INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO BACHAREL EM PRODUÇÃO CULTURAL

ANTONIO NARCELIO FERREIRA ROCHA

A PRODUÇÃO DO ROCK BRASILEIRO DOS ANOS 1980

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

NILÓPOLIS 2016

ANTONIO NARCELIO FERREIRA ROCHA

A PRODUÇÃO DO ROCK BRASILEIRO DOS ANOS 1980

Monografia apresentada à coordenação do curso Bacharelado em Produção Cultural como cumprimento parcial das exigências para a conclusão do curso.

Orientador: Prof. Dr. Jorge Luis Pinto Rodrigues

NILÓPOLIS 2016

INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO DE JANEIRO

BACHAREL EM PRODUÇÃO CULTURAL

ANTONIO NARCELIO FEREIRA ROCHA

A PRODUÇÃO DO ROCK BRASILEIRO DOS ANOS 1980

Monografia apresentada à coordenação do curso Bacharelado em Produção Cultural como cumprimento parcial das exigências para a conclusão do curso.

Aprovada em 21 de Janeiro de 2016.

Conceito:______(______).

______Prof. Dr. Jorge Luis Pinto Rodrigues (Orientador / IFRJ – Nilópolis)

______Prof. Dr. Álvaro Simões Corrêa Neder (UNIRIO)

______Prof. Dr. Tiago José Lemos Monteiro (IFRJ – Nilópolis)

NILÓPOLIS 2016

À minha mãe Maria, carinhosamente conhecida como Zeza, por ser sempre incondicionalmente a minha família.

À Sra. Cleonice Berardinelli por me inspirar e me fazer acreditar, desde muito cedo, que a educação importa (e muito!).

AGRADECIMENTOS

Agradeço às pessoas que contribuíram para que este trabalho tenha se concretizado. Sou grato pelas conversas, opiniões, discussões, leituras, revisões, apoio, os pequenos e os grandes favores e por muito ouvir sobre este assunto sem perder a paciência: Daniela França, Rubens Pedrosa, Átila de Carvalho, Hermane Pegoraro Schneider, Taíla Gabriela Rodrigues, Mayara Santos, Mateus Zippel e Lucas Boldrini.

Às pessoas que forneceram fotografias das capas de disco.

Aos professores do curso de Produção Cultural do IFRJ, que muito contribuíram para minha formação.

Aos entrevistados diretos: Roberto Frejat e Mayrton Bahia pela atenção dada ao meu trabalho. Aos entrevistados indiretos: André Midani e Ricardo Leite. E aos entrevistados mais que indiretos: Cristina Portela e Gringo Cardia.

Agradeço especialmente ao professor Jorge Caê por me vender a ideia (de estudar as capas) e comprar a minha (de estudar a produção). Por levar minhas questões aos entrevistados de difícil acesso, aproveitando a produção do seu documentário Ouça o disco, veja a capa. Pela excelente orientação, a paciência nos momentos de deserto criativo e pela integridade sempre presente durante todo o processo.

“C’est le temps que tu a perdu pour ta rose qui fait ta rose si importante.”

“Foi o tempo que perdeste com tua rosa que a fez tão importante.”

(Antoine de Saint­Exupéry)

RESUMO

Esta pesquisa investiga a construção do Rock Brasileiro dos anos 1980 em duas frentes: a primeira, através das capas dos discos procurando compreender o imaginário jovem dos anos 1980. A segunda, por meio de uma revisão do fenômeno, em um esforço transdisciplinar, inventariando a construção social do Rock Anos 1980 e do gênero Pop/Rock Nacional através da relação entre o contexto histórico e social, a participação das bandas, o papel dos produtores, da indústria fonográfica, dos designers, produtores musicais, jornalistas, radialistas e demais atores sociais. A pesquisa foi realizada por meio de revisão bibliográfica, análise de capas de disco e entrevistas com personagens que participaram diretamente da história do Rock Brasileiro como André Midani, Ricardo Leite, Roberto Frejat e Mayrton Bahia. O objetivo da pesquisa é compreender como se deu a produção do Rock Brasileiro dos anos 1980, evidenciando as relações entre os atores sociais envolvidos e os aspectos próprios da produção cultural. Foi mantido o recorte mais comum de bandas em diversas pesquisas sobre o Brock (as mais famosas), mas também se optou por citar bandas que tiveram um papel importante, apesar de não terem se consagrado com o grande público. Nesta pesquisa, ficou clara e foi reforçada a importância do Rock dos Anos 1980 na história política e cultural brasileira, assim como seu evidente papel no histórico da indústria fonográfica brasileira. Deste modo, este trabalho espera ter contribuído com a literatura acadêmica e as discussões sobre o Rock Brasileiro, a MPB e os estudos sobre a indústria fonográfica e para a área de produção cultural.

Palavras­chave: Rock nacional. Indústria cultural. Música. Juventude. Comportamento.

ABSTRACT

This research investigates the construction of the of the 1980s on two fronts: first, through the album covers, trying to understand the imaginary of the youth of the 80s. Second, through a review of the phenomenon in a transdisciplinary effort, inventorying the social construction of the 80s Rock and the National Pop/Rock genre, through the relationship between the historical and social context, the participation of the bands, the role of producers, the music industry, designers, music producers, journalists, broadcasters and other social actors. The survey has been conducted through literature review, record covers analysis and interviews with characters who directly participated in the history of the Brazilian Rock, as André Midani, Ricardo Leite, Roberto Frejat and Mayrton Bahia. The objective of the research is to understand what the production of the Brazilian Rock of the 1980s was like, making evident the relationships between the actors involved and the specific aspects of the cultural production. The most common cutout on bands in various Brock researches has been kept (the most famous ones), but also the choice was on to cite bands that have played an important role, even not having reached high popularity with the general public. In this research, the importance of the 80s Rock in 's political and cultural history was made clear and reinforced, as well as it was made evident its role in the history of Brazilian phonographic industry. Thus, this paper hopes to have contributed to the academic literature and discussions on the Brazilian Rock, MPB and studies on the phonographic industry and also to the field of cultural production.

Keywords: Brazilian Rock. Cultural Industry. Music. Youth. Behavior.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Barão Vermelho ­ Barão Vermelho (Som Livre, 1982)...... 35 Figura 2: Cazuza ­ Exagerado (Som Livre, 1985)...... 36 Figura 3: RPM ­ Rádio Pirata ao Vivo (CBS, 1986)...... 36 Figura 4: Barão Vermelho ­ Maior Abandonado (Som Livre, 1984)...... 38 Figura 5: Lobão ­ Cuidado! (RCA Victor, 1988)...... 38 Figura 6: Lulu Santos ­ Toda Forma de Amor (RCA Victor, 1988)...... 40 Figura 7: Cazuza ­ Burguesia (PolyGram, 1988)...... 40 Figura 8: Blitz ­ As aventuras da Blitz (EMI­Odeon, 1982)...... 41 Figura 9: : Nós vamos invadir sua praia (WEA, 1985)...... 42 Figura 10: Inocentes: Inocentes (WEA, 1989)...... 43 Figura 11: Lobão: O Rock Errou (RCA Victor, 1986)...... 43 Figura 12: Titãs: Cabeça Dinossauro (WEA, 1986)...... 44 Figura 13: : O Passo do Lui (EMI­Odeon, 1984)...... 45 Figura 14: Os Paralamas do Sucesso: Bora Bora (EMI­Odeon, 1988)...... 46

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 10

1. O ROCK NO BRASIL ANTES DOS ANOS 1980 ...... 14

1.1. A chegada: O primeiro momento do Rock Brasileiro ...... 14

1.2. Jovem Guarda: O segundo momento do Rock Brasileiro ...... 15

1.3. Tropicália: O terceiro momento do Rock Brasileiro ...... 17

1.4. Antecedentes: O período pré­Rock 80 (dos anos 1970 a 1982) ...... 20

2. INDÚSTRIA FONOGRÁFICA, DESIGN, PRODUÇÃO MUSICAL E SOCIEDADE ...... 23

2.1. Indústria fonográfica, os formatos e o disco ...... 23

2.2. A embalagem, a capa e o designer ...... 25

2.3. Os atores da produção musical e a dinâmica social ...... 27

3. O IMAGINÁRIO JOVEM DOS ANOS 1980 ATRAVÉS DAS CAPAS DOS DISCOS DO BROCK...... 32

3.1. Rockstar ...... 34

3.2. Vida Cotidiana ...... 37

3.3. Amor e Sexo ...... 38

3.4. Ser Jovem ...... 40

3.5. Política e Sociedade...... 42

3.6. Arte e Design...... 44

4. A CONSTRUÇÃO DO ROCK NACIONAL ...... 49

4.1. Adolescência ...... 50

4.2. Maior idade ...... 56

4.3. Maturidade ...... 58

CONCLUSÕES ...... 63

Referências ...... 65

APÊNDICE A – Catálogo de capas de disco e suas classificações ...... 67 10

INTRODUÇÃO

A música é fascinante como área de pesquisa e extremamente frutífera em possibilidades. Através dela e de suas muitas dimensões podemos compreender aspectos da história e da cultura. A minha pesquisa é, naturalmente, fruto do meu interesse por música. Para ser mais preciso, meu interesse como músico e graduando em um curso de produção cultural. A origem desta pesquisa remonta a uma iniciação científica1 de autoria do professor Jorge Caê Rodrigues, na qual fui bolsista por 2 anos. Fui instigado a fazer a proposta da iniciação científica se transformar em meu trabalho de conclusão de curso e acrescentar nele algo que refletisse meus próprios interesses acadêmicos. E diante da tantas possibilidades de abordagem, escolhi compreender o fenômeno do Rock anos 1980 bem mais de perto não só pelas suas imagens, mas também pela história dos seus indivíduos. Entretanto, sempre ciente de que, no espaço de uma monografia, é impossível esgotar um assunto tão extenso e de tamanha envergadura e de tantas possibilidades. O presente trabalho investiga a construção do Rock Brasileiro dos anos 1980 em duas frentes: a primeira, através das capas dos discos, procurando compreender o imaginário jovem dos anos 1980. A segunda, por meio de uma revisão do fenômeno, em um esforço transdisciplinar, inventariando a construção social do Rock Anos 1980 e do gênero Pop/Rock Nacional através da relação entre o contexto histórico e social, a participação das bandas, o papel dos produtores, da indústria fonográfica, dos designers, produtores musicais, jornalistas, radialistas e demais atores sociais. As questões que servem de norte para o trabalho são, na primeira parte: que temas interessavam ao jovem? Que ideias eram fomentadas? Que assuntos estavam nas mentes dos músicos, designers, produtores e consumidores? De quem partiam os elementos para a criação da comunicação visual? Quem aprovava? Na segunda parte, a questão maior é: como se construiu e se estabeleceu o fenômeno Rock anos 1980? Um produto cultural sempre será um diálogo entre os muitos atores que compõem determinado quadro a ser estudado. O criador do produto (o artista) se situa em determinado tempo histórico e em determinado lugar social, e por isso, terá que dialogar com o consumidor deste produto e com o contexto histórico e social que cerca ambos. Na

1 As capas de disco do Rock Brasileiro dos anos 1980 foi um projeto de iniciação científica de autoria do professor Jorge Caê Rodrigues. Realizada entre 2009 e 2011 e apresentada nas IV e V Jornada Interna de Iniciação Científica do IFRJ. Recebeu o prêmio de melhor trabalho em Literatura, Letras e Artes na V JIT (2011). 11

era da indústria cultural, este mesmo produto passará ainda pelos processos de produção, isto é, deverá ser adequado a um mercado, deverá ser distribuído para que alcance o seu consumidor. O Brock, Rock 80 ou simplesmente Rock dos Anos 1980, é um fenômeno musical brasileiro que ocorreu ao mesmo tempo em que o Brasil passava por uma transformação política de extrema importância: o fim da ditadura militar e tudo o que este momento implicou. Foi um rock brasileiro que se fez de jovens para jovens “falando em português claro de coisas comuns ao pessoal de sua própria geração” (DAPIEVE, 1995) e que, como se espera, buscava romper com a música produzida pelas gerações anteriores. A este movimento é dado o crédito de transformar um estilo musical estrangeiro – o rock n’ roll – presente no Brasil desde os anos 1950, de um imigrante em um “verdadeiro rock brasileiro”. A pesquisa foi realizada por meio de revisão bibliográfica, análise de capas de disco, análise textual e entrevistas semiestruturadas com personagens que participaram diretamente da história do Rock Brasileiro. As entrevistas com André Midani, Ricardo Leite, Gringo Cardia e Cristina Portela foram realizadas por Jorge Caê Rodrigues e bolsistas no contexto da produção do documentário Ouça o disco, veja a capa. No caso de André Midani e Ricardo Leite, as questões relativas aos anos 1980 foram levadas pelo orientador visando também a minha pesquisa. As entrevistas de Cristina Portela e Gringo Cardia não tem vínculo direto com o meu trabalho, mas foram gentilmente concedidas com o restante do material a fim de ampliar a contextualização da década. As entrevistas de Roberto Frejat e Mayrton Bahia foram concedidas a mim por meio de troca de e­mails com direito a duas tréplicas, na intenção de imitar um diálogo. O rock brasileiro dos Anos 1980, como objeto de estudo, resulta em uma grande variação de bandas e artistas. A fim de obter o recorte específico desta pesquisa, mantive o foco em 12 bandas e 3 artistas que tiveram um papel de extrema relevância no período: Barão Vermelho, Blitz, Capital Inicial, , Inocentes, , Legião Urbana, Os Paralamas do Sucesso, Plebe Rude, RPM, Titãs, Ultraje a Rigor. Cazuza, Lobão e Lulu Santos. Esse é o recorte mais comum de bandas em diversas pesquisas sobre o Brock. São as mais famosas! Entretanto, também optei por citar bandas que tiveram um papel importante, apesar de não terem se consagrado com o grande público. Como exemplos: Inocentes, por ser uma banda das mais relevantes do movimento 12

punk paulista e liderada por um roqueiro negro, pobre e morador de periferia. E Kid Abelha porque, em um universo dominado por homens, é uma das bandas mais importantes liderada por uma mulher. O recorte temporal, por sua vez, não obedece ao calendário. Tomo como marco inicial do fenômeno BRock o lançamento do compacto Você não soube me amar da Blitz, em Julho de 1982. E para fechar a década, a morte de Cazuza, a 7 de Julho de 1990. Cabe ressaltar que são margens imaginárias e utilizadas apenas para fins de organização. Os discos comtemplados pela pesquisa foram lançados dentro desse período e pelas bandas e artistas mencionados. As capas foram fotografadas a partir de discos de vinil independente do estado de conservação ou da presença de dedicatórias, riscos, danos ou outras marcas de uso. A contracapa, apesar de ter sido também coletada, não é considerada material da pesquisa, exceto quando se mostrar como parte conceitual do projeto gráfico. Ao todo foram coletadas 77 capas, não contando duas vezes aquelas que foram alteradas por relançamentos ou pela censura. E, com base nas referências de Rodrigues (2007), Morgan e Wardle (2010) e Rochedo (2011), desenvolvi categorias de classificação para as capas que são melhor exploradas no capítulo 3. A monografia se divide em 4 partes: no primeiro capítulo O rock no Brasil antes dos anos 1980, reviso a história do rock n’ roll no Brasil desde sua chegada na década de 1950 até os últimos momentos do início do BRock. É evidenciado como momentos do Rock Brasileiro o sucesso dos irmãos Campello, a Jovem Guarda, a Tropicália e um período dominado por bandas esporádicas não ligadas a nenhum movimento, fenômeno ou projeto específico. No segundo capítulo, Indústria fonográfica, design, produção musical e sociedade, desenvolvo uma reflexão sobre os pressupostos teóricos que cercam a minha pesquisa. Este capítulo foi alimentado pela necessidade de compreender o rock n’ roll frente às correntes teóricas que criticam produtos da indústria cultural. No terceiro capítulo, O imaginário jovem dos anos 1980 através das capas dos discos do BRock, faço uma analise das capas de disco buscando compreender os temas e as imagens da juventude da década. Reforço a importância das capas para pesquisa acadêmica e comento as tecnologias e formas de trabalho da década de 1980. No quarto e último capítulo, A construção do Rock Nacional, relaciono as entrevistas, duas referências principais Dapieve (1995) e Alonso (2015) e o contexto histórico e social da década de 1980, para compreender a construção do rock brasileiro. Apresento o processo de 13

conquistas simbólicas que fizeram o rock ocupar os principais espaços simbólicos da mídia e da indústria fonográfica (mainstream) e as implicações políticas que isso gerou nas relações com a MPB. Finalizo abordando o processo que levou o rock a se estabelecer como gênero musical brasileiro. Um fenômeno cultural deve ser estudado pelos mais variados caminhos que a pesquisa puder produzir. O BRock já foi observado através das letras das músicas, de reportagens de jornais, entre outras possiblidades. O rock brasileiro dos anos 1980 faz parte do contexto da MPB, e a relevância do tema repousa na própria relevância da MPB na história política e cultural do Brasil. Apesar da importância desse fenômeno para a compreensão da história da cultura e da música do país e de tantos trabalhos produzidos sobre ele, o Rock Brasileiro ainda esbarra em discursos que tentam desmerecer a sua relevância. Durante este trabalho busquei evidentemente uma visão divergente, reforçando o BRock como um momento musical proeminente e de extrema relevância, buscando contribuir com as discussões sobre o Rock Brasileiro (e a MPB), os estudos sobre capas de disco e com o histórico da produção fonográfica brasileira.

