AA NaçãoNação JORNAL INDEPENDENTE Director: Alexandre Semedo Nº 409| Ano VIII |De 05 a 08 de Julho 2015 Edição gratuita

Há 40 anos, através de Abílio Duarte, o Povo das Ilhas chamou a si o destino que entendeu enfrentar. Quarenta anos depois é tempo de encarar o presente e o futuro, sem desdenhar o passado. É o que se propõe A NAÇÃO atra- vés de um Caderno Especial, onde são abor- dados os mais variados temas e visões, com independência, liberdade e democracia.

AUTÁRQUICAS’2016 POLÍTICA LEGISLATIVAS’2016 ADCI vai concorrer nos três MAC#114 pondera PAICV sem lista definida municípios de Santo Antão transformar-se em partido para São Vicente Pág. A2 Pág. A3 Pág. A4 A2 No Ponto A Nação Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 A Nação AUTÁRQUICAS’2016

•João Almeida Aliança Independente vai concorrer

struturada por natu- rais de Santo Antão nos três municípios de Santo Antão que residem no país e no estrangeiro, a AD- ECI-SA alicerçou-se há cerca de »»A Aliança Democrata-Cristã Independente de Santo Antão (ADCI-SA), estrutura polí- um ano e já se oficializou en- tica que se assume como municipalista, vai lançar-se na corrida autárquica naquela ilha. quanto organização política países europeus. Agora quer “regionalista e municipalista”, A ideia passa por organizar grupos independentes para concorrer, já em 2016, em cada um recolher subsídios de amigos como escreve o seu mentor An- dos três concelhos, sem perder o foco na complementaridade das políticas que propiciem o e simpatizantes para cimen- tónio Silva, natural do Paul e tar ideias direccionadas para professor universitário na Ho- desenvolvimento da ilha. o desenvolvimento económi- landa. co, saúde pública, ensino, ciên- Dado esse passo, a ADCI consenso, compromisso e es- Há um ano no terreno conquistar, passo-a-passo, a cias & tecnologias, moderniza- está no terreno a sensibilizar perança nutrientes-base para De referir que há menos de sua autonomia económica, cul- ção da administração, políti- pessoas com experiências de montar as candidaturas nos um ano, António Silva apre- tural, intelectual e social”. ca local, desenvolvimento am- trabalho nos municípios, capa- três concelhos em Santo An- sentava os princípios basilares A partir desses pressupos- biental, agricultura, pecuária zes de “juntar todas as forças tão. da ADCI, colocando a família tos, a ADCI começou a mobili- e agro-negócios, assim como da ilha, para promover unidade Independentemente de como “núcleo formador, que zar meios e pessoas, não só no desenvolvimento social e cul- de pensamento, de sentimento quem integrar as listas, a ADCI tem um papel importante nos país, como na diáspora. Na Ho- tural. e de objectivos”, numa nova lar- ambiciona, sobretudo, ter voz valores e identidade dos san- landa, onde vive António Silva, E é, pois, desse conjunto que gada que se projecta para San- nas assembleias e câmaras de tantonense”. Nessa linha defen- vai se afirmando no seio dos a ADCI pretende fomentar um to Antão. Santo Antão, de modo a tor- dia que “todas as acções para o emigrantes naturais de San- projecto político, social, cultu- nar as discussões mais plurais desenvolvimento da ‘Ilha das to Antão, mas, também, já es- ral e económico, que coloque Quadro cobiçado e frutíferas para as gentes que Montanhas’ devem ser orien- tendeu as suas acções à Fran- Santo Antão na ribalta do de- lá residem. tadas de forma integrada, para ça, Luxemburgo, Itália e outros senvolvimento. A ADCI já tem algumas pes- soas identificadas, garantem os promotores, e uma delas é um ex-quadro da Câmara Mu- nicipal da Ribeira Grande, que hoje trabalha por conta pró- pria e que “granjeia respeita- bilidade naquele concelho”. O nome ainda não se revela, mas o A NAÇÃO sabe que, nas au- tárquicas anteriores, tanto o MpD como o PAICV tentaram convencer o mesmo quadro a entrar nas respectivas listas. Mas ele preferiu continuar a servir o concelho que o viu nascer sem se expor ao jogo político no qual, muitas vezes, as questiúnculas individuais sobrepõem a ideias e projec- tos. Para Porto Novo e Paul, também não se anunciam no- mes. Entretanto, optimistas, os integrantes da ADCI não rendem guarda e mostram-se dispostos a fazer do diálogo, Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 A Nação No Ponto A3

A Nação

•Daniel Almeida

om o “sucesso” das manifestações con- tra a aprovação dos Estatutos dos Titu- Clares de Cargos Políticos, falou- -se logo da transformação da MAC#114 em partido político, em virtude da sua capacidade de mobilização e de contesta- ção. Contudo, o “fracasso” da manifestação de 1º de Maio, em parceria com a UNTC-CS, levantou dúvidas em relação a essa possibilidade. Agora, com os ânimos mais serenados, o coordenador da MAC#114, Rony Moreira, vem admitir, numa entrevista à Deutsche Welle (DW - Voz da Alemanha), a possibilidade de o grupo ser transformado em partido político. “Inicialmente era só um gru- MAC#114 pondera transformar- po de pressão. Hoje estamos a tentar dar uma alavancada à democracia nacional. Trazer aspectos qualitativos à demo- se em partido político cracia, principalmente, a ques- tão da participação, da gover- »»As portas para a transformação da Mobilização para Acção Cívica (MAC#114) a mega-manifestação contra o nança e da transparência”, fri- em partido político “não estão fechadas”. Esta associação que, inicialmente, era Estatuto dos Titulares de Car- sou Rony Moreia. apenas um grupo de pressão, pretende agora alavancar a política cabo-verdiana, gos Políticos sobretudo a par- Este também faz saber que a te remuneratória dos políticos primazia da MAC é a democra- através da “democracia participativa”. e os seus salários. A manifes- cia participativa. “As pessoas tação juntou milhares de pes- viram na MAC algo diferente e soas, sobretudo jovens, nas ci- isso trouxe-nos uma pressão”, não tínhamos a percepção de mas as portas para a transfor- redes sociais, para protestar os dades da Praia, Assomada, Sal afirma. que a manifestação de 30 de mação da MAC#114 num parti- números do desemprego que e Mindelo em São Vicente. Março nos daria essa projeção”, do político não estão fechadas. são de 15,8 por cento (%), segun- A 01 de Maio, MAC#114 jun- Longe dos holofotes admitiu Rony Moreira. “Neste “Se houver outras situações si- do os dados do INE. tou-se à UNTC-CS na marcha momento, estamos a fazer uma milares aos dos Estatutos dos Ti- Constituída essencialmen- pela dignidade, igualdade e Desde finais de Março que discussão interna para tentar tulares de Cargos Políticos, e se te por jovens desempregados, justiça social. a MAC#114 decidiu realizar vislumbrar o melhor caminho”. houver o sentimento e a necessi- a sua primeira actividade foi A MAC#114, enquanto orga- as suas acções longe dos ho- Sobre a possibilidade de a dade de uma terceira via, a MAC realizada a 20 de Janeiro de nização da sociedade civil, não lofotes da imprensa. Agora, a MAC se tornar num partido pode transformar-se num parti- 2015, Dia dos Heróis Nacionais, tem uma liderança fixa. Tem organização está virada mais político, o seu coordenador diz do político”, assevera Moreira. com uma manifestação silen- “coordenadores”, por áreas, no- para as comunidades desfavo- que não têm esse objectivo vin- ciosa com apenas dez jovens, meadamente: comunicação, recidas. cado. “Temos ideias soltas. Na Rede social para protestar contra a taxa de logística e política. Ainda as- “Por necessidade, a MAC dinâmica da política, as coi- 15,8% do desemprego, particu- sim, o rosto mais visível desse teve que se afastar da media e sas alteram-se de um momento A MAC#114 é uma associa- larmente, na camada jovem. grupo de coordenadores é Rony da atenção pública, por causa para o outro”, frisa. ção que surgiu no início deste A 30 de Março, MAC#114 ga- Moreira, de 33 anos, formado de uma certa pressão, porque O futuro a Deus pertence, ano, em Cabo Verde, através das nhou dimensão nacional com em Sociologia. A4 Democracia A Nação Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 A Nação LISTAS PARA AS LEGISLATIVAS’2016 Nada definido em São Vicente

• Daniel Almeida

uito se tem fala- do do vice-presi- dente do PAICV, Manuel Inocêncio MSousa, e do secretário-geral desse partido, João do Car- mo, como os primeiros da lista para São Vicente nas próximas eleições legislativas, mas o res- ponsável máximo dos “tamba- rinas” na “Ilha do Monte Cara” diz, claramente, que “tudo não passa de especulações”, por- que “ainda não há lista” e, con- sequentemente, “nenhum ali- nhamento”. Para Alcides Graça, a feitura da lista do PAICV para São Vi- cente é da competência exclu- siva da CPR da ilha, que deverá contar com o aval da Direção Nacional do partido. Essa legitimidade da CPR, segundo Graça, advêm do fac- to de ser um órgão “eleito e não designado”. Este desabafo do líder “tam- barina” na “Ilha do Monte Cara” pode ser entendido como um recado àqueles que tentam co- »»Os nomes que vêm sendo ventilados para a lista do PAICV, em São Vicente, com locar Manuel Inocêncio Sousa e João do Carmo em lugares vista às eleições legislativas de 2016, “são meras especulações”. Esta tomada de po- de destaque na lista para as le- sição é do presidente da Comissão Política Regional (CPR), Alcides Graça, que as- (JHA), que esteve, no passado gislativas de 2016. “Nós fomos segura que a lista será elaborada e hierarquizada pela estrutura do partido na ilha, fim de semana de visita à ilha eleitos e os outros foram desig- de São Vicente, onde presidiu a nados”, reitera aquele dirigen- em concertação com a Direção Nacional. uma assembleia de militantes te, ciente do valor semântico e do partido. No encontro, JHA político das suas palavras. ro Coelho, terá uma certa re- para um dos lugares cimeiros to correcto nas últimas elei- disse ter “profunda convicção” A NAÇÃO sabe, no entanto, sistência em aceitar o nome de da lista, também, não é bem ções legislativas e autárqui- de vencer as eleições legislati- que o Conselho de Opinião do Manuel Inocêncio Sousa como visto por militantes dessa re- cas”. vas de 2016, mas, para tanto, PAICV em São Vicente, com- cabeça-de-lista para esse círcu- gião política, que consideram Este assunto deve ter sido pediu “muito empenho e mui- posto por António Neves, Olí- lo eleitoral. que o actual secretário-geral abordado com a presidente do to trabalho” a cada militante e vio Pires, Luís Fonseca e Ante- O nome de João do Carmo “não teve um comportamen- PAICV, Janira Hopffer Almada, amigo do partido. Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 A Nação Publicidade A5

A Nação A6 Vida A Nação Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 A Nação

»»Na ACRIDES, que- rendo, as crianças es- Uma carta para o futuro escrita por menino da rua crevem cartas para o fu- turo. Miguel (nome fictí- cio) não quer que a sua carta seja apenas mais uma. O seu sonho é, um dia, ser piloto de aviões. Mas, para isso, precisa de continuar a sonhar.

•Denise Lobo

“carta do futuro” é uma metodo- logia criada pela ONG Afrorreggae, que trabalhou du- rante algum tempo na periferia daA cidade da Praia, e adoptada pela ACRIDES na sua lida com crianças de e na rua, por via de um projecto de inclusão social. Através dessas cartas o “reme- tente” conta ao “destinatário” a sua vida, seus sonhos e desejos. Miguel, de 16 anos, escre- veu a sua “carta” em 2013, na biblioteca “Nha Balila”, da as- sociação. E foi nela que contou a sua existência, o nascimen- to em São Vicente, a mudança para a Cidade da Praia, com a mãe e os nove irmãos e o que se seguiu depois disso.

Lavar os pés

No dia desta reportagem, a biblioteca “Nha Balila” está va- la, estudei até o sexto ano, mas mãe foi com um irmão ao hos- zia. Ruth Gomes, voluntária e deixei a escola porque ela foi pital, foi a Tá quem me dava assistente social na ACRIDES há viver na Vila Nova. Volta e meia comida para eu dar aos meus nove anos, manda chamar Mi- ela mudava de zona e eu mu- irmãos. Por isso, sempre que guel com a esperança de ele dava de escola. Até que um dia, posso, eu a ajudo também”, aceitar conversar com o A NA- vim para Tira-Chapéu e a Ruth afirma. ÇÃO. Vinte minutos depois, ela levou-me à escola ‘Capelinha’, informa: “O Miguel mandou di- onde estudei até completar o Agressivo zer que vem, mas só depois de ensino básico e começar o li- lavar os pés, não quer aparecer ceu”. Tido como um adolescente com os pés sujos de terra por- Miguel estudou até a meta- agressivo, Miguel aceitou es- que estava a jogar à bola quan- de do terceiro semestre do séti- crever a sua “carta do futuro”, do o mandei chamar”. mo ano. “A cabeça não me deu por desafio de Ruth e demais Timidamente, a espera é in- para ir mais”, diz com os olhos elementos da ACRIDES. “Desde terrompida com Miguel a asso- fixos no chão. Diz que preten- que escrevi a carta, muita coisa mar a cabeça na porta. Entra. É de, um dia, voltar a estudar. melhorou”, reconhece. “Passei um menino alto e forte. Aproxi- É de favores que presta às para o liceu, fui para os pupilos ma-se, senta-se e a nosso pedi- pessoas do bairro, em troca da Acrides… fiz muita ‘cabeça do começa a contar a sua his- de comida e lugar para dor- rixu’, fui tirado dos pupilos, mas tória. mir, que Miguel sobrevive. Vive hoje arrependo-me de ter saí- “Eu morava com a minha numa casa com dez pessoas. do de lá”, confessa. avó em São Vicente e a minha Depende do dinheiro que uma Como qualquer criança da mãe foi me buscar e trouxe-me moradora do bairro, de nome sua idade, Miguel também so- para Praia. Tudo mudou. A mi- Tá, lhe dá, vez ou outra. “Tá aju- nha com o dia de amanhã. O nha mãe colocou-me na esco- da-me muito. Quando a minha seu sonho é ser piloto. “Pergun- Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 A Nação Vida A7

A Nação Uma carta para o futuro escrita por menino da rua

tei à minha avó como se cha- corro”, de crianças e adolescen- seu trabalho com crianças e pouco de tudo das actividades mas o facto de não haver uma mava a pessoa que levantava o tes, como Miguel, a pedir para adolescentes como algo carre- extra-curriculares: pintura, co- equipa multidisciplinar para avião e ela disse-me que era pi- sair do tipo de vida que levam. gado de muitos desafios. “Esti- lagem, visitas guiadas, colónia um acompanhamento correc- loto. Então, decidi que era isso Ruth e Miguel têm uma rela- vemos a trabalhar com crianças de férias,...”, enumera. to, para um seguimento como que eu quero ser”. ção próxima. “Quando ele che- de e na rua com poucas opor- Embora existam crianças deve ser, para a protecção da Os sonhos deste futuro pilo- gou aqui, fui eu que o coloquei tunidades. Mas, através de um que repetiram de ano e são criança, acabámos por falhar”, to, porém, vão um pouquinho no liceu e nos pupilos. Mas o engajamento com a associa- também atendidas no centro, lamenta. “A assistente social além. “O meu outro sonho é comportamento violento – ção, puderam alcançar os seus Manuel Gonçalves acrescenta, não pode fazer tudo sozinha. poder ajudar as pessoas como uma vez bateu num rapaz com objectivos”, pontua De Pina. ainda, que a cada semana apre- Tínhamos que ter um psicólo- me ajudaram a mim”, frisa. uma cadeira na cabeça! - fez As crianças que frequentam senta-se um tema, como desa- go”, repisa Lourença Tavares. Falar da ilha-natal, São Vi- com que os responsáveis nos o centro da ACRIDES ficam divi- fio, para explorarem a capaci- A falta de coordenação e a cente, fazem lágrimas sair dos chamassem para irmos buscá- didas entre “de e na rua”. Gon- dade comunicativa e o conhe- falta de recursos humanos para olhos do Miguel. “A minha vida -lo”, realça. çalves clarifica que, tendo em cimento geral dessas crianças. trabalhar são obstáculos que a era muito melhor em São Vi- Depois disso, Ruth explica conta que a associação ainda E que o objectivo “não é traba- Lourença diz dificultar, muitas cente. Eu morava na Ribeiri- que Miguel deixou de ter um não tem um centro de acolhi- lhar para as comunidades, mas vezes, o sucesso de alguns ca- nha, sinto vontade de lá voltar”, lugar fixo para morar. “Não tí- mento, as crianças de rua, nor- com as comunidades”. sos de crianças na associação. confessa. nhamos onde deixá-lo. Não ti- malmente, são encaminhadas A presidente daquela ONG nha uma família e cada dia para o ICCA (Instituto Cabo- “É nos bairros que alega que a metodologia “car- Os voluntários dormia em uma casa”. -verdiano da Criança e do Ado- estão os problemas” ta do futuro” é uma espécie de Neste momento, Miguel aju- lescente), para que possam ob- “pontapé-de-saída”, para se sa- Ruth Gomes conta que mui- da pessoas de Tira-Chapéu em ter uma família e um lar para Lourença Tavares, presiden- ber o que a criança tem na alma. tas crianças confiam as suas troca de comida. “Quando ele morar. te da ACRIDES, advoga que “Quando chegamos à fase final, histórias através de cartas. “Há me vê, sempre fica contente As crianças na rua são acom- para assumir a protecção das podemos escrever mais uma casos em que crianças contam porque sente que queremos fa- panhadas, de acordo com o crianças é preciso estar nos carta para fazermos uma com- que os pais as obrigam a roubar zer algo por ele”, afirma Ruth. seu horário escolar. “Se essas bairros. “Tivemos um caso paração. Precisamos ouvir as e a pedir dinheiro na rua”. Al- Manuel Gonçalves de Pina, crianças vão às aulas no pe- de uma criança cuja reinser- nossas crianças para um melhor gumas cartas, segundo a nossa voluntário também e animador ríodo de manhã, trabalhamos ção conseguimos com a aju- diálogo e uma melhor proteção”, interlocutora, são “gritos de so- social há dez anos, descreve o à tarde com elas. Fazemos um da de uma instituição parceira, conclui Lourença Tavares. A8 Opinião A Nação Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 A Nação Justiça, Tribunal Constitucional, uma trapalhada etcétera e tal

Como é sabido, entre nós o e os homens têm e têm direito de cisões dos tribunais invadindo a nados a fins de utilidade pública Supremo Tribunal de Justiça (STJ ter as suas convicções políticas, esfera do executivo. como pagamento de salários ou – que é topo na hierarquia dos que se insinuam indelevelmen- Isso é o reverso da excessiva pagamento de dívida externa, ou tribunais comuns) – , acumula, te nos seus juízos mais isentos. judicialização do político, anco- socorro a vítimas de calamidades pela Constituição da República Ponto é, para um juiz, saber evi- rada em leis cuja filosofia sujei- naturais, nenhum deles faz a mí- (CR), funções de Tribunal Cons- tar o subjectivismo, a parcialida- ta toda a atividade governativa a nima ideia, ao decidir penhorar Rui Araújo titucional (TC), enquanto este de, o favor político, a injustiça no um crivo apertado de formalida- 50 ou 100 mil contos no BCV, se não se instalar autonomamente. caso concreto, usando habilmen- des jurídicas, não lhe deixando outros não estarão a fazer o mes- Assim, além do mais, o STJ, te a fácil confusão entre direito e margem mínima de mérito, para mo na mesma altura, perigando como TC, julga o contencioso ideologia, ou a amplidão dos con- conformação do real. um Estado financeiramente frá- eleitoral, os recursos ligados aos ceitos constitucionais. Acredita-se que um mau re- gil. direitos fundamentais (habeas Numa Democracia jovem sultado, desastroso mesmo para Recentemente uma lei veio corpus, habeas data, recurso de como a nossa, marcada por um o interesse público, conseguido clarificar as coisas, evitando essa amparo…), fiscaliza a constitu- extremado bipartidarismo, este num quadro de respeito por for- situação. O Presidente da Repú- cionalidade das leis no sentido de é um perigo, pois nela se for- malidades legais, é mais louvável blica deu o seu veto político con- as normas legais inconstitucio- maram e vivem os nossos juízes que um excelente e justo resulta- tra essa lei, por entender que ela nais serem banidas da ordem ju- e a libertação não é fácil. Have- do obtido com alguma irregulari- violava um alegado princípio rídica, etc. rá ainda entre os magistrados dade formal. constitucional de igualdade en- Até recentemente os partidos um ou outro “turco”, retrancado Claro que uma consequência tre o Estado e os particulares (ci- políticos não se tinham posto de na irresponsabilidade dos juízes, primeira é os tribunais se entupi- dadãos, empresas comerciais…) acordo sobre nomes para o TC praticamente ilimitada. rem de toda a casta de processos, e depois pediu fiscalização de e havia acusações recíprocas de Porém, embora o nosso sis- muitos dos quais não estão pre- constitucionalidade ao TC. falta de vontade política. Dizia a tema judicial seja moroso, ine- parados para enfrentar senão por Felizmente esse recurso mere- oposição que sem um TC autóno- ficiente e ainda cheio de graves decisões de improviso; e o Esta- ceu um redondo indeferimento, mo não se cumpre a Constitui- defeitos, a verdade é que vai evo- do, sem uma administração mi- por unanimidade dos sete juízes ção e fica diminuída a democra- luindo e amadurecendo e há ra- nimamente autónoma, esvaziado do STJ/TC, num acórdão memo- cia. zões de esperança em que tais de autoridade e sem nenhum ser- rável! Mas a verdade é que a CR não magistrados, que já hoje se con- viço de contencioso, vai, através Milita-se, em Cabo Verde, en- afirma que o TC deva ser instala- trastam nele como peixes amare- de leis “democráticas” e decisões tre o culto de Constituição, o fa- do de imediato e não existe uma los num mar verde, acabem por voluntaristas sem estudo de im- natismo que a desacredita e uma tal essencialidade democrática: ser peixes fora de água. pacto, prometendo a todos o que euforia ideológica individualis- muitos países, como os EUA, não Não se confunda tudo isso, nem a poucos pode dar e, por for- ta que não conhece como limite têm tribunal constitucional, es- entretanto, com o fenómeno da ça de decisões judiciais, dando a nem a liberdade do outro nem o tando neles toda a Justiça entre- politização do jurídico, ligado a poucos mais do que prometeu a interesse da comunidade. gue aos tribunais comuns e nem um princípio constitucional da todos. Antes, quando um cidadão por isso a Constituição ou a De- tutela jurisdicional efectiva in- Quando hoje em dia certos matava outro ele praticava um mocracia não se cumprem. terpretado em tanto excesso que juízes “agridem”, com penhoras, acto hediondo e lá no fundo lu- O constitucionalista Prof. conduz a violações do princípio os ativos do Tesouro depositados zia o bíblico “Não Matarás”. Hoje Doutor Wladimir Brito (curio- de separação de poderes, com de- no Banco de Cabo Verde, desti- será de “cultura democrática” di- sidade: não conheço outro cabo- -verdiano doutorado em Direito), tido como “Pai” da Constituição, sempre considerou justificável que a Justiça Constitucional fos- se realizada pelo STJ. E são mui- tos os juristas e políticos nacio- Com o fenómeno nais a defender essa ideia. Há quem diga não ser conve- da politização do niente que o STJ continue a deci- jurídico, ligado dir em assuntos típicos da justiça a um princípio constitucional dado que o pen- dor político desses assuntos não constitucional da se adequa à isenção que deve pre- tutela jurisdicional sidir a acção dos juízes dos tribu- nais comuns. efectiva interpretado É um argumento pobre, que em tanto excesso que parte da ideia errada de que os pronunciamentos em matéria conduz a violações constitucional não pertencem ao do princípio de Direito e à Justiça, antes são de foro estritamente político, quiçá separação de poderes, partidário. Trata-se de um equí- com decisões dos voco também possível a nível da tribunais invadindo justiça comum. A Justiça é feita por homens e a esfera do executivo. não por “robots” (ainda assim é) Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 A Nação Opinião A9

A Nação Justiça, Tribunal Constitucional, uma trapalhada etcétera e tal

zer-se que que ele violou a Cons- E quanto ao TC, cujos mem- mear como suplentes juízes em te, pois nenhum poderá obter comum, que bem precisa, e radi- tituição. bros (não juízes) finalmente fo- exercício de funções sem auto- dois votos favoráveis se não for cando aí a Justiça Constitucional. Já por duas vezes ouvi afirma- ram designados? rização do Conselho Superior da contado o seu próprio voto em si Teríamos então 10 juízes num ção do estilo, vinda de funcio- Confesso que quando o nome Magistratura Judicial. mesmo. STJ/TC, apetrechados da toda a nários públicos: “Não quero dar do Dr. Benfeito Mosso Ramos foi Parecem-me cristalinas essas Trata-se – ingénuos não so- experiência acumulada na luta cumprimento a esta lei porque rejeitado por razões estritamen- contrariedades à CR, mas pessoa mos! - de mais um episódio de para a independência e isenção a meu ver ela é inconstitucional te partidárias, animei-me pen- autorizada já as afirmou: o Dou- teor partidário ligado à instala- dos tribunais, para o melhora- pois devia ser aprovada pelo Par- sando que ninguém mais acei- tor Wladimir Brito. Pergunta- ção do TC e é tudo isso que leva mento técnico e para fazer vin- lamento e não pelo Governo”. taria o cargo. De facto, se quem -se agora: quem julgaria tais in- às confusões acima referidas gar os princípios constitucionais, Seria um caos se na adminis- foi juiz Presidente do STJ durante constitucionalidades? O actual quanto à Justiça Constitucional. mesmo dentro das limitações e tração pública cada um pudes- dez anos, depois de ser magistra- STJ, chamado como quem cha- Esta é Direito e Justiça em toda a dos defeitos referidos. se agir desse modo, em nome da do de instância sempre de boas ma uma Velha Guarda? - Claro sua nobreza! Melhor seria assim do que jo- Constituição. referências, não podia ser juiz que não: o assunto será ultrapas- O Doutor Wladimir Brito bem gar fora – como agora se faz - esse Apesar de todos os males que do TC, quem mais o poderia ser sado por um grande e consensual que tinha defendido que, a criar- capital cultural e criar um TC au- se apontam à nossa Justiça, ela entre nós, senão por um critério Silêncio Partidário, que, na práti- -se um TC autónomo, este tives- tónomo minimalista, de 3 Juízes têm evoluído em todos os planos, consensual só partidário?! ca, é mais forte que a própria CR. se no mínimo 6 juízes. Mas para “desgarrados”, só para mostrar nesse contexto difícil, ultrapas- O Dr. Benfeito Ramos mos- Só que nem por isso deixaremos não perder a carroça do consenso que temos mais uma instituição sando formalidades contrárias à trou de forma clara, num recente de ter, à partida, um TC (logo um partidário alcançado, parece que democrática e constitucional. O justiça material e realizando aos artigo no “A Nação”, as dificul- TC!) marcado pela inconstitucio- o importante é avançar a qual- Estado não tem meios para su- poucos o princípio da justiça ad- dades jurídicas (inconstituciona- nalidade. quer preço. portar custos de ostentação de ministrativa efectiva, talvez mes- lidades) em que se enreda a cria- Uma situação desconfortá- Enfim, seria muito melhor (e democracia! mo colocando-se numa linha da ção do TC, com juízes suplentes vel actual resulta do facto de se- muitíssimo menos dispendioso) E termino felicitando os três frente perigosa para a segurança não previstos na CR e com a pos- rem só 3 os juízes do TC, dois dos acrescentar mais 3 juízes no STJ, ilustres e doutos eleitos, a quem jurídica. sibilidade de, contra esta, se no- quais com pretensões a Presiden- reforçando desse modo a Justiça desejo bom desempenho. A10 Diplomacia A Nação Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 A Nação MIREX homenageia Silvino da Luz

»»O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros Silvino da Luz foi, na quarta- -feira, homenageado pelo Ministério das Relações Exteriores pela sua acção ma sala do Palácio das Comunidades, em prol da diplomacia cabo-verdiana. O acto inédito acontece no momento sede do MIREX, na em que Cabo Verde completa os seus 40 anos de independência nacional. cidade da Praia, pas- Usa a ostentar doravante o nome de Silvino Manuel da Luz, o ho- mem que dirigiu a “casa” entre 1980 e 1991, substituindo Abí- Luz esteve também na diplo- lio Duarte, que na altura era macia do PAIGC, representando também presidente da Assem- esse movimento nos EUA. Nes- bleia Nacional Popular. se qualidade participou no en- Para aquele antigo com- contro com o enviado do então batente e diplomata, que foi primeiro-ministro de , também embaixador de Cabo Marcello Caetano, em Londres, Verde em Luanda (Angola) no visando um cessar-fogo entre o início desta década, nestes 40 PAIGC e Portugal, na perspecti- anos, o país teve “a felicidade va de negociações sobre as inde- de ter a disposição” diploma- pendências da Guiné-Bissau e tas por vocação, “trabalhado- de Cabo Verde. res infatigáveis e sempre dis- Foi ministro da Defesa e da poníveis” para o “debate sério Segurança Nacional, de 1975 a e afincado”. “A honra é tanto 1980, e ministro dos Negócios maior quando ela se insere nas Estrangeiros, de 1980 a 1991. cerimónias comemorativas do Como MNE participou em vá- 40º aniversário da nossa inde- rios encontros, na ilha do Sal, pendência”, frisou. com representantes de Ango- O ministro Jorge Tolentino, la, África do Sul, Cuba e EUA, que presidiu a cerimónia, clas- nho a quem veio a seguir”. O primeiro comandante Sil- nial em Kano, Nigéria, em 1963, negociações essas que have- sificou o acto de “eloquente”, Para Tolentino, o tempo em vino Manuel da Luz nasceu no junta-se ao Partido Africano riam de se saldar na indepen- dado que o homenageado “sou- que Silvino da Luz esteve como Mindelo, a 17 de Fevereiro de para a Independência de Guiné dência da Namíbia e retirada be estar à altura” das suas res- MNE (1980-1991) foi um perío- 1939, cidade onde frequentou a e Cabo Verde (PAIGC) no mes- das forças cubanas e sul-afri- ponsabilidades e deixar mar- do em que a diplomacia cabo- instrução primária e o liceu. Foi mo ano em que é designado canas de Angola em 1990. Sil- cas que perduram, ainda hoje, -verdiana viveu “páginas de mobilizado para prestar o ser- responsável da Luta Armada e vino da Luz, sabe A NAÇÃO, na diplomacia cabo-verdiana. particular elevação”, as quais viço militar obrigatório, tendo membro da Comissão de Recru- está a preparar as suas memó- “Mas do que isso, tal como num “não deixarão de ter um trata- servido como oficial miliciano tamento e Preparação Política rias como forma de passar o corrida de estafeta”, Silvino da mento de registo e leitura his- do exército colonial português. dos Combatentes. seu testemunho à história re- Luz “soube passar o testemu- tórico”. Desertado do exército colo- Além de militar, Silvino da cente de Cabo Verde.

Praia sede da IDC–África

O MpD vai ganhar maior protago- mundo”, de forma a aumentar a possi- IDC, organização. mo, ao mesmo tempo que agradeceu o nismo no seio da família da Internacio- bilidade de o arquipélago estar conec- Alberto Ruíz Thiery considerou, ministro da Justiça pela abertura en- nal do Centro Democrático (IDC), com tado com os dois principais mundos por seu turno, de “muito importante” contrada. a instalação da sede da filial para Áfri- políticos existentes. para Cabo Verde e uma “boa escolha” O coordenador-geral disse que a ca dessa organização política social José Filomeno acredita que esta para a Cidade da Praia ter uma sede da IDC conta actualmente com 16 parti- democrata. ofensiva poderá simbolizar “mais um IDC-África, alegando que o País pas- dos africanos, em países como Ango- A documentação necessária para o passo na consolidação das relações in- sará a ter uma presença internacional la, Moçambique, São Tomé e Príncipe, registo da IDC – África foi entregue, ternacionais” do MpD, com vista a tra- “muito maior”. Gabão, Argélia, Senegal, Marrocos, quarta-feira, ao ministro da Justiça de balhar “activamente em prol dos inte- Este responsável disse ainda que a Mauritânia, Guiné Equatorial, Burkina Cabo Verde, José Carlos Correia, pelo resses de Cabo Verde” enquanto um IDC tem como a próxima ofensiva or- Faso e Guiné Bissau de entre outros, responsável do MpD com a IDC, José País portador de “valores da democra- ganizar um grupo parlamentar africa- num universo de quatro presidentes e Filomeno Monteiro, e pelo espanhol cia dos direitos humanos e dos estados no com todos os membros dos parla- primeiros-ministros, mais de 80 minis- Alberto Ruíz Thiery, coordenador-ge- de direito”. mentos Pan-africanos filiados na IDC- tros e mais de 750 deputados. ral desta organização política interna- O MpD conta implementar, ainda -África, alegando ter políticos influen- O líder do MpD, Ulisses Correia e Sil- cional. este ano, a Juventude IDC, a ser presi- tes na Europa e no mundo que poderão va é o presidente da IDC-África e vice- Prevê-se que Cabo Verde passe a dida por um outro país, mas que esta ajudar, tanto o MpD, como Cabo Verde. -presidente da IDC Internacional e vai contar com uma nova estrutura de força política cabo-verdiana irá partici- Alberto Ruíz Thiery fez questão de à Cimeira dos Líderes Mundiais desta apoio a nível internacional para se par “de forma activa” nos órgãos de di- destacar o apoio do Governo na reu- organização política agendada para os conectar com “os outros partidos do recção, assim como criar as Mulheres nião realizada a 7 de Novembro últi- dias 9 e 10 do corrente, no México. Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 A Nação Zig Zag A11

A Nação

(Des)organização 5 de Julho Com um ano inteiro para preparar com pompa e circunstância, O programa deste 5 de Julho está mesmo “bom pa filme”. atempadamente, os festejos, tudo foi feito em cima do joelho, de- Além de sair muito em cima da hora, sobre os joelhos, não notando total falta de organização e profissionalismo da Comis- pára de sofrer alterações. Viajando no tempo, a progra- são Nacional para a Organização dos 40 anos da Independência mação de 1975, apesar dos inúmeros problemas logísticos - CNO-40. Como se não bastasse, o cartaz oficial só foi fechado então existentes, deve ter corrido muito mais a preceito. dois dias antes dos festejos e o logotipo oficial do dissenso apre- Caso para se dizer que nem mesmo o tempo nos ensina sentado três dias antes. Tanto Zig e Zag em volta dos 40 anos que a não brincar com a data maior da Nação, o 5 de Julho de esqueceram o essencial, da publicidade! 1975. Ai, nôs Cabo Verde di Sperança!

Réplica Na falta de consenso, a cerimónia da réplica da bandeira hasteada no Estádio da Várzea, a 5 de Julho de 1975, teve de ir à vida. Porquê? Porque alguém, de repente, se lembrou de perguntar que “réplica” seria o acto previsto para a Vár- zea, isto é, qual das bandeiras seria hasteada, se a de 1975 ou se a actual? E na falta do célebre Consenso, entendeu-se que o melhor mesmo era não haver “réplica” nenhuma.

