Quick viewing(Text Mode)

Pontifícia Universidade Católica De São Paulo PUC-SP André

Pontifícia Universidade Católica De São Paulo PUC-SP André

1

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

André Nogueira Gropo

CONTAMINAÇÕES NA NARRATIVA CÔMICA: ESTUDOS A PARTIR DA SÉRIE TELEVISIVA “

Mestrado em Comunicação e Semiótica

São Paulo 2019

2

André Nogueira Gropo

CONTAMINAÇÕES NA NARRATIVA CÔMICA: ESTUDOS A PARTIR DA SÉRIE TELEVISIVA “COMMUNITY”

Mestrado em Comunicação e Semiótica

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação e Semiótica, área de concentração Signo e Significação nos processos comunicacionais, sob orientação da Profª. Drª. Christine Pires Nelson de Mello.

São Paulo 2019

3

André Nogueira Gropo

CONTAMINAÇÕES NA NARRATIVA CÔMICA: ESTUDOS A PARTIR DA SÉRIE TELEVISIVA “COMMUNITY”

Mestrado em Comunicação e Semiótica

Dissertação aprovada como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação e Semiótica, área de concentração Signo e Significação nos processos comunicacionais, sob orientação da Profª. Drª. Christine Pires Nelson de Mello.

Defesa em: ___/___/___

Banca Examinadora

4

Dedicatória

Para Jussara, Roberto e Pedro. Para todos aqueles que ousaram um dia fazer rir, que este trabalho lhes dê: possibilidades de autorreflexão, argumentos para se defender e disposição para continuar fazendo.

5

Agradecimentos

Agradeço, primeiramente, à minha família. Minha mãe por toda ajuda, meu pai por todo apoio e meu irmão por ser uma referência profissional.

Ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica e à PUC - SP, por todo o conhecimento disponibilizado.

À Profª. Drª. Christine Mello, por toda a paciência e orientação neste longo percurso.

Aos membros da Banca, pela rapidez e disponibilidade de aceitarem participar desta defesa, mesmo não sendo em condições ideais de tempo.

À assistente de coordenação Cida Bueno, por ser a pessoa que mais se esforçou para que essa Banca acontecesse.

À Vera Bonilha, cuja eficácia foi essencial para a conclusão deste trabalho.

Ao Cauê Shimoda, pelos encontros e embates criativos que mantiveram o interesse pelo assunto sempre em dia.

Aos amigos da comédia Fabão e Cláudio Silva, pelas reuniões e piadas, que continuemos a nos elevar como comediantes.

Agradeço ao fato de que a página de ‘Agradecimentos’ conta como mais uma folha.

E especialmente a todos aqueles que já riram de mim, de propósito ou não.

6

O cômico nascerá, aparentemente, quando os homens, reunidos em grupo, voltarem a sua atenção sobre um deles, calando sua sensibilidade e exercendo apenas sua inteligência. (BERGSON, 2001, p. 40).

7

GROPO, André Nogueira. Contaminações na narrativa cômica: estudos a partir da série televisiva “Community”.

RESUMO

Community é uma série de televisão norte-americana, criada por , veiculada nos EUA no período de 2009 a 2015, com a intenção de mostrar como a “comunidade” foi importante para a formação e a realização de um indivíduo, na sociedade americana no pós-crise de 2008. O objetivo geral desse trabalho é analisar como a série Community (2009-2015), encontrou comicidade, mesmo em um contexto saturado como o das sitcoms, na utilização de elementos não convencionais para narrativas seriadas e compreender de que maneira o uso de tais gêneros como a animação, o videogame e o documentário foi contaminado pela trama. Para a realização deste estudo foram selecionados três episódios, identificando os gêneros envolvidos dentro da lógica cômica da série. Para isso, partir-se-á dos princípios básicos da criação de efeitos cômicos e se pautará na bibliografia para justificar a escolha desses “novos elementos” como uma maneira de se encontrar uma comédia original. Como referencial teórico para análise, foram estabelecidos diálogos principalmente com Vladimir Propp e Henri Bergson, em seus estudos na teoria do Humor; com Verena Alberti em suas reflexões acerca do pensamento filosófico que envolve o ato de rir; com o processo de contaminação, descrito por Christine Mello; e com a análise de conteúdo, proposta por Bardin. As análises evidenciam que as contaminações entre os gêneros sustentam a comicidade em Community, fazendo da série um sucesso entre os espectadores, ao inovar a abordagem para contar uma história, ao suprir a exigente demanda de um público com cada vez mais dificuldade de ser surpreendido pelo audiovisual contemporâneo e poder, assim, criar um discurso cômico. A complexidade narrativa de Community faz dela uma série muito singular, o modo como se busca o efeito cômico além das limitações impostas pelo gênero da sitcom na televisão é muito particular e original.

Palavras-chave: Comédia. Narrativa seriada. Sitcom. Community. Extremidades. Televisão

8

GROPO, André Nogueira. Contaminations in Comic Narrative: studies starting by the television series “Community”.

ABSTRACT

Community is a north American television series, created by Dan Harmon, that aired in the US between 2009 to 2015, its intention was to show how important is the “community” to the formation and realization of an individual, in the American society in the post 2008 crisis era. The general objective of this paper is to analyze how the series Community (2009-2015), found comedy, even in a saturated context as sitcoms, by utilizing unconventional elements to serial narrative and understand how using such genres as animation, video game and documentary was contaminated by the plot. To the realization of this study three episodes were selected, identifying the genres involved within the comic logic of the series. To do that, it will start of the basic principles of comic effect creation and will interline in the bibliography to justify the selection of these “new elements” as a way to find an original comedy. As a theorical referential to the analysis, were build dialogues mainly with Vladimir Propp and Henri Bergson, in their studies in Humor theory, with Verena Alberti in her reflections about the philosophical thought that surrounds laughter, with the contamination process, described by Christine Mello, and with the content analysis suggested by Bardin. The analyzes point that the contamination between genres provide comedy in Community, making the show a success among viewers, by innovating the approach of telling a story, by feeding a demanding audience with increasing difficulty to be surprised by contemporary audiovisual and being able, therefore, to create a comic speech. The narrative complexity of Community makes it a singular series, the way it searches for the comic effect beyond the limitations imposed by the sitcom genre in television is very specific and original.

Keywords: Comedy. Serial Narrative. Sitcom. Community. Extremities. Television

9

.

10

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: O dono da loja, personagem principal de Pinwright’s Progress ...... 31 Figura 2: Cena emblemática da série - I Love Lucy...... 32 Figura 3: As primeiras sitcoms animadas de Hanna-Barbera ...... 33 Figura 4: Comparação das séries The Munsters e The Addams Family...... 34 Figura 5: Cena de Mash, com seus principais personagens ...... 34 Figura 6 - Cena no bar de Cheers ...... 35 Figura 7 - O escritório com personagens principais da série The Office...... 37 Figura 8 - Personagens principais da série The Middle...... 40 Figura 9 - Representação de algumas das personalidades de Tara...... 41 Figura 10 - Os sete personagens em cena de Community ...... 47 Figura 11 – Personagens principais Abed e Annie...... 48 Figura 12 – Personagens principais Britta e Jeff...... 49 Figura 13 – Personagens principais Pierce, Shirley e Troy...... 50 Figura 14 – Personagens secundários...... 51 Figura 15 - Cena em que Jeff fica nu, para jogar sinuca...... 54 Figura 16 – Os personagens como bonecos...... 60 Figura 17 – Abed canta no início do episódio...... 61 Figura 18 – Personalidades natalinas...... 62 Figura 19 – Personagens indo de trem para o Polo Norte...... 63 Figura 20 – Troy e Annie, vendo a Montanha Menorah e Baía das Testemunhas de Jeová...... 65 Figura 21 – Sequência de Teleporte de Duncan e Troy ...... 66 Figura 22 – Atores refletidos na miniatura da televisão ...... 68 Figura 23 - Corredor da escola coberto de penas ...... 70 Figura 24 - Annie cuidando de pacientes e Britta fotografando feridos...... 71 Figura 25 – Jeff em pose séria, como um drama de guerra...... 72 Figura 26 - Foto rasgada de Troy e Abed...... 73 Figura 27 - Depoimento de Shirley ...... 74 Figura 28 - Tela Inicial do jogo criado pelo pai de Pierce...... 75 Figura 29 - Shirley e Annie na casa do Ferreiro ...... 76 Figura 30 - Troy e Pierce dentro do bar ...... 77

11

Figura 31 - Annie carrega o corpo do Ferreiro ...... 78 Figura 32 - Shirley e Annie retornam, enquanto a casa do ferreiro pega fogo...... 80 Figura 33 - Personagens que dão nome à série: Rick e Morty...... 84

12

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 13

1 O RISO E O DISCURSO CÔMICO ...... 18 1.1 Processos comunicativos ...... 25

2 SITCOMS E O CONTEXTO DE COMMUNITY ...... 29 2.1 As sitcoms ...... 29 2.2 Aspectos culturais, sociais e econômicos relacionados às séries de TV norte-americana pós crise de 2008 ...... 38 2.3 Community ...... 42 2.3.1 Ambientação ...... 46 2.3.2 Personagens principais ...... 47 2.3.3 Construção da narrativa ...... 52

3 A NARRATIVA CÔMICA EM TRÊS EPISÓDIOS DE COMMUNITY ...... 56 3.1 Análises para os indícios em episódios anteriores ...... 58 3.2 Análise do episódio - Abed’s Uncontrollable Christmas...... 59 3.3 Análise do episódio - ...... 69 3.4 Análise do episódio - Digital State Planning ...... 75

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 82

REFERÊNCIAS ...... 85

13

INTRODUÇÃO

Diante de um contexto socioeconômico de globalização e crise financeira nos EUA em meados de 2008, o cenário televisivo se voltou para a classe média e a representação de um “sonho americano” corrompido. Foi assim que os programas da televisão estadunidense reagiram à crise financeira de então. Se por um lado, como em toda crise, o país passava por um período de grande tensão econômica que se refletia nas relações entre as pessoas e na segurança delas; em contrapartida, a criação de programas do gênero cômico se proliferava. Com isso, os sitcoms 1 do período tomaram para si a tarefa de se apresentar como uma forma de discutir a situação e as dificuldades vividas no momento, de maneira representativa, ou seja o humor, ou a televisão em geral, procurando responder a situações difíceis. Durante muito tempo, Arlindo Machado (2005) foi um autor solitário na academia brasileira, ao tratar a televisão e o que nela era produzido com a mesma seriedade que se tratava o cinema. Seus livros, O sujeito na tela e Televisão levada a sério, ainda são referências para qualquer base teórica televisiva. Porém, desde o advento da Netflix (provedora global de filmes e séries da televisão via streaming, fundada em 1997, nos EUA), o estudo da narrativa seriada vem despertando grande interesse na comunicação, concomitantemente ao fenômeno social “maratonar” – gíria usada para o comportamento de assistir a todos os episódios de uma determinada série em uma só “sessão”, na própria casa, sozinho, ou com amigos, ou no computador –, enfim um comportamento típico do mundo contemporâneo: consumir rapidamente o máximo possível. Num levantamento sobre o tema das séries televisivas, Jason Mittel (2015), professor da Middlebury College, em Vermont, nos Estados Unidos, aborda essa nova complexidade narrativa surgida na televisão americana contemporânea que abandona, em parte, os padrões seriados e episódicos e opta pelo modelo que ele chama de storytelling (a arte de contar histórias), o qual utiliza a narratologia formal, incorporando outros métodos criativos, inovações tecnológicas e a participação e a compreensão do espectador. No Brasil, Marcel Vieira Barreto Silva (2014) identifica o surgimento dessa “cultura de séries” que mudou a forma, o contexto e o próprio

1 A expressão sitcom, literalmente traduzida por comédia de situação, é feminina, apesar de, quando abreviada, ser empregada no meio televisivo no masculino. Aqui nesta dissertação ela se manterá no feminino.

14 consumo da ficção seriada contemporânea. Na PUC-SP, Fernanda Manzo Ceretta (2014) faz um recorte dessa ficção seriada para detalhar as novas modalidades de sitcom. Utilizando os exemplos das séries: The Office, Parks and Recreation e Modern Family, a autora nos apresenta o que chama de um rompimento com o modelo tradicional de sitcom para um formato contaminado pelo documentário, entre outros gêneros, e influenciado pela popularização de reality shows pós anos 2000 e pela produção amadora voltada para internet. Com interesse em compreender melhor as sitcoms e os novos modelos para se contar uma história na tela da televisão, esta dissertação tem como objeto de pesquisa a sitcom Community (2009-2015), pois, para além da importância em representar a população mais afetada pela situação de crise nos Estados Unidos em 2008, ele também se configura como um ponto de virada no gênero consolidado das sitcoms, ao incorporar outros gêneros e outros estilos externos à televisão para se tornar uma narrativa original. A série Community já foi estudada por diversos ângulos de análise. Johanna Sander (2012), da Karlstads Universitet, na Suécia, direciona seu estudo para questionar se Community pode ser definida como uma sitcom, visto a maneira como diversos gêneros considerados não cômicos são incorporados pela série e se eles comprometem ou não esse “rótulo” de sitcom. Os australianos Tully Barnett e Ben Kooyman (2012), por sua vez, se interessam pela maneira como Dan Harmon (criador da série) consegue abordar a intersecção entre a cultura pop e a vida real, contemporaneamente a outros produtos de grande popularidade como (2007-) e The Avengers(2012). Judit Amat Jiménez (2015), da Universidad Jaume I, disserta sobre a relação da série com os seus fãs, através dos mecanismos de autoconsciência. Ela busca descrever o surgimento de uma relação especial que a série mantém com seus espectadores, utilizando mecanismos de intertexto e metatexto. Muitos são os questionamentos que se levantam diante da série Community, a qual inova na sua abordagem para contar uma história. Dentre eles, impulsionaram esta pesquisa indagações como as seguintes: em que aspectos se baseia a construção da distorção cômica em Community? Como Community se insere em um gênero televisivo saturado como o das sitcoms? Como outros gêneros ressignificam a série, após o contato com ela? Como incorporar e justificar a utilização de diferentes gêneros com o mesmo objetivo narrativo? Quais características dessa translocação

15 influenciam no humor de Community? Assim, diante dessas questões, esta dissertação definiu como questões-problema: saber como a série Community inclui múltiplos gêneros no seu discurso cômico e compreender como, a partir da construção do discurso cômico, o humor se insere em situações de crise extremas e desperta emoções. Como podemos nos permitir rir de nós mesmos e, ao mesmo tempo, pensar sobre as situações sob mais de um aspecto, mais de um ponto de vista, sob várias percepções? Nessa perspectiva, propõe-se, de modo geral, compreender a comunicação através das sitcoms. Essa linha de pensamento será discutida, tendo por base autores da vertente cômica chamada de “‘Justaposição Incongruente”; visto que essa linha não se baseia na incongruência em si, mas nos aspectos ao redor da percepção e da resolução dessa incongruência como causador do humorismo. Assim que forem estabelecidos os paralelos entre a teoria e o efeito cômico em Community, os autores de Comunicação darão subsídios para a análise da concepção de três episódios do corpus da pesquisa: Temporada 2, episódio 11 - Abed’s Uncontrollable Christmas; Temporada 3, episódio 14 - Pillows and Blankets e Temporada 3, episódio 20 - Digital State Planning. O episódio 11 tem como temática o Natal e utiliza o processo de claymation (animação em stop motion com argila); o episódio 14 é um documentário, mais especificamente de guerra, usando fotos, narração marcada e found footage para sua composição; e o episódio 20 tem como plano de fundo para a narrativa o formato de um videogame. Este estudo irá se centrar na análise dos três episódios, anteriormente citados, visto que eles apontam um rompimento com o gênero em que a série se apoia. A delimitação do corpus respalda-se no fato de a pesquisa buscar o reconhecimento das estratégias utilizadas por Community para justificar narrativamente a utilização de mídias; gêneros; convenções além das padronizadas pelo gênero sitcom e entender como elas servem ao nascimento do efeito cômico. A escolha de uma série para realizar o estudo justifica-se por ser a sitcom um gênero de grande consumo do público brasileiro. Em dados divulgados pela empresa

16 de streaming Netflix 2, das cinco obras mais assistidas no mundo, duas são sitcoms (Friends e New Girl). Em uma lista específica do Brasil, das dez séries a que o público brasileiro assistiu em sessões de menos de duas horas diárias, estão cinco comédias situacionais – Big Mouth, Cara Gente Branca, Disjointed, Amigos de Faculdade e Atypical) 3. Apesar da grande demanda do público acerca do formato, não existe uma extensa produção audiovisual, no Brasil, deste produto. A comédia sempre se pauta na surpresa, entretanto, à medida que o espectador consome mais produtos do gênero, fica mais complexo surpreendê-lo. As sitcoms nacionais nascem sem referência doméstica, fazendo com que uma série criada aqui se oponha às mais de 50 criadas todos os anos nos Estados Unidos. Assim o consumidor acostumado a tipo de série não se surpreende facilmente com as comédias brasileiras. As comédias desse estilo nascem, portanto, direcionadas para quem deveria apreciá-las. Por isso a importância da pesquisa dessa ferramenta de originalidade utilizada por Community, para que se possa decodificar o estado da comédia atual e atualizá-la. O diálogo entre as teorias da Comunicação e Comédia formarão um tipo de leitura capaz de relacionar e detalhar a maneira como surge e se justifica o discurso cômico de Community. A complexidade narrativa de Community faz dela uma série muito singular, o modo como se busca o efeito cômico além das limitações impostas pelo gênero da sitcom na televisão é muito particular e original. Entender essa construção a partir da narrativa adiciona ao objeto um frescor que ainda não foi reproduzido em nenhum outro âmbito audiovisual. Pela leitura das Extremidades, acredita-se ser possível compreender como o vídeo pode ser um interlocutor entre gêneros. Essa pesquisa baseia-se na hipótese central de que Community buscou nas Extremidades do Vídeo, em tudo aquilo que cerca a mídia televisiva, a fonte para a construção da comicidade, da surpresa. Para isso, construiu a imagem de uma série paródica, calcada no meta-humor para conseguir justificar narrativamente as opções estéticas adotadas.

