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Ambivalências estruturais e retórica nacional: o regionalismo nas associações de estudantes no Daomé independente (1960—1972)

KEESE, Alexander

Abstract

Ce chapitre discute (en contraste avec les expériences africaines lusophones des étudiant(e)s encore sous régime colonial portugais) la trajectoire d'une communauté estudiante postcoloniale, celle du Dahomey (futur Bénin). Il s'intéresse notamment aux conflits entre perspectives centralisatrices et contre-mouvements régionalistes (répresentés par la création d'un représentation des étudiant(e)s du nord du pays - le FACEEN).

Reference

KEESE, Alexander. Ambivalências estruturais e retórica nacional: o regionalismo nas associações de estudantes no Daomé independente (1960—1972). In: Castelo, C. & Bandeira Jerónimo, M. Casa dos Estudantes do Império. Lisbonne : Edições 70, 2017. p. 249-264

Available at: http://archive-ouverte.unige.ch/unige:109248

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1 / 1 Ambivalências estruturais e retórica nacional: o regionalismo nas associações de estudantes no Daomé independente (1960—1972)1

ALEXANDER KEESE

Introdução

Durante nove anos de um ambiente político turbulento — entre 1958 e 1967 —, marcado por confrontações violentas e vários golpes de Estado, o governo do general era o segundo a cair, em conse- quência da situação de instabilidade constante. O golpe de Estado de 17 de dezembro de 1967, organizado por um grupo de oficiais desconten- tes, liderados pelo chefe de batalhão, Maurice Kouandété, abriu o caminho para a instalação, por seis meses, de Alphonse Alley como líder de um novo governo autoritário-militar. Porém, não se tratou de uma solução de maior longevidade. As atividades «revolucionárias» do governo de Alley continuaram a ser igualmente condicionadas por uma situação de redu- zida estabilidade2. Se os debates analíticos sobre a história pós-colonial do Daomé — futuro Estado do Benim — são escassos, o período de ten- sões anterior a dezembro de 1967 tem merecido ainda menos atenção na

1 Este trabalho contou com o apoio financeiro do Fundo Nacional Suíço (SNSF Research Professors n.° 157443). 2 O episódio e a carreira de Alley foram discutidos como paradigmáticos em William Gutteridge, Military Régimes in Africa (Londres: Methuen, 1975), p. 105.

249 CASA DOS ESTUDANTES DO IMPÉRIO: DINÂMICAS COLONIAIS, CONEXÕES TRANSNACIONAIS historiografia desse país3. Esta situação é lamentável sobretudo porque, graças à presença diplomática francesa, de grande influência, temos, em teoria, um conjunto apreciável de fontes interpretativas sobre a situação em 1967–684. O sindicato nacional dos estudantes — a Union Générale des Etudiants et Elèves du Dahomey (UGEED) — teve um perfil relati- vamente pouco ativo nessa fase em particular. Apenas assumiu uma ação política mais agressiva depois do restabelecimento, no verão de 1968, de um governo democrático sob a presidência de Emile Zinsou: só nesse momento se assistiu a um aumento das reivindicações e dos manifestos5. Pelo contrário, os conflitos internos dentro do movimento estudantil dao- meano em 1967 foram de outra natureza. Estes conflitos são interessantes porque demonstram a complexidade do papel de associações de estudantes num contexto de governos autoritários pós-coloniais. Relativizam ainda a ideia generalizada e simplificada que existe sobre o posicionamento de movimentos estudantis no contexto da África Subsariana6. A minha análise interessa-se por um episódio até agora praticamente desconhecido da história pós-colonial beninense e do seu movimento de estudantes: a formação de um movimento regional e regionalista dos estudantes no Norte do Daomé, no verão de 1967. Por um lado, esta experiência, de grande importância pela interpretação dos interesses representados pelos movimentos de estudantes e de juventude na África Ocidental em geral, relacionava-se com uma discussão (no último ano do governo de Christophe Soglo) sobre a situação marginal da região do Norte do país. Pela primeira vez, encontramos aqui um debate interno

3 A continuidade dos diferentes regimes pós-coloniais aparece em Noel Dosso- Yovo, «The Experience of », International Journal on World Peace 16(3), 1999, pp. 59–74. 4 As relações difíceis entre o governo revolucionário de Alphonse Alley e o governo francês (por intermédio do Secretariado dos Negócios Africanos e Malgaxes) são discutidas, em Hélène D’Almeida-Topor, «Les relations franco-dahoméennes dans les années 1960: Aspects financiers et commerciaux», Cahiers du Centre de Recherches Historiques [Em linha], 30, 2002, disponibilizado a 22.11.2008, consultado a 01.4.2016, pp. 1–8, 3. 5 Archives Diplomatiques du Ministère des Affaires Etrangères de la France, La Courneuve, França (MAE), Direction des Affaires Africaines et Malgaches (DAM), Dahomey, 1181, Direção dos Assuntos Africanos e Malgaxes do Ministério dos Negócios Estrangeiros francês, [Note:] évolution de la situation politique au Dahomey de décembre 1967 à décembre 1968 (sem número), s.d., p. 8. 6 Para a análise clássica do contexto dos protestos e mobilizações sob o governo de Emile Zinsou, veja-se Samuel Decalo, «Regionalism, politics, and the military in Dahomey», Journal of Developing Areas 7(3), 1973, pp. 449–478, 465–466, 468.