Transtornado I Segundo Carlos Veiga, a agenda de transformação de José Maria Neves “não transformou nada”, porque fazer “in- fraestruturas” é a coisa mais fácil de se fazer “quando há Transtornado II dinheiro”. “Há portos sem barcos, aeroportos sem aviões, Realmente, o líder histórico e espiritual dos estradas sem carros e barragens sem água”, sentenciou. ventoinhas tem toda a razão. Com dinheiro tudo faz-se e compra-se. Aliás, a máxima é de Gualberto do Rosário, o primeiro liberal a en- Dança diplomática sinar que dinheiro não é problema, problema De repente, o MIREX resolveu fazer as substi- mesmo é não ter ideias ou ter a vista turva. tuições e as nomeações nas embaixadas e nos ETCP e TACV No caso de Veiga, ZIG pergunta se o Mercedes consulados, acto conhecido entre nós por Dan- Bastou um ruído, mandado fazer por em que ele agora circula evolui ou não, suave, ça dos Diplomatas. Sempre que tal acontece, é encomenda, sabe-se lá por quem, para na estradas asfaltadas de Santiago. Com di- tempestade para uns e bonança para outros. E que a opinião pública começasse a nheiro foi possível fazer os aeroportos da Boa os corredores do Ministério são palcos de conju- mexer. O Estatuto dos Titulares dos Vista e de São Vicente onde aterram turistas ras, arrasta-rabos e cartas anónimas. Aliás, di- Cargos Políticos, aquele que foi repro- e nacionais vindos dos mais variados lugares plomata cabo-verdiano feliz só mesmo quando vado pelas manifestações e vetado do mundo. E quanto aos portos, estes, tam- está no exterior, de preferência nalguma missão pelo Presidente da República, de novo bém, coitados, não recebem navios cruzeiros, onde possa roncar em cima dos saltos. E nisto em agenda parlamentar? Logo agora servem apenas para o Povo das Ilhas passear há quem questione as competências de certos que as lideranças dos partidos andam e fazer de trampolim, ou então deixar-se em- embaixadores e cônsules de carreira, para de- desviadas pelas pré-campanhas e que basbacar com as escadas rolantes do terminal terminadas capitais, com nomeações que não os Mac’s da vida destroçados pelas fé- de passageiros do Porto Novo. O Poilão, coita- lembrariam nem ao menino Jesus em noite de rias? Logo agora que se preparam as do igualmente, não vê água… É cada uma em Natal. A ser assim é melhor recorrer a diploma- listas para as legislativas e o debate do saudação ao 5 de Julho que o ZIG pergunta se tas políticos. Estes pelo menos, às vezes, sabem Estado da Nação? Pior do que isso, só a Nação não merece coisa melhor. ao que vão. as novas tarifas da TACV.

Ficha Técnica Ano VI – nº 409 – Semanário – De 05 a 08 de Julho de 2015- Registo Legal: Nº 03/2007 - Propriedade: Sociedade A NAÇÃO Cabo Verde, Ldª Endereço: Cidadela – Caixa Postal: 690 – Praia - Cabo Verde - Telefone (PBX): (+238) 262.86.77 - E-mail: [email protected] e [email protected] www.anacao.cv Director-Geral: Fernando Rui Tavares Ortet

Director: Alexandre Semedo - Director de Produção: José Augusto Sanches - Editor-Executivo: José Vicente Lopes - Editores: João Almeida (Coordenador em São Vicente e Zona Norte), Daniel Almeida e Gisela Coelho - Redacção: Carla Gonçalves, Letícia Neves e Silvino Monteiro - Estagiários: António Neves, Denise Lobo, Jacqueline Neves e Jason Fortes - Colaboradores e Colunistas: Albino Moreira, António Carlos Gomes, António Correia e silva, Antonino Veiga, Clóvis Silva, Daniel Medina, Donaldo Macedo, Edson Medina, Euclides de Pina, Geraldo Almeida, Felisberto Vieira, Helena Fontes, Luis Carvalho, Luis Leite, João Branco, João Vieira, José Carlos Teixeira, Lourenço Lopes, Júlio Correia, Marciano Moreira, Margarida Fontes, Paulo Mendes e Pedro Moreira - Designer: Amilton Borges e Leónia Sanches (Estagiária) - Departamento Comercial, Distribuição A Nação & Marketing: Edmira Correia - EUA: César Silva e Leonel Brito - Impressão: EGF - Empresa Gráfica Funchalense - Tiragem: 5.000 Exemplares - Telefone (PBX): (+238) 262.86.77 - E-mail: [email protected] A Nação / [email protected] A12 Publicidade A Nação Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 Nº 409 | De 05 a 08 de Julho 2015 A Nação Parte Integrante de A NAÇÃO 409 - 05 a 08 de Julho 2015 - Não pode ser vendido separadamente ANOS ANOS 2 PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação

Da improbabilidade às novas demandas

EDITORIAL bém poeta José Luís Tava- na juventude é duplicada, a Os jovens reclamam mais país improvável, marcado NAÇÃO jun- res explicita: “Demo-nos um pobreza ainda resiste e atin- integração, educação e em- pelas impossibilidades. ta-se à ci- novo começo na voz/áspera ge os 24%, e a dívida públi- prego, os trabalhadores re- dadania ca- das ribeiras, nas madruga- ca transborda o razoável e clamam mais direitos la- Estamos hoje, neste Dia 5 bo-verdiana das/ de conjuras, nos trope- raia os 114% do PIB. Para borais e sindicais, e os em- de Julho de 2015, ainda “de para come- ços destes versos/ que não não falarmos da criminali- presários reclamam mais boca concêntrica na roda morar o 40º pedem meças às aves al- dade galopante e da violên- condições económicas e do sol”, como diria o poeta AniversárioA da Independên- quebradas/ pelos langores cia (doméstica e pública), a de geração de riquezas. Os Corsino Fortes, no seu la- cia Nacional, com este nú- doutros céus”. desmistificarem a ideia de emigrantes também exigem pidar poema a prenunciar mero especial, evocativo sermos uma sociedade de mais atenção. E as mulhe- que Cabo Verde “É raiz & es- mas também de questiona- Temos sido elogiados pela brandos costumes e de mo- res insistem em mais pari- fera no seu tempo & modo/ mentos vários. Boa Governação, pela esta- rabeza. dade e equidade do géne- De pouca semente/ E muita bilidade política e pela go- ro. Novas demandas, nunca luta”. Nunca é de mais lem- vernabilidade, assim como dantes formuladas, surgem brar que, ao longo destes pelos direitos e garantias no país em transformação. Aqui e agora estamos, 40 anos, fomos construin- aos cidadãos. Temos estado Ao longo destes O próprio país, Cabo Ver- pois, todos juntos, a co- do, pedra a pedra, degrau a entre os primeiros em África, de, precisa crescer mais e memorar esta Pátria, que é 40 anos, fomos degrau, o país possível que é no concernente às liberda- distribuir melhor. Precisa nosso projecto colectivo. A hoje Cabo Verde, tornando-o des individuais e à liberda- construindo, pedra de melhor equilíbrio sócio- comemorar esta Nação que numa certeza, embora com de da imprensa, ao Índice de a pedra, degrau a -ecónomico. De mais qua- se fortalece a cada dia, de- inúmeros outros problemas Desenvolvimento Humano e lidade de vida e bem-estar vido ao afã de “muita luta” e desafios por enfrentar e aos cumprimentos dos Di- degrau, o país possível para as pessoas. em cada um de nós, sem resolver. reitos Humanos. que é hoje Cabo Verde, desânimo e pessimismo. Há 40 anos, o poeta Oví- Naturalmente que nem tornando-o numa Cientes de estarmos ain- dio Martins, retratando o que tudo são rosas. Vivemos um da em pleno caminho, per- A NAÇÃO exorta, pois, to- éramos, sublimou em vate: tempo de acalmia económi- certeza, embora com sistem, ao balanço destes dos, a festejarmos este 5 de “O mar transmitiu-nos a sua ca e a crise internacional, inúmeros outros 40 anos, razões fundadas Julho, dia que é nosso e é perseverança/ Aprendemos instalada aqui desde 2009, problemas e desafios para encararmos o futu- grande, e que nos abre pers- com o vento a bailar na des- veio expor a nossa vulne- ro com entusiasmo e con- pectivas futuras para novos graça/As cabras ensinaram- rabilidade estrutural. O de- por enfrentar e fiança. Ao fim e ao cabo, já horizontes. -nos a comer pedra para não semprego é elevado (mais resolver não somos os Flagelados do perecermos”. E hoje, o tam- de 15%) e a sua incidência Vento Leste, nem somos um A Direcção ANOS PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 3 ANOS

4 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação

»»“Assim, nós, Povo das Ilhas, quebramos as ca- deias da subjugação e escolhemos livremente o nosso destino africano. (...) Hoje, 5 de Julho de 1975, em teu nome, a Assembleia Nacional de Cabo Verde proclama solenemente a República de Cabo Verde como Nação Independente e Soberana”.

Estádio da Várzea, 5 de Julho de 1975 ANOS PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 5

Reprodução do texto da Proclamação da Independência de Cabo Verde - Cortesia ANOS

6 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação As mutações da educação em 40 anos de história

EDUCAÇÃO Jacqueline Neves

e fracos recur- sos a país de desenvolvimen- to médio, Cabo “DVerde muito fez para chegar ao patamar em que hoje se en- contra. A nível da Educação não é diferente”, assim entende Carlos Reis, primeiro ministro da Educação do país, logo após a Independência, em 1975. Na altura, a Educação pa- decia de inúmeros problemas, tanto a nível de recursos finan- ceiros, quanto dos recursos humanos, cuja qualificação era baixa. Mas, ainda sim, o ensino já ocupava “uma parte impor- tante” no “pensamento” dos cabo-verdianos, a começar por aqueles que assumiram a responsabilidade de governar esta terra. Carlos Reis era um desses cidadãos. Militante do PAIGC, tinha estado na Guiné, de onde regressara com a pa- tente de comandante, até ser chamado a integrar, primeiro, o Governo de Transição e, de seguida, o primeiro Executivo chefiado por Pedro Pires. “Éramos uma sociedade com carências ligadas à ne- cessidades primárias das pessoas como água e alimen- tação, visto que, além de 1975 »»São diversas suas facetas, com perdas e ganhos, progressos e recuos, avan- ser um ano de seca, o país ços e retrocessos, 40 anos de história, 40 anos de ensino. O perfil do professor também vinha de outras se- mudou, o perfil do aluno mudou... E, nisso, resta ainda muito por fazer no do- cas anteriores, o que dificul- como Cabo Verde, que nem se- tou ainda mais, a primazia que mínio da educação e formação de quadros humanos, conforme alerta Carlos quer tem um milhão de habi- se podia dar à Educação. A si- Reis, o primeiro ministro da Educação de Cabo Verde independente. tantes, não consegue susten- tuação social deficiente logo tar oito universidades, quando conduziu a problemas no sec- o rácio de universidades por tor da Saúde também, pois, o fraco nível de escolaridade ou NAÇÃO. Evolução ou estagnação? habitantes é de, aproximada- estado nutricional das crian- mesmo pedagógico dos pro- Conforme Reis, os alunos ti- Carlos Reis vê a evolução do mente, uma universidade por ças era preocupante, de modo fessores. Muitos, diga-se, mo- nham o problema do acesso à ensino, no país, com satisfa- um milhão”. que era preciso relativizar a bilizados às pressas entre os escola, desde logo, porque, a ção, mas, também, com preo- Entende que a qualidade que importância que se podia dar jovens estudantes mais avan- rede escolar não era alargada, cupação, pois, acredita que “a tanto se questiona é algo de aos outros sectores, em detri- çados. os melhores professores fa- evolução é constante e a busca difícil discussão já que “não se mento da Educação, quando “O perfil social do professor ziam o que estava ao seu al- pela qualidade tem de ser per- pode ter respostas absolutas”, se tinha de fazer frente às ne- reflectia muito o perfil da maior cance para ficar na cidade, manente”. E nisso diz ter um porque não sendo estáticas, cessidades que têm a ver com parte das pessoas da socieda- com claro prejuízo para o meio misto de esperança e preocu- elas variam, dependendo de a própria sobrevivência das de cabo-verdiana. A sua ori- rural ou ilhas periféricas. “Era pação, porque, “é preciso mu- vários sectores e também “da pessoas”, recorda Reis. gem era diversa, e, embora, em preciso fazer muito trabalho dar, em um determinado mo- própria sustentação do subsis- muitos casos, a profissão fos- de equilíbrio na redistribuição mento, para algo sólido e isso tema”. E conclui: “O grande de- O perfil social do professor se passada de geração para de competências, sobretudo é feito com base na dinâmica safio é conhecer bem as con- geração, havia, também, pro- porque as qualificadas e em- que tem a ver com a própria dições que devem ser criadas Fora isso, a qualidade do fessores do meio rural, alguns penhadas eram poucas; esse sustentação”. Diante disso, para ver qual o nível de quali- ensino era condicionada pela com posses arremediados, ou- equilíbrio era feito através de quando olha para o Ensino Su- dade que se deseja”. pouca formação do pouco pes- tros com posses mais modes- uma prova de colocação”, frisa. perior no país, diz que “é preci- Reis mostra-se, igualmen- soal docente, desde logo pelo tas”, conta o entrevistado do A so ter cautela, porque, um país te, inquieto com o sistema ANOS De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 7 As mutações da educação em 40 anos de história Ministros da Educação educativo que se tem cons- dos que quando pedes uma Em 40 anos de ensino, Car- de 1975 à actualidade truído em Cabo Verde, no- exposição não consegues ler los Reis faz um balanço positi- meadamente, em áreas que aquilo que escrevem. Temos vo da caminhada, mas diz que Carlos Reis foi o primeiro Outros Ministros entende que o país não está, todos que interpelar o produ- é preciso acautelar o sentido ministro da Educação de Cabo ainda, preparados para su- to final, as promoções que os da afirmação que tem, tam- Verde, após a Independência -José Araújo (de 1981 a portar. “Para se ter um Sis- nossos sistemas de educação bém, os seus problemas pró- Nacional, sucedendo Manuel Agosto de 1984); tema de Educação com qua- têm estado a produzir e esti- prios que devem ser referidos Faustino que tutelava a pasta -Manuel Faustino ( de 1991 lidade, não se pode formar mular no aluno a vontade de sem complexos. A seu ver, es- durante o Governo de Transição. a 1995); quadros técnicos na área da conhecer, de estudar e de in- ses problemas “traduzem um Iniciou suas funções em 1975 -José Luís do Livramento farmácia, da medicina ou das vestigar”. processo de avanço e de su- e permaneceu até 1981, tendo, (de 1996 a 1998); engenharias, sem laborató- Reis apela ao gosto pelo cessos incontestáveis, mas também, sido um dos que mais -António Fernandes (de rios, e enquanto continuar- conhecimento e pede para que que põe sempre novos desa- tempo teve nesse cargo, isto é, 1998 a 1999); mos a não ter laboratórios, é as pessoas usem as tecnolo- fios e temos de estar à altura seis anos. Tal como Reis, Cor- -Filomena Delgado (de 1999 uma utopia muito grande pro- gias a seu favor e não se dei- desses novos desafios”. Por sino Tolentino também actuou a 2001); ceder à formação nesses ra- xarem usar pelas tecnologias, isso, diz, “o ensino em Cabo por seis anos como ministro da -Victor Borges (de 2001 a mos cujas condições não es- pois, “não se deve deixar que Verde, de uma forma geral, deu Educação, função que desem- 2004); tão criadas”. a máquina signifique o em- grandes saltos, mas são vitó- penhou de 1984 a 1990, sendo -Filomena Martins (de 2004 E acrescenta: “É como ter o pobrecimento da capacidade rias que não representam um o terceiro a tutelar a pasta. Por a 2008); Ensino Superior e não ter bi- mental e nem da inteligência todo absoluto”. sua vez, Ondina Ferreira e Oc- -Vera Duarte (de 2008 a bliotecas, é como pensar que da pessoa que só se consegue Como casos de sucesso de távio Ramos Tavares foram os 2010); e se tem um quadro de forma- com o trabalho do cérebro. pessoas que se formaram no que menos tempo estiveram no -Fernanda Marques ( de dos com licenciatura, mas Portanto, tem que haver lugar período pós-Independência, cargo, ambos por um ano, Ondi- 2011 à presente data). que nunca conseguiu ler um sempre ali para o exercício do destaca a geração dos ac- na de 1995 a 1996 e Octávio de livro até o fim, é ter licencia- cálculo mental”. tuais governantes. 2010 a 2011. ANOS

8 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação Como tudo começou

alar do percurso da comu- prolixo de toda a época colonial”. ções da rádio e dos principais jor- tituir os meios obsoletos que até nicação social, particu- O surgimento do Estado Novo nais portugueses da época. então eram utilizados para a feitu- larmente da imprensa es- em Portugal e a consequente ins- Foi precisamente alguns des- ra do jornal. crita, numa altura em que titucionalização da censura, limita- ses jovens que, juntamente com A chegada dos primeiros qua- se comemora o 40º ani- tiva da liberdade de imprensa, teve, outros quadros já com alguma ex- dros com formação específica na versárioF da independência de Cabo naturalmente, reflexo na imprensa periência na área, foram os pri- área, nomedamente jornalistas, foi OPINIÃO Verde, não é uma tarefa fácil e nem das ilhas, mas isso não impediu o meiros repórteres e estagiários na também uma etapa marcante no Carvalho Santos poderia ser feito só num simples surgimento de publicações como a rádio e no jornal públicos que sur- percurso da imprensa escrita esta- depoimento de circunstância. revista literária e cultural “Clarida- giram com a Independência. tal, tendo em conta que eles trouxe- No entanto, não fujo à tentação de”, surgida em 1936, na cidade do Como era de esperar, os “pio- ram um sangue novo ao jornalismo para, de uma forma muito resumi- Mindelo (São Vicente), e que está neiros” da comunicação social ti- que se fazia então em Cabo Verde. da e certamente com muitas la- no centro de um movimento de veram de fazer face às dificulda- Esses dois factores (meios téc- cunas e omissões, recordar como emancipação cultural, social e po- des de toda a ordem, resultantes, nicos e humanos), a que se junta tudo começou, ou seja, como fo- lítica da sociedade cabo-verdiana sobretudo, da escassez de meios, a montagem de um parque gráfi- ram dados os primeiros passos e de então. nomeadamente equipamentos e co autónomo, permitiram também as naturais dificuldades enfrenta- Contudo, quando se deu a Re- recursos financeiros. que o jornal “Voz di Povo”, já na das por aqueles que tiveram a volução do 25 de Abril de 1974, em Fazer um jornal nos primeiros parte final dos anos 80, passasse ousadia de assumir a grande res- Portugal, e que pôs fim à censu- anos após a Independência era, de um semanário (conhecido en- ponsabilidade de passar a asse- ra prévia nos teritórios então sob de facto, uma tarefa muito difícil tão pelo “quando calhário”, devido gurar o funcionamento da rádio o domínio colonial português, em e inimaginável nos dias de hoje, às constantes interrupções da sua e a edição do jornal estatal, num Cabo Verde apenas o jornal “Ar- onde o computador permite fazer públicação), para bissemanário, país que ia começar a dar os pri- quipélago” era publicado com al- quase tudo dentro das redacções. numa primeira fase, e, mais tarde, meiros passos como Nação Livre guma regularidade, pelo Centro de Basta dizer que os jornalistas, a trissemanário. e Independente. Informação e Turismo, departa- muitas vezes, tinham de escrever O surgimento, a partir dos anos Apesar de Cabo Verde ter sido mento de propaganda do regime os seus textos à mão, uma vez que 80, de novos órgãos de comunica- o pioneiro da introdução da im- derrubado. as poucas máquinas de escrever ção social pública, nomeadamen- prensa nas colónias portuguesas Para, de certa forma, ocupar o não chegavam para todos. te a agência de notícias e a televi- de África, quando começou a im- lugar do então jornal oficial da co- No entanto, tal como aconteceu são, também constitui uma etapa primir o seu Boletim Oficial, a 24 lónia, surgiu o jornal “Alerta”, edi- com o próprio país, o jornal “Voz para uma nova largada do sector, de Agosto de 1842, uma data que tado por um grupo de nacionalis- di Povo” passou, também, a tirar mais tarde complementada pelo o Governo decidiu, recentemente, tas, ligados ao PAIGC. Aconteceu, partido da evolução tecnológi- surgimento, sobretudo a partir da consagar como o DIA NACIONAL porém, que o “Alerta”, devido à ca que se foi registando ao longo abertura política nos anos 90, de DA IMPRENSA ESCRITA, Cabo Ver- sua posição totalmente a favor da dos anos. É caso das novas tec- jornais (impressos e on line), rá- de, dizíamos, ao contrário de ter- “independência total e imediata”, nologias de informação e comu- dios e televisões privados. ritórios como Angola e Moçam- acabria por ser suspenso pouco nicação (TIC), nomeadamente, os É-nos particularente grato bique, praticamente não herdou tempo depois do início da sua pu- computadores que vieram subs- constatar que muitos daqueles infra-estruturas e muito menos blicação e após a edição de ape- que hoje estão à frente ou labu- quadros do sector, nomeadamen- nas cinco números. tando nos órgãos de comunicação te, jornalistas com a formação Surgiu então o “Novo Jornal de social (agência de notícias, televi- adequada para que pudessem dar Cabo Verde” (não confundir com o são e jornais), que foram surgindo respostas aos desafios que se co- jornal com o memso título surgido ao longo dos anos, passaram pelo locavam com o advento da Inde- nos anos 90), um semanário, dirigi- Com o aproximar da que se convencionou chamar a pendência Nacional. do por militares portugueses, repre- data da proclamação “escola do Voz di Povo”. Isto apesar do arquiélago, so- sentantes da Junta de Salvação Na- Muitos viriam a ser, também, os bretudo depois da proclamação, cional no arquipélago, que foi publi- da Independência, protagonistas e impulsionadores em 1910, da República em Portu- cado até as vésperas do dia da In- colocava-se o de projectos que levaram ao sur- gal, ter visto surgir e desaparecer dependência, a 05 de Julho de 1975. gimento de órgãos privados de inúmeras públicações (jornais, re- Com o aproximar da data da problema de comunicação social que, como vistas, boletins, ...), tendo à fren- proclamação da Independência, formar pessoas que é justo reconhecer, têm dado um te personalidades como Luís Loff colocava-se o problema de formar contributo inestimável para o plu- de Vasconcelos, jornalista e escri- pessoas que pudessem assegurar pudessem assegurar ralismo e a consolidação da De- tor que o Governo acaba, também, o funcionamento da nova rádio e a o funcionamento mocracia no nosso país. de homenagear com a escolha da edição do jornal que, necessaria- A quantidade e a qualidade data do seu nascimento, 05 de Ja- mente, teriam de surgir logo de- da nova rádio e a de jornais que surgiram e se têm neiro de 1861, como o Dia Nacional pois do 05 de Julho. edição do jornal que, mantido de pé, depois que o Es- do Jornalista Cabo-Verdiano. A solução encontrada, na altura, necessariamente, tado se retirou do sector da im- Na sua obra “A IMPRENSA ES- foi o recurso a um pequeno grupo, prensa escrita, faz-nos acredi- CRITA CABO-VERDIANA 1820- formado por dez estudantes do Li- teriam de surgir tar no futuro da imprensa escrita 1975”, João Nobre de Oliveira, apon- ceu da Praia e que tiveram como logo depois do 05 de cabo-verdiana, agora, a cargo de ta “o período republicano que durou primeira ação de formação uma vi- privados, como componente fun- de 1910 a 1926, como tendo sido sita de estudo a Portugal para, num Julho damental e indespensável no pa- para o arquipélago, em termos de período de duas semanas, se intei- norama da comunicação social do títulos fundados, “o período mais rarem do funcionamento das esta- país. ANOS Publireportagem De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 9 ANOS

10 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação

»»A saúde é um dos sectores que PELOS CORREDORES DO HOSPITAL “DR. AGOSTINHO NETO” mais evoluiu nestes 40 anos da In- dependência de Cabo Verde. Em 1974-75, o Hospital Central da Praia, O milagre da saúde que cobria toda a região de Sotaven- to, tinha apenas quatro médicos, ca- bo-verdianos, para mais de cem mil habitantes. Hoje, o quadro é outro, bem diferente, como recordam al- guns “sobreviventes” desse tempo.

SAÚDE Denise Lobo

enrique Lu- Hospital Central da Praia, brano de San- hoje Hospital “Dr. Agostinho ta Rita Vieira Neto” (HAN). Tinha 28 anos é o primeiro e ficou colocado na Mater- nome que se nidade, mas com funções de ouve entre os gestão dos processos clíni- profissionaisH do Hospital da cos do que de assistência Em 1982 cidade da Praia, quando se aos partos, uma vez que não Central, em Julho de 1974, boa colaboração entre nós, pergunta pelo médico cabo- tinha experiência nessa ma- três meses depois do 25 de cabo-verdianos, e os médi- começaram -verdiano mais antigo e que téria. Abril”, lembra. cos militares portugueses”. mais esteve presente na his- “Trabalhavam no Hospi- A partir daí, três períodos A agitação política, por a voltar os tória da medicina deste ar- tal, na altura, o director, o marcaram o percurso pro- parte, também, dos médi- quipélago. Antes e depois da Dr. João Baptista Morais, o fissional de Lisboa Ramos cos, resumia-se a organi- primeiros Independência. Numa outra Dr. Henrique de Santa Rita no Hospital “Dr. Agostinho zações de comités políti- médicos ilha, a resposta seria, certa- Vieira, o médico cirurgião Dr. Neto” ou Hospital Central da cos, consultas voluntárias mente, outra. Pouco importa José Cohen, o Dr. Godinho, o Praia, como ele faz questão em diversos povoados de formados para os propósitos desta re- Dr. Guitana, e uns três médi- de mencionar. Santiago, informações aos portagem. cos militares portugueses, e Com o 25 de Abril, o ano quadros políticos do PAIGC com a E é no livro de autoria de eu”, lembra Lisboa Ramos. de 1974 é marcado por uma sobre a situação sanitária, Independência Santa Rita Vieira, “História Na enfermaria de San- intensa mobilização política, as disponibilidades em pes- da Medicina em Cabo Ver- ta Isabel, onde tinha uma em que, praticamente, “to- soal, estruturas e equipa- de”, no capítulo VI, que cobre sala com cerca de 12 ca- dos” se mostraram engaja- mentos existentes e as prin- o período 1895 a 1975, que o mas, aquele médico dava dos em prol da Independên- cipais doenças correntes. autor explica que Cabo Ver- consultas externas de clíni- cia de Cabo Verde. A adesão De 1 de Janeiro a 5 de Ju- de conseguiu melhorar os ca geral, diariamente, e ti- ao PAIGC, partido de Amílcar lho de 1975, período do Go- níveis de assistência médi- nha distribuição de serviço Cabral, era grande e, logo, verno de Transição, a situa- ção do primeiro Governo de ca. Isto numa época em que de urgência que era por cha- a sua influência também. ção era mais clara em ter- Cabo Verde independente, os períodos de seca eram madas, em turnos rotativos, O fascínio era de tal forma mos políticos. “Com a parti- partiram todos os médicos uma constante, sendo, por dos médicos disponíveis, de grande, que até médicos es- da do director, o Hospital fi- militares portugueses no dia este motivo, um dos grandes uma semana de duração. trangeiros vieram a Cabo cou sem direcção e adpotá- 4 de Julho. causadores de morte nestas Por razões de serviço mi- Verde, por essa altura, dar mos o modelo que se vinha “No dia 5 de Julho estáva- ilhas. “Principalmente a ilha litar, ainda como nacional o seu contributo para a afir- usando em Portugal, isto é, mos efectivos, no Hospital de Santiago, que era consi- português, João de Deus mação do novo país a nas- a criação de órgãos colecti- Central da Praia, quatro mé- derada como cemitério dos Lisboa Ramos fez uma in- cer a 5 de Julho de 1975. vos. Elegemos um Conselho dicos nacionais: Dr. Henrique europeus...”, escreve aquele terrupção e partiu para a ilha “Nesse período tinham Directivo do Hospital do qual de Santa Rita Vieira, Dr. Pe- médico e historiador. do Fogo. “Depois viajar pelo chegado à Praia o Dr. Pedro acabei por ficar presidente, dro do Rosário, Dr. Teófilo de Em Fevereiro de 1969, ain- Fogo, Brava, São Nicolau, do Rosário e o Dr. Teófilo de o que correspondia, mais ou Meneses e eu, João Lisboa da jovem e como primei- Santo Antão e São Vicen- Meneses, antes colocados menos, às funções de direc- Ramos. E dois estrangeiros, ra actividade profissional, o te, como delegado de saúde no Sal, como médicos mili- tor”, afirma Lisboa Ramos . os médicos belgas, um deles médico João de Deus Lis- nessas ilhas e único médico tares. Tinham saído alguns Depois do 5 de Julho, após de nome Dany... O Dr. Irineu boa Ramos, hoje reforma- nas quatro primeiras, vol- médicos e outros funcio- a proclamação da Indepen- Gomes iniciaria funções logo do, iniciou funções no então tei à Praia, para o Hospital nários para Portugal. Havia dência Nacional e a instala- a seguir e o Dr. Francisco ANOS De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 11

PELOS CORREDORES DO HOSPITAL “DR. AGOSTINHO NETO” Manuel Boal O milagre da saúde

xas e reclamações de insufi- “O que me marcou é que o início da fase romântica ciência, eram incomparavel- havia falta de médicos e en- dos profissionais de saú- mente outros quer em pes- fermeiros no início da in- de”, afirma de novo João de soal quer em instalações e dependência. Houve uma Deus Lisboa Ramos. “Havia equipamentos”. grande evolução em termos muito entusiasmo. Muitos Entre consultas limita- de infraestrutura e pessoal”, de nós não tínhamos horário das e centenas de pessoas constata hoje Manuel Boal, pelo menos de saída. Lem- frequentando o banco de que mais recentemente foi bro do Dr. Pedro do Rosário, urgência como se fossem diretor-geral da Saúde, no por exemplo, que pratica- consultórios médicos, havia tempo em que Basílio Mos- mente vivia no Hospital, das Fragoso chegaria, também, tes aqui ficaram eram cuba- o obstáculo do diálogo en- so Ramos foi ministro dessa 8 da manhã à noite. E não pouco tempo depois”. nos, egípcios e alguns cabo- tre alguns dos médicos e os pasta. era só ele, muitos outros sa- -verdianos”, lembra Manuel pacientes. “É claro que ha- A saúde das pessoas, no crificavam o descanso ou o Quadro médico Gomes, também ele médico via certa diferença no aten- entanto, não dependia ape- conforto familiar para aten- cabo-verdiano cabo-verdiano, formado em dimento entre os pacien- nas do hospital e dos médi- der às necessidades da po- medicina desde 1982, com tes portugueses e os cabo- cos. Mas também, e acima pulação que procurava o Ainda no ano de 1975, com especialização em Cirurgia -verdianos. Principalmente, de tudo, de uma boa alimen- Hospital”. Cabo Verde já independen- Maxilo-Facial desde 1990. no que se tocava à comuni- tação, água e saneamento Casado, como atrás se te, saíram vários estudantes Poucos médicos, poucos cação. Os pacientes cabo- básico. “Morria-se muito de disse com uma combaten- para formação no exterior. A recursos. Era assim em tem- -verdianos tinham dificulda- diarréia, sobretudo crian- te cabo-verdiana, com quem maior parte ruma para a en- pos idos, num país de ca- des em se expressar para os ças. Havia o enterro dos an- tem dois filhos, Manuel e Li- tão União Soviética (Rússia), rências mil. Diante disso, os médicos estrangeiros”, re- jos: caixõezinhos pequeni- lica Boal fizeram questão Cuba, Hungria, Roménia, Po- quadros do sector tinham o corda Manuel Gomes. nos com muitas crianças a em estar presentes no acto lônia… Nos anos 80, o país tempo todo de utilizar a ca- O médico e pediatra ango- acompanhar, coisa que hoje da proclamação da inde- começa a receber e formar beça e a sabedoria. E, cla- lano Manuel Boal trabalhou, já não se vê, felizmente”, pendência de Cabo Verde, a o seu quadro médico. Con- ro, também a cultura da boa voluntariamente, por um ano lembra Manuel Boal. 5 de Julho de 1975, vindos sequentemente, os médicos vontade. Manuel Gomes re- no HAN depois de ter volta- O país vivia um perío- de Bissau, onde passaram estrangeiros começaram a lata que havia o aspecto da do do golpe de Estado, de do muito pouco fácil. Havia a viver com a retirada dos diminuir também. Tomaram relação social. Com o pou- 14 de Novembro de 1980, uma alta da taxa de analfa- portugueses em Setembro posse, duma assentada, 22 co que se tinha conseguia- na Guiné-Bissau, aconteci- betismo e a transmissão de de 1974. médicos recém-chegados. -se desempenhar o trabalho mento esse que marca o fim conhecimentos não era fá- “Viemos todos para Cabo Apesar da memória trai- para resolver os problemas da unidade com Cabo Ver- cil. “Éramos poucos médi- Verde, assim como mui- çoeira, João de Deus Lisboa dos pacientes. Mesmo que de, conforme o programa cos, não era possível fazer a ta gente da Guiné também Ramos faz questão de citar isso significasse trabalhar do PAIGC, “dois países mes- educação de todos”, afirma veio”, recorda Boal, para nomes que vieram antes e por horas a fio e dormir no mo partido”. Casado com a Manuel Boal. “O que se con- quem a data foi um dia de nos primeiros anos da In- banco de urgência todos os combatente cabo-verdia- seguiu, com os meios que se “total euforia” e “explosões dependência: Henrique Ve- dias. “Não tínhamos recur- na Lilica Boal, também ele tinha, foi quase um milagre”. de alegria”, um sentimen- ra-Cruz, Afrânio do Rosário sos, mas tínhamos vonta- combatente do PAIGC, Ma- to que haveria de se repe- (1975), Alice Dupret, Maria de de trabalhar e levar Cabo nuel Boal decidiu não com- 5 de Julho de 1975 tir, no dia 7 em São Vicente. Jesus Carvalho e Carlos Ra- Verde para frente” afirma. pactuar com o golpe de Nino “Foi especial a proclamação mos (1977). Assim como Manuel Go- Vieira, optando por Cabo O ano de 1975 e o período da independência”, conclui “Em 1982 começaram a mes, o seu colega João de Verde, onde chega a traba- pós-independência foi um com orgulho de ter contri- voltar os primeiros médicos Deus Lisboa Ramos rediz: lhar por algum tempo antes tempo de muita mobilização buído para esse momento formados com a Indepen- “Os tempos eram outros, os de rumar para outras expe- das pessoas para o início da único na vida de Cabo Verde dência. Os médicos que an- recursos, apesar das quei- riências. reconstrução nacional. “Era e dos cabo-verdianos. ANOS

12 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação Os números da Independência

»»Em 40 anos de Indepen- dência, Cabo Verde passou por grandes transforma- ções, em todos os sectores, desde a educação à saúde, da política à economia... E os números atestam-no. O país obteve um crescimento considerável, sendo vários os indicadores em análise.