2 Netflix: What the World is Watching, por Rachel Oaks. Disponível em: https://www.highspeedinternet.com/resources/netflix-what-the-world-is-watching/#netflixlist. Acesso em: 22 nov. 2018 3 Retrospectiva de 2017 da Netflix revela as séries mais assistidas no Brasil, por Redação de Canal Tech. Disponível em: https://canaltech.com.br/series/retrospectiva-de-2017-da-netflix-revela-series- mais-assistidas-no-brasil-104992/. Acesso em: 22 nov. 2018.

17

O objetivo geral desse trabalho é analisar como a série Community (2009- 2015), encontrou comicidade na utilização de elementos não convencionais para narrativas seriadas e compreender de que maneira o uso de tais gêneros como a animação, o videogame, a fotografia e o documentário foi contaminado pela trama. Os objetivos específicos incluem: identificar em uma série de humor a linguagem criada como recurso humorístico; descrever o caminho da comicidade das sitcoms até Community; encontrar pontos de diálogo entre as teorias da Comunicação e Comédia; analisar episódios inseridos no contexto da tradição televisiva; estabelecer relações entre a leitura da obra e suas consequências para a produção audiovisual contemporânea; e analisar o discurso cômico em suas contaminações entre gêneros. Para o desenvolvimento desta pesquisa, esta dissertação foi organizada em capítulos. O primeiro apresenta um estudo sobre o riso e o discurso cômico; o segundo faz uma análise do contexto do gênero sitcom e da série Community; o terceiro foca na análise de três episódios que contemplam múltiplas linguagens; e, por fim, o quarto finaliza a dissertação com algumas considerações sobre o discurso cômico e o uso de múltiplos gêneros para contar uma história, que, ao mesmo tempo em que cuida de temas importantes para as relações humanas, a mantém cômica.

18

1 O RISO E O DISCURSO CÔMICO

Não há cômico fora do que é propriamente humano. (BERGSON,2001, p.38)

A risada é objeto de estudo há milênios e mesmo assim ainda não existe uma explicação concisa na Ciência sobre este fenômeno extremamente humano. A Gelotogia (disciplina que estuda o riso, humor e seus efeitos sob o corpo) encontra barreiras, pois, diferente de emoções, que são controladas pelo lobo frontal, a produção da risada acontece em diversas partes do cérebro ao mesmo tempo. Portanto a relação entre o riso e o cérebro ainda não pode ser compreendida completamente (BRAIN, 2000). Tal dificuldade é também encontrada nas teorias que abrangem a narrativa e a criação do efeito cômico. Após um levantamento sumário de todas as teorias correntes sobre a comicidade em seus estudos para identificar elementos narrativos cômicos, o soviético Vladimir Propp (1992) encontrou um quadro não muito satisfatório. Após tantas teorias inconclusivas, o autor questionou se seria realmente necessária a adição de mais uma teoria às inúmeras já existentes. O principal entrave enfrentado por autores ao longo da história está em abranger tudo aquilo que é cômico em uma só teoria, em uma só vertente de pensamento. A grande ramificação daquilo que pode se tornar cômico faz com que, ao desenvolver uma teoria abstrata sobre o assunto, seja comum escolher apenas aquilo que reafirme a tese apresentada e ignorar qualquer exemplo que se desvie dela. Nisto reside o grande problema das teorias de humor: explicar todas as ramificações do riso, pois para cada teoria existe um ato ou uma piada que a torne incompleta.

O riso pode ser alegre ou triste, bom e indignado, inteligente e tolo, soberbo e cordial, indulgente e insinuante, depreciativo e tímido, amigável e hostil, irônico e sincero, sarcástico e ingênuo, terno e grosseiro, significativo e gratuito, triunfante e justificativo, despudorado e embaraçado [...] divertido, melancólico, nervoso, histérico, gozador, fisiológico, animalesco. Pode ser até um riso tétrico. (JURENEV, 1964, apud PROPP, 1992, p. 27-28)

19

A mais velha teoria do humor data dos tempos de Platão e Aristóteles e é conhecida como a Teoria da Superioridade. Ela diz que a graça provém dos infortúnios e dos defeitos dos outros, pois tais falhas reforçam a superioridade do espectador. Ainda segundo Propp (1992, p. 18), “para Aristóteles era natural, ao tratar da definição da essência da comédia, partir da tragédia como seu oposto, pois, na prática e na consciência dos antigos gregos, justamente a tragédia tinha um significado prioritário”. A tragédia é a representação do sublime, e o disforme é o oposto do sublime, da perfeição. Nada que seja perfeito pode ser ridículo, ridícula é a transgressão disso. Para o filósofo, ri-se de indivíduos inferiores ou feios, porque há prazer em se sentir superior a eles. Essa teoria talvez diga mais sobre as dinâmicas sociais da Grécia Antiga do que sobre humor moderno, ela nunca irá explicar a graça de um trocadilho, por exemplo. Em tempos de pluralidade de pontos de vista e empatia crescente na sociedade, fica cada vez mais difícil se sentir superior ao outro, fazendo dessa corrente de pensamento a que menos afeta o humor contemporâneo (apesar de ser a maior causadora de debates). Em seu livro, O riso e o risível na história do pensamento, Verena Alberti (2002) faz uma grande coletânea de todos os pensadores que abordaram o riso. A autora procura com isso mostrar que “o riso e o cômico são literalmente indispensáveis para o conhecimento do mundo e para uma compreensão da realidade plena” (ALBERTI, 2002, p.12). Alberti aponta que, com a chegada do século XX, houve uma tendência entre os autores em escolher o riso como uma redenção para o pensamento aprisionado nos limites da razão, como uma maneira de expandir o próprio conhecimento humano. Alberti (2002, p. 12) dá o exemplo de Joachim Ritter, para quem “o riso é o movimento positivo e infinito que põe em xeque as exclusões efetuadas pela razão e que mantém o nada na existência”. A autora interpreta tal reflexão, afirmando que o riso está diretamente ligado aos caminhos seguidos pelo homem para encontrar e explicar o mundo, de reconhecer a realidade que a razão séria não atinge. O riso e o cômico tornam-se o lugar de onde o filósofo pode explorar conceitos absurdos para a razão, porém completamente reais, como o infinito da existência. Também nessa linha de pensamento, Georges Bataille (1945, apud ALBERTI, 2002, p.14), em O limite útil, diz que “o riso é o salto do possível no impossível – e do impossível no possível”; tratando, portanto, da possibilidade de ultrapassar o mundo e “ser o que somos”. A

20 complexidade das declarações de Ritter e Bataille está além do que essa pesquisa se propõe a explorar, mas elas permitem observar uma tendência no pensamento moderno: colocar o riso em um ponto central do pensamento filosófico na procura pela compreensão do absurdo, do impensável.

Se hoje situa-se o riso ao lado do impensável, daquilo que revela ao pensamento a necessidade e a impossibilidade de ultrapassar seus limites, parece-me que o próprio pensamento não pode mais defini-lo e que não é mais possível uma teoria do riso. Ou melhor: só será possível uma teoria do riso que tiver por objetivo definir o riso a partir das positividades finitas do pensamento, procurando sua “essência”, seu “fundamento”, seu “mecanismo” etc. (ALBERTI, 2002, p.29)

Durante o século XX, aquilo que aflige o ser humano foi um tema constante de estudo. Inúmeros autores se debruçaram sobre o medo e a ansiedade, enquanto pouco foi dito sobre manifestações positivas como o riso. É uma tendência histórica menosprezar tudo aquilo acerca do riso que se estende para todos os campos do conhecimento e da própria sociedade. Como o que faz rir simplesmente não tem o mesmo valor social daquilo que faz chorar, é ignorado um traço importante das interações sociais. Ignorar o riso é impedir o entendimento completo da “nossa humanidade” (ALBERTI, 2002). Vladimir Propp (1992, p. 31) define, em Comicidade e riso, que “o riso ocorre em presença de duas grandezas: de um objeto ridículo e de um sujeito que ri – ou seja, do homem”. Para o autor, o grande empecilho à criação teórica reside também exatamente na falta de conexão entre a causa do riso e o indivíduo que ri, a aleatoriedade dessa interação impede o surgimento de regras sem exceções. Onde um ri, outro não ri. Por outro lado, a existência de exceções permite afirmar que tudo pode vir a se tornar objeto de riso, seja a vida física, moral ou intelectual. Tudo que envolve o ser humano se torna risível, porque este ri (PROPP, 1992, p.29). Os estudos de Henri Bergson (2001), em O riso, mostram que a compreensão do riso só é possível quando analisado em seu ambiente natural, que é a sociedade. Portanto, o ato de rir tem uma função social e, para tal, precisa ter uma significação social. Bergson argumenta, também, que o cômico exige, para produzir seu efeito, algo como uma anestesia momentânea do coração. Rir de um alvo pressupõe desprender, por um instante, de qualquer sentimento que se tenha por ele, o riso se dirige à sua inteligência pura. “O cômico nascerá, aparentemente, quando os homens,

21 reunidos em grupo, voltarem a sua atenção sobre um deles, calando sua sensibilidade e exercendo apenas sua inteligência” (BERGSON, 2001, p. 40). O ato de rir, para Bergson (2001, p18) “castiga os costumes”. Obviamente as diferenças culturais, sociais, e tudo aquilo que molda um indivíduo traz para ele um sentido diferente de humor e também de como expressá-lo. Porém, aquele que é objeto do riso tenta corrigir o comportamento que o gerou, tenta se portar da maneira como era esperado que se portasse antes de se tornar alvo de risadas. Em suma, a comicidade torna pública uma imperfeição individual ou coletiva que chama por uma correção imediata. O riso é justamente essa correção. É um gesto social, que realça e reprime qualquer irregularidade que o coletivo nota sobre o indivíduo ou sobre os acontecimentos. Segundo Propp (1992, p. 144), Immanuel Kant formula seu pensamento sobre o riso da seguinte maneira: “O riso é o efeito (que deriva) de um fracasso repentino de uma intensa expectativa”. Propp completa que, para essa expectativa frustrada ser risível, ela não pode resultar em qualquer efeito sério ou trágico. Bergson (2001, p. 73) expande o pensamento sobre o riso, afirmando que “percorrer inúmeros caminhos para voltar, sem saber, ao mesmo ponto de partida, é despender um grande esforço para nada”. E que pode ser tentador definir o cômico desta maneira. Hebert Spencer (apud BERGSON, 2001, p.74) afirma: “o riso seria o índice de um esforço que de repente encontra o vazio”. Tais meneios contemporâneos acerca do mesmo pensamento podem, mais uma vez, ser indicativos daquilo que era considerado engraçado no final do século XIX, começo do XX. Porém são insuficientes para a complexidade de um riso empático, por exemplo. Sigmund Freud (2006), expandindo o conceito de Herbert Spencer, explica o riso como um “fenômeno econômico”, cuja função é liberar o que ele chama de “energia psíquica” e cria a Teoria do Alívio. Freud afirma que a risada é uma reação produzida para liberar prazerosamente tensões sexuais ou agressivas, é uma válvula de escape para os desejos mais internos. Para Freud, o humor não se opõe ao que é sério, mas a uma realidade deserotizada e à lucidez mórbida criada por uma concepção de mundo na qual princípio de realidade e princípio de prazer se encontram inelutavelmente dissociados. Estruturalmente isso se reflete na construção de diversos discursos cômicos que se baseiam no acúmulo de tensão até que revelada a punchline (momento do texto humorístico em que se revela a razão pela qual a

22 história foi contada; é o instante da risada). Porém nem toda graça é prazerosa e nem toda piada precisa ser agressiva ou sexual para causar uma reação. Bergson (2001) conclui que, para o riso ser efetivo como uma correção (ou um “castigo de costumes”, como chama), não pode ser acompanhado de bondade ou simpatia. A sociedade utiliza o riso como ferramenta de uma mudança imposta, não sugerida. Nem toda correção é certa ou necessária, independente da intenção, ele convida o homem, para o seu próprio bem, a corrigir os defeitos e se aprimorar interiormente. Uma outra análise dessa conclusão pode ser que quem ri, ri porque vê que algo que deveria ser corrigido, e exemplos não faltarão na sociedade de momentos em que aquele que ri é quem deveria ser convidado a se corrigir.

Sabe-se que o riso exerce uma função útil, mas isso não significa que sempre a atingirá de modo justo, nem que ele se inspire em um pensamento de benevolência ou mesmo de equidade. Sendo assim, o riso não pode ser absolutamente justo, tampouco ele deve ser bom. Ele tem por função intimidar ao humilhar. (BERGSON, 2001, p.122)

Tanto o cômico quanto o riso não são abstratos. O homem ri. Sendo assim, é indispensável que se estude a comicidade dentro da psicologia do riso e de como ocorre essa percepção do humor. Aqui, o mesmo impasse que impede uma criação de uma teoria completa sobre o cômico gera um novo questionamento: perante toda a subjetividade que envolve o ato de rir, como decidir se o dito é cômico ou apenas espirituoso? Sendo assim, trabalha-se com a hipótese daquilo que pode ou não ser risível.

