jorge amado

É nos quase duzentos metros lineares do acervo de Alfred e Blanche Knopf que estão preservadas, de modo exemplar, inú- meras informações de amplo acesso ao pesquisador interessado na intensa movi- mentação intelectual e editorial que se deu entre o Brasil e os EUA, sobretudo a par- tir dos anos 40. Foi para o Harry Ransom Center da University of Texas at Austin que Alfred (1892-1984) e Blanche Knopf (1894-1966) doaram os fartos arquivos da editora que criaram em 1915 e que perma- HGLWRUHV neceu ativa até 1960 (http://www.hrc.utexas. edu/collections/books/holdings/knopf/). $OIUHG Nesses tantos anos de vida, a editora, que tinha um galgo como logomarca rapi- GDPHQWHLGHQWLÀFiYHODFROKHXPXLWRVHVFUL - .QRSIH tores latino-americanos e brasileiros ao lado de outros europeus e norte-americanos. Para $OIUHGR disputar a atenção do leitor norte-americano, a equipe editorial da Alfred A. Knopf, Inc., PDQWHYHVHVHPSUHDÀDGDHDSDUGDVQRYLGD - 0DFKDGR des que surgiam nos vários cantos do mundo, incluindo-se aí nosso universo de fala luso- -hispânica. Hoje, a memória desse grupo ex- tenso, encarregado de atribuições diversas, tornou-se testemunho de atividade intensa e nos devolve um período de troca editorial. Por meio dessa memória, bem mais que a simples comercialização do livro, revela-se “Nenhum outro autor pode representar também uma dimensão que ultrapassa o mero melhor a afeição de Knopf pelo Brasil do interesse pecuniário das partes envolvidas. que . Em 1970 ele era o único É de Jorge Amado (1912-2001), no inte- sul-americano que podia se vangloriar rior desse patrimônio editorial, que trata este de ter seis títulos publicados em inglês” artigo. De suas relações com dois de seus (Irene Rostagno, Searching editores: o norte-americano Alfred Knopf e for Recognition, 1997). o brasileiro Alfredo Machado. * * * as prateleiras de um Diante das mais de 1.500 – 1.526, exa- campus do Texas re- WDPHQWH²FDL[DVGRDFHUYRSURÀVVLRQDOH pousam alguns docu- pessoal de Alfred Knopf, doado à University mentos essenciais para of Texas at Austin nos anos 60 do século pas- redesenhar a extensa e sado, a ansiedade é inevitável. Assim como generosa carreira de é inevitável também a sensação de que para NJorge Amado. Não só dele, aliás. Mas de mui- HODVFRQÁXLXRTXHGHPHOKRUSURGX]LXRVp - tos outros nossos que desenvolveram ofício culo XX, tantos são os nomes notáveis que intelectual neste país: escritores, historiado- nelas estão guardados. É um vórtice onde res, economistas, advogados, diplomatas, jor- se embaralham artistas, escritores, editores, nalistas, educadores, editores ou tradutores. dissidentes, jornalistas, cientistas, cineastas,

5(9,67$863‡6®23$8/2‡1‡3‡6(7(0%522878%52129(0%52 diplomatas, críticos, agentes literários, can- Marcel Duchamp, Boris Pasternak, Pier Pa- ANTONIO DIMAS é professor de WRUHVSROtWLFRVPDHVWURVÀOyVRIRVSLQWRUHV olo Paolini, V. Maiakóvski, Norman Mailer, Literatura Brasileira historiadores, antropólogos, conservacionis- $QD0DJQDQL«2XGHRXWURVVLJQLÀFDWLYRV da FFLCH-USP e autor de, entre tas, sociólogos e o que mais couber em maté- para nossa inteligência e à espera do pesqui- outros, Bilac, ria de ilustração, sob os matizes ideológicos sador brasileiro: Antonio Callado, Roberto o Jornalista (Edusp). os mais diversos. Campos, Clarice Lispector, Gilberto Amado, Exemplo dessa cornucópia de conteúdo Hélder Câmara, Carlos Lacerda, Jorge Ama- sempre inesperado são os nomes que se em- do, , Júlio de Mesquita Filho, EDUDOKDPHGHVÀODPQHVVDFLUDQGDHSLVWRODU Guimarães Rosa, Érico Veríssimo, Wilson muito bem organizada, em que pese a quanti- Martins, José Lins do Rego, Hélio Jaguaribe. GDGHGLYHUVLÀFDGD76(OLRW)HGHULFR)HOOL - Sem contar editores como Alfredo Machado, ni, Ilya Eherenburg, Albert Einstein, William da Record , José Olympio e Geraldo Jordão Faulkner, Carmen Balcells, Joan Baez, Pierre Pereira, da J. Olympio, Diaulas Riedel, da Boulez, Lauren Bacall, Simone de Beauvoir, Cultrix; tradutores como Barbara Shelby, J. P. Sartre, Leonard Bernstein, Nadia Bou- Harriet de Onís, Samuel Putnam e Gregory langer, Herbert Hoover, Charlie Mingus, An- Rabassa, diretamente envolvidos com a tradu- dré Gide, Antonio Gramsci, Dashiell Ham- omRGHQRVVRVÀFFLRQLVWDVDGYRJDGRVFRPR mett, Charles de Gaulle, Alfred Hitchcock, Maurício Nabuco, ligado à tarefa dos direitos Jorge Amado George & Ira Gershwin, Theodore Adorno, autorais; ou até mesmo nomes que, de uma na Lavagem Anna Akhmatova, Raymond Aron, Miguel forma ou de outra, intervieram nas relações da do Bon!m A. Asturias, Fred Astaire, Erich Auerbach, editora de Alfred Knopf com a produção bra- (Salvador, 1976) Fundação Casa de Jorge Amado