Em 1975 havia

ESTATISTICA apenas dois liceus António Neves e Jacqueline Neves no arquipélago, crescendo notavelmente, um em São chegando o país a receber população re- hoje cerca de 600 mil hós- sidente que Vicente, o mais pedes por ano, em 1975 só em 1975 era antigo (1937), e podia suportar até mil 316 de não mais hóspedes. Aliás, em 1975, que 276 mil outro, na Praia, sequer havia um hotel que 179 habitan- inaugurado em fosse digno desse nome na tes, hoje ultrapassa o meio Praia, capital do arquipéla- A 1962 milhão (512 mil 196), segun- go, e o que havia na ilha do do dados do INE, em 2013. Sal não passava de peque- Portanto, houve um aumen- nas hospedarias. to populacional de 236 mil e O país também melhorou 17, em 40 anos. na altura da Independência no que toca às infraestru- Se em 1975 a esperança não passava dos 7.5%, au- turas de educação, saúde, média de vida era de 57.6 mentou, consideravelmente, etc. Em 1975 havia apenas anos, agora é de 74 anos, para 65.1%. Da mesma for- dois liceus no arquipélago, sendo 72 para homens e 76 ma, a taxa de energia eléc- um em São Vicente, o mais para mulheres, o que signi- trica, que em 1975 era 13.9%, antigo (1937), e outro, na fica dizer que hoje os cabo- cresceu para 87%. Praia, inaugurado em 1962. -verdianos vivem, em mé- O acesso às instalações Hoje, o quadro é bem dife- dia, mais 16.4 anos do que sanitárias na época da In- rente. Quase todos os con- na época da Independên- dependência era de 11.8%. celhos têm escolas secun- cia. Hoje é de, aproximadamen- dárias, algumas de fazer Por sua vez, a taxa de te, 62%, estando, actualmen- inveja a países avançados. mortalidade infantil, que te, nos 73%. Praia, Mindelo e Assomada em 1975 era de 104 por Já, em relação ao PIB “per albergam universidades e cento (por cada mil crian- capita”, se em 1975 era de vários outras instituições de ças), diminuiu para 26 por 272 dólares, actualmente formação superior. Ou seja, cento (%), tal como a taxa ronda os 3762.12 dólares. milhares de jovens procu- de analfabetismo que pas- O índice de desenvolvimen- ram essas instituições para sou de 60.7 para 14.7%. to humano, por sua vez, au- a sua formação profissional, Segundo os indicadores mentou de 0.587 para 0.636 na expectativa de, com isso, da qualidade de vida, a taxa pontos. conseguir a sua realização de água domiciliária, que O turismo, sector que vem pessoal. ANOS PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 13 ANOS

14 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação Orlando Mascarenhas e a causa social

PERCURSO

Jason Fortes

atural de Santiago, fi- gura respei- tada da cida- de da Praia, antes da in- dependência,N Orlando Mas- carenhas foi funcionário da Câmara Municipal, do Ban- co Nacional Ultramarino e gerente da Adega do Leão. Também foi destacado des- portista, jogando pelo Spor- ting da Praia. Com a inde- pendência, teve que respon- der ao chamamento do en- tão primeiro-ministro, Pedro Pires, para assumir o Insti- tuto Cabo-verdiano da Soli- dariedade (ICS). O ICS foi criado pelo PAIGC, ainda antes do nas- cimento do novo país, a pen- sar já na gestão das ajudas que organizações amigas faziam chegar a este arqui- pélago, por via dos “conti- nuadores” de Amílcar Ca- bral. Era um período onde faltava de tudo um pouco, de condições alimentares à educação, passando por saúde, etc.

Jardins infantis e Centros sociais »»Orlando Mascarenhas, 79 anos, mente crianças e adoles- “família de acolhimento” e “Naquela altura apoiar as centes de rua. Em Santiago, monitoradas por uma “mãe crianças dos três aos seis é testemunha viva do período antes, mais precisamente em São SOS”. “Um trabalho que ain- anos era um privilégio es- durante e após a independência de Jorginho, nasceu o Centro da hoje é reconhecido pela pectacular, sobretudo por- de Formação Profissional. sua grandeza e nobreza”, que não havia esse tipo de Cabo Verde. No entanto, o contributo A par disso, o ICS lançou a afirma Orlando Mascare- actividade entre nós”, recor- que prestou ao país tornou-se mais construção de unidades sa- nhas, com visível orgulho. “A da Orlando Mascarenhas. nitárias de base em zonas par disso também criámos “Os jardins infantis, em Cabo evidente ao longo dos primeiros 15 rurais, bem como do desen- a Escola SOS do Lavadouro, Verde, apareceram com a in- anos que se seguiram ao 5 de Julho volvimento de actividades aqui na Praia”, acrescenta. dependência nacional, antes agrícolas, com projectos de Nos diálogos iniciais com não havia”. de 1975. Trabalhou na recuperação alta intensidade de mão-de- a Kinderdorf Internacional, Mas o trabalho do ICS não e promoção dos jovens e mais tarde -obra. da Áustria, entidade que a se restringia aos jardins in- nível global dava apoio atra- fantis. Era muito mais que no comércio, através da toda podero- Aldeia SOS vés de programas de fortale- isso. Estendia-se aos Cen- sa EMPA, a empresa que “tudo” po- cimento familiar para crian- tros Sociais. Orlando Mas- O ICS criou em 1984 a pri- ças em risco, através das Al- carenhas destaca, aqui, o dia importar. Também ajudou a pôr de meira Aldeia SOS de Cabo deias SOS, foi estipulado a trabalho do Centro de Ree- pé a Câmara do Comércio, Indústria e Verde, na Assomada, San- introdução desse modelo de ducação na Granja de São tiago, para albergar crian- apoio em Cabo Verde. Ficou Filipe, apoiando particular- Serviços de Sotavento. ças em risco, no seio de uma acordado o financiamento ANOS De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 15 Orlando Mascarenhas e a causa social Causa infantil em falta

total durante os próximos 10 der à demanda do transpor- A evolução da socieda- Verde é dos países mais anos ficariam a cargo dessa te das crianças até ao jar- de cabo-verdiana, nestes integrados no mundo”. A mesma entidade, mas que dim, o ICS acabou por criar 40 anos da independên- isso junta-se, conforme cia, no dizer de Orlando sublinha, a aposta nos re- o ICS deveria assumir essa uma companhia de trans- Mascarenhas, fez com que cursos humanos, como um responsabilidade no fim portes de nome “Transport “as famílias se descuidas- dos segredos do “sucesso” desse período. “Passados d’enfants”. Com o andar do sem das crianças que an- cabo-verdiano, já que este 30 anos, ainda hoje as Al- tempo, ela foi alargada para tigamente tinham grande é o “nosso capital de maior deias SOS têm participação o transporte colectivo de apoio e amparo nos jar- rendimento”. da Kinderdorf”, afirma. Hoje, pessoas das comunidades, dins e escolas”. “Questões Estes 40 anos da inde- as Aldeias têm mais de três com os “Transportes Solida- como a ausência de pai pendência deixam este ci- e, mais recentemente, de dadão, enquanto partíci- mil padrinhos espalhados riedade”, na Praia e no Min- mães também, têm con- pe desta gesta, satisfeito um pouco por todo o país e delo, o que contribuiu para tribuído para este descui- por aquilo que foi capaz também no exterior. valorizar o transporte ur- do” e que só “uma maior de contribuir. Desde logo As Aldeias SOS preten- bano de passageiros. “Com envolvência das famílias porque a realidade da sua diam orientar crianças em isso pretendíamos dar maior para educação dos seus fi- infância não se compara risco para, uma vez adultas, utilidade aos autocarros que lhos poderá constituir uma com a hoje, da mesma for- terem a capacidade de se inicialmente tinham um tra- solução”. De um modo ge- ma que a realidade de 1975 autonomizarem. Do univer- balho que se restringia às ral, apesar dos problemas não é mais a mesma de que ainda apresenta, Mas- hoje, volvidos 40 anos da- so das crianças que estive- crianças”, recorda a nossa carenhas afirma que “Cabo quele marco histórico. ram sobre a sua alçada, al- fonte. gumas conseguiram alcan- De novo, com o andar da çar as suas metas a nível carruagem, na década de profissional. Nomes como o 80, os “Transportes Solida- do músico Silvestre Masca- riedade” viriam a dar lugar à renhas (Bob), o da jornalis- “Transcor”, no Mindelo e na ta Ângela Pereira, Alexandre Praia. Mais tarde, nos anos Rocha, Ana Amarante, Elias noventa, com a privatização, Rocha, Eloisa Moreira, Hél- a Transcor da Praia desapa- der Tavares e Lissa Gonçal- receu, deixando o mercado ves são a prova viva do su- por conta da Sol Atlântico e cesso das Aldeias SOS. da Moura Company, como acontece ainda hoje. Sorte Dos jardins aos autocarros diferente teve a Transcor em São Vicente, que sobrevive Entretanto, para respon- ainda hoje.

Do ICS à EMPA

O contributo pessoal de Orlando das fomes; e, por outro, comercializar os Cabo Verde. “Construímos escritórios, sada pelos governantes era a de que a Mascarenhas aconteceu, primeiro, a ní- donativos (nomeação alimentares) que armazéns, moradias para os delegados EMPA deveria dar lugar ao privado, “mas vel do ICS e depois da EMPA (Empresa recebia da cooperação internacional nas várias regiões do país e também ha- o trabalho foi tão mal feito na ocasião Pública de Abastecimentos), neste caso e com o dinheiro foi possível financiar bitações para os trabalhadores”. que não se conseguiu privatizar a EMPA entre 1983 e 1991. inúmeros projectos de desenvolvimento De resto, o papel da EMPA na trans- e assim acabou-se por vender o seu Criada logo após à independência, a de Cabo Verde. Porém, com a democra- formação económica do país foi pre- património porque não houve apresen- EMPA foi durante a primeira república tização, não sobreviveu aos novos tem- ponderante na óptica deste cidadão e tação de privados interessados para o (1975-1991) o principal importador de pos, mais favoráveis à iniciativa privada. antigo gestor. Recorda que o volume de efeito”. produtos de primeira necessidade (mi- Hoje, independentemente dos juízos negócios da empresa, em 1983, quando A fechar a vida preenchida que teve, lho, arroz, açúcar...), mas também ma- de valor, Orlando Mascarenhas enten- assumiu as rédeas da casa, rondava um Orlando Mascarenhas foi também “pio- teriais de construção (cimento, ferro, de como justo “render homenagem” às milhão e 500 mil contos; em 1991, quan- neiro” na criação e instalação da Câma- etc.). A sua criação visou, por um lado, pessoas que conceberam a EMPA, em- do condenada a fechar as portas, esse ra do Comércio, Indústria e Serviços de assegurar a sobrevivência dos cabo- presa que chegou a empregar mais de valor andava à volta dos seis milhões de Sotavento, neste caso nos anos noven- -verdianos, afectados pelos traumas 1200 funcionários em todas as ilhas de contos. Na altura, recorda, a ideia pas- ta. ANOS 16 PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação OSVALDO LOPES DA SILVA, EX-MINISTRO DA ECONOMIA DA PRIMEIRA REPÚBLICA O homem que deu “luz” ao 5 de Julho PERSPECTIVAS Gisela Coelho

asceu em São Nicolau a 25 de Agosto de 1936, e an- tes de migrar para a Praia Naos cinco anos, teve uma passagem pela Boa Vista. Na capital fez a instrução primária e mais tarde rumou a São Vicente onde começou o ensino secundário, que vi- ria a completar em Angola, para onde se mudou, com os pais, e onde chegou, inclusi- ve, a ser quadro administra- tivo em 1957. Entretanto, muda-se para Portugal para estudar Enge- nharia, até que decide “fu- gir” em 1961, juntamente com outros estudantes afri- canos. É colocado em Mos- covo, antiga União Soviética, para estudar Economia. “Es- tive em Odesa, Kiev e Geór- gia, fiz formações milita- res...”, recorda.

Preparativos Vieram ter comigo

Quadro do PAIGC, Osval- aflitos e disseram: do Lopes da Silva haveria de amanhã é dia da se tornar figura chave nos preparativos da festa da in- independência e dependência. “Um dos pri- vamos estar às meiros problemas a resol- ver foi o de combustível para escuras porque não a central eléctrica. Vieram temos combustível ter comigo aflitos e disse- ram: amanhã é dia da inde- pendência e vamos estar às onde é, hoje, o Praiamar, que Esta viria a ser a sua pri- escuras porque não temos só tinha quatro quartos”. meira prioridade enquan- combustível”. Então, pas- to já ministro da Economia. sou logo uma carta à She- Matar a fome “Como tinha assistido a to- ll “a dizer para fornecerem »»Osvaldo Lopes da Silva, ex-ministro da das as mortes dos anos 40, combustível à Câmara Mu- Economia de Cabo Verde (1975 a 86), tinha Embora não tivesse ne- por causa da fome, como nicipal, e que tinham a ga- nhum cargo no Governo de primeiro responsável da rantia de que, caso a câmara 39 anos quando se deu a independência Transição, nesta altura, já economia centrei toda a mi- não pudesse, o governo, que e foi o homem que assegurou combustí- Osvaldo ia mexendo os “cor- nha atenção em resolver o ainda ia ser constituído, as- delinhos” para atrair ajudas problema de abastecimen- sumia. E forneceram”, recor- vel para alimentar a cerimónia do 5 de Ju- internacionais para o arqui- to”, conta. Esta acabava por da, agora, com gargalhadas lho. Dias antes, andava à cata de quartos pélago, quando o primeiro ser também uma “prioridade à mistura. Governo do país tomasse emocional”, para “qualquer Outro “problema” foi o alo- para alojar os “ilustres” convidados. No posse. “Eu estava encarre- um de nós que tinha lutado jamento dos vários convida- final, tudo correu bem e hoje orgulha-se gue das relações económi- pela independência” e era, dos estrangeiros. “Na altura cas e fui estabelecendo to- também, uma prioridade não havia hotéis. O maior da de Cabo Verde ser um país “viável”, mes- dos esses contactos, de ma- “política, mesmo”. altura era a pensão Paraíso mo quando muitos “duvidaram”. neira a garantir, à partida, Um processo, que reque- e havia também a Pousada, que não faltasse alimentos”. reu algum pulso forte. É que ANOS PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 17 OSVALDO LOPES DA SILVA, EX-MINISTRO DA ECONOMIA DA PRIMEIRA REPÚBLICA O homem que deu “luz” ao 5 de Julho

não faltavam ajudas, mas e desenvolvimento”, recor- de financiamento ao desen- colha em Santiago e em São era preciso que Cabo Verde da. volvimento, que não carre- Vicente, para mandar abas- controlasse o seu destino, Na altura foi criada a gava a dívida, porque era um tecer. Antes era em Portugal, logo de início, junto dos par- EMPA (Empresa Pública de donativo. “Durante vários depois passamos a mandar ceiros. “Havia muitos ami- Abastecimentos), com duas anos não tivemos necessi- encher nas Canárias que era gos que queriam vir, montar reservas estratégicas. “Uma dade de gastar dinheiro para mais perto”, recorda. as suas tendas e começar em São Vicente (Barlavento) comprar milho. Os EUA e a Por isso, avançou com o a distribuir alimentos. Nós e outra em Santiago (Sota- Comunidade Económica Eu- projecto de uma estação de dissemos logo que não, por- vento), e em cada ilha havia, ropeia (CEE, hoje União Eu- enchimento de botijas de que seria uma boa forma de pelo menos, uma reserva de ropeia) davam-nos quanti- gás, um donativo da Ale- transformar esse povo num um mês, em bens de primei- dades necessárias de milho. manha, mas que já vinha povo de mendigos”, ajuíza. ra necessidade. Todas as Os óleos vegetais eram doa- sendo negociado desde o A estratégia era outra. “Eu ilhas, mesmo as menores, dos geralmente pela Sué- período de transição. “Acho disse logo que a ajuda, des- tinham os preços ao nível cia, o trigo vinha da França que a estação entrou em de que chegue a Cabo Verde, de Santiago e São Vicente, e da Áustria, de modo que funcionamento em 1978. tinha de ser dirigida por ca- os preços eram unificados”, fomos garantindo alimen- Houve um período de estu- bo-verdianos”. E assim foi. ilustra. tação da população, mas dos, mas depois convence- “Nós tínhamos a nossa polí- Para garantir a distribui- sempre prestando contas”, ram-se da necessidade da tica e não era gente, mesmo ção em todas as ilhas im- explica. “Era uma luta políti- estação, porque já não ha- sendo amiga, que vinha im- punha-se criar uma compa- ca tranquilizar a barriga. Ao via lenha, e nas cidades já por os seus pontos de vis- nhia marítima. “Pusemos a satisfazer o abastecimento, não dava para se cozer a le- ta. Tínhamos de assumir a funcionar a Arca Verde, que tinha-se a situação social nha e a carvão”. independência com sentido tinha vários navios, que fa- controlada”. Ao mesmo tempo, o seu de responsabilidade. Seria- ziam a ligação com regula- governo foi investindo na mos nós a orientar as coi- ridade a todas as ilhas. De- Gás para todos terra e na população com sas”. mos, também, a oportunida- esse dinheiro de ajuda ao de a companhias privadas Não menos importan- desenvolvimento. “Feliz- Financiar a economia de adquirirem barcos e fa- te, era a necessidade de re- mente tínhamos quadros da zerem ligações, como a Es- solver o problema crítico do área de agricultura e enge- Uma medida que não foi trela Negra”. Nesta altura já gás. Por ocasião da inde- nharia e pudemos organizar pacífica e que gerou até al- a MOAVE recebia o trigo ao pendência só existiam cerca projectos de construção de guns “atritos”, particular- preço do mercado interna- de 500 garrafas, em todo o diques, banquetas, ordena- mente com o programa ali- cional. “Com esta estratégia, país. Isto significa que ape- mento de estradas... Coisas mentar mundial. “Estavam o abastecimento surpreen- nas cerca de 200 famílias, que podiam ser feitas rapi- habituados a outra realida- deu muita gente”, afirma or- no arquipélago todo, tinham damente, pondo a popula- de. Nós resolvemos conver- gulhoso. acesso a gás porque as ou- ção a trabalhar e a receber o ter toda a ajuda alimentar A ajuda alimentar acabou tras garrafas eram para cir- seu salário, com dignidade”, em fonte de financiamento por se revelar numa forma cular. “Tive de controlar a re- conclui.

Estado promotor Resolvidas as questões essenciais a Coreia do Sul fez, e que Taiwan e Sin- pequenos importadores de cimento, Na sequência da MOAVE criou-se a do abastecimento, Osvaldo Lopes da gapura, também. Instituições fortes do “era mais útil para o país ser uma enti- FAMA (massas), a SOCAL (calçado) e a Silva afirma que o Governo foi lançando Estado para promover o sector privado. dade só a importar o cimento”. E assim MORABEZA (têxtil). “Do meu ponto de empresas, tendo o Estado como pro- E aqui não estamos a fazer isso”. se foi construindo o mercado e a eco- vista, esta última tinha condições para motor, algo que já não acontece. “O que Foi com base nesse espírito que sur- nomia. ir mais longe, mas faltaram os apoios falta, agora, é o papel promotor do Es- giu a EMPA. “Mantê-la como grossista Outras empresas surgiram e outras do Estado, à certa altura e houve acção tado. Economia liberal sim, de merca- e de géneros e bens de primeira neces- foram recuperadas. Caso da MOAVE, negativa dos sindicatos. Na minha opi- do, sim, mas o Estado nunca poderia sidade. Isto para deixar espaço ao co- que já existia, mas não estava em fun- nião, eles é que deitaram abaixo tanto abdicar do seu papel de promotor, por- mércio retalhista, às casas comerciais cionamento na altura da independên- a SOCAL como a MORABEZA”, acusa. que não temos uma classe empresarial, estabelecidas, que tinham a sua expe- cia. “O Estado entrou para o capital, Depois veio a SITA, e o estaleiro naval temos alguns comerciantes”, opina. riência e que podiam importar o resto”. apoiou, para depois sair. Hoje, já não (Cabnave) em 1978, uma peça “impor- Na sua óptica, a “promotora”, tem de No início, a EMPA ficou também com faz parte da MOAVE. Mas, na altura, foi tantíssima” para dar vida ao porto do ser uma instituição pública para pro- a importação do cimento porque, como bom para e empresa que o Estado te- Mindelo, a Emprofac e a Transcor, entre mover o sector privado. “Foi assim que clarifica, não dava para estar a retalhar nha entrado”, argumenta. outras. GC ANOS 18 PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação

Gisela Coelho “Os governos têm de ter a

completar 79 anos em Agos- coragem de dizer não ao povo” to, Osvaldo Lo- pes da Silva consegue olhar hoje para a po- líticaA e economia do país com a maturidade e o dis- Cabo Verde, para cargas e tanciamento que caracteri- passageiros”, mas, adverte, zam os grandes estadistas. “não seria o Estado a com- “Eu receio muito os gover- prar esses barcos”. O Estado nos que ficam presos aos iria sim “dar orientação” aos períodos eleitorais, que fa- »»Hoje, Osvaldo Lopes da Sil- armadores e dizer aos priva- zem promessas. Cada ilha a va olha para a política com al- dos onde investir. “Iria impor querer o seu aeroporto inter- guma apreensão, consideran- que os barcos sejam adqui- nacional é um disparate em ridos novos e não essa ma- toda a linha. Porto de águas do mesmo que as campanhas nia de comprar barcos com profundas em Pedra Bade- eleitorais não têm abonado a 30 e 40 anos. Se funcionava jo é outro disparate, um ter- favor da economia. Traduzin- na Holanda, até aos 40 anos, ritório com mil e tal metros e o venderam, é porque já quadrados não pode ter dois do em miúdos, adverte que os não funciona, não passa de portos de águas profundas”, governos têm de ter “a cora- sucata”. adverte. Isto para justificar gem de dizer não ao povo” e Lopes da Silva mostra- que os governos têm de ter “sentido” de responsabilidade -se indignado com a forma a coragem de dizer “não” como o sistema bancário ao povo e que é preciso “ter para não “assumirem aquilo tem actuado no mercado. sentido de responsabilidade que a economia condena”. “Estamos numa situação para não assumir aquilo que anormal de termos um sis- a economia condena”. tema bancário com excesso Questões políticas à par- de liquidez e que não finan- te, o certo é que não poupa mal”, perspectiva. crescendo e, hoje, são o país nós dávamos a 30. Os ban- cia porque não há projectos. elogios ao percurso des- mais endividado do mundo. cos estavam de acordo com O nosso sector privado ain- tes 40 anos a começar pe- Endividamento normal Nenhum governo consegue essa política e isso permitiu da não tem capacidade su- los avanços na área social. realizar projectos funda- ao tesouro respirar sempre ficiente para assumir pro- “Éramos um país na ordem Quanto ao estado das fi- mentais ao desenvolvimen- e não se sentir sobrecarre- jectos. São capazes de gerir, dos 260 dólares per capi- nanças e economia do país, to do país só com as recei- gado com a dívida externa”, mas desde que a coisa este- ta e, hoje, estamos em qua- diz não estar “muito impres- tas que cobra num ano”, cer- exemplifica. ja feita”, avalia. tro mil. Isso quer dizer que sionado” com o nível de en- tifica. Este ex-ministro da eco- avançamos”. dividamento e até afirma Lopes da Silva recorda Ligações são a base nomia (1975-86) e dos trans- Mas, agora, com a passa- que está dentro do normal. que o endividamento na pri- portes (1986-90) questiona gem a País de Desenvolvi- “Somos um país novo que ti- meira república financiou Se hoje voltasse a ser mi- ainda algumas opções do mento Médio (PDM), os de- nha de criar infraestruturas, projectos, mas ao mesmo nistro da economia, a pri- actual Governo em relação safios são outros. “Já não por isso, é absolutamente tempo financiou o orçamen- meira coisa que faria era in- ao sector privado. “Pergunto temos acesso às mesmas normal. Tanto mais que te- to de Estado. “Cada finan- tervir na ligação inter-ilhas, se não se está a dar exces- fontes de financiamento mos um serviço da dívida ciamento era passado para que na sua opinião está pior siva importância a atracção concessionais. Por exem- suportável”. a empresa que ia executar o que naquele tempo e é a de investimento externo. plo, no Banco Mundial, não Até porque, o endivida- projecto, através de um con- base para fazer funcionar a Quanto é que se está a gas- teremos a cobertura dos fi- mento é necessário e bas- trato de retrocessão. Com economia. “Primeiro, come- tar para atrair investimen- nanciamentos IDA, como ta ver o exemplo das gran- condições agravadas e o Es- çaria por fazer um estudo: to externo (muito dinheiro) não teremos o FAD do BAD. des potências. “É só pergun- tado acabava por ficar sem- com as infraestruturas que e o que se está a fazer para Serão financiamentos mais tar aos EUA. Eles nasceram pre com alguma coisa. Se o temos hoje, saber quais são apoiar o sector privado na- próximos do mercado nor- com dívida, essa dívida foi financiamento era 50 anos os melhores barcos para cional?”, deixa no ar.

TACV e ELECTRA precisam de economia de escala

Instado a comentar os altos e bai- ministro das infraestruturas lancei a li- tendo a regularidade do voo, toda a gen- económica do país, mas rentável se tor- xos de duas das maiores empresas do nha de Boston. Fizemos um estudo com te disse, depois, que foi uma boa inicia- na uma empresa como a ELECTRA. Na país, essenciais ao desenvolvimento da dados a partir de quando a rota passaria tiva”, lembra. Isto para justificar que se véspera da independência tínhamos um economia, a TACV e a ELECTRA, Osval- a ser rentável. Nos dois primeiros anos, “ao longo de todos esses anos ela não se grupo de 100 a 200 kwa, a central eléc- do Lopes da Silva diz estarem a seguir o a movimentação estava abaixo do espe- foi abaixo, um dia vai sair do vermelho”. trica não tinha, sequer, 500 kwa instala- seu rumo e que ambas se deparam com rado e usávamos um avião que era caro. O mesmo se passa em relação à dos e, hoje, a central do Palmarejo tem o problema de economia de escala. “Já Introduzimos algumas correções e man- ELECTRA. “Quanto maior a dimensão 25 megawatts”, conclui. GC ANOS PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 19 ANOS

20 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação Do Nauta ao “ro-ro” »»A Independência che- garia com a travessia do canal entre Santo Antão e São Vicente a fazer-se em navios como Nauta, Carvalho e Gavião dos Mares. Hoje já desapa- recidos, esses veleiros deixaram nas gentes dessas ilhas a memó- ria da sua utilidade, mas também muitas estórias dos gemidos das estru- turas de madeira ou das horas passadas ao largo à espera da mudança do vento para atracarem.

TRANSPORTES

João Almeida

ara Tarrafal de Mon- te Trigo, Santo An- tão, iam os “vapori- A travessia, que hoje nhos” de água. Eram trêsP e iam buscar água potável se faz em menos de para abastecer São Vicente, uma hora, durava nos tempos em que esse bem era raro nessa ilha, e de lá vi- horas e o suplício nham, também, produtos (pei- era enorme. Agora, xe, mandioca fresca,...) e pas- sageiros. A travessia, que hoje o nível de conforto é se faz em menos de uma hora, incomparável durava horas e o suplício era enorme, mesmo com São Vi- cente (ou Santo Antão) à mão de semear. Entretanto, com a Indepen- Verde na Holanda). Famoso dência, em 1975, chegaram ao pela sua dança que forçava o país os navios mais modernos, corpo a uma dormência inima- de metal e a motor, chamados ginável, “Porto Novo” come- mares havia anos, pertencen- Estes (Mar d`Canal, Tarra- tempo do Carvalho ou do Nau- Arca I, II e III (um deles, mais çou a fazer uma viagem quin- tes ao Estado. Nessa altura, os fal, Sal-Rei, Vicente, de má- ta e Gavião dos Mares - a não tarde, passaria depois a se zenal ao Tarrafal de Monte Tri- navios Sotavento e Barlaven- -memória, Pentalina...) quase ser com os “catamarans”, que, chamar Ribeira de Paul, ainda go, onde já não ia buscar água, to, estes sim, acabados de sair todos navios com mais de 50 entretanto, chegaram à linha, a navegar entre São Vicente e mas sim, produtos agrícolas e das fábricas, traziam um ar de anos, alguns com problemas primeiro, com Moura Company São Nicolau). o peixe seco para abastecer o modernidade não só à traves- de manutenção (os incidentes e, agora, com Cabo Verde Fast Essas embarcações, mais mercado de São Vicente. sia entre São Vicente e Santo no mar nos últimos anos pro- Ferry (Liberdadi e Kriola). O ní- cómodas, passaram a ligar as Os privados entrariam na Antão, mas, também, à liga- vam isso!), mas que trouxeram vel de conforto é incompará- duas ilhas com mais regula- linha nos anos de 1990. A li- ção com as outras ilhas. Praia coisas positivas, sobretudo, na vel para quem andou em na- ridade, assim como o “ferry” beralização do mercado trou- d`Aguada, também moderno e travessia São Vicente-Santo vio misturado com cargas, ani- Porto Novo (o “ferry boat” da xe Mar Azul, Ribeira de Paul, para muitos o mais adaptado Antão: cumprimento do horário mais, bidões de combustível, e memória de muitos que fize- Mar Novo, Janela. Todos pro- navio para as viagens no país e a separação de passageiros tudo o mais, apesar dos sustos ram a travessia do canal nos priedade de armadores cabo- até hoje, completaria essa fase das cargas. que ainda os “Ro-Ro” provo- anos 1980 e 1990, construído -verdianos, mas nenhum deles antes da chegada do Ro-Ro O tempo da viagem nem cam nos passageiros em tem- de raiz para os mares de Cabo novo. Já navegam nos nossos (roll on/roll off). sequer diminui tanto desde o pos de mar alto. ANOS PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 21 ANOS 22 PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação

PROPRIEDADE DA “ILHA VERDE” “Nho Padre Benjamim” revoluciona ligações inter-ilhas

O navio “Nho Padre Benjamim” está a provocar uma “autêntica revolução” na ligação inter-ilhas. Propriedade do Grupo “Ilha Verde”, a embarcação tem capacidade bruta para três mil 980 toneladas. om menos de um “Vamos contribuir para o escoamento dos produtos, princi- mês de navegabili- palmente, os hortícolas, para as ilhas mais turísticas, amorte- dade nos mares de cendo, assim, o sofrimento e as queixas dos agricultores, das CCabo Verde, “Nho diferentes parcelas do território nacional, graças aos nossos Padre Benjamim” já come- contentores-frigoríficos de 20 e 40 pés”, realça Nuno Pinto, ça a “marcar pontos e dife- que promete preços “atractivos e concorrenciais” ao con- renças” no sector marítimo. sumidor final, que deseja melhores preços e regularidade de De acordo com Nuno Bet- serviços. tencourt Pinto, um dos ad- Pinto revela haver “diálogo e um certo entendimento” com os ministradores da Lusolines, outros armadores, os quais estão abertos e disponíveis a parce- SA, armadora da primeira rias. “Aliás, temos já recebido várias manifestações de interesse embarcação do Grupo e cartas de conforto”, destaca. “Ilha Verde”, a aquisição Um rol de maquinarias e viaturas pesadas, constituídas por contribui para “colmatar as gruas, caterpilares, entre outros, retidos em alguns concelho, grandes lacunas e deficiên- vão ser movimentadas, dentro em breve, pelo navio de “Ilha cias” existentes no domí- Verde”. “Só para o Fogo, vamos levar, brevemente, um grupo nio do transporte marítimo de quase cem contentores, com equipamentos para a cons- Nuno Bettencourt Pinto entre as diferentes ilhas do trução do Hospital Regional local e da Brava”, avança Pinto, Administrador da Lusolines, SA país. “Os nossos clientes já para notar que nenhuma das outras embarcações existentes estão ganhando em con- dispõem de capacidade para tal. forto, qualidade, eficiência, rapidez e garantia de segurança dos seus mais diversos produtos, sejam eles frescos, viaturas e/ou ma- Novos desafios quinaria pesada”, pontua Nuno Pinto, para destacar a facilidade de carga e/ou descarga, num período de “mais ou menos” três Além de “Nho Padre Benjamim”, a Lusolines, SA, tem em mira horas, graças aos seus dois paus de carga de 25 toneladas cada. a aquisição de outros navios. “Estamos a pensar em mais um, Devido à sua “versatilidade – é um cargueiro “roll-on/rol-off” -, para reforçar Cabo Verde; outro, para uma nova linha regular “Nho Padre Benjamim” tem a possibilidade de atracagem em to- com a costa ocidental africana, assim como a possibilidade dos os portos do país”. de tráfego de não-contentores de mercadorias a granel en- “O nosso plano inter-ilhas, para começar, cobre Santiago (Praia), tre Portugal e Cabo Verde”, revela Pinto, para lembrar que foi São Vicente (Mindelo), Boa Vista (Sal-Rei), Sal (Palmeira) e Fogo a Lusolines que, em navios fretados, trouxe ao país “os carre- (Vale dos Cavaleiros)”, revela Pinto, para admitir a possibilidade de gamentos de carga” da “Ilha Verde”, produzidos no Paraguai “atracagem quinzenal” em cada uma das ilhas do arquipélago. (América Latina). Com tripulação totalmente cabo-verdiana, “Nho Padre Benja- Carteira de clientes mim” foi “baptizado”, no Porto da Praia, a 17 de Junho, sendo a cerimónia prestigiada pelo Primeiro-Ministro e pela ministra do “Nho Padre Benjamim” – garante o administrador Nuno Pinto – já Desenvolvimento Rural, respectivamente, José Maria Neves e dispõe de uma carteira de clientes para todo o ano. Eva Ortet. ANOS PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 23 ANOS

24 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação SOLATLÂNTICO TRANSPORTE Silvino Monteiro Uma empresa de mãos dadas Solatlântico foi fundada no início da déca- com a história de Cabo Verde da de 70, pelo português Victor Manuel deA Sousa, e, posteriormen- te, adquirida pelo empresá- rio cabo-verdiano Edmundo dos Santos, em 1974, ainda na ante-câmara da Indepen- dência Nacional. Começou com as suas actividades, na altura, com apenas dois au- tocarros. Volvidos 45 anos da sua criação e 40 de Indepen- dência Nacional, a Solatlân- tico mudou de gestão, con- ta hoje com uma frota de 41 autocarros modernos, pro- porcionando, diariamente, a mobilidade a cerca de 15 mil pessoas entres os dife- rentes bairros da cidade da »»A Solatlântico, a mais antiga em- Praia. Emprega cerca de 140 presa de transporte público de passa- funcionários. Os autocarros novos, com pessoal devida- geiros do país, está a apostar na mo- mente trajado, mostram que dernização dos seus serviços. Através a companhia vive “novos da renovação da frota e adopção de tempos”, que pouco ou nada têm a ver com o passado. novas tecnologias de informação, de- Henrique Um dos responsáveis por signadamente GPS, bilhetes e passes Duarte essa renovação é Henrique electrónicos. Tudo para garantir um Duarte, administrador da Solatlântico, empresa que serviço de qualidade e segurança aos se mostra hoje consolidada seus utentes. agora, na modernização dos to onde os autocarros estão, e com fortes perspectivas de seus serviços, através da im- local onde os passageiros crescimento, apesar das ad- plementação de novas tec- entram e saem, etc. versidades que continuam Duarte. Desde logo, refere, presente. nologias. “Brevemente va- “Os autocarros também a fazer-se sentir. “A con- “por ser a primeira empresa “Se há dez anos havia mos mudar o nosso sistema vão dispor de um botão de corrência desleal efectuada de transporte público a pro- apenas um aeroporto inter- de emissão de passes, que pânico, isto é, em caso de pelos hiaces é uma delas, porcionar a mobilidade de nacional, hoje temos qua- passará a ser por carrega- avaria ou outras situações, tem-nos causado enormes pessoas e bens, ainda antes tro e melhores portos, o que mento electrónico”, anuncia. basta o condutor pressionar prejuízos financeiros, mas, da Independência”. possibilita a atracagem de Uma outra medida será a o botão, a informação é en- também, leva-nos a não ser- E, também, por ser actual- barcos de grande porte, so- venda de bilhetes pré-com- viada à central de comuni- mos pontuais”, afirma. mente a companhia que na bretudo os navios de cruzei- prados, que podem ser ad- cação de que algo anormal “Se tivéssemos exclusi- cidade da Praia transporta ros, permitindo, assim, mais quiridos através do nosso está a acontecer e logo as vidade nas linhas que ex- o maior número de pessoas mobilidade de passageiros e site ou nos ATM’S da rede devidas providencias serão ploramos, de cinco em cin- das suas casas ao traba- turistas que nos visitam”. 24. “Assim, o passageiro tomadas”, acrescenta. co minutos, faríamos passar lho e vice-versa. “Ainda não Para aquele operador, tal que não possui passe pode um autocarro, e, com isso, chegamos a meta que todos facto, veio ampliar os negó- comprar o seu bilhete váli- Momentos difíceis prestaríamos um trabalho nós desejaríamos, mas es- cios da Soltântico porque, do por cinco ou dez viagens, com mais qualidade aos tamos a trabalhar para isso”, paralelamente ao serviço de conforme a sua necessida- Hoje a viver dias melho- nossos utentes. Mas, como garante. transporte urbano de passa- de, e, à medida que for via- res, a história da Solatlânti- as coisas estão a funcionar, geiros, “quando os cruzei- jando, será descontado. No co ficou, também, marcada é praticamente insustentá- Salto enorme ros chegam, somos chama- final tem sempre a possibi- nestes 40 anos de Indepen- vel”, explica Duarte. dos a transportar os turistas lidade de recarregar o car- dência, por momentos du- Olhando para a realidade para vários pontos da ilha de tão”. ros, que quase a obrigaram a Presente no nacional, Henrique Duarte Santiago”. Uma outra medida, de fechar as portas. Isso acon- desenvolvimento do país reconhece que Cabo Verde acordo com aquele gestor, teceu, sobretudo, entre 1975 “deu um salto enorme” nes- Aposta na modernização é que os autocarros da So- e 1991, altura em que a ini- “A Solatlântico esteve tes 40 anos de Independên- latlântico vão ser equipados ciativa privada era mal vista, sempre presente no pro- cia, nos mais variados ní- Na busca de melhor pres- com GPS e sistema inte- para não dizer perseguida, cesso de desenvolvimento veis, e que nisso a Solatlân- tação, a par de novos auto- grado de vídeo-vigilância, o em favor da então Transcor, do país”, salienta Henrique ticio procurou sempre estar carros, a Solatlântico aposta, que possibilita saber o pon- suportada pelo Estado. ANOS PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 25 ANOS

26 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação Turismo o “motor” de Cabo Verde

»»Desde os anos 90 que o turismo tem sido assumido pelos sucessivos gover- nos como o princi- pal motor de desen- volvimento do país. Uma opção contes- tada por uns e apoia- da por outros, mas o certo é que mesmo com altos e baixos, o sector representa já cerca de 24% do PIB. Porém, inúmeros de- safios persistem.