Propp (1992) comenta, em seu livro, que uma pessoa com deficiência física não deveria provocar o riso em uma pessoa moralmente madura. Pensamento também válido para manifestações de doença ou velhice, o que explicita que nem toda deformidade é cômica. Porém, quando quaisquer características, outrora vistas como uma deformidade, seja de caráter, físico ou situacional, estão atreladas a uma pessoa por quem nutrimos extrema simpatia, tais defeitos não provocam condenação; pelo contrário, reforçam um sentimento de afeto. Esse tipo de interação entre pessoas é a base psicológica do riso bom. Elizabeth Roudinesco (2000), em Por que a psicanálise?, reconhece que vivemos em uma “sociedade depressiva”. Partindo dessa identificação é plenamente justificado o resgate do humor como uma ferramenta importante para a compreensão

23 das interações pós-modernas. Afinal, se seu diagnóstico é que a depressão (e suas variantes) tornou-se, de fato, a epidemia das sociedades democráticas contemporâneas, sua primeira conclusão é que há falta de humor e prazer em viver na nossa cultura. Mas que tipo de humor está ausente na sociedade atual, se, por exemplo, Gilles Lipovetsky (2005) chama o mundo contemporâneo de “sociedade humorística”? Os diagnósticos de mundo são extremamente similares entre os autores: uma sociedade passiva, impossibilitada de se revoltar, calcada na descrença. Mas Lipovestky enxerga o humor sendo utilizado em exagero pelos indivíduos como “lubrificante social”. A fim de estabelecer uma atmosfera livre de tensões, o humor acrítico se torna vigente, um humor feito para agradar e gerar uma falsa sensação de intimidade com o maior número possível de pessoas. Um humor que compactua com o sentimento de conformismo e nunca o confronta. Tal característica da contemporaneidade do espectro da derrota do sujeito (“em lugar de paixões, a calmaria; em lugar do desejo, a ausência de desejo; em lugar do sujeito, o nada; em lugar da história, o fim da história”) abre espaço para a piada se tornar forte ferramenta crítica. “Na piada, há uma ‘transgressão autorizada’ na qual a suspensão da repressão e do recalque permite que se obtenha uma certa cota de satisfação pulsional, ao mesmo tempo em que se reafirma o laço social” (KUPPERMAN, 2003, p. 22). Roberto Elísio dos Santos (2012, p. 24), em Humor e riso na cultura midiática, retoma que, para Bergson, o riso nasce das ações humanas praticadas dentro do âmbito social, uma vez que não há comicidade fora do que é humano, e o riso “é sempre o riso de um grupo”. Então uma das conclusões a ser tirada é que um ser humano não ri do desconhecido. Para um objeto ser alvo de risadas, mesmo causando qualquer estranhamento, precisa ser objetivamente decodificado para se tornar risível. O ser humano acaba, desse modo, por encontrar o engraçado em quaisquer circunstâncias que reconheça. Para o humor não há nada sagrado, pois este surge de uma ação completamente humana. Ao focar o contexto televisivo, de arte veiculada pelos meios de comunicação de massa, o humor permanece como um processo coletivo. Ele perde sua característica intimista, mas continua sendo compartilhado por e para vários indivíduos independentes. Exerce, como pensa Bergson, uma função social, seja ela de controle ou de reafirmação dos valores dominantes, seja ela crítica e contestadora.

24

O humor pode ser definido, portanto, como “uma narrativa que, determinada por condições sociais, culturais e históricas, gera um efeito em seu receptor, o riso” (SANTOS, 2012, p.34) Apesar do desprestígio do gênero e seu tardio reconhecimento, ao longo da história, a literatura humorística e satírica, as comédias teatrais e cinematográficas sempre foram muito procuradas e muito populares em todo o mundo: elas usufruem do favor do público porque nelas são representados satiricamente os defeitos que ainda sobrevivem na vida e nos costumes; e a arte, o riso, ajuda a superá-los (PROPP, 2002). Fernanda Furquim (1999) reflete que, de uma forma satírica, as sitcoms dizem a verdade sobre questões sociais, políticas e familiares de uma determinada cultura. A vida oferece a comicidade diariamente em forma de objetos, situações ridículas, interações inesperadas... Basta apenas um indivíduo capaz de observá-las para que a vida cotidiana se torne uma fonte infinita de humor. Segundo Elisabeth Duarte (2012, p. 164), “o objetivo das sitcoms é divertir através da exposição dos pequenos percalços do cotidiano, deslizes, acasos e azares a que todos estamos expostos diariamente”. Estas séries estão inseridas em um mercado, são mercadorias do processo comunicativo televisivo, e, como tais, vivem a dicotomia de ao mesmo tempo serem produto e propaganda. Uma série vai ao ar para ser consumida pelo público-alvo e também para anunciar a própria venda. Mas qualquer venda só se materializa com a compra, que, no caso, é representada pela conquista de mais telespectadores. Como o telespectador pós-moderno tem cada vez mais contato com conteúdo humorístico, ele tende a se tornar mais difícil de se fazer rir. A surpresa é essencial na criação de uma atmosfera propícia ao riso. Uma criança recém-nascida encontra motivos para rir a todo instante, visto que tudo ao seu redor é uma enorme surpresa. Uma piada que causa gargalhadas a princípio, quando ouvida pela segunda vez não causará a mesma reação. Portanto, quanto maior for o repertório cômico do espectador mais difícil será fazê-lo rir. E em um mundo acelerado como o contemporâneo, com uma demanda e um consumo gigantesco de audiovisual, como uma sitcom consegue surpreender seu público?

25

1.1 Processos comunicativos

Acerca do ponto de vista das matrizes de linguagem e pensamento, Lúcia Santaella (2005) nos diz que as linguagens concretizadas são, na realidade, corporificações de uma lógica semiótica abstrata que lhes está subjacente, a qual é sustentada por três eixos: da sintaxe da sonoridade, da forma na visualidade e da discursividade no verbal escrito.

Especialmente em veículos híbridos como a televisão, o estudo de processos comunicativos deve pressupor as misturas entre linguagens e sistemas sígnicos, que se configuram dentro dos veículos em consonância com o potencial e os limites de cada veículo.

A televisão seriada segue os mesmos princípios dos vídeos narrativos e do cinema, por se tratar de imagens em movimento. Mesmo quando não acompanhadas de trilha sonora ou de qualquer tipo de som, elas trazem dentro de si a lógica da sonoridade, na sintaxe de duração de seus planos, nos seus cortes, no ritmo imposto às sequências. Por ser narrativo, mesmo quando mudo, estão implícitas as características do verbal, por isso se pressupõe um roteiro. Porém é importante especificar que, segundo a matriz de linguagem de Santaella (2005), o nível verbal do roteiro não é o mesmo expresso nos diálogos das personagens. Enquanto o diálogo é fala, linguagem verbal oral, a narrativa é uma das matrizes da discursividade verbal escrita. Outra mistura comum acontece em documentários, com a utilização da voz off sobre uma imagem referencial. A voz off, nesses casos, embora seja oralizada, não segue os princípios da linguagem oral, pois se trata de um texto escrito, quase sempre dissertativo, informativo, lido em voz alta. “Entre os canais semióticos múltiplos [...] mencionados, a televisão é, sem dúvida, aquele que leva a multiplicidade ao limite de suas possibilidades” (SANTAELLA, 2005, p.388).

A capacidade de absorver quaisquer outras linguagens (teatro; cinema; jornalismo; esporte; publicidade...) faz parte da constituição do meio televisivo. E ao serem absorvidas por essa linguagem específica que é a da televisão, passam por mudanças, por vezes, bastante radicais. O que não altera a natureza da linguagem da televisão em si que é, justamente, feita dessas absorções.

26

Em Extremidades do vídeo, Christine Mello (2008) aponta uma importante característica de linguagem introduzida pelo rádio e pela televisão que é a experiência da “simultaneidade entre o tempo de enunciação e o tempo de recepção” da mensagem. Tal característica, desconhecida no contexto das experiências artísticas até o limiar do século XX, se torna cada vez mais presente na sociedade pós advento das plataformas de streaming. E o consumo, principalmente televisivo, não só conta com a simultaneidade da enunciação/recepção, como a crítica ao enunciado se torna também simultânea à obra. A autora também descreve como a arte no século XXI se apropria do real, da constituição dos discursos produzidos e das práticas desmaterializantes. Isso faz com que a obra, no contexto atual, seja compreendida não apenas como produto, mas também como processo, como acontecimento, tendo seu significado determinado pelo contexto do trabalho. Tais características revelam um processo a que Mello dá o nome de Contaminação, ou seja, um tipo de ação estética descentralizada em que uma linguagem se potencializa a partir do contato com outra linguagem. As operações criativas geralmente partem de uma problemática advinda de um determinado contexto e se associam a outra área. No contexto apresentado por Mello, o foco reside nos vídeos, objeto de estudo da autora, e em como essa linguagem mantém-se coesa, sem se diluir em outros códigos durante o diálogo com outras linguagens. Pelo contrário, ele afeta, contamina irreversivelmente e amplifica o poder do discurso dialético.

Nos procedimentos de contaminação de vídeo, a sua linguagem é colocada em discussão a partir de outras linguagens, como uma convergência incessante de contrários, geradora de síntese e potencialidade poética. (MELLO, 2008, p. 139)

O processo de contaminação, no contexto de Christine Mello, é usado para a análise de convergência das mídias nos vídeos. Ela diz respeito a procedimentos relacionados a encontros entre diferenças, entre macro e micro percepções, entre linguagens. Os exemplos dessa leitura sempre são feitos tendo por base linguagens, inferindo uma a outra, ocasionando o aumento de complexidade em ambos os sistemas.

27

Esta pesquisa tem o propósito de utilizar a mesma ferramenta de análise, mas num espectro menor, em que esse aumento de complexidade é causado entre o choque de dois ou mais gêneros. Neste estudo, chama-se de gênero tudo o que possui características marcantes para serem definidos a partir de si mesmos, sejam elas características estéticas (stop motion; videogame) ou narrativas (documentário; terror). A contaminação é um tipo de procedimento em que uma relação de troca se potencializa a partir de seus contágios. Segundo Mello (2008), isso envolve uma desmontagem de um significado para se obter outro, existe a necessidade de expansão de seus limites criativos. Tal processo ajuda no desenvolvimento de um discurso cômico, pois a geração de complexidade proporciona a criação de surpresa para uma audiência que possui um extenso repertório televisivo. Essa é uma das maneiras que a sitcom encontra para adentrar no mundo da “Televisão Complexa”. Henry Jenkins (2012), em Cultura da convergência, explana sobre as diferenças da “Televisão com Hora Marcada” dos anos 1980/90 para a o que chama de “Televisão do Envolvimento” da era pós internet até os dias atuais. Enquanto nos anos 1980 a complexidade era definir a necessidade de oferecer “drama de qualidade” para um consumidor de elite, os programas “complexos” de hoje oferecem entretenimento de gênero, tendo como alvo o público mais jovem que abandonou a televisão em favor de jogos e outros entretenimentos interativos. Para Jenkins (2012), quando esses jovens são atraídos para um programa, eles exigem um relacionamento mais intenso e profundo com seu conteúdo. Isso condiz com a visão de Jason Mittel (2015) sobre uma das características da “televisão complexa”. Ele comenta que a televisão complexa exige um esforço e uma atenção do espectador para uma compreensão contínua. Essa televisão brinca com a memória do seu público a partir de técnicas poéticas específicas da mídia. Ela confunde, retoma algo que foi esquecido, aciona gatilhos que podem não ter sido percebidos em uma primeira sessão. O espectador que ainda consome televisão com a passividade dos anos 1980 estará perdendo a complexidade da televisão atual. Mittel (2015) deixa claro que uma televisão de qualidade não resulta em um pacote de regras a serem seguidas, é muito mais uma análise do contraste daquilo considerado o oposto e feito para elevar certas séries televisivas acima de outras. Os programas são unidos menos por formatos ou elementos temáticos e mais pelo

28 prestígio cultural ligado à crítica televisiva e à inovação na quebra de convenções televisivas que refletem bem em um público que abraça tais escolhas criativas. Um exemplo concreto desse efeito de complexificação dado por Mittel (2015) são as escolhas de utilizar a sutileza de pistas narrativas visuais, ao invés de diálogo para ativar a memória do telespectador. Personagens não mais conversam sobre o que aconteceu em episódios passados para atualizar quem possa ter eventualmente perdido algum. Eventos passados são integrados à narrativa para se manter uma maneira mais naturalista de contar uma história através de imagens e ainda zelar pelo espectador mais relapso. No âmbito da comédia, o autor utiliza a série Curb your Enthusiasm (2000), do canal HBO, como um exemplo do caminho de complexificação para esse gênero. A série realça como o entrelaçamento entre as histórias de cada personagem, mecânicas narrativas reflexivas e, principalmente, a consciência das próprias regras e expectativas de uma comédia, serve para uma nova possibilidade de compreensão narrativa. As séries cômicas começam a utilizar a complexidade narrativa antes adotadas apenas por séries dramáticas para contar piadas. Perder um episódio anterior pode significar achar um episódio inteiro sem graça. A aleatoriedade dos capítulos, característica quase marcante de alguns períodos de sitcom, passa a ser comprometida. Personagens mudam traços marcantes ao longo da série, não mais voltam ao estado inicial em cada episódio, o arco longo narrativo toma um lugar de destaque pela primeira vez nas séries de comédia. Tal qual analisa Santaella (2005): “a cultura humana existe num continuum, ela é cumulativa, não no sentido linear, mas no sentido de interação incessante de tradição e mudança, persistência e transformação”. E essa acumulação de cultura reflete naquilo que pode ou não surpreender um espectador. Assim, a análise dos trechos dos episódios da série Community se baseará no processo de contaminação, descrito por Christine Mello, como uma maneira de complexificação encontrada pelo criador, Dan Harmon, para suprir a exigente demanda de um público com cada vez mais dificuldade de ser surpreendido pelo audiovisual contemporâneo e poder, assim, criar um discurso cômico.

29

2 SITCOMS E O CONTEXTO DE COMMUNITY

Este capítulo pretende apresentar o contexto histórico, no qual a série de TV norte-americana – Community, foi criada, relacionar os aspectos econômicos e sociais do momento pós-crise de 2008 nos Estados Unidos e mostrar as sitcoms, como um formato televisivo que expressa a vida cotidiana com discurso humorístico.

2.1 As sitcoms

Sitcom é a abreviação de “comédia situacional” (situational comedy), programas de televisão que apresentam situações cotidianas. Como o próprio nome indica, é um gênero cômico cuja trama gira em torno de alguma situação em particular que se passaria em um espaço comum de convivência entre os personagens que dela fazem parte. É centrado em um grupo preestabelecido de personagens que se mantêm constantes em todos os episódios. A princípio foi elaborada para rádio e depois para televisão, e hoje se tornou modelo de programa na televisão norte- americana, com uma popularidade que pode ser comparada à das novelas no Brasil.

No final do século XIX, apresentações teatrais, sobretudo vaudevilles, deram força ao conceito de serialização na comédia. Esta influência colaborou no surgimento das comédias de situação, ou sitcoms, no rádio. O mesmo conjunto de personagens se apresentaria com regularidade para uma determinada audiência, contando uma história diferente por vez. A identificação que o sitcom proporciona o tornou um dos formatos mais populares da televisão norte-americana. (CERETTA, 2014, p.53)

A principal diferença entre sitcom e outros formatos de comédia televisiva (como um programa de esquetes ou stand up) é a presença de um enredo, de uma linha narrativa contínua para o episódio, o qual dura, geralmente, 30 minutos, divididos em 22 minutos para a história e 8 para comerciais (METZ, s/d). A narrativa típica deste gênero televisivo é estruturada, tendo o início do episódio, que apresenta um status quo (algo que representa a normalidade para os personagens); alguma situação que provoca o rompimento desse status quo, o que afeta o cotidiano dos personagens envolvidos; até a situação ser resolvida e retornar ao status quo inicial. Um exemplo simples dessa estrutura seria:

30

João gosta de caminhar todo dia no parque até seu trabalho, (status quo), um cachorro bravo aparece no parque e corre atrás de João, (situação de rompimento do status), ele começa a contornar o parque e isso faz com que chegue atrasado, (situação afeta o cotidiano), João precisa ir pelo parque então... agora ele vai para o trabalho com salsichas no bolso para dar ao cachorro. (situação resolvida).

O formato de sitcom nasceu em 1926, no rádio, com o programa “Sam ’n’ Henry”, transmitido na WGN em Chicago. Ele era um programa diário de 15 minutos. A estrutura se popularizou no rádio, e foi um dos primeiros formatos a ser adaptado à nova mídia da televisão em 1946. A principal diferença entre uma e outra é que, na grade televisiva, a atração era exibida semanalmente e não diariamente. Segundo Marc Saul (s/d), a primeira sitcom televisiva foi transmitida pela BBC do Reino Unido e chamava-se Pinwright’s Progress (1946). Dessa série restam apenas fotos. Ela conta a história de J. Pinwright, dono de uma pequena loja chamada Macgillygally’s, e dos empecilhos causados pelos próprios funcionários e pelo seu rival, o dono de uma loja ao lado. A série era gravada em um teatro em Londres e transmitida ao vivo. Ela teve apenas uma temporada com dez episódios no seu decorrer. (Figura 1)

31

Figura 1 - O dono da loja, personagem principal de Pinwright’s Progress

Fonte: https://aminoapps.com/c/promopt/page/blog/primeira-serie-criada-no-mundo- pinwrights-progress/Mela_E8SkugvmeEVMlq3eKDmN6EBwNL6dx

Em 1951, nos Estados Unidos, o revolucionário show I Love Lucy (1951-1957), definia as convenções do que seria a sitcom pelos próximos 50 anos (Figura 2). Pela primeira vez uma série era gravada em estúdio com uma plateia ao vivo. Para realizar tal feito, foi utilizado o método Multi-Câmera (Three-Camera System), usado até hoje. Esse sistema consiste em três câmeras, gravando, simultaneamente, em três ângulos diferentes: uma câmera aberta pegando toda a cena e duas fechadas nos personagens. Tal método se mostrou muito vantajoso, pois permitia que um episódio fosse gravado rapidamente e sem muitas interrupções ou repetições de cenas, fazendo com que a reação captada da plateia fosse a mais espontânea possível. Como essa preparação requeria uma iluminação consistente para cada câmera (JANNEY, s/d), a solução para o problema foi criada pelo alemão Karl W. Freund, que trabalhou como fotógrafo em mais de 100 filmes e foi importante figura do Expressionismo Alemão, tendo no currículo filmes como Metropolis (1927), O Golem (1920) e Berlim: Sinfonia da Metrópole (1927). O cineasta relata que seu extenso currículo lhe permitiu se preparar para os diversos problemas encontrados e o ajudaram na adaptação a essa nova mídia (FREUND, s/d). A gravação precisava ser ágil e eficaz, portanto não se poderia iluminar, individualmente, para cada câmera. Também o material de iluminação não poderia obstruir a visão da plateia ou isso acabaria com o seu propósito, assim como certos tons de cinza eram transmitidos irregularmente pela tecnologia da época.