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1. O ROCK NO BRASIL ANTES DOS ANOS 1980

O Rock n’ Roll surgiu nos Estados Unidos na década de 1950 ao mesmo tempo em que a cultura jovem2, enquanto o jovem se tornava de fato um ator social específico (ROCHEDO, 2011), criando o vínculo que torna indissociável o gênero musical e o comportamento. Quebra de tabus, enfrentamento de padrões morais e de bom comportamento, novos valores, novos hábitos e novos códigos entrariam de vez no imaginário social dos jovens. O rock surgiu de ritmos da música negra, do Jazz, da mescla entre o citadino Rhythm and Blues e o rural Country and Western. A televisão, o cinema e o rádio fariam ecoar os novos valores, o que levaria o Rock n’ Roll a cair no gosto da classe média americana (não sem tentativas de domesticá­lo) e, com o abraço da indústria cultural (a esmagadora indústria cultural anglo­americana) espalhar sua popularidade pelo planeta, apesar da descrença dos seus críticos.

1.1. A chegada: O primeiro momento do Rock Brasileiro

O rock chegou ao Brasil numa época de mudanças e otimismo no país: a construção de Brasília, a excitação econômica, uma forte música brasileira, o advento da Bossa Nova e um conspícuo protecionismo cultural, já presente na cabeça dos brasileiros. Foi nesse contexto que o rock aportou em terras brasileiras, em conjunto com o filme Sementes da Violência (The Blackboard Jungle) de Richard Brooks, no ano de 1955, e não sem fazer barulho ou causar confusão. Em alguns casos os jovens se empolgavam tanto que ocorriam confusões no cinema. A música Rock around the clock de Bill Halley and His Comets estava na trilha sonora do filme, e aqui gravada pela cantora de samba­canção Nora Ney, fez um sucesso extraordinário. Obviamente esse sucesso atraiu a atenção de outros músicos, rádios e gravadoras, o que criou condições para o aparecimento não apenas de versões das músicas norte americanas, mas material original. Em 1957 é lançado o primeiro rock made in Brazil: Rock and roll em Copacabana interpretada por Cauby Peixoto (DAPIEVE, 1995, p.11). Deste momento em diante programas de rádio sobre o rock foram criados e os primeiros ídolos do rock nacional, os irmãos Campello, surgiram. Banho de lua, Boogie do bebê,

2 Citado como Cultura Teenager por Dapieve (1995, p.11) 15

Lacinho cor­de­rosa e claro, Estúpido cupido. Essas canções, versões de músicas americanas, foram um estouro nas rádios e levaram ao estrelato Tony e Celly Campello. No rastro desse sucesso, diversos astros surgiam amparados por programas de TV e rádio. Entre eles os que se tornariam precursores do segundo momento do rock brasileiro (a Jovem Guarda). Sérgio Murilo, Ed Wilson, Demetrius e Ronnie Cord e os já citados irmãos Campello, eram os representantes da juventude transviada, influenciados não apenas pela música, mas também pelo cinema americano, Marlon Brandon e James Dean, lambretas e Cadillacs possantes. Sofrendo preconceitos do mainstream da música brasileira e sem grandes amostras de mau comportamento3 (comparados aos “maus exemplos” do rock americano), entretanto, diferentes das divas e reis do rádio ou dos representantes da Bossa Nova, a moda passou e eles foram ultrapassados rapidamente pela segunda geração.

1.2. Jovem Guarda: O segundo momento do Rock Brasileiro

O Rock n’ Roll não estava indo muito bem das pernas nos Estados Unidos, com seus primeiros ídolos saindo de cena para seguir outros caminhos, alistando­se no exército, presos ou envolvidos em escândalos. O mercado sendo dominado por versões mais comportadas e domadas do gênero. No Brasil, no fim da década de 1950, a Bossa Nova era a novidade entre os jovens, sobretudo do Rio de Janeiro, mais precisamente na zona sul. O acesso não era tão fácil para uma turma que se reunia na Tijuca, subúrbio carioca e, apesar de se interessarem também por Bossa Nova, se envolviam mesmo com o rock (FRÓES, 2000, p.30). Entre eles , Jorge Ben, Erasmo Carlos e Roberto Carlos. Roberto Carlos, que a princípio veio ao Rio de Janeiro tentar a sorte como cantor de rádio, acabou se juntando a Tim Maia, Arsênio Lívio, entre outros em um grupo chamado The Sputniks, em 1957. O grupo chegou a se apresentar no programa Club do Rock, mas o projeto não obteve sucesso. Apesar da popularidade dos ainda ídolos Celly Campello e Sérgio Murilo nenhuma gravadora apostava em rock naquele momento. Bossa Nova estava sob os holofotes e vendia cada vez mais (DANTAS, 2007, p.45). Roberto, deixando o rock de lado, tentou Bolero, Samba, Bossa Nova até lançou um LP “eclético”, mas também sem sucesso. O Rock retomaria seu espaço a partir de 1962 e a onda de choque agora partia da Inglaterra, pelas mãos dos Beatles, Rolling Stones, The Who, The kinks, entre outros.

3 Celly, por exemplo, abandonou a carreira para casar e ter filhos em 1962. 16

Celly Campello e Sérgio Murilo insistiam em versões do que se produzia nos Estados Unidos e foram rapidamente ultrapassados pela nova onda que chegava (FRÓES, 2000, p.37). Dentro desse cenário Roberto Carlos e Erasmo Carlos (uma parceria que se tornaria monumental) emplacariam seus primeiros sucessos, Splish, Splash (63), Calhambeque (63), Festa de Arromba (64), É proibido fumar (64), só para citar algumas. Deste modo eles iniciaram a formação do estilo que ficou conhecido como iê­iê­iê (por causa da música She loves you dos Beatles) e Jovem Guarda (por causa do programa de TV). Por volta de 1965, aparelhos de TV já tinham se tornado um bem de consumo mais acessível e mais comum entre os brasileiros, forçando inclusive uma mudança nas programações de rádio que abriam mão dos programas ao vivo e adotavam programas baseados em gravações. Nesse mesmo ano os clubes de futebol proibiram a exibição das partidas, deixando um buraco na programação da TV Record que, desesperada, procurava um programa para por no lugar. A salvação veio na forma de um programa musical para jovens, o Jovem Guarda e o apresentador escolhido foi Roberto Carlos (FRÓES, 2000, p.76), junto com Erasmo Carlos e Wanderléa. Desde a estreia o programa foi um grande sucesso, causando histeria. Roberto correu para lançar um disco que foi batizado com o mesmo nome do programa. E o movimento tomou forma. O sucesso propiciou o surgimento de roqueiros e grupos, entre eles Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléa, Jerry Adriani, Eduardo Araújo, Golden Boys, Renato e Seus Blue Caps, entre outros. “O futuro pertence à jovem guarda, pois a velha está ultrapassada”, a frase de Lênin, que deu nome ao programa, de certo modo faz sentido quando se reflete sobre o papel exercido pelo movimento. A estes jovens podem ser atribuídas diversas façanhas como oferecer o visto permanente ao estrangeiro rock em solo brasileiro e abrir espaço de destaque para a guitarra elétrica (DAPIEVE, 1995, p.14). Em relação à juventude transviada da era Campello, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléia, e seus congêneres avançavam criando um estilo próprio de fazer rock n’ roll com um universo imagético próprio, próximo da realidade do público alvo. Amor juvenil, festanças, carros e heróis de quadrinhos ou de cinema em um cenário urbano do Rio de Janeiro ou de São Paulo, que, apesar da rebeldia comportada (DANTAS, 2007, p.54), realmente causavam polêmica. Naquele momento de engajamento político extremamente intenso, os astros da Jovem Guarda foram acusados de tudo: alienadores da juventude, difusores da cultura imperialista norte­americana e transgressores da moral e dos bons costumes. O que 17

resultaria até em uma famosa passeata contra a guitarra elétrica. O sucesso assustava e era visto como uma ameaça real pelos artistas representantes da MPB (DANTAS, 2007, p.49). A eles estava associada uma poderosa e muito bem arquitetada estratégia industrial fonográfica, que explorava o frenesi do público oferecendo uma variedade de produtos associados aos ídolos jovens como roupas, anéis, revistas, bonecos, filmes, programas de TV e assim por diante. Segundo Dapieve, apesar do sucesso, a Jovem Guarda era vista como uma doença infantil de nossa música e passaria quando os ídolos amadurecessem (1995, p.14). O que de fato aconteceu por volta de 1968. A turma da Jovem Guarda não acompanhou os Beatles e Jimi Hendrix na estrada psicodélica (isso ficou com a Tropicália). Cada um seguiu seu rumo; o ídolo maior, Roberto Carlos, saiu do programa de TV, venceu o festival de San Remo, alcançando sucesso internacional e por fim se encaminhando para uma carreira como cantor romântico. E foi deste modo que, assim como os Beatles na Inglaterra, a Jovem Guarda levou multidões ao delírio e aos berros numa febre, apesar de ter sido vista como uma coisa fútil e passageira. O que de fato aconteceu, mas deixou marcas nas gerações roqueiras mais novas.

1.3. Tropicália: O terceiro momento do Rock Brasileiro

O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro abrigava em início de 1967 uma exposição dentro da qual existia uma instalação chamada Tropicália, do artista plástico Hélio Oiticica. Um labirinto de sons, araras e plantas com terra, pedras e água que terminava em um encontro com uma TV. A obra viria a servir de inspiração para o nome de um movimento que estava pra decolar, nascido a partir das inquietações de Caetano Veloso e . Os anos 1960 foram de extrema tensão política, deixando para trás a empolgação ufanista da década anterior. A ditadura militar instituída a partir do golpe de 1964 alterava a percepção sobre os temas da Bossa Nova. Os artistas da MPB sofrem uma cisão, dividindo­se entre aqueles que permanecem tratando de barquinhos, pôr do sol, o mar e a coisas da vida da Zona Sul do Rio de Janeiro e aqueles que, apesar das moças lindas de Ipanema, consideravam a música como uma importante e imponente arma contra toda a situação política em que se encontravam. Deste modo, se engajando em temas sociais, políticos, relacionado ao nordeste e ao sertão. Os primeiros eram tratados como alienados 18

pelos segundos que fizeram o que ficou conhecido como música de protesto. A coisa chega a tal ponto que Nara Leão rompe dramaticamente com a Bossa Nova, ainda que anteriormente fosse identificada como musa do movimento. Em 1965, um pouco por acaso, meio sem querer, Caetano Veloso chega ao Rio de Janeiro acompanhando sua irmã mais nova, Maria Bethânia. Ela tinha sido convidada pela própria Nara Leão a substituí­la no show Opinião, por conta de problemas de saúde. O espetáculo se torna um grande sucesso, na verdade um sucesso ainda maior do que já era, até rendendo a Bethânia a alcunha (temporariamente) de musa das canções de protesto. Caetano ficou instigado pelo clima e pelos grandes festivais da música popular. Os festivais eram um ponto de grande efusão política e criativa. Era um ambiente que oferecia grande visibilidade aos artistas (conhecidos ou não), transmitidos pela mídia e amplamente cobertos pela imprensa. A música popular era o lugar para se debater as grandes questões da cultura brasileira e as próprias questões nacionais (VELOSO APUD RODRIGUES, 2007, p.27). Deste modo, eram importantes para todos que se considerassem politizados e uma grande vitrine para os artistas e suas ideias. Caetano Veloso participou do I Festival da Nacional de Música Popular (TV Excelsior) e do II Festival da Música Popular Brasileira (TV Record). Deste segundo, Gilberto Gil participou também. No terceiro festival da Record, em 1967, eles tomaram o rumo do que viria a ser chamado de Tropicália. Reuniões para discutir o futuro da MPB foram organizadas, convites foram remetidos, mas a adesão foi muito pequena. Nara Leão aceitou. O grupo baiano seguiu por conta própria. Em 1967, no III Festival da Record, Caetano Veloso e Gilberto Gil apresentaram Alegria, Alegria e Domingo no Parque em um caldeirão de sentimentos entre cólera e surpresa. Suas propostas eram completamente diferentes de tudo o que se apresentava ali, ambos acompanhados por bandas de rock e suas guitarras (consideradas uma ameaça à cultura nacional). O sucesso das canções classificadas em quarto e segundo lugar os levou direto para o estúdio para gravar seus próximos LPs. Nesse meio tempo, Caetano e Gil estavam se encontrando. Eles sentiam a necessidade de algo novo que fosse diferente dos caminhos artísticos disponíveis naquele momento. As pistas de que precisavam se reuniram diante deles. Do contato com a realidade social das zonas rurais do nordeste à inventividade artística da região. O rock n’ roll (anglo­americano) e a Jovem Guarda brasileira. O filme Terra em Transe de Glauber Rocha (a faísca para a explosão) e a peça O Rei da Vela de Oswald de Andrade (a confirmação mística do direcionamento do movimento). A poesia concreta de Décio 19

Pignatari e dos irmãos Haroldo e Augusto de Campos. Tudo indicava que havia, sim, um movimento e assim se seguiu. Em 1968 o movimento estava sendo identificado por intelectuais e Nelson Motta publica sobre ele em sua coluna diária no jornal Última Hora. Estava lançada a cruzada tropicalista, o que levou o Tropicalismo a uma grande exposição na mídia, com direito a diversas visitas ao programa do Chacrinha. Os tropicalistas lançaram naquele ano sete discos dos artistas Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, , Nara Leão, Rogério Duprat e também o disco manifesto Tropicália ou Panis et Circensis. O disco de Gal Costa só seria lançado no ano seguinte. Nesse caso, a tríade formada pelo disco manifesto, o de Caetano e o de Gil, são considerados o núcleo da proposta tropicalista. A efervescência do movimento aumentava e a exposição também a ponto de Gil e Caetano apresentarem um programa de TV chamado Divino, maravilhoso. Outro festival da canção estava a caminho, agora patrocinado pela Rede Globo. Caetano com os Mutantes é classificado, apesar das vaias. Gilberto Gil é desclassificado. A proposta tropicalista extrapolava completamente o que se poderia aceitar naquele contexto e até Tom Jobim foi vaiado (mais precisamente sua música, Sabiá) porque a canção4 de Geraldo Vandré ficou em segundo lugar no festival. Nas eliminatórias, Caetano Veloso embaixo de vaias intensas, impedido de prosseguir com a música É proibido proibir, profere o famoso discurso: “Se vocês... se vocês, em política, forem como são em estética, estamos feitos!” (VELOSO APUD RODRIGUES, 2007, p.61). As pessoas realmente não estavam preparadas para compreender a revolução estética e comportamental proposta pelos tropicalistas e demorariam algum tempo para isso acontecer. Porém, os militares já estavam de olho neles. Em Dezembro de 1968, Caetano e Gil são presos. O Tropicalismo chega ao fim como movimento organizado (a revolução iniciada por eles não, ela continuaria). Dali para adiante, os dois seriam exilados por alguns anos fora do Brasil. Dapieve considera a Tropicália um terceiro momento do rock brasileiro sendo aliada de tal forma à MPB que não dava pra saber onde começava um e terminava a outra (1995, p.14). Se já não bastassem Beatles e Jimi Hendrix “devorados” e a participação dos Mutantes, estava presente o comportamento transgressor e rebelde além da “necessidade de revolucionar o corpo e o comportamento, rompendo com o tom grave e a falta de flexibilidade da prática

4 “Caminhando (Pra não dizer que não falei das flores)”. 20

vigente” (HOLANDA APUD PIRES E BÄR, 2013), características inegavelmente ligadas às origens do fenômeno Rock n’ Roll.