ECONOMIA Gisela Coelho

oi no Sal que tudo começou. Mais precisamente na localidade de Santa Maria, an- tes ainda da in- cia do desenvolvimento tu- grandes investimentos no aumento residual de ape- dependênciaF nacional. Cor- Em 2014, o rístico nacional. turismo têm sido feitos atra- nas 136 turistas a mais no ria a década de 60, do século vés de capital estrangeiro de primeiro trimestre de 2015, passado, quando uma famí- emprego no Fragilidades investidores externos. Mas, comparativamente ao igual lia de origem belga decidiu, turismo cresceu o Governo investiu nos aero- período de 2014. por razões de saúde, cons- Mesmo sob o apanágio do portos internacionais, o caso No ano passado existiam truir uma casa de férias em 9,2% em relação a slogan “Um país, dez des- de São Vicente e da Boa Vis- 229 unidades hoteleiras no Santa Maria, sem antever o 2013 e 89,9% do tinos...”, que tem sido per- ta, permitindo aumentar e di- país, mais 3,2% do que as re- que viria a ser um negócio sonalizado na estratégia de versificar a oferta e capacitou gistadas em 2013. Isto para turístico. Entretanto, com o pessoal empregue marketing promocional do os portos de infraestruturas um total de 10.839 quartos tempo surgiu uma pequena era nacional. destino Cabo Verde, uma das para dar resposta à demanda equivalentes a 18.188 camas, habitação de madeira, com fragilidades tem sido fazer de turismo de cruzeiro. Outro o que denota que a capacida- alguns quartos, para acolher chegar turistas de forma es- segmento que tem vindo a de de alojamento ainda não é tripulações de várias compa- truturada às ilhas mais ru- aumentar sobretudo na Praia a desejada, para um país que nhias aéreas, que faziam es- rais, fazendo com que a po- e em São Vicente, mas tam- quer ter o turismo como mo- cala no Sal. pulação local possa também bém com relatos, embora de tor da economia. No essencial, esta é a gé- sorts de “all inclusive” domi- tirar partido do desenvolvi- número muito inferior de na- Porém, o emprego no nese do famoso Hotel Mora- nam o mercado da ilha. Um mento turístico. Outra fragi- vios a aportarem Santo An- sector tem vindo a aumen- beza, a infra-estrutura turísti- cenário que rapidamente foi lidade importante é a ques- tão, São Nicolau e Fogo. tar e perspectiva-se que em ca mais antiga de Cabo Verde, estendido à Boa Vista. tão da segurança do destino. O certo é que o turismo 2016 venha a crescer com a fruto do primeiro investimen- Hoje, juntas, essas duas Apesar do programa Turismo está ainda muito aquém das abertura de novas unidades, to externo no país, no sector. E ilhas absorvem a maior fatia Seguro, há relatos de peque- expectativas e a sua susten- como por exemplo, do Lha- esse acabou por ser o despo- do turismo nacional. E, ape- nos furtos e violência contra tabilidade ainda carece de na Beach Resort, no Sal. Em letar de uma bola de neve e a sar dos altos e baixos, regis- turistas que beliscam e mui- um longo caminho para ser 2014 o emprego no turismo ilha do Sal foi conhecendo, ao tados sobretudo a nível da to o sector. alcançada. Aliás, houve até cresceu 9,2% em relação a longo destes anos, um boom, imobiliária turística, devido à uma certa estagnação de 2013 e 89,9% do pessoal em- também conhecido por turis- crise internacional que eclo- Investimentos 2014 para 2015. Os dados do pregue era nacional. Ao todo mo de “massas”, de sol & mar, diu nos finais de 2008, Sal Instituto Nacional de Esta- o turismo absorveu 6.282 onde os grandes hotéis e re- continua a ser uma referên- Ao longo dos anos, os tística (INE) demonstram um postos de trabalho. ANOS PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 27 ANOS

28 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação

AGRICULTURA João Almeida Agricultura, de parente

investimento nas bar- ragens e nos meios de pobre ao problema de mercado prospecção de água, sobretudo após a vi- radaO do milénio, com os gover- »»Parente pobre de uma política económica que privilegiou o sonho da industrialização do país desde nos de José Maria Neves, dá um a Independência, a agricultura de subsistência no país sobreviveu a duras penas. No meio a pragas que novo alento àqueles que vivem ameaçaram as culturas, falta de água e de incentivos. Mas, mesmo assim, resistiu e hoje recomenda-se. no campo e da terra. Agricul- tores e filhos destes que, en- tretanto, tinham abandonado o campo para estudar e desem- comercialização e de escoa- xistência ou escassez de téc- quilos e quilos desse tubércu- penhar outras actividades nas mento de produtos, em parte nicas de conservação para au- lo são vendidos ao desbarato cidades, estudaram e, em par- por causa do estrangulamento mentar a durabilidade dos pro- nas épocas de maior produção. te empurrados pela falta de em- das ligações marítimas entre as A agricultura sofre, dutos, de modo a que cheguem, Não se entende por que a bata- prego nas zonas urbanas, retor- ilhas, mas também de estradas de forma faseada, ao mercado e ta produzida aqui não poderia naram ao cultivo da terra. Me- em certos casos. também, porque ajustem-se às necessidades de ser cortada, congelada e ven- lhoram a produtividade e a pro- Por outro lado, devido às as experiências de consumo. dida como a importada. Quem dução das parcelas. condições climatéricas, mas Ou seja, aumentando o tem- fala em batata, fala em tomate, também à falta de diversifica- transformação, po de armazenamento, chega- cenoura e outros. Novas gerações ção das culturas, em certos pe- apesar de bastante rá menos produto ao mercado ríodos do ano há colheita con- de uma vez só e assim o preço O que fazer? As novas gerações de agri- centrada de um determinado propaladas, não não oscilará tanto. Já houve ex- cultores aderiram a novas téc- produto, que, em outras épocas, se mostram ainda periências de conservação em Não serão, certamente, os nicas e tecnologias de cultivo e escasseia no mercado. funcos de palha que produzi- agricultores a enveredarem rega (hidroponia, gota a gota,…), Disso sofre a batata-co- efectivas ram resultados, nomeadamen- por esses caminhos do merca- introduziram novas espécies, mum produzido em grande te ,em Santo Antão, Fogo e in- do, porque estes já cumprem o passaram a produzir frutas medida no interior do con- terior de Santiago, mas depois seu papel que é produzir. Mas (como morangos), algo antes celho do Porto Novo, ilha de Conservação perderam-se no tempo. Poucos a criação de cooperativas co- inimaginável em certas zonas Santo Antão, entre meses de as retomaram ou fizeram algu- merciais ou de pequenas em- do país. São exemplo disso jo- Março e Maio. Nessa altura, os Não se trata de um problema ma inovação nesta área. presas para a transformação e vens de Ribeira da Cruz, Alto agricultores chegam a vender de sobre-produção, até porque Mas a agricultura sofre, tam- conservação dos produtos po- Mira, Martiene e de outras zo- um quilo até por 40 escudo, por mais que a produtividade bém, porque as experiências de deria ajudar bastante. Ganha- nas do interior de Santo Antão, para não perder a produção. e a produção nos campos te- transformação, apesar de bas- riam os agricultores que teriam mas também de Santiago, de A cenoura, o tomate, a bana- nham aumentado, o país con- tante propaladas, não se mos- mercado diversificado para a São Nicolau, da Boa Vista, do na idem aspas. O problema re- tinua a importar batata, cebola tram ainda efectivas. Fica difí- produção, ganharia a economia Fogo. pete-se em outras ilhas do ar- e outros. A questão tem mais a cil compreender que num país do país, ganhariam os consu- A produção aumenta, mas quipélago, como São Nicolau, ver, como reconhecem os téc- onde se consomem toneladas midores com menos oscilação mantêm-se os problemas de Maio e Brava. nicos e agricultores, com a ine- importadas de batata pré-frita, dos preços. ANOS PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 29 ANOS

30 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação DO ESTADO-PROVIDÊNCIA AO ESTADO REGULADOR Um percurso quase-exemplar!

os idos anos se- calizador. sui hoje um excesso de liquidez prego que se agravam, as re- tenta e oitenta em Ao longo das últimas déca- pensamos que o Estado deve ceitas fiscais que caem drasti- que o Estado as- das o Estado fez muito bem em poder ter um papel mais deter- camente e a coesão social que sumia um papel desengajar-se “petit-a-petit” da minante na questão das garan- corre perigo. de relevo no sis- economia, enquanto operador. tias e avaliações de risco que as Em tempos de comemoração OPINIÃO tema económi- Mas é fundamental que conti- entidades bancárias continuam do 40º aniversário da nossa in- Gil Évora Dco empresarial devido á inexis- nue a assumir o seu papel de fo- a pôr como condição “sine qua dependência nacional, o Estado tência de uma classe empresa- mentador da economia, tudo fa- non” para esse mesmo acesso. corre o risco de ser chamado a rial forte e até aos dias de hoje, zendo para melhorar o ambiente Três meses após as medidas to- desempenhar um papel diferen- podemos falar de um percurso geral de negócios; é importante madas pelo Banco Central ain- te nos próximos anos mas nem quase-exemplar quer do ponto também que o Estado continue da são ténues os seus efeitos na por isso menos importante. Os de vista do papel do Estado em a utilizar a política fiscal, discri- economia real e daí ser necessá- novos tempos assim o exigem si quer mesmo do ponto de vista minando, positivamente, lucros rio um passo para a frente que e esse novo papel deve passar da iniciativa privada. e mais-valias investidos, não os deverá traduzir-se numa opera- em primeiro lugar por uma re- colocando no mesmo pote dos cionalidade efetiva de um siste- flexão desapaixonada em rela- lucros ociosos e das mais-va- ma de garantia junto da banca ção à adequação do quadro ju- lias dos meros especuladores. E nacional e internacional, e que rídico e institucional desenha- continua a ser de vital importân- possam proporcionar ao empre- do para servir as empresas no cia que o Estado puna de forma sariado nacional meios para o sentido de corresponder aos adequada e justa o açambarca- seu financiamento e o desenvol- anseios dos investidores na- A verdade manda mento, a concorrência desleal e vimento das suas atividades. cionais e estrangeiros para que dizer que a nossa a formação de cartéis. Em tudo No entanto acredita-se que não se constitua em obstáculo isso é crucial que o consumidor esta medida poderá ser insufi- ao desenvolvimento do sector banca nacional tem seja protegido e que os monopó- ciente. A verdade manda dizer empresarial. uma grande apetência lios sejam devidamente regula- que a nossa banca nacional tem Se o percurso até agora percor- dos e controlados. uma grande apetência pelos pa- rido no desenvolvimento de um pelos papéis do Importa referir aqui também a péis do Tesouro, quer pela sua sector empresarial privado forte Tesouro, quer pela sua importância de que se revestem segurança quer pelas suas boas deve-nos servir de estímulo, é im- todas as instituições aqui cria- taxas de remuneração. portante que a nossa dose de re- segurança quer pelas das no âmbito deste desengaja- Mas essa apetência da ban- tórica diminua no mesmo grau em suas boas taxas de mento do Estado da área econó- ca pode provocar e enredar um que devemos rapidamente pôr em mica, em particular as agências ciclo vicioso perigoso e que im- prática todos os instrumentos de remuneração reguladoras, e aqui nunca é por porta quebrar, com carácter de apoio ao setor privado de há mui- demais referir a “proteção” que urgência: por um lado atrai a to anunciados mas ainda sem saí- o Estado deve dar a essas agên- banca com papéis de retorno rem do papel. cias, cruciais no papel de regu- garantido, permitindo uma óti- 40 anos de independência lação da economia a na defesa ma aplicação para o excesso de económica é também um tem- dos direitos dos consumidores. liquidez; mas por outro lado dei- po de balanço e reflexão sobre o A evolução foi notória e com Mas vai sendo urgente que o xa quase sem proteção, e sem percurso realizado e as veredas ganhos para todos mas em es- Estado, através do Executivo, po- crédito, a maior responsável que, daqui para frente, nos con- pecial para o nosso Cabo Ver- nha de pé politicas públicas ca- pela geração de empregos que duzirão, certamente, a um pro- de. Significa que tudo está feito? pazes de conciliarem o excesso são as micro e pequenas em- cesso de consolidação e de di- Nem por isso. O fato de termos de liquidez dos bancos comer- presas, mercê das remunera- versificação do empresariado atingido hoje esta brilhante eta- ciais com a necessidade de fi- ções e do exclusivo que oferece nacional como condição crucial pa não deve fazer com que o Es- nanciamento de micros e pe- à banca na aquisição de títulos e indispensável para o desenvol- tado descure o seu papel de fo- quenas empresas. Sendo pacífi- do tesouro. E a consequência é vimento económico e social do mentador, de regulador e de fis- co que o sistema bancário pos- o nível e a precaridade do em- nosso país. ANOS PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 31 ANOS

32 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação JOSÉ MARIA NEVES Independência, democracia e desenvolvimento

»»A Independência, o combate à pobreza, garantindo a segurança e a distribuição alimentar, a educação, saúde, democratização e desenvolvimento de Cabo Verde constituem, para José Maria Neves (JMN), os “momentos marcantes” dos 40 anos de vida do país. JMN também acredita que POLITÍCA as marcas da sua governação são perenes. m entrevista à Lusa, o Primeiro-Ministro de Cabo Verde apon- tou a Independência, Ea democracia e o desenvol- vimento como os “pontos al- tos” do país, que ora celebra quatro décadas da sua sobe- rania. “Tivemos momentos altos nestes 40 anos, come- çando, naturalmente, pelo da independência. Nos primeiros cinco anos de vida do país tem de se destacar o gigantesco esforço que se fez no domí- nio da segurança alimentar e do abastecimento do país. Só quem vivia na altura em Cabo Verde é que pode ter a dimen- são do trabalho que se fez para que o país pudesse estar abastecido em todas as ilhas e, ao mesmo tempo, garantir a segurança alimentar dos ca- bo-verdianos”, realçou. Para tal, acrescentou, foi decisiva a criação Empresa Nacional de Abastecimento (EMPA), que trouxe sistemas de gestão de ajuda alimentar e de estabilização de preços no plano nacional. “Cabo Ver- Hoje faço uma de inovou na gestão da aju- desenvolvimento global de ma estratégia. Este é o princi- discursos políticos, dos di- da alimentar. Foi uma gran- Cabo Verde. “Essas medidas análise dos pal ganho que tivemos nestes ferentes protagonistas, que, de inovação, a de vender para na educação e na saúde per- discursos políticos, anos”, sustentou. dizendo-o por outras pala- transformar em recursos, ga- mitem-nos hoje cumprir os A estratégia que vai legar vras, acabam por partilhar rantir empregos às pessoas, Objetivos de Desenvolvimen- dos diferentes é o processo de moderniza- a mesma visão e estratégia iniciar o processo de constru- to do Milénio (ODM) e as suas protagonistas, ção que diz estar em curso no de desenvolvimento. Isso foi ção nacional e fixar o mesmo metas associadas”, destacou. país através dos vários “clus- um grande ganho, construir preço dos bens essenciais em Do ponto de vista político, que acabam por ters” de desenvolvimento. e partilhar na década de 2000 todo o país. Acho que este foi JMN considerou a transição partilhar a mesma O que se pretende até 2030, uma visão consensual de de- um grande momento após a para a democracia e a con- visão e estratégia de prosseguiu, é atingir um ele- senvolvimento de Cabo Ver- independência”, destacou. solidação do Estado de Di- vado Índice de Desenvolvi- de”, referiu. O “momento marcante” se- reito democrático como fun- desenvolvimento mento Humano (IDH), um ren- Agronegócio, que inclui a guinte foi, disse, a democra- damental para a “maturidade dimento “per capita” superior mobilização de água potável tização do acesso ao ensino, do arquipélago”, processo ini- a 12.000 dólares (atualmente e para a agricultura, do Mar, num primeiro momento, no ciado em 1990, com a aber- nos 3.500 dólares) e aumen- das Economias Criativas, das Básico, depois no Secundá- tura política, e seguido pelas eleições legislativas, em 2016, tar a capacidade do país para Tecnologias da Informação e rio e, nos últimos 15 anos, na primeiras eleições multiparti- terá de implementar a estra- ultrapassar as vulnerabili- Comunicação (TIC) e do Aero- consolidação do Ensino Se- dárias da história de um país tégia desenhada pelo Gover- dades sociais, económicas e negócio. “Os ‘clusters’ come- cundário e na instituição do que, até então, tinha vivido no nos últimos 15 anos. ecológicas. çam a estruturar-se nos vá- Ensino Superior. sob o regime monopartidário. “Quem ganhar as próximas Para JMN, o “grande salto” rios domínios de integração A criação do Sistema Na- eleições e vier governar o país, dado a partir de 2001, ano em e articulação de sectores im- cional de Saúde foi outros Legado acabará por implementar esta que se tornou chefe do Gover- portantes da actividade eco- dos “pontos altos” defendidos estratégia, no sentido de rea- no, foi “construir e partilhar nómica que, de forma con- pelo chefe do executivo cabo- Fora isso, e reportando à lizar a visão de transformação uma visão do desenvolvimen- vergente, contribuirão para o -verdiano, considerando que sua própria governação, José de Cabo Verde. Pode ser com to” para construir um país processo de desenvolvimen- tal permitiu obter “ganhos Maria Neves acredita que estruturas e ritmos diferen- moderno, justo e inclusivo. to global do país”, conclui Ne- importantes” no processo de quem ganhar as próximas tes, mas será sempre a mes- “Hoje faço uma análise dos ves. ANOS PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 33 ANOS

34 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação CARLOS VEIGA “País continua excessivamente dependente do exterior”

Para sermos menos dependentes teríamos de ser capazes de adoptar políticas que nos fizessem crescer de forma sustentada

POLITÍCA políticas (entre 1991 e 2001), de necessita de alterar o que procuraram o melhor. Indepen- deixou de acontecer com seu “paradigma” de gover- Isso fez a diferença. Quan- dência, o oposto dessas políticas. nação, uma vez que o que do se compara com outros »»Quatro décadas de- por si Pode voltar a acontecer se existe hoje em dia, “não leva países que, se calhar, até ti- só, não houver políticas que não as a lado nenhum e cria ain- veram um ponto de partida pois da Independência, chega, a actuais”, disse. da maior dependência”. Há melhor do que o nosso, há Cabo Verde continua de- demo- Segundo Carlos Veiga, “outro tipo de políticas que muitos que não consegui- pendente do exterior, “Acracia, por si só, não chega, as políticas económicas já foram experimentadas ram os nossos resultados”, até porque se não comple- de 15 anos do PAICV es- noutras partes do mundo e concluiu. algo que poderia ter sido menta isso com o desen- tão “erradas”. “Ainda esta- que, em Cabo Verde, podem Carlos Veiga, 65 anos, minimizado se as medi- volvimento. Pode-se até es- mos dependentes porque conduzir-nos a um desen- exerceu o cargo de Primeiro- das económicas dos úl- tar a regredir, nas institui- não adoptámos as políticas volvimento mais sustentá- -Ministro até 2000, um ano ções democráticas e na sua adequadas. Passamos os vel”, acrescentou, admitin- antes de terminar a legisla- timos 15 anos tivessem própria independência e aí escolhos maiores, com os do, porém, que 40 anos “não tura (foi substituído, então, sido outras, pelo que o vem a dependência”, sus- primeiros anos da indepen- é muito na vida de um país” por Gualberto do Rosário), país precisa de um novo tentou Carlos Veiga, líder dência, e a transição para a cujo ponto de partida era para se apresentar às Presi- do primeiro partido políti- democracia. Foram os es- “muito baixo” e que o balan- denciais de 2001. Perdeu-as ciclo político. A afirma- co da oposição da história colhos mais difíceis e nós ço é “claramente positivo”. contra Pedro Pires, que vol- ção é de Carlos Veiga de Cabo Verde, MpD, após a passámos isso, e bem, num “Quem conhecia Cabo taria a batê-lo nas Presiden- que, numa entrevista à abertura política de 1990. regime de estabilidade, com Verde em 1975 e quem hoje ciais de 2006. Carlos Alber- “Para sermos menos de- alternância democrática, o conhece não pode ter dú- to Wahnon de Carvalho Vei- agência Lusa, defende a pendentes teríamos de ser como país, de facto a cres- vidas de que valeu a pena e ga, nascido a 02 de Outubro necessidade de se mudar capazes de adoptar políti- cer, mas não a crescer sufi- isso é obra deste povo, in- de 1949, no Mindelo, ilha de cas que nos fizessem cres- cientemente para dizermos cluindo os políticos que o São Vicente, é formado em o rumo da governação no cer de uma forma sustenta- que ultrapassámos a pobre- país teve a sorte de ter tido Direito e fez o doutoramento curto prazo. da e é possível fazer. Acon- za”, sublinhou. até hoje, que não enrique- na mesma área na Universi- teceu com um certo tipo de Para Veiga, Cabo Ver- ceram à custa da política, dade Clássica de Lisboa. ANOS PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 35 ANOS

36 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação Os próximos 40 e a geração Hi tech

o país entra nos qua- vinham sendo dadas. Tudo se lhe teressados no imediatismo, in- onde reine o nepotismo e não a renta anos. É uma ida- diminuiu. Da ajuda orçamental conformistas com quase tudo, meritocracia? Que referencias OPINIÃO de bonita. A idade da ao número de bolsas concedidas mas pouco reivindicativos nas terão os jovens inseridos numa maturidade. E somos para a formação superior, pas- coisas que realmente são capa- sociedade em que, cada vez Natacha Magalhães de fato um país ma- sando por projetos importantes zes de produzir uma transfor- mais, se privilegia o interesse Eduro, que soube crescer com to- nos domínios da saúde, água, mação coletiva; vejo jovens pre- pessoal, em detrimento do co- das as dores de um crescimento agricultura e outros setores prio- sos num comodismo, legitima- lectivo, onde quase tudo se par- próprio de quem não nasceu em ritários para o desenvolvimento dos por discursos muitas vezes tidariza, onde a política é dona e berço de ouro, e que de recursos do arquipélago. Nesse cenário, oportunistas e que os impede de senhora e ser desta ou daquela só tinha as pedras e o mar. Fo- a natureza conspira contra nós, serem mais ousados e darem um cor política determina o futuro e mos dados como inviáveis, mas tal como o fez nos primórdios pouco mais de si, a começar pelo a condição de vida de cada um? já naquela altura tínhamos tena- da nossa independência, negan- exercício de uma cidadania que Por outro lado, é visível a im- cidade e coragem suficientes e do-nos o bem mais precioso. A os prepare para futuros embates preparação, a nível da educação, que mais tarde ditariam o futuro escassez de chuva comprome- em que a principal deve ser a de que aliada à decadência de va- dessa nação que se tornou num te a vida de uma parte expressi- querer realizar o bem comum. lores morais sociais e culturais, país referenciado no contex- va da população cabo-verdiana Peço desculpas. Gostaria de acaba por afastar ainda mais os to das Nações. Devemos todos que tem na agricultura e na pe- escrever algo diferente. Gosta- jovens. Vão alguns discordar. nos orgulhar desta nação que cuária sua fonte de vida. Ao ní- ria de dizer que está tudo bem, Sim, fizemos uma grande apos- foi crescendo, sempre amparada vel económico, os investimentos que temos uma juventude com- ta na Educação. Aliás, quando se por irmãos que impulsionaram o externos caem, arremessados prometida com os desígnios do olha para os números, aparen- seu desenvolvimento. Amadu- por uma crise que afeta o mun- país, que está preparada ou sen- temente está tudo bem. Massi- receu, democratizou-se e abriu- do inteiro. Nem o turismo nos do preparada para daqui a alguns ficou-se o ensino, alargou-se a -se ao mundo e hoje, aquela na- salva da angústia porque tam- anos estar à altura de assumir as escolaridade obrigatória, surgi- ção desprezada e votada ao fra- bém esse ressente-se. A nação rédeas desta nação. Gostaria de ram várias instituições de ensi- casso, cresceu, empoderou-se e vive um momento que cada vez poder dizer que temos uma ju- no superior, alargou-se a forma- granjeou respeito e admiração. mais faz sentido recorrer à His- ventude imbuída de valores e ção profissional, disseminou-se Hoje, como que por ironia do toria para relembrar as palavras princípios assentes no reconhe- o acesso às novas tecnologias destino, no auge da sua maturi- de Cabral. Temos que pensar cimento pelo valor do trabalho, de informação e comunicação. dade, a Nação atravessa um dos com as nossas próprias cabe- na excelência e no mérito, na éti- Hoje, mais do que nunca, os jo- momentos mais delicados da ças. E temos que caminhar com ca e honestidade, no querer as vens cabo-verdianos estão co- sua existência enquanto pais li- os nossos próprios pés para não coisas pelo mérito e pela tena- nectados à aldeia global. Teriam vre e soberano. Esta, que cres- arriscarmos a sustentabilida- cidade e perseverança. Gostaria nessa aldeia, a chance de se em- ceu amparada, caminha agora de da Nação. Caminhando só, a de tranquilizar a todos, dizendo poderarem e se prepararem para quase sozinha. Somos reféns do Nação precisará do comprome- que as famílias, a sociedade e a um futuro onde a inovação e a nosso próprio desenvolvimento. timento de todos. escola estão fazendo a sua par- capacidade de competir e nego- A graduação do País à categoria E é sobre esse comprometi- te; que nós, enquanto pais, esta- ciar serão armas poderosíssi- de pais de desenvolvimento me- mento que importa agora falar. mos a preparar os nossos filhos mas. O conhecimento é de fac- dio ditou o fim das ajudas ao de- Nos anos vindouros precisa- para aquilo que são as priorida- to poder. Mas no nosso caso, as senvolvimento nos moldes que remos seguramente de outros des da vida e que realmente têm coisas não funcionam assim. Na engajamentos, outras atitudes valor; que as classes política e sua larga maioria, os nossos jo- e outros valores. Penso até que económica estão também fa- vens limitam-se a estar conec- precisaremos, por um lado, dos zendo a sua parte, dando bons tados alienando-se na super- estrategas que pensem o país e, exemplos capazes de contribuir ficialidade trazida pelas redes e por outro, de pessoas que se positivamente para processo de sociais e nada mais do que isso. Devemos todos assumam como verdadeiros di- preparação da geração que da- Não as usam nem são instados plomatas capazes de “vender” qui há 40 anos, estará a celebrar a usa-las para aprofundar o co- nos orgulhar Cabo Verde como nação mo- os 80 anos da nossa indepen- nhecimento. Pouco incitam à re- desta nação que derna e competitiva, onde vale dência. Eu até queria, mas pelo flexão, pouco debatem. E nem a pena investir. Porque não há que observo, pouco confio nessa estão para isso. Os culpados? É foi crescendo, outro caminho. Temos que con- geração hi tech que não é capaz o sistema, diria um amigo meu. sempre amparada seguir ser capazes de atrair in- de se decidir nas pequenas coi- Mas o sistema somos todos nós. vestimentos, movimentar a eco- sas, que almeja tudo de bande- Os próximos 40 serão decisi- por irmãos que nomia, gerar emprego, garantir o ja, sem se consentir a sacrifícios, vos. A caminhar sozinha, a na- impulsionaram direito de pão e casa para todos para governar, um dia o país. ção terá que ter pés seguros e e todas. Entretanto, penso nisso. Mas depois, ponho-me a ma- cabeça equilibrada para saber o seu E observo a nova geração. Res- tutar. É que também nós, desta exatamente o que quer e para desenvolvimento salvando exceções, algumas de- e da anterior geração, não esta- onde que ir. Entre lá chegar ou las dignas de serem referencia- mos a contribuir para fazer com ficar pelo caminho, teremos que das e que nos alenta a esperan- que as coisas sejam diferentes. pensar e nos perguntar: esta- ça, vejo jovens completamente Que exemplos dar a uma juven- mos, hoje, a preparar convenien- alienados das coisas do país, in- tude se tivermos um sistema temente as futuras gerações? ANOS PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 37 38 ANOS A representatividade parlamentar em Cabo Verde, de 1975 a 2008

presente artigo baseia-se que durante este período, também básico integrado (6 anos), passou trazendo e mobilizando os capitais nos resultados de um pro- houve parlamentares que tinham de 57% em 1975 a 95% em 2004. acumulados ».5 jeto de investigação que apenas o ensino primário (2,29%) e Enfim, a taxa de escolarização no teve por objetivo analisar o primário incompleto (1,5%). ensino secundário, que era de 2,8% Género Oo impacto da mudança política do Ora, durante o período do mul- em 1980, passou para 55,3% em Por altura da independência, as ANÁLISE regime de partido único para o mul- tipartidarismo, este critério de re- 2004.3 mulheres cabo-verdianas conquis- Ângela Sofia Benoliel Coutinho1 tipartidarismo no recrutamento de crutamento mudou muito consi- Contudo, de acordo com o re- taram o direito de votar, mas tudo parlamentares em Cabo Verde, de deravelmente. Não somente deixa- censeamento de 2010, os indivíduos indica que as que estavam mais di- 1975 até 2008. ram de ser recrutados parlamenta- com uma formação superior a nível retamente implicadas na vida polí- Mais precisamente, pretende- res que interromperam os estudos da licenciatura representavam 5,1% tica do país não acederam aos car- -se indagar acerca da relação en- após o primário, como todos os que da população maior de três anos re- gos de direção. Em 1981 foi criada a tre a mudança do regime político tinham o secundário incompleto sidente no arquipélago. Vemos as- OMCV (Organização das Mulheres e as transformações a nível da re- representavam 1% do universo em sim que os denominados «quadros de Cabo Verde), ligada ao partido presentatividade parlamentar. Esta estudo e todos os que tinham o se- superiores» de entre os quais a elite único no poder, e que tinha como é, com efeito, uma questão central cundário completo, 6,6%. Os deten- política passou a ser quase exclusi- objetivo principal o enquadramento no sistema democrático. Segundo tores de um diploma universitário vamente recrutada, representavam da atividade política das mulheres. Best e Cotta: passaram a representar 45,7% do um grupo muito reduzido da popu- Foi com o multipartidarismo que “A democracia moderna tem no universo e os detentores de um di- lação no arquipélago.4 as mulheres passaram a integrar seu âmago a ideia de representa- ploma de pós-graduação, mestrado Analisando este fenómeno, os elencos governamentais. Entre ção: os que governam são os repre- ou doutoramento, 5, 6%. Cláudio Furtado emprega a expres- 1991 e 2001, elas representam 9% sentantes do povo.”1 A mudança muito significativa são « títulos de nobreza escolar », dos membros de governo e chegam Iremos aqui cingir-nos à análise destes dados ocorrida a nível des- a fim de qualificar os capitais acu- a 19% na segunda fase (2001 – 06). de três variáveis, a saber: a década te critério deve ser analisada tendo mulados, de acordo com os concei- Entre o Verão de 2008 e Fevereiro de nascimento, o nível de estudos e em conta as mudanças vividas na tos de Pierre Bourdieu. Afirma que de 2011, o governo de Cabo Verde o género. sociedade cabo-verdiana no res- « uma nova geração busca o pólo integrou mais mulheres do que ho- peitante ao nível da escolarização. dominate do campo político bus- mens. Recrutamento geracional Assim, a taxa de alfabetização pas- cando alicerçar o seu discurso po- Contudo, observando o recru- Relativamente à primeira variá- sou de 37% em 1974 a 70% em 1990. lítico não apenas em projectos po- tamento parlamentar, constata-se vel considerada, agregando os da- A taxa de escolarização no ensino líticos e/ou visão do mundo, mas que com a mudança de regime não dos em dois grandes períodos so- mente, constata-se que houve um maior equilíbrio geracional duran- te o período do regime de partido único (1975 – 1991), com 29% dos assentos parlamentares ocupados pelos nascidos na década de 1940 e 20,6% pelos que nasceram nas décadas de 1930 e 1950, respetiva- mente. No período considerado do mul- tipartidarismo (1991 – 2008), os nascidos na década de 1950 passa- ram a representar 38,5% dos parla- mentares, seguidos pelos nascidos na década de 1960, com 13,7%, e de 1940, com 12,6%. Tal como sucedeu a nível governamental2 constata-se que também a este nível de poder ocorreu uma mudança geracional A constituição da efetiva. AN de Cabo Verde tem evidenciado Nivel de estudos Durante o período do regime de bloqueios no partido único, os parlamentares de- respeitante ao tentores de um diploma de ensino superior antes da sua primeira elei- recrutamento ção representavam em média 17,5% de mulheres e dos indivíduos, seguidos dos que ti- nham seguido o ensino secundário, até uma menor sem terminá-lo (19%). Em seguida, representatividade vinham os que tinham uma forma- ção técnica média (11,4%) e somen- te depois os que tinham frequenta- do a universidade (9,9%) sem obter um diploma. É necessário referir De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 39 A representatividade parlamentar em Cabo Verde, de 1975 a 2008

