às suas circunstâncias profissionais e à paisagem que habita, Frank permanece preso às memórias não só do decrépito espaço de Bethune Street que partilhava com April antes do casamento, mas também da cidade como tendo, apesar de tudo, “a promise of voyages” (20), que a paisagem suburbana nega. Contudo, ainda que pareça resistir aos subúrbios, o que na realidade vemos em Frank é o protótipo do homem do pós-Segunda Guerra Mundial que, tendo participado no conflito como soldado, acaba por se ver domesticado pela paisagem que habita, cedendo aos seus confortos. Como afirma Moreno:

Unlike the detached, male entrepreneur of the early American metropolis or frontier plane, the organization man was to become a domesticated cog in the corporate wheel who dwelled in the suburbs and consumed products from the burgeoning mass market economy. (86; itálico meu)

Em suma, o que vemos em Frank é um homem caracterizado por contradições. Apesar de um autoproclamado radical, Frank acaba por se acostumar a um emprego que vê como insignificante e à paisagem estéril dos subúrbios, usando ambos como justificações para alimentar as suas fantasias e os seus vagos planos para o futuro. Apesar de afirmar que pretende conservar a sua identidade, o que Frank deseja, a meu ver, é continuar a alimentar a ilusão de que tem uma identidade, sem nunca ter efetivamente de correr riscos. Ao longo do romance vemos Frank incessantemente demarcar-se do seu papel como homem suburbano e numa luta contínua pela manutenção daquela que considera

69 ser a sua “verdadeira” identidade que ele chega a acusar April de querer reprimir. Na discussão que tem com a esposa após o fracasso de The Petrified Forest, Frank afirma: “I don’t happen to fit the role of dumb, insensitive suburban husband; you’ve been trying to hand that one on me ever since we moved out here, and I’m damned if I’ll ever wear it” (25). Ao deslocar para April a culpa pela sua situação como habitante dos subúrbios, a responsabilidade da não concretização do seu potencial deixa de ser sua, o que faz com que Frank nunca se concentre na sua própria falta de ambição. Assim sendo, ainda que se considere um homem independente e imune ao seu ambiente, a imagem que o leitor tem de Frank é a tipificação do “organization man”, um homem preso à mediocridade de um emprego que não o preenche e completamente subjugado aos confortos da paisagem suburbana. Apesar de ter estudado numa universidade importante, Frank não se revela particularmente capaz, nem consegue identificar um único talento com o qual se pudesse destacar:

Various ultimate careers were predicted for him, the consensus being that his work would lie somewhere ‘in the humanities’ if not precisely in the arts – it would, at any rate, be something that called for a long and steadfast dedication – and that it would involve his early and permanent withdrawal to Europe. (21-2; itálico meu)

Porém, o que encontramos em Frank é um homem sem rumo, incapaz de saber ao certo aquilo a que gostaria de se dedicar, e sem força de vontade, quer para mudar a sua situação, quer para as tarefas mais básicas no trabalho ou em casa. Uma das cenas mais marcantes do romance é quando na manhã seguinte à discussão depois da peça, Frank encontra April a cortar a relva, uma tarefa normalmente reservada ao homem que sustentava a família nos subúrbios. Nesta cena em particular, April parece determinada a provar que “a sensible middle-class housewife was all she had ever wanted to be and that all she had ever wanted of love was a husband who would get out and cut the grass once in a while, instead of sleeping all day” (43). Ao ver April pela janela vestida como um homem, Frank sente a sua masculinidade ameaçada, pelo que “[h]e planned, as soon as he’d had some coffee, to get dressed and go out and take the lawnmower away from her, by force if necessary, in order to restore as much balance to the morning as possible”.

70

Porém, mesmo ao fim de algum tempo, Frank permanece “in his bathrobe, unshaven and fumbling at the knobs of the electric stove” (40). Nessa mesma tarde, Frank tenta restaurar a ordem que April havia perturbado, vestindo “an old pair of army pants and a torn shirt”, como que tentando recriar a masculinidade dos tempos de soldado. O seu objetivo era encetar o trabalho “on his stone path […] to lay a long, curving walk from the front door to the road, to divert visitors from coming in through the kitchen” (45). Apesar de inicialmente desmoralizado por uma tarefa física que lhe parecia “mindless, unrewarding work, the kind of work that makes you clumsy with fatigue and petulant with lack of progress”, depressa Frank “began to like the muscular pull and the sweat of it, and the smell of the earth. At least it was a man’s job” (45). Ainda assim, rapidamente arranja uma desculpa para não continuar o trabalho, que não volta a retomar, deixando assim mais um caminho por construir, e provando que Frank não é capaz de ter força de vontade nem mesmo para as tarefas mais simples. Apesar de ter lutado na Segunda Guerra Mundial e de sustentar a sua família, Frank revela ser um homem verdadeiramente infantilizado, fraco, refém das suas ideias de grandeza pessoal, e que se olha ao espelho “tightening his jaw and turning his head a little to one side to give it a leaner, more commanding look” (15). Estes dois episódios parecem-me de particular relevo pois estabelecem desde logo um contraste entre Frank e April. Enquanto que Frank demonstra uma contínua falta de determinação, April pretende agir e permanece frustrada pela inércia do marido, que se revela incapaz de construir novas “estradas” – seja o caminho de pedra, seja trilhando um caminho para uma nova geografia de possibilidades. De facto, ao invés de procurar novos locais onde pudesse concretizar o potencial que acredita ter, Frank acaba por permanecer inerte e por ceder aos confortos da classe média e da experiência suburbana que diz desprezar.