32

Após extensa utilização da sombra como elemento marcante da sua fotografia cinematográfica, Karl Freund buscou uma maneira de eliminá-la completamente para a transmissão televisiva. Para tal, inundava o estúdio com luz fixada no teto, fazendo com que não importasse onde os atores estivessem, estariam igualmente iluminados. Criou, então, o Flat Lighting (Iluminação plana em uma tradução livre), razão pela qual a maioria das sitcoms tem fotografia similar umas às outras.

Figura 2 - Cena emblemática da série - I Love Lucy.

Fonte: https://www.npr.org/sections/thesalt/2012/08/06/158201090/three-ways-lucille-ball- ruled-when-she-played-with-food

Nos anos 1960, o gênero sitcom adentrou universos fantasiosos. O estúdio de animação Hanna-Barbera lançou, em 1960, Os Flintstones, uma sitcom que acompanha o dia a dia e a vizinhança da família Flintstones que vive uma grande sátira do período da Idade da Pedra. Em 1962, o mesmo estúdio lançou Os Jetsons, a contrapartida criada a partir do grande sucesso de Os Flintsones. A animação – The Jetsons – acompanha uma família que vive em uma versão cômica do futuro, com carros voadores, hologramas e aliens (Figura 3).

33

Figura 3 - As primeiras sitcoms animadas de Hanna-Barbera

Fonte:http://www.tvsinopse.kinghost.net/f/flintstones.htm|https://pt.wikipedia.org/wiki/The_Jet sons

Em setembro de 1964, duas séries similares entre si foram ao ar em canais diferentes (Figura 4). A CBS lançou The Munsters, enquanto a ABC oferecia “The Addams Family”, ambas sitcoms sobre famílias com características “monstruosas”4. A Família Addams (título brasileiro), uma série americana, é baseada em personagens do cartunista Charles Addams. O humor da série advém do choque entre a visão cultural dos Addams com o resto do mundo. Eles sempre tratam seus visitantes com grande cortesia, porém não conseguem compreender o horror de suas visitas, quando apresentadas ao cotidiano da família. Os visitantes, bem ou mal-intencionados, sofrem um impacto significativo em suas vidas ao conhecer a família, e se transformam, notavelmente, ao saírem da mansão, podendo mudar até de profissão ou de país. Em 1972 estreou Mash, uma sitcom que mudaria os panoramas de como o gênero era visto até então. Lançada nos anos finais da Guerra do Vietnã, a série é situada na Guerra da Coreia (1950-1953) e acompanha membros do hospital cirúrgico móvel do exército americano (Mobile Army Sirurgical Hospital). Como essa temática estava sendo tratada neste período, isso fez com que o show tivesse extremo cuidado em comentar a guerra sem parecer estar protestando-a (Figura 5).

4 KING, Susan. Retro: The ‘Addams Family’ Tree. Disponível em: Acesso em: 13 set. 2018.

34

Figura 4 - Comparação das séries The Munsters e The Addams Family.

Fonte:https://v1.escapistmagazine.com/articles/view/moviesandtv/columns/highdefinition/11 820-The-Ugly-Americans-The-Addams-Family-and-The- Munsters.2/https://www.amazon.co.uk/DVD-ADDAMS-FAMILY-VOLUME- 1/dp/B000TDR6FU

Figura 5 - Cena de Mash, com seus principais personagens

Fonte: https://www.notrecinema.com/communaute/v1_detail_film.php3?lefilm=22941

A série televisiva Mash é sobre sobreviver em meio ao caos, define Howard Fishman. É sobre estar preso em uma situação impossível e lutar diariamente contra ela, não porque se acredita que as coisas irão mudar, mas porque é a coisa certa a se fazer (FISHMAN, s/d). Outro ponto único da série é seu personagem principal, “Hawkeye”, interpretado por Alan Alda. Até então, todo o cenário televisivo era ocupado majoritariamente por homens de família, o chamado “blue colar worker”, que se refere geralmente a empregados de trabalhos menos privilegiados, operários de

35 empresa ou escritório, que se aproximavam do ideal do “sonho americano”. Hawkeye veio quebrar esse molde, como residente em medicina ele é recrutado para servir o exército americano, função da qual se ressente explicitamente (ADRESS, s/d). Nascido em uma família rica, ele não gosta de trabalhar e muito menos ouvir ordens do governo. O seriado Mash abriu espaço para o protagonismo que vai além de figuras paternas, que abaixam a cabeça e consentem com aquilo que lhes é incumbido. O humor cínico, presente no seriado Mash, foi o que marcou as séries dos anos 1970. Outro exemplo desse tipo de humor seria a série Taxi (1978-1983), programa, cuja trama narrativa gira em torno de diversos personagens que estão em um lugar de onde todos eles querem sair, a garagem de táxis. Os produtores desta série a deixaram antes do seu fim com o intuito de entrar na década de 1980 com uma mente diferente, desejavam fazer o oposto: ter um local onde as pessoas queiram estar nele (GOODWIN, s/d). Assim foi criada a série Cheers (1982-1993), que se passa dentro de um bar com o mesmo nome, cujo dono e bartender é o personagem principal: Sam Malone. O seriado retrata o bar como um local em que seus personagens vão para beber e socializar. O bordão da série veio de sua música tema: “Onde todos sabem seu nome” (Figura 6).

Figura 6 - Cena no bar de Cheers

Fonte: http://dondeviajar.republica.com/de-cine/cheers-el-bar-real-donde-todo-el-mundo- sabe-tu-nombre.html

Não teve um começo fácil o programa Cheers, tendo sido quase cancelado após a primeira temporada, porém Cheers se transformou em um fenômeno de

36 audiência, vindo a se tornar o mais assistido da época. Durante suas 11 temporadas, arrecadaram 28 Emmy’s de um recorde de 117 indicações, gerando uma sequência, também de sucesso, de um dos personagens que frequentava o bar, Frasier (1993- 2004). Ao contrário da maioria dos programas televisivos americanos da década de 1980, Cheers era filmado em película e não gravado em fita magnética, o que encarecia a produção, mas o diferenciava dos demais com um visual fotográfico que permanece com alta qualidade até os dias de hoje. Como muitas outras sitcoms, era feito ao vivo em frente de uma plateia. A presença de plateia se tornou quase que uma característica desse tipo de comédia e, por isso, muitas vezes ela é simulada ou até realçada por uma claque (uma faixa gravada de risadas e aplausos). O uso dessa gravação e sua eficácia são motivos de debate. Se, por um lado, se argumenta que a risada acontece mais fácil coletivamente e tal efeito auxiliaria aquele espectador que assiste sozinho; por outro, sua autoridade é questionada, querendo decidir pelo espectador o que é ou não engraçado. A comédia dos anos 1990 foi fortemente marcada pelo uso de ironia, sinal de fumaça para o que era um momento de marasmo no país. Uma geração que por muitas vezes questionou o motivo de sua existência, sem grande guerra, sem grande crise, viu como seu grande reflexo uma série “sobre nada”. O fenômeno Seinfeld (1989-1998) demorou três temporadas para se fixar no cenário, porém seus números cresceram exponencialmente. Responsável pela volta da comédia stand up à grande mídia, a série retrata o cotidiano de Jerry Seinfeld, um comediante de Nova Iorque. A premissa na qual a série foi criada é: mostrar como um comediante consegue seu material (SEINFELD, s/d). A maioria dos episódios apresenta uma estrutura básica de começar com Jerry no palco performando seu texto e, após a punchline, vem o episódio circundando o tema da piada inicial. A entrada no novo milênio, a popularização da internet e o aumento de reality shows foram ingredientes essenciais para a criação de The Office (2005-2013), série adaptada para o público americano da série britânica de mesmo nome. A qualidade entre as duas sempre foi debatida, mas é inegável que a americana atingiu um sucesso e um público muito maior que a britânica. Criada pelos comediantes Rick Gervais e Stephen Merchant, a série mostra o dia a dia dos empregados de um

37 escritório que vende papel (Figura 7). Ela retoma o uso da câmera única 5 e abdica da plateia e da claque. Seu estilo de filmagem é o mockumentary, estilo que simula a estética do documentário para mostrar a ficção, ele “rejeita” a realidade, optando por simular a vida real com roteiro e atores.

Figura 7 - O escritório com personagens principais da série The Office

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=8GxqvnQyaxs

The Office foi essencial para a estética contemporânea de sitcom. Essa fórmula foi reutilizada tantas vezes (Modern Family, Parks and Recreation, Reno 911!) que já se estabeleceu como um estilo próprio de sitcom.

5 A Configuração de Câmera Única (Single Camera Setup), originária no nascimento do cinema clássico, é considerada o padrão de filmagem tanto para cinema como para televisão. É uma importante definição para sitcoms pois, o uso das três câmeras se tornou o padrão para o formato.

38

2.2 Aspectos culturais, sociais e econômicos relacionados às séries de TV norte-americana pós crise de 2008

Por volta do final do século XX início do XXI, o termo globalização começou a fazer parte do cotidiano das pessoas. Esse processo de integração internacional, muito impulsionado pelo aumento de consumo, pela redução de custos, causou impacto na cultura, na política, na economia, no ambiente, na sociedade em geral. Porém, a globalização da Economia mostrou sua fragilidade, quando uma crise no mercado de hipotecas dos Estados Unidos, iniciada em agosto de 2007, desencadeou uma crise global em 2008. Considerada por economistas como a pior crise do capitalismo desde A Grande Depressão de 1929, ela ocorreu apesar dos esforços monumentais feitos pelo governo norte-americano, utilizando inclusive as reservas federais e o Departamento do Tesouro para “salvar” empresas e bancos do colapso financeiro. Essa manobra se mostra incoerente com o pensamento neoliberal que rege a economia norte- americana Segundo Kimberly Amadeo (2018), essa crise resultou na “Grande Recessão”. Período em que todos os países da Europa e da América presenciaram um PIB negativo, com raras exceções, entre elas: Brasil, Bolívia, Cuba e Polônia. Nos Estados Unidos, os efeitos foram catastróficos, o ramo imobiliário teve uma queda de preços de mais de 30% e, mesmo dois anos após a crise, os níveis de desemprego ainda eram de 9%, criando uma classe denominada: discouraged workers (pessoas que queriam e estavam disponíveis para trabalhar, mas desistiram por acreditar que não havia nenhum emprego para elas). A crise só terminou de fato em 2009, após os efeitos do Pacote de Estímulo Econômico, criado pelo então presidente Barack Obama, injetando mais de 787 bilhões de dólares diretamente na economia do país, ao invés de investir nos bancos. Neste período, 63% das famílias norte-americanas presenciaram uma queda em seu poder aquisitivo, e a crise serviu ainda para aumentar a chamada Racial Wealth Gap (Diferencial de Riqueza Racial).

A insegurança no trabalho e a estagnação dos salários, as mudanças tecnológicas contínuas e o enfraquecimento das instituições públicas ante as forças do mercado, entre outros fatores, despejam sobre o

39

conjunto da população uma sobrecarga emocional que também tem levado a um aumento significativo das patologias mentais. (MOTA, 2013, p. 58)

Em seu artigo, Mota (2013) diz que a depressão na França aumentou em 60% em 10 anos, que, em 2001, foram consumidas 33,7 bilhões de doses de tranquilizantes no mundo. Números que traçam o desenho de uma classe trabalhadora sem esperança, que, segundo Bauman (2015), viu o argumento da igualdade social desmoronar, quando os supostos “geradores de emprego” pularam fora com centenas de milhões, após deixarem a economia à beira da ruína. Esse sentimento pessimista que flutuava no período permitiria uma nova abordagem das séries de comédia. O “sonho americano”, neste período de crise, foi abalado e parecia cada vez mais distante da classe trabalhadora. A indústria televisiva expressava cada vez menos a representação desse sonho que perdia espaço nas telas. Nesse contexto, o ano de 2009 foi marcado pelo lançamento de produtos televisivos que tentavam representar o contexto social, cultural, por meio da identificação do espectador com personagens com dificuldades financeiras, emocionais e ou sociais. A série de maior audiência lançada nos EUA, em 2009, foi The Middle (2009- 2018)6. Durante nove temporadas, as dificuldades de uma família dos subúrbios em Indiana, foi acompanhada pelos telespectadores. Pelos olhos da mãe, – Frankie Heck, uma vendedora de concessionária e mais tarde auxiliar de dentista – veem-se as dificuldades enfrentadas por uma família para se manter unida, enquanto as contas vão se acumulando. O marido, Mike Heck, gerencia uma pedreira na fictícia cidade de Orton. Seu filho mais velho, Axl, é um garoto popular na escola, jogador de futebol americano, porém desmotivado para qualquer outra coisa. A filha, Sue, é dona de um otimismo descomunal ligado ao fracasso social. Todas as suas tentativas de “ser alguém” na escola são frustradas, mas isso nunca a impede de tentar de novo. Brick, o mais filho caçula, é um garoto muito inteligente, no entanto é extremamente introvertido, prefere livros a qualquer tipo de interação social. A série, The Middle, embora tenha tentado ser uma representação da família que busca o sonho americano, no período pós-crise, ela falhou e acabou sendo muito mais sobre como se manter unido mesmo quando o mundo não cansa de colocar

6 The Middle (2009-2018) foi criada por Eileen Heisler e DeAnn Heline e exibida pelo canal norte- americano ABC.

40 obstáculos. As refeições da família são compostas basicamente por comida congelada ou fast-food, a rotina da casa é muito influenciada pela programação da televisão e, por mais difícil que as coisas estejam, sempre há tentativas de mascarar a situação da porta para fora. O bordão de Frankie representa muito bem o que The Middle significa: You do for family (Você faz pela família) (Figura 8).

Figura 8 - Personagens principais da série The Middle

Fonte: http://baconside.com.br/top-3-series-para-passar-o-tempo/

Outra série de grande sucesso lançada no mesmo ano foi Glee (2009-2015)7. Nela, alunos deslocados socialmente encontram no clube de canto uma maneira de se unirem e serem aceitos. Ela se destaca por ter conseguido unir enredo a performances musicais. Suas versões de músicas, como Smooth Criminal e Cough Syrup, foram amplamente compartilhadas na internet tendo 21 milhões de visualizações e 2,3 milhões, respectivamente (acesso em 22 de setembro de 2018). Glee foi um fenômeno cultural aceito tanto pela crítica (3 Globos de Ouro, 4 Emmy) quanto pela audiência (mais de 40 milhões de músicas vendidas). Uma série de menor duração, mas ainda assim importante para o contexto da época foi United States of Tara (2009-2011) 8. Nela, Toni Collette interpreta Tara, uma esposa, artista e mãe de dois filhos que tenta levar uma vida normal no subúrbio do Kansas, mesmo sendo diagnosticada com Transtorno de Múltiplas Personalidades

7 Glee (2009-2015) foi criada por Ryan Murphy, Brad Falchuk e Ian Brennan e exibida pelo canal norte- americano Fox. 8 United States of Tara (2009-2011) foi criada por Diablo Cody e exibida pelo canal norte-americano Showtime.

41

(Figura 9). A série foca as dificuldades cotidianas com que uma família comum tem que lidar, quando tem um membro que não se encaixa no padrão imposto do que seria normal na sociedade. Collette recebeu um Emmy e um Globo de Ouro pela performance. A série manteve as audiências mais altas do canal Showtime desde 2004 durante suas três temporadas.