houve alterações a este nível que se do, em 2005 era o 9.º país no mun- me de partido único (1975 – 1980), vel, em Cabo Verde os partidos polí- 2Cotta, Maurizio, Best, Heinrich (org.), possam considerar significativas. do com a taxa mais elevada de mu- a taxa baixou para 16% entre 1980 ticos não adotaram uma política de Parliamentary representatives in Euro- pe 1848 – 2000: legislative recruitment Assim, durante o regime de parti- lheres com assento no Parlamento, e 1991 e subiu gradualmente du- quotas. A observação da realidade and carrers in Eleven European Coun- do único no seu todo, 9% dos parla- a saber, 35%.7 rante o multipartidarismo : entre da sociedade cabo-verdiana pare- tries, Oxford, Oxford University Press, mentares eram mulheres e no mul- É útil proceder a uma breve aná- 1991 e 2001, 19% dos diretores-ge- ce confirmar as considerações de 2000, p. 493 tipartidarismo, representam em mé- lise das mudanças ocorridas na rais eram mulheres, e entre 2001 e Ballington, que afirma : 3 BENOLIEL COUTINHO, Ângela So- fia, ‘’O Recrutamento Ministerial em dia 12%. Trata-se de um aumento sociedade cabo-verdiana no que 2006, 33%.10 « Os países que historicamen- Cabo Verde (1975 – 2006)”, in Montal- pouco expressivo. Quando se com- diz respeito ao nível de participa- Em 2005, 32,5% do corpo diplo- te atingiram os níveis mais altos vão Sarmento, Cristina, Costa, Suzano para com outras sociedades africa- ção das mulheres no espaço públi- mático era constituído por mulhe- de representação de mulheres nas (orgs.), Entre África e a Europa – Nação, nas, podemos considerar que o li- co. Relativamente à educação, em res, mas somente no ano anterior, suas legislaturas nacionais – Sué- Estado e Democracia em Cabo Verde, geiro aumento verificado em Cabo 2007, 97% das mulheres cabo-ver- em 2004, foi nomeada pela primeira cia, Noruega, Finlândia e Dinamar- Coimbra, Almedina, 2013 4 José Luís Livramento, ‘Cabo Verde: Verde é muito pouco significativo. dianas com idades compreendidas vez uma mulher como Embaixadora ca (com – 45,3%, 38,2%, 37,5%, e 30 anos de educação’, in Jorge Carlos No Senegal, país vizinho com entre os 15 e os 24 anos eram alfa- de Cabo Verde.11 36,9% de mulheres parlamentares, Fonseca, (org.), Cabo Verde – Três Dé- uma comunidade muçulmana forte- betizadas, e 95% dos homens com No sector judiciário, em 2008 em 2005) – utilizaram todos um cadas Depois Direito e Cidadania Nú- mente maioritária, e com uma taxa as mesmas idades. No ano 2000, cerca de um quarto dos procu- sistema eleitoral de representação mero Especial, Praia, 2007, p.396 5 http://ecastats.unec.org de alfabetização entre as mulhe- a taxa de educação primária pas- radores e 47% dos juízes eram proporcional e, à exceção da Fin- 6 Furtado, Cláudio, Génese e Reprodu- res muito mais reduzida do que em sou a ser de 95%, tanto para as ra- mulheres. Um de entre os quatro lândia, uma forma voluntária de um ção da Classe Dirigente em Cabo Verde Cabo Verde (29% das mulheres com parigas como para os rapazes. Em membros do Supremo Tribunal de sistema partidário de quotas, no ,Mindelo, ICL, 1997, p.182 mais de 15 anos vs. 69,2% das cabo- 2007, a taxa de escolarização das Justiça era uma mulher.12 presente ou no passado. » 14 7 Bauer, G., Britton, H.E., Women in Afri- -verdianas a partir da mesma ida- raparigas no ensino secundário era Contudo, na sua tese de dou- Pese embora a necessidade de can Parliaments, Colorado, London, 2006, pp.151 - 169 de), em 2006 19,2% dos membros do de 64%, ultrapassando a dos rapa- toramento não publicada, Cristia- se proceder a uma discussão mais 8 Bauer, Britton, op. cit., pp. 31 - 57 6 9 Parlamento eram mulheres. zes, que era de 56%.8 no Barros conclui que entre 1975 e profunda, contemplando outras va- ICIED, CEDAW, Relatório à Convenção Em Moçambique também, país Assim, a paridade de género foi 2008 as mulheres estiveram gran- riáveis, e mais alargada, questio- sobre a Eliminação de Todas as Formas da África Austral com um passado atingida na Administração Pública. demente ausentes da direção-geral nando o papel da Assembleia Na- de Discriminação Contra as Mulheres e Documentos Conexos, Praia, 2007 histórico comum, visto que o co- Com efeito, em 2000, 46,5% dos fun- de empresas públicas. Elas repre- cional nos dois regimes, pode afir- 10 Ibid 9 lonizador foi o mesmo, a presença cionários públicos eram mulheres. sentam somente 2% do conjunto mar-se que, com a mudança para o 11 “O recrutamento ministerial e admi- do Islão é significativa e somente Quanto à direção-geral dos mi- destes diretores ou presidentes dos multipartidarismo, a constituição nistrativo em Cabo Verde, 1975 – 2006” 32,7% das mulheres com mais de nistérios, havendo cerca de 24% de conselhos de administração, per- da Assembleia Nacional de Cabo projeto de investigação levado a cabo 15 anos são alfabetizadas. Contu- mulheres na primeira fase do regi- manecendo este setor exclusiva- Verde tem evidenciado bloqueios na Universidade Nova de Lisboa com financiamento da Fundação para a 13 mente masculino. no respeitante ao recrutamento de Ciência e a Tecnologia (Portugal) mulheres e até uma menor repre- 12 ICIEG, CEDAW, op. cit., pp. 94- 95 Constata-se a grande dificul- sentatividade relativamente à ida- 13 ICIEG, Instituto Nacional de Estatís- dade de eleição de mulheres para de e ao nível de estudos dos par- tica de Cabo Verde, Nações Unidas – Cabo Verde, Mulheres e Homens em cargos políticos ao mais alto nível, lamentares. Esta evolução, que pa- Cabo Verde – Factos e Números, Praia, contrastando com a conquista de rece paradoxal, corresponde à ten- 2008, p.57 lugares por via de concurso. dência da maioria das chamadas 14 Crisanto Avelino Sanches de Barros, Identifica-se, assim, a existên- “democracias ocidentais”, se aten- ‘Génese e formação das elites político- -administrativas cabo-verdianas: 1975 cia de um « muro invisível » que dermos a diversos estudos que têm – 2008’ (tese de doutoramento não pu- torna difícil o acesso das mulheres sido dedicados a esta matéria. blicada, Universidade de Cabo Verde, ao poder de decisão política na so- Universidade Católica de Louvain-la- ciedade cabo-verdiana. Com efeito, -Neuve), p. 205 15 contrariamente ao que sucede nos Ballington, J. (ed.), The implemen- 1 Investigadora integrada no IPRI – Uni- tation of quotas: African experiences, países onde as mulheres atingiram Stockolm, 2004, p. 125 efectivamente a paridade a este ní- versidade Nova de Lisboa

Tabela 1 – Década de nascimento dos parlamentares (percentagens)

Variáveis / Desco- 1920 – 29 1930 – 39 1940 – 49 1950 – 59 1960 – 69 1970 – 79 nhecido Períodos 1975-91 3,8 20,6 29 20,6 0,76 ------14,5 1991-2008 0,5 6,6 12,6 38,5 13,7 5,6 22,3 Fontes : Livros de matrícula nos liceus, processos da PIDE/DGS, base de dados da Assembleia Nacional de Cabo Verde, questionários

Tabela 2 – Nível de estudos dos parlamentares antes da primeira eleição (percentagens)

Diploma Diploma universi- Primário Frequên- Formação universi- Variáveis / Secundá- tário de Desco- incom- Primário < cia uni- profissio- tário até à rio pós-gra- nhecido Períodos pleto versitáiria nal licencia- duação ou tura mais 1975 - 1,5 2,29 19 7,6 9,9 11,4 17,5 1,5 29 1991 1991 - 0 0 1 6,6 3,5 1 45,7 6 36 2008 Fontes: Processos da PIDE/DGS, base de dados da Assembleia Nacional de Cabo Verde, questionários ANOS

40 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação

FORÇAS ARMADAS DE CABO VERDE Uma história de patriotismo

»»O processo de estruturação de umas For- DEFESA ças Armadas (FA) regulares em Cabo Verde Daniel Almeida “não foi tarefa fácil”, segundo diz o primeiro- -comandante dessa instituição, Agnelo Dan- s FARP sur- tas, considerado o “arquitecto” da casa mili- giram, a 15 tar no pós-Independência. Nomeado coman- de Janeiro de 1967, ainda em dante-geral das Forças Armadas Revolucio- Cuba, finda a nárias do Povo (FARP) e Milícias, logo nos pri- preparação mi- meiros dias do país nascido a 5 de Julho de litarA de um grupo de comba- tentes cabo-verdianos, para 1975, Dantas criou três regiões militares, que um eventual desembarque vigoram até os dias de hoje. em Cabo Verde, no quadro da luta que o PAIGC vinha implementando. O momen- to ficou marcado pelo jura- partir da Guiné-Bissau. Ag- nelo Dantas foi chamado de mento à bandeira, por esse nelo Dantas foi, diga-se, dos São Vicente para Praia, para contingente, perante Amíl- últimos quadros do PAIGC a assumir o cargo de coman- car Cabral. Todos promete- regressar para Cabo Verde dante-geral das FARP e Mi– ram ser fiéis “à luta pela in- porque tinha a missão de or- lícias. dependência de Cabo Verde, ganizar o núcleo que deveria fosse em que circunstâncias estruturar as FARP no arqui- Processo “nada fácil” fosse”. pélago. A ideia do desembarque Esse núcleo, denomina- A partir daí se desenca- teve, contudo, de ser pos- do Fá Mandinga, era forma- deou um processo, “que não ta de lado, depois de avalia- do por 14 elementos vin- foi fácil”, para a estruturação dos os riscos dessa missão. dos do Senegal e outros de de umas FA regulares em efectivos, número este que Grupo de Cuba e Cumeré “Éramos revolucionários e Cabo Verde (Santiago), que, Cabo Verde. A primeira ta- “não dava para cobrir todas O grupo que regressou de não aventureiros”, frisa Ag- logo após a formação re- refa, segundo o ex-Chefe do as necessidades”. Entretan- Cuba, em 1976, foi, também, nelo Dantas. “Chegamos à gressaram a este arquipé- Estado-Maior das FARP, foi a to, segundo Dantas, as milí- no entender de Agnelo Dan- conclusão que o desembar- lago, separadamente, uns criação das Regiões Milita- cias populares, que estavam tas, determinante na orga- que em Cabo Verde era in- no barco “Ocante” e outros res: a primeira, com sede em “bem implantadas” em to- nização das FARP em Cabo viável”. de avião. São Vicente; a segunda, no dos os pontos do arquipéla- Verde, assim como os mili- E é assim que o referido Esse grupo, chefiado por Sal; e a terceira, na Praia. A go, acabaram por constituir tares que receberam forma- grupo, do qual fazia parte Dantas, estabeleceu a sua Primeira Região era coman- um complemento importan- ção em Cumeré, na Guiné- Agnelo Dantas e outros mais base em São Vicente, onde, dada por Amâncio Lopes, a te na estratégia de Defesa -Bissau. “Formado por qua- cabo-verdianos, acabou por no Morro Branco, começou segunda por Eduardo San- do país. dros bons, enquadrou-se ser “desviado” para a Guiné, o processo de instrução de tos (Tchifon) e a terceira por Dantas destacou, no en- bem nas FARP e foram a es- lutando contra o mesmo ini- cerca de 60 recrutas volun- Timóteo Tavares, todos com tanto, o contributo dado pelo trutura dorsal na preparação migo, no quadro do PAIGC. tários, que viriam a prestar o o posto de comandante das grupo que negou prestar ju- combativa das tropas cabo- “Lutamos na Guiné como juramento à bandeira mes- FARP. ramento à bandeira portu- -verdianas, juntamente com soldados de Cabo Verde”, mo antes do 5 de Julho. Um ano depois, foi tam- guesa, no Morro Branco, em o grupo de Cumeré”, realçou. sublinha. Paralelamente ao Mor- bém criado o Comando da São Vicente, antes da Inde- A parte logística das FARP, ro Branco, foram montados Marinha, na sequência do pendência, colectivo esse também em Cabo Verde, co- Estruturação das FARP mais quatro centros de ins- juramento dos primeiros fu- que acabou por ser absor- meçou a ser preparada mes- trução: Porto Novo, Boa Vis- zileiros formados no Morro vido, quase que na íntegra, mo antes da Independência, Entretanto, com o 25 de ta, Tarrafal e Santa Catari- Branco, que, na altura, era nas FARP. E também dos com a vinda do navio “Ocan- Abril de 1974, e definidos os na de Santiago, onde foram chefiado, pelo também co- cabo-verdianos sargentos te”, que transportou grandes termos da Independência formados os primeiros sol- mandante Álvaro Dantas Ta- e furriéis do exército portu- quantidades de armamen- de Cabo Verde, impunha-se dados que viriam assumir a vares. guês, que viriam a assumir to ligeiro, como espingar- a estruturação das FA, algo defesa do país independen- As FARP eram compos- importantes funções nas das automáticas, pistolas e que, segundo a nossa fonte, te. Logo nos primeiros dias tas, na altura da Indepen- vertentes administrativas e bazucas. Mais tarde, logos- começou a ser desenhado a após a Independência, Ag- dência, por menos de mil logísticas das FARP. nos primeiros meses após a ANOS De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 41

Agnelo Dantas São épocas diferentes, cada uma com as suas dificuldades, mas fico com a percepção que o essencial ficou: o

patriotismo, alguma ca tiveram grandes proble- Novembro de 1980 (acon- triótico dos efectivos dessa que o essencial ficou: o pa- coesão interna, mas no financiamento das tecimento que marca o fim instituição também contri- triotismo, alguma coesão in- suas actividades, graças à da unidade com esse país), buíram para uma transição terna, mas são situações di- mas são situações pronta disponibilidade do segundo Dantas, circularam pacífica do regime de parti- ferentes”, advoga. diferentes Governo, que procura resol- rumores de possíveis de- do único para um modelo de Agnelo Dantas foi coman- ver os problemas quando sembarques, entre os quais multipartidarismo implanta- dante-geral das FARP e Mi- eles surgiam. de cabo-verdianos forma- do em 1991. “As FA tinham lícias, de 1975 a 1982, altu- Mas, nesse aspecto, Dan- dos em Marrocos. “E foi por que se ajustar como sendo ra em que o cargo passou a tas destaca o “elevado espí- isso que tínhamos uma pre- uma instituição republica- designar-se Chefe de Esta- Independência, a União So- rito patriótico” dos efectivos paração e uma disposição na”, realça Agnelo Dantas, do-Maior, esteve no cargo viética (Rússia) começava das FARP, que “sempre sou- combativa sempre à altura”, que considera ter sido “nor- até finais da década de 1980 a fornecer material bélico beram consentir sacrifícios revela. mal”, que, durante o partido para se dedicar aos estudos mais pesado, nomeadamen- em nome do povo cabo-ver- “Circularam, também, ru- único, as FARP fossem “o no Brasil. Foi substituído te, canhões, morteiros, ar- diano”. “Foram umas FA com mores de uma eventual ten- braço armado do partido ao pelo major, na altura, Antó- mas anti-aéreas e blindados grandes dificuldades, mas a tativa de golpe de Estado, serviço do povo”. nio Marino Dias, que chefiou (BRDM e BTR) e dois aviões qualidade do homem ajudou mas era mera especulação”, as FA no período de transi- Antonov. A Jugoslávia foi a superá-las”, prova disso, frisou o ex-chefe de Estado- 40 anos depois ção para o regime democrá- também um importante for- é que, “até hoje, as FA são -Maior das FARP. “Tínha- tico. necedor de armas pesadas consideradas como uma mos umas FA muito coesas Hoje, embora a situação Ederlindo Ribeiro, Amíl- e ligeiras. Cuba, um parceiro das instituições mais disci- e um Serviço de Informação actual seja diferente, Agnelo car Baptista, Emanuel Bet- das FARP desde a primeira plinadas de Cabo Verde”. bem montado, que era difícil Dantas considera que ainda tencourt Pinto, Antero Ma- hora, deu, também, um im- acontecer algo que nos pu- subsiste a ideia de que as FA tos e Fenando Pereira, foram portante apoio essencial- Golpe de Estado na desse apanhar de surpresa”, sejam o espelho da socie- os outros chefes de Esta- mente na formação de qua- Guiné-Bissau frisa Dantas. dade cabo-verdiana. “São do-Maior que se lhe suce- dros e como conselheiros. O primeiro comandan- épocas diferentes, cada uma deram. O cargo é ocupado, Segundo aquele primeiro- Logo após o golpe de Es- te das FARP considera que com as suas dificuldades, neste momento, pelo major- -comandante, as FARP nun- tado na Guiné-Bissau, em a disciplina e o espírito pa- mas fico com a percepção -general Alberto Fernandes. ANOS

42 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 40 anos e a necessidade de uma nova agenda para a diáspora xistem várias formas, soas que vivem, assumem e (re) mento, novas abordagens e, so- diáspora implica criar as condi- não coincidentes en- definem a cabo-verdiana a partir bretudo, novas atitudes. Esta nova ções para uma boa integração dos OLHARES CRUZADOS tre elas, de olharmos de diferentes espaços geográfi- realidade implica que tenhamos cabo-verdianos e dos seus des- Paulo Mendes para os 40 anos de in- cos. vozes e estruturas que possam cendentes nos diferentes espaços dependência de Cabo Perante o novo contexto dos des(construir) os discursos polí- de acolhimento. A nível de parti- Verde. Porém, pre- processos migratórios, do próprio ticos que sendo importantes não cipação política da comunidade Evalece um denominador comum enquadramento atual de Cabo Ver- devem ser exclusivos no processo cabo-verdiana é regra geral muito nestes diferentes olhares sobre de, do aceleramento do processo de edificação das opções e de de- deficitária e temos condições em as quatros décadas de afirmação da globalização e do acesso às no- finição dos caminhos de desenvol- diferentes países de fazer muito de Cabo Verde: um enorme orgu- vas tecnologias, é imperioso con- vimento de Cabo Verde. Esta es- melhor. lho do percurso que o nosso país cretizarmos uma rutura na forma trutura de Think-Tank deverá ser, A nível de intervenção associa- tem trilhado e uma forte dose de como a diáspora se relaciona com essencialmente, um espaço deba- tiva e apesar do meritório traba- esperança de que conseguiremos Cabo Verde e vice-versa. te e de apresentação de propostas lho que centenas de associações ultrapassar as enormes dificulda- Apesar da inequívoca impor- concretas para o desenvolvimen- cabo-verdianas desenvolvem, é des ainda pela frente. tância que a diáspora tem assu- to de Cabo Verde. Insisto na ideia um trabalho muitas vezes fecha- Neste exercício de balanço dos mido no desenvolvimento de Cabo de que devemos ter uma estrutu- do sobre a própria comunidade e nossos 40 anos como nação inde- Verde, a percepção que eu tenho é ra ágil, dinâmica e com uma forte com um alcance deficitário na cria- pendente, convocar os milhares de que ao longo deste 40 anos, a rela- capacidade de influenciar positi- ção de plataformas de influência emigrantes cabo-verdianos e dos ção que a diáspora tem assumido vamente o processo de desenvol- de criação de lóbis. Ao contrário do seus descendentes para uma re- com Cabo Verde é feito mais as- vimento de Cabo Verde. que possa parecer, muitos cabo- lação renovada com Cabo Verde sente numa premissa de amor in- Hoje, para além da discussão -verdianos em posição profissio- é, na minha perspectiva, um dos condicional de milhares de cabo- sobre a importância das transfe- nal de algum relevo não contribuem elementos centrais e diferenciado- -verdianos por Cabo Verde e quase rências das remessas dos emi- com seria de esperar para a valori- res para os próximos tempos. Não sempre fora de um sentido estra- grantes, impõe-se uma discussão zação do movimento associativo. fazê-lo é desperdiçar um enorme tégico de ação. cuidada sobre os mecanismos Em relação aos descendentes potencial e parece-me que se não Aproprio-me do termo “ruptura” que devemos convocar por forma de cabo-verdianos, o potencial que Ter uma relação criarmos uma nova agenda, em com a consciência exata do peso a colocar as ideias, as vontades, o apresenta para o desenvolvimento que as enormes vontades existen- da palavra, e sem nenhum intuito Khow How e as redes de contatos de Cabo Verde assume a mesma forte com a tes possam encontrar um sentido de desvalorizar o enorme traba- que a diáspora têm em prol do de- proporção nos desafios, na medi- diáspora implica estratégico de ação, estaremos lho que os diferentes responsáveis senvolvimento de Cabo Verde. Não da em que a relação afetiva com inevitavelmente a ir neste sentido. políticos e as suas equipas desen- podemos desvalorizar tudo o que Cabo Verde não é tão forte. Im- criar as condições É lugar-comum afirmar que a volveram e do desejo que existe já foi feito em nome desta cons- põem-se, por isso, a necessidade para uma boa diáspora cabo-verdiana assume em desenvolver uma política mais trução de diálogo entre a diáspora de reinventar esta ligação. um papel relevante no processo consequente e com ganhos mais e Cabo Verde e da enorme vontade Existe um papel insubstituível integração dos de desenvolvimento de Cabo Ver- visíveis para Cabo Verde. que existe em fazer com que Cabo que cada um de nós pode e deve cabo-verdianos de que se traduz em diferentes es- A primeira ideia que quero de- Verde possa aproveitar da melhor desempenhar, independentemente feras da nossa existência coletiva fender é esta: criarmos as condi- forma possível a enorme potencia- da nossa posição ou geografia, no e dos seus enquanto nação. Apesar das limi- ções para, por exemplo, o Con- lidade que a sua diáspora repre- desenvolvimento dos nossos dez descendentes nos tações estatísticas, os dados mais gresso de Quadros se possa trans- senta. A questão é saber se pode- grãozinhos de terra que, pequenos seguros sugerem que a população formar num Think-Tank. Cabo Ver- remos andar mais depressa e com no tamanho, são grandes em am- diferentes espaços emigrada da 1.ª geração deverá de tem pela frente inúmeros desa- mais eficácia. Parece-me que te- bição e na vontade de continuar- de acolhimento rondar meio milhão e se conside- fios que, associados a graduação mos todas as condições de cons- mos a ter um país melhor do que rarmos os descendente o universo do país de desenvolvimento mé- truir este diálogo de forma mais ontem e olhar para o nosso per- da diáspora cabo-verdiana é cons- dio, implica novos posicionamen- célere e mais consequente. curso e dizer: tenho orgulho em ser tituído por mais de 800 mil pes- tos dos agentes de desenvolvi- Ter uma relação forte com a cabo-verdiano. ANOS PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 43 ANOS

44 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação

A MÚSICA DE INTERVENÇÃO ANTES E PÓS-INDEPENDÊNCIA MÚSICA António Neves e José Vicente Lopes

caminhada para um Cabo Da morna ao rap Verde indepen- dente também se notabili- zou através da »»No período antes, e duran- chamadaA música de inter- te estes 40 anos, Cabo Verde venção. Abílio Duarte, com o seu “Camim pa Santomé” e sempre foi marcado por mú- “Grit d’ Pov”, é bem o espe- lho disso. Ou seja, antes de sicas de intervenção. Primeiro ser político ou combatente em prol da causa nacionalis- da liberdade da pátria, es- ta. E, mais recentemente, con- tudante liceal ainda em São Vicente, usou a poesia e a tra as chamadas injustiças so- música até, a 5 de Julho de ciais e políticas. O Rap é, ac- 1975, ser chamado a pro- clamar a Independência de tualmente, o género que mais Cabo Verde. espelha essa forma de se fa- Nesta “convocação”, mui- tos outros nomes poderiam zer música no país de Cesária ser evocados, casos de Ma- Évora, Bana, Ildo Lobo e vários nuel Faustino, Renato Car- outros cantores que não deixa- doso, Kaká Barboza, Valde- mar Lopes da Silva... E, com ram esse género de lado. algum esforço, poder-se-ia ir bem mais atrás, por exem- plo, por altura da II Guerra Mundial, quando em Lisboa (Portugal), B. Lèza resolveu, com o seu talento, procla- mar numa das suas canções tarde, no pós-Independên- De acordo com Batchart, Questionado, até que pon- ve uma tentativa de instru- que Hitler não haveria de ga- cia, a darem conta de novas uma das vozes do “Rap Kriol, to a música contribuiu para mentalização, mas, segundo nhar a guerra. “Vitória é d’ insatisfações... a música de intervenção que o processo de Independên- este “rapper”, a música de nôs aliado”, a Inglaterra. se fazia na época da liberta- cia, Redy Lima afirma que intervenção é feita para mu- Rap: forma de expressão ção e a que se faz agora são “foi através da conscien- danças de atitudes. “Há uma Contra o colonialismo diferentes devido aos aspec- cialização das pessoas que tendência para se achar que Actualmente, e porque os tos de cada época. “São di- eram exploradas e serviu a música de intervenção é Antes da libertação na- tempos são outros, Rap é ferentes por causa das sono- como forma de amplificação contra as políticas gover- cional, a música funcionava o género que mais espelha ridades, ritmos, formato e do da mensagem do PAIGC”. namentais, mas, não é bem como instrumento de resis- essa forma de se fazer mú- contexto. Antes, ou mesmo “Hoje são as ONG’s, par- assim, porque, ela tem um tência face ao domínio por- sica no país. A NAÇÃO quis após a Independência, havia tidos e instituições públi- forte pendor de conscien- tuguês. No processo de luta saber qual a diferença entre um inimigo claro que era o cas que fazem uso da músi- cialização, fazer a juventude pela Independência, conjun- a música de intervenção que colono, hoje, a música de in- ca como forma de veículo de pensar pela sua própria ca- tos como o Grupo de Inter- se fazia “naquele” tempo e tervenção é feita contra algo passagem das mensagens beça”, salienta. venção Artística (GIA), uma hoje, principalmente, através que é difícil de se identificar”. institucionais. Mas, por ou- referência na música de pro- do “Rap Kriol”. tro lado, existem aqueles A vida continua... e testo da época, faziam com- Redy Lima, sociólogo, in- que usam o Rap como forma a luta também posições contra o colonia- vestigador e professor uni- de emancipação, afirmação lismo português, incitando à versitário, defende que não e de confronto com o outro, Cabo Verde sempre re- libertação nacional. há diferença nenhuma, mas quer sejam grupos rivais ou velou-se um país de lutas - Com o 25 de Abril, a músi- sim uma continuidade. “An- A música de políticos”, aponta este so- em todos os aspectos! -, e a ca de intervenção social foi tes da Independência, a mú- ciólogo, para quem o Rap música vem acompanhando chamada a exercer um papel sica foi usada como uma es- intervenção Kriol não está a conseguir esse “processo” através da crucial na mobilização das pécie de ‘guerrilha cultural’ serve para alcançar os objectivos, “de- forte intervenção que exer- grandes massas para a cau- pelo PAIGC e hoje ela conti- vido à excessiva institucio- ce nas mentalidades. E como sa da Independência. Tuba- nua a ser instrumentalizada consciencializar nalização e partidarização a “vida continua” (e a “luta” rões, Kings, Kola, Abel Djassi por grupos com interesses e levar os jovens da sociedade que explora a também!), a música continua deixariam as suas marcas... diversos, incluindo os parti- cultura de necessidade exis- ela, igualmente, a ser um ele- Isso sem deixar de lado can- dos. Em ambos os casos, a a reflectir sobre o tente”. mento importante desta ca- tores como Nhô Balta, Nor- música de intervenção serve mal-estar social Para Batchart, desde a minhada de 40 anos de Cabo berto Tavares, ou mesmo para consciencializar e levar luta pela libertação e du- Verde como país indepen- grupos como Bulimundo, Fi- os jovens a reflectir sobre o rante esses 40 anos de In- dente. Poderia ser de outro nason, que surgiriam mais mal-estar social”, afirma. dependência, sempre hou- modo? Provavelmente, não. ANOS De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 45

MÁRIO LÚCIO SOUSA, MINISTRO DA CULTURA Antes da Independência, Cabo Verde

CULTURA já era um “Estado Cultural” José Sousa Dias, Agência Lusa ideia é pelo mi- nistro da Cul- do cinema, do livro, do dis- cio considera-a uma ”ques- tura de Cabo co e da cultura, o arquivo e tão técnica”, frisando que o Verde, o tam- a biblioteca nacionais, o que que existe são “variantes”, bém compo- denota uma postura de valo- pois a língua é a mesma. sitor, músico, rização. “Felizmente, temos uma cantor,A escritor, dramaturgo única língua que, por viver- e poeta Mário Lúcio Sousa, Há “namoro” entre mos num arquipélago, foi 50 anos, natural do Tarra- Crioulo e Português ganhando características fal de Santiago, para quem próprias, de ilha em ilha. Há o cabo-verdiano “sempre foi As línguas portuguesa decisões técnicas e políticas muito receptivo à cultura do e cabo-verdiana, segundo a serem tomadas. O crioulo outro” e acabou por criar a Mário Lúcio Sousa, coabi- tem regras, porque se não ti- sua própria identidade cul- tam, pacificamente em Cabo vesse não nos entendíamos. tural. Verde, havendo até uma re- Essas regras já estão nos li- “Em Cabo Verde vive-se a lação de “namoro” e con- vros de Napoleão Fernan- cultura de uma forma mui- sequente “osmose”. “Esta- des, Baltazar Lopes, Manuel to diferente de outras partes mos a introduzir o crioulo Veiga, Eduardo Cardoso e do mundo. Aqui, suprime-se no português e o português vários outros linguistas”, ar- a cultura e o cabo-verdiano no crioulo todos os dias. É o gumentou. desaparece, não se sabe li- período da descrioulização. Instado sobre o fracas- dar, porque o seu gene, me- Ouve-se alguém a falar em so da institucionalização do taforicamente falando, é a crioulo e, no fundo, só usam ALUPEC (Alfabeto Unifica- cultura”, sustentou, lem- algumas palavras em criou- do para a Escrita da Língua brando a vasta influência lo. Os tempos verbais já são Cabo-verdiana), Mário Lúcio nas ilhas de portugueses, todos em português e o lé- admitiu a “desarmonia”, sa- espanhóis, franceses, ho- xico é basicamente o portu- lientando que há linguistas landeses e dos provenientes guês. Descrioulizou-se, por pró e contra a convenção e da África Ocidental. causa do contacto”, susten- que “da discussão faz-se a “Para nós, o estado da tou. luz”, pelo é necessário en- cultura antes da indepen- “No mundo de hoje, ter di- contrar formas de escrita dência – é bonita a palavra versidades e ter línguas é ter que permitam consensos. – já existia. Só não tínha- património e temos de cui- “Isso é possível e está em mos um país, mas já tínha- dar das duas línguas, mas aberto. Mas esta discussão mos uma nação, um povo e não existe tensão: O que é boa, porque estamos a vi- agora tínhamos esta boni- existe são decessos nos de- ver um momento de transi- ta expressão: um estado da fensores, entre os da oficia- ção no mundo e a nova ge- cultura. Não era um estado lização e os da não oficiali- ração, a que chamo de ‘Ge- constitucional mas era um zação”, acrescentou, salien- ração Polegar’, já está numa estado cultura, isso já exis- tando, porém, que o crioulo outra língua. O que se discu- tia”, insistiu. »»Ainda antes da Independência, em já devia estar reconhecido tiu em relação à língua, há “Após a independência, na Constituição há muito. 20 anos, não é o que se está tivemos uma grande sor- 1975, Cabo Verde já era um “Estado cul- “Devia ser dos primeiros a discutir hoje. E o que se te, que foi ter tido homens tural”, manifestado no Funaná, Batuque, gestos pós independência, vai discutir durante 20 anos sensíveis à frente do Estado, porque é uma língua que se será outra coisa, porque o começando por Amílcar Ca- Tabanca, Morna, Coladeira, mas também conquistou, que se inventou, próprio fenómeno da Inter- bral (assassinado em 1973). na poesia, literatura, tradições orais e que se criou e é um patri- net é uma revolução huma- O facto de ser poeta, sensí- culinária, que a censura colonial portu- mónio da identidade crioula na incomensurável”, susten- vel e culto norteou os seus no mundo todo”, sublinhou, tou. companheiros de luta para guesa sempre tentou reprimir. lembrando que, em casa, o Nesse sentido, exemplifi- uma filosofia de libertação e povo cabo-verdiano, bilin- cou, um jovem de Santo An- também de gestão”, susten- gue por natureza, não fala tão comunica com o ami- tou. Logo no primeiro Go- a educação e, sobretudo, na plásticos para a ex-União português. go na Brava e “entendem- verno pós-independência, alfabetização. Soviética, actores na Ale- Questionado sobre as di- -se perfeitamente na escrita prosseguiu, houve a preocu- “Mais, quando se come- manha e Portugal, envia- ficuldades de consenso ‘sms’”. Quando “outra gera- pação com a cultura, inves- çou a mandar pessoas para dos pelo Estado. Havia uma quanto a um único crioulo – ção tomar o lugar, a discus- tindo-se nas várias dimen- se formarem como médi- grande preocupação cultu- o de Santo Antão é diferen- são será outra e a oficializa- sões da cultura, como as cos, engenheiros e outros ral”, lembrou. te do da Brava, o de Santia- ção é uma questão constitu- valorizações do património que não havia em Cabo Ver- Por outro lado, criaram- go tem duas ou três versões, cional e com muitas conse- imaterial, música e literatura de, mandaram-se também -se os centros de cultura e etc. -, inviabilizando uma quências positivas”, termi- cabo-verdiana, seguindo-se músicos para Cuba, artistas de artesanato, os institutos gramática própria, Mário Lú- nou. ANOS

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OTACA mais de 40 anos a fazer público rir

»»OTACA é o mais antigo grupo de teatro, no activo, em Cabo Verde. Surgiu na Assomada, em Santa Catarina, em 1974, para ajudar mobilizar as gentes do interior de Santiago para a independência nacional. O nome pelo qual é conhecido, esse, viria a surgir em 1979. Narciso Freire, Xixo, um dos seus fun- dadores e sobrevivente desse tempo, recorda como tudo começou.