5(9,67$863‡6®23$8/2‡1‡3‡6(7(0%522878%52129(0%52 111 jorge amado

sileira do pós-guerra, tais como Waldo Frank, ra que ajudou a criar não deixa muita dúvida, William Berrien, Fred Ellison, Frank Tan- porque foi ela, em lance ousado, que atra- nenbaum, Emir Rodríguez-Monegal e outros. vessou o Atlântico Sul em plena guerra para Para melhor reconstituir o desenvolvimen- garimpar escritores hispano-americanos e to da indústria editorial norte-americana é de brasileiros. “Em 1942 fui aos principais paí- praxe recorrer a John Tebbel, fonte inesgotá- ses da América Latina para procurar livros vel de informações. Os quatro volumes de seu que seriam do nosso interesse na América do A History of Book Publishing in the United Norte”, explica-se Blanche em nota introdu- States (1972-78), ou o seu The Magazine in WyULDDXPSDQÁHWRQRTXDOUHJLVWURXHVVHSHU - America 1741-1990 (1991) ou ainda o seu Be- curso e publicou a lista dos doze primeiros tween Covers. The Rise and Transformation títulos escolhidos pela editora: The Violent of Book Publishing in America (1987) são Land ( Terras do Sem Fim ), de Jorge Amado; guias seguros para essa reconstituição. Nes- a antologia The Green Continent , organiza- te último, o historiador faz retrato preciso do da por Germán Arciniegas, bem como seu grupo fundador da editora de Alfred Knopf: Caribbean: Sea of the New World ( El Mar del Nuevo Mundo ); Bewitched Lands (Tier- ´&RPRÀJXUDGHWUDQVLomRHQWUHRYHOKRH ras Hechizadas ), do boliviano Adolfo Costa o novo mundo editorial, Alfred A. Knopf du Rels; Mexico South e Island of Bali , do H[HPSOLÀFRXDWUDGLomROLWHUiULDGRSDVVDGR mexicano Miguel Covarrubias; Brazil, an ao mesmo tempo em que inaugurava cami- Interpretation e The Masters and the Sla- nho novo, especialmente naquilo que dizia ves ( Casa Grande & Senzala ), de Gilberto respeito à produção física dos livros. Nos Freyre; Green Mansion , do anglo-argentino anos 20, ele começou a ser considerado com W. H. Hudson; The Bay of Silence ( La Bahía enorme respeito e até mesmo espanto, dentro de Silencio ), do argentino Eduardo Mallea; HIRUDGRQHJyFLR6XDÀJXUDHUDGHWDOSUR - The Knights of the Cape ( Tradiciones Peru- porção que alguns daqueles que observavam anas ), do peruano Ricardo Palma; e Anguish seu progresso mal sabiam como encará-lo. (Angústia ), de Graciliano Ramos. Um dos primeiros elogios extensos sobre Irene Rostagno, pesquisadora chilena, seu trabalho apareceu na páginas do recém- centrou seu doutoramento na “promoção -lançado New Yorker XP¶3HUÀO·HVFULWRSRU da literatura latino-americana nos Estados Lurton Blassingame, que, mais tarde, se tor- Unidos” em livro que recebeu o título de naria agente literário em Nova York. Searching for Recognition . Nele, em capítu- Seu parágrafo de abertura não era lá muito lo inteiro dedicado aos Knopfs – “Blanche respeitoso: ‘Alfred Knopf demonstra gosto and Alfred Knopf’s Literary Roundup” –, a apurado e critério para a boa literatura, uma autora recupera os entornos da tradução dos DXWRFRQÀDQoDHQRUPHTXHRID]H[SHULPHQ - livros acima e ainda acrescenta os posterio- tar esse bom gosto até o limite, uma energia res de Jorge Amado, de Guimarães Rosa e incansável que produz realizações a partir de de Clarice Lispector. Logo no início desse ideias. Mas seu sucesso não se deve apenas capítulo, Irene Rostagno (1997, p. 31) explica: a essas características, porque ele tem dois aliados poderosos: seu pai, que o ajudou bas- “O interesse (dos Knopfs) pela América tante nos negócios e que vigia seu idealismo; Latina não se desenvolveu até os anos 40, sua esposa, que o dotou com a graça social no entanto. As condições da guerra haviam e o charme que faltaram a ele e a seu pai’” interrompido as viagens para a Europa e (Tebbel, 1987, p. 228). tornaram necessária a exploração de novos autores e de mercado para o seu catálogo. Sobre esse trio inicial, cabem ainda algu- Dos dois Knopfs, Blanche era a mais cos- PDVOLQKDVSDUDUHDOoDUDÀJXUDGH%ODQFKH PRSROLWD)DODYDIUDQFrVFRPÁXrQFLDHXP Knopf, cuja ascendência intelectual na edito- pouco de espanhol, sentia-se à vontade nos