Figura 9 - Representação de algumas das personalidades de Tara

Fonte: https://www.spinoff.com.br/emmy-2010-raio-x-emmy-2010-united-states-of-tara/

Ainda no contexto midiático da TV norte-americana, nasceu Community (2009- 2015). As sitcoms The Middle, Glee, United States of Tara e Community são representativas da tendência da pós-crise de 2008, em que os “perdedores” da sociedade se tornaram protagonistas, apresentados de maneira que não há vergonha nessa “derrota”. As pessoas continuam vivendo e devem seguir em frente, não importando os obstáculos que apareçam. 2009 foi o ano em que as séries cômicas, mais uma vez, tomaram conhecimento da situação do país e suavizaram o sentimento que a crise instalou, trazendo os derrotados para frente das telas e os colocando como heróis da vida cotidiana.

42

2.3 Community

Criada por Dan Harmon com o intuito de representar o período em que voltou a frequentar a faculdade com sua namorada, após um período muito isolado de sua vida. A série, exibida pelo canal norte americano NBC, ficou conhecida pelos frequentes episódios temáticos, utilizando clichês e “tropes” televisivos para criar conceitos de episódios unitários. Community teve grande apreço crítico e uma base de fãs pequena, porém fiel, que salvou o show após ser cancelado na quinta temporada e voltar para mais uma no extinto serviço de transmissão online Yahoo!. Ficha técnica: Community Criado por: Dan Harmon Gênero: Comédia Ano: 2009-2015 País: Estados Unidos Duração: 22 minutos (Temporadas 1-5) 24 - 30 minutos (Temporada 6) Número de Episódios: 110 Distribuído por: Sony Pictures Television Emissora de TV Original: NBC (Temporadas 1-5) Yahoo! Screen (Temporada 6)

Ao todo foram 110 episódios descritos nas tabelas de 1 a 6, com os respectivos autores e diretores de cada episódio.

Tabela 1 – 25 Episódios da Primeira Temporada (2009 – 10)

Nº EPISÓDIOS DIRIGIDO POR ESCRITO POR 1 “” Anthony Russo & Joe Dan Harmon Russo 2 “” Joe Russo Dan Harmon 3 “” Anthony Russo Tim Hobert & Jon Pollack 4 “Social Psychology” Anthony Russo Liz Cackowski 5 “” Joe Russo Andrew Guest 6 “Football, Feminism and You” Joe Russo Hilary Winston 7 “Introduction to Statistics” Justin Lin Tim Hobert & Jon Pollack 8 “Home Economics” Anthony Russo Lauren Pomerantz 9 “” Joe Russo Tim Hobert 10 “Environmental Science” Seth Gordon Zach Paez 11 “The Politics of Human Sexuality” Anthony Russo Hilary Winston 12 “Comparative Religion” Adam Davidson Liz Cackowski 13 “Investigative Journalism” Joe Russo Jon Pollack & Tim Hobert

43

14 “Interpretive Dance” Justin Lin Lauren Pomerantz 15 “” Joe Russo Andrew Guest 16 “Communication Studies” Adam Davidson Chris McKenna 17 “Physical Education” Anthony Russo Jessie Miller 18 “” Ken Whittingham Karey Dornetto 19 “” Anthony Russo Hilary Winston 20 “” Adam Davidson Zach Paez 21 Emily Cutler & Karey “Contemporary American Poultry” Tristram Shapeero Dornetto 22 “” Adam Davidson Chris McKenna 23 "Modern Warfare" Justin Lin Emily Cutler 24 "English as a Second Language" Gail Mancuso Tim Hobert 25 "Pascal's Triangle Revisited" Joe Russo Hilary Winston

Tabela 2 – 24 Episódios da Segunda Temporada (2010 – 11)

Nº EPISÓDIOS DIRIGIDO POR ESCRITO POR 1 "" Joe Russo Chris McKenna 2 "" Joe Russo Emily Cutler 3 "The Psychology of Letting Go" Anthony Russo Hilary Winston 4 "" Anthony Russo Andy Bobrow 5 "Messianic Myths and Ancient Tristram Shapeero Andrew Guest Peoples" 6 "" Anthony Hemingway Karey Dornetto 7 "Aerodynamics of Gender" Tristram Shapeero Adam Countee 8 "Cooperative Calligraphy" Joe Russo Megan Ganz 9 "Conspiracy Theories and Interior Adam Davidson Chris McKenna Design" 10 "Mixology Certification" Jay Chandrasekhar Andy Bobrow 11 & Dan "Abed's Uncontrollable Christmas" Duke Johnson Harmon 12 "" Anthony Russo Emily Cutler 13 "Celebrity Pharmacology" Fred Goss Hilary Winston 14 "Advanced Dungeons & Dragons" Joe Russo Andrew Guest 15 "Early 21st Century Romanticism" Steven Sprung Karey Dornetto 16 "Intermediate Documentary Joe Russo Megan Ganz Filmmaking" 17 "Intro to Political Science" Jay Chandrasekhar Adam Countee 18 "Custody Law and Eastern European Anthony Russo Andy Bobrow Diplomacy" 19 "" Sona Panos 20 "Competitive Wine Tasting" Joe Russo Emily Cutler 21 "Paradigms of Human Memory" Tristram Shapeero Chris McKenna 22 "Applied Anthropology and Culinary Jay Chandrasekhar Karey Dornetto Arts" 23 "A Fistful of Paintballs" Joe Russo Andrew Guest 24 "For a Few Paintballs More" Joe Russo Hilary Winston

44

Tabela 3 – 22 Episódios da Terceira Temporada (2011 - 12)

Nº EPISÓDIOS DIRIGIDO POR ESCRITO POR 1 "" Garrett Donovan & Neil Anthony Russo Goldman 2 "Geography of Global Conflict" Joe Russo Andy Bobrow 3 "Remedial Chaos Theory" Jeff Melman Chris McKenna 4 "" Anthony Russo Maggie Bandur 5 "Horror Fiction in Seven Spooky Tristram Shapeero Dan Harmon Steps" 6 "" Joe Russo Matt Murray 7 "Studies in Modern Movement" Tristram Shapeero Adam Countee 8 "Documentary Filmmaking: Redux" Joe Russo Megan Ganz 9 "Foosball and Nocturnal Vigilantism" Anthony Russo Chris Kula 10 Steve Basilone & "Regional Holiday Music" Tristram Shapeero Annie Mebane 11 "Contemporary Impressionists" Kyle Newacheck Alex Cooley 12 "Urban Matrimony and the Sandwich Kyle Newacheck Vera Santamaria Arts" 13 "Digital Exploration of Interior Dan Eckman Chris McKenna Design" 14 "Pillows and Blankets" Tristram Shapeero Andy Bobrow 15 "Origins of Vampire Mythology" Steven Tsuchida Dan Harmon 16 "Virtual Systems Analysis" Tristram Shapeero Matt Murray 17 "Basic Lupine Urology" Rob Schrab Megan Ganz 18 "Course Listing Unavailable" Tristram Shapeero Tim Saccardo 19 "Curriculum Unavailable" Adam Davidson Adam Countee 20 "" Adam Davidson Matt Warburton 21 Matt Fusfeld & Alex "The First Chang Dynasty" Jay Chandrasekhar Cuthbertson 22 Steve Basilone & "Introduction to Finality" Tristram Shapeero Annie Mebane

Tabela 4 – 13 Episódios da Quarta Temporada (2013)

Nº EPISÓDIOS DIRIGIDO POR ESCRITO POR 1 “” Tristram Shapeero Andy Bobrow 2 “Paranormal Parentage” Tristram Shapeero Megan Ganz 3 “Conventions of Space and Time” Michael Patrick Jann Maggie Bandur 4 “Alternative History of the German Steven Tsuchida Bem Wexler Invasion” 5 “Cooperative Escapism in Familial Steve Basilone & Tristram Shapeero Relations” Annie Mebane 6 “Advanced Documentary Jay Chandrasekhar Hunter Covington Filmmaking” 7 “Economics of Marine Biology” Tricia Brock Tim Saccardo 8 “Herstory of Dance” Tristram Shapeero Jack Kukoda 9 “Intro to Felt Surrogacy” Tristram Shapeero Gene Hong 10 “Intro to Knots” Tristram Shapeero Andy Bobrow 11 “” Beth McCarthy-Miller 12 Steve Basilone & “” Victor Nelli, Jr. Annie Mebane & Maggie Bandur 13 “Advanced Introduction to Finality” Tristram Shapeero Megan Ganz

45

Tabela 5 – 13 Episódicos da Quinta Temporada (2014)

Nº EPISÓDIOS DIRIGIDO POR ESCRITO POR 1 Dan Harmon & Chris “” Tristram Shapeero McKenna 2 “” Jay Chandrasekhar Andy Bobrow 3 “Basic Intergluteal Numismatics” Tristram Shapeero 4 “Cooperative Polygraphy” Tristram Shapeero Alex Rubens 5 “Geothermal Escapism” Joe Russo Tim Saccardo 6 “Analysis of Cork-Based Tristram Shapeero Monica Padrick Networking” 7 “Bondage and Beta Male Sexuality” Tristram Shapeero Dan Guterman 8 “App Development and Jordan Blum & Parker Rob Schrab Condiments” Deay 9 “VCR Maintenance and Educational Tristram Shapeero Donald Diego Publishing” 10 “Advanced Advanced Dungeons & Joe Russo Matt Roller Dragons” 11 “G.I. Jeff” Rob Schrab Dino Stamatopoulos 12 “” Jay Chandrasekhar Carol Kolb 13 “” Rob Schrab Ryan Ridley

Tabela 6 – 13 Episódios da Sexta Temporada (2015)

Nº EPISÓDIOS DIRIGIDO POR ESCRITO POR 1 Dan Harmon & Chris "" Rob Schrab McKenna 2 "Lawnmower Maintenance and Jim Rash & Nat Faxon Alex Rubens Postnatal Care" 3 "Basic Crisis Room Decorum" Bobcat Goldthwait Monica Padrick 4 "Queer Studies and Advanced Jim Rash & Nat Faxon Matt Lawton Waxing" 5 "Laws of Robotics and Party Rights" Rob Schrab Dean Young 6 "Basic Email Security" Jay Chandrasekhar Matt Roller 7 "" Rob Schrab Carol Kolb 8 "Intro to Recycled Cinema" Victor Nelli, Jr. Clay Lapari 9 "Grifting 101" Rob Schrab Ryan Ridley 10 "Basic RV Repair and Palmistry" Jay Chandrasekhar Dan Guterman 11 "" Rob Schrab Mark Stegemann 12 "Wedding Videography" Adam Davidson Briggs Hatton 13 "Emotional Consequences of Dan Harmon & Chris Rob Schrab Broadcast Television" McKenna

46

2.3.1 Ambientação

Esta comédia se passa, nos Estados Unidos, em uma faculdade comunitária, local amplamente marginalizado e ridicularizado socialmente, chamada Greendale Community College. Esse tipo de faculdade se caracteriza por ser uma instituição pública que oferece cursos, em sua maioria de dois anos de duração, de educação terciária. Após completar esses cursos, alguns estudantes se transferem para completar sua diplomação em faculdades tradicionais. É considerada uma transição entre colegial e faculdade para os alunos que não ingressaram diretamente em uma universidade. Estas instituições possuem a política de open-admission, que consiste em aceitar qualquer aluno que queira entrar, desde que pague as mensalidades, sendo assim consideradas “o último recurso” daqueles alunos que não passaram em outras faculdades. Porém, em reportagem realizada por Beth Frerking, ela indica uma tendência no crescimento da procura desse tipo de educação por uma geração incapacitada de pagar outras formas de educação superior.9 Em especial na perspectiva dos anos de 2010, frequentavam as faculdades comunitárias americanas aqueles que estavam “à margem” da sociedade. Em Community, seus personagens principais fazem parte da fictícia Universidade Comunitária de Greendale, localizada no subúrbio de Greendale, em Denver, Colorado.

9 For Achievers, a New Destination. Por Beth Frerking, disponível em: Acesso em: 30 ago. 2018.

47

2.3.2 Personagens principais

São sete os personagens principais em Community, que têm como ponto de encontro tradicional, uma sala de estudos (Figura 10). Estes sete personagens montam um grupo de estudo de espanhol como motivo principal dos encontros, porém o que aprendem é o valor de se conectar com outras pessoas.

Figura 10 - Os sete personagens em cena de Community

Fonte: https://petrosjordan.wordpress.com/2014/05/18/community-introduction-to-advanced- television/

Os personagens principais (Figura 11, 12 e 13) da série, em ordem alfabética, são:

1. – interpretado por – um jovem muçulmano, viciado em cultura pop, com características da Síndrome de Aspergers. 2. ANNIE EDSON – interpretada por – a garota inteligente que foi internada por abuso de calmantes. 3. BRITTA PERRY – interpretada por – uma ex-ativista anarquista, tentando colocar sua vida nos eixos. 4. JEFF WINGER – interpretado por Joel McHale – um advogado que teve seu

48

diploma invalidado. 5. PIERCE HAWTHORNE – interpretado por – um idoso herdeiro, que frequenta a faculdade por tédio. 6. SHIRLEY BENNETT – interpretada por – uma mãe, dona de casa recém-divorciada e muito cristã. 7. TROY BARNES – interpretado por - um ex-quarterback, a maior promessa do futebol americano universitário que perdeu sua bolsa por uma contusão.

Figura 11 – Personagens principais Abed e Annie

ABED NADIR

ANNIE EDSON

49

Figura 12 – Personagens principais Britta e Jeff

BRITTA PERRY

JEFF WINGER

50

Figura 13 – Personagens principais Pierce, Shirley e Troy

PIERCE HAWTHORNE

SHIRLEY BENNETT TROY BARNES

51

Existem também personagens secundários (Figura 14) recorrentes, dignos de menção: o reitor Dean Pelton, interpretado pelo ator Jim Rash; o professor de espanhol Ben Chang, interpretado por Ken Jeong; e o professor de psicologia Ian Duncan, interpretado por .

Figura 14 – Personagens secundários

52

2.3.3 Construção da narrativa

Dan Harmon, o criador da série Community, é uma pessoa obcecada com o processo de criar histórias. Leitor assíduo de Joseph Campbell (O Herói de mil Faces; O poder do Mito), Dan conta que seu interesse em decodificar esse processo veio enquanto estava sem ideias para o roteiro de um filme (RAFTERY, s/d). Buscava algum tipo de simetria, de simplicidade comum às histórias. Assim desenvolveu um algoritmo que chamou de “Círculo Narrativo”, método que divide a narrativa em oito passos. Esse círculo está presente em toda a sua obra desde então, desde os vídeos curtos para internet até filmes, e, para o trabalho em questão, em cada episódio de Community.

As etapas desse círculo são:

1 Um personagem está em uma zona de conforto.

2 Mas ele quer alguma coisa.

3 Ele entra em uma situação não familiar.

4 Se adapta a ela.

5 Ele consegue o que quer.

6 Paga um preço caro por isso.

7 Retorna para a situação familair.

8 Tendo mudado.

Harmon chama esses círculos de embriões, que, segundo ele, contêm todos os elementos necessários para uma história satisfatória. Tal círculo engloba a estrutura narrativa típica de sitcom e, em 2009, após muitas aplicações desse círculo em seu projeto independente Channel 10110, seu piloto foi aprovado pelo canal de televisão norte-americano NBC. Dan Harmon era, então, o showrunner de

10 Channel 101 era um festival de curtas, mensal, em que criadores de conteúdo enviavam pilotos de programas, e a plateia decidia quais episódios voltariam no próximo mês.

53

Community. Segundo Marcel Vieira Barreto Silva (2014), showrunner é o escritor/produtor, responsável pela estrutura narrativa e pelo modo de encenação, mesmo em esquemas de produção mais amplos, com equipes variadas no roteiro e na direção. Ele é o centro criativo do programa e garante a unidade de sentido. “Na televisão, a atual dramaturgia parece ter abraçado o personagem complexo, aproveitando-se do formato seriado de longa duração para desenvolvê-lo de modo mais minucioso e completo” (CAPANEMA, 2016, p.115). Dan Harmon utiliza o seu círculo narrativo para apresentar a complexidade de seus personagens de maneira mais eficaz, questionando até o que se chama de um “personagem complexo”. Esse termo é geralmente utilizado para descrever personagens de moral duvidosa ou ambígua, a “complexidade” é gerada de um compasso moral questionável. Walter White, em Breaking Bad 11 (2008-2013), e Tony Soprano, em The Sopranos12 (1999-2007), são os exemplos mais utilizados para justificar esse “abraço” da dramaturgia no personagem complexo. Ambos de séries dramáticas, com episódios de 40 ou mais minutos de duração, entrando no modelo descrito por Capanema do desenvolvimento minucioso e completo. Esses personagens percorrem arcos narrativos que duram temporadas inteiras para justificar a vida criminosa que levam ao tentar proteger suas famílias, algo discutivelmente complexo. No episódio Physical Education, da primeira temporada da série televisiva Community, é possível notar a eficácia do círculo narrativo, ao apresentar as complexidades e as nuances do personagem Jeff.