gem principal era informar me colonial na altura, e de- de, em 1979. A sua primeira CULTURA as pessoas acerca da im- pois, com a independência, actuação pública, enquan- Silvino Monteiro portância da independência algumas das medidas im- to tal, aconteceu no Cine- para Cabo Verde. Na altu- plementadas pelos sucessi- -Clube da Assomada, a 3 de ra os ‘seguidores’ de Cabral vos governos e partidos po- Maio 1980, com a apresen- 974. O 25 de Abril eram vistos como terroris- líticos, “mas sempre de for- tação da peça “Emigração acontece em Lis- tas. Tivemos que trabalhar ma imparcial”, conforme faz para São Tomé e Príncipe”. boa, derrubando para derrubar esse tipo de questão de frisar. Um outro O enredo dessa peça gira a ditadura que ideia”. segredo é a aposta na forma- em “histórias” e “dramas” há 48 anos do- Homem do teatro, Xixo ção de centenas de jovens na daqueles que tiveram de ru- minava Portu- não tem dúvidas da força de arte da representação. mar para as roças daque- gal e as suas então colónias mobilização desse género A isso junta-se um outro la antiga colónia portugue- ultramarinas.1 De imediato, artístico junto do grande forte do OTACA, a sua capa- sa, sobretudo homens que os movimentos de liberta- público, mormente em pe- cidade de improvisar e criar deixaram para atrás a mu- do Maio e, cinco vezes, em ção saem da clandestinida- ríodos de agitação social e peças através de “sketchs”, lher, os filhos... Analfabetos, São Vicente, por intermédio de para uma luta mais aber- política. “Desde muito cedo inspirados em factos sociais. quando sentiam a necessi- do Mindelact. ta em prol da independên- percebemos que o teatro Das dezenas de peças feitas dade comunicar com os fa- cia. Em Cabo Verde, recorda é uma grande arma para a pelo grupo, Narciso conside- miliares em Cabo Verde, era Momentos difíceis Narciso Freire, havia nes- mobilização e conscien- ra que as mais emblemáticas através de cartas tinham que sa altura “muita confusão e cialização nacional, e que é foram “Novidade”, “Tchon pedir a outras pessoas para Neste “recorda tempo” desinformação” à volta da muito mais fácil passar uma di Morgado”, “Emigração as escrever ou ler. E, nisso, Narciso Freire realça tam- ideologia de Amílcar Cabral, mensagem através de ani- para Santomé”, “Casamen- muitas vezes, as mensagens bém que, como tudo na vida, do PAIGC e da própria in- mação teatral do que uma to à moda antiga”, “Bedju na eram deturpadas a favor de nem tudo foram rosas para dependência em si. Contra conferência ou palestra, por Monti”, “Chã Pinho 1 e 2” e quem as lia ou escrevia, com a vida do OTACA e dos seus isso, e para ajudar a esclare- exemplo. Por isso a nossa “Raboita de Rubom Manel”. várias confusões pelo meio, membros, facto este que di- cer as pessoas, um grupo de aposta na época, enquan- Esta última tem sido a mais o que sempre gerava fortes tou inclusive o afastamento jovens activistas alinhados to jovens defensores da li- solicitada, tendo inclusi- gargalhadas entre o público. do palco durante 14 anos. com a independência resol- berdade da pátria, foi passar ve, em 2014, sido destingida Na história de OTACA po- “No intervalo de 1986 a veu criar aquela que viria a mensagem através de peças com Prémio de Mérito pela de-se ainda dizer que foi o 2000, o grupo passou por ser, mais tarde, em 1979, a de teatro”. associação Mindelact. primeiro grupo de teatro a momentos difíceis, chega- Oficina de Teatro e Comuni- pisar o palco da Assembleia mos até a ser ameaçados cação de Assomada, OTACA. Característica do grupo Primeira actuação Nacional, com “Raboita de e obrigados a parar com as “A nossa primeira peça Rubom Manel”, em 1986. nossas críticas. Isso duran- chamava-se ‘Novidade’, foi Segundo Narciso Freire, as A denominação oficial do OTACA já actuou em vários te o período do partido úni- escrita em 1974, por Horá- peças feitas pelo OTACA es- grupo – Oficina de Teatro e outros palcos do país, a co- co, em que se entendeu que cio Fernandes, hoje no Tri- tão voltadas para interven- Comunicação de Assoma- meçar pelos concelhos de o grupo estava a ser atrevi- bunal de Contas. A mensa- ção social, criticando o regi- da, OTACA – viria mais tar- Santiago, além do Fogo, ilha do de mais, nomeadamente, ANOS De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 47

Narciso Freire

por causa da peça ‘Txon de dos seus actores, mas da São Vicente, e com isso re- de vive os seus 40 anos de Morgado’, que aborda o pro- ilha de Santiago, dos aman- volucionar a forma de se fa- independência nacional, blema da reforma agrária tes da cultura, porque nesta zer e viver teatro entre nós. Narciso Freire revela que um Não havia em Cabo Verde. Só voltamos caminhada trocámos e be- “Qualquer peça no Minde- dos grandes desafios que o outros meios de aos palcos no ano 2000 com bemos experiência de uns e lact enche a sala, dá gosto OTACA tem pela frente é a a peça ‘Revolta de Ribeirão outros”. de trabalhar para um públi- gravação em vídeo da peça diversão como Manuel’, pela primeira vez, Hoje, olhando para o pas- co que ama o teatro como “Raboita de Rubom Manel”, no Mindelact, e por incenti- sado, Narciso entende que a gente vê em São Vicente”, orçada em 4 mil contos. actualmente, vo do falecido músico Orlan- antigamente o teatro era vi- afirma. “Esta é uma peça que pode do Pantera” (na altura a viver vido com muito mais emo- O sonho deste amante do ser considerada um patri- televisão, em Santa Catarina). ção em Cabo Verde. Desde teatro é ver em Santiago, ilha mónio nacional já que con- internet e logo porque era um tempo onde existem vários grupos, ta a história de uma das re- Mérito teatral 2015 em que as pessoas, muitas a mesma paixão. Mas para voltas mais emblemáticas telenovelas vezes, saíam de casa para isso defende que as auto- em Cabo Verde. Estamos à O grupo OTACA viu final- ir ao teatro ou ao cinema, ridades, nacionais e muni- procura de patrocínio para mente reconhecido o seu como um acto de extrema cipais, devem criar salas de gravação desse vídeo há valor, este ano, com o pré- importância social e cultu- espectáculos com qualida- mais de cinco anos. Inclu- mio mérito teatral pela As- ral. “Não havia outros meios de, além de uma “política de sive, já enviámos o projecto sociação Cultural Mindelact, de diversão como actual- incentivo” aos grupos. para o Ministério da Cultura em São Vicente. Uma distin- mente, televisão, internet e há cerca de três anos, pedin- ção que Narciso Freire con- telenovelas”. Desafios do financiamento através do sidera uma honra colectiva: Felizmente, salienta, o Banco da Cultura. Até ainda “Não foi apenas um reco- Mindelact veio resgatar essa Chegado a este ponto, no estamos à espera”, finaliza nhecimento do OTACA nem tradição, pelo menos, em momento em que Cabo Ver- com pesar. ANOS

48 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação SÃO VICENTE Urbanização chegou às “fraldas”

»»Até finais dos anos 1980, os bairros periféricos de São Vicente, conhecidos como “fraldas” de uma Morada (Min- delo) centralizadora, careciam de quase tudo: saneamento, água canalizada, estradas calcetadas, construções orde- nadas. Hoje o quadro é outro, bem diferente.

PERCURSO João Almeida

uem diria que a chamada Chã de Ma- rinha, onde existia cerca de uma de- zenaQ de casas dos oficiais da marinha portuguesa (daí vem o nome), no tempo co- lonial, viria a transformar- -se num local para se cons- truir palacetes e muitas vi- vendas? Ainda em finais da década de 1980, o lugar não passava de um descampado que, quando chovia, servia de zona de pastagem para criadores das zonas circun- dantes (Passarão, Ribeira de Craquinha, Fernando-Pó, Fonte de Francês). Cres- ceu rápido, ganhou estrada e edifícios, mas ainda falta- -lhe espaços verdes. Lazareto, onde antes exis- tia uma ou outra casa de pescador, tornou-se tam- bém num bairro de viven- das, restaurantes, edifícios. De repente, valorizou-se tal como o Platô, em Chã de Alecrim, e outros novos bair- ros que vão tomando con- ta da paisagem da “Ilha do Monte Cara”. Laginha, “ex-libris” do montes, perto e longe da ci- tava kme gemada” (não que- Há os outros bairros ou São Vicente, onde Mindelo, mostra-se mais dade. Com gente de várias rendo isso dizer que se vivia lugares que ganharam ser- no passado até ‘gote extensa e aprazível com as outras ilhas (Santo Antão e melhor na ilha, pois trata- viços, prédios e movimen- obras de requalificação da São Nicolau sobretudo), à -se, para muitos, um olhar tos. É o caso de Chã de Ale- de Mané Jon tava zona desta famosa praia ur- procura de melhor vida na romântico sobre o passado), crim, ou também do Mon- kme gemada’, bana. A Marginal, hoje, apre- “Ilha do Porto Grande”, o défi- continua à espera de mais te Sossego, o bairro mais senta edifícios vistosos, fru- ce habitacional ainda é enor- empregos, uma economia populoso de São Vicente, a continua à espera de to da expansão imobiliária me, a beirar os três mil fo- pulsante e mais zonas ver- tal ponto que já reivindica o mais empregos, uma que chegou a São Vicente gos (embora ninguém acerte des. Afinal de contas, nem de estatuto de cidade. Mais a economia pulsante e em anos mais recentes. nesses números por falta de só de prédios, asfalto e blo- mais, os bancos instalaram- No entanto, as novas um estudo aprofundado nes- cos maciços vive esta cidade -se por lá, as empresas de mais zonas verdes construções, o arruamento, sa matéria) e as construções ou ilha-porto. Numa palavra, telecomunicações, de elec- saneamento em quase toda clandestinas nascem da noi- falta cumprir-se o seu des- tricidade, institutos públicos a antiga “fralda” não escon- te para o dia. tino, o de ver todos os seus e as ruas mostraram-se or- dem as casas de lata ou tam- São Vicente, onde no pas- habitantes com trabalho e a denadas. bor, construídas no cimo dos sado até “gote de Mané Jon lutar por uma vida melhor. ANOS PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 49 ANOS

50 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação Cidade da Praia, 40 anos de mudança radical

PERCURSO Denise Lobo

aula Furtado, mais conheci- da como Dona Tubexa, nasci- da e criada no Platô, é mora- doraP numa das ruas histó- ricas zona de Ponta-Belém, zona Libertada. A senhora de 81 anos dei- xa a porta da sua casa en- treaberta enquanto é dia e, apesar, de se queixar de pouca memória, partilha o seu sentimento do dia 5 de Julho de 1975. “Foi um mo- mento de alegria para to- dos. Mas, muita coisa acon- teceu... agora é tiro, é faca. Naquele tempo não era as- sim. Deus me livre!”, lamen- ta. Dona Tubexa era do tem- po em que as moças só pen- savam em “pinta bexu” e dançar, em salas alugadas pela Dona Maninha, aos sá- bados e aos domingos, na Rua Cândido dos Reis. Dançavam ao som do gi- ra-disco? “Não! Não! Deus me livre! Violino. Não havia gira-disco. Só havia rapazes da ilha da Boa Vista a tocar violino. Nós só dançamos ao som do violino e com muito respeito”, afirma orgulhosa Dona Tubexa. Não havia criminalida- de. “A única coisa grave que podia haver na Praia era se Dona Tubexa conhe- -me a atenção dizendo que uma menina menor de idade ceu Amílcar quando falta- não se devia rir das pessoas tivesse um ‘caso’ com um va pouco para ele ir estudar daquela maneira. Pois, de rapaz. E,claro, eram obriga- »»Poucos carros, ruas sere- em Portugal, onde haveria um momento para o outro, dos a se casar”. de se formar e casar com essa mesma pessoa podia nas, casas de portas e janelas aquela que viria a ser a sua se tornar ‘chefe de gabine- Amílcar Cabral em abertas até altas horas da noite. primeira mulher, a portu- te’. Ele disse ainda que se eu Ponta-Belém guesa Maria Helena Vilhe- visse uma pessoa desprezí- Melodias de grupos de serena- na. “Ele esteve um ano na vel que procurasse o ‘mal’ Dona Tubexa conheceu ta. Mercado Municipal recheado Cidade da Praia. Era muito (isto é, a razão disso), e não Amílcar Cabral. Na zona da educado, muito humano e risse dela”, finaliza. Ponta-Belém, todos sabem de produtos “di terra”. A realida- sensível”, recorda. que eles conviveram. Na- de da Cidade da Praia, naque- Certa vez, Amílcar Cabral Travadores e Zona Libertada moraram, talvez? É o que e Dona Tubexa foram a um alguns dizem. Dona Tube- le tempo, era “bonita”. Era outra, casamento numa rua onde Olinda Tavares Silva Mo- xa não confirma e nem des- havia um rapaz a que cha- reira, conhecida por todos mente. Simplesmente ri, di- bem diferente da de hoje. mavam de ‘Toti-Cadabra’. como Dona Liloca, vizinha vertida com as “bocas do “Ele fazia disparates na rua Dona Tubexa, também lem- povo”. e eu ri. E o Amilcar chamou- bra bem do dia da indepen- ANOS De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 51 Cidade da Praia, 40 anos de mudança radical

Paula Furtado “Tubexa“

Belinha Olinda Tavares ” Liloca” Augusto Paulo

dência, há 40 anos. “O tem- muito barulho aqui. Fizeram Aos olhos do farmacêu- pandiu-se, a olhos vistos, o po fechou quando a bandei- revolução. Alguns levaram tico muita coisa mudou. O centro administrativo deixou ra deles descia e a nossa su- até tiro”, conta. serviço prestado às pessoas de estar confinado ao Platô, bia”, recorda como se fosse Ponta-Belém, ou Zona Li- que vinham comprar remé- onde restam a Câmara Mu- ontem. bertada, como a Dona Lilo- dios na farmácia era outro. nicipal, a Presidência da Re- Nascida e criada na Fa- ca chama, era a zona de um “Nesses 40 anos de inde- pública, o Hospital e um ou zenda, Dona Liloca diz que grupo de rapazes que tive- pendência, as coisas muda- outro serviço, estendendo- o bairro era um lugar sosse- ram alguns conflitos com a ram para melhor aqui na far- -se a vários outros pontos gado e de muita serenata. E PIDE, Polícia Internacional e mácia”, conclui. “Cabo Verde da capital. As achadas, as que no Platô ela fazia desfi- de Defesa do Estado, a que também mudou”. colinas e os vales vão sen- le na equipa dos Travadores. reprimia os anseios de liber- Dona Belinha regressou do, pouco a pouco, conquis- “Desde 12 anos que gosto dade e independência dos de Angola em 1969 e logo tados pelos habitantes do de assistir jogos de futebol. cabo-verdianos. “Aqueles começou a vender no mer- concelho. Aqueles miúdos Costumávamos ir assistir miúdos seguiam o Amílcar cado. Ela e outras mulheres Se naqueles idos alguém seguiam os Travadores no estádio da Cabral. A PIDE estava sem- vinham de Santa Cruz, com dissesse a pessoas como Várzea que na altura o cam- pre a rondar aqui na zona em os hortícolas (banana, hor- Dona Tubexa que ia cons- o Amílcar po era feito apenas de terra. busca dos rapazes nas suas taliça...) e vendia. O merca- truir uma casa onde é hoje Quando chovia todos fica- ‘reuniões’ ”. do abria-se às oito, mas elas o Palmarejo ou Cidadela, ou Cabral. A vam com receio porque era chegavam às 7h30, “anti até mesmo Achada Grande lama-lama”. Farmácia Ultramar manxi”. “Na época o quilo de ou Achada São Filipe, com PIDE estava Aos 18 anos, Dona Liloca banana custava cinco escu- certeza ela haveria de per- muda-se para zona do Platô Augusto Paulo trabalha dos e a mandioca 10 escu- guntar se essa pessoa esta- sempre a e conta que não havia mui- na farmácia Africana, antes dos... Para mim a vida era va doida. Mas é o que se vê. tos carros. Andavam da Fa- conhecida como farmácia mais fácil. Naquele tempo Em grande parte fruto dos rondar zenda ou Platô até Achada Ultramar, no Platô há mais ‘era mais sabi’” 40 anos da independência, Santo António a pé. “Havia de 40 anos. “No momen- Para os entrevistados do com Praia capital a atrair muitos botequins aqui na to, os colegas que trabalha- A NAÇÃO a cidade da Praia gente dos variados lugares Ponta-Belém. Depois do 25 vam comigo não estão mais daquele tempo já nada tem de Cabo Verde e até de ou- de Abril de 1974, eles fizeram aqui”, diz. a ver com a de hoje. Ela ex- tros lugares. ANOS

52 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 40 anos depois – e os pendentes da Nação? . Tarefa ingente essa de evo- . Recentemente, num de- titárias, ainda não conseguimos certa vez, que não há especialis- car os quarenta anos da In- poimento feito para a Te- colocar um chapéu africano na tas de informação no país, mas dependência de Cabo Verde levisão de Cabo Verde, o nossa condição de crioulos. sim militantes que coordenam os para alguém como eu que Presidente da Câmara do Ao olharmos para o nível de dis- diferentes sectores de produção, 1nasceu depois dessa data marcan- 3Comércio e Serviços de Barlaven- sensos que o debate sobre a nossa e aqui se incluía claramente as OPINIÃO te na história das ilhas. Mormente to, Belarmino Lucas, considerou pertença (que deveria ser natural) redações. Nesses 40 anos hou- Margarida Fontes em tom de crónica, um género jor- o problema da ligação marítima a África, despoleta, percebemos ve muita mudança no jornalismo, nalístico em que a vivência e os de- inter-ilhas como um dos maiores a dimensão da nossa orfandade e tendo como ponto de partida a talhes quotidianos se revelam de constrangimentos do sector eco- temos sinais mais ou menos con- abertura multipartidária, mas per- importância lapidar para a sua for- nómico dos últimos 40 anos. Um sistentes do nosso desvario atlân- sistem traços desse ADN do anti- ma. Ainda assim aceitei o repto da problema que claramente com- tico. go regime, principalmente nos ór- direcção do Jornal, sendo certo que promete o desenvolvimento equi- A crise simbólica e a orfanda- gãos públicos, que se mantêm de de tudo que lemos e ouvimos pode- librado do país, para além de de- de identitária são sinais recorren- forma preocupante e repetem-se mos sempre colher bons frutos, e sestimular o investimento privado tes na história de Cabo Verde; nes- em todos os momentos da histó- criticamente deles extrair posicio- em outros subsectores da econo- ses 40 anos mostra-se necessário ria recente da imprensa. Os rituais namentos. Ao reflectir naquilo que mia. Para um país que se alimen- densificar as reflexões, mormente à volta dos poderes públicos con- deveria escrever no quadro do Cabo ta de discursos à volta de uma quando se se começa a projectar tinuam, com as conferências dos Verde independente, ocorreu-me os sonhada inserção económica na horizontes para o desenvolvimen- Conselhos de Ministros semanais, debates cíclicos que as várias gera- nossa sub-região africana, ficava to sustentado. Resistência seme- as antevisões e os balanços de vi- ções de cabo-verdianos alimenta- bem resolver antes esse problema lhante enfrenta a Língua Cabover- sitas ao estrangeiro do chefe de ram, cada uma à sua maneira, e que doméstico bicudo, e só depois al- diana. Depois de estudos, debates, estado e dos governantes, os ate- por mais que o país cresça, a diás- mejar navegar por mares outros. contributos, Alupek continuamos liers, abertura e encerramento de pora se renove, e as mentalidades Mas para isso, era importante ter- a ouvir os mesmos argumentos seminários, as inaugurações e os se reinventam, esses problemas/te- -se um projecto de nação, muito negativistas e divisionistas sobre lançamentos de primeira pedra, mas tendem a persistir como pedra para além dos entusiasmos das a padronização do crioulo de Cabo sem contar os prémios promo- rochosa: demovíveis e imutáveis; legislaturas, que passasse pela Verde. Somos ilhas, temos vários vidos pelo governo e retiros com verdadeiros pendentes da nação. construção de uma economia crioulos (dizem), e insistimos em jornalistas. Jornalismo desenvol- endógena e diferenciada. Infeliz- nada aprender com a História. vido não se enquadra nessas prá- . Desde os tempos da I Re- mente, a insonsa realidade, fei- ticas. pública que a Cimenteira ta de avanços e recuos, só revela da Ilha do Maio é um as- que muita coisa terá falhado nes- . O recente livro do Antro- sunto que alimenta pági- se particular. Mas os discursos, pólogo, João Lopes Filho, 2nas de projectos e jornais, discur- ao longo desses 40 anos, sem- sobre o Historiador Antó- sos políticos e agita águas entre as pre alimentaram as esperanças Nesses 40 nio Carreira traz ilustra- hostes, sejam elas políticas e/ou num Cabo Verde unido pelo mar. 6ções várias de em como o notá- cidadãs. É conhecido um célebre No início deste ano ouviu-se que o anos mostra- vel etnógrafo foi avesso e crítico testemunho de Aristides Pereira a Governo vai reformar e desenvol- se necessário mordaz do clientelismo reinante defender a Cimenteira na ilha do ver os transportes marítimos. Os nas relações de poder em Cabo Maio. O assunto foi-se arrastando anúncios são sempre muito bons densificar as Verde; prática herdada do período ao longo de décadas, sempre com de se fazer, principalmente quan- reflexões, mormente colonial. Um problema que, para rasgos episódicos para animar o do ninguém cobra a sua concreti- o historiador, punha entraves sé- ambiente, como se numa nação zação, mesmo que se passem dé- quando se se rios ao próprio desenvolvimento espectáculo todos vivessem. A úl- cadas ou anos. começa a projectar do país. O clientelismo talvez seja tima investida pública, dentre mui- o subtipo de corrupção mais co- tas, foi de um grupo de quadros . Os Claridosos nos dei- horizontes para o mum em Cabo Verde. É certamen- que em 2011 foi recebido pelo Pre- xaram de herança um dos desenvolvimento te das percepções mais imediatas sidente da República, a quem pe- debates intelectualmen- da cidadania nacional. Nos últi- diram que usasse a sua magistra- te mais fracturantes, nos sustentado mos tempos, ouvimos recorren- tura de influência para evitar que 4moldes que hoje o conhecemos e temente da boca do Primeiro Mi- o projecto de Cimenteira do Maio vivenciamos: a nossa pertença ao nistro o apelo para o fim da parti- fosse transferido para Santa Cruz, Continente Africano. Baltazar Lo- darização na administração públi- em Santiago, como parecia ser a pes, um dos arautos desse movi- ca – subtipo do clientelismo. Para vontade de um grupo empresarial. mento literário e identitário, pro- José Maria Neves é um desafio de O certo é que não mais se ouviu pugnou a célebre e controversa . A imprensa, no regime do todos, porquanto vivemos numa falar do assunto. E assim aguarda- sentença: nem África, nem Europa, partido único, funcionava sociedade partidarizada. Estando -se pelo próximo rompante. A Ci- mas sim Cabo Verde. Antes dos como o braço do poder. Os ou não justo o diagnóstico, o certo menteira do Maio foi apenas uma Claridosos, já tinha sido lançado órgãos de comunicação é que todos perceberam que essa ilustração, sendo certo que pen- o desafio da construção da cabo- 5social estavam formatados para cultura nociva não pode continuar dências do tipo, frutos de reitera- -verdianidade. 40 anos depois da serem instrumentos de propagan- a fazer escola, e que 40 anos de- dos anúncios e promessas, exis- nossa independência, com tudo o da do regime, e isso nunca foi se- pois, isso não combina com uma tem em todos os cantos do país. que isso significa para a repagina- gredo para ninguém. O Presiden- Nação que se quer madura e de- ção das questões culturais e iden- te da República de então assumiu, senvolvida. ANOS PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 53 ANOS

54 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação Tubarões Azuis: Entre baixos e altos DESPORTO Jason Fortes oaquim Ribei- ro foi o primei- ro presidente da Federação Ca- bo-verdiana de Futebol (FCF), Jmas foi Orlando Mascare- nhas, que dirigiu essa insti- tuição entre 1991 e 1993, a representar Cabo Verde na vigésima assembleia da CAF (Confederação Africana de Futebol), em Dakar, em 1992. Antes, Cabo Verde tinha sido membro da CAF, mas, por não ter cumprido com al- Cabo Verde ocupa gumas normas da entidade, o lugar 38º do teve que sair, retornando na- quele ano, agora com o traba- ranking da FIFA, lho de casa feito. Cabo Verde uma clara amostra entrou para a CAF em 1991 e no mesmo ano apareceu no da evolução dos ranking FIFA, numa posição Tubarões Azuís nos modesta, abaixo dos 170. Até então, a equipa na- últimos anos cional limitava-se a partici- par em actividades da Zona II, por vida da Taça Amílcar Cabral. Aliás, em 2000, Cabo Verde viria a vencer este tor- »»A Selecção de Futebol de Cabo Verde ga- neio, já depois de ter ficado nhou notoriedade mundial após a primei- ultrapassado as expectati- estrangeiros tenham como em 4º lugar nas edições de ra presença numa CAN (Copa de África das vas para um país com a di- prioridade a seleção do seu 1981, 1982, 1985; no 3º lu- mensão de Cabo Verde”, país de origem”, pois, o cam- gar em 1989 e 1995 e de ter Nações) em 2013, na África do Sul. Mas a afirma Orlando Mascare- peonato interno “amador, e sido vice-campeão em 1991 história da equipa nacional já vinha sendo nhas. “Vendo os Tubarões só isso, não será suficiente e 2007, já na “gestão” de Má- escrita desde os primeiros anos do pós-in- Azuis hoje e toda a massa para se chegar mais longe”. rio Semedo, enquanto presi- adepta que eles movem, da- Para Orlando Masca- dente da FCF. dependência, para não dizer antes. mos conta de que o impacto renhas, o nível a que Cabo que a Selecção tem na so- Verde chegou acarreta mais Protagonistas de outrora ciedade, é enorme, dentro ou exigências e maiores res- 2005, Cabo Verde ocupava o to que muitos jogadores não fora do país” ponsabilidades. Daí tam- Dos seleccionadores que lugar 80, tudo isto no espaço queriam regressar ao país bém, defende, “a necessida- passaram pelo Onze Nacio- de um ano e meio”, conta. para integrar os estágios da Novos tempos, novas de de reforçar a organização nal destacam-se Dú Fialho, selecção. “Pessoalmente es- responsabilidades e estruturação a nível dos Eduíno Lima, Carlos Alhinho, Dificuldades que tive em Portugal várias ve- clubes, associações e fede- Alexandre Platchakov, Ar- se impunham zes atrás de jogadores como Alexandre Alhinho reco- rações, para que se continue mando Soares, Óscar Duar- o Rolando (Inter), Hélder Ro- nhece o mérito que treina- a dar uma atenção particu- te, Alexandre Alhinho, mas Na altura não havia a pos- sário, Pelé e Eliseu (Benfica), dores, anteriores a ele, tive- lar ao bom desempenho da mais recentemente João de sibilidade e nem a capaci- distribuí passaportes cabo- ram no processo de lança- modalidade”. Deus, Lúcio Antunes e Rui dade de se apresentar joga- -verdianos a todos e ficamos mento da selecção para os O certo é que hoje Cabo Águas. E do leque de capi- dores do gabarito dos que à espera que eles viessem patamares de hoje, apesar Verde ocupa o lugar 38º do tães da altura, vêm à me- existem actualmente na se- representar Cabo Verde, mas das condições oferecidas ranking FIFA, “uma clara mória nomes como Eduíno, lecção. Segundo Orlando nunca o fizeram”, diz Alhinho. na altura. Acredita também amostra da evolução da se- Bala, Bassana, entre outros. Mascarenhas, “os jogado- que o trabalho desenvolvido lecção ao longo dos últimos Alexandre Alhinho foi o res ainda não viajavam para Mudança de cenário por ele e seus pupilos abriu anos”, no dizer de Mascare- seleccionador que orientou o exterior como fazem ac- caminho para o actual mo- nhas. a geração de jogadores de tualmente, e depois muitos Hoje, a situação mudou. mento da selecção. “O mo- “Para posteridade”, con- Cabo Verde e que pôs o país dos que viajavam acabavam Integrar ou fazer parte dos mento actual é resultado do clui, “fica o legado do actual pela primeira vez numa fase por integrar equipas interna- Tubarões Azuis tornou-se passado”, resume. contingente dos Tubarões de qualificação para o Mun- cionais, nomeadamente em objectivo de vários jogado- Para Alhinho, com a en- Azuis que em finais de 2012 dial (Alemanha 2006). Este- Portugal”. res, mesmo entre aqueles trada da equipa no pano- foram eliminar a poderosa e ve à frente da selecção entre Alhinho conta que no tem- que evoluem lá fora. rama desportivo africano, homogénea selecção cama- 2003 e 2004. “Quando en- po em que dirigiu o Onze “A situação do despor- hoje, Cabo Verde melhorou ronesa em sua própria casa, trei na selecção estávamos crioulo, a Federação não ti- to em Cabo Verde teve uma significativamente. E nisso o que permitiu a Cabo Verde na 162ª posição do ranking nha dinheiro, o que se reflec- evolução bastante grande, espera que “os jovens que chegar à CAN 2013 e fazer a e quando saí, ainda antes de tia nas deslocações enquan- os resultados obtidos tem militam em campeonatos respectiva campanha”. ANOS De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 55

»»Jorge Crato Montei- ro, ou Bassana, antiga glória do futebol da ilha Tubarões azuis de São Vicente, fez par- te de uma das primeiras gerações da selecção de nos seus primórdios Cabo Verde, após a Inde- pendência. Foi chamado pelo selecionador Alber- to “Dú” Fialho, para re- presentar o país na Taça Amílcar Cabral, no Mali, estávamos no ano de 1981. Ontem e hoje, as diferenças são gritantes.

DESPORTO Jason Fortes

abo Verde ia disputar a edi- ção desse ano da Taça Amíl- car Cabral, que a Guiné veio a conquistar,C após bater o an- fitrião Mali por seis a cinco nas penalidades. Bassana, normalmente, actuava na posição de late- ral, fez a sua estreia pela Se- “O grosso da Selecção lecção em Bamaco, perante dos”, lamenta o antigo capi- tamar muito acima das se- pertencia a São Vicente” o tempo de camarada”, su- o Senegal, num jogo onde os tão. lecções de outrora, não só blinha, e dinheiro não abun- cabo-verdianos perderam pelas conquistas, mas, tam- Na altura, a maior parte dava. por dois a zero. Diferenças bém, pelo facto de propor- dos jogadores que actua- Bassana também capita- cionar uma união maior en- vam na selecção labutavam, “Nós fomos o alicerce neou a comitiva nacional e Falar da Selecção Nacio- tre o povo cabo-verdiano. ou jogavam, em São Vicen- da casa actual” conta que, naquela altura, a nal de Futebol, na altura, im- “Os ‘Tubarões Azuis’ torna- te, sendo que numa edição Selecção tinha muitas difi- plicava falar apenas da Taça ram-se num símbolo, motivo da Taça Amílcar Cabral a Qualquer construção re- culdades, mas apenas o fac- Amílcar Cabral, pois era a de orgulho dos cabo-verdia- supremacia mindelense era quer uma base. Por isso, to de representarem o país única importante compe- nos”, realça Bassana. tanta que o “onze” de Cabo Bassana vê a si e aos seus valia qualquer situação me- tição internacional, neste Verde possuía oito jogado- “camaradas” de então como nos boa que havia para en- caso regional, de que Cabo res dessa ilha, sendo que os “o alicerce da casa actual”, frentar. “Não tínhamos o mí- Verde participava. Bassana outros três eram Abel e Zezé ao mesmo tempo que con- nimo de condições, contudo recorda como é que as coi- (Santiago), e ainda Balalan sidera que “Cabo Verde está gostávamos de jogar”, argu- sas aconteciam: “Reunia-se Eu deveria (Fogo). a passar por uma boa fase”, menta. um leque de jogadores pré- “O grosso da Selecção do ponto de vista desporti- Um pouco à imagem de -convocados um mês antes ter rumado pertencia a São Vicente, vo e não só, num longo pro- agora, a ambição de ir jo- do início da competição e mas isso não era nada, o im- cesso que começou bem lá gar para a Europa reinava dali fazia-se uma seleção fi- ao Rio Ave, portante era que nos reunía- atrás. no seio dos jogadores, ainda nal com os que mais se des- mos em torno de uma causa “Hoje, mesmo a nível de que timidamente, e isso até tacassem. Após a final da mas o meu maior, Cabo Verde”, acres- equipamentos, temos me- foi conseguido por alguns Taça, todo o frenesim termi- centa Bassana. lhores condições, a nível or- da sua geração. “Após o Mali nava e só voltava na próxima pai não Uma das principais di- ganizacional temos gente de 81, o meu colega Kiki foi edição”. ferenças entre a actual e a mais capaz, não que eu este- jogar em Portugal. Já eu de- Já hoje, a situação mu- me deu a antiga selecção, prende-se ja a dizer que não havia gen- veria ter rumado ao Rio Ave, dou e Bassana considera com a questão dos equipa- te capaz, o problema é que mas o meu pai não me deu a que o “onze” cabo-verdiano permissão mentos desportivos, mais não havia condições para se permissão para ir, por ainda (os “Tubarões Azuis”, como leve e adaptado, em suma, mostrar o verdadeiro valor”, estar a fazer os meus estu- agora se diz), atingiu um pa- tudo era mais modesto. “Era sublinha, em conclusão. ANOS

56 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação Outros combates nos esperam