5(9,67$863‡6®23$8/2‡1‡3‡6(7(0%522878%52129(0%52 círculos literários europeus e envolvera-se, mente epistolar. Utilizava muito o correio. pessoalmente, na publicação de Gide, Tho- […] Considerava uma falta de respeito deixar mas Mann e da escritora britânica Elizabeth uma carta sem resposta” (Amado, 2012, p. Bowen. Dessa forma, foi muito apropriado 11). Parte da volumosa correspondência de que ela encarasse a oportunidade de viajar seu pai, objeto dessa notícia, comprova isso. para a América Latina pelo ‘Programa da Depois de Jorge, na sequência, vêm: Al- Boa Vizinhança’ de Roosevelt. Assim, em fredo Machado, proprietário da Editora Re- 1942 ela começou sua viagem de prospecção. cord, com cerca de 49 caixas; o advogado Esse ‘apanhado literário’, como ela mesma Maurício Nabuco, com cerca de 47 caixas; descreveu sua viagem à Colômbia, ao Chile, Gilberto Freyre, com cerca de 45 caixas; e a ao Peru, à Argentina, ao Uruguai e ao Brasil, editora José Olympio, com 35 caixas. deu-lhe a chance de adquirir, em primeira O roteiro epistolar entre Jorge e Alfred mão, a visão daquilo que estava sendo es- é comovente, afetivo e tingido de persona- crito, lido e publicado na América Latina”. lismos e de idiossincrasias. Em movimento que se expande no sentido de incluir cada vez Desse fecundo e extenso relacionamen- mais pessoas, é uma correspondência essa to dos Knopfs com o Brasil – tão fecundo a que ultrapassa questões editoriais imediatas ponto de Blanche ter batizado com seu nome e ganha corpo com a inclusão de demais uma das bibliotecas do Instituto Joaquim Na- colaboradores da editora norte-americana e buco, em Apipucos, no Recife – podem ser das esposas de Jorge e Alfred: Zélia Gattai destacados alguns brasileiros, cuja corres- (1916-2008), de um lado; Blanche Knopf, pri- pondência recheia algumas das tantas caixas meiro, e Helen Hedrick (1903-95), depois da guardadas com capricho no Harry Ransom viuvez de Alfred. Aos poucos – isso é per- Center de Austin, Texas. ceptível – vai-se abrasileirando o capitalista A lista é longa, mas, como demonstra- americano; devagar, devagar, americaniza-se ção, recortamos um nome preciso, o de Jor- o então comunista baiano. ge Amado. Seu relacionamento com Alfred Foi com Terras do Sem Fim (1942) que .QRSIVXJHUHXPIRUWHJUDXGHÁH[LELOL]DomR se inaugurou a coleção latino-americana da recíproca e de entendimento humano capa- Knopf em 1945, e foi Samuel Putnam que o zes de vencer as resistências individuais e as traduziu sob o título de The Violent Land. reservas políticas, de ambos os lados. Seria Putnam já estabelecera sua reputação como ingenuidade supor que tudo se fazia pelo tradutor do português em 1944, quando a bom sucesso das armas da literatura, é cla- University of Chicago Press publicara sua ro; que não havia interesses pecuniários em versão norte-americana de Os Sertões ( Re- jogo; que a exigência estética fosse priorida- bellion in the Backlands ), acompanhada de de absoluta e que as regras do mercado não prefácio massudo do próprio Putnam. Pouco interferissem nessa aproximação. Mais ingê- tempo depois do aparecimento de The Vio- nuo seria supor, no entanto, que a motivação lent Land no mercado norte-americano, Jor- principal da troca entre Alfred e Jorge se ge e Alfred Knopf começam a trocar cartas, restringisse tão somente à valorização do ar- a primeira delas ainda marcada pela impaci- tefato literário, independente de sua eventual ência controlada por parte do escritor baiano. rentabilidade, visada pelos dois lados, sem o eGRVÀQVGHDLQLFLDWLYDGDSULPHL - menor vestígio de má consciência burguesa. ra carta de Jorge, naquele momento morando São cinco os brasileiros mais presentes no Castelo dos Escritores, em Dobris, arre- nas caixas de Alfred Knopf, e quem mais dores de Praga. Desse castelo, onde Jorge e as recheia é Jorge Amado, que preenche Zélia Gattai estavam hospedados a convite quase setenta delas. Tinha toda razão João da Sociedade de Escritores Checos, as lem- -RUJHVHXÀOKRTXDQGRDÀUPRXKiSRXFR branças de Zélia, registradas em Senhora que “Jorge Amado era um homem extrema- Dona do Baile , são muito favoráveis:

5(9,67$863‡6®23$8/2‡1‡3‡6(7(0%522878%52129(0%52 113 jorge amado

“Situado a quarenta quilômetros de Praga, na localidade de Dobris, o Castelo dos Es- critores era, sem tirar nem pôr, uma cópia ou miniatura do Palais de Versailles. Ape- nas não possuía as dimensões gigantescas do palácio de Luís XIV. Seus jardins e parques também haviam sido copiados a capricho dos famosos jardins de Versailles. Suntuosos sa- lões de festas, bibliotecas bem sortidas, salas de jogos com mesa de bilhar, galerias osten- tando quadros de caça e cabeças de veados embalsamadas penduradas pelas paredes, luxuosos aposentos, sessenta ao todo. O cas- telo de Dobris estava agora à disposição dos escritores tchecos” (Gattai, 2009, pp. 77-8).

Nesse momento, muito próximo ainda GRÀPGD6HJXQGD*XHUUD0XQGLDOYLYLDR casal em plena lua de mel com o comunis- mo. Atarefado com a sua participação em Congressos pela Paz, realizados na Polônia (1948), e em Paris e em Praga (1949), e en- tusiasmado com a derrota nazista, Jorge só tinha olhos para Stálin e para a experiên- cia soviética, coberta de elogios em livro, chega a ser subversivo, é tão somente sectá- mais tarde renegado sem nenhum transtorno rio. Em verdade, não escreveu ‘de tão ruim’, maior. Em Navegação de Cabotagem , suas o acréscimo quem o faz sou eu, autocrítica memórias estruturadas em fragmentos de tardia mas sincera. aparência aleatória, Jorge comenta, com o Dei razão ao meritíssimo, retirei O Mundo humor aguçado pela idade: da Paz de circulação, risquei-o da relação de minhas obras, busco esquecê-lo mas, de “Tarefa política, de volta da União Soviética quando em vez, colocam em minha frente e dos países de democracia popular do leste um exemplar com pedido de autógrafo. Auto- europeu, escrevo livro de viagens, o elogio grafo, o que posso fazer se o escrevi?” (Ama- sem vacilações do que vi, tudo ou quase tudo do, 2006, p. 197). parece-me positivo, stalinista incondicional silenciei o negativo como convinha. Para fa- Pois foi desse clima embalado pela eu- lar da Albânia plagiei título de Hemingway: foria marxista que partiram os primeiros A Albânia É uma Festa . Em verdade ainda contatos de Jorge Amado com a editora não era o pesadelo em que se transformou, norte-americana. Desde outubro de 1950 estava começando. cruzavam-se as cartas sobre o Atlântico Nor- Publicado no Brasil pela editora do pecê, te, nas quais Jorge pedia exemplares de seu O Mundo da Paz vendeu cinco edições em The Violent Land , lançado em 1945. Herbert poucos meses, valeu-me processo na justiça, Weinstock, braço direito de Alfred Knopf, acusado de autor subversivo. Convidei João respondeu-lhe prontamente, dizendo que não Mangabeira para meu advogado, mas não havia mais exemplares no estoque, embora cheguei a ir a juízo, o magistrado a cargo do as vendas tivessem sido “ disappointingly processo mandou arquivá-lo com sentença small ” (31 de outubro de 1950. Box 60.10). repleta de sabedoria: de tão ruim, o livro não Nas vésperas do Natal de 1950, e ainda exi-