Estrutura do episódio: 1 - Jeff se matricula na aula de Educação Física para jogar sinuca. 2 - O professor exige que os alunos usem o uniforme. Jeff quer jogar com suas roupas por achar que fica ridículo vestindo shorts. 3 - O professor o ridiculariza na frente da turma, discursando que Jeff se importa mais com “parecer legal” do que com o esporte. Envergonhado, ele desiste da aula. 4 - Jeff aprende com Abed que, quando alguém sabe o que gosta em si mesmo, mudar pelos outros não é tão difícil.

11 Breaking Bad (2008-2015) foi criada por Vince Gilligan e exibida pelo canal norte-americano AMC. 12 The Sopranos (1999-2007) foi criada por David Chase e exibida pelo canal norte-americano HBO.

54

5 – Jeff volta para a aula, desafiando o professor a uma partida. 6 - Durante a partida, Jeff tenta provar ao professor que mudou, e ambos ficam completamente pelados na frente de toda a faculdade para jogar sinuca (Figura 15). 7 - Jeff ganha a partida, e o professor o deixa vestir o que quiser para jogar sinuca. 8 - Jeff escolhe frequentar as aulas de Educação Física, usando shorts (que antes recusara).

Figura 15: Cena em que Jeff fica nu, para jogar sinuca

Fonte: Acervo do autor

Em um único episódio, o personagem de Jeff aprende sobre sua vaidade, sobre autoestima e ainda enfrenta suas concepções prévias destes aspectos. A série televisiva Community, desde o início, revela conhecer o contexto histórico em que está inserida, tanto no âmbito social quanto no da comédia. E busca de maneira original contar as histórias de seus personagens, que são complexos não só pelo fato de serem de origens diferentes, mas porque se tornam mais complexos quando interagem entre si.

Para tratar da televisão hoje, é necessário reconhecer que seu universo, em comparação com a televisão de décadas atrás, está acrescido de inúmeros outros significados. É que atualmente a

55

televisão se encontra imersa num contexto caracterizado pelo convívio com novas plataformas comunicacionais e pela convergência tecnológica e cultural, bem como por profundas mudanças nos sistemas de produção, distribuição e recepção de bens culturais. (CAPANEMA, 2016, p. 65)

Community é, ao mesmo tempo, um reflexo e uma previsão da sociedade. É criador falando de si mesmo, para si mesmo. É capturar esse espírito de ser individual coletivamente, de se tornar uma comunidade.

56

3 A NARRATIVA CÔMICA EM TRÊS EPISÓDIOS DE COMMUNITY

A pesquisa descrita nesse capítulo configura-se como uma pesquisa qualitativa, cujas características se contrapõem às das pesquisas quantitativas, as quais se concentram em levantamento de dado (survey) e em análises estatísticas com propósitos diversos. A pesquisa qualitativa lida com a interpretação das realidades, buscando obter dados em texto, imagens, sons, o que possibilita uma compreensão de mais aspectos da realidade, e também certa dose de subjetividade, interpretações e, por vezes, certo pluralismo metodológico (BAUER; GASKELL, 2002). Por muito tempo apenas as pesquisas com dados numéricos eram prestigiadas. Ginzburg (1989) afirma que só as pesquisas com métodos experimentais, a análise que transformava os dados em linguagem estatística, eram consideradas ciência. Porém as ciências sociais, já no século XIX, apontavam para a quebra do paradigma cartesiano, da neutralidade ou imparcialidade do pesquisador, e para diferentes possibilidades metodológicas, intervenção, interpretações, e preocupações pela complexidade e processos das relações cotidianas da vida. Segundo Certeau (1998) as escolhas do pesquisador para a realização de uma pesquisa são sempre escolhas políticas, em oposição ao caráter de neutralidade que a ciência moderna defendia. Nessa perspectiva o corpo teórico orienta as escolhas metodológicas, as análises e as interpretações do fenômeno investigado. Pesquisas qualitativas permitem o processo intuitivo, as experiências, as entrevistas abertas, as histórias de vida, entre outras técnicas de coleta de dados, incluindo um cenário em que a subjetividade do pesquisador é considerada. (SANPIERI; COLLADO; LÚCIO, 2013) A partir da compreensão da pesquisa qualitativa, as análises dos episódios de Community, para compreender a construção do discurso cômico, não podem ser realizadas por quantificações, para não reduzir o fenômeno e comprometer aspectos relevantes das intenções da comicidade. Dentro da pesquisa qualitativa, optou-se pelo Paradigma Indiciário, de Ginzburg (1989), que diz que é pela busca de sinais e pistas em falas e imagens que se contrói o entendimento do fenômeno. Este modelo epistemológico, da busca por indícios, como um detetive em busca de pistas para entender o crime, está muito presente no nosso cotidiano, como por exemplo: quando,

57 pelo escurecer das nuvens, inferem-se sinais de chuva ; quando, pelos sintomas, se descobrem doenças; quando por detalhes observados a partir de conhecimentos específicos experiência, bom senso, se comprova a originalidade de uma pintura pelos detalhes das pinceladas, o que que seria irrelevantes a um leigo se potencializa num especialista, enfim são muitos os casos que revelam a importância de reconhecer os sinais que nos cercam. Essa capacidade de decifrar as pistas, como a escrita, segundo Ginzburg (1989), é uma atividade de abstração intelectual. Em mitos, emblemas e sinais, o autor apresenta os conceitos de paradigmas venatório (pautado em buscar pistas no passado) e divinatório (pautado no futuro, profetizações), ambos definidos como indiciários. Por meio desse paradigma indiciário o não dito pode ser revelado, as pausas, o silêncio, as repetições, as contradições, os relatos do passado, ajudam a entender e explicar o presente e projetar o futuro, compreender atitudes e mudanças pelos detalhes singulares, sem regras predefinidas, pois, segundo Ginzburg (1989), preza- se pelos princípios: da valorização das especificidades; pela aceitação do caráter indireto do conhecimento e pelo exercício da criatividade durante a interpretação dos dados, sem verdades institucionalizadas. Para o estudo aqui realizado, o paradigma indiciário parece adequado, pois, por meio dele, será possível extrair sinais dos episódios que levem à compreensão do discurso construído para a história e os personagens de Community. O método utilizado para a análise dos episódios foi a técnica – análise de conteúdo – descrita por Bardin (2009), observando as etapas por ela estipulada em análise de texto: uma leitura flutuante, o levantamento de unidades de registro e de contexto. De modo análogo, após as leituras e a escolha dos três episódios para análise, foi realizado um procedimento de imersão na série (leitura flutuante), a fim de entender o contexto, o roteiro, as intenções da história em cada episódio; depois foi feito um levantamento das falas e das imagens significativas para a análise (unidades de registro), e, por fim, uma interpretação dessas falas e das imagens dentro de um contexto (unidades de contexto).

58

3.1 Análises para os indícios em episódios anteriores

Na segunda temporada, em 2010, a série transcendeu o gênero sitcom. Houve algumas pequenas experimentações na primeira temporada em 2009, como uma paródia de filmes de máfia em Contemporary American Poultry (episódio 21) que mostrava o intrínseco tráfico de influência ao redor do fato conseguir frango frito no almoço. O episódio é narrado pelo personagem Abed, que consegue emprego na cozinha da escola e se passa pela figura do “infiltrado” (comum neste tipo de filme) para explicar ao espectador o passo a passo da “rede de crimes”. Mas nada é tão evidente quanto o sexto episódio da segunda temporada, Epidemology, quando uma festa à fantasia se torna uma infestação zumbi. O reitor, tentando economizar, compra do exército a comida servida na festa de Hallowen. Esta comida começa a infectar quem a consome os fazendo ter alta febre, voz distorcida e vontade de morder carne humana. Trancados no prédio com a infestação, os alunos começam a viver os clichês desse tipo de filme, como a pessoa que é mordida e não conta para o grupo, por exemplo. Parodiar outros gêneros não é algo novo na comédia, o que torna Community realmente especial acontece no décimo-primeiro episódio da segunda temporada: Abed’s Uncontrollable Christmas.

59

3.2 Análise do episódio - Abed’s Uncontrollable Christmas.

O espisódio aqui descrito e analisado é da segunda temporada da série Community, o 11º de um total de 24 episódios, exibido em 2011, e teve como tema o Natal. Antes de entrar no episódio 11 da segunda temporada, é preciso entender a complexidade que engloba o personagem Abed, interpretado por Danny Pudi. Abed seria o arquétipo do personagem criado pela televisão, que sempre viu na cultura pop uma maneira de escapar do pai conservador e rigoroso que não sabia como lidar com seu filho, após a sua esposa se divorciar e deixar os dois para trás. Abed tem traços de espectro da Síndrome de Asperger (uma forma branda de autismo, uma condição neurológica, com implicações nas interações sociais, comunicação e comportamento13), o que é importante para justificar a narrativa do episódio. Uma pessoa nesse espectro sente o mundo de forma diferente, porém não é uma doença, não pode ser “curado”, a maneira como ela enxerga é como ela será para a vida toda. E Abed enxerga sua vida como se fosse um programa de televisão, mais especificamente, uma sitcom. Programas de televisão fazem sentido para Abed, tem estrutura, coerência; a vida, não.

- Características do episódio – indicadores

Em termos de decupagem, o episódio começa como tantos outros, com um plano fechado e uma indicação sonora que o reitor da universidade está fazendo um anúncio para toda a escola. À medida que o plano recua e a figura do reitor entra em quadro começa o estranhamento: não se vê o ator Jim Rash (ou o personagem de “carne e osso”) e, sim, um boneco de argila com a voz e as características físicas do reitor (Figura 16). Durante o pronunciamento do reitor, enquanto ele explica que estão entrando no período das festas religiosas, mais figurantes aparecem também como bonecos. Conforme a câmera acompanha figurantes montando uma árvore de Natal e acendendo uma Menorah, Abed entra em quadro e vai ao encontro do grupo que já está sentado no refeitório, todos representados como bonecos (Figura 16).

13 Fonte: https://www.psicologiaviva.com.br/blog/sindrome-de-asperger/; acesso em 23 de maio de 2019.

60

Figura 16 – Os personagens como bonecos

Fonte: Acervo do autor

Após um breve diálogo em que todos dizem o que planejam fazer para a festa, Abed se diz decepcionado com os planos de todos, porque esse, segundo ele: “[...] é o Natal mais importante de todos”. E completa dizendo: “Deve ser por isso que estamos todos sendo animados com stop motion”.

Tal fala preocupa os demais membros do grupo.Abed diz ter reparado nisso pela manhã, por isso esse Natal deveria ser importante, eles até entraram em uma nova mídia. O grupo, ainda sem saber como reagir, pergunta o que Abed acha que deveria ser feito. Ele responde que deveriam se comprometer com o formato, se mexer mais para valer a pena serem animados e talvez começar com uma música. Uma versão da música da introdução da série é cantada pelo boneco de Abed durante os créditos iniciais (Figura 17), que culmina nele, sendo eletrocutado pelos seguranças da escola para que pare de pular em cima dos carros, enquanto canta.

61

Figura 17 – Abed canta no início do episódio

Fonte: Acervo do autor

Jeff, Britta e Abed vão até o psicólogo da escola, o professor Ian Duncan, tentar entender o que está acontecendo. Porém Abed se sente ofendido por isso, ele quer apenas encontrar o sentido do Natal. Ele então vai para o jardim onde modela um boneco de neve enquanto canta “Sad Quick Christmas Song” (Canção Rápida e Triste de Natal), mais uma brincadeira com os clichês do gênero. Sua canção é interrompida com uma mensagem de texto de Britta, dizendo: “o sentido do Natal está na sala de estudos”.

Isso que faz Abed correr até a sala, mas, para sua decepção, era apenas uma desculpa para levá-lo para uma sessão de terapia em grupo. O psicólogo, para evitar que ele fuja da sessão, se diz ser um “Mago de Natal”, e que ele e os amigos de Abed irão para o Paraíso Invernal descobrir o sentido do Natal. E assim começa realmente o episódio, com os membros do grupo adotando personalidades natalinas (Figura 18) e entrando no “Paraíso Invernal” da mente de Abed. Adota-se uma estrutura parecida com a Fantástica Fábrica de Chocolate, em que Abed toma o papel de Willy Wonka, guiando-os e expulsando aqueles que não estão comprometidos com o desejo de encontrar o sentido do Natal.

62

Figura 18 – Personalidades natalinas

Fonte: Acervo do autor

A estética visual tenta se aproximar do clássico de televisão infantil Rudolph the Red-Nosed Reindeer (1964). Tal referência é, inclusive, citada ao fim do episódio como o filme a que Abed assistia com sua mãe todos os natais. Este é o motivo deste episódio: o personagem descobrir que esse será o primeiro Natal que sua mãe não passará com ele e, sim, com sua nova família. Essa mudança estética da série representa o surto mental que Abed sofre ao receber essa notícia, por isso, desde o primeiro segundo, vê-se esse estilo de animação e não apenas quando a história se passa na mente de Abed.

- Interpretações –

Tais escolhas fazem o episódio destoar do que Propp e Bóriev definem como uma paródia. Não há um exagero cômico na imitação, ou até um exagero irônico das características desse tipo de especial de Natal. E mais importante, eles não procuram, pela comicidade, reduzir o conteúdo a que se referem. Abed’s Uncontrollable Christmas não diminui Rudolph the Red-Nosed Reindeer, não procura humilhar A Fantástica Fábrica de Chocolate. Ele utiliza essas referências para engrandecer a própria narrativa e melhor representar um surto psicótico. “O artista, por não suportar as frustrações impostas pela realidade, afasta-se dela refugiando-se no universo fantástico” (KUPERMANN, 2003, p.59).

63

- Indicadores –

A cena escolhida para análise acontece em 12’45’’, quando Troy, Pierce, Annie e Abed acabaram de destruir a Caverna das Lembranças Congeladas e estão em um trem indo para o Polo Norte (Figura 19).

Figura19 – Trem partindo para o Polo Norte

Fonte: Acervo do autor

Pierce rapidamente sai de cena para ir ao banheiro e Annie comenta: que esse é o melhor Natal que já presenciou, sendo judia por parte de pai e episcopal por parte de mãe, o período se torna uma grande “bagunça” de rituais. Esta é a deixa para que não só o espectador, mas os personagens entendam o que está acontecendo. Abed diz que adora rituais, que seus pais são divorciados e que sua mãe o visita todo dia 9 de dezembro para sentarem e juntos assistirem ao Rudolph the Red- Nosed Reindeer. Juntos. Todo ano. Troy então comenta que eles estão em 9 de dezembro, o que é impossível na mente de Abed, pois, como ela vem todo ano, então deveria ser 8 de dezembro. Neste momento fica claro para Troy e Annie o motivo do surto de Abed. Duncan volta para a sala disposto a trazer Abed de volta para o mundo real, mesmo ele querendo chegar ao Polo Norte. A insistência de Duncan faz Abed deixar de vê-lo como um Mago do Natal e, sim, um Bruxo do Natal. Ele foge para o teto do trem e tenta escapar, mas o Bruxo se teleporta para o mesmo lugar. As personagens estão se adaptando à fantasia do planeta do Natal para se comunicarem com Abed no mundo real. Duncan diz:

64

‘É você contra a realidade. E a realidade sempre ganha”.

Essa fala é seguida pela a de Annie, dizendo que vai desenganchar os vagões e que Troy também aprendeu a teleportar, imitando o gesto que o Bruxo fez para isso. Os dois amigos auxiliam a empreitada pela busca do sentido de Natal.