1.4. Antecedentes: O período pré­Rock 80 (dos anos 1970 a 1982)

Depois do fim da tropicália não teremos outro fenômeno ou momento definido como “do rock n’ roll” até o estouro do BRock em 1982. O que pode ser notado é a proliferação de diversas bandas com variações no nível de sucesso alcançado por elas. No mesmo ano do fim da tropicália, Os Mutantes ( e os irmãos Arnaldo e Sérgio Dias Baptista) lançaram seu primeiro disco, provando estarem em sintonia com as diversas possibilidades da música brasileira sem deixar de fazer rock. Eles se tornam o primeiro grupo de rock brasileiro e inauguram o que pode ser chamado de o “modo brasileiro de fazer rock n’ roll”, a fórmula rock mais MPB (DAPIEVE, 1995, p.16), perseguida por diversos grupos depois deles. Mais tarde, Rita Lee deixou o grupo, desenvolvendo um trabalho solo que com o tempo se aproximou mais da MPB (afastando­ se, ao menos inicialmente, da geração 80). Os irmãos persistiram por mais tempo, eventualmente se separando em carreiras distintas ligadas ao rock progressivo. Dentro desse gênero ­ rock progressivo ­ outras bandas que valem mencionar são: O Terço, A Bolha, Veludo, Som Nosso de Cada Dia, Bixo da Seda, Barca do Sol, Moto perpétuo, Peso e Vímana. A última, de extrema importância para a história do Rock anos 1980 mais por seus membros (Lulu Santos, Lobão e Ritchie) do que pelo som. Para Dapieve, o Vímana (ou melhor seus membros) foi o responsável por levar o rock brasileiro da década de 1970 para a de 1980 (1995, p.35). Quem se tornaria o ponto de referência para roqueiros em um rumo diferente do progressivo é , de Salvador, BA. Raul emplaca duas músicas no FIC5 em 1972, lança em 1973 o disco Krig­há, Bandolo!, recheado de clássicos que junto, aos lançamentos seguintes, fariam dele o patriarca do Rock Brasileiro (DAPIEVE, 1995, p.20). Entretanto, Seixas enfrenta uma fase de trabalhos mal sucedidos e de problemas de saúde no fim dos anos 1970, tendo apenas mais alguns momentos de notoriedade. Além de Raul Seixas, outros grupos buscavam uma sonoridade diferente da corrente progressiva. Dentre eles o mais evidente foi o Secos & Molhados (Ney Matogrosso, Gerson Conrad e João Ricardo). Estranhos e diferentes, se tornaram um

5 7º Festival Internacional da Canção 21

fenômeno musical imediato, com grandes vendagens dos seus dois únicos discos e com shows para públicos imensos. Secos & Molhados representou uma possibilidade real de sucesso comercial do rock n’ roll no mainstream brasileiro, contudo a banda acabou por desentendimentos entre seus membros. Dentre eles, somente Ney Matogrosso prosseguiu se tornando um dos grandes nomes da MPB. Segundo Dapieve (1995, p.21), existia uma ânsia por uma grande banda de rock brasileira. E algumas bandas prometeram, mas não conseguiram cumprir, como podem ser citadas A Cor do Som e o 14 Bis. No início dos anos 1980, existia demanda e não era possível se conformar com a oferta (de música jovem). A MPB, que havia resistido até as ultimas consequências contra a ditadura militar, estava mais velha, estabelecida e encastelada nas entranhas da indústria fonográfica. Ela (a indústria) estava no meio de uma crise, ainda que não tivesse se dado conta. Segundo Dapieve, o trabalho girava em torno de um interprete caro, com um repertório caro, com uma banda de suporte grande, muitas vezes com orquestra, contando com o trabalho de uma grande equipe. Tudo isso para obter como retorno uma venda de baixa expressividade onde 30 ou 40.000 cópias eram motivos para comemorações (1995, p.23). A MPB tinha se tornado o establishment da indústria fonográfica brasileira. O “sinal dos tempos” se mostrava e um cenário começou a se formar. Existem, quase sempre, alguns indivíduos que captam, antes dos outros, os sinais das revoluções que estão por vir. Júlio Barroso, jornalista, foi um desses visionários que não apenas escreveu sobre as novas possibilidades do rock (ligadas ao Punk e ao New Wave) como também criou a banda Gang 90 & As Absurdettes, que não obteve sucesso inicialmente (era, talvez, muito à frente do seu tempo), mas que obteve sucesso quando a banda Blitz abriu o caminho em 1982. No entanto, a carreira da Gang 90 interrompeu­se com o falecimento de Júlio em 1984. O Punk já mexia com os sentimentos dos jovens operários da Zona Leste de SP mais ou menos desde 1977. Logo começaram a surgir bandas de punk rock como AI­5, Condutores de Cadáver, Olho Seco, Ulster, Cólera, Extermínio, Anarkoólatras, Inocentes etc. O visual agressivo, brigas (ou a própria dança punk que já parece uma briga) renderam a eles a fama de marginais, um péssimo relacionamento com a polícia e com a imprensa. Apesar disto, se realizaram dois grandes festivais. O lendário 1º Festival Punk de São Paulo mais conhecido como O começo do fim do mundo em 1982 e a 1ª Noite punk do Rio de Janeiro em 1983, com participações de futuros nomes de peso do Rock Brasileiro. O Punk modificava mentalidades com o seu lema “Do­it­Yourself”. 22

Desde o fim dos anos 1970 o Rock Brasileiro se encontrava ou em proximidade com a MPB, adotando suas mesmas estratégias ou no circuito alternativo resistindo como Rock n’ Roll, Rock Progressivo, Hard Rock entre outros subgêneros (DANTAS, 2007, p.116). A cena roqueira agora se desenhava com ares punk. Em muitos casos mais na postura, no despojamento e no escracho das letras do que no som. Tudo acontecia entre bares (mais tarde danceterias), onde se mantinha o contato entre o velho e o novo (vindouro) rock n’ roll. No Rio de Janeiro, a inauguração do Circo Voador e da Rádio Fluminense FM em 1982 configuram um capítulo especial na história do estabelecimento do BRock incluindo aí o lançamento do LP Rock Voador, compilação do que tocava na rádio. A afirmação do cenário se completou com o trabalho de jornalistas (ora a favor, ora contra), programas de rádio, críticos e revistas em um processo que se repetiu por outras cidades brasileiras (DAPIEVE, 1995, p.32). Em 1981, o show de Marina Lima intercambiava o uso do Teatro Ipanema com o grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone. Entre eles, os músicos e atores se divertiam em Jam Sessions. Evandro Mesquita (ator do grupo teatral) montou a Blitz por “acaso”, ao receber um convite para tocar em um bar. Reuniu atores e músicos (entre eles Lobão) e fizeram a apresentação. Eles logo se tornaram uma sensação entre os jovens. Maior ainda quando o Circo Voador foi inaugurado no arpoador. Em Julho de 1982 foi lançado Você não soube me amar, primeiro compacto da Blitz (sem o lado B), considerado o marco inicial do BRock, com uma surpreendente vendagem de 100 mil cópias em apenas três meses. Foi a chave para atrair a atenção das gravadoras. A música era completamente diferente de tudo o que se ouvia nas rádios. Linguagem coloquial, urbana, em uma música muito mais falada do que cantada (DAPIEVE, 1995, p.54). Se todo fenômeno tem um estopim, o BRock encontra nesse lançamento o seu. A partir daí, a história tomaria outro rumo.

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2. INDÚSTRIA FONOGRÁFICA, DESIGN, PRODUÇÃO MUSICAL E SOCIEDADE

Falar sobre o Rock n’ Roll é também falar sobre a indústria fonográfica. É, também, falar dos profissionais que formatam o produto para esta indústria e de como eles se relacionam com o seu contexto social e histórico. Exponho a seguir os referenciais teóricos que me ajudaram a analisar e a refletir e a trabalhar de um modo geral com os objetivos propostos ao longo da pesquisa.

2.1. Indústria fonográfica, os formatos e o disco

A indústria fonográfica começa pouco depois da metade do século XIX a partir do momento em que se torna possível gravar e reproduzir a música. Ainda que, antes disso, atividades comerciais ligadas à música já fossem uma realidade contraposta à dependência do patrocínio da aristocracia ou da (PEREIRA, 2009, p.16). O fonógrafo e seu cilindro inventado por Thomas Edison em 1877, o gramofone e seu disco inventado por Emil Berliner em 1887 e a técnica de produção industrial de cópias em quantidade indeterminada a partir de um original, desenvolvida também por Berliner depois de intensas pesquisas, inseriram a música na era da reprodutibilidade técnica. Os discos inicialmente conhecidos como chapas concorreram por muito tempo com cilindros, rolos, pianolas entre outras formas de reprodução e em diversas rotações. O disco venceu pelo preço, pela praticidade e pela expansão agressiva das empresas que o comercializavam. Em 1925, os discos já dominavam o mercado. Este ano é considerado aquele em que se encerra a era da gravação acústica mecânica (LAUS, 1998, p.103), aquela gravação que dependia de grande volume de voz do cantor ou do instrumento para ser realizada. Iniciava­se a era das gravações eletromagnéticas que abriram caminho para a expansão da música cantada, o que equivale a dizer expansão da música popular. Entre formatos variados de discos e rotações diversas surgem os discos de alta definição, é desenvolvida a tecnologia dos microssulcos, a rotação é diminuída e surge então, no fim da década de 1940, o LP (long­playing). De início adotado lentamente, mas mais tarde se popularizando graças ao barateamento das tecnologias de reprodução e ao uso do vinil como matéria prima na fabricação dos discos. 24

A história dos formatos prossegue com a fita cassete criada em 1963, acompanhada pelo walkman no fim dos anos 1970. Na década seguinte, o CD (compact disc) é lançado no mercado sendo este o formato a destronar o disco de vinil durante os anos 1990. Mais recentemente, o formato digital (codificado em MP36, WMA7, AAC8 entre outros formatos transmitidos através da internet) está destronando o CD vertiginosamente (PEREIRA, 2009, p.30). No Brasil, durante a década de 1980, apesar de convivência com diversos formatos, o disco era o formato dominante do mercado e para esta pesquisa interessa especialmente o disco de 31 cm (ou 12’’), que em geral é o álbum da banda de rock. O Brasil ocupa um lugar especial no panorama da história da indústria fonográfica, passando pelos mesmos fenômenos e mais ou menos alinhado com a Europa e Estados Unidos. Em alguns momentos, chega a ser o país pioneiro da inovação. O disco esteve presente no país desde o início do século XX e as grandes fábricas do mundo tiveram uma filial brasileira (LAUS, 1998, p.118). Já no início da década de 1930 se inicia a chamada “época de ouro da música popular brasileira” (LAUS, 1998, p.119), é também o momento de estabelecimento dos padrões para a produção da música nacional. Momento do samba, da música popular urbana e uma explosão de artistas. Momento impulsionado pela crise financeira (que fez crescer o consumo de produtos nacionais) e pelo esforço de intelectuais e do Estado em reforçar a identidade nacional através da música (LAUS, 1998, p.118). No mesmo período entram em cena o cinema (já com fala e trilha sonora), o rádio e a publicidade. Nas duas décadas seguintes a indústria fonográfica amadurece. O LP, de início impopular, passa a ser o formato dominante principalmente na década de 1950, o álbum (o disco em 31 cm com mais ou menos 6 músicas de cada lado) torna­se mais comum, pois também os grandes astros começam a aparecer. É quando os jovens se evidenciam como consumidores e público alvo. E aqui a história da indústria fonográfica e dos formatos se encontra com a Jovem Guarda, a Bossa Nova e assim por diante. Não é pretensão desta pesquisa discutir o que é “indústria fonográfica”, mas nela se assume a “Indústria Fonográfica, não apenas como o conjunto das empresas especializadas em gravação e distribuição de mídia sonora, mas como todo o meio e mercado que envolve o planejamento, produção e promoção de seu produto (PEREIRA, 2009, p.11)”. Esta indústria compreende uma série de instituições e de mercados que, apenas para efeito

6 “MPEG Layer 3” 7 “Windows Media Audio” 8 “Advanced Audio Coding” 25

demonstrativo é constituída por rádios, cinema, gravadoras, imprensa, equipamentos e instrumentos musicais, merchandising, portais de conteúdo etc. Ainda podem ser citados os inúmeros profissionais como designers, fotógrafos, produtores musicais, artistas entre outros (SHUKER, 1999 APUD DANTAS, 2007, p.21).

2.2. A embalagem, a capa e o designer

O disco sempre precisou de uma embalagem. E o apelo visual de um produto era algo necessário, embora não tivesse a mesma força (indispensável) que tem hoje. Até a década de 1940, o esforço para tornar o produto mais atraente era direcionado ao rótulo do disco que continha todas as informações necessárias para o consumidor. Nome do artista, nome da música, estilo musical, selo da gravadora e todos esses elementos organizados sobre um fundo de cor plana. A embalagem do disco, um envelope em um papel parecido com o kraft9 com duas aberturas no tamanho do rótulo (para torná­lo legível), era tão interessante ao consumidor quanto uma lata de condensado. Uma vez comprado, o disco era guardado em um álbum10 e a embalagem descartada. A necessidade de apelo visual fez com que a embalagem também recebesse uma estampa, porém sem remeter ao conteúdo do disco. Trava­se apenas de propaganda mais necessária conforme se expandia o catálogo e os discos passavam a ser vendidos não apenas pela casa gravadora, mas também por lojas especializadas (LAUS, 1998, p.120). Cada qual fazia seus próprios anúncios de si mesma, de catálogo e de equipamentos. Inicialmente predominando os textos tipográficos e mais tarde sendo inseridas vinhetas e ilustrações. Apesar disso, permanecia uma embalagem descartável até que em 1939 Alex Steinweiss, primeiro diretor de arte da ainda jovem Columbia Records, teve a ideia de criar uma capa para o envelope e a ele é atribuída a invenção da capa de papelão usada como padrão da indústria por mais de 50 anos (PEREIRA, 2009, p.20). Um pioneiro sem dúvida, mas o Brasil também teve seus inovadores. Egeu Laus comenta que, a partir da década de 1940, o lançamento de compilações e coletâneas como as de samba da RCA Victor, séries temáticas como a dos discos infantis da Gravadora Continental (LAUS, 1998, p.122) e a emergência de grandes astros da

9 Para fins de comparação, o kraft é o papel usado para fazer bolsas, sacos, sacolas, envelopes e cartonagens diversas. 10 Os álbuns eram semelhantes aos álbuns de fotografia do qual herdaram o nome. Eram muito bem acabados com capa semelhante a couro, com 6 a 12 envelopes cada um. A tradição de chamar a reunião de músicas de um artista de álbum permanece até hoje. 26

música criaram a necessidade de capas personalizadas, elevando o status da embalagem. Nesse momento, diversos discos de um determinado artista ou grupo de artistas com vendagem garantida eram reunidos em vários discos de 78 rpm e vendidos com uma capa que continha tudo o que caracteriza uma capa de disco (como conhecemos hoje). Fotos, imagens, textos etc (LAUS, 1998, p.124). Laus destaca que as agências de publicidade já operavam no Brasil desde a década de 1930 e considera natural a aproximação (nesta ordem) de ilustradores (para compilações e discos temáticos) e mais tarde de fotógrafos (com advento dos grandes astros da música). Até o fim de década de 1950, o LP de 12 polegadas seria o standard da indústria e a forma de produzir as capas de disco passaria por diversas revoluções lado a lado com a Bossa Nova, a Jovem Guarda, a Tropicália e os agitados anos 1970. Fica evidente a importância da imagem (a capa) para a indústria fonográfica e da participação dos profissionais capazes de codificar/ decodificar os elementos que remetem ao conteúdo do disco. Também não cabe o aprofundamento no que diz respeito às discussões do conceito de Design Gráfico. Para os objetivos propostos por este trabalho, basta assumir que design gráfico é a área que planeja e organiza os elementos gráficos visuais com objetivos de tornar mais efetiva a comunicação de determinado produto (PEREIRA, 2009, p.11). Em uma definição mais completa e precisa:

Design gráfico é a área de conhecimento e a prática profissional específicas que tratam da organização formal de elementos visuais – tanto textuais quanto não­ textuais – que compõem peças gráficas feitas para reprodução, que são reproduzíveis e que têm um objetivo expressamente comunicacional. Ou seja: foi feito para comunicar; não comunica por acaso ou porque tudo comunica, mas porque este é seu objetivo fundamental. (Villas­Boas, 2003 APUD Pereira, 2009:11).

É importante ressaltar que o objetivo do trabalho do designer11 é comunicar um produto que faz parte da indústria fonográfica. E esta indústria espera obter lucro com o produto. A comunicação depende da capacidade do profissional em codificar/ decodificar os elementos e questões que auxiliem na identificação do produto com seu público alvo. Ele atua na intersecção entre as condições de produção (liberdade, financiamento, maquinário, estética, imaginário social, questões sociais etc) e o reconhecimento (do

11 Considera­se designer qualquer profissional que tenha a capacidade de realizar os pressupostos da área não se distinguindo, a princípio, designers, ilustradores, fotógrafos e em alguns casos até um “amigo da banda”. 27

público), podendo lançar mão de um cânone12 ou partir para a experimentação estética, um caminho comercialmente mais arriscado e com resultados muitas vezes imprevisíveis. Um bom exemplo a ser citado são as capas da Jovem Guarda quase sempre ostentando fotos dos ídolos para uma rápida identificação do público enquanto na Tropicália, as regras eram todas subvertidas (e a liberdade limitada pela ditadura). Convém comentar que apesar, da capacidade criativa e dos potenciais rompimentos com os cânones, o designer não é um artista. O design gráfico e o objeto de seu trabalho (a capa de disco) importam a esta pesquisa no mesmo sentido apontado por Rodrigues (2007, p.84). Pois no advento do jovem como ator social que questionava os valores arcaicos da sociedade nos vertiginosos anos 1960 e ao mesmo tempo na expansão da cultura pop por meio de uma indústria que acompanhava e influenciava esses fenômenos sociais, coube ao design gráfico a tarefa de traduzir e simbolizar o que era ser jovem. Provavelmente por causa da versatilidade e acessibilidade do design gráfico presente em capas de disco, pôsteres, revistas e assim por diante. Em outras palavras, o design gráfico trata das questões do seu tempo, da sua sociedade (RODRIGUES, 2007, p.87). Deste modo, a fim de pesquisar o fenômeno do Rock Brasileiro dos anos 1980, parte­se do pressuposto que o design gráfico continua atuando como mediador entre indústria fonográfica e o grupo social que é público alvo do produto. Que a capa remete ao conteúdo do disco e às questões a serem estudadas.