5(9,67$863‡6®23$8/2‡1‡3‡6(7(0%522878%52129(0%52 lado nas cercanias de Praga, o escritor, pai publicar sua obra com os Srs. Nagel em Paris Originais do de filho pequeno e à espera de uma filha, em contrato de 09 out. 1945 […]. Em 1947 prefácio de Jorge Amado dobrava-se às evidências e questionava a À]HPRVRXWUDVJHVW}HVFRPDÀOLDOK~QJDUD para a edição editora americana sobre os US$ 139,63 que dos Nagel […]. norte-americana lhe eram devidos pela tradução de Terras do 'HDFRUGRFRPQRVVRVUHJLVWURVÀ]HPRVJHV - de Grande Sertão: Sem Fim $MXVWLÀFDWLYDSDUDRSHGLGRQmR tões para a serialização sueca de The Violent Veredas podia ser mais cristã e menos marxista: “[…] Land […]. because I want to make my Cristmas [sic] Muitos anos atrás enviamos um exemplar de purchases in time ” (29 de novembro de 1950. seu livro The Violent Land para Kempees & Box 80.13). De Nova York o cheque seguiu Stevens na Holanda, a pedido do Dr. H. Ro- para Dobris no começo de dezembro de 1950 senfeld do . Mais tarde, fomos (8 de dezembro de 1950. Box 80.13). informados de que eles haviam oferecido os Ao longo dos anos, no entanto, Alfred direitos de tradução [desse livro] para as se- Knopf foi-se revelando um agente literário guintes línguas: eslovaco, holandês, búlgaro, dos mais empenhados graças a sua podero- polonês, iugoslavo (servo-croata) e alemão” sa rede de conexões. Trecho de uma de suas (9 de fevereiro de 1951. Box 80.13.). cartas para Jorge comprova o gesto, que pou- co tinha de pessoal e muito de comercial: A frieza inicial dessas relações entre edi- tor e escritor não é de espantar visto que o “[…] Quanto aos direitos autorais de tradu- que interessa a ambos, nessa fase, não é se- ção v. há de se lembrar de que nosso contrato não a remuneração devida de seus serviços original, datado de 16 jun. 1943, cedeu-nos SURÀVVLRQDLV6XSHUDGDHVVDHWDSDQRHQWDQ - todos os direitos de tradução exceto aqueles to, a correspondência entre Alfred Knopf e relativos ao espanhol e ao português (de Por- Jorge Amado toma outro rumo, sobretudo a WXJDO 3RUFRQVHJXLQWHÀ]HPRVJHVW}HVSDUD partir dos anos 60.

5(9,67$863‡6®23$8/2‡1‡3‡6(7(0%522878%52129(0%52 115 jorge amado

Fosse por causa do degelo stalinista, Jorge Amado, que cumprimenta seu amigo iniciado com o célebre discurso secreto de editor pela passagem de seu septuagésimo Kruschev no encerramento do 20 o Congresso aniversário. Nele, lê-se: “Gabriela, Cravo do PC soviético (fevereiro de 1956), fosse por e Canela salutes Alfred Knopf on his 70th causa do sucesso editorial de Gabriela, Cra- birthday, asks his blessings, and in his hom- vo e Canela , publicado em 1958 no Brasil, mage dances a Brazilian dance asking the a verdade é que os anos 60 degelaram tam- gods many years of life for her American bém a conversa entre Jorge e Alfred, agora uncle. With the friendship of Jorge Amado. QmRPDLVDSHTXHQDGDSHODGHVFRQÀDQoDGR Rio de Janeiro. August 1962”. Logo abaixo, baiano, nem pela polidez business-like do algum funcionário da editora anotou a lápis: americano. Parece que até nisso Gabriela se “Inscribed in a copy of a special edition of meteu. Dela em diante, as cartas se afrouxam Gabriela ”. e imitam a moça quando se livrava dos sa- Não é apenas efusão que o bilhete traz, patos que lhe atormentavam os pés: “Entrou mas a encarnação da própria personagem, na sala, arrancou os sapatos. Ficava grande que se torna, assim, entidade viva, benfazeja parte do dia em pé, andando de mesa em e protetora de um relacionamento que come- mesa. Um prazer tirar os sapatos, as meias, oDUDDQRVDQWHVVREDPDUFDGDGHVFRQÀDQoD mexer os dedos dos pés, dar uns passos des- e do azedume, não por acaso localizado em calços, enfiar os velhos chinelos ‘cara de territórios físicos distantes e ideologicamen- gato’” (Amado, 1958, p. 187). De chinelas, te antagônicos. as cartas ganham um outro andamento, bem Sob essa proteção, na qual os deuses não distante do terreno pedregoso em que tanto se avexam em dançar com alegria, dissol- se judiara a retirante baiana. Aos poucos, vem-se as reservas pessoais e dinamiza-se desfazia-se a pose recíproca e investia-se a coreografia. Ora é Jorge demonstrando PDLVQXPDFRQÀDQoDTXHVHPRGHODYDSHOD seu receio diante da voracidade do impos- JHQHURVLGDGHSHVVRDOHSURÀVVLRQDOP~WXD to de renda norte-americano (3 de maio de Como réplica da mudança narrativa, im- 1965. Box 430.3) e pedindo informações pulsionada pelo “desmonte do mito estali- DUHVSHLWRGDVOHLVÀVFDLVHWULEXWiULDVGRV QLVWD TXH DOLYLDUDÀQDOPHQWHRVHVFULWRUHV EUA (2 de junho de 1963. Box 400.14), ora de esquerda das coerções mais tirânicas do é Alfred mostrando-se eufórico com planos chamado realismo socialista” (Paes, 1991, p. de viagem ao Brasil – “ I would go where- 27), a correspondência entre o escritor e o ver you wanted me to go and do whatever editor alcança outro patamar. Desarmados, you recommend to me to do ” (16 de janei- Jorge e Alfred começaram a funcionar em ro de 1967. Box 524.7) – ou intermediando sintonia que melhor atendesse seus projetos, negociações entre Jorge e a Metro Goldwyn em camaradagem desataviada. 0D\HUSDUDDÀOPDJHP IUXVWUDGDPDVFKHLD Além de amolentar a ortodoxia do ro- de peripécias curiosas) de Gabriela, Cravo e mancista, Gabriela amadrinhou os dois. Em Canela (s. d. Box 401.2). outro setor dessa documentação inesgotável, Na convivência que se alargava e se es- isso é fácil de se perceber. Entre tantos pa- treitava ao mesmo tempo, o americano apren- péis e tantas cartas, há folhas e folhas de um dia como se editava no Brasil, e o brasileiro diário inédito de Alfred Knopf. Essas bem aprendia valorização autoral no âmbito do mais de 1.500 páginas datiloscritas, numera- capitalismo. Com naturalidade, Alfred pu- das uma a uma e sobrecarregadas de rasuras, nha-se de orientador em questões comerciais fariam a delícia da crítica genética, pois que e editoriais; com bonomia, Jorge abria nossa se apresentam verdadeiramente in progress. literatura e, sem afetação, indicava veredas Tudo indica que seu autor preparava suas me- literárias brasileiras, sabido e tarimbado que mórias, inéditas até hoje. Uma dessas pági- era nelas. Do lado americano desciam suges- nas, a de número 1.490, transcreve bilhete de tões que visavam à otimização do ofício de