- Interpretações –

Durante a cena descrita podem ser identificados no mínimo nove tentativas de criar o risível, no que se baseiam essas tentativas é o que interessa a esta pesquisa. A primeira delas é uma gag visual, o fato de Pierce, quando se retira do vagão de trem, abrir a porta para a sala de estudos. É um lembrete para o espectador que, apesar de de ele estar acompanhando a imaginação de Abed, os personagens estão no mundo “real”. Ela utiliza o recurso cômico da incongruência, ao mostrar os dois ambientes como simultâneos, tendo como setup que o espectador esteja imerso no Planeta do Natal, para ser surpreendido pelo surgimento da sala de estudos. O segundo momento é a menção à Montanha Menorah e à baía das Testemunhas de Jeová. Especiais de Natal são basicamente calcados pela mitologia católica, Abed, assim como Annie e Troy, não é adepto dessa corrente religiosa e mesmo assim a data representa alguma importância em suas vidas. Essa falta de representatividade é corrigida pela imaginação de Abed e apreciada especialmente por Troy (Testemunha de Jeová). A surpresa desta piada está no fator ecumênico do Planeta Natal de Abed, ela funciona como uma referência a esse tipo de produção audiovisual, como reafirmação do discurso do episódio que o sentido do Natal vai além do religioso e também da importância que o personagem dá em incluir e agradar seus amigos em seu mundo imaginário.

65

Figura 20 – Troy e Annie, vendo a Montanha Menorah e a Baía das Testemunhas de Jeová

Fonte: Acervo do autor

Duncan volta obstinado a trazer Abed para a realidade, confessando que não é um Mago do Natal. O terceiro momento utiliza essa informação como setup para a surpresa e o exagero da próxima fala de Abed. Ele já percebeu que não se trata de um Mago e, sim, de um Bruxo de Natal. A fala de Duncan tem efeito contrário ao esperado, ao invés de trazê-lo do Planeta Natal, o aprofunda em sua imaginação. Os próximos dois momentos são mais tradicionais de sitcom, pois, apesar de serem vistos do ponto de vista do mundo natalino, são interações no mundo real entre os demais membros. Duncan segura Abed pelos ombros, enquanto o chacoalha gritando para sair da ilusão. Ele é separado por Troy que questiona: “quem o ensinou terapia, o pai do Michael Jackson?”

A piada é construída na comparação entre o método adotado pelo psicólogo e o fato conhecido de que Joe Jackson agredia fisicamente seus filhos durante ensaios para obter os resultados que buscava. Logo em seguida a fala de Duncan utiliza o recurso de falar a verdade no lugar do que seria socialmente aceitável para a comicidade. Ele afirma que é um profissional e que Troy está mexendo com um “caso altamente delicado de contrato para escrever um livro”, mas corrige seu equívoco dizendo:

66

“quer dizer, ser humano”.

O sexto momento dá início a uma sequência em que o discurso cômico é gerado pelo absurdo de os personagens no mundo real se utilizarem dos recursos do Planeta Natal para tentar interagir com Abed. Como Abed diz que está fugindo, Duncan resolve se teletransportar, habilidade que reconhece ser plausível, por ser ele um Mago. Ele segura o nariz e emite um som ridículo para indicar às pessoas na sala o que fez e, no Planeta Natal, obtém o resultado que esperava, encontrando Abed no topo do trem (Figura 21).

Figura 21 – Sequência de Teleporte de Duncan e Troy

Fonte: Acervo do autor

O sétimo momento adiciona uma comicidade gerada pela ironia entre as diferentes falas dos personagens de Duncan e Annie. Após todo um discurso de psicólogo sobre tudo isso ter ido longe demais, que era apenas ele contra a realidade, terminando com: “E a realidade sempre ganha”, Annie diz que vai desenganchar os vagões, separando Abed dos demais. Enquanto Duncan afirma que a realidade é mais forte, Annie vai mais a fundo na fantasia para derrotar a realidade.

67

Troy faz o mesmo e imita o gesto feito antes por Duncan para mostrar que também aprendeu a teletransportar. Tanto Troy quanto Annie utilizam das ferramentas do Planeta Natal para validar a busca de Abed enquanto usam o mundo real para impedir Duncan de atrapalhar isso. Assistir a essas ações pela perspectiva do stop motion gera o oitavo momento, quando Duncan protesta que está sendo agarrado no mundo real por Troy. Identifica-se o nono movimento, com a cena que se encerra com mais um paralelo entre as dimensões exemplificado pela justaposição das falas de Annie e Duncan. Enquanto Annie grita para Abed: “Encontre o sentido do Natal” Duncan grita: “E no mínimo, tome nota”.

As características presentes nesta cena permeiam todo o episódio, a comicidade é gerada, não pela paródia, mas pela incorporação dos elementos da animação de Natal à estrutura da sitcom.

A verdade é que, a rigor, a personagem cômica pode estar em total acordo com a estrita moral. Falta a ela entrar em acordo com a sociedade. [...] Um vício flexível será mais difícil de ridicularizar do que uma virtude inflexível. É a rigidez que é suspeita para a sociedade. (BERGSON, 2001, p.97)

Essa busca incessante de Abed pelo sentido natalino bastaria para ser cômica. Por definição, ele é um personagem inflexível, e esse é um dos traços que podem gerar comicidade. Porém o código da animação em stop motion amplia as possibilidades e a complexidade do episódio, ela não é só mais uma piada, ele tem um sentido fundamentado na narrativa do episódio, é a maneira como Abed entende o Natal, e se o Natal perdeu o sentido naquele dia 9 de dezembro, a única maneira de reencontrá-lo está no stop motion e não no mundo real. Abed’s Uncontrollable Christmas abre uma porta criativa muito grande para um objeto que se propõe a ser uma sátira, ele permite que a série vá além do gênero, que a série chegue num formato, que se molda e se contamina pelo formato da sitcom. O episódio não perde sua estrutura narrativa, muito menos o seu discurso cômico, mas ganha uma nova gama de possibilidades para piadas, seja a versão natalina de cada

68 personagem ou apenas uma porta ser a divisão entre um vagão de um trem para o Polo Norte e uma sala de estudos de uma faculdade. A alteração de formato não é um recurso cômico, a maneira como ele se insere e como os personagens reagem a ele, sim. Os gêneros sitcom e animação se unem em Abed’s Uncontrollable Christmas para criar algo que amplifica ambos comicamente. Os momentos com mais peso dramático contrastam com as piadas e até com o visual do episódio, aumentando a complexificação e melhor expressando o sentimento de Abed ao perder seu ritual de Natal, seu sentido. O último plano do episódio é digno de ser mencionado pela beleza da metapoesia e por todo significado que abrange em seu contexto. Após encontrar o significado do Natal e se reconciliar com o grupo, Abed retorna à escola ainda como stop motion e pede para o grupo ficar, daquela maneira, até o fim do episódio. O grupo aceita e todos vão para o dormitório de Abed assistir ao Rudolph the Red-Nosed Reindeer. Acomodado no sofá, o grupo assiste à televisão que se desliga após a cartela de The End aparecer. Na tela preta da miniatura de argila da televisão, o espectador vê refletido o grupo de atores pela primeira vez, no episódio, em carne e osso (Figura 22).

Figura 22 – Atores refletidos na miniatura da televisão

Fonte: Acervo do autor

69

3.3 Análise do episódio - Pillows and Blankets

A terceira temporada de Community é conhecida pelo autoconhecimento que a série obtém após as duas primeiras e como ela tenta, então, expandir os horizontes narrativos de seus episódios. O episódio Pillows and Blankets é o 14.º da terceira temporada, de um total de 22 episódios e é uma continuação do episódio 13 (Digital Exploration of Interior Design), que foram exibidos nos anos de 2011/12. No episódio 13 (Digital Exploration of Interior Design), Abed e Troy decidem construir fortes de almofadas na escola, algo que já fizeram juntos na primeira temporada. Troy quer fazê-los de lençóis, pois podem cobrir mais área em menos tempo, enquanto Abed quer construí-lo com almofadas, porque já fizeram de lençóis antes, e almofadas são mais resistentes. A dupla de amigos se separa e cada um começa a construir seu próprio forte, até o momento em que as construções se encontram e dão início a um conflito. Assim termina o décimo-terceiro episódio. Com o plano de fundo descrito acima, começa Pillows and Blankets: uma paródia de documentários. Não é a primeira vez que a série brinca com o gênero de documentário. No episódio 16 da segunda temporada, Abed produz um documentário mais intimista da situação que eles viviam. A grande diferença é que, na segunda temporada, acompanha-se um documentário pelos olhos de Abed e um episódio normal aos olhos dos outros personagens; enquanto na terceira temporada é produzido um documentário por terceiros. Essa é a maneira que a sitcom encontra para justificar sua posição em se manter imparcial quanto aos lados da “guerra” e assim, fiel ao formato original. Propp define a paródia como um meio de desvendamento da inconsistência interior do que é parodiado e, mais importante para o contexto desse trabalho, que a paródia só é cômica quando revela a fragilidade interior do que é parodiado (PROPP, 1992, p.85). Para exemplificar o êxito deste episódio em parodiar a estrutura de documentários que utilizam de ferramentas do formato para conceber uma tonalidade mais séria, foi escolhida a sequência inicial de Pillows and Blankets.

- Características do episódio – indicadores

Em uma tela preta, o episódio abre com os escritos:

70

A Greendale Campus Television Production.

Desde o início, fica claro para o espectador que nenhum dos personagens principais está envolvido com a produção da obra que verão. A cena corta para um zoom in do corredor da escola (Figura 23), onde centenas de penas de travesseiro caem em câmera lenta. Um voz over lê uma citação de Oliver Wendell Holmes, famoso autor do século 19: “Entre dois grupos de pessoas que desejam fazer tipos de mundos inconsistentes, eu não vejo outro remédio além da força”.

Figura 23 - Corredor da Escola coberto de penas

Fonte: Acervo do autor

Uma sequência de fotos do “conflito” entra bruscamente acompanhada de gritos, e então mais uma câmera lenta de uma biblioteca vazia cheia de penas introduz o primeiro depoimento.

A personagem Shirley descreve com muito pesar o momento em que não se via nada além de penas, e ela pode ou não ter acertado algum aliado. O narrador contextualiza o episódio em cima de fotos de eventos do que ele chama da maior e mais longa guerra de travesseiros da história de escolas comunitárias, guerra esta que mudou para sempre a vida de seus envolvidos.

71

Os personagens principais são descritos pelo narrador sobre mais uma sequência de fotos que mostra como cada um deles se portou durante a “guerra”. Tais fotos são utilizadas como fonte de piadas visuais ou de incongruência com o discurso do narrador.

Annie, a estudante de saúde, monta um santuário no almoxarifado onde aparece cuidando de soldados machucados, utilizando bebidas isotônicas no lugar de soro fisiológico. Britta, a fotógrafa amadora, pega uma câmera emprestada para capturar os momentos mais embaçados e mal enquadrados do conflito, mostrando o exemplo de uma de suas fotos (Figura 24).

Figura 24 - Annie cuidando de pacientes e Britta fotografando feridos

Fonte: Acervo do autor

Jeff aparece fazendo uma pose séria, enquanto alunos brigam ao fundo. O narrador descreve que seu discurso inspirou muitos a lutarem, provavelmente para evitar uma prova. As fotos de Shirley mostram o contraste dela ser uma mãe amorosa e também ter talento para a guerra (Figura 25). Pierce aparece sentado, segurando um livro, cujo título é “Como fazer suas guerras mais mundiais” e é descrito como um

72 herdeiro de um império de lenços umedecidos que se provou ser um herdeiro de um império de lenços umedecidos. Troy encara o vazio em uma pose reflexiva e é citado como dizendo sobre a guerra:

“Foi incrível, mas também, não foi”.

Abed, o melhor amigo que virou arqui-inimigo, é descrito como o estrategista temido por todos e que não sabe a diferença entre esquerda e direita.

Figura 25 - As facetas de Shirley durante a “guerra”

Fonte: Acervo do autor

A câmera então encontra no meio dos escombros das penas, rasgada ao meio, uma foto de Troy e Abed, juntos, na primeira vez que construíram um forte (Figura 26). O narrador elucida que esse “rasgo” na amizade gerou um conflito que durou dias, custou centenas de dólares em danos e resultou em mais de 12 transferências. Nisso um poético vento sopra e separa a foto dos dois amigos.

E para qualquer espectador que duvida da seriedade do evento, que acha que foi apenas uma guerra de travesseiros, Shirley termina seu depoimento, dizendo (Figura 27):

“Você não estava lá”.

73

Figura 26 - Foto rasgada de Troy e Abed

Fonte: Acervo do autor

- Interpretações -

A figura do narrador neste episódio é utilizada para evidenciar que qualquer assunto pode ter o peso de algo importante, desde que sejam usados superlativos suficientes. “A paródia tende a demonstrar que por trás das formas exteriores de uma manifestação espiritual não há nada, que por trás delas existe o vazio” (PROPP, 1992 p.85) A sequência inicial deste episódio utiliza do recurso cômico da incongruência em diversas frentes. A seriedade do narrador perante a situação documentada, a importância dada pelos envolvidos a uma guerra de travesseiros e a trilha sonora, optando por rajadas de tiros para ilustrar alguém atingido por um travesseiro, são alguns dos exemplos desta incongruência. Este recurso baseia toda sua comicidade no conhecimento prévio do espectador das características de um documentário. Este episódio mostra o quão eficaz é o procedimento de contaminação entre sitcom e documentário para a potencialização da paródia. Bergson (2001) infere que o princípio da paródia está em repetir acontecimentos em um novo tom ou um novo ambiente e ainda assim conservar um sentido. O fato de misturar sitcom com documentário faz com que as respectivas significações interfiram entre si, e segundo Bergson (2001), isto é cômico.

Pillows and Blankets é mais um exemplo da série Community se tornando o objeto parodiado. O que separa as paródias de Community das demais é que elas

74 entram no universo narrativo da sitcom, elas são justificadas pela trama. Sua comicidade não nasce do fato puro e simples de ser uma paródia e sim do objeto parodiado se moldar à série e ampliar as possibilidades de criação do discurso cômico.

Figura 27 - Depoimento de Shirley

Fonte: Acervo do Autor

75

3.4 Análise do episódio - Digital State Planning

O terceiro episódio desta análise apresenta a estrutura mais comum, quando se há uma tentativa de conversas entre formatos em programas de televisão. Em Digital State Planning, o 20.º episódio, de um total de 22, da terceira temporada, os personagens descobrem que o pai de Pierce deixará sua herança apenas para quem terminar o jogo de videogame que ele criou (Figura 28). Sendo assim, o grupo decide ajudar Pierce para que consiga sua herança. O episódio, portanto, alterna o formato entre dentro e fora de um jogo eletrônico.

Figura 28 – Tela Inicial do jogo criado pelo pai de Pierce

Fonte: Acervo do autor

- Características do episódio – indicadores

Este episódio utiliza de diversas convenções do formato do videogame e o que elas acarretariam em um mundo real para a criação de humor. No jogo criado pelo pai de Pierce, a pessoa pode morrer, por exemplo, e voltar para o início dele, perdendo todo seu progresso. Isso é retomado em diversos momentos, quando Britta descobre que não tem botão de abraço e acaba matando Pierce; ou Britta acha que fez uma poção de super força, e o personagem que a bebe acaba envenenado e voltando para o início. O trecho selecionado dá exemplos justamente de como este episódio insere as peculiaridades do mundo dos games em uma narrativa como a sitcom para a quebra de expectativa de sua audiência. A sequência se inicia em 7’51’’, os personagens já

76 aprenderam as regras e os controles básicos do jogo e o que devem fazer para vencer. No primeiro mundo encontram um vilarejo e se dividem para descobrir o máximo possível.

Figura 29 - Shirley e Annie na casa do Ferreiro

Fonte: Acervo do autor

Annie e Shirley entram na casa do ferreiro para comprar armas e armaduras, mas, ao abrirem sua interface, descobrem que tudo ali é muito caro para elas (Figura 29). Annie tenta descobrir o que é de graça e pergunta se pode levar uma tocha. Assim que encosta na tocha, o ferreiro começa a gritar “Ladrão! Ladrão!”. A personagem de Annie se desespera numa clara representação de alguém que está apertando todos os botões para descobrir o que fazer. Ela pula de um lado para o outro e acaba jogando a tocha em cima do ferreiro, que agoniza enquanto queima.