2.3. Os atores da produção musical e a dinâmica social

Fonograma é uma obra musical fixada em um suporte físico. É a base para a existência da indústria fonográfica. Fixado em disco de vinil e acrescentada a capa, temos em mãos o produto acabado (ao menos fisicamente). Imediatamente surge o convite a uma analogia. Existe alguém que faça o papel de mediador na produção do fonograma, assim como o designer gráfico o faz para a capa? A resposta, ao menos inicialmente, parece apontar para a figura do produtor musical, mas uma reflexão mais atenta sobre os pressupostos teóricos revelam que a toda a dinâmica da indústria fonográfica com os demais atores sociais envolvidos são uma resposta melhor. Antes de prosseguir, a noção de fonograma será referenciada simplesmente como música, nesta pesquisa compreendida

12 Uma fórmula testada e repetida diversas vezes com resultados quase previsíveis. 28

como um objeto da experiência cotidiana, da cultura vivida e, portanto, construída socialmente. O produtor musical é definitivamente uma figura chave na produção. Ele se assemelha ao diretor de teatro, dando instruções aos técnicos e aos músicos. É quase sempre apontado como o “responsável pelo som” do disco (SALAZAR, 2010, p.48). É um profissional detentor de um profundo conhecimento das técnicas de gravação e com grande sensibilidade às propriedades estéticas e estilísticas do som, o ponto que talvez permita uma analogia com o designer. Pois é ele quem define os elementos sonoros que serão construídos durante as gravações, muito além de uma simples gravação da execução musical de um instrumentista, atentando para as possibilidades de produção e reconhecimento do produto cultural. A gravação de um disco é também um processo de criação musical (SÁ, 2006 APUD JANOTTI JÚNIOR, 2007, p.11). Entretanto, depois deste breve comentário sobre o produtor musical, cabe ressaltar que ele não está sozinho. Músicos, compositores, arranjadores, produtores (em suas diversas acepções), produtor fonográfico (a gravadora) e seus executivos, designers, cinema, rádio, televisão, internet, crítica e o público, todos esses atores contribuem para a construção social da música, o que por fim pesa na sua produção estética (e vice­versa). Para esta pesquisa, é precisamente essa dinâmica entre os atores da produção musical e da construção social da música que são mais importantes. Músicos, produtores (o corpo profissional da indústria fonográfica), crítica (os meios de comunicação em que a música circula) e os consumidores são os quatro atores apontados como fundamentais para a compreensão do processo de construção social da música (FRITH, 1996 APUD JANOTTI JÚNIOR, 2007, p.9). A construção se dá por meio de convenções sonoras, de convenções de performance, na forma como a música é distribuída e nos valores associados à música (FRITH APUD DANTAS, 2007, p.17). Em outras palavras, é a construção de um produto cultural que deve ser identificado e consumido por um público alvo. Tudo dentro da lógica da indústria fonográfica cujo objetivo básico é a obtenção de lucro. Não parece possível encontrar um primeiro movimento, um elo inicial para a corrente de produção de sentido encabeçada pela música. Não é a indústria que cria a identidade do jovem, nem o jovem que define com algum tipo de “identidade pura” os rumos da indústria. Trata­se de uma tensão permanente, de um relacionamento dinâmico de constantes trocas, problematizações, influências, apropriações, ressignificações 29

realizadas por músicos, produtores, meios de comunicação e público (BASÍLIO, 2013, p.16). É papel dos mediadores (o corpo profissional da indústria fonográfica) desenvolver um produto cultural com que o público alvo possa se identificar e obter como resposta um grande aumento de vendas ou não, pois se trata de um processo suscetível a falhas. Essa dinâmica entre a indústria fonográfica e o público é o que leva a indústria (através das músicas lançadas no mercado) a reforçar comportamentos, a tratar das questões que são importantes para o público alvo, da autoimagem dele e da identificação dele com o gênero musical (mesmo em casos que parecem contrariar a lógica da própria indústria). Segundo Dantas (2007, p.14), a maioria dos produtos culturais massivos são reconhecidos e consumidos através de gêneros. Um bom ponto de partida é pensar no gênero como um conjunto de estratégias (da indústria) para produzir um determinado efeito em um determinado público. Assim também gênero é um demarcador de consumo, com códigos reconhecidos pelo público alvo que acabam por se transformar em um elo na produção de sentido e identidade desse mesmo público.

Os gêneros musicais, portanto, dentre outras coisas, fazem representar a partir de seus signos e discursos, os desejos e os questionamentos dos sujeitos, comunicando através da produção musical modos de vida, ideologias, crenças, e qualquer outra coisa que faça sentido para a construção da subjetividade (BASÍLIO, 2013, p.19).

Na relação dinâmica entre a indústria fonográfica e o público existe também outro participante do processo de construção social da música (do gênero musical, das identidades, ou seja, de toda a dinâmica). São os meios de comunicação através dos quais os artistas chegam até o público, que possuem interesses próprios ora alheios ora congruentes aos da indústria fonográfica. Rádio, cinema, televisão, jornais, revistas, citados anteriormente como “crítica”. Eles são responsáveis pelo que Janotti Junior (2007, p.7) chama de “capital simbólico”. Em outras palavras, o quão importante o artista/banda se torna para o público e para a crítica (e vice­versa), dadas às convenções do gênero musical. Em uma cultura que costuma considerar a indústria uma inimiga da criatividade e da expressão artística em nome do lucro e dependendo do gênero musical, criatividade, autonomia e autenticidade são os valores comumente mais apreciados. Considerando os tais valores simbólicos, é comumente dada a música (como a outros produtos culturais) uma espécie de oposição entre arte e produto de entretenimento, onde a primeira teria mais valor que a segunda. Como exemplo podem ser citados os casos 30

de álbuns que são sucesso de vendas contra os de vendagens mais baixas, mas que gozam de boa crítica. Nesta pesquisa, é assumido que a diferença entre o que é arte e o que é entretenimento não passa de uma estratégia (uma construção simbólica) na dinâmica entre indústria e público. Uma organização da produção cultural de modo a contrapor os seus produtos em extremos de mercado e demanda. De um lado a subordinação total às expectativas do público e do outro a independência total às demandas do mercado. Algo que nunca se concretiza em sua totalidade, nem em uma nem em outra direção (BOURDIEU, 1996 APUD JANOTTI JUNIOR, 2007, p.3). No Brasil, existe uma ligação muito forte entre a música brasileira e a “identidade” nacional. É perceptível um discurso de proteção e valorização a uma dita matriz da música brasileira ameaçada e deteriorada pelos interesses da indústria fonográfica e pela lógica do capitalismo. Segundo Dantas (2007, p.18), as relações entre a música gravada com a indústria fonográfica e os meios de comunicação sempre existiram desde que o “samba é samba”13, seja a música brasileira ou não. A indústria colaborou para o estabelecimento de muitos dos formatos e padrões da produção musical contemporânea. O rock n’ roll, desde sua origem, é fruto do meio e por meio de uma indústria fonográfica já plenamente entrelaçada com os meios de comunicação. Dentro do discurso de “música brasileira pura” e “desvinculada da indústria fonográfica”, o rock brasileiro, gênero musical apropriado do rock anglo­americano, já nasceu maldito. Não surpreende a resistência e crítica (mesmo em casos de sucesso) oferecidas a ele desde os anos 1950. Na Jovem Guarda uma doença juvenil, na Tropicália um elemento estético alienígena. Sem contar a resistência e crítica aos grupos dos anos 1970 até que o rock brasileiro finalmente ocupa um lugar no mainstream14 durante o fenômeno Brock dos anos 1980. Contudo o rock ainda é apontado como algo à parte da música brasileira. Em um documentário exibido pela BBC chamado Brasil, Brasil15, que trata de como a identidade brasileira e a música brasileira se relacionam mais do que intimamente, o rock brasileiro é ignorado mesmo nos anos 1980, em seu momento social mais evidente. Dadas as merecidas menções ao Samba, Bossa Nova, Canção de Protesto e Tropicália, o

13 O autor comenta sobre as intervenções da indústria fonográfica no samba a fim de fixar e comercializar o fonograma, o que gerou muitas características hoje defendidas como autênticas. 14 Mainstream é o circuito principal da indústria fonográfica, que faz uso intensivo dos meios de comunicação e dos sistemas de distribuição com finalidade de atingir maior quantidade de público possível. No lado oposto está o underground que tem como principal estratégia um discurso de autonomia em relação ao mainstream, mas que se submente a mesma lógica de mercado de qualquer produto cultural (DANTAS, 2007). 15 Programa de TV: Brasil, Brasil. Reino Unido. BBC. 3eps. Nov. 2007. 31

documentário pula diretamente para o mangue beat, o funk, o hip hop e assim por diante. No início do episódio A Tale Of Four Cities, músicos e produtores brasileiros afirmam o rock brasileiro como uma música desinteressada de Brasil, que basicamente copiava o que se produzia nos Estados Unidos e Inglaterra e fechada em grupos de classe média que “odiavam música brasileira”. É por meio dos pressupostos assumidos neste capítulo que esta pesquisa procura corroborar com outra visão: a de uma produção musical criativa ligada a um momento importante da história social brasileira e sim, como um importante fenômeno da história cultural do país.

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3. O IMAGINÁRIO JOVEM DOS ANOS 1980 ATRAVÉS DAS CAPAS DOS DISCOS DO BROCK.

No início dos anos 2000, embora já fossem contadas muitas décadas da existência da cultura dos discos, a capa ainda era pouco percebida como objeto de estudo (ou instrumento de pesquisa acadêmica), tendo em vista a literatura brasileira sobre o assunto, e mesmo na época do projeto de iniciação científica precursor desta pesquisa (2009). Depois de 15 anos, o quadro parece bem distinto e cada vez mais trabalhos tem se debruçado sobre as capas de disco. Não deveria ser diferente. André Midani considera a capa uma introdução à mensagem do artista e, por isso, um elemento de grande importância. Ele recorda um sentimento que parece comum aos que conviveram com o vinil, o prazer de ter a capa em formato grande e as folhas de encarte e observá­las antes mesmo de ouvir a música (MIDANI, 2014). Ricardo Leite também segue um pensamento semelhante, porém com o aviso de que a verdadeira responsável pelas vendas do disco é a música. A capa é algo que pode atrapalhar ou ajudar. Pois para o público, passada uma chamada de atenção ou admiração inicial pela capa, o que contará mesmo é o potencial de sucesso das músicas no disco. Entretanto, o próprio designer durante a entrevista confere um lugar especial para a capa do disco. Dentre os diversos projetos gráficos, a capa de disco é a única que é integrante do projeto como um todo, ela é imutável, inseparável da obra fonográfica. Relançamentos que venham acompanhados por alterações ou substituição da capa original causam mal estar, principalmente entre os fãs dos artistas (LEITE, 2014). Nesta pesquisa, a capa não se configura um objeto de estudo em si, mas instrumento pelo qual podemos analisar fenômenos e atores em seu contexto histórico, social, político e assim por diante. E relembrando que o design é um mediador que retrata e reflete o seu tempo. Neste capítulo, procuro compreender as questões que faziam parte do imaginário e do universo jovem durante o BRock. Para cumprir o objetivo proposto, se mostrou necessário encontrar um processo metodológico para organizar as discussões. A Primeira possibilidade de categorização das capas de disco foi através do método desenvolvido por Jorge Caê Rodrigues em 2003 para sua dissertação de mestrado, que por sua vez foi lançada em 2007 como o livro Anos fatais, sobre capas de disco da Tropicália e pós­tropicália. Rodrigues as divide e subdivide através dos elementos estético­formais. Assim, temos as capas verbais (sem ilustração, nem fotografia), as capas desenhadas e as 33

capas fotográficas e suas subdivisões, dependendo da forma como a fotografia é usada. A metodologia de Rodrigues também se provou eficaz para classificar as capas dos anos 1980, contudo ela tem melhor proveito em pesquisas na área do design. A segunda possibilidade foi pensada a partir do livro The Art of LP (Morgan e Wardle, 2010) que classifica as capas como rock and roll, sex, art, identity, drugs, ego, real world, escape, politics e death. Entretanto, os próprios autores do livro avisam que as classificações não decorrem necessariamente de uma reflexão ou algum tipo de organização com propósitos acadêmicos. Trata­se antes de tudo de um livro de arte e design. Alguns dos temas do livro couberam na realidade do Rock Brasileiro como política e rock and roll, outros nem tanto. A terceira possibilidade foi através do universo temático das letras das músicas. Em seu artigo A catarse histórica de uma geração engasgada: Juventude Urbana e o Rock Brasileiro dos anos 1980 (2011), a pesquisadora Aline Rochedo traça um panorama dos temas das letras de músicas de algumas bandas do Brock desde a euforia da reabertura política até a maturidade dos artistas ao longo da década de 1980. Os temas versam sobre política, sociedade, relacionamento com a cidade, marcas de uma ditadura vivida, esperança de um futuro melhor, cotidiano, relações amorosas, família, sexualidade e, mais tarde, ameaça do HIV. Entretanto, isso gerou um novo problema, pois as letras nunca foram propostas como parte do material desta pesquisa. Não apenas por seus desdobramentos específicos, como o potencial afastamento da proposta inicial de utilizar as capas de disco. Entretanto, como nos casos anteriores, as temáticas das letras não deram conta de organizar as capas. A solução foi buscar uma classificação própria inspirada nos trabalhos anteriores. Partindo do recorte de 12 bandas (Barão Vermelho, Blitz, Capital Inicial, Engenheiros do Hawaii, Inocentes, Kid Abelha, Legião Urbana, Os Paralamas do Sucesso, Plebe Rude, RPM, Titãs, Ultraje a Rigor) e de três artistas (Cazuza, Lobão e Lulu Santos), ao todo, foram coletadas 77 capas, não contando duas vezes aquelas que foram alteradas por relançamentos ou pela censura. Todas as capas foram fotografadas a partir de discos de vinil, independente de estado de conservação ou da presença de dedicatórias, riscos, danos ou outras marcas de uso. A contracapa, apesar de ter sido também coletada não é considerada material da pesquisa, exceto em casos que se mostrar como parte conceitual do projeto gráfico. As capas foram classificadas da seguinte forma:

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 Rockstar, com 23 capas;  Vida cotidiana, com 06 capas;  Amor e sexo, com 04 Capas;  Ser jovem, com 10 capas;  Política e sociedade, com 09 capas;  Arte e design, com 25 capas.

As categorias escolhidas refletem em seu próprio título o universo imagético e as questões que interessavam ao jovem urbano dos anos 1980 (aristas e público). As categorias serão discutidas paralelamente ao desenvolvimento da proposta deste capítulo que é investigar o imaginário jovem dos anos 1980 através das capas dos discos do BRock. A presença de uma capa em uma determinada categoria não necessariamente a exclui em outra categoria. Ela pode ser jovem e, ao mesmo tempo, conter uma crítica a respeito de política e sociedade. Todas as capas podem ser vistas em suas devidas categorias no anexo presente no fim deste trabalho.

3.1. Rockstar

O mito do artista, o rockstar, o band leader, o ídolo está presente desde que o cinema, o rádio e a TV se popularizaram paralelamente à emergência da cultura jovem. Neste tipo de capa, a imagem do artista tem a função de permitir o seu reconhecimento da forma mais rápida possível. Os artistas podem estar em retratos de rosto, meio corpo ou corpo inteiro. Podem apenas posarem para a fotografia ou compor uma cena. Eles podem estar tocando o seu instrumento musical no palco ou em qualquer outro lugar. No trabalho de Rodrigues (2007), equivaleria às capas do tipo “o artista e seu instrumento”. A premissa é a mesma. O objetivo é enfatizar o ofício do artista sendo realizada pouca ou nenhuma interferência na imagem dele (RODRIGUES, 2007, p.19). Independentes das interferências criativas por parte do designer, a imagem do artista será reconhecido por seu público. Neste caso, a fotografia é o item mitificador (BARTHES APUD RODRIGUES e COELHO, 2002), é uma fórmula, um cânone e por isso a solução mais procurada. Não sem protestos dos designers como sugere Gringo Cardia “A luta do capista (vamos dizer assim) capista de disco é brigar com as gravadoras para não ir para o lado comercial, apesar de saber que precisa ter o lado comercial, mas ao mesmo tempo não ser o óbvio” (CARDIA, 35

2014). A fotografia reforça identidade, e não diferente dos jovens de outros períodos, o jovem dos anos 1980 desejava também reconhecer a si mesmo. Foram encontradas 23 capas correspondentes a rockstar estando presentes capas de Lulu Santos (muitas), RPM, Cazuza, Legião Urbana e Barão Vermelho, entre outras.