 5(9,67$863‡6®23$8/2‡1‡3‡6(7(0%522878%52129(0%52 escritor, ainda muito maltratado neste país Segundo Jorge, a magia linguística do ro- naqueles idos; do lado brasileiro, subiam in- mance teria levado parte de nossa crítica a se formações sobre a intimidade do sistema li- À[DUPDLVQD´H[SHULrQFLDIRUPDOHVWLOtVWLFDµ terário brasileiro à espera de reconhecimento do que no “rumoroso mundo brutal e terno, externo, tarefa ainda hoje sofrida. YLROHQWRHGRFHGHSDLVDJHQVÀJXUDVGUDPDV Em Navegação de Cabotagem , no pri- batalhas, sertão agreste, tristezas duras e bur- meiro fragmento consagrado a Guimarães OHVFDVµGRSDtV(PVXPDÀFRXPDLVF{PRGR Rosa, Jorge Amado esclarece que o editor do ponto de vista crítico, desviar-se das nos- americano lhe pedira prefácio (setembro de VDVPD]HODVHFRQWUDGLo}HVSDUDÀFDUDSHQDV 1962. Box 339.5. para a tradução de Grande QDV´URVLQKDVÁRUHVµGHTXHIDOD5LREDOGR Sertão: Veredas : Uma outra tese subjacente é a de que, da perspectiva do conservadorismo literário mi- “Alfred Knopf decide publicar a tradução em neiro, convinha o escamoteamento de umas língua inglesa de Grande Sertão: Veredas , Minas como “prolongamento do sertão baiano” pede-me prefácio, dá-me pressa. Eu o redijo e, por extensão, nordestino. Que, dessa perspec- no quarto de hotel, desabituei-me de escrever tiva, reivindicar o sertão como paisagem mais a mão, custa-me esforço, nele defendo duas ao sul do que ao norte contribuiria para des- teses que causarão escândalo nas províncias focar o drama do mandonismo político, deslo- literárias do Brasil” (Amado, 2006, p. 117). cando-o para a questão da angústia existencial. No fundo, essa polaridade norte x sul le- A rigor, são bem mais de duas, embora vantada por Jorge Amado entronca-se em ve- sempre correlatas entre si. Peca por modés- lho contencioso de geopolítica literária brasi- tia o prefaciador, portanto. Porque não são leira e ressuscita polêmica, que, vira e mexe, apenas duas as teses que provocam, mas reaparece. Sua origem inicial bem pode ser algumas outras, de maior ou de menor inci- localizada na distante década de 70 do sécu- são. Embora não caiba explorá-las, cabe, no lo XIX, quando, no Recife, dava-se início a entanto, ressaltá-las. uma forte discussão em torno da nacionali- Uma delas – a de “que Guimarães Rosa dade de nossa literatura. Foi Franklin Távora não é romancista mineiro e, sim, baiano” – (1842-88) que a formalizou em prefácio ao deixa à mostra larga familiaridade de Jorge seu romance O Cabeleira (1876), e é Eduar- com a cultura do romance brasileiro, o que do V. Martins (s. d.), um dos mais recentes o torna capaz de situar o romancista de Cor- estudiosos dessa questão, que a resume bem: disburgo numa vertente nada convencional, nada submissa ao aticismo linguístico de um “Em 1876, Franklin Távora deu início à publi- , por exemplo. cação de um conjunto de trabalhos que compo- Uma outra, tão atrevida quanto as de- riam o que ele chamou de ‘literatura do Norte’, mais, era a de que, passado o entusiasmo com constituída por O Cabeleira (1876), O Matuto a inegável novidade linguística do romance, (1878) e Lourenço (1881) [e] Um Casamento GLÀFLOPHQWHWUDQVSRQtYHOSDUDRXWUDOtQJXD no Arrabalde (1881) […]. Formulado no prefá- restaria o quê? cio de O Cabeleira , [seu] projeto retomava al- gumas teses expostas nas Cartas a Cincinato “[…] o sangue da gente recriada pelo criador (1871-1872), um conjunto de estudos no qual de personagens, a cor, o odor, os sentimen- [Távora] polemizava com José de Alencar. tos, os locais, os hábitos descritos pelo cria- Segundo Távora, Alencar era um escritor de dor de ambientes, restarão o Brasil e o povo gabinete, que, por não ter observado as regi- brasileiro, o sertão desmedido, a desmedida ões e os tipos humanos representados em seus bravura, a ânsia e o amor, restará o sangue romances, abusou da imaginação e cometeu quando a tinta se apagar de todo” (Amado, diversos erros e impropriedades. Contrapon- 2006, p. 188). do-se à perspectiva alencariana, Távora de-

