Capitalismo E Segmentação Cultural No Brasil: O Comércio Varejista Da Casas Bahia E Os Novos Contornos Do “Popular”
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41º Encontro Anual da Anpocs SPG20 Mercados culturais, globalização e identidade Capitalismo e Segmentação Cultural no Brasil: o comércio varejista da Casas Bahia e os novos contornos do “popular” Tiago Mendes Rodrigues dos Santos Introdução Este trabalho ocupa-se de uma ampla e profunda transformação na sociedade brasileira, cujo expoente aqui destacado será o desenvolvimento das estratégias empresariais da rede varejista Casas Bahia para atrair seu público-alvo. Algumas razões se apresentam para um estudo sobre uma loja varejista de eletrodomésticos, móveis e eletroeletrônicos. A primeira delas refere-se, simultaneamente, à importância sociológica do ramo varejista para a compreensão da modernização brasileira (tanto em sua dimensão material quanto imaterial) e à paradoxal lacuna de estudos sociológicos acerca do varejo. A segunda e a terceira vinculam- se ao peso da identidade da Casas Bahia no Brasil. Por um lado, o pioneirismo de suas estratégias empresariais é bastante conhecido: quem nunca ouviu falar no “crediário da Casas Bahia”? Por outro, seu modelo de negócios possui duas marcas principais: é muito singular ao Brasil e obteve sucesso preponderantemente entre as classes “C” e “D”. Deste modo, avaliarei aqui as conexões sócio-históricas entre as estratégias empresariais elaboradas pela Casas Bahia – encaradas aqui como imagens do “pobre”, ou melhor, na qualidade de visões do “popular” – e o capitalismo brasileiro. A racionalidade empresarial desta cadeia varejista, se observada cuidadosamente, em sua contingencialidade, poderá ser de grande proveito para refletirmos acerca do problema sociológico que supõem o advento e a consolidação da chamada “cultura popular de massas” no Brasil. Em suma, este trabalho trata-se do processo de modernização brasileira e das mais recentes formas de divisão social no país, questionando o que comumente se passa como algo da alçada estrita de economistas – como se a vida econômica precedesse as relações sociais e delas prescindissem. Para melhor compreender a eleição deste objeto é preciso, primeiramente, reconstituir alguns elementos centrais de sua trajetória. Recuemos um pouco no tempo para visualizarmos o cenário de surgimento deste negócio. Em 1951, depois de fugir de campo de concentração na Alemanha, o judeu polonês Samuel Klein desembarcava no Brasil em busca de uma vida melhor. A atividade de mascate o ocupou por longos anos, vendendo itens de porta em porta em São Caetano do Sul. Levando a mercadoria até os clientes, mas também fazendo com que eles fossem atrás dela, Samuel comprava sua primeira loja a 400 metros da estação rodoviária, em 1957: a “Casa Bahia”. Com a abertura de um ponto de comércio, tornou-se fundamental a criação dos setores contábil e de cobrança (AWAD, 2003, p. 119). Alguns anos depois, Samuel abriria as portas da primeira “Casas Bahia”. Na década de 1970, após adquirir 100% das ações da financeira Intervest, Samuel dava início a estratégias mais enérgicas de expansão: comprava as três lojas da rede Piratininga – duas em São Caetano e uma em Santo André. Com intuito de conquistar a região do ABCD antes de avançar para a região central da cidade de São Paulo, Samuel abriu lojas em Mauá, São Bernardo do Campo e Diadema. Em 1972, o tino comercial de Samuel o conduziria para a Baixada Santista, com a aquisição da Loja da Cidade e das Lojas Discopa. Cubatão, Vicente de Carvalho e Praia Grande logo se tornariam os próximos destinos da rede varejista. Ainda na década de 1970, a loja “chegou à marca de 40 lojas em São Paulo” (COSTA e GARCIA, 2006, p. 73). Já na década de 1980, a Casas Bahia verticalizaria sua produção de móveis (AWAD, 2003) ao adquirir a fábrica Bartira e, em seguida, a Móveis Bela Vista . Além da expansão das lojas e das fábricas que as abasteceriam a preço de custo, gerando também novos e maiores negócios para a financeira, os investimentos da Casas Bahia estendiam-se à compra ou montagem de concessionárias de automóveis. Em 1981, a rede varejista Columbia, com suas 20 lojas situadas na capital e na região da grande São Paulo, seria comprada pela Casas Bahia. Oito anos depois, a Casas Bahia compraria do empresário Silvio Santos a rede de lojas Tamakavi, fechando a década com cem lojas distribuídas no estado de São Paulo . Nos primeiros anos da década de 1990 o faturamento da empresa sofre declínio digno de nota , levando à demissão de 35% dos funcionários . Em 1994, com o Plano Real e suas implicações para o consumo, este faturamento volta a decolar. Em 1996 a rede realizaria parceria com o Unibanco no intuito de aumentar sua credibilidade no mercado e continuar expandindo a rede. No ano de 2000, a rede já ultrapassa 300 lojas. Em 2004 , já eram 408 lojas e a rede estava presente em oito estados, além de São Paulo: Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal. Mas