Figura 1: Barão Vermelho ­ Barão Vermelho (Som Livre, 1982). Fonte: Coleção particular.

Barão Vermelho desponta no uso desta categoria na capa de seu primeiro disco Barão Vermelho (Fig. 1). Nesta capa, a banda está de pé em uma postura típica do rockstar com uma pose desafiadora, principalmente Cazuza. Todos encaram o leitor como que dissessem “chegamos”, o rasgo horizontal no meio da capa contendo o nome da banda parece enfatizar essa mensagem. As cores fortes e vibrantes completam mensagem de uma banda jovem e cheia de energia e agressividade. Em 1985, após três discos, Cazuza abandona o Barão Vermelho para trabalhar em sua carreira solo. Cazuza pode ter declarado que não queria dividir o palco ou a fama, mas tratava­se de expandir sua expressão artística (DAPIEVE, 1995, p.75). Ele se apresenta na capa de seu primeiro disco Exagerado (Fig. 2) como um verdadeiro rockstar. Ele está sozinho sobre um fundo neutro encarando o observador. O disco carrega apenas o seu nome com o símbolo do anarquismo substituindo o primeiro “a” de seu nome sem expor o título do álbum. Só o artista basta.

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Figura 2: Cazuza ­ Exagerado (Som Livre, 1985). Fonte: Coleção particular.

Figura 3: RPM ­ Rádio Pirata ao Vivo (CBS, 1986). Fonte: Coleção particular.

Em um caminho diferente está a capa Radio Pirata ao Vivo da banda RPM (Fig. 3). Paulo Ricardo e grupo experimentavam um sucesso meteórico desde o lançamento do primeiro disco Revoluções Por Minuto. O show, com direção de Ney Matogrosso, fez tanto sucesso que resultou neste disco ao vivo. Na capa, não é possível ver com nitidez os membros da banda, com o sucesso que faziam àquela altura não era necessário. Os nomes da banda e do disco sobressaem na área escura do palco acima das luzes e abaixo do palco, respectivamente. Evidenciada a banda através de seu nome, qualquer um reconheceria as pessoas do palco. A capa cumpre a função de mostrar o rockstar famoso cercado por um 37

grande palco, com um grande aparato, uma amostra do show business, um disco produzido por uma grande indústria (e que vendeu 2.200.000 de cópias).

3.2. Vida Cotidiana

O cotidiano, o relacionamento com a cidade (conflituoso ou não), a rotina com a família, situações urbanas, as drogas. Estes são temas recorrentes nas letras das músicas das bandas do Rock Brasileiro dos anos 1980 e que fazem parte do conjunto de capas Vida cotidiana. O jovem questiona o poder (dos pais, da polícia), as estruturas (escola) e com a liberdade alcançada até então fala diretamente o que pensa. O público jovem se identifica e compartilha desse universo com seus próprios códigos e significados (ROCHEDO, 2013). Embora sejam temáticas bastante representadas nas letras, nas capas de disco estudadas representam um número menor de exemplares. Das 77, apenas 06 podem consideradas Vida cotidiana. Dentre as quais se destacam duas. O álbum Maior Abandonado (Fig. 4), aquele que levou o Barão Vermelho à consolidação do seu sucesso junto ao grande público. Na capa, a banda se apresenta em postura roqueira (Cazuza com uma garrafa de bebida) na frente de um hotel chamado Love’s House, lugar real situado na Lapa, Rio de Janeiro. A fotografia foi tirada em uma época que a região não tinha o apelo turístico e de entretenimento que tem hoje. A capa remete a um espaço de prostituição, uma prostituta está encostada na parede no canto direito. A banda se sobrepõe ao cenário, o nome da banda e do disco como que carimbados em vermelho remetem à agressividade roqueira presente no trabalho do Barão Vermelho. Na parte de trás do disco, a banda é revistada pela polícia, uma referência ao cotidiano dos jovens que cresceram durante a ditadura militar (ROCHEDO, 2011). Lobão, após o sucesso alcançado no disco Vida Bandida (1987) se encontrava às voltas com a fama de anarquista e perturbador da paz. Pior, com problemas legais relacionados ao uso de drogas. Ele próprio se reconhecendo como o Exu da cena roqueira, o “doidão de plantão” (DAPIEVE, 1995, p.50). Quando, depois de um show, um jovem o abordou declarando que usava drogas por causa dele, Lobão passou a gerir o assunto com mais cautela. No disco seguinte Cuidado! (Fig. 5), a capa parece carregar essa mensagem. A capa é composta por uma placa amarela com uma rua desfocada ao fundo. Sinalização de advertência com uma exclamação no meio. Existe perigo que demanda atenção na 38

estrada ou o alerta de que há algo errado no caminho. O título do álbum em vermelho ocupa todo o topo da capa. O nome “Lobão” está pixado em vermelho. A mensagem: Cuidado com o Lobão! Mas também poderia ser: cuidado, pois é o Lobão (que já conhece a área) que está avisando que tem algo perigoso à frente.

Figura 4: Barão Vermelho ­ Maior Abandonado (Som Livre, 1984). Fonte: Coleção particular.

Figura 5: Lobão ­ Cuidado! (RCA Victor, 1988). Fonte: Coleção particular.

3.3. Amor e Sexo

Sexo e amor, em todas as suas formas, são temas recorrentes quando se trata das letras de músicas das bandas do BRock. Podemos supor que não é muito diferente do que 39

veio antes, nem do que veio depois quando se trata de música brasileira. As bandas do período também escreviam sobre relações amorosas idealizadas ou fracassadas, questões de amadurecimento pessoal e profissional, sexualidade etc. O tema se mescla a todas as outras categorias. É possível falar de amor e articular críticas políticas. Mesmo quando a música tem evidente caráter romântico/ erótico, podia ser politizada pelas circunstâncias. Barão vermelho tocou Pro dia nascer feliz16 no (1985) como uma mensagem de vitória à notícia de que o novo presidente tinha sido eleito através de eleições indiretas (ROCHEDO, 2013). Embora seja um tema onipresente nas letras, tem menor presença nas capas, porém é contundente quando explorado. Dentro da amostra, são apenas 04 capas do tipo Amor e Sexo. Lulu Santos entrava em uma boa fase na carreira com o lançamento do seu Toda forma de amor (Fig. 6), em 1988. A capa apresenta os brinquedos Ken e Barbie na cama durante o ato sexual, ou melhor, simulando um casal em ato sexual. Os bonecos ocupam a área central da capa e as cores são invertidas. Após o lançamento, a capa foi considerada um atentado contra a moral e os bons costumes. Censurada a capa, os discos tiveram de ser recolhidos e redistribuídos com uma capa totalmente preta no qual se podia apenas ler o nome de Lulu Santos e o nome do álbum. A capa, apesar de censurada, é fruto da liberdade conquistada pelos jovens. Era possível discutir sexualidade, questões de gênero, movimento gay, entre outros assuntos, modificando até a linguagem da TV e da imprensa jovem (ROCHEDO, 2011). Falar de sexualidade nos anos 1980 leva ao assunto HIV, o que por sua vez leva a abordar Cazuza. Ele assumiu ser portador do vírus em uma época em que a escassez de informações reforçava um imaginário terrível que alimentava o medo e o preconceito. A convivência com a doença passou ser o catalisador (ou não) do seu trabalho e seu processo com a AIDS foi acompanhada pelo público até sua morte em 1990. Na capa de Burguesia, o retrato em preto e branco de um Cazuza magro e frágil, dessa vez ele não encara o público de frente como nas capas do Barão Vermelho ou nos seus primeiros discos. Melancolia, sentimento de transcendência? Ele se encontra em seu universo particular. Uma capa minimalista e crua com apenas alguns detalhes coloridos para um álbum gravado em condições adversas, entre internações em um hospital e o estúdio, às vezes com o auxílio de uma maca (DAPIEVE, 1995, p.77).

16 Letras: Cazuza e Frejat. Álbum: Barão Vermelho 2. 40

Figura 6: Lulu Santos ­ Toda Forma de Amor (RCA Victor, 1988). Fonte: Coleção particular.

Figura 7: Cazuza ­ Burguesia (PolyGram, 1988). Fonte: Coleção particular.

3.4. Ser Jovem

Neste tipo de capa o design trabalha a favor ou com os códigos do mundo dos jovens. São capas criadas de acordo com o simples desejo de se divertir, de abraçar a banalidade e de vivenciar as experiências da juventude. Ao todo, 10 capas são classificadas como Ser jovem. A predominância é da linguagem do entretenimento dos próprios jovens: os quadrinhos e o cinema. A Blitz uma banda nascida da interação entre músicos e atores, é a banda que mais trabalhou em cima desse aspecto, tanto que todas as capas do grupo se 41

encontram nesta categoria. A capa de As aventuras da blitz (Fig. 8) é um exemplo muito bem acabado dessa proposta.

Figura 8: Blitz ­ As aventuras da Blitz (EMI­Odeon, 1982). Fonte: Coleção particular.

Os membros da Blitz são pintados com texturas de retícula e cores que lembram uma capa de quadrinho. Aspecto reforçado pelo nome do grupo escrito acima como se fosse o título de um gibi provavelmente inspirada no logotipo dos X­Men (FERREIRA APUD ROCHEDO, 2013) e, claro, o número “1” perto do nome da banda. Uma representação afiada daquilo que o grupo tinha como proposta. Outra banda que utiliza a irreverência nas letras e nas capas é o Ultraje a Rigor. O título do disco Nós Vamos Invadir sua Praia (Fig. 9) já carregava uma função tripla. A chegada da banda na cena do Rio de Janeiro, o escarnecimento com a elite carioca incomodada com as recém­inauguradas linhas de ônibus que permitiam o acesso de pessoas da periferia às praias da zona sul e a uma metáfora para a emergência de jovens em política e cultura (DAPIEVE, 1995, p.109). Na capa, uma tipografia desenhada em vermelho (ULTRAJE) e amarelo (a rigor). O olhar malicioso do submarino fica no centro da capa capturando o olhar. A capa é cercada pelas fotos dos membros da banda com expressão de surpresa ou deboche.

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Figura 9: Ultraje a Rigor: Nós vamos invadir sua praia (WEA, 1985). Fonte: Coleção particular.

3.5. Política e Sociedade

A capa utilizada para tratar diretamente de questões de crítica ao quadro social e para contestação política. A diferença fundamental entre a geração do rock anos 1980 com a geração de seus pais era a possibilidade de falar abertamente, se expressar e questionar sem metáforas ou outros disfarces intelectuais. O assunto se apresenta nas letras e nas capas porque o Brasil passava pelo momento de reabertura política. A transição para a democracia seria acompanhada pelos jovens roqueiros. Os de Brasília foram testemunhas oculares do processo de reabertura e, por isso, os primeiros a abordarem incisivamente o tema. Feita a transição, eles que tinham sido educados no período dos anos de chumbo perceberam a realidade do país. A política logo caiu em descrédito como ferramenta para mudanças sociais. A sociedade era vista como violenta, opressora, injusta e culpada pelas desigualdades sociais (ROCHEDO, 2011). Nesta categoria, foram reunidas 09 capas entre as 77 da amostra de trabalho. Uma banda oriunda da zona norte de São Paulo, um território de punks. A história dos Inocentes se confunde com a história do próprio punk brasileiro (DAPIEVE, 1995, p.164). A capa do terceiro álbum Inocentes (Fig. 10) é crua. Num cenário que lembra um vestiário de uma instituição policial, ou um banheiro escolar, os integrantes se apresentam nus e algemados. Há uma tarja preta estrategicamente colocada escondendo as algemas. Estão sendo interrogados? Garotos negros ou pobres do subúrbio de São Paulo facilmente tratados como bandidos pela policia. “A lei do Cão”? O projeto gráfico é direto. Tipografia 43

em caixa alta sobre as cabeças dos integrantes que expõe seus corpos à visitação publica. O contraste entre a imagem pictórica e a imagem verbal (INOCENTES) produz uma postura crítica, bastante instigante.

Figura 10: Inocentes: Inocentes (WEA, 1989). Fonte: Coleção particular.

Figura 11: Lobão: O Rock Errou (RCA Victor, 1986). Fonte: Coleção particular.

O ano de 1986 foi de grande exposição para Lobão, desde o início daquele ano, tendo problemas com a justiça por porte de drogas. É neste ano que ele lança o disco O Rock Errou (Fig. 11), produzido sob o impacto da morte de Júlio Barroso e com efeito de diversos “aditivos químicos” (DAPIEVE, 1995, p.49). Na capa, o roqueiro posa vestido de padre, com terço na mão. Danielle Daumerie (modelo e companheira de Lobão na época) 44

posa nua ao seu lado, coberta apenas por um véu sobre a cabeça. A imagem faz alusão clara e sem disfarces a uma santa católica. Ambos encaram o espectador diretamente nos olhos. Abertamente polêmica, a capa questiona de um só golpe religião, sexualidade e tabus sociais.

3.6. Arte e Design

Arte e design, a última categoria agrega todos os elementos das categorias anteriores com uma diferença. Muitas vezes a proposta da capa era entregue na mão do designer com ou sem participação da banda por diversos motivos. Deste modo, o designer cumpre o seu papel profissional17, o de mediador de códigos e identidades. O resultado são trabalhos extremamente sofisticados ou simples e elegantes que não se permitem classificar em nenhuma das alternativas anteriores ou que caberiam em duas, três ou mais categorias. Das 77 capas, 25 são classificadas como Arte e design, o maior grupo depois de Rockstar. Dentre as capas destacam­se as de Cabeça Dinossauro dos Titãs, e as de Bora Bora e do O Passo do Lui, ambos dos Paralamas do sucesso.

Figura 12: Titãs: Cabeça Dinossauro (WEA, 1986). Fonte: Coleção particular.

A capa de Cabeça Dinossauro (Fig. 12) foi uma das primeiras a ganhar um prêmio e receber atenção para a importância das capas de disco (MIDANI, 2014). Nela, as discussões sobre as fronteiras entre alta cultura x cultura de massa são ressaltadas. O

17 Como já descrito no capitulo 2 45

trabalho traz ilustrações de Leonardo da Vinci. Na capa, um estudo intitulado A expressão de um homem urrando, e no verso outro estudo, Cabeça grotesca. A escolha dessas imagens, da tipografia, da textura e do papel para compor o projeto gráfico do disco fazem desta capa a continuação da força das músicas dele. A mudança estética que a banda assumiu na postura e no repertório do disco estão traduzidas nas cabeças aterrorizantes e impactantes que Da Vinci um dia desenhou. A capa do álbum O Passo do Lui (Fig. 13), inicialmente recusada pela gravadora por não expor a banda, mas que a própria banda defendeu. A capa é uma quase narrativa de quadrinhos, a fotografia em preto e branco fazendo referência às capas punk como as de The Smiths e The Clash (LEITE, 2014). O título do álbum faz alusão a um papel rasgado, assim como as pequenas fotos nos cantos superior direito e inferior esquerdo da capa. A ideia de fotografar o Lui ­ Luiz Antônio Alves, amigo da banda, dançarino, músico performático e artista plástico ­ partiu do fotógrafo, pois o disco ainda não tinha sequer um título definido. Embora relutante com a ideia de usar uma foto de alguém dançando, o designer acabou aceitando e o sucesso alcançado pela banda permitiu que daí em diante as capas fossem criadas com determinada liberdade artística.

Figura 13: Os Paralamas do Sucesso: O Passo do Lui (EMI­Odeon, 1984). Fonte: Coleção particular.

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Figura 14: Os Paralamas do Sucesso: Bora Bora (EMI­Odeon, 1988). Fonte: Coleção particular.