5(9,67$863‡6®23$8/2‡1‡3‡6(7(0%522878%52129(0%52 117 jorge amado

fendia que o trabalho do romancista deveria centro dessa produção, isto é, a cozinha da se basear na observação da natureza […]”. editora J. Olympio. Pelo menos é isso que se GHSUHHQGHGDOHLWXUDGHFXUWDELEOLRJUDÀDTXH O Cabeleira é fraco do ponto de vista já se consolida em torno dessa editora tão narrativo, mas significativo como marco importante como suporte material de nossa histórico, porque coloca, de modo formal e atualização cultural na primeira metade do pioneiro, uma questão que se arrasta desde VpFXORSDVVDGR5HÀURPHDOLYURVFRPR O então e que poderia ser formulada, grosso Livro no Brasil , de Laurence Hallewell, José modo , da seguinte maneira: onde o Brasil é Olympio, o Descobridor de Escritores , de mais autêntico: no norte ou no sul? No norte, Antônio Carlos Villaça, Rua do Ouvidor 110. menos sujeito ao povoamento estrangeiro, ou Uma História da Livraria José Olympio , de no sul, onde ondas imigratórias sucessivas, Lucila Soares, e Brasilianas , José Olympio YLQGDVGD(XURSDGHSUHIHUrQFLDGHVÀJXUD - e a Gênese do Mercado Editorial Brasileiro , ram nossa identidade inicial? de Gustavo Sorá, onde são muitas e esparsas Franklin Távora (1963, p. 16) disse-o de as menções à atuação de Jorge Amado nos modo taxativo: bastidores da editoração. Uma outra tese bem espinhosa, matéria “As letras têm, como a política, um certo para muita tinta acadêmica, é a de que Gui- FDUiWHUJHRJUiÀFRPDLVQR1RUWHSRUpP marães Rosa nada tem a ver com o moder- do que no Sul abundam os elementos para QLVPRSDXOLVWDÁRUDomRFULDWLYDTXHSUHIHULD a formação de uma literatura propriamente “o Brasil através da erudição [e que] por isso EUDVLOHLUDÀOKDGDWHUUD jamais alcançou o povo”. Segundo o apresen- A razão é óbvia: o Norte ainda não foi in- tador da versão norte-americana do Grande vadido como está sendo o Sul de dia em dia Sertão: Veredas , o que teria prejudicado a pelo estrangeiro ”. inegável contribuição de Mário de Andrade foi sua extremada “bibliomania”, dito em ter- Claro que se trata de questão delicada, mos mais elegantes. faísca fácil para detonar ímpetos de xenofo- Como desdobramento não menos impor- bia, de separatismo, de purismo e de etnocen- tante desse prefácio, a forma manhosa de so- trismo, sobretudo em momentos de desacerto licitar a consultoria gratuita de Jorge Amado mais visível entre as partes. No entanto, não sobre os romancistas brasileiros aparece logo é isso – me parece – que está implícito na em seguida. Em novembro de 1962, depois apresentação que Jorge Amado faz ao ro- de prestar contas rápidas sobre o sucesso de mance clássico de Guimarães Rosa. Não é vendas de Gabriela, Cravo e Canela ( Ga- a reivindicação, com laivos seccionistas, de briela, Clove and Cinnamon ), Alfred Knopf um território mais autêntico que o outro. vai direto à questão: quais os autores brasi- O que de mais aliciante pulsa em sua leiros, entre José Américo de Almeida, Lúcio apresentação crítica é a objetividade enxuta Cardoso, Otávio de Faria, José Geraldo Viei- de quem gozava de intimidade com o ro- ra, Dalcídio Jurandir, Herberto Sales, James mance brasileiro, expressa em frases curtas, Amado, Josué Montello, Hernani Donato, pontuais e nem um pouco concessivas. São Adonias Filho e José Condé, que mereciam juízos críticos que revelam, de um lado, a ser traduzidos? Para não parecer tão impe- familiaridade com a tradição do ofício que tuoso, Alfred transfere o ônus da questão e HVFROKHUDHDFXOWXUDHVSHFtÀFDGRJrQHUR complementa: “ I hate to be a nuisance in this de outro, a militância crítica de quem tan- way, but you really have provoked this in- to se exercitara nas páginas do Boletim de quiry ” (2 de novembro de 1962. Box 339.5). Ariel (1931-39), durante a efervescência do Nessa troca crescente e bem personaliza- romance de 30, acompanhada muito de per- da de informações, palpites, conselhos e su- to, ou ainda a convivência íntima com o epi- gestões entre Jorge Amado e Alfred Knopf,

 5(9,67$863‡6®23$8/2‡1‡3‡6(7(0%522878%52129(0%52 Fundação Pierre Verger

Capoeira , de Pierre Verger (Salvador, 1946-48) encerrada somente um pouco antes de 1984, (Box 546.2/552.7); seus projetos narrativos ano da morte do editor, há tantos temas e em andamento (Box 533.13/527.8/543.21); assuntos que um artigo só não comporta. Se planos de viagem de Jorge e de Alfred (Box fosse elaborada uma exploração prolongada 519.1/524.7/527.8); dúvidas sobre o fisco deles, muito de nosso universo intelectual e norte-americano (Box 400.14); repercus- editorial se desvendaria, mais com base em são das edições (Box 536.8/541.4/543.2), fatos documentais do que em especulação, às fiascos editoriais (Box 548.1) ou versões vezes tendenciosa. Nessa messe grande são clandestinas e até mesmo pornográficas, poucos ainda os operários para tratar de ta- como no caso de Gabriela (Box 543.2). manha heterogeneidade temática de que não De forma direta ou indireta, essa massa custa oferecer lista modesta: questões e dispu- de cartas entre Jorge Amado e Alfred Knopf tas editoriais (Box 527.8/529.7/536.8/541.4); esclarece recantos escuros de nossa vida cul- direitos autorais para o cinema (Box 401.2/ tural, a maioria dos quais se deve à incúria 430.3/447.13/529.7/541.4/543.2), para o tea- generalizada de nossa memória industrial, tro (Box 529.7/536.8/539.1/546.2) e para a que ainda não abriu espaço institucional e televisão (Box 541.4); questões técnicas e técnico para sua preservação devida. Esta- OLQJXtVWLFDV %R[ RXÀ - mos ainda muito longe de conquistar uma nanceiras de tradução (Box 430.4); a indi- instituição como o Imec ( ,QVWLWXW0pPRL cação de Jorge Amado para o Prêmio No- UHVGHO¶(GLWLRQ&RQWHPSRUDLQH±ZZZ bel (Box 539.1) ou como professor visitante LPHFDUFKLYHVFRP IUDQFrV onde parte da University of Pennsylvania (Box 529.7); substancial da memória editorial daque- suas dificuldades com o visto americano OHSDtVHVWiFRQVHUYDGDGHPRGRHÀFLHQWH