2.3.2. April Wheeler e a materialização do sentimento de “hopeless emptiness”

A crise de identidade de Frank surge em contraposição à frustração de April, que não só está consciente da desilusão do marido como membro de uma classe profissional que não o preenche – especialmente quando esta afirma: “I think it’s unrealistic for a man 71 with a fine mind to go on working like a dog year after year at a job he can’t stand” (110) –, mas também se culpa pela infelicidade de Frank já que em solteiros April terá engravidado, precipitando o matrimónio e a mudança para os subúrbios. Acreditando que Frank era, como assevera, “a first-rate, original mind”, April via a existência suburbana como uma ameaça à essência masculina do marido. De facto, perfeitamente consciente do sentimento de clausura causado pela paisagem que habita, April declara a Frank: “it’s your very essence that’s being stifled here. It’s what you are that’s being denied and denied and denied in this kind of life” (113-5). Com a mudança para os subúrbios, April passa a integrar uma geração com a qual não se identifica e, como Frank, também ela acaba por ver subtraída a sua identidade, definida somente pela esfera e pelas convenções da domesticidade. Consequentemente, April romantiza uma geografia exterior à que habita e sugere a Frank uma mudança para Paris. Na sua opinião, só num local diferente seria possível cultivar as suas verdadeiras identidades, uma necessidade que a paisagem suburbana não havia conseguido colmatar. A cidade de Paris, acreditava April, era o local boémio que se coadunava com as suas personalidades e onde o casal teria a oportunidade de explorar a sua criatividade vivendo expatriado ao estilo dos boémios anos 20. Numa paisagem cultural e suburbana verdadeiramente estéril, April não só vê o potencial do marido minado como “organization man”, mas também ela se encontra reduzida ao seu papel como esposa e mãe, impedida de investir não só numa carreira que a libertaria das restrições do seu ambiente suburbano, mas também na sua criatividade, apesar de ela própria albergar também os seus sonhos artísticos e de uma vida boémia. A imagem que temos de April é a de uma mulher insegura, insatisfeita com a domesticidade suburbana e, acima de tudo, uma pessoa profundamente solitária. April tenta constantemente contrapor o tédio e a clausura de uma vida mundana nos subúrbios já que este local inautêntico está despido de estímulos criativos. Terá sido essa a razão que a terá levado a explorar as suas próprias pretensões artísticas ao participar na peça The Petrified Forest, levando assim a cultura e a criatividade a uma paisagem que vê como banal e despida de sentido. A meu ver, o papel que representa na peça de teatro espelha o sentimento de solidão e de clausura que experiencia na paisagem suburbana já que também April, no papel de Gabrielle, deseja “to go out and do something that’s absolutely

72 crazy, and marvelous” (8). É a sua participação na peça e consequente fracasso que expõe não só as suas limitações como atriz, pondo em causa a singularidade que acredita caracterizar a sua personalidade, mas também o seu desconforto com a paisagem que habita. É, de facto, na sequência da peça que April revela sentir-se presa à “floresta petrificada” dos subúrbios e, como sustenta Jennifer Daly, “[s]tripped of even the illusory cloak of the character in the play, [April] is exposed in a way that none of the other characters […] have to endure” (50). A vivência suburbana e a participação na peça The Petrified Forest, ambas experiências fracassadas, desencadeiam em April o reconhecimento de que apesar de tanto ela como Frank proclamarem a sua diferença, estes acabaram por se tornar iguais aos demais, presos à homogeneidade da qual pretendem constantemente escapar. De facto, ainda que o casal alimente a fantasia de pertencer a um grupo de pessoas superiores às suas circunstâncias suburbanas, nenhum deles encontra a força de vontade necessária para tentar pôr em prática as suas ambições. O reconhecimento de April confirma-se quando esta explica ao marido o seu plano de viagem para a Europa:

[E]verything you said was based on this great premise of ours that we’re somehow very special and superior to the whole thing, and I wanted to say ‘But we’re not! Look at us! We’re just like the people you’re talking about! We are the people you’re talking about!’ I sort of had – I don’t know, contempt for you, because you couldn’t see the terrific fallacy of the thing. (110)

April não consegue entender como ela e Frank se deixaram apanhar na “armadilha” suburbana. Confessando ao marido a sua profunda solidão, April questiona-o: “Well, how did everything get so awful then? […] How did we ever get into this strange little dreamworld of the Donaldsons and the Cramers and the Wingates [?]” (111). Para conseguir convencer Frank, April sente que tem de apelar à sua masculinidade, desempenhando para isso o papel submisso da domesticidade que, como é afirmado no romance, “she had always hated and lately allowed herself to neglect” (206), mas que, como ela entende, alimenta o ego de Frank. Além disso, April assume a culpa pelo destino do casal. De facto, ela acredita que por ter ponderado a hipótese de realizar um aborto

73 logo durante primeira gravidez terá pressionado Frank a enveredar pela escolha dos subúrbios como lugar para a constituição de uma família:

I put the whole burden on you. It was like saying, All right, then, if you want this baby it’s going to be All Your Responsibility. […] That’s how we both got committed to this enormous delusion – because that’s what it is, an enormous, obscene delusion – this idea that people have to resign from real life and ‘settle down’ when they have families. It’s the great sentimental lie of the suburbs, and I’ve been making you subscribe to it all this time. I’ve been making you live by it! (111-2; itálico meu)

Contudo, cedo se torna evidente que na Europa April pretende mais do que somente maximizar as oportunidades de sucesso de Frank, mas também ela própria tentar recuperar – ou mesmo recriar – o glamour e a vida de aventura e de boémia que os seus pais haviam vivido durante os anos 20 naquele local. April acredita mesmo ter sido privada desta vida logo em criança ao ser abandonada pelos pais, que partiram em direção à Europa, deixando-a para trás para ser criada pelas tias. April vê como se fossem suas as memórias das histórias dos seus pais e “revive-as” incessantemente olhando para uma “yellowed, leather-framed photograph showing both parents, tall and elegantly dressed beside a palm tree, with the inscription Cannes, 1925”. Esta era precisamente a recordação que April tinha dos progenitores, acerca de quem ela afirma: “I loved their clothes […]. I loved the way they talked. I loved to hear them tell about their lives” (39). Ao iniciar uma relação com Frank, April prende-se particularmente à ideia de que ele, o autoproclamado homem culto e boémio, lhe poderia ajudar a recriar a experiência vivida pelos pais e da qual ela havia sido privada. Como defende Kate Charlton-Jones, a cidade de Paris é “appropriate in illustrating Yates’s depiction of this actress manqué [as the city] was the center of artistic longing for artists of a previous generation” (140). Uma vez que a movimentação para os subúrbios não permite a concretização das promessas nas quais esta paisagem assentava, Paris torna-se para April uma espécie de nova “Fronteira Americana”, a “estrada” que April, qual “pioneira”, pretende construir e percorrer. De facto, em Paris, cidade que vê como uma nova geografia de possibilidades e de concretização pessoal tanto para ela como para Frank, April acredita que o casal terá oportunidade de encontrar uma essência que é negada pela paisagem suburbana, sendo 74 por isso premente abandonar a geografia que considera opressiva e anuladora das suas identidades. De acordo com David Castronovo e Steven Goldleaf, ao insistir na criação de uma nova “estrada” de possibilidades,

April is at once the victim of Frank’s charm and the destroyer of what little vitality he possesses. Like some Madame Bovary transplanted to the 1950s […], she yearns for glamour, the love of a masterful and imaginative man, and the promise of escape from domestic routine. […] April, like Emma [Bovary], is trapped in her bourgeois setting, married to a man who enrages her with his smugness, and furiously in pursuit of an escape route. (43; itálico meu)76

