1 Revista Pluritas, V. 1, N. 1, 2016. Issn 2447 – 990X
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REVISTA PLURITAS, V. 1, N. 1, 2016. 1 ISSN 2447 – 990X 50 ANOS DO FIM DAS DISPUTAS DE FRONTEIRAS ENTRE MINAS GERAIS E ESPÍRITO SANTO NA ZONA CONTESTADA: REPERCUSSÕES SOCIOECONÔMICAS E POLÍTICO-TERRITORIAIS Helcio Ribeiro Campos Dr. em Geográfica Humana pela USP e professor do IF Sudeste MG. [email protected] RESUMO O artigo versa sobre as repercussões socioeconômicas e político-territoriais oriundas de uma indefinição de fronteiras e, logo, de poder entre Minas Gerais e Espírito Santo, na chamada Região Contestada. Durante a contenda, cresce a migração (de posseiros, camponeses, delinquentes, líderes religiosos etc.) motivada pela expansão da fronteira agrícola cafeeira. Os conflitos e a concentração de terras marcam a região, sendo capazes de afetar os indicadores socioeconômicos, de suscitar a insegurança e a violência, de concentrar a renda, de afetar o nível médio de escolarização dos munícipes, enfim, capaz de impor dificuldades para o desenvolvimento regional. O presente artigo foi dividido em duas seções: 1ª) apresentação metodológica, seguida de uma discussão acerca da ideia de fronteira, além de um breve histórico da contenda em tela; 2ª) análise das repercussões socioeconômicas e político- territoriais do conflito. Palavras-chave: Contestado, indicadores socioeconômicos, fronteira Minas Gerais-Espírito Santo, conflitos de terras. 50TH ANNIVERSARY OF THE END OF BORDER DISPUTES BETWEEN MINAS GERAIS AND ESPÍRITO SANTO IN ZONA CONTESTADA: SOCIOECONOMIC AND POLITICAL-TERRITORIAL REPERCUSSIONS ABSTRACT The article deals with the territorial-political and socio-economic impacts arising from a blurring of boundaries and thus of power between Minas Gerais and Espírito Santo, the so called Região Contestada. During the feud, migration grows (squatters, farmers, criminals, religious leaders etc.) driven by the expansion of coffee farming frontier. The concentration of land and conflicts mark the area, being able to affect the socioeconomic indicators, to raise the insecurity and violence, to concentrate income, to affect the average level of education of the citizens, ultimately, able to impose difficulties for regional development. This article is divided into two sections: 1st) methodological presentation followed by a discussion about the idea of the border as well as a brief history of the strife; 2nd) analysis of socioeconomic and political-territorial impact of the conflict. Keywords: Contestado, socioeconomic indicators, Espírito Santo-Minas Gerais border, land conflicts. REVISTA PLURITAS, V. 1, N. 1, 2016. 2 ISSN 2447 – 990X 1. INTRODUÇÃO O objeto de análise deste trabalho é indicar e analisar os corolários socioeconômicos e político-territoriais no transcurso de pouco mais de 50 anos do final do conflito sobre a formação das fronteiras no oeste do Espírito Santo (ES) e no leste de Minas Gerais (MG), região da Serra dos Aimorés (chamada, à época, de Zona ou Região Contestada ou Contestado). O conflito entre esses estados brasileiros foi solucionado após várias décadas e episódios, apenas em 1963-1964. Os municípios componentes da Zona Contestada1, em 1960, estão abaixo listados, abrangendo cerca de 10 mil km². Alguns dos distritos foram emancipados (ver Quadro 2). Quadro 1 - Municípios e Distritos que compunham a Zona do Contestado em 1960 Município Distrito Água Doce do Mantena, Barra do Ariranha, Itabirinha, Santo Agostinho de Mantena-MG Minas e São João do Manteninha Mendes Pimentel-MG Central de Minas Ataléia-MG (parte) Distrito sede (todo), Ouro Verde de Minas (todo) e Fidelândia (parte) Nanuque-MG (parte) Distrito sede (parte) e Alto Itaúna (todo) Barra de São Francisco-ES Água Doce, Gabriel Emílio, Paulista, Poranga e Santo Agostinho Ecoporanga-ES Cotaxé, Joaçuba, Joeirana e Novo Horizonte Colatina-ES (parte) Alto Rio Novo (todo) e parte de Águia Branca, Lajinha e Pancas Mucurici-ES (parte) Distrito sede (todo) e Montanha (parte, inclusive a Vila) Nova Venécia-ES (parte) Parte de Guararema e de Córrego Grande (inclusive a Vila) Fonte: elaborado a partir de IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) – Censo 1960, p. VI e VII. 1 Para a confecção do mapa, considerei os municípios que se localizavam totalmente no Contestado e aqueles que tiveram distritos emancipados, mas que também aí se localizavam, (Água Doce do Norte, Alto Rio Novo, Pancas, Montanha, Itabirinha, São João do Manteninha e Ouro Verde de Minas). Por isso, os municípios de Colatina e Nanuque não foram incluídos no mapa, mas com pouco prejuízo, sobretudo em relação à Colatina, cuja área no Contestado está representada através de seus dois ex-distritos, Pancas e Alto Rio Novo. REVISTA PLURITAS, V. 1, N. 1, 2016. 