5(9,67$863‡6®23$8/2‡1‡3‡6(7(0%522878%52129(0%52 119 jorge amado

Daí que não seja talvez inoportuno pelos direitos de Gabriel [sic], Clove and Cin- avançar mais um item nestas considerações namon ; veio a ser o primeiro romance latino- preliminares sobre a importância dessa cor- -americano a entrar nas listas americanas de respondência, mesmo que de forma apenas in- best-sellers e o primeiro a ser escolhido pelo dicativa: o teor de muitas dessas cartas quan- Book of the Month Club, o clube de livro norte- do enveredavam pelos impasses editoriais que -americano mais conhecido. Suas vendas che- Jorge enfrentava e para os quais eram oportu- JDUDPDPLOH[HPSODUHVHPÀQVGHµ nas e experientes as sugestões de seu amigo Alfred, uma espécie de assessor informal. Antes de Tenda , no entanto, um novo Depois de ter seus primeiros livros edi- impulso editorial já fora dado pela marota tados pela Schmidt, Jorge passou para a José Gabriela, em 1958. Mais erótica que utópi- Olympio e, depois, para a Editora Martins, de ca, Gabriela levantou a carreira de Jorge e 6mR3DXORFDVDHPTXHÀFRXSRUTXDVHWULQWD favoreceu nova trama que de há muito se anos. Foi com Tenda dos Milagres que se deu esboçava entre dois Alfredos: um Knopf essa mudança: editando-a pela Record, de americano e um Machado brasileiro. Entre Alfredo Machado, em 1969, Jorge deixava a os anos 50 e 60, portanto, não se dava ape- Martins, onde começara a publicar em 1941. nas uma reorientação temática e estilística É com bastante discrição e cautela que no romance de Jorge Amado – agora menos Lawrence Hallewell se refere a essa mu- avermelhado e menos indigesto do ponto de dança, na qual se incluía uma campanha vista ideológico –, mas criava-se atrás de si, publicitária estruturada e agressiva da par- de forma lenta e mais empresarial, um esque- te de Alfredo Machado, de agora em diante PDGHVXSRUWHGHSXEOLFLGDGHHGHÀQDQoDV um novo personagem a integrar este relato. mais ágil e moderno, capaz de valorizar seu Basta lembrar, por exemplo, que “ Tenda passe editorial. Com o desligamento de Jorge dos Milagres , em janeiro de 1969, tornou- Amado da Martins e sua transferência, em -se o primeiro romance brasileiro a alcan- seguida, para a Record, tudo indica que se çar a cifra de cem mil exemplares em sua abria uma nova era nas relações entre autor primeira edição”, assegura-nos Hallewell e editor neste país. As relações entre ambos (2005, p. 509). Bem antes disso, Gabriela já deixavam de ser domésticas para se tornarem À]HUDIXURUHPLQJOrVDWUDYpVGH Gabriela, PDLVHPSUHVDULDLVPDLVSURÀVVLRQDLV(LVVR Clove and Cinammon , editada pela Alfred pode ser localizado entre 50 e 60. Knopf, Inc., em 1962. Desse entusiasmo Através da leitura lenta e cronológica da não se pode descartar o pessoal de Alfred correspondência entre Jorge e Alfred, ainda que, em carta, confessa: “Desde que voltei não de todo examinada por esta pesquisa, é para casa, li Gabriela DWpRÀPFRPSUD]HU possível perceber algumas movimentações constante. Acho-o um livro maravilhoso e no sentido de como se dão as aproximações encantador. Vamos fazer o que for possível e os distanciamentos entre os corresponden- para assegurar-lhe, aqui, um tipo de venda e tes. Movimento de verdadeira ciranda sutil de recepção que acho que o livro merece” (16 – e legítima, diga-se logo! – de interesses. de março de 1962. Box 510.5). Entre avanços e recuos recíprocos, constrói- É, de novo, Hallewell (2005, p. 510) que VHOLQKDFODUDHQWUHRSURÀVVLRQDOHRSHV - contextualiza melhor: soal, o que não quer dizer, em absoluto, que as duas dimensões não se misturem, vez ou “Depois de The Violent Land (1945), [a] edito- outra, que uma não contamine a outra. Nas ra americana [de Jorge Amado] não publicou décadas de 60 e de 70, vai-se moldando um qualquer outra tradução até 1962, sem dúvida relacionamento entre o editor e o escritor no impedida pelo fator inibidor do macarthismo. qual as reservas individuais, sobretudo as de Depois disso, a Knopf agiu de maneira am- caráter cultural, vão-se atenuando. A exci- plamente compensadora: pagou US$ 300 000 tação de Alfred diante do convite para ser

5(9,67$863‡6®23$8/2‡1‡3‡6(7(0%522878%52129(0%52 padrinho de casamento de Paloma Amado permissão a Jorge para transcrever parte de não nos deixa duvidar dessas emoções em seu telegrama de pêsames pela morte precoce reelaboração. Ao pai da noiva, o editor con- de Blanche Knopf no Borzoi Quarterly, revis- fessa: “ We are much touched by Paloma’s ta de circulação interna na editora (carta de desire to have us as god-parents – compa- 21 de junho de 1966. Box 522.4), ou de vazar, dres? ” (28 de setembro de 1970. Box 529.7). em outras cartas, seus sentimentos íntimos a Na justaposição proposital das línguas, eis UHVSHLWRGHVHXVFRQWDWRVSURÀVVLRQDLVFRP um traço de confraternização que se estrei- o Brasil. Se, de um lado, Alfredo e Glória tava, materializando-a. Da parte de Jorge, a Machado lhe pareceram um casal formidável FRQÀDQoDQmRHUDPHQRU(QTXDQWRWUDEDOKD - (carta de 26 de março de 1968. Box 526.1), va em Tereza Batista RDXWRUFRQÀGHQFLD por outro Alfred revelou sua decepção com o comportamento de José de Barros Martins, ´(VSHURVHUFDSD]GHWUDoDUXPSHUÀOIHPLQL - WLGRSRUHOHFRPRSRXFRSURÀVVLRQDOGRSRQ - no, o terceiro, que se junte ao de Gabriela e de to de vista da comunicação empresarial. Da Dona Flor. [Tereza] será diferente das outras animosidade e do contraste entre Knopf e duas, cheia de coragem e, ao mesmo tempo, Martins, uma carta dá testemunho. De modo de sofrimento. Tereza se parecerá com elas duro e taxativo, Alfred comunica a Jorge que apenas em termos de loucura pela vida e pelo acabara de receber os exemplares de Tereza amor” (16 de junho de 1972. Box 533.13). Batista : “Chegaram-me pelo correio aéreo através do nosso inestimável amigo Macha- Pouco antes, no entanto, é possível de- do e não através do, nem preciso lhe dizer, tectar uma das primeiras manifestações de inefável Martins” (19 de dezembro de 1972. contrariedade de Alfred Knopf em relação a Box 533.13 – grifo meu). Na escolha do ad- José de Barros Martins, o editor paulista de jetivo erudito ( ineffable ), de uso raro em in- Jorge Amado. Em carta de julho de 1966, glês, restam a marca do ânimo adverso e a depois de mostrar-se satisfeito com as ilustra- da reorganização das forças e das estratégias, ções brasileiras para Dona Flor , achando-as que só se acentua com o decorrer dos anos. “amusing and provocative ”, Alfred reclama * * * GRHGLWRUEUDVLOHLURDÀUPDQGRTXHHOHVRIUH Nascido em 1892, Alfred Knopf faleceu de “ graphophobie ” (19 de julho de 1966. Box em 1984, com 91 anos. 519.1). A partir desse momento, crescem o Em agosto de 2011 falecia Jorge Amado, volume e a intensidade das reclamaçõe, no dias antes de arredondar seus 89 anos, pois plano empresarial. Num outro conjunto de que nascera em 1912. cartas, datadas de 1969 e dirigidas a James Alfredo Machado, por sua vez, faleceu Amado, irmão de Jorge, Alfred reclamava do em 1991, aos 68 anos. Sua inserção posterior FRPSRUWDPHQWRPXLWRSRXFRSURÀVVLRQDOGR nesse trajeto editorial que abarca um editor editor brasileiro, argumentando que ele não norte-americano de ponta e um escritor bra- respondia cartas, não cumpria o que prome- sileiro de prestígio não faz senão revigorar tia e não lhe enviara os dois exemplares ne- uma aliança que se construíra no estrangeiro cessários de Dona Flor para que se obtives- e para a qual faltava a contrapartida editorial se o copyright da tradução nos EUA (cartas brasileira. Mesmo que ainda faltem estudos de 19 e 30 de setembro, 20 e 31 de outubro, detalhados sobre a expansão das atividades de 5 e 14 de novembro de 1969. Box 527.8). Alfredo Machado no setor editorial deste país, Aos poucos, o tom vai-se azedando e as alguns depoimentos dispersos já podem ser objeções do editor norte-americano ao colega recuperados nesse sentido. Em um deles, por brasileiro vão-se ampliando, em jogo claro de exemplo, Paulo Rocco (apud Freitas, 2001) faz LQWLPLGDGHSURÀVVLRQDOSHUPLWLGDSHODDSUR - observação importante: “Alfredo foi precursor ximação pessoal, que crescia a olhos vistos. no relacionamento com agentes internacio- Uma aproximação que levou Alfred a pedir nais. Antes dele, a cessão de direitos ao Bra-