April, como Emma Bovary, ambiciona por uma vida glamorosa e associa uma geografia diferente a novas possibilidades, a uma vida excitante e criativa. Porém, podemos ainda estabelecer um paralelo com outra figura da literatura. Tal como Jay Gatsby em The Great Gatsby, April está presa a um passado que tenta recriar, um passado que não é o seu, mas a vida emocionante que os seus pais e Frank haviam experienciado na Europa, e que April vivencia de forma secundária. Em Frank, April acreditava ter encontrado o parceiro que a acompanharia na busca por uma vida culta e boémia. No entanto, no marido April não encontra mais do que inércia e, na paisagem banal que habitam, ela apercebe-se da falácia das suas ilusões, pois nem ela nem Frank são originais, nem nunca o poderão ser num local anulador de personalidades como é a paisagem suburbana. Consequentemente, ao ver a relutância de Frank relativamente à viagem para a Europa, April é confrontada com o enorme fosso entre os seus sonhos e a realidade que efetivamente habita, lamentando a não fruição da vida que havia sonhado. É na sequência do fracasso da peça que April reconhece estar presa a uma vida armadilhada já que terá colocado nas mãos de Frank o controlo da relação de ambos, assumindo uma posição de passividade pois acreditava que as pretensões artísticas e os

76 Esta comparação com Madame Bovary não é acidental. No artigo “Some Very Good Masters”, publicado no The New York Times em 1981, Richard Yates explica que aquele personagem do romance de Gustave Flaubert “serve[d] as a guide, if not a model [for Revolutionary Road]. I wanted that kind of balance and quiet resonance on every page, that kind of foreboding mixed with comedy, that kind of inexorable destiny in the heart of a lonely, romantic girl” (Yates, Richard. “Some Very Good Masters.” The New York Times, 1981, https://www.nytimes.com/1981/04/19/books/some-very-good-masters.html, último acesso em 12 de outubro de 2020).

75 sonhos de Frank a libertariam da banalidade da paisagem mundana. Porém, April vê-se encurralada pela falta de coragem de Frank, chegando a admitir numa discussão com o marido: “I had to be your conscience and your guts – and your punching bag” (27). No casamento com Frank, April sente-se encurralada e sem saber como se libertar. Numa outra discussão com o marido, ela manifesta-se frustrada pela relutância de Frank em levar avante o plano da viagem e a desilusão que daí resulta desespera-a ainda mais quando esta percebe que Frank usa a mais recente gravidez da esposa e o facto de ter sido recentemente promovido no emprego como justificações para cancelar a viagem para Paris. Por sua vez, quando percebe que April pondera realizar um aborto, Frank classifica a ideia como um repugnante ato criminoso: “Because that’s what you’d be doing, April; there’s no going around it. You’d be committing a crime against your own substance. And mine” (218). Para Frank, a realização do aborto constituiria uma negação da sua masculinidade e da feminilidade de April, pelo que levar a gravidez a termo era “the only mature thing to do” (223). Na sua opinião, este ato de rebeldia, de questionamento das convenções, só poderia significar que April era uma pessoa emocionalmente perturbada, pelo que sugere que ela consulte um psiquiatra. Já April questiona a falta de ambição de Frank, interrogando como poderá este ser feliz num ambiente que ele próprio despreza e onde não terá oportunidade de encontrar a sua vocação. Porém, quando Frank responde afirmando “[s]uppose we let that be my business” (208), April apercebe-se de que Frank capitula à paisagem que habita, desencadeando em si mesma uma crise de identidade, o que é confirmado quando esta revela num encontro com o vizinho Shep Campbell: “I don’t know who I am” (262). Ainda neste encontro, April confessa a Shep que sempre acreditou pertencer a um grupo de “marvellous golden people […] who made their lives work out the way they wanted”. Porém, April admite que essa convicção acabou por ser “the most stupid, ruinous kind of self-deception” (258). O seu marido, pelo contrário, nunca se apercebe completamente das suas limitações e da sua falta de vontade. Frank acaba por sucumbir e assumir abertamente aquilo que se espera de um homem suburbano nos anos 50. Por sua vez, April, ao aperceber-se de que a imagem que havia construído de Frank como um inconformista não corresponde à realidade, e depois de o desmascarar como um homem complacente e fraco, entra em desespero e autoinflige

76 um aborto, que acaba por causar uma hemorragia que culmina na sua morte. À medida que se vai preparando para o procedimento, April reflete sobre a forma como cedeu o controlo da sua vida a Frank pois acreditara que o seu casamento com aquele que via como “a first-rate, original mind” (113) poderia resultar numa vida gratificante. Contudo, ao sentir-se encurralada numa vivência que não a preenche, à falta de uma “estrada” e impedida de se mover na sua “floresta petrificada”, April sente que só um ato radical a poderia libertar das suas circunstâncias. Assim sendo, decide retomar o controlo que havia perdido no seu casamento, desta feita levando finalmente avante o aborto que havia ponderado durante a primeira gravidez, mas do qual Frank a havia conseguido demover. Yates descreve a forma meticulosa e metódica com que April antecede o seu ato. Tal como afirma Kate Charlton-Jones, antes de realizar o aborto:

[April] gives in to the role Frank has long wanted her to play and acts as the dutiful, submissive wife. She stage-manages all the details of their last breakfast together with careful, chilling precision. [She] is immersed in her final performance as the compliant, conforming wife. Even the sunlight helps set the “happy” scene, a scene that anyone, and notably Frank, might mistake for perfect harmony. (21)

Na cena que antecede o aborto, Richard Yates mune-se de uma harmonia ilusória para dar ênfase à tragicidade do subsequente ato de April que, na verdade, ela vê como única forma de recuperar o poder e a assertividade que o casamento com Frank e a vivência nos subúrbios haviam silenciado.77 De facto, esta é a única altura em que April se encontra finalmente no controlo da sua situação. Como defende Charlton-Jones, “April knows that such control is dependent on her maintaining a façade”, mas Frank permanece incapaz de

77 Na opinião de Charlton-Jones, que subscrevo, Richard Yates aborda o tema do aborto na sua ficção, “though not in order to have an extensive debate on the morality of the practice” (11). Para Yates, o “aborto” é, de facto, o grande tema deste romance. De acordo com o autor, “[the novel is] built on a series of abortions, of all kinds – an aborted play, several aborted careers, any number of aborted ambitions and aborted plans and aborted dreams – all leading up to a real, physical abortion, and a death at the end” (Clark, Geoffrey e DeWitt Henry. “From the Archive: An Interview with Richard Yates.” Ploughshares, vol. 1, no. 3, 1972, https://www.pshares.org/issues/fall-2011/archive-interview-richard-yates, último acesso em 12 de outubro de 2020).