Em Bora Bora (Fig. 14) os Paralamas do Sucesso comunicam uma mudança de rumo musical através da capa. A incorporação do naipe de metais, de ritmos caribenhos e ritmos africanos (Já presentes desde Selvagem?) estão evidenciados na capa. Podem ser vistos um tambor que parece emitir som e uma lança. Duas ondas, uma vermelha e uma verde que remete a uma pintura de cerimônia ou, talvez, uma festa na tribo. O nome da banda no topo com cada letra aludindo às pinturas corporais de tribos africanas. O nome do álbum com as estampas coloridas, o sol caribenho. Um trabalho que, vale ressaltar, é todo ilustrado à mão (LEITE, 2014). Dentre os designers entrevistados por Jorge Caê como parte da produção do documentário Ouça o disco, veja a capa, Ricardo Leite, Cristina Portela e Gringo Cardia, é possível notar alguns pontos interessantes sobre a produção das capas de disco no período do BRock. Para começar, a grande diferença entre trabalhar com design nos anos 1980 e atualmente. Bem antes de o computador mudar todos os aspectos do trabalho do designer, todo o esforço era braçal com layouts feitos à mão. O retoque da imagem era feito à mão direto no fotolito. Mais profissionais e mais funções (ilustrador, fotógrafo, arte finalista, retocador, secretário etc) eram necessários para que o trabalho fosse realizado (PORTELA, 2014). Algumas gravadoras ainda mantinham departamento de arte, outras não. O departamento poderia se resumir a um diretor de arte e alguém responsável por adaptar a capa para os padrões da indústria fonográfica, inserindo número de série, catálogo, marcas, etc. A grande agência e o freelancer já estavam presentes, hoje, esse é o modelo de trabalho dominante do mercado. 47

As bandas participavam ou não do processo criativo e da aprovação das capas dependendo de cada caso. A banda poderia apresentar uma ideia, indicar um designer específico com o qual quisesse trabalhar ou tudo era dirigido por alguém da gravadora. A aprovação da capa acontecia em um diálogo entre designer, departamento de arte, departamento de marketing, diretoria e empresário ou produtor da banda e, em poucos casos com o próprio artista (PORTELA, 2014). Ricardo Leite comenta que Paralamas do Sucesso era um caso cujo foco se concentrava na produção do disco em estúdio e por isso delegaram a capa de (1983) ao designer (LEITE, 2014). Roberto Frejat já responde por outro viés. “Sempre participamos (o Barão Vermelho) da concepção delas (das capas), escolhendo os diretores de arte e aprovando os projetos, mesmo os que não ficaram bons tiveram a nossa aprovação [...]” (FREJAT, 2015). Mayrton Bahia assinala que:

Variava bastante, dependendo dos artistas. Aqueles que eram apenas um produto de Marketing quem decidia tudo era a gravadora. No caso dos artistas que tinham uma forte identidade e personalidade artística, geralmente era em conjunto com o departamento de artes gráficas da gravadora e/ou com o Produtor (BAHIA, 2015).

O processo de criação dependia de cada designer. Para Ricardo Leite, descarta­se a necessidade de ouvir as gravações, atentando que precisa apenas conhecer a obra, “basta um papo com o artista” (LEITE, 2014). Gringo Cardia já pensa por outro caminho, considera fundamental a participação do artista, que é necessário ouvir as músicas e ler as letras (CARDIA, 2014). Cardia considera estes fatores fundamentais para realizar um bom trabalho de traduzir nas capas a mensagem do disco. Uma curiosidade é que, nas entrevistas citadas por Rodrigues em Anos fatais (2007) sobre a mesma indústria fonográfica nos anos 1970, os designers que fizeram capas para a Tropicália e Pós Tropicália, defendem um discurso diferente daquele que domina os 1980, mais próximo do descrito por Gringo Cardia. Eles tentavam se impregnar com o material, acompanhavam o artista, conversavam com eles, iam aos ensaios. Uma liberdade que, talvez com o amadurecimento da indústria fonográfica e as exigências do mercado na década de 1980, já não fosse mais possível. A capa mudou desde o Brock, teve de se adaptar a outros formatos como CD e mais recentemente às mídias digitais. No início a capa do CD (12x12cm) era mera adaptação da 48

capa maior do LP (31x31cm), quadro que só mudou quando o CD já era o formato dominante do mercado em meados dos anos 1990 no Brasil (PORTELA, 2014). Hoje, as capas devem ser pensadas como ícones de aplicativos e players de celulares com elementos que favoreçam o reconhecimento e a legibilidade nos menores formatos (LEITE, 2014). André Midani considera que o CD é o início da falência da indústria fonográfica, porque a capa perde seu valor emocional e com o download e o streaming ela desaparece. Nem o retorno do vinil pode mudar esse quadro, pois a tecnologia não volta no tempo, e este é um mercado de nicho, paixão de colecionador. Apesar disso, o trabalho dos capistas continua o que pode ser resumido muito bem na frase de Cristina Portela: “A capa de disco é o disco” (PORTELA, 2014). Uma verdade ontem (durante o BRock) e hoje. As capas de disco do Rock Brasileiro dos anos 1980 cumpriram seu papel de permitir investigar o imaginário jovem da década. As questões abordadas por meio das letras, códigos e o universo próprio dos jovens da década. Assunto abordado por outros campos agora se expandem com as relações estabelecidas com as capas dos discos lançados no período. Está reforçado também a importância da capa de disco como um objeto ou instrumento de estudo.

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4. A CONSTRUÇÃO DO ROCK NACIONAL

Rock Brasileiro. Afinal o que está contido nestas duas palavras? Um número enorme de ritmos, misturas e subgêneros que, organizados sobre a mesma prateleira (virtual ou não) são de fato reconhecidos como rock nacional, rock brasileiro ou ainda pop/rock nacional. A história do Rock Brasileiro, já revista no capítulo 1, é comumente defendida partindo dos anos 1950 até o fenômeno da década de 1980 e a partir deste para os dias de hoje. A definição de rock nacional não tem limites determinados, é um gênero vivo, não homogêneo, com estratégias de autenticidade variadas e indissociável do BRock. Isto porque, até a popularidade alcançada pelas bandas dos anos 1980, não existia um rótulo específico para o rock brasileiro (DANTAS, 2007, p.7). Alguns nomes foram criados para se referir a esse momento da história do rock nacional: eu uso principalmente BRock , Rock Brasileiro e Rock Brasileiro dos Anos 1980. Se o BRock se diferencia de todo o resto do Rock Brasileiro e de fato se fez o gênero musical do qual se herda o nome que temos hoje (Rock Nacional), o que foi então o BRock? Para Dapieve (1995), o BRock foi um reflexo tardio no Brasil, menos na música e mais na atitude, do movimento punk anglo­americano. “Do­it­yourself18”. Era verdadeiramente um rock brasileiro, curado das afetações dos anos 1970 e livre dos excessos metafóricos da MPB, “falando em português claro de coisas comuns ao pessoal de sua própria geração” (DAPIEVE, 1995). A eles é dado o crédito de evidenciar o rock como um gênero de música brasileira, muito além de uma cópia ou empréstimo do rock dos americanos ou ingleses. Entretanto, essa definição não dá conta de compreender o fenômeno. Ser cantado em português, falar de política e das coisas de sua geração, misturar ou não elementos de música brasileira. "Rock à brasileira" é algo que as gerações anteriores já tinham feito. Parece existir um consenso em tratar de forma negativa produtos da indústria cultural. Algo que vende e que atrai atenção da mídia. Existe ainda a possibilidade de uma idealização daquilo que pode ser considerado rock n’ roll de verdade, o que normalmente demanda entre outras coisas autenticidade, atitude e senso de comunidade (FREIRE FILHO, 2003). Em outras palavras, maior autonomia e menor interferência do que se pode entender por produção musical perpetrada pela indústria fonográfica. E isso muitas vezes

18 Faça você mesmo. 50

pode partir de teóricos. Não afirmo ser o caso dos autores que estudei, mas não me lembro de nenhuma menção explícita e direta ao fato de que parte do que foi o rock dos anos 1980 deve­se ao fato de que se tornou mainstream. Ou seja, ocupou a cadeia principal da indústria fonográfica, conquistou espaços simbólicos que antes pertenciam à MPB. E por fim, somente se estabeleceu porque foi reconhecido e se permitiu reconhecer como MPB pela MPB. Embora os trabalhos basicamente evidenciem isso, a abordagem tende a não seguir por este caminho. Neste capítulo, pretendo mostrar que o rock brasileiro dos anos 1980 foi construído socialmente nas relações entre os diversos atores envolvidos (músicos, produtores, mídia, público e assim por diante), que nunca foi um grupo homogêneo. Que precisaram conquistar os espaços simbólicos e que ter que “virar MPB” foi bom e mau ao mesmo tempo para o rock brasileiro. Apresentarei pistas deste processo, contextualizadas nas referências e nas entrevistas realizadas. Nas referências para este capítulo escolhi dois eixos principais: Arthur Dapieve (1995) por ser um precursor da discussão acadêmica sobre o BRock e Gustavo Alonso (2015) por tratar de forma crítica o que ele chamou de “MPBzação” do rock brasileiro. Divido este capítulo em 3 partes para fins de organização. Na primeira parte, Adolescência, identifico a ruptura inicial e o começo do fenômeno no início da década de 1980. Na segunda parte, Maioridade, descrevo o momento a partir do qual as bandas alcançam o sucesso e o grande público e em Maturidade abordo o processo no qual bandas se alinham com a MPB. Desnecessário dizer que este não foi um processo planejado, natural, harmônico ou imposto, ao contrário, entre concessões e resistência foi um processo bastante plural e caótico.

4.1. Adolescência

A indústria fonográfica tende a ser conservadora, por isso, mesmo com vendagens fracas que geralmente não passavam de 40.000 cópias (DAPIEVE, 1995, p.23), as superproduções e os espaços mais conceituados da indústria fonográfica estavam basicamente ocupados por artistas da MPB, os mesmos dos grandes festivais ou por seus iniciados. Quem comprava discos era alguém acima de 30 anos e os músicos que tocavam nos discos em muito pouco eram compreendidos ou identificados pelos mais jovens. Até então, o rock se posicionava em resistência e por isso preso no circuito underground como 51

qualquer subgênero cantado ou não em português ou adotando as mesmas estratégias da MPB e por isso, aos olhos do jovem da década de 1980, esse rock era também MPB. O cenário só começou a mudar quando uma banda de rock, a Blitz, vendeu tanto que não seria possível ignorar o fenômeno. Sobre o período, Mayrton Bahia assinala que:

[...] a Indústria Fonográfica estava passando por mais uma de suas periódicas crises financeiras, se não me engano, uma grande crise por causa da alta no preço do Petróleo. As Produções dos discos de MPB ficaram ainda mais caras, devido ao aumento do preço da matéria prima (vinil) e também dos custos dos músicos, devido às reivindicações do sindicato dos músicos com relação à remuneração das gravações. Assim sendo, as grandes gravadoras Nacionais (na verdade Multi Nacionais), reduziram os custos de produção, ficando com tempo ocioso em seus estúdios. Este cenário tornou propício a transformação dos grandes estúdios em laboratórios experimentais, com a produção de fitas demo de diversas bandas (BAHIA, 2015).

O jovem voltava a ser o público alvo e um dos principais atores do momento político pelo qual o Brasil estava passando, o processo de reabertura política, o retorno da democracia. Mas é importante notar que havia um elo. Uma cena de rock underground já existia, ela não surgiu do nada. Deste modo, o BRock herdou os pontos onde o rock já circulava, em geral pequenos palcos e barzinhos (DAPIEVE, 1995, p.28). Evidenciando uma cultura jovem latente (e negligenciada), Frejat conta que:

Na realidade existia um consumo intenso de discos de rock internacional, pois a música brasileira jovem estava sob a vigilância permanente da ditadura, então havia um público de rock, mas não havia rock na mídia, nas rádios, nas TVs, a não ser programas esporádicos que não duravam muito tempo nas grades televisivas (FREJAT, 2015).

A informação circulava através de revistas, publicações e pôsteres. No entanto, o acesso não era tão simples do ponto de vista financeiro. Os jovens que fariam nome durante a alta do rock eram quase sempre de classe média com poder aquisitivo suficiente para adquirir discos (das bandas internacionais) e instrumentos musicais profissionais. , ainda garoto, possuía em seu quarto uma guitarra Fender japonesa, uma “guitarra de verdade” (DAPIEVE, 1995, p.79). Frejat complementa que existia apenas uma loja de instrumentos importados: a Leimar, que ficava em São Paulo e vendia os produtos com preços fora da realidade. Os instrumentos nacionais, por sua vez, eram de qualidade irregular por defasagem tecnológica da indústria brasileira (FREJAT, 2015). Já o estúdio, mesmo para jovens de classe média, era de custo altíssimo. Muito difícil arcar com um trabalho independente, a gravadora era a detentora desses meios de produção. Restava 52

então ao rock existir entre bares e pequenas casas de show ou arriscar o trabalho independente, muitas vezes com qualidade inferior ao produzido pelas grandes gravadoras. Embora possam ser citados projetos e espaços precursores como o Boca no Trombone no Teatro Lira Paulistana, berço de Ultraje a Rigor, Titãs e Gang 90; a Colina, em Brasília, berço do Legião Urbana, Plebe Rude e Capital Inicial, entre outros de outras cidades, a cena roqueira nacional teve como capítulo especial a inauguração do Circo Voador na Praia do Arpoador (depois transplantado para a Lapa RJ) em 15 de Janeiro de 1982 e o Início das transmissões da Rádio Fluminense FM de Niterói RJ no primeiro dia de Março do mesmo ano. O Circo era uma espécie de centro cultural comunitário aberto a todas as linguagens e experimentações. Nele tocaram astros da MPB e também o núcleo do que mais tarde se tornaria o BRock: Legião Urbana, Kid Abelha, Os Paralamas do Sucesso, Blitz, Barão Vermelho, entre outras. A rádio, com a programação toda dedicada ao rock, mantinha espaço reservado para tocar as fitas demos das mesmas bandas que tocavam sob a lona, criando­se um ciclo. O que se ouvia na Fluminense FM se apresentava na lona, o que se apresentava no Circo Voador podia ser ouvido na maldita19 (DAPIEVE, 1995, p.31). As gravadoras continuavam ignorando ou não dando crédito a esta movimentação. A banda Blitz se encontrava em atividade e aumentando sua popularidade há mais de um ano e meio quando, depois de uma audição, conseguiram contrato com a EMI­Odeon. Um contrato fraco, e com pouco crédito dado ao produto, visto que o compacto Você não soube me amar saiu sem um lado B (DAPIEVE, 1995, p.54). Lançado em Julho de 1982, vendeu 100.000 cópias em três meses. A música tocou nas FMs, algo inesperado. Conceitos tiveram que ser revisados e o contrato também. A gravadora temia, e com razão, que uma oferta melhor fizesse o grupo desertar de fazer parte do seu cast (DAPIEVE, 1995, p.55). A impossibilidade de compreender o fenômeno – a princípio – fez com que fosse dada liberdade ao grupo para gravar como bem entendesse. E assim, foi lançado, mais ou menos 3 meses depois, o primeiro LP As aventuras da Blitz. É o início do olhar da indústria fonográfica para grupos de rock. Para ela era um ótimo negócio, pois a banda chegava com seu próprio repertório, em trios, quartetos ou quintetos, com cachê e custo de produção relativamente mais barato. Mayrton Bahia revela que:

19 Apelido da rádio Fluminense FM. 53

Produzir bandas também era muito mais barato do que produzir discos de grandes intérpretes, pois no caso das bandas, todos os músicos eram contratados como artistas, sem serem remunerados como músicos de gravação, remunerados somente com uma porcentagem proporcional à venda efetiva dos discos. O custo da produção das bandas era bem mais baixo do que as produções tradicionais da época (BAHIA, 2015).

Este primeiro momento é marcado pela euforia. As bandas se comportam como “amigas”, vez ou outra “rivais”. Faziam citações do repertório uma da outra, participavam em trabalhos umas das outras e compunham em parcerias. Herbert Vianna, um dos casos mais notáveis, trouxe para a própria gravadora, a EMI­Odeon, a Legião Urbana e a Plebe Rude. Os Paralamas do Sucesso tocaram a música Inútil do Ultraje a Rigor durante seu show no Rock in Rio (1985) e Herbert dedicou o show a Lobão e os Ronaldos, Ultraje a Rigor, Titãs e Magazine (DAPIEVE, 1995, p.84). Neste momento, existiam ainda olheiros e caça­talentos. E as bandas chegavam aos estúdios sem muita noção do que iam encontrar. Inexperientes, em alguns casos o primeiro álbum não representou exatamente o que eles esperavam registrar. Era o caso de Cinema Mudo dos Paralamas do Sucesso (DAPIEVE, 1995, p.165), o primeiro LP do Barão Vermelho (DAPIEVE, 1995, p.67), o primeiro LP dos Titãs gravado em um estúdio especializado em jingles e o primeiro do Capital Inicial, um choque entre produção profissional e garotos que sequer sabiam usar metrônomo (CLEMENTE, 2008, p.99). Bahia complementa:

Também recebíamos dicas de jornalistas de música, de Fanzines que acompanhavam a nova cena do rock, de publicações especializadas que surgiram na época e da Rádio Fluminense “A Maldita!” (estabelecida em Niterói, RJ). No entanto, nos anos 80, aconteceu uma explosão de bandas e boa parte delas não foi por indicação de artistas. Recebíamos muitas fitas demo e assistíamos muitos shows, em diversas casas noturnas que também surgiam naquela época. Quanto à liberdade de produção, estava relacionada ao fato de ser um estilo que ainda não possuía um referencial de mercado e também estava relacionada à um momento propício[...] (BAHIA, 2015).