ão somos é uma data de todos os ca- de, é triste constatar que fundamental para o desen- dos que bo-verdianos, esse dia é de para muitos dos jovens e volvimento deste arquipé- OPINIÃO consideram reflexão e tem de ser cele- adolescentes dessa ter- lago. Hélder Salomão * como abso- brado por todos os cabo- ra, essa data ser apenas Após a nossa liberta- luto que po- -verdianos, independente- só mais um feriado, um ção do regime colonial de demos “ar- mente das suas crenças ou dia sem trabalho. Perfilho Salazar e Marcelo Caeta- rumarN a história para um cor política. a ideia que um povo não no, crescemos e desenvol- lado” como quem tira o ca- Muitos defendem que a pode viver sem história e vemos sobre todos os as- saco e o pendura no guar- posição geoestratégica do esse tem de fazer parte do pectos: sócioculturais, po- da-fato até à próxima festa! país contribuiu, de certa quotidiano de uma Nação, líticos e económicos. Não É simplesmente inconce- forma, para que fôssemos e, nesse sentido, creio ser obstante esse desenvolvi- bível e demagógico o de- um dos últimos a conseguir incrível como a nossa ac- mento que fomos capazes bate que se tem assistido a independência. Verdade é tual geração não tem mui- de alcançar, o país ainda no país em relação à data que estivemos sobre o jugo tos conhecimentos daquilo depende e muito de ajuda maior do nosso Cabo Ver- colonial português cerca de que foi a luta travada pela internacional, fazendo com de. Creio ser estúpido divi- cinco séculos, mas ao lon- independência e pela so- que, em termos económico dir aquilo que de mais no- go desse tempo muitas fo- berania e, desta forma, não e financeiro, sejamos de- bre um povo possa conse- ram as formas utilizadas podemos exigir que es- pendentes das instituições guir, que é a sua soberania, pelo povo das ilhas, para ses possam compreender internacionais. e o poder de decisão sobre que, um dia, fôssemos li- e valorizar o feito que foi Vencida a luta de liber- os seus destinos. bertos e independentes. a Independência Nacional. tação nacional há 40 anos O 5 de Julho de 1975 é A luta pela independên- Creio que mal anda um país e depois de muitas bata- uma data singular para o cia dessas ilhas começou que afasta do seu sistema lhas vencidas pelo povo povo das ilhas e não é úni- a ser forjada mas matas da educacional aquilo que foi cabo-verdiano, é chegada ca e exclusivamente do Guiné, e, também, interna- o esforço e dedicação em- a hora de também conse- PAIGC/CV, como errada- mente, pelos intelectuais preendidos pelo seu povo guir vencer outras batalhas, mente se tem por es- e militantes afectos à cau- na luta de libertação nacio- combatendo, sem tréguas, sas bandas, alinhando-se a sa independentista de Cabo nal. a corrupção e o nepotis- ideia de que quem deve ce- Verde. É claro que muitos Mas afirmamos que a In- mo que têm virado moda lebrar esse dia são única e tiveram um papel trans- dependência Nacional foi nas nossas instituições; o exclusivamente os militan- cendental naquilo que foi a bom para o povo das ilhas, desemprego jovem e ou- tes do PAICV. Nada mais luta de libertação nacional, tivemos a capacidade de tros males de que padece o falso e sem sentido. Essa mas convém destacar um transformar um Estado in- nosso país. Só assim, Cabo que teve um papel de maior viável para alguns num es- Verde torna o desejado pe- relevo na condução dessa tado viável, sólido e com los que lutaram para a nos- luta. uma democracia mais ou sa Independência: um país Amílcar Cabral foi o ex- menos consolidada. cada vez mais justo e unido, poente máximo da luta de Parece-nos bem as de- onde não possa haver nem Vencida a luta de libertação, da Guiné e Cabo cisões que foram tomadas filho de um deus bom nem libertação nacional Verde, o seu génio políti- até aqui, aquando da In- filhos de um deus mau. co e a visão estratégica, dependência Nacional em A Independência deu- há 40 anos e tenacidade, determinação 1975, imponha que tivésse- -nos a possibilidade de depois de muitas e coragem, fizeram dele o mos um poder forte que pu- poder escrever um poema batalhas vencidas principal condutor da luta desse conduzir o país nes- novo para o povo das ilhas; armada e intelectual, que ses primeiros tempos. Ha- e conseguimos fazê-lo. pelo povo cabo- viria a conduzir Cabo Ver- via várias formas de fazer Creio estarmos todos de verdiano, é chegada de para sua Independência, essa passagem, não con- parabéns, por termos tido a hora de também a 5 de Julho de 1975. Algo cordamos de todo com os a capacidade de poder “es- conseguir vencer esperado e clamado quer métodos que foram utiliza- crever esse poema novo” e pelos cabo-verdianos quer dos nos primeiros 15 anos ter conseguido transformar outras batalhas, pela comunidade interna- de Independência Nacio- essas dez ilhas na pérola combatendo, sem cional que vinha há muito nal, que foram marcados do oceano, pois, todos so- tréguas, a corrupção pressionando o colonialis- por um governo absolutista mos poucos para continuar mo clássico, mais anacró- onde o partido se confundia a levar avante esse sonho. e o nepotismo que nico e mais retrógradO, no com o estado. Que Cabo Verde continue a têm virado moda nas sentido de esse conceder a Contudo, sendo os cabo- ser um Cabo Verde de espe- nossas instituições independência às suas co- -verdianos um povo madu- rança para todos! lónias. ro, souberam pôr sempre Volvidos 40 anos da In- em linha da frente os in- * Ribeira Grande, Santo dependência de Cabo Ver- teresses do país e isso foi Antão ANOS PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 57 ANOS

58 De 02 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação São Vicente e a sua cidade portuária

ão Vicente maior e sem dúvida um elo dias de hoje assim não é, aspecto do seu desenvolvi- é mais que de ligação muito significa- então basta de remar con- mento urbano, populacional OPINIÃO uma ilha do tivo e histórico nas relações tra a maré e assumir de vez e económico. Lucas Monteiro arquipéla- comerciais e humanas entre novos destinos com os seus O poder local em São Vi- go de Cabo os povos da Europa, da Áfri- desígnios organizados por cente foi instituído em 1852 Verde, afir- ca e das Américas. etapas em que não faltarão e de seguida as autoridades maçãoS que se justifica pela O território de Singapura novas sinergias para ga- governamentais preocupa- sua irreverente projecção não é grande, quando mui- nhar espaços, vencer resis- ram-se introduzindo e espe- geográfica e geoestratégi- to cobre uma área mais ou tências sem perspectivas e cificando receitas do novo ca internacional, situada de menos equiparada a quatro construir o futuro sem equí- município: imposto sobre modo singular na encruzi- quintos (4/5) da superfície vocos, obviamente com as os produtos importados (e lhada das grandes rotas da da ilha de Santo Antão, que é atenções viradas essencial- não eram todos os produtos) navegação entre os conti- de 779 Km2. No entanto, em mente para o crescimento equivalente a um terço dos nentes Europeu, Africano e termos de desenvolvimento económico mobilizador de rendimentos do Concelho, Americano. Tal facto é uma Singapura tem uma popu- recursos para a produção de que pertencia à Fazenda Pú- vantagem de incalculável lação à volta de 3.800.000 riquezas. blica, a ser aplicado a obras valor que não deve ser su- habitantes e uma economia Em 1879 a urbe do Min- de interesse para o Municí- bestimado e muito menos avançada, que não sofre de delo tinha uma população pio. desperdiçado. desnutrição. Fica assim de- que não excedia 3.800 ha- Muitas cidades portuárias Lamentavelmente, o que monstrado com clareza me- bitantes e hoje a contrariar por este mundo fora, com o esta ilha e a sua cidade por- ridiana que não se deve ava- os espíritos receosos e der- estatuto de descentralização tuária do Mindelo deviam liar um país ou uma região rotistas da época, porque os e autonomia, incluem nos ser neste exacto momento, somente pela exiguidade do havia tal como os dos novos respectivos orçamentos as em que se festeja o quadra- seu território. tempos, a cidade alberga administrações portuárias gésimo aniversário da in- O Município de São Vicen- mais de 80.000 almas, algo com um nível de sustentabi- dependência nacional, está te solenizou o aniversário da equiparado com o agrupa- lidade impressionante como ainda um pouco distante cidade no dia 14 de Abril úl- mento das populações das é o caso da Holanda em que de acontecer. Mas verdade timo relembrando a procla- ilhas de Maio, Fogo, Brava, o Município de Roterdão faz seja dita, sem sofismas, que mação de Mindelo: cidade Boavista e Sal, o suficiente a gestão das vastas infra- a sociedade civil cabo-ver- em 1879 – 136 anos, uma para ilustrar a importância -estruturas portuárias da ci- diana e, particularmente, as idade com o acervo de estó- do Município de São Vicen- dade. forças vivas do Mindelo têm rias e história plasmado nas te no contexto nacional, no Em Cabo Verde ainda hoje os seus legítimos interesses águas tranquilas e cristali- é o Estado a fazer a gestão e aspirações que não são nas da baía do Porto Grande, das infra-estruturas portuá- poucas e se conjugam num que viu nascer e crescer esta rias em todas as ilhas atra- esforço cheio de adrenalina urbe nas madrugadas dou- vés da administração indi- para mudar este desagra- radas das companhias car- recta, que é feita pela empre- dável status quo da cida- voeiras inglesas e dos fre- «Ao nascer cidadão sa pública Enapor, que opera de, virar a página, e a adop- néticos apitos dos paquetes de um Estado livre em regime de exclusivida- tar a ideia de transformar a “Blue Star”, “Mala Real Ingle- de agindo de acordo com o ilha do Porto Grande numa sa” e outros grandes navios e membro do poder seu próprio modus facien- “Singapura da costa oci- a vapor. soberano, por mais di na medida em que não há dental africana no Atlântico Mindelo, outrora de casa- concorrência nem tão pouco médio”, este famoso oceano rio cor-de-rosa coberto com fraca que seja a parceria público-privado na que nos abraça com muita telha de Marselha por impo- influência que a exploração do negócio por- morabeza. sição de postura camarária, tuário. As coincidências geográ- é naturalmente uma cidade minha voz possa É tempo de se repensar a ficas e outras entre a ilha portuária, que vive de bra- ter nas actividades administração e gestão dos de Singapura e São Vicen- ço dado com o Porto Gran- portos nas cidades portuá- te não são oníricas mas sim de que lhe serve de espelho públicas, basta-me rias de Praia e Mindelo per- uma realidade sem retoque e termómetro. Se o movi- o direito de nelas mitindo o envolvimento e a e obedecem a um raro ca- mento portuário é volumoso participação dos respectivos pricho da natureza: a coisa e rico, a cidade tende a re- votar para me impor municípios, conjuntamente certa no lugar certo; aquela, flectir essa forma de ener- o dever de sobre com a sociedade civil. Nada situada na extremidade da gia económico-financeira justifica que as Câmaras península de Malaca e cor- e a respirar os odores dos elas me informar». Municipais de São Vicente e redor da navegação para a negócios e transacções co- Rousseau. Praia não tenham sequer um Ásia e esta, cabo-verdiana, merciais. olhar sobre o que se passa com uma abrangência muito Se, pelo contrário nos nos respectivos portos. ANOS PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 59 ANOS

60 De 02 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação Quatro PR em quatro décadas de vida independente

»»Em 40 anos, inúmeras foram (e são) as figuras que dominaram a cena política cabo-verdiana, nos mais variados cargos e missões. Eis aqueles que estiveram (ou continuam) à frente da Presidên- cia da República e Chefia do Go- verno.

António Mascarenhas Monteiro, primeiro PR eleito pelo voto di- recto e popular, em Fevereiro de 1991. Natural de Santa Catarina, ilha de Santiago, 1944, formado em direito, exerceu o cargo entre 1991 e 2001. Eleito com o apoio do MpD, os seus dois mandatos foram relativamente tranquilos. Apenas na recta final do segundo acabou por se incompatibilizar com aquele partido político, em es- pecial com o então primeiro-ministro, Carlos Veiga. À semelhança do seu antecessor, Aristides Pereira, também se afastou da vida política activa depois de deixar a Presidência da República, em 2001, participando numa ou noutra missão de paz ou de observa- ção eleitoral em alguns países africanos.

Aristides Pereira, primei- Pedro Pires, presidente da República, ro presidente da República de entre 2001 e 2011. Natural do Fogo, em Cabo Verde, entre 1975 e 1991, 1934, eleito com o apoio do seu partido, tinha 52 anos quando assume PAICV, os seus dois mandatos foram re- essas funções. Sucessor de lativamente tranquilos, tendo José Ma- Amílcar Cabral, quando este é ria Neves como primeiro-ministro. Hoje, assassinado em 1973, Pereira afastado da vida política activa, vai man- conseguiu imprimir à sua ma- tendo uma agenda, agora, noutras fren- gistratura a imagem de homem tes da política e da vida. Com dinheiro do austero e reservado, ao mes- Prémio Mo Ibrahim, obtido em 2011, criou mo tempo amante da paz e do o Instituto Pedro Pires, entidade que tem diálogo entre as nações. Era promovido encontros e conferências so- também tido como um homem bre os mais diversos assuntos, especial- amante da cultura e da histó- mente os que têm a ver com a gesta da ria. Derrotado em 1991, a favor independência nacional. de António Mascarenhas Mon- teiro, retirou-se da vida política, até porque, como gostava de dizer, não se considerava “um político”. Faleceu em 2011 e, a seu pedido, foi enterrado na sua ilha-natal, Boa Vista. ANOS De 02 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 61 Quatro PR em quatro décadas de vida independente

Jorge Carlos Fonseca, eleito em 2011, com apoio do MpD, é o ac- tual presidente da República. Natural de São Vicente, 1950, jurista de formação, foi nos anos noventa ministro dos Negócios Estrangeiros. Com ele na Presidência da República e José Maria Neves na chefia do Governo vai acontecendo o que muitos consideram uma “coabitação” à moda cabo-verdiana. Ninguém duvida que está a preparar a sua se- gunda candidatura à Presidência da República em 2016.

QUATRO PM, QUATRO ESTILOS

Pedro Pires, Primeiro chefe de governo da história de Cabo Verde independente, entre 1975 e 1991. Tinha 41 anos na al- Gualberto do Rosário – foi tura em que assumiu essas funções, tendo desde logo como até hoje o único vice-primeiro- primeiro grande desafio criar as bases para a construção do -ministro de Cabo Verde, aca- novo Estado do país, num quadro de extrema fragilidade eco- bando depois por ser desig- nómica e ambiental. Homem de forte personalidade, deixou nado primeiro-ministro num nesse período a imagem de um político realista, austero, duro, quadro muito contestado na capaz de “riscos calculados”. “No exercício da liderança há o altura. Tinha 50 anos e um per- risco calculado, não ter o medo de ousar”, advoga. curso nos vários governos de Carlos Veiga. Economista, hoje ligado ao sector do turismo, com base na ilha do Sal. Foi PM por escassos seis ou sete meses, consoante as contas. Carlos Veiga – pri- meiro chefe do Governo da era democrática em Cabo Verde. Natural de São Vicente, advogado, tinha 41 anos quando assume o governo, em Fevereiro de 1991. Vê este período da história José Maria Neves – é designado PM pela do país como um “mo- primeira vez, em 2001, quase a completar os 41 mento extraordinário”, anos. Vai no seu terceiro mandato, em vias de com- tendo em conta a re- pletar 15 anos de poder, um recorde no Cabo Verde dução do desemprego democrático. Acredita que o legado desses 15 anos e outras mais conquis- de Governo irá perdurar por muito tempo, indepen- tas, entre elas a Cons- dentemente de quem for o seu sucessor em 2016 tituição de 1992. “Foi (ver página 32). Ser PM, para ele, é um grande de- bom ter conseguido co- safio. “Tudo, absolutamente tudo o que se passa no locar liceus tem todos país, vem parar à mesa do PM, por isso é preciso os concelhos, as pessoas passarem a acreditar que era pos- muita determinação, muita capacidade emocional, sível levar água e electricidade a todas as localidades. Foi de para governar Cabo Verde”, confessa. Tem dito que facto espectacular”. Depois de algum tempo de retiro, deixando não pretende concorrer à Presidência a República para trás as duas tentativas de chegar à Presidência da Repú- no dia em que deixar a chefia do Governo. Mas qua- blica (2001 e 2006), retornou à actividade partidária em 2010, se ninguém acredita. Até porque, mesmo no fim do sendo actualmente deputado nacional pelo seu partido, MpD, e seu actual mandato, continua a correr, desdobran- segundo vice-presidente da Assembleia Nacional. do-se em visitas e inaugurações. ANOS

62 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação

CABO VERDE “O espírito de Amílcar Cabral”

José Pedro Castanheira, Expresso* »»As negociações com Cabo Ver- de beneficiaram dos acordos ante- s conversas foram conduzi- riormente estabelecidos em torno das por (Mário) da Guiné e de Moçambique. A di- Soares e Pedro ficultá-las estava o facto de nunca Pires. Mais tar- de, juntou-se ter havido guerrilha no arquipélago. aoA primeiro Almeida San- No entanto, o PAIGC fez depender o tos. “O Mário Soares quei- cessar-fogo na Guiné de uma ga- xava-se: ‘Está lá um Pires que não nos olha nos olhos rantia de que também as ilhas ace- e não acredita em nós.’ Era deriam à independência. A margem verdade, mas eu tinha em de manobra de Lisboa era mínima. relação a Soares a grande vantagem de conhecer bem “Naquela altura”, recorda Aristides África e os africanos. Dis- Pereira, “Portugal não estava em se-lhes: ‘Nós lutámos pe- las mesmas causas, vocês condições nem de mandar cantar não têm razões para des- um cego.” confiar de nós.’ Propus que interrompêssemos a reu- nião e fôssemos beber um copo para nos conhecermos melhor. Consegui com isso um total desanuviamento.” O acordo foi assinado em Lisboa a 19 de dezembro de 1974. Dias antes haviam sido presos e enviados para o célebre campo do Tarrafal cerca de 70 cabo-verdianos suspeitos de não se reverem no modelo do PAIGC, o que constituiu um dos principais problemas que o alto-co- missário, almirante Almeida d’Eça, tentou resolver. Portugal procurou impor um referendo. Debalde. O máximo que conseguiu foi a eleição de uma Assembleia Constituinte. “Não tínhamos medo do referendo”, justi- ficou-se Aristides Pereira no livro “Minha Vida, Nossa História”, do jornalista cabo- -verdiano José Vicente Lo- pes. “O nosso problema (...) era o efeito que isso poderia ter noutras colónias. Na reunião sobre Cabo Verde, para tentar desanu- viar, Almeida Santos propôs: “Interrompamos os traba- lhos e vamos beber um copo para nos conhecermos me- lhor”, em especial Angola ou Moçambique.” Cabo Verde foi a única colónia que foi às ANOS De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 63

CABO VERDE “O espírito de Amílcar Cabral”

urnas antes da Independên- Roberto Fernandes cia. As eleições decorreram a 30 de Junho. Único partido concorrente, o PAIGC elegeu todos os 56 deputados. A participação foi maciça: 88% dos recenseados, dos quais 92% votaram no partido fun- dado por Amílcar Cabral, as- sassinado a tiro em 1973, em Conacri. A Assembleia reuniu-se na véspera da In- dependência, tendo eleito por aclamação a dupla que durante muitos anos dirigiu a Nação crioula: o Presiden- te Aristides Pereira e o Pri- meiro-Ministro Pedro Pires — “dois sages difíceis de en- contrar”, no dizer de Almei- da Santos. Na gaveta ficara o projecto da constituição de uma futura união entre a Guiné e Cabo Verde, sonho que nunca vingou. Decalcada da cerimónia ocorrida dez dias antes, em Moçambique, a indepen- dência foi declarada no Es- tádio da Várzea, na Cida- de da Praia, a 5 de Julho de 1975. À falta de iluminação, decorreu ao fim da manhã. Em representação de Costa Júlio Monteiro Gomes voltou a estar Vas- Nunca houve co Gonçalves. Coube a Abí- lio Duarte, presidente da As- qualquer sembleia eleita, proclamar a contestação contra me chamou a atenção, lá tides anunciou a libertação gueses que eram os cabo- nova República. A cerimó- fiz a continência e só então dos últimos presos políticos -verdianos na altura.” nia prolongou-se por mais nós. Não éramos me entregaram a bandeira.” do Tarrafal. Alguns deles, Finda a cerimónia, o es- de quatro horas. A bandei- tratados como Sem nenhum ensaio prévio, porém, não puderam ficar no tandarte português foi guar- ra lusa foi recolhida por três Monteiro e o seu camarada novo país. Conduzidos para dado “com todas as preo- praças das Forças Armadas colonizadores, mas de armas ataram as pontas o aeroporto, foram levados cupações e honrarias a que Portuguesas e entregue a sim como elementos da bandeira em adriças dis- para Lisboa na companhia tem direito”, assegura Amí- Vasco Gonçalves. tintas, o que impossibilitou a de militares portugueses e lcar Morgado. Uma vez em A de Cabo Verde fora de- portugueses entre ascensão e os obrigou a re- só aqui libertados. Lisboa, e por ordem do che- senhada nas vésperas por portugueses correr à ajuda de outro ofi- Com 97 anos, o almiran- fe do Estado-Maior do Exér- Érico Veríssimo Ramos, que cial. “Assim que a bandeira te Almeida d’Eça é o único cito, enviou a bandeira para estudara em Lisboa antes começou a subir, ao som do dos últimos altos-comissá- o Museu Militar. Duran- de partir para Cuba, onde re- hino nacional, o tempo ficou rios ainda vivo. Como chefe te décadas, os responsá- cebera formação militar. Era muito estranho: o céu escu- de gabinete tinha o então te- veis deste Museu ignoravam inspirada na do PAIGC e na receu e levantou-se um ven- nente-coronel Amílcar Mor- que, perdida nas suas imen- da Guiné-Bissau, tendo-lhe nome”, recorda o agora co- to muito forte”, recorda Júlio gado, que já fizera uma co- sas reservas, estava a últi- acrescentado duas espigas ronel reformado Júlio Mon- Monteiro. “Diziam que era o missão naquela província. ma bandeira proveniente de de milho, uma concha e uma teiro. “Dirigi-me à tribuna, espírito de Amílcar Cabral”. “Foi uma descolonização Cabo Verde. Foi na sequên- estrela negra. Foi hasteada onde estavam o Aristides Nos dias imediatos foram exemplar”, elogia o agora cia da investigação do Ex- por Júlio Monteiro e Rober- Pereira, o Pedro Pires e o apeados todos os bustos general, de 85 anos. “Nunca presso que, no passado dia to Fernandes, jovens oficiais Silvino da Luz”, futuro minis- e estátuas de figuras colo- houve qualquer contestação 8, foi localizada, acompa- das Forças Armadas Revo- tro da Defesa. “Estiquei os niais, incluindo a de Diogo contra nós. Não éramos tra- nhada do ofício de entrega. lucionárias do Povo (FARP). braços para receber a ban- Gomes, o descobridor das tados como colonizadores, “Um pequeno tesouro”, cha- “Com uma voz grave, o Érico deira, mas esqueci-me de ilhas, em 1456. Na tomada mas sim como elementos mou-lhe o diretor do Museu, Veríssimo anunciou o meu fazer a continência. Alguém de posse presidencial, Aris- portugueses entre portu- coronel Luís Albuquerque. ANOS

64 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação Crónica sobre um Dia maior e melhor

por vezes aos reparos) pelo fato de varam o País gradativamente, de te assim? Até pela forma como ansiedades e perplexidades. haver assistido (em tenra adoles- acentuado subdesenvolvimento, estão hoje integrados, os países, O quotidiano, com os seus fla- cência), no Estádio da Várzea, ao ao patamar de rendimento mé- salvas as exceções, têm avanços grantes, às vezes me abate de uma Nascimento da Pátria Amada. dio. Louvando, sobretudo, o fato e recuos sistêmicos. E Cabo Ver- forma muito especial, pois sendo Dir-me-ão que a Nação já esta- de tais mudanças terem sido sur- de, em tal linha de conta, não tem raro a exasperação, é indiscutível va viva, perspetiva que me encanta preendentes (já que as ilhas, de a taxa do crescimento, do empre- haver dias melhores que outros. E e que me interpela ao mergulho da então a estes dias, não contarem go, da pobreza e da dívida dese- 5 de Julho, não me sobram, nem OLHARES DE LISBOA Hora Inicial, de Jorge Barbosa, ou com as tradicionais matérias-pri- jáveis, significando que há muito me ensombram dúvidas, é dia es- Filinto Elísio um pouco mais tardiamente, por- mas), pois tudo indicava aventu- trabalho pela frente. pecial, maior e melhor que qual- fias à parte, no caldeirão antropo- reirismo e insucesso, aliás expli- Entretanto, esta minha seara, quer outro. lógico da Ribeira Grande de San- citados por prognósticos funda- exatamente por haver testemu- Se me perguntassem, agora, tiago e no germinar, fenómeno es- mentados. Louvando, porque, ter- nhado o emproar da bandeira, re- sobre o significado da Indepen- quecido pela ignara elite, da língua mos chegado a este patamar foi a fletirá sempre a emoção profunda dência Nacional, responderia que cabo-verdiana. Seja, ó doutos da remar contra o fado que nos impu- e consciente do meu olhar sobre num momento como este, em que terra, meus sabidos do tempo (ou nha a viabilidade como senão e o Cabo Verde e o destino coletivo se jogam todas as cartas rumo será templo?), mas a Independên- sucesso como inatingível. que ficou selado a partir de 5 de ao Desenvolvimento Sustentável, cia Nacional aconteceu a 5 de Ju- Direi que fomos, para além do Julho de 1975. Destino que mais nada como esta data para com- lho de 1975. Ainda hoje, a voz firme que nos permitia a lógica e, ape- tarde produziu a Reconstrução preendermos o alcance dos nos- aço-vos uma advertên- do saudoso Abílio Duarte a procla- sar dos trancos e barrancos, não Nacional e, em boa hora, a Demo- sos desafios e das nossas res- cia sobre o que preten- mar a República de Cabo Verde e era crível para as testemunhas do cracia, gestas filhas da Soberania, ponsabilidades, missão que amiú- do escrever. Das mar- o redemoinho repentino, atribuído ato de “subir nos céus a bandei- faltando à trilogia a Prosperidade. de nos impõe, acerto prospetivo e cas impagáveis na mi- pelo esotéricos, como espírito bal- ra da luta” que hoje pudéssemos Não se pense, neste novo tem- nunca saudosista, o paradigma da nha lembrança e, via sâmico de Amílcar Cabral, o Gran- almejar horizontes de desenvolvi- po, a minha postura como unica- gesta da Independência Nacional. disso, da minha forma de Arquiteto da Libertação. mento mais sustentáveis e mais mente encantada, alienada à críti- O adolescente, que às vezes me deF ser e estar perante o País, do ato Entrementes, o meu enfoque, qualificados. Pus entre vírgulas e ca das situações de contingência. revisita e não se aparta das suas inaugural da Independência Na- de emocionado, será outro. E por sem aspas os trancos e barran- Claro que, em todo o nosso percur- lembranças, tal como outrora, cional. Nem Freud explicará o meu onde começo? Louvando, lógico, cos, já que fazem parte do paco- so histórico de quarenta anos, são agora não se faria rogado, peran- apego às ilhas (aos seus mínimos as mudanças (mais nítidas nal- te e, de resto, qual outro país, em evidente certas incongruências. te novo hino e outra bandeira, mas poros, às suas minudencias de ín- guns períodos que noutros, mas assaz ordem mundial e crise inter- Pressinto, em todos nós, sinais de mesma Pátria, gritar: Vem, Irmão. sula, aos seus detalhes que fogem sempre em crescendo) e que le- nacional, não caminha exatamen- inquietações e de interrogações, Viva Cabo Verde! ANOS PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 65 ANOS

66 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação Presos políticos de ’77 querem reconhecimento do contributo à democracia João de Deus Chá da Luz

Letícia Neves

orge Joaquim “Carrasco me- cânico” Soares e João de Deus ”Chá” da Luz são dois dos cida- dãosJ que se pode chamar de presos políticos de Cabo Verde pós-Independência. Em 1977 fizeram parte do grupo que resolveu enfren- tar o regime do Partido Afri- cano para a Independên- cia de Guiné e Cabo Verde (PAIGC), almejando a aber- tura política. Tanto assim é que estavam ligados à mo- vimentação que decorria no país, sobretudo em São Vi- cente e Santo Antão, para a instalação da União Cabo- -Verdiana Independente e Democrática (UCID), ainda Fomos que num quadro de “absolu- ta” clandestinidade. corajosos em “Carrasco” lembra que decidiu juntar-se ao mo- enfrentar vimento para a criação da UCID em São Vicente, de- esse monstro pois de ver, continuamente, que foi o Más-lembranças a sua irmã a ser maltratada de Tiro-Madeiralzinho e na pelo marido, César Abreu, PAIGC Ribeira de Craquinha. “Na Quanto ao caso de “Chá”, que, por ser polícia, não re- verdade, escolhia esses lu- como taxista, apenas era cha- cebia qualquer punição das nessa altura gares porque queria que os mado para fazer fretes e levar autoridades. “Fui diver- panfletos entrassem nos as pessoas que, normalmen- sas vezes à Polícia quan- comandos e que as tropas te, espalhavam os mesmos do via a minha irmã toda se apercebessem deles”, re- panfletos. “Nós, os taxistas, espancada, com perigo até vela. não sabíamos de nada, sim- de morrer. Também recorri “Carrasco” acabou por ser plesmente fazia o meu tra- a Belmiro Gil, que naque- preso, em Março de 1977, e balho de transportar pessoas le tempo era o procurador, encarcerado na cadeia de e foi uma única vez que levei mas nenhum deles levan- Ribeirinha, por cerca de oito duas pessoas ao pé de Monte tou uma palha contra os »»Prisões arbitrárias, ameaças e meses, onde diz ter sofrido Verde, Lela d´Drogaria e Anto- abusos de Cesinha”, conta torturas, inclusive com recurso a várias torturas tanto físicas nin Papata, que estavam com “Carrasco “que decidiu, en- como psicológicas. Houve maços de papéis debaixo dos tão, juntar-se a outros ele- choques eléctricos, fazem parte uma segunda vez em que braços. Mas não poderia per- mentos que normalmente do tratamento dado aos homens ele, por ter contado as ma- guntar o que eles iam fazer”, reuniam na casa de Tói de zelas que passou na pele conta “Chá”. Forro. “Decidi juntar-me a que enfrentaram, no período pós- (algo a que estavam termi- Dias depois teve o seu eles para ver se conseguia -Independência, o regime de par- nantemente proibidos de fa- carro apreendido e ele mes- ver justiça nesta terra”, sa- tido único em Cabo Verde. Ago- zer), voltou à prisão. Desta mo levado para a cadeia da lienta. feita, conforme conta, tam- Ribeirinha, durante um mês, Uma das funções de “Car- ra, alguns desses presos políti- bém, foi pior porque foi le- sem saber o que tinha fei- rasco” seria, então, fazer es- cos querem que seja reconhecido vado para o isolamento, na to e sem entender o porquê palhar panfletos. Normal- o seu contributo à democracia e chamada “Alpina”, onde pra- de estar fechado. Só depois mente escolhia atirar ao ticamente não vira a luz so- desses “eternos” 30 dias, vento nas zonas de Carreira àquilo que o país é também hoje. lar por mais de um mês. “Chá” foi ouvido, e, por dizer ANOS De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 67 Presos políticos de ’77 querem reconhecimento do contributo à democracia Jorge Carrasco mecânico Soares

que não poderia perguntar a de uma queda do precipí- o PAIGC nessa altura”, afirma um cliente o que levava con- cio. Carrasco, que gostaria, ago- sigo, acabou por levar mais ra, que, pelo menos, o Go- três meses de prisão. Reconhecimento verno reconhecesse o con- Tanto “Chá” como “Car- tributo que esse grupo de rasco”, só foram libertos Nos bastidores, essas pri- cidadãos deu à democracia. depois de pagarem uma sões “arbitrárias” eram jus- Um reconhecimento à se- fiança de cem contos, que tificados aos olhos do povo melhança do que está sen- naquele tempo “era muito com os argumentos vários, do feito com os combatentes dinheiro”, mas, ainda, di- como os de que esses presos da liberdade da pátria. “Eles zem carregar tudo no cor- pretendiam matar crianças, lutaram pela Independência, po e na memória. Lembran- envenenar a água de Jai- mas não lutaram para que ças essas que nem gostam da (actual Electra), colocar o povo fosse livre de tortura de remexer: espancamento, bombas nos depósitos de que o próprio PAIGC/CV co- dormir no chão frio, tomar combustíveis da Shell, liqui- meteu na altura”, desabafa. banho de sol só de vez em dação de alguns dirigentes Enfim, uma “recompensa” quando, descargas de cho- do PAIGC e outros. Argumen- pelo sofrimento passado e ques eléctricos e o verda- tos esses que justificavam, que estão à espera desde a deiro lugar das “tormentas” também, as torturas feitas, e abertura política e tomada do em João Ribeiro, Chã de que, segundo “Carrasco”, fo- poder pelo MpD, e que, tam- Alecrim. Lugar para onde ram as causas da morte de bém, já fora mencionado, há a polícia política cabo-ver- Tói de Forro, Titino Boxeur, alguns anos, pelo Primeiro- diana levava, um por um, os Lulú Marques, Elóy Silva, en- -ministro José Maria Neves, presos para serem tortura- tre tanto outros. neste caso, para “limpar a dos de diversas formas, in- “Não restam dúvidas de imagem do seu partido, PAI- clusive com o risco de se que fomos corajosos em en- CV”, enquanto causador dos forjar um suicídio derivado frentar esse monstro que foi males atrás mencionados. ANOS

68 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação Objectos com história

»»Resgatamos e publicamos alguns objectos que, por altura da Independência, a 5 de Julho de 1975, eram muito utilizados Podogó (Candeeiro) em vários lares de Cabo Ver- de. Portanto, instrumentos com estória... e história, com muitos deles em desuso, sendo, por isso, desconhecidos de muitos Ferro de engomar a carvão dos nossos leitores, principal- mente, os mais jovens.