77 ver “beyond and behind her performance. To do so would be to recognize how totally he has failed in his marriage and how inadequate he is as a man” (27). Ao autoinflingir um aborto, questionando violentamente o discurso dominante de família nuclear e de fertilidade, April revela ser o último personagem capaz de realizar um ato verdadeiramente subversivo. De facto, este personagem traz para os subúrbios – descritos no romance como lugar que “had not been designed to accommodate a tragedy” (323) – o que resta do espírito americano da autossuficiência, uma essência à qual a morte de April simbolicamente vem pôr um fim. Por outras palavras, April surge no romance como o último “apóstolo” do “rugged individualism”78 americano. Para David Castronovo, “[n]ot the little wife of the fifties who wants a nice protective husband, April is the embodiment of mad rebellion” (193). Apesar de tanto April como Frank serem confrontados com as suas limitações naquela paisagem que consideram anuladora das suas identidades, só April terá verdadeira consciência desse facto, assim como da falta de coragem de Frank para mudar a sua situação, aumentando assim o fosso no entendimento entre o casal e, consequentemente, exacerbando a sua solidão. Como é afirmado no romance no momento que antecede o aborto, April entende definitivamente:

she needed no more advice and no more instruction. She was calm and quiet now with knowing what she had always known, what neither her parents nor Aunt Claire nor Frank nor anyone else had ever had to teach her: that if you wanted to do something absolutely honest, something true, it always turned out to be a thing that had to be done alone. (311; itálico meu)

Quando April percebe que não conseguirá concretizar o seu objetivo, pode parar de desempenhar o papel da domesticidade. Por sua vez, com a morte da esposa, Frank liberta-se finalmente do seu ambiente suburbano, mas não sem antes pagar o mais elevado preço: a perda da sua família. April recusa-se a continuar a viver uma vida inautêntica que não a preenche e a única forma de se libertar é adotando um comportamento pautado pela “self-reliance” emersoniana e o seu ato final não é mais do que uma tentativa de

78 Aproprio-me aqui da expressão utilizada por Robert E. Sherwood na peça The Petrified Forest. Neste texto, Alan Squier refere-se a Duke Mantee como “last great apostle of rugged individualism” (114). Este personagem descreve ainda a própria Petrified Forest como “the graveyard of civilization”, o que, a meu ver, evoca um local estéril onde as identidades são eliminadas, tal como nos subúrbios.

78 retomar a assertividade de que havia abdicado. A este propósito, Blake Bailey sustenta que desde o início do romance, April é “[f]iltered through the mingled perspectives of Frank and the rest of the audience at The Petrified Forest” (230).79 Porém, ao tomar pela primeira vez as rédeas da sua vida, April recupera também a sua voz já que o capítulo dedicado ao seu aborto é narrado somente do seu ponto de vista. Com o seu ato de brutal honestidade, April subverte o desempenho de papéis que permeia todo o romance e recusa continuar a fazer aquilo que o personagem John Givings caracteriza no romance durante um encontro com os Wheeler como “playing house” (286).

2.3.3. Helen e John Givings – o confronto entre a conformista e o rebelde

Será pertinente neste momento uma breve reflexão sobre Helen Givings e o seu filho John, personagens menores que Yates emprega, defendo, para reforçar a tragicidade da história dos Wheeler e para estabelecer mais um confronto entre o conformismo e a rebeldia. Tal como o casal Wheeler, também a agente imobiliária Helen Givings reclama para si uma posição de superioridade, tentando constantemente demarcar-se de uma vizinhança suburbana que vê como vulgar. De facto, para evitar a contaminação por aquilo que considera ser a inautenticidade suburbana, a agente imobiliária opta por se estabelecer naquilo que é descrito pelo narrador como “one of the few authentic pre- Revolutionary dwellings in the district, flanked by two of the few remaining wineglass elms, and she liked to think of it as a final bastion against vulgarity” (152; itálico meu). De facto, como defendem David Castronovo e Steven Goldleaf, “Mrs. Givings is also essentially a sad figure who finds comfort in a small piece of a classier American Dream” (47). Contudo, em Revolutionary Road, ao vender o sonho suburbano a jovens casais, Helen Givings acaba por subscrever na totalidade a ideologia suburbana e por se tornar numa espécie de autoridade no que concerne à vivência nesta paisagem e à domesticidade

79 Na sua dissertação de mestrado intitulada Suburban Narratives Revisited: Problematics of Gender and the American Family in Richard Yates’ Revolutionary Road, Rikke Aaserød Øisang sustenta que Yates poderá ter usado esta estratégia metaforicamente “as a way of illustrating women’s ‘voiceless’ situation in the 1950s, and that women were first and foremost defined through and by their husbands” (20).

79 que a caracteriza. Tal como Frank, apesar de proclamar a sua diferença, Helen promove o ideal suburbano na sua totalidade. De facto, após ter conhecimento dos planos da viagem do casal para Paris, Helen Givings reage com consternação, confessando ao marido o seu descontentamento:

Really, Howard, my nerves were just like wires after that business with the Wheelers. You can’t imagine how it upset me. The point is I’d always thought they were such solid people. I thought all the young married people today were supposed to be more settled. Wouldn’t you think they ought to be, especially in a community like this? Goodness knows, all I hear about is young couples dying to come and settle here, and raise their children. (165-6)

Ao contrário da sua mãe, que personifica o espírito dos subúrbios, John Givings é o rebelde que se revoltou contra tudo o que aquela paisagem representa e, por isso, acabou por ser internado numa instituição psiquiátrica. John questiona as escolhas dos pais e dos Wheeler, expondo o seu conformismo, a sua inércia e as suas vidas vazias de sentido. Por inicialmente acreditar que como casal suburbano exemplar April e Frank seriam uma boa influência para o seu filho e que estes poderiam trazer um pouco de normalidade à sua vida, Helen Givings planeia um encontro entre os três. Caracterizado pela sua aspereza e mordacidade, ao conhecer os Wheeler, John refere-se prontamente ao casal como “[t]he nice young revolutionaries on Wheeler road” (184), ironizando com o seu trocadilho as escolhas de um casal suburbano que, concretamente, pouco têm de revolucionárias. Contudo, quando April e Frank lhe revelam os planos de mudança para Paris, John adota uma nova postura e identifica-se com o casal que pretende, afinal, escapar àquilo que Frank descreve durante o encontro como “the hopeless emptiness of everything in this country” (189). De facto, John parece rever-se neste sentimento exposto por Frank:

Now you’ve said it. The hopeless emptiness. Hell, plenty of people are on to the emptiness part; out where I used to work, on the Coast, that’s all we ever talked about. We’d sit around talking about emptiness all night. Nobody ever said ‘hopeless,’ though; that’s where we’d chicken out. Because maybe it does take a certain amount of guts to see the emptiness, but it takes a whole hell

80

of a lot more to see the hopelessness. And I guess when you do see the hopelessness, that’s when there's nothing to do but take off. If you can. (189)

Quando mais tarde descobre que April e Frank acabam por cancelar a viagem, John reage violentamente já que, na sua opinião, uma gravidez não constituía uma razão plausível para desistir dessa viagem para França. Como este afirma: “I mean okay, she’s pregnant; so what? Don’t people have babies in Europe? (286). Voltando-se especificamente para Frank, que supõe imediatamente ser o responsável pela desistência, John questiona:

Little woman decide she isn’t quite ready to quit playing house? Nah, nah, that’s not it. I can tell. She looks too tough. Tough and female and adequate as hell. Okay, then; it must’ve been you. […] What happened? You get cold feet, or what? You decide you like it here after all? You figure it’s more comfy here in the old Hopeless Emptiness after all […]? […] I wouldn’t be surprised if you knocked her up on purpose, just so you could spend the rest of your life hiding behind that maternity dress. (286-7)

Nas suas intervenções, John questiona a masculinidade de Frank, expondo a sua cobardia e a sua incapacidade de se libertar dos confortos suburbanos que tanto critica. Contudo, nem mesmo April está livre das investidas de John, que afirma ainda:

“Big man you got here, April,” he said, winking at her as he fitted the workman’s cap on his head. “Big family man, solid citizen. I feel sorry for you. Still, maybe you deserve each other. Matter of fact, the way you look right now, I’m beginning to feel sorry for him, too. I mean come to think of it, you must give him a pretty bad time, if making babies is the only way he can prove he’s got a pair of balls.” (287-8)

John não consegue esconder a sua frustração por ver caírem por terra as expectativas que havia colocado no casal que considerava autêntico, afirmando: “You know what I’m glad of? I’m glad I’m not gonna be that kid” (288). Como explica Morris Dickstein, “[a]s [John] sees it, April’s new pregnancy, which binds them to Connecticut, can only spawn an unloved, unhappy child like himself” (220). Pela sua clarividência e experiência com

81 uma família que subscreve totalmente as convenções suburbanas, John entende que os habitantes dos subúrbios acabam esmagados pelo conformismo e a única solução para a libertação seria partir em busca de uma nova geografia de possibilidades. A meu ver, John Givings é também um personagem deveras importante pois este vem expor ainda mais a fragilidade da fachada suburbana, expressando em voz alta aquilo com o qual os Wheeler já haviam sido confrontados nos subúrbios, mas que se recusavam a ver e a aceitar. Ao colocar questões desconfortáveis, John acaba por fazer ruir ainda mais a ilusão de superioridade que os Wheeler haviam construído.80 De facto, ele vocaliza a cobardia de Frank, ajudando assim April a aperceber-se não só de que a imagem que Frank havia construído de si mesmo não correspondia à realidade, mas também à perceção de que os sonhos de uma vida boémia e criativa não passavam de construções que jamais se concretizariam. De acordo com Morris Dickstein, em Revolutionary Road, “[John Givings] is the tragic demon the suburbs are designed to repress, the bad news no one welcomes in this pastoral utopia”. De facto, sustenta ainda Dickstein, “[John Givings is the] perverse product of suburban optimism, and a distorting mirror that reflects back the compromises and denials that enabled the Wheelers to construct their little world” (220-1; itálico meu). Por representar uma potencial ameaça para o “pastoril” suburbano, um dos grandes pilares da sociedade americana nos anos 50, John acaba internado numa instituição psiquiátrica e submetido a tratamentos de choque, que eliminam o seu dom para a matemática.81 Como afirma Kate Charlton-Jones, “[h]e is locked away not to protect himself but to protect a society that cannot deal with illusions being destroyed” (67). Pelo contrário, a sua mãe, Helen Givings, é a personificação dos ideais suburbanos e aquilo a que Morris Dickstein

80 Para Morris Dickstein, John Givings é aquilo a que chama de “mad seer”, uma figura comummente empregue nas obras dos anos 60. Para este estudioso, a utilização de John Givings num romance como Revolutionary Road é prova de que nos anos 60 a ficção realista estava a sofrer alterações. De facto, de acordo com Dickstein, “with John Givings, Revolutionary Road crosses the WASP novel of manners and personal relationships with the Beat novel of spiritual accusation and salvation, to frame perhaps the most comprehensive indictment of the whole decade” (221).

81 Ainda que Richard Yates não se debruce abertamente sobre a política em vigor nos anos 50, é interessante denotar aqui que, num ambiente marcado pelo “McCarthyism”, tudo o que representasse um questionamento do status quo era visto como suspeito e, logo, representava uma ameaça a eliminar.

82 se refere como “master of denial” (220). De facto, tal como Frank, Helen prefere manter a crença nas suas ilusões e por isso acaba por abandonar o filho numa instituição psiquiátrica já que este constituía uma força disruptora para essas mesmas ilusões. A meu ver, a paisagem suburbana despoleta um olhar interior e confronta os personagens com o fosso entre as suas ambições e a realidade que habitam, espelhando as suas limitações. Porém, é John que o vocaliza, expondo ainda mais a fragilidade dos sonhos dos Wheeler. Assim sendo, este confronto entre o real e o imaginado não mais pode ser ignorado e levará, por isso, à tragédia final, pois April vê-se incapaz de conciliar a sua vida real com as suas ambições. No meu ponto de vista, April Wheeler e John Givings representam os diferentes destinos dos poucos que desafiavam a cultura vigente dos subúrbios e da cultura americana dos anos 50 em geral, ou seja, caso não capitulassem ao conformismo e à claustrofobia esmagadores da paisagem suburbana, eram considerados subversivos ou até mesmo mentalmente perturbados.

83

Conclusão

Os personagens em Revolutionary Road vivem duplamente aprisionados pelos seus sonhos de grandeza e por uma realidade descaracterizada e pautada pela inércia; uma conjugação que, a meu ver, os torna incapazes de forjar uma nova “estrada” de possibilidades. Como fui dando conta em diferentes momentos deste estudo, a clausura nos subúrbios e o consequente isolamento naquela paisagem promove a desilusão dos seus habitantes, bem como a degradação dos relacionamentos humanos. Na minha leitura da paisagem suburbana e do seu tratamento ficcional no romance de Yates, defendo que da experiência suburbana resulta um sentimento de claustrofobia já que aquela geografia nega, apesar de todas as suas possibilidades e promessas, a liberdade de movimentação e o individualismo pelos quais os personagens anseiam. Além disso, o ambiente suburbano é pautado pela artificialidade, não permitindo, como inicialmente era suposto, um contacto mais próximo com um ambiente natural, longe dos efeitos nocivos das cidades. Consequentemente, esta paisagem em muito contribui para o surgimento daquilo que, apropriando-me da afirmação presente no romance Young Hearts Crying de Richard Yates, designo neste trabalho de “segunda geração perdida”. Em Revolutionary Road, April e Frank Wheeler integram uma geração angustiada que deixa de se rever nos ideais de conformismo e de contenção defendidos pela nação nos anos 50. Por conseguinte, o casal tenta constantemente demarcar-se daquilo que por eles é encarado como uma “contaminação” pela paisagem suburbana, sempre reclamando para si uma posição de diferença e de superioridade. Porém, tal como este trabalho dá conta, reféns de uma imagem pessoal marcada por ideais desmesurados, como habitantes dos subúrbios, incapazes de construir uma “estrada” de significado, April e Frank acabam por se tornar tão imóveis como as próprias casas suburbanas. É que ao contrapor as caracterizações da paisagem suburbana com as idealizações dos seus personagens, colocando frente a frente os conformistas e os rebeldes no ambiente que habitam, Richard Yates desconstrói o projeto suburbano, inicialmente entendido como um local que representava a possibilidade de um novo pulsar do Sonho Americano, pondo em causa o otimismo e a prosperidade que caracterizavam aquela década. 84