É notável o alto grau de liberdade que parece ter sido oferecido aos jovens roqueiros (pelo menos no início). André Midani – executivo da Warner na época do BRock, ele mesmo um dos personagens históricos da música brasileira – comenta de um período anterior ao BRock, mas é possível perceber em sua fala uma dinâmica interna da indústria fonográfica entre favorecer e não favorecer a liberdade criativa do artista. Algo que parece aplicável ao BRock também:

54

Não há nada que seja mais precioso para ter o melhor de um artista do que deixar ele em liberdade. Eu raramente intervi. Raramente para não dizer que nunca intervi. Mas raramente intervi porque esse é o segredo da beleza da companhia de disco. Isso é originalidade [...], porque você tinha muitas companhias, algumas muito boas, mas a grande parte delas dirigidas por pessoas da antiga. E esse pessoal da antiga nas capas, nas gravações, no rádio, enfim [...] frente a toda essa novidade que vinha. Novos artistas, novas temáticas, novos estilos se ressentiam muito. Porque inconscientemente sentiam que em favorecer esses movimentos eles perderiam seu emprego pela incapacidade de se adaptar (MIDANI, 2014).

Apesar da variedade de estilos e estéticas, que iam do punk ao pop, as bandas mantinham em comum uma postura anti­MPB, principalmente na primeira metade de década de 1980. Uma ruptura inicial, um movimento de oposição. O que gerou uma guerrilha de parte a parte. No seu manifesto punk, Clemente (dos Inocentes) dizia:

Nós estamos aqui para revolucionar a Música Popular Brasileira, para dizer a verdade sem disfarces (e não tornar bela a imunda realidade): Para pintar de negro a Asa Branca, atrasar o trem das onze, pisar sobre as flores de Geraldo Vandré e fazer da Amélia uma mulher qualquer (CLEMENTE APUD DAPIEVE, 1995, p.165).

Durante um show em Salvador, Marcelo Nova, líder da banda punk Camisa de Vênus, cuspiu no pôster de Pepeu Gomes, guitarrista dos Novos Baianos. O alvoroço fez com que um jornal defensor da MPB “exigisse” a censura do nome da banda e do nome do show Ejaculação Precoce (DAPIEVE, 1995, p.162). A negação do legado de Pepeu assustou e a confusão só serviu para a promoção da banda. Em entrevista à revista Veja (1983), Moraes Moreira ponderava que os garotos deveriam procurar uma solução brasileira para o rock n’ roll, como os próprios Novos Baianos tinham feito ao invés de apenas imitar o rock estrangeiro (ALONSO, 2015, p.4). Ideia defendida também por Chico Buarque em entrevista ao jornal O Globo (1985), que por sua vez avançava em relação às suas opiniões anteriores, de que o rock era simplesmente banal e repetitivo e indigno de atenção (1983) (ALONSO, 2015, p.5). Até Raul Seixas tinha suas queixas contra a geração 1980. A conquista de espaços simbólicos importantes para MPB causava choque. O BRock avançava, mas enfrentava resistência. As rádios FMs, por exemplo, mantinham oposição em inserir o rock em suas grades de programação. No caso de Barão Vermelho, a banda era vista como muito pesada, quadrada e sem apelo comercial. Partiu da própria MPB o incentivo para que recebessem a devida atenção. Primeiro de Caetano Veloso que tocou Todo amor que houver nessa vida durante um show no Canecão, além disso, ele 55

discursou contra as rádios que negavam espaço ao Barão Vermelho e elogiou Cazuza. Ney Matogrosso, por sua vez, decidiu regravar Pro dia nascer feliz, cujo sucesso forçou o lançamento de um compacto do Barão com a música original, alavancando o sucesso da música e da banda nas rádios (DAPIEVE, 1995, p.69). A certa altura, o circuito underground não conseguia mais dar conta da quantidade de bandas, de shows e de pessoas que iam assistir aos shows. Começou a era das danceterias, inspirada na Danceteria inaugurada em Nova York no início dos anos 1980 – algumas bandas brasileiras chegaram a tocar nela. No Brasil, a primeira foi Rádio Clube (SP), em Março de 1984 seguida pela Radar Tantã, Raio Laser e Pool Music Hall. No Rio de Janeiro, Noites Cariocas e Mamão com Açúcar, entre outras. Lugar de encontro da juventude da década para assistir a shows, comer, beber, dançar, jogar fliperama e até cortar o cabelo. (CLEMENTE, 2008, p.73). A TV foi um dos espaços conquistados. Aparecer na TV ou ter uma música incluída em uma trilha sonora de novela era acontecimento simbolicamente valorizado e valorizador. Era algo próprio do meio, uma abertura negociada pela gravadora e/ ou por produtores que tinha um preço. Para os artistas do BRock, cada aparição rendia uma grande quantidade de shows em playback pelas periferias do Rio de Janeiro. Lulu Santos trabalhou no início da década nesse “esquema”, fazendo até incríveis 4 shows por dia (DAPIEVE, 1995, p.43). Outro exemplo, os Titãs (DAPIEVE, 1995, p.94), com uma diferença: a banda recebeu muita atenção da TV antes mesmo de que qualquer gravadora cedesse espaço para os seus shows e repertório. Eles eram muito esquisitos para a cena roqueira da época (DAPIEVE, 1995, p.92). Capital Inicial já se apresenta como um exemplo ao avesso. A banda aceitou o convite de participar do Programa do Chacrinha mas se incomodaram com as más condições dos lugares onde os playbacks aconteciam e com o número de apresentações diárias. Eles se recusaram a continuar e “denunciaram” o esquema a um jornal, gerando uma péssima repercussão (CLEMENTE, 2008, p.100). Quanto maior a popularidade BRock, maiores eram os enfrentamentos. Hebert Vianna criticou Maria Bethania, questionando os excessos metafóricos de Explode Coração20. Roger Rocha Moreira, do Ultraje a Rigor, declarou em entrevista que MPB nunca poderia ser a trilha sonora do momento político que o Brasil estava passando. Lobão declarou que a causa dos jovens roqueiros era derrotar a MPB (ALONSO, 2015, p.6). Sentimento comum é de que a MPB era incapaz de representar aquilo que os jovens

20 Música de Gonzaguinha. 56

procuravam. Apesar disso, o prestígio da MPB continuava evidente. Lulu Santos já não era um desconhecido da mídia quando gravou o disco Tempos Modernos (1982), entretanto, o disco foi gravado à sombra das gravações de um disco de Gilberto Gil no mesmo estúdio (ALONSO, 2015, p.9). Porém nem tudo era briga, os roqueiros tinham em Rita Lee uma simpatizante que os via como uma real possibilidade de acabar com a “ditadura do banquinho e do violão” (ALONSO, 2015, p.8). A mídia pró­MPB atacou de volta. A origem social dos músicos das bandas, maioria de classe média alta, foi muitas vezes questionada a fim de desmerecer o trabalho deles. Quando se encontravam em algum palco, os elogios eram quase sempre direcionados para os artistas da MPB. O BRock não se encaixava nos três pilares da MPB, a saber: “bom gosto”, resistência à ditadura e crítica ao mercado cultural (ALONSO, 2015). A preocupação era o risco que os roqueiros “alienados” representavam ao receberem tanta atenção. O sucesso do BRock e as críticas a que era submetido chegou a trazer de volta um velho tema: o rock como um produto do imperialismo americano. Uma ameaça à música brasileira. Uma discussão antiga dos tempos da Jovem Guarda e da Tropicália. A questão era de considerável importância na cabeça de alguns. Tanto que o pai de Frejat (deputado federal) chegou a questionar o filho em sua “opção” de ser roqueiro. O pai teve que ser lembrado pelo filho que, sendo (o pai) um fã de Mozart e Beethoven, os tais compositores não eram brasileiros. A paz voltava ao lar (ALONSO, 2015, p.9). Apesar dos desconcertos, o rock seguiria adiante.

4.2. Maior idade

Em 1985, entre os dias 11e 20 de Janeiro, foi realizado um festival sem precedentes no Brasil, o Rock In Rio. Para uma noção do tamanho do evento: ele ocupou 240 mil metros quadrados, chegando a reunir quase 1,5 milhões de pessoas durante seus 10 dias de realização. Em cada dia, foi consumida cerveja suficiente para encher uma piscina de 50 mil litros de água. O maior investimento do show business até então. O evento contou com cobertura extensiva e intensiva da mídia, acompanhando cada detalhe do evento, da pré­ produção à pós­produção. A cultura jovem e roqueira ocupou os espaços mais nobres da TV e das rádios. Chegou ao grande público. O festival contou com mais de 90 horas de música. Tocaram atrações internacionais como Yes, AC/DC, Queen, Iron Maiden, Scorpions, Whitesnake, Ozzy Osbourne entre outros. Tocaram grandes expoentes das 57

antigas gerações do rock nacional, grandes nomes da MPB e, claro, as bandas de Rock dos Anos 1980. Blitz, Kid Abelha, Barão Vermelho, Lulu Santos e Paralamas do Sucesso. Até então, o Rock Brasileiro tinha uma forma idealista e, certo modo, ingênua de ser. Tocar no Rock in Rio causou em grande parte das bandas um choque de realidade ao ter que lidar com o hiperprofissionalismo de uma mega produção dominada por técnicos estrangeiros. A produção das bandas nacionais teve muitas dificuldades para lidar com os equipamentos. Confusão no som, falhas de microfone. O resultado pôde ser percebido no primeiro de dois shows da Blitz no Rock in Rio (DAPIEVE, 1995, p.61). Pôde ser visto também no primeiro de dois shows do Kid Abelha com o agravante de serem vaiados pela platéia headbenger21 que aguardavam Barão Vermelho, AC/DC e Scorpions. Cabe comentar que, em seus respectivos segundos shows, as duas bandas conseguiram se recuperar. A estrutura simples das bandas nacionais alimentaram a má impressão de que as estrangeiras eram extremamente superiores. Um choque de realidade! Lulu Santos relembra que tocou de shorts, acompanhado de músicos medianos o que acentuava a sua sensação de “não estar à altura” do evento (CLEMENTE, 2008, p.89). O Barão Vermelho e Paralamas do Sucesso seguraram as pontas a despeito do desafio. Depois do festival, o caminho foi apostar na profissionalização. Apesar da organização do Rock in Rio delegar o peso artístico às bandas internacionais e a mídia dar preferência em cobrir as atrações estrangeiras, ficou claro para todos que o rock brasileiro tinha público e muito grande. O alcance das bandas do BRock foi consideravelmente ampliado. A partir desse ponto, o público jovem não seria mais ignorado e passou a ser visado pela grande indústria (DAPIEVE, 1995, p.202). Acontecimento que se refletiu em mais produtos, mais bandas, mais discos, mais vendas e inclusive mais festivais como o Alternativa Nativa e o . O Rock Brasileiro entrava no grande show business, alcançava a maioridade e também recebia tudo o que vem junto com ela. A partir do Rock in Rio, começou o processo de institucionalização do Rock Brasileiro (ALONSO, 2015, p.10). Algo que será mais bem explorado na terceira parte deste capítulo. Outro fator que contribuiu para a conquista do mainstream pelo BRock foi o Plano Cruzado, lançado em 1986 como uma promessa efêmera de estabilidade econômica. Aumento do salário, congelamento de preços, controle da inflação. Enquanto durou, ampliou o acesso ao consumo para cerca de 20 milhões de brasileiros. O mercado de discos

21 “Metaleiros”, uma tribo em geral avessa à mistura de gêneros musicais com o Heavy Metal. 58

se expandiu em 43% em relação ao ano anterior (DANTAS, 2007, p.125). O resultado foram vendas exultantes22: Cabeça Dinossauro (Titãs) com 400 mil cópias, Selvagem? (Paralamas do Sucesso) com 700 mil cópias, Dois (Legião Urbana) com 900 mil cópias e o Rádio Pirata ao Vivo (RPM) com espetaculares 2,2 milhões de cópias vendidas (ALEXANDRE 2002 APUD DANTAS, 2007, p.126). Se até então uma das críticas ao BRock era de ser um fenômeno de classe média, a partir do Plano Cruzado ele alcança o status de produto das massas, produto de grande alcance midiático (DAPIEVE, 1995, p.201). Deste ponto em diante, os principais espaços simbólicos estavam conquistados: grandes casas de shows como o Canecão (Rio de Janeiro) ou o Palácio das Convenções do Anhembi (São Paulo). Shows em estádios para 20, 30 até 50.000 pessoas. Tournées internacionais. Gravações em Londres, Los Angeles. As relações com a MPB – as boas e as más – mudariam conforme a década de 1980 chegava ao fim e o cenário novamente se transformaria na década seguinte.

4.3. Maturidade

O processo de aproximação do rock com a MPB começa já no próprio Rock in Rio. No evento, além dos novos ídolos e estrelas da música internacional, tocaram grandes nomes da MPB como Gilberto Gil, Moraes Moreira, Ivan Lins, Pepeu Gomes, Erasmo Carlos, Rita Lee, Elba Ramalho e Alceu Valença. O último, empolgado com a coisa toda, declarou em entrevista nos bastidores do evento, que se identificava com o rock (ALONSO, 2015, p.11). O Barão Vermelho se apresentou no Rock in Rio no mesmo dia em que foi eleito Tancredo Neves, o primeiro presidente civil, por voto indireto, em 1985. A música Pro dia nascer feliz teve seus versos alterados para “pro Brasil nascer feliz”. A visão de que as bandas do BRock eram alienadas começou a se desfazer. Foi semeada a ideia de que eles também resistiram e lutaram contra a ditadura. Um elo com a MPB que

22 Vale lembrar que no início da década os lançamentos da MPB, quando muito, vendiam em torno de 40.000 cópias. 59

foi sendo reforçado pela literatura sobre o Rock dos Anos 8023 e que não é negada pelos atores envolvidos, tonando­se assim um elemento “natural”. A partir do momento da maior exposição e popularidade do Rock Brasileiro, as bandas do BRock foram se avizinhando com a MPB por aproximação ideológica ou estética. Lulu Santos, em 1988, já deixava explícita essa opção no disco Toda forma de amor e no disco seguinte, o cantor guitarrista criticava a postura dos colegas do BRock na música Dinossauros do Rock24 (DAPIEVE, 1995, p.45). Lobão deu seus primeiros passos em direção à MPB já em 1986. O disco O rock errou contou com a participação de Elza Soares. No ano seguinte, Lobão desfilou tocando tamborim no desfile da Mangueira (DAPIEVE, 1995, p.49). Mais adiante, aprofundou o flerte com o samba e passou a ter Ivo Meirelles como um parceiro de composição. Os dois, Lobão e Lulu, radicalizariam ainda mais suas opções, um aderindo de vez à MPB o outro fazendo críticas ferozes ao rock nacional com direto à banquinho e violão (DAPIEVE, 1995, p.201). Aos poucos a barreira geracional perde o sentido. Barão Vermelho cedeu o espaço da guitarra ao violão no disco Na calada da noite (1990) e durante um show na Praça da Apoteose tocou Eclipse oculto de Caetano Veloso (DAPIEVE, 1995, p.201). Anos antes, Ney Matogrosso já tinha gravado Pro dia nascer feliz, e Caetano já tinha tocado Todo amor que houver nessa vida, ambas do Barão. A superprodução do RPM já inicia no show business, desde o primeiro disco, com direção artística de Ney Matogrosso. Superprodução consumida por aproximadamente 2 milhões de pessoas em 270 espetáculos (DAPIEVE, 1995, p.121). O RPM, agradando a todos os públicos, inseriu dentro do repertório do show Rádio Pirata as músicas , London de Caetano Veloso e Flores astrais, antigo sucesso do Secos & Molhados do qual Ney foi membro (DAPIEVE 1995, p.122). Mais tarde, Paulo Ricardo e Caetano dividiram o palco para cantar London, London. Para fechar, ainda gravaram com Milton Nascimento (1987). A interação rock MPB também poderia vir de outras formas, como no release assinado por Caetano Veloso para o lançamento do disco Õ Blésq Blom (1989) dos Titãs. Não é coincidência ou surpresa, considerando que a banda retomava, neste álbum, as suas raízes pós­tropicalistas (DAPIEVE 1995, p.103). Entretanto, vale lembrar que o processo