3 ISSN 2447 – 990X Mapas 1 e 2 - Localização geográfica da Região Contestada Fonte: elaborado pelo autor, 2015. No transcurso desses 50 anos, a contenda deixou marcas territoriais, políticas e socioeconômicas, as quais serão focadas neste estudo. A indefinição dos limites entre os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, ao longo de séculos, permitiu uma ocupação conflituosa da Zona Contestada. Além das dificuldades de delimitação, a região foi alvo da presença de posseiros e da criação de um efêmero Estado de cunho religioso. Por isso, houve um resgate geográfico e histórico dessa questão. A questão do Contestado desenvolveu-se a partir da ocupação da região da Serra dos Aimorés, inicialmente de baixa ocupação demográfica e econômica, relacionada com um vazio de poder dos estados litigantes, abrindo espaço para uma escalada de violência e para a luta pela posse de terras, articulada a uma atração de migrantes com perfil fora da lei. Além disso, provocou a ascensão de líderes religiosos e camponeses (PONTES, 2007; CAMPOS, 2013). O presente artigo foi dividido em duas seções: a primeira, com a apresentação dos passos metodológicos seguidos, além de uma discussão acerca da ideia de fronteira, além de um breve histórico da contenda em tela2; a segunda parte do texto versa sobre as repercussões socioeconômicas e político-territoriais do conflito. 2 Para mais detalhes, consultar os trabalhos de Campos (2013), Espíndola (2008), Oliveira (2008), Pontes (2007) e Silveira (sem data). REVISTA PLURITAS, V. 1, N. 1, 2016. 4 ISSN 2447 – 990X 2. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO A consecução deste artigo foi alcançada mediante os trabalhos de revisão bibliográfica, de pesquisa documental e de dados de organismos de pesquisa. Os dados daí oriundos serviram de análise para a questão fronteiriça e de suas repercussões regionais. O referencial teórico acerca da ideia de fronteiras e limites foi apoiado em Raffestin (1993), para quem os limites não são arbitrários e passam a servir a um determinado projeto social, e em Nogueira (2013), ao afirmar que o conceito de fronteira, associado ao tema da formação territorial pode ser entendido como a dimensão espacial que o exercício de um poder sobre determinada porção da superfície terrestre revela, não derivando de características morfológicas distintivas existentes nos lugares, sejam elas de origem natural ou histórica. Nesse caso, a discussão sobre a fronteira pode ser feita associando-a com as noções de território, territorialidade e soberania. Diante dessa realidade, os corolários do Contestado repercutem suas origens, os quais representam o foco central deste trabalho. As principais repercussões político-territoriais e socioeconômicas presentes na ex-Serra dos Aimorés são: 1) Alguns de seus municípios estão entre os mais violentos no ranking brasileiro, segundo estudo empenhado por Waiselfisz (2008) com apoio dos ministérios brasileiros da Saúde e da Justiça. A questão da violência também assola a região quando o assunto são os conflitos no campo. Para chegar a tal conclusão, empreendi uma busca nos 28 relatórios anuais acerca de tal temática emitidos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) de 1985 até 2012. Dentre os conflitos, estão assassinatos, ameaças de morte, invasões de terras seguidas de embates com latifundiários e seus agentes (como os jagunços, por exemplo). 2) A precariedade das políticas públicas, oriundas desde o tempo da contenda entre Minas Gerais e Espírito Santo, que podem ser depreendidas e seccionadas em duas vertentes: i) indicadores socioeconômicos ruins: todos os municípios da antiga região conflituosa apresentam IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano – Municipal) baixo ou muito baixo, sendo que o extremo negativo ocorreu no Censo de 1991 (IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1991), quando todos eles estavam no nível “muito baixo”, com resultados equivalendo aos países mais pobres do mundo. Para o endosso desses dados, utilizo as informações do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), contidas no Atlas Brasil, e do IBGE. REVISTA PLURITAS, V. 1, N. 1, 2016. 5 ISSN 2447 – 990X ii) dificuldades financeiras: elas são decorrentes da derrocada da produção do café na região (BROGGIO; DROULERS; GRANDJEAN, 1999) impulsionada pela abertura de novos espaços de produção em novas fronteiras agrícolas abertas no norte do Espírito Santo, norte e Triângulo de Minas Gerais, principalmente, dentre outros fatores. Como decorrência, os conflitos no campo estão em alta e afetam gravemente tais regiões dos fronts, que representam ainda novos espaços de migrações. As dificuldades financeiras também incidem sobre os jovens municípios criados a partir de desmembramentos (ex: Ponto Belo, 1997). Eles são, em geral, compostos por modestos núcleos urbanos que contam com precária infraestrutura. O equipamento urbano insuficiente é socorrido pelas