Ainda que, como defendo, Richard Yates se tenha tentado demarcar de uma leitura de Revolutionary Road como um romance sobre os subúrbios, o autor oferece uma representação ficcional não só dos efeitos negativos causados por uma paisagem vista pelos personagens como anuladora das suas “verdadeiras” identidades, mas também dos perigos de uma tendência caracteristicamente americana para albergar ilusões desmesuradas, o que acaba por ter consequências verdadeiramente catastróficas. Existe ao longo de Revolutionary Road um enfoque constante na possibilidade de fuga, qual libertação das restrições da paisagem suburbana; porém, essa fuga nunca chega a concretizar-se. De facto, os personagens permanecem num limbo de indecisão e de inação que os atormenta, verificando-se no romance um sentimento de passividade, a par da subversão do espírito empreendedor americano. Com a sua decisão de realizar um aborto, April torna-se uma defensora do inconformismo; porém, mesmo ela se vê incapaz de forjar uma nova “estrada”, já que o aborto acaba por resultar na sua morte. Tal como acontece em The Great Gatsby, April está presa ao passado e o aborto que pratica representa uma tentativa de recuperação da autonomia que nem ela nem Frank conseguiram afirmar num ambiente mundano. Assim sendo, como asseveram Castronovo e Goldleaf, o casal acaba por sucumbir ao que estes estudiosos referem como: “the tendency to imagine that ideals liberate Americans from limitations” (53). De acordo com Kate Charlton-Jones: “Yate’s mission is to puncture misplaced dreams […] replacing such ideas with disturbing and uncomfortable truths” (54). Deste modo, o escritor, e continuando a apropriar-me de Charlton-Jones, explora “a dark underbelly to life” que Fitzgerald meramente sugere em The Great Gatsby (127). Esta articulação aqui assumida entre Yates e Fitzgerald não é casual. É que, tal como o autor da década de 20 o faz na sua ficção, Yates debruça-se sobre os fracassos dos americanos num dos períodos posteriores e mais otimistas do século XX. De facto, como sustenta Blake Bailey, Yates terá mesmo afirmado ser um “unabashed worshipper” de F. Scott Fitzgerald. Bailey acrescenta ainda na biografia do autor: “for Yates The Great Gatsby was holy writ. Encountering the novel for the first time was, quite simply, the definitive milestone of his apprenticeship [and his] formal introduction to the craft” (108- 9). Steven Goldleaf defende mesmo: “[in Yates’s fiction there is a] persistent theme of

85 characters striving toward some ideal of behaviour and always falling short of achieving that ideal […], [with] characters yearning to behave like their idealized, imagined selves but they can never transcend their own limitations” (233). Contudo, ao contrário de Fitzgerald, que oferece o retrato de um homem com um sonho desmesurado, um “self- made man” que para conquistar Daisy se reinventa através de uma negação taxativa do seu passado, os sonhadores yatesianos são bastante menos audaciosos.82 Ainda assim, com Yates nem mesmo uma menor ambição torna mais simples a concretização do sonho. Em consequência, e como afirma Richard Russo: “[the characters’] failure ensures not just disappointment, but humiliation, anguish, and, most dangerous of all, the impulse to dream smaller next time” (xiii-xiv). A meu ver, ao destacar quer a falta de concretização de sonhos dos seus personagens, quer a impossibilidade de uma reinvenção pessoal, Richard Yates parece sugerir que a crença americana no seu excecionalismo é profundamente falaciosa. De facto, como defende Jennifer Daly: “[for Yates] something fundamental is rotten at the core of American existence, for both men and women” (32). Ainda que se verifique ao longo de todo o romance uma sugestão de fuga como possibilidade de recomeço, ao invés de se construírem novos caminhos, os personagens ficam presos numa espiral que não lhes permite sair do lugar, o que denota um sentido de circularidade que, a meu ver, está metaforizado no apelido Wheeler; contrariamente a um ponto de partida e de chegada que implica a construção de um caminho, o que temos em Revolutionary Road é um sentimento de inércia. Vivendo ensimesmados, os personagens deste romance yatesiano têm dificuldade em perceber o que lhes acontece ou mesmo o porquê,83 resignando-se somente àquilo que Castronovo e Goldleaf descrevem como “the vocabulary of complaint” (46). Além disso, os personagens falham constantemente nas suas tentativas de diálogo com o outro, exacerbando a sua solidão e ansiedade. Com efeito, como explica Richard Yates na sua entrevista à revista Ploughshares: “[the characters in Revolutionary Road] nearly always miss each other’s points […]. There’s a

82 Como sustenta Richard Russo, “[p]erhaps because they have vivid memories not just of the war but also the Great Depression, Yates’s dreamers are less audacious, more cautious” (xiii).

83 De acordo com Russo, também Gatsby morre sem verdadeiramente perceber a desgraça que sobre ele se abate (xvi).

86 great deal of dialogue between them in the finished book, both when they’re affectionate and when they’re fighting, but there’s almost no communication”.84 A morte de April simboliza o culminar de qualquer possibilidade de comunicação na paisagem suburbana. Por sua vez, com a catástrofe que se abate sobre a sua vida, Frank não mais é o presumido artista, o homem combativo caracterizado por um sentimento de superioridade:

He was so damn mild! […] And he had a new way of laughing: a soft, simpering giggle. You couldn’t picture him really laughing, or really crying, or really sweating or eating or getting drunk or getting excited—or even standing up for himself. For Christ's sake, he looked like somebody you could walk up to and take a swing at and knock down, and all he'd do would be to lie there and apologize for getting in your way. (330-1; itálico meu)

Na paisagem suburbana, como defende Leif Bull, “[w]ithout the available option of meaningful language, silence is the only alternative” (74). O romance inicia com os “dying sounds” (3) do ensaio da peça The Petrified Forest e termina com o silêncio causado pela morte de April, cuja voz Frank não mais consegue recuperar:

April’s voice no longer spoke to him. He tried for hours to recapture it, whispering words for it to say, going back to the closet time and again and into the drawers of her dressing table and into the kitchen, where he thought the pantry shelves and the racked plates and coffee cups would surely contain the ghost of her, but it was gone. (325)

Assim sendo, a cena final do romance adquire particular relevância na medida em que testemunhamos um caminhar definitivo no sentido de um silêncio total, com Howard Givings, marido de Helen, a desligar o seu aparelho auditivo para não mais ouvir as queixas incessantes da esposa acerca dos Wheeler. Yates, como Fitzgerald o fizera décadas antes, parece questionar a validade do Sonho Americano numa década caracterizada por aquilo que o próprio autor descreve

84 Clark, Geoffrey e DeWitt Henry. “From the Archive: An Interview with Richard Yates.” Ploughshares, vol. 1, no. 3, 1972, https://www.pshares.org/issues/fall-2011/archive-interview-richard-yates, último acesso em 12 de outubro de 2020.