sua expansão, por si só, diz muito pouco em termos sociológicos. É preciso entender em função de quê se realizou esta ou aquela estratégia, em detrimento de outras. Em primeiro lugar, não se pode esquecer que os maiores mercados consumidores se encontravam na Grande São Paulo e no interior do Estado, o que já explica que boa parte dos maiores concorrentes da Casas Bahia nasceriam no interior. A título exemplificativo, a fundação da rede varejista Magazine Luiza se deu em 1957 na cidade de Franca, a 400 km da capital. No mesmo ano, as lojas Arapuã abririam sua primeira loja em Lins, a 430 km da capital. Com isto em vista, expandir o número de lojas não se trata apenas de um sinal de prosperidade de uma empresa, mas fundamentalmente de uma tática de “guerra” para lidar com os concorrentes, “protegendo território” 1. Em segundo lugar, a verticalização da produção realizada pela Casas Bahia na década de 1980, demonstra o começo de uma relação (entre varejo e indústria) que irá se radicalizar na década seguinte. Particularmente a verticalização de alguns produtos com menor valor agregado e baixa margem de lucro (como móveis), constituiu vantagens de mercado à Casas Bahia. De um lado, a possibilidade de redução dos preços seduzia mais “fregueses”, de outro, aumentava-se o poder de barganha com relação às multinacionais e, de outro ainda, reposicionava a loja em relação à suas concorrentes. As estratégias de expansão da rede varejista têm ainda uma terceira face. A verticalização da produção na década de 1980, pela Casas Bahia, serviu para diminuir os custos diretos da empresa, reduzindo os preços dos produtos ao consumidor final. Mas se o público ao qual a Casas Bahia se dirigia na Grande São Paulo era bastante sensível aos preços, ele foi se tornando mais sensível ainda à extensão dos prazos de pagamento. A Casas Bahia foi pioneira em adotar a estratégia do crediário no Brasil, aprimorando-a ao longo das décadas e conquistando fatias de mercado cada vez maiores. Na prática, o sistema de financiamento da Casas Bahia funciona da seguinte maneira. O cliente que deseja financiar suas compras deve se submeter à verificação de crédito no Serviço de Proteção ao Crédito – SPC. Caso tenha uma posição negativa no SPC, a transação não será completada pela Casas Bahia até que o problema seja resolvido. Registrado o histórico de bom pagamento do consumidor, duas alternativas se estabelecem: 1) para compras de até R$ 600,00, o cliente fica isento de comprovação de renda, sendo suficiente a apresentação de um comprovante válido de residência; 2) para compras acima de R$ 600,00, “a Casas Bahia desenvolveu um sistema patenteado para avaliar o cliente em potencial. Ela 1 Tal como no jogo de tabuleiro “War”, expandir-se não é uma escolha, mas uma tática de sobrevivência. A rede varejista Ponto Frio, por exemplo, apenas avançará de maneira mais forte no Estado de São Paulo e na região Sul do país (onde a Lojas Colombo exerceu um verdadeiro “império”) em princípios da década de 1990. concede-lhe um limite de crédito de acordo com sua renda total, tanto formal como informal, profissão e despesas presumidas. Esse processo de pontuação é concluído em menos de um minuto” (PRAHALAD, 2010, p. 224). No caso de o sistema aprovar o cliente, o vendedor está autorizado a prosseguir com a venda. Do contrário, uma avaliação mais profunda é exigida, e quem a realiza é um analista de crédito. “É aí que se revela toda a importância da construção de um relacionamento. Conforme seu treinamento, o analista faz uma série de perguntas para determinar que crédito poderá conceder àquele cliente. Esse processo demora em média 10 minutos, às vezes menos” (PRAHALAD, 2010, p. 224). Mas nem sempre foi assim. A sofisticação deste relacionamento com o cliente me interessa em sua dimensão social, isto é, como um aprendizado coletivo e de longo prazo. Um importante aspecto a se reter neste momento é o de que o formato de negócios da rede varejista Casas Bahia não pode ser lido, sociologicamente falando, sem termos em conta sua posição relativa no subcampo do varejo de eletrodomésticos, móveis e eletroeletrônicos no Brasil. Em outras palavras, é preciso termos em conta que suas estratégias dependem do estado da sua concorrência, mas também (particularmente no caso do varejo e do atacado) estão em estreito vínculo com a formação do Estado e da indústria mundializada do ramo – como Arno, Brastemp, Philips, CCE, etc.. A dinâmica trajetória do sistema de crediário da loja, como suas táticas logísticas, de marketing e de publicidade, só pode ser compreendida inteiramente se levarmos em conta a “inserção social dos mercados”, como diria Granovetter (2007). Mas este trabalho não se restringe a este aspecto, extremamente relevante, sugerido por autores como Granovetter (2007) e Fligstein (2001). Pretendo observar a qualidade, simultaneamente social e histórica, das correspondências entre o plano “econômico” e a esfera “cultural”.