23 Gustavo Alonso em seu artigo A MPBtização do rock mainstream no Brasil (2015) apresenta exemplos do reforço do discurso de que o “rock lutou contra a ditadura” nos trabalhos de Guilherme Bryan (2003), Samantha Quadrat (2005) e Arthur Dapieve (1995). 24 “Os legionários do rock / Perdem a trilha na areia / Rodopiando em círculos / Jamais deixando a aldeia / ... / Os funcionários do rock / Batem o ponto na fama / Deitando em cama de prego / Pra esperar o Nirvana”. Música: Lulu Santos. Letra: Nelson Motta. 60

de aproximação entre Rock e MPB não foi linear e homogêneo, deste modo, críticas e brigas ainda aconteciam entre os dois lados. Em 1987 Ronaldo Bôscoli (bossa nova) lançou críticas ao rock, revoltado porque o show do Roberto Carlos seria substituído pelo dos Titãs. Ele enquadrou o rock como mero produto banal. A resposta veio na forma da canção Nome aos bois no disco Jesus não tem dentes no país dos banguelas. No meio de uma lista com nomes dos grandes malfeitores da humanidade era citado o nome de Ronaldo Bôscoli. Como último exemplo, na mídia, no mesmo mês do Hollywood Rock de 1988, algum repórter questionou onde estariam os novos ídolos, avaliando que no rock ninguém se igualava aos antigos nomes da MPB (ALONSO, 2015, p.9). Dois personagens do BRock se destacam para demonstrar o processo de aproximação estética e política do rock mainstream com a MPB: Herbert Vianna e Cazuza. Vianna (e Paralamas) se congregou à MPB através de parceria com Gilberto Gil, seja dividindo palco ou compondo. Ambos trabalhavam estéticas aproximadas com uma sonoridade voltada para o . Eles foram parceiros na música A novidade do LP Selvagem? (1985), uma música que serviu para quebrar a barreira dos ouvidos da MPB para o rock (ALONSO, 2015, p.13). Para não perder de vista a complexidade da realidade, cabe ressaltar que foi uma via de mão dupla. Por um lado existia a aprovação do próprio trabalho por um dos mitos da MPB, por outro os Paralamas do Sucesso faziam chegar aos ouvidos mais jovens o trabalho de Gil. Através do uso de ritmos e instrumentos de música brasileira e jamaicana, os Paralamas do Sucesso encontraram, na visão dos críticos, uma “solução brasileira ao rock”. Acusada por outros de “trair o movimento” a banda fez questão de negar qualquer aproximação com MPB ou deixar de ser roqueira. No entanto, independente das intenções da banda, o disco se transformou em um símbolo de brasilidade roqueira. A assimilação acontece no momento em que a banda, muito tempo depois, passa a concordar em declarações e entrevistas com a história contada sobre o disco: lançado para radicalizar no uso de ritmos jamaicanos, porém visto como uma imersão nas raízes da música brasileira (ALONSO, 2015, p.16). Cazuza é o roqueiro mais assimilado, o mito maior, no sentido de ultrapassar os limites do rock para a MPB. Por isso as formas de contar sua história, em geral, reforçam a versão de que o Barão Vermelho seria muito limitado ao rock para os seus interesses estéticos. O primeiro disco de Cazuza, Exagerado, é considerado como um “meio pé dentro da MPB” (DAPIEVE, 1995, p.75). O artista participou do LP Bate outra vez 61

Homenagem à Cartola gravando O mundo é um moinho, de autoria do homenageado. A gravação foi aprovada pelo próprio compositor e com Cazuza recebeu o maior retorno simbólico para sua carreira e biografia. O cunho social e político veio com a letra de Gilberto Gil para a canção Um trem para as estrelas, tema de um filme homônimo. Cazuza, que sempre contou com a simpatia dos artistas da MPB, passou a ser visto e cercado por uma aura de “bom gosto” musical. A assimilação de Cazuza se deve ao LP Ideologia (1988). Sucesso de crítica, era considerado o equilíbrio perfeito entre um disco de MPB e rock. Apesar de certa oposição da crítica que resistia ao fato dele dividir um prêmio de melhor letrista de MPB com Chico Buarque ou a matéria da revista Veja que o condenava a morrer em inferioridade em relação a Noel Rosa. O artista ganhou prêmio de melhor disco pop/rock com Ideologia, melhor música pop/rock e melhor música com Brasil, interpretada por Gal Costa. No mesmo evento, contra os críticos e contra a matéria da revista, 600 personalidades assinaram uma reparação da afronta cometida contra Cazuza. Em 1990, foi lançado o livro Songbook Bossa Nova de uma coleção idealizada por Almir Chediak. A música Faz parte do meu show estava incluída entre Tom Jobim, Chico Buarque, Carlos Lyra, Gilberto Gil e muitos outros. Cazuza era reconhecido como um membro do panteão da MPB (ALONSO, 2015, p.20). Os anos 1980 terminam com um bom saldo de bandas estabelecidas, ao menos aquelas que alcançaram determinados padrões de vendagens e atenção da crítica. Se for possível escolher um sinal dos tempos, a efervescência do fenômeno roqueiro termina com a morte de Cazuza a 7 Julho de 1990, sendo este artista tomado como o mito da década (DAPIEVE, 1995, p.195). Já na década de 1990 o próprio Renato Russo constataria que Legião Urbana era MPB. O processo de assimilação do rock mainstream pela MPB aprofunda­se até a raiz. Consolida­se. Passa a ser tomada como caminho “natural”. O rock estava naturalizado brasileiro, não era mais oposto à MPB. Segundo Dapieve, “se a MPB passou a tolerar a existência de rock genuinamente brasileiro, este, por sua vez, passou a incorporar quantidades cada vez maiores de informações vindas de sua antiga inimiga figadal” (1995, p.196). É esse “natural” da história do BRock que é questionado pelo pesquisador Gustavo Alonso (2015). Ele recupera uma declaração feita por Lulu Santos em Setembro de 1992, época do processo de impeachment de Fernando Collor.

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Os artistas que eram da minha geração, do meu feitio como Lobão, Paralamas, Legião, enfim do Rock nacional e as pessoas, os artistas de forma geral, os cineastas, os diretores de teatro, Chico [Buarque], Caetano [Veloso], [Gilberto] Gil, quem fosse, todos: não deram apoio à candidatura deste presidente. Quem deu apoio à candidatura, eu não vou falar nomes, mas foram as pessoas filiadas ao que se chama música sertaneja, que eu chamo de música “breganeja”. Eu acho que a música sertaneja foi a trilha sonora dessa malfadada administração. Eu gostaria que uma fosse embora junto com a outra! (ALONSO, 2015 APUD ALONSO, 2015, p.20).

Na fala de Lulu Santos nota­se que o rock e a MPB estão politicamente igualadas, ignorando qualquer passado de divergências. Os ideais foram reescritos e o gênero move suas fronteiras. Agora rock e MPB convergem contra um novo inimigo em comum: a música sertaneja, que durante a década de 1990 ocuparia aqueles mesmos espaços simbólicos da grande cadeia da indústria fonográfica que o rock ocupou. Ultrapassada a questão política, a MPB e o rock se aproximariam vertiginosamente no campo estético. A guitarra cederia progressivamente seu espaço para o violão, tudo ficaria mais clean. Os acústicos da MTV podem ser considerados a joia da coroa dessa tendência. Lançados a partir de meados da década de 1990, no banquinho e no violão, o projeto serviu para recobrar e compilar a carreira das bandas de rock (ALONSO, 2015, p.21). Se no começo o rock era o questionador dos cânones da MPB, ao fim do fenômeno ele passa a defender os valores contra os quais lutava (SÁ, 2011 APUD ALONSO, 2015, p.21). A inserção do rock na “linha evolutiva” da MPB é um processo que tem um ganho e uma derrota. Por um lado as grandes bandas do BRock (a primeira divisão de Dapieve), têm seus nomes inseridos entre os seminais nomes da MPB, por outro se submete a avaliação segundo os valores da própria MPB. Os valores: a politização, o uso de elementos estéticos da música brasileira e a qualidade das letras. O rock perde autonomia e se submete. Dentro desses valores os “poetas” como Renato Russo, e Cazuza são os mais valorizados. Para Alonso, foi a morte do rock nacional (2015, p.22). O preço do establishment? Não é interessante, nem é intenção, fazer julgamentos maniqueístas. Não se trata de ser necessariamente ruim, nem bom. De glorificar ou achincalhar. A história do rock está recheada de exemplos da impossibilidade prática de ser um eterno adolescente. Ou encontra­se na morte o passaporte para o mito, ou vive o suficiente para entrar na maturidade e vivenciar suas próprias complicações. Contudo, podemos sim, questionar, reavaliar posições e trazer à tona novas reflexões. O legado do Rock Brasileiro dos Anos 1980 e sua evidente importância para a história cultural do país é inegável. 63

CONCLUSÕES

A pesquisa teve como objetivo fundamental uma compreensão mais profunda sobre o rock brasileiro dos anos 1980. Ela se dividiu em duas frentes principais: a primeira, buscando compreender o imaginário jovem dos anos 1980 através de análise das capas de disco lançadas na época. A segunda, revisando a história do fenômeno fazendo uma relação entre as referências e as entrevistas, levando em consideração o papel dos atores sociais envolvidos. E na medida do possível evidenciando os aspectos próprios da produção cultural como o processo de criação da capa ou de produção do disco. Como em qualquer pesquisa desafios foram enfrentados, e alguns desses passos estão presentes inclusive na forma que este trabalho foi construído. O primeiro capítulo, O rock no Brasil antes dos anos 1980, foi resultado de uma revisão bibliográfica que tinha como finalidade a compreensão da história do Rock Brasileiro. Embora não estivesse evidente a princípio, foi possível notar uma confusão de conceitos do “que é rock brasileiro”. Deste modo, me ative à linha do tempo desenvolvida por Dapieve no seu livro Brock: O rock brasileiro dos anos 1980. Somente mais tarde, no decorrer da pesquisa, encontrei um artigo mais recente (Alonso, 2015) que traria questionamentos sobre o uso desse modelo de “linha evolutiva” que tem na MPB seu exemplo primordial. No entanto, a forma de linha do tempo foi mantida, pois de fato, a história do rock no Brasil pode ser compreendida como um processo de naturalização. Algo que só ficaria claro mais adiante, no decorrer do trabalho. O segundo capítulo, Indústria fonográfica, design, produção musical e sociedade, resultou da necessidade de encontrar o lugar da minha pesquisa entre os referenciais teóricos. Foi importante conhecer a história da indústria fonográfica e do disco e compreender as funções do designer e do produtor musical e as relações que estes desenvolvem com a sociedade. Relações que se materializam na forma de um produto: o disco. Foi possível escolher um caminho diferente daquele que versa sobre “autenticidade” e “valorização da cultura popular”, que em alguns casos desvaloriza o rock como manifestação cultural por suas relações intrínsecas e diretas com a indústria fonográfica. O rock é música para as massas e nisso o BRock não foi em nada diferente. E talvez isso contribua, em parte, com a persistência de discursos de desvalorização cultural do Rock Nacional frente às outras manifestações culturais. 64

A compreensão do imaginário jovem foi realizada por meio de análise das capas de disco lançadas durante o período estudado e pelas bandas que serviram de amostra. Esta parte da pesquisa é herdeira direta da proposta de trabalho da iniciação científica de 2009­ 2011 e da provocação de Rodrigues (2007) que, no fim do livro Anos fatais, instiga uma pesquisa sobre as capas de disco dos anos 1980. O resultado foi o terceiro capítulo, O imaginário jovem dos anos 1980 através das capas de disco. Este capítulo ressaltou a importância das capas de disco como instrumento de pesquisa, uma lente pela qual pude observar os elementos essenciais para a compreensão dos ideais da década, o espírito do tempo, ou melhor, o caldo cultural do qual o BRock fez parte. Todas as questões propostas foram respondidas, ficou claro o (diversificado) relacionamento entre os vários atores da indústria fonográfica. A inserção no universo da década tornou propícia a realização da parte final da pesquisa. Em A construção do Rock Nacional, já estava bastante claro os fatores que construíram e constituíram o BRock. Eu fiquei surpreso com o fato de que o BRock estabeleceu o que hoje naturalizamos chamar de Rock Nacional. Isso porque o rock brasileiro conquistou os grandes espaços simbólicos da indústria fonográfica e a geração 1980 alcançou o grande público de tal forma que nenhuma das gerações anteriores tinha conseguido até então. O estabelecimento, por sua vez, se processou nas relações do rock brasileiro com a MPB. Entre convergência e divergência, esse processo se mostrou extremamente dinâmico, nada homogêneo, nem linear e que interfere nas fronteiras do próprio gênero musical ainda hoje. O estabelecimento do Rock Nacional gera novos questionamentos pautados na sua relação com a MPB. A discussão de que se foi uma vitória ou uma derrota para o rock o seu alinhamento com a MPB é algo a ser, talvez, explorado em trabalhos posteriores. Nesta pesquisa, ficou clara e foi reforçada a importância do Rock dos Anos 1980 na história política e cultural brasileira, assim como seu evidente papel no histórico da indústria fonográfica brasileira. No espaço de uma monografia foi realmente impossível esgotar um assunto tão extenso e de tamanha aptidão. Entretanto, este trabalho espera ter contribuído com a literatura acadêmica e as discussões sobre o Rock Brasileiro, a MPB e os estudos sobre a indústria fonográfica. Espera ter contribuído também com a produção acadêmica para a área de produção cultural.

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Referências

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CARDIA, Gringo. Entrevista concedida a Philip Moreira, Nathaly Avelino, Leonardo Florentino e Leandro Luz no Rio de Janeiro, 2014.

FREJAT, Roberto. Entrevista concedida a Narcelio Ferreira no Rio de Janeiro, 2015.

LEITE, Ricardo. Entrevista concedida a Jorge Caê Rodrigues no Rio de Janeiro, 2014.

MIDANI, André. Entrevista concedida a Jorge Caê Rodrigues no Rio de Janeiro, 2014.

PORTELA, Cristina. Entrevista concedida a Jorge Caê Rodrigues no Rio de Janeiro, 2014.

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APÊNDICE A – Catálogo de capas de disco e suas classificações

Rockstar

Barão Vermelho Barão Vermelho Barão Vermelho Barão Vermelho Barão Vermelho 2 Rock'n Geral 1982 1983 1987

Capital Inicial Cazuza Cazuza Você Não Precisa Entender Exagerado Só Se For a Dois 1988 1985 1987

Cazuza Engenheiros do Hawaii Engenheiros do Hawaii O Tempo Não Pára ­ Ao vivo Longe Demais das Capitais O Papa é Pop 1988 1986 1990

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Inocentes Kid Abelha Legião Urbana Adeus Carne Educação Sentimental Que País É Este 1987 1985 1987

Legiao Urbana Lulu Santos Lulu Santos As Quatro Estações Tempos Modernos O Ritmo do Momento 1989 1982 1983

Lulu Santos Lulu Santos Lulu Santos Tudo Azul Normal Honolulu 1984 1985 1990

Plebe Rude Plebe Rude RPM O Concreto Já Rachou Plebe Rude Rádio Pirata ­ Ao Vivo 1985 1988 1986

69

RPM Titãs RPM Titãs 1988 1984

Vida cotidiana

Barão Vermelho Barão Vermelho Kid Abelha Maior Abandonado Na Calada da Noite Kid Abelha ­ Ao Vivo 1984 1990 1986

Lobão Lobão Titãs Cuidado! Vivo Go back 1988 1990 1988

70

Ser jovem

Barão Vermelho Blitz Blitz Barão ao vivo As Aventuras da Blitz 1 Radioatividade 1989 1982 1983

Blitz Blitz Kid Abelha Blitz 3 Todas as Aventuras da Blitz Seu Espião 1984 1990 1984

Kid Abelha Os Paralamas do Sucesso Ultraje a Rigor Kid D Nós vamo invadir sua praia 1989 1987 1985

71

Ultraje a Rigor Por quê Ultraje a rigor 1990

Política e sociedade

Barão Vermelho Inocentes Inocentes Declare Guerra Pânico em SP Inocentes 1986 1986 1988

Inocentes Legião Urbana Lobão Miséria e Fome Legião Urbana O Rock Errou 1988 1985 1986

72

Os Paralamas do Sucesso Plebe Rude Titãs Selvagem? Nunca Fomos Tão Brasileiros Televisão 1986 1987 1985

Amor e sexo

Cazuza Lulu Santos Lulu Santos Burguesia Lulu Toda Forma de Amor 1989 1986 1988

Ultraje a Rigor Sexo!! 1987

73

Arte e Design

Barão Vermelho Capital Inicial Capital Inicial Carnaval Capital Inicial Independência 1988 1986 1987

Capital Inicial Cazuza Engenheiros do Hawaii Todos os Lados Ideologia A Revolta dos Dândis 1989 1988 1987

Engenheiros do Hawaii Engenheiros do Hawaii Kid Abelha Ouça o que Eu Digo ­ Não Ouça Alívio Imediato Tomate Ninguém 1989 1987 1987

74

Legião Urbana Lobão Lobão Dois Cena de Cinema Ronaldo foi pra Guerra 1986 1982 1984

Lobão Lobão Lulu Santos Vida Bandida Sob o Sol de Parador Popsambalanço e Outras Levadas 1987 1989 1989

Lulu Santos Os Paralamas do Sucesso Os Paralamas do Sucesso Amor à Arte ­ Lulu Santos e Auxílio Cinema Mudo O passo do Lui Luxuoso Ao Vivo 1983 1984 1989

Os Paralamas Do Sucesso Bora Os Paralamas do Sucesso RPM Bora Big Bang Revoluções Por Minuto 1988 1989 1985

75

Titãs Titãs Titãs Cabeça Dinossauro Jesus não tem dentes no país dos Õ Blesq Blom 1986 banguelas 1989 1987

Ultraje a Rigor Crescendo 1989