87 como uma “lust for conformity”85 que representou o fim da “estrada” americana. No seu livro Beyond the Gray Flannel Suit: Books from the 1950s that Made American Culture, David Castronovo defende mesmo: “[April and Frank Wheeler] bring us to the end of the suburban story, the part where you can neither dream about your American escape from the city nor fantasize about an escape into yet another dream” (194; itálico meu). Tal como Gatsby morre, demostrando simbolicamente a futilidade do Sonho Americano, com a morte de April, Yates também sublinha o fracasso deste conceito-chave do ideário da nação e do caráter americano, que ficam, a meu ver, minados num ambiente de conformismo. E ainda, e de acordo com Richard Russo, Yates consegue perceber, tal como Fitzgerald havia percebido: “the cruelest promise of democracy is that anybody can be anything. All men are created equal, but they become unequal in a heartbeat” (xiv). Russo considera Yates um dos mais importantes escritores subversivos da América, já que na sua ficção o autor desnuda as fragilidades do caráter americano. Em Revolutionary Road, Frank não consegue construir um percurso de reinvenção pessoal num local que considera opressivo, não encontrando determinação nem mesmo para terminar o caminho de pedra em sua casa. Por outro lado, também April não consegue forjar uma nova “estrada”, já que o aborto resulta na sua morte, metaforizando aquilo que Yates descreve como o “dead end” dos anos 50 em que o conformismo e o estado generalizado de estagnação levaram ao fim do espírito revolucionário americano.86 Importante será sublinhar que para Castronovo e Goldleaf, o título Revolutionary Road acaba por ser um “bold manifesto” (1), mas em nada relacionado com a América revolucionária do passado. De facto, como Castronovo eloquentemente descreve: “Yates makes a world of entrapment and desperation […] into a horrible cul-de-sac” (193; itálico meu). O que encontramos nos subúrbios é, para Castronovo e Goldleaf, um “cozy

85 Clark, Geoffrey e DeWitt Henry. “From the Archive: An Interview with Richard Yates.” Ploughshares, vol. 1, no. 3, 1972, https://www.pshares.org/issues/fall-2011/archive-interview-richard-yates, último acesso em 12 de outubro de 2020.

86 Ibid. Na sua entrevista com George Clark e DeWitt Henry para a revista Ploughshares, Richard Yates utiliza a expressão “dead end” para caracterizar os anos 50 como o fim do espírito revolucionário na América. Quando questionado sobre a escolha do título para o romance, Yates afirmou que o título tinha como objetivo sugerir que a “revolutionary road of 1776 had come to something very much like a dead end in the fifties”.

88 nightmare, complete with insipid neighbours and a nearby vulgar housing development” (1), severamente afastado do idealismo que sustentou no passado a América revolucionária. A meu ver, as conotações do título Revolutionary Road são duplamente irónicas. De facto, não só não existe nada de revolucionário nos subúrbios nem nos seus habitantes, nem a própria Revolutionary Road representa verdadeiramente uma estrada, mas antes o seu fim, o que desperta um sentimento de clausura e de desespero. Também Morris Dickstein reconhece a ironia do título deste romance yatesiano quando afirma: “the road that beckons becomes the road not taken” (218; itálico meu). Numa sociedade e numa paisagem vistas como limitadoras de identidades e de ambições, num ambiente onde os personagens não experienciam mais do que um sentimento entorpecedor de solidão, o único resultado possível é a paralisação. Com efeito, se num road novel o movimento sugere a libertação de restrições, sendo por isso um género celebrado na América até aos dias de hoje pela sua ligação às conceções da Fronteira Americana, com o seu anti-road novel Yates demonstra a incapacidade dos personagens de se libertarem, permanecendo inertes e expectantes. Para Castronovo e Goldleaf, é o sentimento de superioridade dos personagens em Revolutionary Road que faz com que estes permaneçam presos num limbo de fantasia – com “warped ideas about personal authenticity and individualism” –, à medida que recusam uma ligação à sua situação atual e ao espaço que habitam. De facto, os personagens perseguem aquilo que estes estudiosos descrevem como “vanishing horizons”, obviamente ecoando “Fitzgerald’s dreams of love and social ambition in a minor key” (4-7; itálico meu).87 Como sustenta David Castronovo, “[the Wheelers] are full of promise, well- educated, and eager – and yet marked for destruction” (194). April Wheeler não se revê na imobilidade e na passividade da experiência suburbana, enquanto que Frank, pelo contrário, acaba por capitular aos subúrbios, contentando-se com a manutenção de uma mera ilusão de possibilidades e de autenticidade. Após a morte de April, apenas os subúrbios permanecem como a “figura” dominante, um ambiente de imobilidade que,

87 De acordo com Elizabeth Venant, Kurt Vonnegut terá mesmo descrito Revolutionary Road como “The Great Gatsby of my time” (Venant, Elizabeth. “A Fresh Twist in the Road: For Novelist Richard Yates, a Specialist in Grim Irony, Late Fame’s a Wicked Return.” Los Angeles Times, 1989, https://www.latimes.com/archives/la-xpm-1989-07-09-vw-5311-story.html, último acesso em 12 de outubro de 2020). 89 apesar da tragédia, continua “invincibly cheerful, a toyland of white and pastel houses whose bright, uncurtained windows winked blandly through a dappling of green and yellow leaves” (323). A tragédia final de Revolutionary Road parece sugerir a existência de uma “fronteira” totalmente encerrada onde qualquer tentativa de recuperação da movimentação como possibilidade estaria condenada ao insucesso. Em suma, Revolutionary Road é um romance de “estradas” inacabadas, uma sucessão de expectativas falhadas. Não só saem frustrados os anseios com a encenação da peça The Petrified Forest, mas também as expectativas com a experiência suburbana em si. É que apesar de prometer um lugar seguro para a família, esta paisagem acaba por representar uma ameaça para as identidades dos seus habitantes. Além disso, os personagens não conseguem escapar à sua condição suburbana, nem mesmo destacar-se naquela geografia que consideram opressiva. Tanto April como Frank são incapazes de forjar uma nova “estrada”, de encontrar uma nova “Fronteira Americana” na qual se pudessem reinventar; não conseguem escapar à sua condição como membros de uma geração que se encontra “perdida”.