Lanterna Petromax ou Kitson Gira-discos

Fogão prima

Transporte de água ANOS De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 69 40 Anos da Independência de Cabo Verde OPINIÃO abo Verde está lher e os filhos choravam, in- os inimigos estavam a invadir não fizessem as reformas politi- a comemorar cansavelmente, e os vizinhos Cabo Verde e abandonaram o cas não iam receber ajuda, con- Bruno Spencer os seus 40 anos foram-lhes prestar o apoio e a local a correr. tribuíram para mudança politica como país inde- solidariedade. em África, com o fim do mono- pendente. A in- O vibrante discurs de partidarismo e o surgimento do dependência, que O esquerdismo no liceu Vasco Gonçalves pluripartidarismo. ocorreuC a 5 de Julho de 1975, foi “Domingos Ramos” Só que Cabo Verde teve dois o culminar de todo um processo Foram várias cerimónias que momentos para o fazer e não que vinha do passado. No en- Estava no então 2º Ano do tiveram lugar no dia 5 de Julho. o fez. Em 1980, com o golpe tanto, a primeira mudança polí- Ciclo Preparatório. O Ciclo fun- Chamou-me atenção o vibran- de Estado na Guiné Bissau que tica em Cabo Verde deu-se com cionava juntamente com o Li- te discurso do Primeiro Ministro pôs o fim a união entre os dois o 25 de Abril de 1974 em Por- ceu no actual Liceu “Domingos de Portugal, Vasco Gonçalves. países. Estando desligado dos tugal. O Movimento das Forças Ramos”, na Praia. No ano lectivo Elogiou Amilcar Cabral, conde- seus camaradas da Guiné, Cabo Armadas, MFA, depôs o regime 74/75, alguns professores vie- nou a Prisão no Tarrafal criado Verde poderia escolher outra via de Marcello Caetano e estabele- ram de Portugal onde interrom- pelo regime anterior e saudou a politica. A segunda oportunida- ceu chamado os 3 DDD, Demo- peram os seus cursos univer- independência. Recordo ainda a de foi no Congresso do PAICV, cracia, Democratizar e Descolo- sitários para ajudarem o PAIGC mensagem lida que o Papa Pau- em 1988. O Congresso autori- nizar. na luta politica em Cabo Verde. lo VI enviou. Pude ver o desfile zou abertura económica, mas Com chegada desses professo- de vários grupos, jovens, traba- mandou para as calendas gre- Pluralismo politico de Abril res, houve uma mudança no Li- lhadores e outros. gas a tão desejada reforma po- a Dezembro de 1974 ceu, pode-se dizer de 360º, com lítica. O resto é o que se viu. o passado. Um deles foi meu Abertura politica poderia Com o 25 de Abril, foram li- professor de desenho e lembro- tersido feita antes de 1990 A reconciliação, como bertados os presos políticos, -me, pela primeira vez, ter diri- foi instituída, mostra- depois regressaram a Cabo Ver- gido a ele e cumprimentando-o, É um facto que não se pode se insuficiente de Combatentes do PAIGC, lí- tratando-o, pelo “Sr. Professor”, negar que o nosso país desen- der da UPICV, Dr. José Leitão respondeu-me, “Não sou se- volveu muito depois da inde- Com a mudança política em da Graça, e outros exilados. A nhor, mas colega”. O mais in- pendência. Cabo Verde de hoje Cabo Verde, a independência e o partir do 25 de Abril de 1974, teressante que acho deste pro- é diferente daquilo que era em período a seguir, houve excesso até ao mês de Dezembro do fessor, é que nos pedia para de- 1975. Entretanto, temos ainda em Cabo Verde. Falo de prisões mesmo ano, vivia-se o pluralis- senhar figuras revolucionárias. grandes desafios a vencer. sem culpa formada, deporta- mo político em Cabo Verde. As Assim, desenhávamos Mao- Abertura politica poderia ter ção de cabo-verdianos para pessoas exprimiam, livremen- -Tse-Tung, Che Guevarra e Leni- sido feita antes de 1990. Como Portugal, etc. Não se pode atri- te, as suas opiniões e três par- ne. Naquela altura, eu nem sa- não foi feita, fomos arrastados buir culpas exclusivas ao PAIGC tidos políticos estavam na are- bia quem eram estas personali- pelo vento que fez cair o Muro ou PAICV pelo que sucedeu no na politica, PAIGC, UPICV e UDC. dades. Com a tomada de posse de Berlim. O fim da guerra fria e nosso país. O Governo Portu- Cada um divulgava o respecti- do Governo de Transição, o liceu o apelo feito pela França, atra- guês teve também a sua quo- vo programa, faziam comícios passou a ser dirigido por um vés do Presidente François Mit- ta de responsabilidade porque e tinha acesso à comunicação Conselho composto por alunos, terand, de que os países que Cabo Verde era uma colónia de social, etc. Com acordo estabe- funcionários e professores. De- Portugal e as prisões começa- lecido em Lisboa, em Dezem- cisão para a mudança do nome ram antes da independência. bro, entre o Governo Português do estabelecimento foi toma- O Governo de José Maria Ne- e o PAIGC, acordo esse que iria da numa reunião composta por ves teve bom senso em publi- conduzir o país à independên- alunos. car um diploma sobre a recon- cia nacional, iniciou-se novo ci- ciliação. O diploma permite as clo politico. As pessoas consi- Vigilancia nas praias do mar A reconciliação pessoas que, por razões políti- deradas anti-PAIGC, apelidadas deveria ultrapassar cas, tinham perdido seu empre- de reaccionárias, eram presas e O PAIGC receava que o país go, sua reintegração no mesmo conduzidas à Prisão no Tarra- pudesse ser invadido por es- a publicação de e aqueles que também, por ra- fal. O PAIGC ficou sozinho e ou- trangeiros para perturbar o pro- um diploma. zões politicas, ficaram desa- tros partidos desapareceram da cesso da independência. Des- possados dos seus bens, a res- cena politica em Cabo Verde. ta forma, apelou aos jovens e Deveria haver um tituição dos mesmos ou a com- Eu me lembro de ter vis- adultos para fazerem vigilância organismo para as pensação. to carro da tropa portuguesa ir nas praias. Prainha, São Mar- Mas a reconciliação deveria à Esquadra da Policia no Platô tinho e outras eram vigiadas à pessoas exporem, ultrapassar a publicação de um buscar os presos para serem le- noite. Contam-se muitas cenas publicamente, o diploma. Deveria haver um or- vados à cadeia no Tarrafal. Por ocorridas nessas praias que ganismo para as pessoas expo- outro lado, lembro a aflição que hoje fazem rir às pessoas. Uma que lhes aconteceu rem, publicamente, o que lhes atingiu uma família vizinha na tartaruga estava aproximar da aconteceu. Ademais, nem hou- Achada Sto. António porque o terra para desovar e os vigilan- ve um pedido de desculpa ofi- marido tinha sido preso. A mu- tes, com medo, pensaram que cial pelos actos praticados. ANOS

70 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação Nascidos em 1975

»»A NAÇÃO desafiou este naipe de cabo-verdianos, nascidos de Janeiro a Dezembro de 1975, para olharem para a sua própria vida, e, ao mesmo tem- po, do país que os viu nascer. O resultado fala por si.

José Felisberto Pereira, Santia- go, Janeiro, desenhador

-Enquanto elemento da geração de 1975, sinto-me como um daqueles Vanilde Oliveira, São Vicente, Fevereiro, assis- que luta, todos os dias, para o desen- Teodolinda, Santiago, Janeiro, tente de direcção volvimento de Cabo Verde, ajudando professora ao mesmo tempo o seu próximo. Com -Nestes 40 anos vi Cabo Verde a transformar-se isso avalio a minha vida de forma po- - Não digo que foi muito bom mas e a evoluir a nível da educação, das instituições po- sitiva, graças a Deus. Desde logo por- foi razoável estes “40 anos”. Evoluímos líticas, das religiões, do comércio, do turismo, mas que consegui realizar muitos sonhos, igualmente, eu e o meu país; Cabo Ver- também alguns pontos menos bons. Fui notando designadamente ter uma profissão e de desenvolveu-se bastante e o meu Talina Ben’Holiel Pereira, Santia- mudanças no ensino primário por exemplo. Sou da um emprego, casa própria, mas tam- nível de vida também. Fiz um curso su- go, Fevereiro, antropóloga época em que se cantava-se o hino nacional, ensi- bém de ser muito responsável por perior, daqui a nada termino a mono- nava-se a ser um patriota nas escolas, ensinava-se mim mesmo e por pessoas que me grafia da minha licenciatura. Tudo isto -A minha caminhada, como cidadã a nossa história, havia desfiles de 1 de Junho, sabía- são próximas. Nestes anos, ao longo considero um avanço. cabo-verdiana, está a ser tranquila, de mos quem eram os membros do governo, etc. Hoje, da vida, também já tive oportunidade De bom, nos 40 anos da minha vida, crescimento e desenvolvimento pes- tudo é diferente, o que é normal, até os métodos de de conhecer vários países, o que me apenas a minha profissão. De mau soal e profissional. Julgo que o país ensino mudaram. As instituições mudaram tam- permitiu alargar os meus horizontes. passei muitas coisas que se contar me proporcionou um ambiente estável bém bastante e para melhor. Isto, se compararmos A nível do desenvolvimento do agora não saímos daqui; já tive mui- e saudável que permitiu eu ser a pes- os serviços que tínhamos nos anos 80 por exemplo. país, reconheço que houve ganhos tos problemas, a nível financeiro, por soa e a cidadã que sou hoje. Nasci e A nível do comércio, é divertido ver que temos hoje significativos, nomeadamente nas exemplo. Em 2010 tive um bebé não cresci com o amparo de uma família, quase de tudo. Em São Vicente, como refrigerante, tí- áreas da educação, saúde e infraes- planeado, estava a aguardar a reclassi- pude fazer os meus estudos superio- nhamos o “supirinha”, galinha era só pelo Natal, fa- truturas. Mas falta ainda melhorar o ficação porque terminei o curso desde res no exterior, tive a sorte de vivenciar zíamos fila para comprar ovos... Havia, algumas ve- sector do emprego, da segurança e da 2006, estes factos marcaram-me mui- a experiência da maternidade e o con- zes, rupturas de stock de farinha, por exemplo. Hoje redução da pobreza. Sem isso pode- to. O meu filho adoeceu, estive inter- tribuir profissionalmente para desen- temos quase tudo, vários preços e qualidades. remos comprometer os “ganhos” da nada e vi uma clara discriminação por volver o meu país. Isto são aspectos, Pessoalmente, evoluí bastante, a vários níveis. Fui independência. causa do meu status social. Existe ain- entre muitos, de que me orgulho, nes- estudar, tenho uma filha, tive sempre bons trabalhos, Hoje, chegando aos 40 anos, meus da muita desigualdade em Cabo Verde, tas minhas quarenta primaveras. fiz sempre o que gosto. Sem dúvida, o meu divór- e da independência de Cabo Verde, aqui reina muito o verbo ter, sobretudo Atingir um estágio de crescimen- cio, a desconstrução da minha família, a sensação o meu grande sonho é ver os gover- na Praia. Valoriza-se muito isso. to pessoal que me permita, indepen- de ter regredido, mas com obrigação de ter que re- nantes trabalharem mais em prol das Sonho abrir um jardim infantil para dentemente de onde estiver, contribuir começar, foram momentos menos bons do meu per- pessoas mais carenciadas. Isto no dar aquilo que vejo que as crianças não para o crescimento da humanidade, é curso. Esse momento, felizmente, está superado e sentido de reduzir a pobreza sobretu- têm, como carência no comportamen- o meu objetivo na fase actual da minha novas perspectivas se abrem na minha vida. Sonho do na camada jovem e assim propor- to e ensino. Cabo Verde deve continuar vida. Para Cabo Verde desejo que te- estudar mais, tenho alguns projectos pessoais, es- cionar mais igualdade e oportunidade a procurar apoios para construir des- nha um Estado que busque por um de- tou na idade de saber o que é realmente importan- entre as pessoas. Da minha parte vou sanilizadoras e aproveitar água do mar senvolvimento estribado no bem-es- te. Para o país espero que finalmente os governantes esforçar-me ainda mais para conti- para podermos fazer a cultura de rega- tar social de todos os indivíduos e uma se voltem para a política social. Não se constrói uma nuar dar o melhor de mim, como ci- dio. Os resultados disso seriam bené- nação mais interessada e consciente sociedade sadia com os problemas sociais que as dadão. ficos para as pessoas e o ambiente. dos benefícios do estudo e do saber. nossas cidades apresentam. ANOS De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 71

Rui Cruz, Santiago, Junho, músico

-Foi uma caminhada com muitos obstáculos, persistência, dedicação, amor e outros valo- res de qualificam Cabo Verde e indirectamente a mim, porque sou o reflexo do meu país, per- corremos no mesmo sentido e ao mesmo tempo desde a independência, há 40 anos. Na minha adolescência queixava-me por não ter sorte em nascer num país desenvolvido, queixava-me por não ter possibilidades de me realizar sonhos e vontades que me perturba- vam. Tive a necessidade de estudar fora de Cabo Verde e isso foi uma “sorte”, porquê? Lá fora sentia-me longe de todos e de tudo, as pessoas eram completamente diferentes, o mundo agressivo e um anonimato que me secava por dentro. Recorria-me sempre a Cabo Verde e às lembranças, isso devolveu-me a esperança, a realização como homem. Deu-me a simplici- dade que é a qualidade humana mais de valor. É irónico porque o sector político é o responsável pela nossa liberdade e democracia; de mau ainda pertence-lhe também o facto de haver uma tendência maior em dividir-nos consoante a cor ou as simpatias políticas de cada um; na época eleitoral, o povo sente-se valorizado e às vezes cai na cantiga, com um saco de arroz, betão armado, cestas básicas etc. Isto é brincar com a sensibilidade das pessoas, explorando as suas misérias. Precisamos ser realmente democráti- cos. No entanto, de um modo geral, basta que não haja diferença social e partidária, os sonhos e projectos fluem de forma natural.

Osvaldo Chantre, Santiago, Maio, extencionista rural

-A minha caminhada, juntamente com o Cabo Verde independente, foi tranqui- la, um país que acabou de ganhar a in- Leila Miranda, São Vicente, Julho, dependência, com sérias de dificuldades funcionária da Emprofac e desafios, muitos dos quais conseguiu vencer. Acredito que havendo vontade de -Por aquilo que oiço dos meus pais e tornar o impossível no possível conse- avós, Cabo Verde é um país que se de- guimos alcançar os nossos objectivos. senvolveu em todas as áreas e nós que Pessoalmente, tive a sorte de evoluir jun- nascemos com, ou depois, da indepen- to com o país, que é livre e independente dência tivemos condições para crescer- e sempre com a mesma vontade de su- mos e sermos o que hoje somos, tanto a perar e vencer as dificuldades. nível pessoal como profissional e colec- Neste quase 40 anos de bom con- tivo. Com as condições criadas, muitos sidero a forma que estou a dar a minha de nós puderam sair para estudar e as- Hirondina Delgado, Santo Antão, contribuição para o desenvolvimento de sim voltarmos com brio e vontade para Setembro, recepcionista Cabo Verde. Graças a Deus até hoje não fazer e aprender cada vez mais. tenho nem guardo más recordações. A São muitas as coisas boas que me aconteceram nestes 40 anos, de tal -Juntamente, com estes 40 anos nível do país, hoje, a questão de seguran- modo que não consigo sequer ver as ruins, mas sim algumas que me obri- da independência nacional, tive uma ça é um grande desafio e deve ser resol- garam a parar, a reflectir, e a ver o que devia ser mudado. Quero continuar trajetória que considero boa. Con- vido, embora seja uma responsabilidade a aprender e com isso contribuir, ainda mais, para o desenvolvimento des- segui alcançar alguns dos objecti- de todos. E quanto aos meus sonhos e ta terra que muito amo. Também gostaria que num tempo em que tanto se vos que tracei, tanto a nível econó- projectos, para mim e para o país, é con- fala em desemprego, todos os jovens pudessem ter a oportunidade de se mico como educativo. À semelhança tinuar dentro do possível a dar as minha formar e ter sucessos na vida. Temos condições de continuar a ambicionar do nosso país, tive momentos altos contribuição para o desenvolvimento de mais e melhor. e baixos, houve momentos difíceis e Cabo Verde. não foi fácil superá-los. Sou oriunda de uma família muito humilde, tive o meu primeiro filho aos 16 anos – na altura havia pouca informação sobre educação sexual, sobretudo nas re- giões rurais como Santo Antão – , e Aristides Monteiro, Santo Antão, Maio, professor por causa disso, tive que abandonar a minha ilha natal no que acabei por vir -A minha caminhada nestes 40 anos, junto com Cabo Verde independente, no geral, tem para Santiago, por ser a ilha que po- sido boa. Desde a independência, em 1975, foram criadas as condições para que os cabo-ver- deria oferecer-me uma vida melhor. dianos estudassem e caminhassem, de uma forma positiva, para o desenvolvimento do país. Também tive problemas com o de- Formei-me e, desde 1999, no exercício da minha profissão, tenho contribuído para que esta semprego, dado que o nível de esco- caminhada seja cada vez mais profícua. laridade que eu tinha não era suficien- Nestes 40 anos aconteceu-me tudo de bom que poderia acontecer e se aconteceu alguma te para procurar um bom trabalho. coisa má ela foi absorvida pelas boas. O facto de estar vivo, de poder estabelecer e fortalecer Felizmente, hoje sim sinto-me rea- relações com familiares e amigos e partilhar conhecimentos com colegas de trabalho foram e lizada, tenho três filhos e acredito que são as melhores coisas que me aconteceram ao longo destes anos. Continuar a evoluir profis- dias melhores virão. Espero que nos sionalmente, de forma a conseguir melhores condições de vida e de trabalho, é meu principal anos vindouros Cabo Verde possa ter projecto para o futuro. Quanto ao país, perspetivo que continue a desenvolver-se, proporcio- capacidade de solucionar o problema nando aos cabo-verdianos melhores condições de vida, a nível da saúde, educação, emprego, do desemprego jovem, que os gover- segurança, etc. nantes invistam mais na saúde e na qualidade de educação. Acredito que podemos fazer mais e melhor por nós e pelo nosso país. ANOS

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Edson Vasconcelos, São Vicente, Outubro, gráfico

Eu, por ser um “independente”, já que nascido em 1975, conside- ro um orgulho Cabo Verde estar no estádio em que se encontra e de eu próprio ter participado, de alguma forma, nesta caminhada. Ape- sar dos problemas, o país está num bom caminho. Nestes 40 anos, evoluímos muito em todos os aspectos, e, mais uma vez, sinto que eu também evolui nessa mesma linha. Trabalho na área das artes gráficas e quero dar o meu contribu- Josina Fortes, São Vicente, Outubro, di- to para fazer evoluir Cabo Verde ainda mais. Pouco a pouco, o país namizadora cultural acabará por atingir os seus objectivos, com cada um na sua posi- ção a fazer pelo bem desta terra; se no global, as coisas correram Só o facto de ter nascido independen- bem é porque as específicas fizeram com que tal acontecesse. Já a te já é uma grande vitória, porquanto, ba- parte ruim, acredito que deva ser deixada de lado neste momento em que festejamos os nossos 40 anos. seando-me nas histórias e testemunhos que os nossos pais e irmãos mais velhos con- tam, podemos ver o quão felizardos somos por termos nascido em 1975. Evolui e conti- nuo a evoluir, à semelhança do país, só que, tal como Cabo Verde, há momentos que se cresce mais rapidamente, outros em que o Carla Lima, Santo Antão, Dezembro, jornalista índice mantém-se ou cresce num ritmo me- nos desejado. Mesmo assim, o importante Evolui de forma normal, penso. Consegui estudar, fazer a minha formação superior, é ter sempre o foco de que a evolução deve tenho um emprego na área que sempre desejei. Dentro das possibilidades, tenho con- ser uma constante, daí a importância de ter seguido realizar aquilo que projectei. Acredito que só consegui isso tudo porque o país sempre novas metas. teve um crescimento ao longo destes 40 anos que permitiu dar aos seus cidadãos es- O bom de ter nascido “independente” é tas condições. que me deu chances de viver outras expe- Sobre o país, é difícil apontar tudo, mas destaco o avanço que Cabo Verde teve na riências, que os meus pais não puderam se- educação e formação de quadros. Tendo em conta os níveis de escolaridade e alfabe- quer sonhar. No meu caso, a minha área de tização que tínhamos em 1975 e os níveis actuais, acredito que este é o nosso grande formação é a arte; se tivesse nascido antes, o ganho. Mas podemos dizer que no domínio da saúde também temos ganhos impor- meu percurso, provavelmente, seria outro, ou tantes, assim como na melhoria das infraestruturas. De mau, tenho que destacar o au- muito mais difícil. É por isso que eu digo que mento da violência, que é um mal que precisamos combater. a independência alargou o horizonte de to- Vivi (risos) muitas coisas. Consegui estudar, viajei, conheci outras culturas, tive a dos os cabo-verdianos, a começar por mim. minha filha (que é o meu tesouro). Enfim, a vida seguiu o seu rumo e honestamente não me posso queixar. De mau, as Nesta hora de balanço, em vez de coisas perdas naturais da vida, como o falecimento da minha mãe e da minha avó. Futuro para mim é ver a minha filha crescer más, prefiro falar em coisas “menos positi- num país cada vez mais justo, mais livre e com melhores condições de vida. Em relação a Cabo Verde, espero que o país vas”. Uma delas é o facto de a minha gera- consiga reduzir os níveis de desemprego que aflige, principalmente, a camada jovem, consiga resolver a questão da vio- ção, muitas vezes, valorizar mais o ter e es- lência, etc. Também espero que o país possa continuar a crescer. Espero, enfim, que consigamos construir a nossa políti- quecer-se do ser. Da parte que me toca, um ca fora da bipartidarização que tanto nos tem marcado nos últimos 25 anos. dos meus sonhos é continuar a trabalhar na área de que gosto e ver Cabo Verde a trilhar novos caminhos para uma maior evolução de todos nós.

Miguel Monteiro, Fogo, Dezembro, economista e deputado

Evoluí muito, tal como o país. É preciso não esquecer que de um país inviável, passámos a ser um “país referência” em África. Ain- da me lembro de acordar cedo para ir comprar cuscuz, pois, tinha havido crise de farinha e não havia pão nas padarias. Imagine se não houvesse a abertura económica nos anos 90, ainda estaríamos na mesma situação. Sim, o país evoluiu muito, e penso que também o fiz. Muita coisa de bom aconteceu-me nestes 39 anos (farei 40 em Dezembro), mas gostaria de destacar o acesso ao ensino superior em Portugal, por via da minha média (17) no ano zero. Com isto tive a possibilidade de ter uma bolsa da cooperação portuguesa, que me permitiu fazer o curso que quis (gestão de empresas) e vir a trabalhar inicialmente numa grande empresa, a Pricewaterhouse Coopers. Graças a Deus, posso dizer que nada de mau me aconteceu nestes 39 anos. Espero que assim continue. Projectos futuros, ter uma família feliz e sucesso profissional. Para Cabo Verde, ser um país onde os jovens tenham oportunidades, possam sonhar e, tal como eu, constituir família. Sonho também com um país desenvolvido daqui a 10 anos, onde as promessas sejam cumpridas!

Depoimentos recolhidos por: António Neves, Carla Gonçalves, Denise Lobo, Jacqueline Neves, Jason Fortes, Letícia Neves e Silvino Monteiro ANOS De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 73

»»Miriam Coelho Os mesmos 40 anos é uma sanvicenti- na que, no próximo dia 16 deste mês de que a Independência Julho, completa 40 anos. Quatro déca- das de vida que foram zinho (“na casa d’gent”), os livros também não eram as- vividos neste país, in- sim tantos, o que obrigava a dependente também pedir emprestado ou então fazer trocas. há 40 anos, zigue-za- “Hoje em dia, quase todas gueando entre o bom as pessoas têm uma televi- são em casa, só se ouve fa- e o menos bom. lar em ‘smartphones’ e ‘ta- blets’. Evoluções que, por um lado, são bons porque com eles pode-se ter acesso à informação com apenas um clique, mas torna as pes- soas sedentárias e robotiza- das. Eu, que gosto de coisas PERCURSO simples, sinto falta do con- Letícia Neves tacto humano que tínhamos antigamente, das festas de iriam Coe- amigos que apareciam do lho nas- nada, só por estarmos sem- ceu em pre juntos”, salienta. São Vi- Entretanto, mesmo sau- cente a 16 dosista, Miriam reconhece de Julho que a evolução era neces- deM 1975, poucos dias depois sária para que o país não fi- de ter sido proclamada a In- casse parado no tempo. No dependência de Cabo Ver- caso de Cabo Verde, cons- de, a 5 de Julho. Enquanto o tata que as evoluções são país dava os primeiros pas- sentidas em todos os sec- sos para se erguer e cons- tores e domínios, desde o da truir, esta sua filha, Miriam, construção de infraestrutu- também tratou de gatinhar ras como estradas, portos e, aos dois anos, tempo de e aeroportos, à educação e que conserva as primeiras dades em Miriam. “As rou- Nos anos 90 se uma briga, normalmente, saúde das pessoas. De tal recordações, vai morar na pas e os sapatos que rece- brigava-se braço a braço e modo que enaltece o apare- zona de Fonte Cônego, de bíamos no Natal tinham que No início dos anos 1990, não com armas, como acon- cimento das universidades onde só saiu recentemente, ser poupados para durar até deu-se a abertura política, tece actualmente”, lamenta. por permitirem o ensino su- em 2013. o próximo. A mesma coisa mas Miriam não se aperce- Era também tempo de se perior mais perto, livrando “Tive uma infância bas- acontecia com os brinque- beu muito disso, mais preo- preocupar com a formação os pais da incumbência de tante feliz, já que na minha dos que não deveriam ser cupada em viver a sua ado- académica. Miriam, que fi- ter de enviar os filhos para zona havia muitas crian- estragados até as próxi- lescência. “Os meus pais zera o ciclo preparatório na o exterior e ficar com o “co- ças dessa geração 75-76 e mas festas. Por isso é que não eram muito ligados à Escola “Jorge Barbosa” (Li- ração na mão”. Essa pos- brincávamos livremente nas sabíamos dar mais valor às política, nem os via discu- ceu Velho), completou os es- sibilidade que já lhe deixa ruas, ainda de terra batida, coisas”, releva. tir sobre isso em casa. Mas tudos secundários no Liceu um pouco mais descansa- fazendo os diversos jogos, O mesmo valor também lembro-me de um tio que “Ludjero Lima”. Um modelo da quando olha para o futu- como cartas, casamento in- era atribuído à educação brigava muito por essas de ensino que acredita a ter ro do seu único filho, de 11 glês, malha e tantas outras naquele tempo, inclusive im- coisas e até fora preso pela preparado muito bem para anos. brincadeiras que as crianças posta pelos chamados “Po- PIDE (polícia política portu- o mercado de trabalho, tan- Enfim, aos 40 anos, Mi- de hoje não conseguem sa- lícias de zona”. “No Fonte guesa), no período colonial”. to assim é que a maior parte riam Coelho diz ainda ter ber o sabor”, conta. Cônego havia uma senhora De resto, os focos esta- dos jovens da sua geração, muito que viver, assim como Tempos esses em que o que tinha essa distinção e tí- vam voltados para os namo- a começar por ela, são pes- Cabo Verde, até porque ain- subdesenvolvimento ainda nhamos o maior respeito por ricos e os passeios na Praça soas bem sucedidas e com da se sente na “flor da ida- era evidente nestas ilhas, ela. Aliás, o respeito alarga- Nova, com a inexistência da bons empregos. de”... “Não sinto se tenho to- dependentes da ajuda ex- va-se a todas as pessoas palavra insegurança. “Íamos Talvez tenha sido porque dos esses anos. Às vezes, terna e com grave limitação adultas que tinham o direito à Praça e voltavámos a pé os motivos de distracção até digo que estes 40 anos de recursos. Ainda assim, a de nos educar, tal como se para casa, ficavámos até às eram muitos poucos, como me foram emprestados e simplicidade desses tem- fossem nossos pais”, lem- tantas da noite, a conversar, a televisão que muitas ve- esqueci-me de os devolver” pos deixou marcas de sau- bra Miriam. ao pé da porta. Caso surgis- zes tinha que ser vista no vi- (Risos). ANOS

74 De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação Navegando nas ondas 40 desde Monte Trigo ei por mim nes- enchido com florzinha colhida os meus coleguinhas de infân- está pintada ou caiada. Mas há tes dias a pensar, nos campos e nas veredas ao cia terminavam também essa algo que insiste em não se al- bastas vezes, em sopé do Topo de Coroa. Muitos etapa em Monte Trigo, já sem terar: vias de acesso. Tal como Monte Trigo, uma refugiavam-se à beira do mar necessidade de se descolar a há 40 anos, chegar de carro ao aldeia piscatória nas noites de calor sufocante Tarrafal. Monte Trigo continua a ser uma de Santo Antão, e por lá pernoitavam fazendo Fiz o ciclo preparatório e o li- miragem. Ou alguém sai de lá onde ouvi os primeiros sons de companhia às ondas. Só lam- ceu, enquanto Monte Trigo ga- numa embarcação de pesca; DEPOIMENTO D vida ainda a independência era parina ou cafuca interrompia a nhava mais casas, agora não ou se faz a trajectória até Tar- João Almeida um bebé de colo. temerosa escuridão nas noites mais de pedra e barro. Vieram rafal, para, de madrugada, apa- Penso em Monte Trigo não em que a lua não se fazia com- as lajes, cimento, blocos maci- nhar um carro rumo a Porto por saudosismo ou saudades. panheira dos madrugadores. ços. Mal dei conta desse cres- Novo e de lá seguir para outras Não gosto de viver com olhar Monte Trigo era a terra do cimento do local onde eu nasci viagens. fixado no passado; nem tenho bom e saboroso peixe fresco, porque voltei lá, poucas vezes, A minha vida também mu- motivos para ter saudades do mas, também, de um calor pe- durante a década de 1980. dou bastante desde que deixei local onde eu nasci por mero netrante que forçava o consu- Concluído o liceu já em um Monte Trigo no dia 20 de Se- acaso quando os meus pais (a mo avassalador da água com Cabo Verde de democracia tembro de 1982, primeiro num mãe oriunda da Ribeira das Pa- elevada concentração de fluo- multipartidária, deixei o país, bote, para depois embarcar tas e o pai, do hoje quase de- reto. Água essa que manchava tal como muitos da minha ge- num dos três navios chamados serto Pascoal Alves) lá aporta- os dentes das pessoas logo à ração e da anterior, para estu- Arca Verde I, II e III, que chega- ram. Meu pensamento virado nascença (os meus, inclusive) dar lá fora. Fi-lo por duas ve- ram ao país com a Independên- para Monte Trigo faz-se por um e que tira a muitos o prazer de zes, sem voltar a pisar a praia cia. Reconheço saltos que este curioso paralelismo com a mi- abrir um sorriso largo. do Monte Trigo. A vida desviou- país deu e o que as políticas nha trajectória de vida de meni- Nessa altura, até para fazer -me para outros rumos, ou- públicas proporcionaram-nos. no (da beira-mar e do campo), o exame de quarta classe os tras trajectórias e, sempre que Poucos de nós (falo de nós que de adolescente e jovem da pe- meninos tinham que se deslo- pensava na aldeia, vinham-me viemos das aldeias e dos lu- riferia de São Vicente e de ho- car ao Tarrafal de Monte Trigo. à cabeça as tardes tórridas do garejos longínquos) teríamos mem em trânsito. A viagem durava cerca de 45 Verão. a oportunidade de estudar ou «Ao nascer cidadão Recordo como deixei Mon- minutos num bote a motor ou adquirir diplomas, se não tivés- de um Estado livre te Trigo quando, empurrados duas horas a pé. Sol abafadiço & bendito semos acesso à educação pú- pela necessidade de ofere- Passaram os anos, segui blica gratuita e a bolsas de es- e membro do poder cer aos filhos a instrução li- a minha vida em São Vicen- Longe estaria eu em imagi- tudo. soberano, por mais ceal que a vida lhes negara, te, fiz a escola primária a sal- nar que o Sol, aquele Sol cuja Entretanto, não deixo de os meus pais empreenderam tar de uma sala arrendada à incidência faz a areia preta lançar um olhar crítico a este fraca que seja a o caminho de São Vicente. Um outra, até o antigo quartel em brilhar e provoca um calor as- país onde há ainda muitas fa- influência que a dos novos de uma família que Alto de São João ser transfor- fixiante, transformaria Monte mílias que mal conseguem le- já tinha dois membros a estu- mado em escola para acolher Trigo auto-suficiente no que var a panela ao lume uma vez minha voz possa dar na cidade do Mindelo, arru- alunos de Fernando-Pó, Ribeira à energia diz respeito. A novi- por dia. Moram em barracos. ter nas actividades mei o pouco que possuía antes de Craquinha, Fonte Francês e dade e a tecnologia chegaram Escrevo-o para não cair, desa- de completar sete anos de vida alguns repetentes de Bela Vista em 2012 e, hoje, a central foto- visadamente, na conversa do públicas, basta-me e embarquei na minha primei- e Monte Sossego. Lá fiz a quar- voltaica (100% renovável, ga- outro que se quer promover à o direito de nelas ra experiência migrante. Para ta classe, numa altura em que ba-me um dos dois jovens que custa da desgraça dos outros. trás deixei duas ou três deze- monitoram os painéis!) forne- Faço-o porque vivo num bair- votar para me impor nas de casas cobertas de pa- ce energia limpa aos lares das ro periférico de São Vicente e o dever de sobre lha, uma praia de areia negra, gentes da terra que me viu nas- vou, quando posso, ao interior o peixe fresco que íamos bus- cer. Em 2013 lá voltei, finalmen- de Santo Antão. Não fecho os elas me informar». car à beirinha do mar, quando te, 18 anos após a minha últi- olhos ao que passa ao meu re- Tal como há 40 anos, Rousseau. “Natal” (o bote de pesca que os ma visita. Fui ver com os meus dor e sei quanto custa a muita meus pais entretanto adqui- chegar de carro ao próprios olhos as noites ilumi- gente neste país de rendimen- riram) regressava da faina, os Monte Trigo continua nadas pela luz artificial. Bebi, to médio comprar um quilo de meus coleguinhas de infância a ser uma miragem. como que a vingar a sede que arroz para dar de comer aos fi- com quem brincava no areal ou Ou alguém sai de lá guardava na minha memória de lhos. Não me sai da cabeça a no campo de futebol que ficava menino, uma garrafa de água imagem da senhora em Horta ao lado da minha casa. numa embarcação fresca, não mais tirada do ve- Seca (São Vicente), quando, Estávamos nos idos 1982, de pesca; ou se faz lho pote de barro, mas do fri- em conversa com uma vizinha, raras eram as pessoas em a trajectória até gorífico. Assisti, com pouca manifestava o seu contenta- Monte Trigo que podiam ga- Tarrafal para, de paciência é certo, as partes de mento porque, naquele dia, ti- bar-se de ter um bote a motor madrugada, apanhar um jogo qualquer que passava nha conseguido o almoço para ou um colchão com o mínimo num canal estrangeiro. Lá tem a família: levava, num pequeno de conforto para descansar um carro rumo a parabólica que liga a aldeia ao saco transparente, com cer- após a labuta diária. Dormia- Porto Novo e de lá mundo! ca de um quilo de arroz, duas -se no chão aos montões (fa- seguir para outras A vida no Monte Trigo trans- minúsculas cavalas e pouco mílias numerosas dividiam um viagens. figurou-se, para muito melhor. mais do que isso. ou dois quartos), numa esteira Há luz à noite e um colorido de Tão feliz com tão pouco para ou, quando muito, num colchão dia porque a maioria das casas cumprir o seu dever de mãe ANOS De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação 75 Navegando nas ondas 40 desde Monte Trigo solteira (como muitas neste nos silenciamos e já coloca- no bolso, ainda que, em muitos ou a esconder-se, quando de- 11 pessoas foram para casa, torrão), quando outros sugam mos à discussão casos de pes- casos, o rendimento mensal veriam estar a produzir para com menos de 50 anos, só em o Estado, fazendo uso de estra- soas com mais de 200 contos próprio ou do casal seja supe- justificar o respectivo salário. 2014, devido a etilismo crónico. tégias ludibriosas para receber de reforma que continuavam a rior a 150 ou 200 contos. Mais Quantos criam um clima tenso As camas dos hospitais estão dos cofres públicos dois ou até receber outros rendimentos do a mais, alguns caem nesse fos- nos postos de trabalho, devido abarrotadas de dependentes três salários e assim susten- Estado. Pelo menos um des- so não para investir em bens a dívidas aos colegas e assim do álcool. A verdade é que nem tar uma vida luxuosa ou qua- ses deixou de receber o suple- duráveis, mas sim, para sus- influenciam negativamente a os técnicos da área conseguem se isso. Nada contra, sublinho mentar. Mas continuam a haver tentar um consumismo vician- produção? Quantos pequenos fazer uma ligação directa en- para clarear, quem por esforço muitos. te - pessoal ou dos filhos. negócios foram à falência por tre a dependência alcoólica e próprio, trabalho e criatividade Longe de mim estar a imis- causa desse tipo de trapaça? as dívidas, mas, quando che- honesta consegue levar uma Desassossego recente cuir-me na vida privada, por Perguntem às donas das lojas gamos aos 40 anos de país in- vida folgada. Merece aplausos, mera atitude moralista. Não. (boutiques) como sofrem com dependente, temos de reflectir aliás, num país que se fez e que Para terminar, exponho um Trata-se, a meu ver, de um pro- isso? Quantos não entraram no que rumo damos à vida. E, en- se faz de sacrifícios e abnega- desassossego recente: gen- blema que tem repercussão caminho da dependência al- tre muitas outras questões, não ção. te da minha geração e de ou- social a olhos vistos. Basta ver coólica após deixar de honrar se deve atirar para debaixo do Esse olhar crítico centra-se tras deixa-se seduzir por um quantos técnicos, funcionários os compromissos, e, por causa tapete a do endividamento ir- nos malabarismos que fragili- mundo-fantasia e endivida-se públicos (e de empresas pri- disso, foram dados como inca- responsável, pois, poucas dú- zam o Estado em nome de um no limite da (ir)responsabilida- vadas) endividados que pas- pazes? vidas me restam de que isso egoísta bem-estar individual. de ao ponto de chegar ao meio sam horas e horas ao telefone Só esse dado: estudo da acarreta problemas sociais de Sobre esse tipo de coisas não do mês sem um tostão furado a desculpar-se com credores Previdência Social indica que vária ordem. ANOS 76 PUBLICIDADE De 05 a 08 de Julho de 2015 A NaçãoA Nação