Shirley se desespera, o ferreiro está queimando e ela está confusa do que fazer; Annie então pega um machado na parede e começa a golpear o ferreiro, confundindo ainda mais Shirley que questiona o que ela está fazendo. Annie justifica que fez isso para acabar com o sofrimento dele. Annie ateou fogo e “parou” o incêndio com machadadas em um ferreiro que estava apenas trabalhando e toda essa violência gratuita não a incomoda por reconhecer que está dentro de um videogame, algo que ainda não está claro para Shirley.

77

Esta cena utiliza como parâmetro cômico a violência que é aceitável dentro dos videogames e usa o ponto de vista de Shirley, ainda apegada à moralidade do mundo real, para demonstrar seu exagero.

A sequência corta para Troy e Pierce sem saber o que fazer no bar (Figura 30). Troy, que na cena anterior se gaba de seu conhecimento de videogames, começa a destruir todos os potes do lugar, uma breve piada sobre o comportamento que o espectador deve ter em alguns jogos, quebrando tudo o que encontra para obter itens, desprezando qualquer tipo de posse alheia. No canto do bar, um personagem sugere que joguem pôquer, a única coisa que Pierce entende no episódio até então.

Figura 30 - Troy e Pierce dentro do bar

Fonte: Acervo do Autor

Britta e Jeff estão procurando qualquer pista em uma outra casa. Jeff sobe as escadas, enquanto Britta tenta endireitar um quadro, isso irrita Jeff que pede:

“Pare de jogar como uma garota”.

Porém, quando Britta endireita o quadro, ela abre uma passagem secreta na casa e se gaba para Jeff. Ela diz:

“Aprenda uma coisa sobre mulheres,

78

elas não cortam e destroem seu caminho na vida” (o termo utilizado é Hack and Slash), “elas são uma unidade com a vida”..

Esta cena, com o êxito da “serenidade feminina” de Britta, serve como setup irônico para a volta da cena de Annie e Shirley, escondendo o corpo que “cortaram e destruíram” (Figura 31).

Figura 31 - Annie carrega o corpo do Ferreiro

Fonte: Acervo do autor

Shirley está nervosa e Annie tenta acalmá-la:

“Esse tipo de coisa acontece em jogos de videogame, elas não devem ficar presas à moralidade do mundo real, elas precisam sobreviver e vencer”.

Neste momento a esposa grávida do ferreiro desce as escadas e, vendo o corpo do seu marido ser arrastado, começa a gritar por socorro. Esta piada talvez seja o exemplo perfeito do que busca mostrar a pesquisa: um jogador de videogame dificilmente questiona a vida ao redor dos personagens com quem interage, não se

79 imagina um NPC (nome dado a personagens, cujas ações o jogador não pode controlar, sigla para non playable character) com família, com sonhos ou planos. Esta piada nasce da fusão entre videogame e sitcom. A comicidade dela vem da justaposição de moralidades entre as duas mídias e das possibilidades que isso pode criar. Shirley, então, pega uma tocha e pede para que Annie vigie a porta, enquanto joga a tocha na esposa e dá dois golpes de espada. Essa mudança de comportamento repentina é cômica especialmente vindo da personagem de Shirley. A simples noção de que a moralidade do mundo real não vale dentro de um jogo é suficiente para transformar uma cristã fervorosa em uma assassina a sangue frio que não deixa testemunhas. A cena se encerra com o grupo se reencontrando com Abed que havia ficado do lado de fora, interagindo com uma NPC, Hilda. Abed, caracterizado como robótico e muitas vezes sem emoções, está encantado com a NPC, especialmente por ela ter três movimentos ativados por padrões básicos de estímulos. Os dois se dão tão bem que ela quer apresentá-lo a seu pai, o ferreiro. O reencontro das duplas Troy e Pierce com Annie e Shirley apresenta um contraste muito interessante que serve também como metáfora sobre a moralidade do pai de Pierce, criador do jogo. Troy que está familiarizado com o mundo dos games e Pierce, que em outras temporadas se mostrou um jogador de pôquer no mínimo decente, voltam pelados. Annie e Shirley que até então não sabiam os comandos básicos, após assassinarem uma família inocente, retornam carregadas de armas e armaduras. Às costas das garotas, a casa do ferreiro pega fogo (Figura 32). Hilda se desespera e, ao ver isso, Shirley se apressa a adicionar que se trata de uma tragédia inexplicável, mostrando que sua moral se transformou por completo.

80

Figura 32 - Shirley e Annie retornam, enquanto a casa do ferreiro pega fogo.

Fonte: Acervo do autor

- Interpretações –

Um mecanismo [...] é cômico se for retilíneo; torna-se ainda mais cômico se for circular e quando os esforços da personagem chegam, por uma engrenagem fatal entre causas e efeitos, a levar, pura e simplesmente, ao mesmo lugar. (BERGSON, 2001, p.73)

Bergson define as situações de comédia a partir de uma lei: É cômica toda encenação de atos e acontecimentos que nos oferece, inseridas umas na outra, a ilusão da vida e a nítida sensação de um arranjo mecânico. Para Bergson, o caráter sério da vida vem da liberdade de cada um, portanto para transformar a vida em comédia bastaria fazer com que essa liberdade aparentasse ser predeterminada. Um traço fundamental do videogame é, justamente, essa falsa liberdade. O jogador pode fazer o que quiser, seguindo os parâmetros predeterminados do mundo, da história, do jogo. Digital State Planning é um episódio em que um formato ri com o outro. As convenções do videogame (onde encontrar itens, os personagens que habitam esse mundo, como interagir), suas implicações morais, suas ferramentas, funcionam como uma base para o discurso cômico do episódio. Ri-se do videogame como videogame,

81 do ato de entrar em uma dimensão completamente diferente daquela em que se vive, e como se define, muda-se, adaptam-se as personalidades a partir dessa experiência.

82

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cada capítulo desta pesquisa atinge objetivos específicos e muitas vezes independentes entre si. As reflexões suscitadas pelo capítulo um são de interesse de quem produz discurso cômico. Especialmente no Brasil, não há um pensamento crítico sobre o ato de causar o riso ou até mesmo sobre o que significa rir. É comum virem à público discussões encabeçadas por comediantes que não apresentam um conhecimento filosófico sobre aquilo que estão fazendo contra indivíduos das mais diversas áreas da ciência, mas que também partem de uma subjetividade para argumentar, visto que esta área não tem o prestígio que áreas mais “sérias” possuem.

Os textos do capítulo um são uma ponte entre esses dois lados e tentam fornecer argumentos e base teórica para que esse tipo de discussão possa sair da subjetividade e entrar em um debate crítico.

O panorama histórico e social das sitcoms em paralelo com a evolução estética delas, feito no capítulo dois, elucida resumidamente como o pesquisador de comunicação pode estudar esse processo de criação de sentido. Ele demonstra que esse tipo de programa televisivo parte não só de seu contexto social, como toda obra de arte, mas de opções estéticas pautadas em um histórico que deve ser sempre levado em conta, quando o objetivo é satisfazer e, principalmente, surpreender um espectador. A surpresa é fator de extrema relevância para a criação de um discurso cômico, fazendo com que esse conhecimento prévio seja indispensável para uma adição original à linha do tempo das sitcoms.

A análise feita no terceiro capítulo destaca como a série Community utilizou de referências externas à sitcom como premissa de seu discurso cômico e não como punchline. As piadas dos episódios analisados não têm como alvo essas referências, elas partem do pressuposto que o espectador conhece tais obras, tais estilos e, portanto, reconhecerá a incongruência quando inseridos no contexto narrativo de Community.

Estes três objetivos “independentes” convergem para a apreciação do que representou a série televisiva norte-americana Community. Uma série que alterou os parâmetros de como se medir a popularidade de um programa televisivo na era da internet. A menção de cancelamento da série por motivos de baixa audiência fez com

83 os fãs utilizassem de uma frase dita por Abed como hashtag no site Twitter. A hashtag –#sixseasonsandamovie (Seis temporadas e um filme, maneira como Abed define o percurso de uma série televisiva de sucesso) – rapidamente atingiu o topo dos assuntos mais comentados, e o fluxo de mensagens mostrou o desacordo entre os números obtidos e a popularidade do programa.

Community também foi a primeira sitcom que, ao ser cancelada por um canal, migrou para outro, no caso, o site de streaming Yahoo! Screen, em razão da mobilização dos fãs. Hoje em dia isso é uma prática comum, séries como Brooklyn 9- 9 e Lucifer, são exemplos recentes desse processo migratório.

O estilo próprio de Community cativou uma enorme audiência e elevou muito o status de seu criador, Dan Harmon, na indústria audiovisual norte-americana. Quando afastado da série durante a quarta temporada, Dan se juntou a Justin Roiland para criar a sitcom animada: Rick e Morty (Figura 33). Esta animação mantém as características de utilizar o processo de contaminação para criação do discurso cômico, e é, em 2019, um dos fenômenos globais televisivos da cultura pop, sendo premiado com o Emmy de melhor animação em 2018.

A maneira como Dan Harmon utiliza o processo de contaminação em suas obras explica o grande impacto cultural delas. O espectador de Community / Rick e Morty precisa ser ativo, como Jenkins define, para poder rir. Ele precisa ser um ávido consumidor de cultura pop para reconhecer os indicadores do discurso cômico. O indivíduo deve conhecer as características de um documentário para rir de Pillows and Blankets, por exemplo, porque o episódio não faz piada DO documentário, ele faz piada DE documentário.

Em uma sociedade que consome audiovisual como nunca antes, as obras de Dan Harmon recompensam as pessoas por isso. A experiência da audiência é ampliada, quando ela reconhece em Community traços de experiências anteriores. Como Santaella (2005) menciona, a cultura humana existe num continuum, ela é cumulativa, e Dan Harmon confia que seus espectadores estão em dia com essa acumulação para poder rir dela.

Ao confiar no seu espectador, Community define como base do seu discurso cômico toda a cultura que a antecede e dá um passo à frente em direção a uma comédia original.

84

Figura 33 - Personagens que dão nome à série: Rick e Morty

Fonte: https://revistagalileu.globo.com/Cultura/noticia/2017/10/5-motivos-para-comecar- assistir-rick-and-morty-agora-mesmo.html

85

REFERÊNCIAS

ADRESS, Justin. MASH. Remains one of the most influential sitcoms of all time. Disponível em: Acesso em: 16 set. 2018

ALBERTI, Verena. O riso e o risível: na história do pensamento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. 213 p. (Coleção Antropologia Social).

AMADEO, Kimberly. 2008 Financial Crisis: The causes and costs of the worst crisis since the great depression. The Balance, Londres. 2018. Disponível em: . Acesso em: 22 set. 2018.

BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002.

BAUMAN, Zygmund. A riqueza de poucos beneficia todos nós?. São Paulo: Zahar, 2015.

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2009.

BARNETT, Tully; KOOYMAN, Ben. Repackaging popular culture: commentary and critique in Community. Networking Knowledge, Austrália, v 5, n. 2, p. 109-134, september, 2012.

BERGSON, Henri. O riso: ensaio sobre a significação da comicidade. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 152 p.

BRAIN, Marshall. How Laughter Works. (Abril/2000). Disponível em: Acesso em: fev. 2019.

CAPANEMA, Letícia Xavier de Lemos. Autorreferencialidade narrativa: um estudo sobre as estratégias de complexificação na ficção televisual. 2016, 233f. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) - PUC-SP, São Paulo, 2016.

CERETTA, Fernanda Manzo. Novas modalidades de sitcom: uma análise da comédia na era da realidade espetacularizada. 2014, 144 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) - PUC-SP, São Paulo, 2014. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de Fazer. Petrópolis: Vozes, 1998.

DUARTE, Elisabeth Bastos. Sitcoms: das relações com o tom. In: SANTOS, Roberto Elísio dos; ROSSETTI, Regina (orgs). Humor e riso na cultura midiática: variações e permanências. São Paulo: Paulinas, 2012.

86

FISHMAN, Howard. What MASH taught us. Disponível em: < https://www.newyorker.com/culture/culture-desk/what-mash-taught-us > Acesso em: 16 set. 2018.

FREUD, Sigmund. O humor. In: ______. Obras completas, vol. XXI. Tradução dirigida por Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 2006. p. 99-104.

FREUND, Karl. Filmming the Lucy Show. Disponível em: < http://www.lucyfan.com/freundfilming.html> Acesso em: 13 ago. 2018.

FURQUIM, Fernanda. Sitcom definição e história. Porto Alegre: FCF Editora, 1999.

GOODWIN, Betty. Why ‘Cheers’ look sharp each week. Disponível em: < http://www.chicagotribune.com/news/ct-xpm-1986-03-30-8601230357-story.html> Acesso em: 16 set. 2018.

GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

JANNEY, Robbie. Breakdown: Why all sitcom lighting looks the same. Disponível em: Acesso em: 5 set. 2018.

JENKINS, Henry. Cultura da convergência. Tradução de Susana Alexandria. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2012.

JIMÉNEZ, Judit Amat. Community fandon y autoconsciência. Trabalho de final de graduação em comunicação audiovisual. Espanha: Castello de La Plana, Universitat Jaume, 2015. 87fl.

KUPERMANN, Daniel. Ousar rir: humor, criação e psicanálise. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 383 p.

LASSAGNE, Shannon Wells. Transforming the traditional sitcom: Abed in Community. TV/Series. GRIC - Groupe de recherche Identités et Cultures, junho de 2012.

LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio. Tradução de Therezinha Monteiro Deutsch. Barueri (SP): Manole, 2005.

MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. São Paulo: Senac, 2005.

MELLO, Christine. Extremidades do vídeo. São Paulo: Editora Senac, 2008.

MELLO, Christine. Extremidades: experimentos críticos – redes visuais, cinema, performance, arte contemporânea. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2017.

METZ, Winifred Fordham. How Sitcoms Work. Disponível em: Acesso em: 27 ago. 2018.

87

MITTEL, Jason. Complex TV: The poetics of contemporary television storytelling. New York: NYU Press, 2015.

MOTA, Leonardo de Araújo e. Capitalismo contemporâneo, desigualdades sociais e a crise de 2008. Revista Brasileira de Desenvolvimento Regional, Blumenau, v. 1, n.1, p.51-64, outono de 2013.

OLIVEIRA, Maria Rosa D. de. Da materialidade na narrativa contemporânea. In: OLIVEIRA, Maria Rosa D. de; PAOLO, Maria José. (orgs.). Impasses do narrador e da narrativa na contemporaneidade. São Paulo: EDUC, 2016.

OLIVEIRA, Maria Rosa Duarte. Da imaterialidade na narrativa contemporânea. In: OLIVEIRA, Maria Rosa Duarte de; PAOLO, Maria José (orgs.). Impasses do Narrador e da narrativa na contemporaneidade. São Paulo: Editora da PUC-SP, 2017.

PATANE, Willy Nielsen - Escolhas criativas e humor : estudo de caso da Sitcom Televisiva Inglesa The Office. 2016 116f. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) PUC-SP, São Paulo 2016.

PROPP, Vladímir. Comicidade e riso. Tradução de Aurora F. Bernardini e Homero F.de Andrade. São Paulo: Ática, 1992.

RAFTERY, Bryan. How Dan Harmon drives himself crazy making Community. Disponível em: Acesso em: 14 set. 2018.

ROUDINESCO, Elisabeth. Por que a psicanálise?. RJ: Editora Zahar, 2000.

SANDER, Johanna. The television Series Community and sitcom: a case study aimed at the genre of comtemporary. Tese. Suécia: Karlstads Universitet, 2012.

SAMPIERE, Roberto H.; COLLADO, Carlos F.; LUCIO, María del Pilar B.. Metodologia de pesquisa. Porto Alegre: Penso, 2013.

SANTAELLA, Lúcia. Matrizes da Linguagem e pensamento. 3. ed., São Paulo: Iluminuras, 2005.

SANTOS, Roberto Elísio dos. Reflexões teóricas sobre o humor e o riso na arte e nas mídias massivas. In: SANTOS, Roberto Elísio dos; ROSSETTI, Regina (orgs.). Humor e riso na cultura midiática: variações e permanências. São Paulo: Paulinas, 2012.

SAUL, Marc. Pinwright’s Progress (1946). Disponível em: Acesso em: 26 ago. 2018.

88

SEINFELD, Jerry. I will give you an answer. Disponível em: Acesso em: 20 set. 2018.

SILVA, Marcel Vieira Barreto. Cultura das séries: forma, contexto e consumo de ficção seriada na contemporaneidade. Galaxia, São Paulo, n. 27, p.241-252, junho 2014.