90

Referências Bibliográficas

Amidon, Stephen. “A Harrowing Mirror of Loneliness.” The Atlantic, https://www.theatlantic.com/magazine/archive/2001/07/a-harrowing-mirror-of- loneliness/302256/. Acedido em 12 de outubro de 2020. Bailey, Blake. A Tragic Honesty - The Life and Work of Richard Yates. Methuen, 2004. ---. “Richard Yates on the Edge of Success.” New England Review, vol. 24, no. 3, 2003, pp. 6–31, http://proxy.libraries.smu.edu/login?url=http://search.ebscohost.com/login.aspx?dir ect=true&db=a9h&AN=10750792&site=ehost-live&scope=site. Acedido em 12 de outubro de 2020. Beuka, Robert. SuburbiaNation - Reading Suburban Landscape in Twentieth-Century American Fiction and Film. Palgrave Macmillan, 2004. Bull, Leif. A Thing Made of Words: The Reflexive Realism of Richard Yates. PhD Thesis, University of Glasgow, 2010. Callan, Edward. “Allegory in Auden’s The Age of Anxiety.” Twentieth Century Literature - A Scholarly and Critical Journal, vol. 10, no. 4, 1965, pp. 155–65. Castronovo, David. Beyond the Gray Flannel Suit: Books from the 1950s That Made American Culture. The Continuum International Publishing Group, 2004. Castronovo, David, e Steven Goldleaf. Richard Yates. Ed. Frank Day, Twayne Publishers, 1996. Charlton-Jones, Kate. Dismembering the American Dream - The Life and Fiction of Richard Yates. University of Alabama Press, 2014. Clark, Geoffrey, e DeWitt Henry. “From the Archive: An Interview with Richard Yates.” Ploughshares, vol. 1, no. 3, 1972, https://www.pshares.org/issues/fall-2011/archive- interview-richard-yates. Currell, Susan. American Culture in the 1920s. Edinburgh University Press, 2009. Daly, Jennifer. Why Is Your Brand Crisis? Challenging the Representation of Masculinity in the Work of Richard Yates, Richard Ford, and Jonathan Franzen. PhD Thesis, 2016. 91

Dickstein, Morris. “Fiction and Society, 1940—1970.” The Cambridge History of American Literature. Ed. Sacvan Bercovitch, Volume 7, Cambridge University Press, 2008. Emerson, Ralph Waldo. “Nature, 1836.” Nature and Selected Essays, Penguin Classics, 2003. Fitzgerald, F. Scott. The Great Gatsby. Wordsworth, Wordsworth Editions, 1993. Ford, Richard. “American Beauty (Circa 1955).” New York Times, 2000, https://www.nytimes.com/2000/04/09/books/essay-american-beauty-circa- 1955.html. Acedido em 12 de outubro de 2020. Fraser, Nick. “Rebirth of a Dark Genius.” The Guardian, 2008, https://www.theguardian.com/books/2008/feb/17/biography.fiction. Acedido em 12 de outubro de 2020. Friedan, Betty. The Feminine Mystique. W. W. Norton & Company, 2013. Goldleaf, Steven. “Master and Model: F. Scott Fitzgerald’s Role in Richard Yates’s ‘Saying Goodbye to Sally.’” The F. Scott Fitzgerald Review, vol. 13, no. 1, 2016, pp. 219–35. Halliwell, Martin. American Culture in the 1950s. Edinburgh University Press, 2007. Howe, Irving. “This Age of Conformity.” A Voice Still Heard - Selected Essays of Irving Howe. Ed. Nina Howe, Yale University Press, 2014. Jurca, Catherine. White Diaspora - The Suburb and the Twentieth-Century American Novel. Princeton University Press, 1964. Kennedy, John F. “Historic Speeches - Acceptance of Democratic Nomination for President.” John F. Kennedy Presidential Library and Museum, 1960, https://www.jfklibrary.org/learn/about-jfk/historic-speeches/acceptance-of- democratic-nomination-for-president. Acedido em 12 de outubro de 2020. Klinkowitz, Jerome. The New American Novel of Manners - The Fiction of Richard Yates, Dan Wakefield, and Thomas McGuane. University of Georgia Press, 1986. Kunstler, James Howard. The Geography of Nowhere - The Rise and Decline of America’s Man-Made Landscape. Simon & Schuster Inc., 1994. Marx, Leo. The Machine in the Garden: Technology and the Pastoral Ideal in America.

92

Oxford University Press, 2000. May, Elaine Tyler. Homeward Bound - American Families in the Cold War Era (1988). Basic Books, 2008. McGinley, Rory. Richard Yates: Re-Writing Postwar American Culture. University of Glasgow, 2016. Moreno, Michael P. “Consuming the Frontier Illusion: The Construction of Suburban Masculinity in Richard Yates’s Revolutionary Road.” Iowa Journal of Cultural Studies, vol. 3, no. 1, 2003, pp. 84–95. Mumford, Lewis. The City in History. Hartcourt Brace Jovanovich, Inc., 1961. O’Nan, Stewart. “The Lost World of Richard Yates.” The Boston Review, 1999, http://bostonreview.net/stewart-onan-the-lost-world-of-richard-yates. Acedido em 12 de outubro de 2020. Øisang, Rikke Aaserø. Suburban Narratives Revisited: Problematics of Gender and the American Family in Richard Yates’ Revolutionary Road. MA Thesis, 2012. Paul, Heike. “Agrarianism, Expansionism, and the Myth of the American West.” The Myths That Made America - An Introduction to American Studies, Transcript Verlag, 2014. Riesman, David. “The Suburban Dislocation.” The Annals of the American Academy of Political and Social Science, Sage Publications Inc., vol. 314, 1957, pp. 123–46. Russo, Richard. “Introduction to The Collected Stories of Richard Yates.” The Collected Stories of Richard Yates, Picador, 2002. Sherwood, Robert E. The Petrified Forest. Internet Archive Books, 1935, https://archive.org/details/petrifiedforest0000sher/page/n9. Acedido em 12 de outubro de 2020. Tocqueville, Alexis de. Democracy in America. Ed. Eduardo Nolla, Liberty Fund, Inc., 2010. Turner, Frederick Jackson. “The Frontier in American History.” Journal of Geography, vol. 20, no. 5, 1921, pp. 199–200. Venant, Elizabeth. “A Fresh Twist in the Road: For Novelist Richard Yates, a Specialist in Grim Irony, Late Fame’s a Wicked Return.” Los Angeles Times, 1989,

93

https://www.latimes.com/archives/la-xpm-1989-07-09-vw-5311-story.html. Acedido em 12 de outubro de 2020. Warner, Sam Bass. The Urban Wilderness: A History of the American City. University of California Press, 1995. Wheeler, Mark. Holywood: Politics and Society. British Film Institute, 2006. Whyte, William H. The Organization Man. University of Pennsylvania Press, 2002. Wilson, Sloan. The Man in the Gray Flannel Suit. Four Walls Eight Windows, 1955. Yates, Richard. Revolutionary Road. Vintage Books, 2007. ---. “Some Very Good Masters.” The New York Times, 1981, https://www.nytimes.com/1981/04/19/books/some-very-good-masters.html. Acedido em 12 de outubro de 2020. ---. Young Hearts Crying. Vintage Books, 2008.

94