Migração E Identidade Étnica Pomerana No Espírito Santo 106
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Caderno de Anais MIGRAÇÃO E IDENTIDADE ÉTNICA POMERANA NO ESPÍRITO SANTO 106 Helmar Spamer1 Resumo: Este trabalho está vinculado ao Laboratório de Estudos do Movimento Migratório (LEMM) da Universidade Federal do Espírito Santo. Nossos objetivos principais foram analisar os fluxos migratórios do povo pomerano dentro do estado do Espírito Santo; apontar e discutir os demarcadores étnicos deste povo neste estado, com ênfase no idioma; analisar as relações interétnicas com os demais povos para discutir a construção e representação da identidade pomerana. O objeto de estudo foi uma comunidade pomerana localizada em Laginha, distrito do munícipio de Pancas, à noroeste do estado. O trabalho se desenvolveu com o uso de documentos oficiais, pessoais, registros religiosos, fotografias. Além da história oral com realização de entrevistas. A partir dessas entrevistas foram levantas e discutidas algumas questões centrais: em contraponto ao discurso de comunidades isoladas, percebemos a intensa movimentação dos pomeranos no território capixaba e suas interações nas localidades, estabelecendo redes, principalmente de comércio; identificamos e discutimos o conflito de gerações evidenciado na questão do idioma que vem se perdendo no decorrer do tempo, além de outras tradições; e a relação dos pomeranos para com o “outro” no que tange o processo de construção de sua identidade. Palavras-chave: migração, pomeranos, Espírito Santo, identidade étnica. Introdução A história do estado do Espírito Santo é marcada pela imigração europeia. Desde meados do século XIX o estado passou a receber levas de imigrantes, dentre os quais se encontravam os pomeranos. Eram oriundos da antiga região da Pomerânia que, após Segunda Guerra Mundial, deixou de existir no mapa europeu. Os pomeranos são o segundo maior contingente de imigrantes que se estabeleceram em terras capixabas, ficando atrás apenas dos italianos. Os pomeranos foram verdadeiros desbravadores, estabelecendo-se inicialmente na região das montanhas e, posteriormente, no final do século XIX e início do século XX, migraram também para o Norte do estado, em direção ao Vale do Rio Doce. Nosso objeto de pesquisa foi uma comunidade pomerana localizada no Município de Pancas, especificamente no distrito de Laginha. A partir do assentamento inicial de imigrantes na região montanhosa central do Espírito Santo e da migração interna até a segunda metade do século XX, majoritariamente em direção ao norte do estado, em maior ou menor proporção, os colonos germânicos marcaram presença nos atuais municípios capixabas de: Domingos Martins, Marechal Floriano, Santa Leopoldina, Santa Maria de Jetibá, Santa Teresa, Afonso Cláudio, Laranja da Terra, Brejetuba, Baixo Guandu, Itarana, Itaguaçu, Colatina, Pancas, São Gabriel da Palha, Águia Branca, Vila Valério, Vila Pavão, Vitória, Vila Velha e Serra (KILL, 1998). Pancas é um município localizado ao noroeste do estado do Espírito Santo. Faz divisa com os municípios de Baixo Guandu, Colatina, São Domingos do Norte, Águia Branca e Alto Rio Novo e, também, com o estado de Minas Gerais. Possui uma área de 825 quilômetros quadrados e está a uma distância de 190 quilômetros da capital do estado, Vitória. Atualmente, o município de Pancas tem dois distritos: Vila Verde e Laginha. Até a década de 1920 a região de Pancas era majoritariamente habitada por indígenas conhecidos como 1 Mestrando em Sustentabilidade junto a Povos e Terras Tradicionais na Universidade de Brasília (UnB). Graduado em História pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Pesquisador voluntário vinculado ao Laboratório de Estudos do Movimento Migratório (LEMM) da UFES. Coordenador Cultural da Associação Pomerana de Pancas (APOP). Caderno de Anais Botocudos. A partir de então, vieram os primeiros imigrantes colonizadores provenientes da região 107 de Minas Gerais, não só pomeranos, mas também de outras etnias, negros principalmente. A migração para norte do estado ganhou intensidade a partir da conclusão da Ponte Florentino Avidos, sobre o Rio Doce, em Colatina, no ano de 1928 (RETZ, 2005). Durante a colonização dessa região os pomeranos se destinaram, em sua maioria, a ocupar a parte que hoje corresponde ao distrito de Laginha. No ano de 2013 a estimativa populacional do município de Pancas era de 23.125 habitantes, sendo 60% de descendentes pomeranos. A maior parte destes vive em pequenas propriedades rurais baseada na agricultura familiar. Sua maior fonte de renda provém da produção do café. Vale salientar que muitos descendentes pomeranos emigraram da zona rural e atualmente residem na vila de Laginha. Estes sobrevivem do comércio – mercearias, bares – ou ainda mantém laços com a produção rural, trabalhando na lavoura e morando