5(9,67$863‡6®23$8/2‡1‡3‡6(7(0%522878%52129(0%52 121 jorge amado

sil quase sempre passava por Portugal […]”. Do cruzamento dessas três vidas, cada Ivan Pinheiro Machado, da L&PM gaú- XPDGHODVPRGHODGDHPDPELHQWHVSURÀV - cha, valoriza Alfredo Machado por outro sionais diferentes, emergem alterações de ÁDQFRHQmRUHFHLDHQIUHQWDURSUHFRQFHLWR perspectivas que interessam diretamente à muito cultivado nos campi : cultura literária e editorial deste país. Numa carta de Alfredo Machado para Alfred “Um dos fundadores da L&PM Editores, cria- .QRSIHVVDPXGDQoDUXPRjSURÀVVLRQDOL - da em 1974, Ivan Pinheiro Machado (nenhum zação editorial acentuada aparece com frase parentesco com Alfredo) lembra a genero- cortante: “[ …] publishing in Brazil used to sidade do colega mais experiente, que cos- be a gentleman’s profession, and now it is tumava ciceronear os iniciantes na Feira de suddenly becoming a professional’s profes- Frankfurt, maior evento editorial do mundo: sion ” (2 de setembro de 1980. Box 551.4). – Editores como Alfredo (Machado) e Ênio Não é de duvidar, portanto, que uma pes- (Silveira) abriram as portas do mercado in- quisa mais demorada nos papéis de Alfred ternacional para o Brasil. Além disso, Alfre- Knopf estenda ainda mais o nosso conheci- GRWHYHXPDLQÁXrQFLDJUDQGHQDIRUPDomR mento sobre Jorge Amado, sobre sua atua- do mercado nacional. Falando sem precon- ção cultural e sobre nossa expansão edito- ceitos, é o best-seller que cria o mercado, rial. Uma atuação que continuará ignorada se SRUTXHPDQWpPRÁX[RGHFDL[DHGHJHQWH continuarmos limitados à avaliação apenas nas livrarias – avalia Ivan” (Freitas, 2001). estética e ideológica.

BIBLIOGRAFIA

AM ADO, João Jorge (org.). Toda a Saudade do Mundo. A Correspondência de Jorge Amado e Zélia Gattai . São Paulo, Companhia das Letras, 2012. AMADO, Jorge. Gabriela, Cravo e Canela . São Paulo, Martins, 1958. . Navegação de Cabotagem . 6a ed. Rio de Janeiro, Record, 2006. FR EITAS, Guilherme. “Morto Há 20 Anos, Alfredo Machado Mudou o Mercado Editorial Brasileiro com a Record”, in O Globo, Caderno Prosa e Verso, 2001, p. 6. Disponível em: http://www.aar%sa.com.br/noticias2/19021153.html. GATTAI, Zélia. Senhora Dona do Baile . São Paulo, Companhia das Letras, 2009. HA LLEWELL, Lawrence. O Livro no Brasil: Sua História . Trad. de Maria da Penha Villalobos, Lólio Lourenço de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza. 2 a ed. rev. e ampl. São Paulo, Edusp, 2005. MA RTINS, Eduardo Vieira. “Franklin Távora, o Romance e o Norte”. Disponível em: http://www.'ch.usp.br/dlcv/lport/pdf/slt28/05.pdf. PA ES, José Paulo. De “Cacau” a “Gabriela”: um Percurso Pastoral . Salvador, Fundação Casa de Jorge Amado, 1991. RO STAGNO, Irene. Searching for Recognition. The Promotion of Latin American Literature in the United States . Westport, Conn., Greenwood Press, 1997. TÁVORA, F. O Cabeleira . 3a ed. São Paulo, Melhoramentos, 1963. TE BBEL, John. A History of Book Publishing in the United States. 4 vols. New York, R. R. Bowker Co, 1972 a 1978. . Between Covers. The Rise and Transformation of Book Publishing in America . Oxford, Oxford University Press, 1987. . The Magazine in America 1741-1990 . Oxford, Oxford University Press, 1991.

5(9,67$863‡6®23$8/2‡1‡3‡6(7(0%522878%52129(0%52