na cidade. Objetivos e metodologias Esta pesquisa partiu de três objetivos principais: apontar e descrever os principais fatores que promoveram a migração pomerana no estado do Espírito Santo para identificar os fluxos migratórios e a consequente ocupação do território capixaba; analisar a dinâmica de interação e contado dos pomeranos com o “outro” – o não pomerano – para entender o estabelecimento de redes de convivência e sua relação na construção da identidade pomerana local; perceber como o indivíduo pomerano lida com as transformações culturais no decorrer do tempo para entender como o mesmo se identifica e se posiciona como tal através do uso da língua. O trabalho se desenvolveu com o uso de documentos oficiais, pessoais, registros religiosos, fotografias. Além da história oral com realização de entrevistas. Inicialmente, uma bibliografia sobre o tema foi selecionada e lida. Para um suporte teórico metodológico buscamos trabalhar temáticas inerentes à pesquisa: imigração, identidades, território, cultura, história oral. Munidos dessas leituras conceituais partimos a campo. Os documentos oficiais e registros religiosos como certidões de batismo, casamentos, fundação de comunidades religiosas, foram de suma importância para identificar os fluxos migratórios e a trajetória dos pomeranos nas terras capixabas. A religiosidade se faz presente no cotidiano pomerano e a construção de igrejas (Luteranas) se consiste num indicativo importante da presença deste povo. O deslocamento de gerações de famílias migrantes pode ser claramente mapeado dessa forma. Assim como a análise das fotografias que registram marcos importantes nas vivências dessas famílias: nascimentos, confirmação2, casamentos, velórios. Além disso, registros icnográficos também nos permitiram analisar as transformações no modo de viver desses indivíduos no decorrer de sua história. Outro recurso metodológico foi a história oral. Realizamos três entrevistas na comunidade com o método da “história de vida”. Selecionamos três mulheres que moram na comunidade de Laginha e que tinham 2 Confirmação: prática das Igrejas Luteranas, tanto da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) quanto da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB). Em comparação com a Igreja Católica Apostólica Romana, corresponde à Crisma. Após dois ou três anos de estudos da doutrina de Martin Lutero, os adolescentes (normalmente entre seus 13 a 15 anos), passam pela cerimônia de Confirmação. Para os pomeranos, a Confirmação corresponde à entrada dos jovens na vida adulta, no sentido de que não são mais crianças e que agora tem responsabilidades. A partir de então que os namoros são liberados, a ida aos bailes e festas sem a presença dos pais, ou seja, adquirem mais liberdade. Caderno de Anais passado pela experiência migratória com suas famílias, ou seja, nasceram em outro município 108 e mudaram para Laginha quando crianças. O modelo de entrevista conhecido como “história de vida” parte de um roteiro de perguntas semiaberto e pressupõe que o entrevistado vá contar sua trajetória a partir das indagações feitas pelo pesquisador. Nesse sentido, as perguntas foram formuladas previamente no intuito de conduzir a entrevista a satisfazer os objetivos da pesquisa. No entanto, não se trata de um formulário fechado, apenas um roteiro para orientação sujeito a variações. Escolhemos mulheres para as entrevistas pois estas exercem papel fundamental na educação de seus filhos. A transmissão de saberes e tradições na cultura pomerana perpassa essencialmente pela figura da mãe no ceio familiar. A mulher é a possuidora de saberes fundamentais na educação dos pomeranos, é ela que resguarda a identidade étnica e social do grupo e é a responsável pela transmissão do idioma, a guardiã dos objetos da tradição familiar e da memória dos tempos da imigração e conhecedora dos saberes tradicionais (BAHIA, 2011). Por meio das entrevistas analisamos as transformações culturais no modo de viver das famílias. Nesse processo, focamos na questão do idioma, citado muitas vezes nas entrevistas como principal demarcador identitário desse povo. No decorrer da pesquisa no deparamos com algumas observações e fomos confrontados a absorver questões não previstas. Diante disso, o foco da pesquisa sofreu algumas alterações desde a sua proposta inicial. Esclarecemos que nem todas as questões foram abordadas e que outras surgiram no caminho. Apontaremos alguns dos resultados e ressaltamos que alguns aspectos receberam maior destaque do que outros. O “outro” É a partir da relação com o outro, da relação com aquilo que não é, com aquilo que falta, que se estabelece a identidade (HALL, 2007). As transformações culturais ocorrem a partir dessas interações, do contato e a troca. Modos, hábitos, costumes, tradições vão se modificando e se adaptando às novas vivências. São