250 AMBIVALÊNCIAS ESTRUTURAIS E RETÓRICA NACIONAL: O REGIONALISMO NAS ASSOCIAÇÕES... do regime autoritário-militar chamando a atenção para as «injustiças» da organização social da nação. Este debate visou nomeadamente o sector da saúde, mas versou também sobre problemas na área da educação. Desta maneira, a ação dos estudantes integra-se numa tendência para a contestação regional, à qual respondeu parte das autoridades do Estado. Por outro lado, a experiência de regionalização do movimento estudantil no Daomé pós-colonial possibilita uma interpretação mais diferenciada da mobilização dos estudantes (e dos alunos do sector secundário) num período de tempo que abrange a década final do colonialismo europeu e os primeiros dez a doze anos (no caso daomeano) depois da independência. Dentro de um debate histórico atual que propõe a discussão dos vários movimentos estudantis, sobretudo no ano «global» de 1968, a partir de uma perspetiva de «história global», parece-me importante não esquecer a dinâmica regionalista. Na discussão da evolução pós-colonial do Daomé/ Benim, a experiência da Front d’Action Commune des Etudiants et Elèves du Nord (FACEEN) é praticamente esquecida7. Paralelamente, a análise deste episódio da história pós-colonial do Daomé pretende contribuir para os esforços no sentido de compreender os processos de restruturação dos poderes locais e regionais depois da independência8. Até agora, as tentativas de analisar arquivos pós-coloniais do Benim são inexistentes. Por exemplo, é esse o caso do «fundo presi- dencial» — um conjunto de documentos de mais de mil caixas agora acessível — e dos vários arquivos regionais e municipais, difíceis de utilizar, mas disponíveis. A discussão dos incidentes do ano de 1967, como parte de um debate mais extenso sobre «a nação» e as suas obrigações, será assim, ao mesmo tempo, uma averiguação das possibilidades que se abrem pela entrada de historiadores na interpretação da história pós-colonial do Benim. Esta interpretação tem sido reservada — até agora — ao trabalho de antropólogos, felizmente por vezes de grande qualidade, como no caso da obra de Thomas Bierschenk. Mesmo assim, as necessidades de análise histórica destes temas são numerosas e prementes9.

7 Veja-se Abdel Rahamane Baba-Moussa, «Associations de jeunesse au Bénin», Agora débats/jeunesses 32, 2003, pp. 108–119, 111. 8 Um estudo exemplar é o de Thomas Bierschenk e Jean-Pierre Olivier de Sardan, «Powers in the Village: Rural Benin between Democratisation and Decentralisation», Africa 73(2), 2003, pp. 145–173. 9 A análise dos arquivos pós-coloniais — tanto no caso dos arquivos centrais como dos provinciais — é muito rara ainda, e a reflexão sobre este tipo de estudos — «clássicos» —, acompanhada até de um pessimismo preocupante. Veja-se, pos

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A contestação de estruturas coloniais e de regimes autoritários: dos movi- mentos de estudantes africanos e globais de 1945 às turbulências da década de sessenta do século xx

Entre as atividades anticoloniais que dinamizavam o caminho para as independências na África Subsariana, as atitudes e as ações de associações formadas por estudantes e por alunos do ensino superior constituem um tema principal. Sem surpresa, no caso de todos os impérios coloniais, a população estudantil, e sobretudo os estudantes em estadia temporária nas universidades das metrópoles, tinham contactos estreitos com corren- tes intelectuais anticoloniais e com apoios externos de redes e organiza- ções internacionais. Das associações recrutaram-se importantes ativistas dos movimentos nacionalistas, assim como futuros quadros dos Estados independentes. Mas nem sempre estes indivíduos obtinham posições de importância dentro dos novos governos e das novas administrações; em muitos casos, esses líderes tiveram uma relação complicada com a geração anterior de nacionalistas, e nunca se integraram no mainstream da vida política dos regimes pós-coloniais10. exemplo, Florence Bernault, «Suitcases and the poetics of oddities: Writing history from disorderly archives», History in Africa 42, 2015, pp. 269–277. A apreciação cautelosa pode ter o seu sentido, mas, se não se tentar não se encontrará nada. Pelo menos no caso do Benim (e também do Gana, de Cabo Verde, do Senegal e do Togo — para mencionarmos alguns casos da África Ocidental), as possibilidades de análise de arquivos pós-coloniais são imensas. Veja-se também o estudo pioneiro sobre os arquivos regionais de Labé, na Guiné-Conacri, em John Straussberger, «Fractures and fragments: finding postcolonial histories of Guinea in local archives»,History in Africa 42, 2015, pp. 299–307. Todavia, apesar do facto de se falar ocasionalmente da existência de bons arquivos centrais e até regionais em alguns estados africanos, o interesse em interpretá-los tem sido mínimo; como exprimiu Stephen Ellis num artigo em que referiu o potencial dessa forma de investigação, «Bluntly stated, it is unlikely that historians seeking to write the history of Africa since independence will enjoy the same quality of documents as their colleagues studying the colonial period», veja- -se Stephen Ellis, «Writing histories of contemporary Africa», Journal of African History 43(1), 2002, pp. 1–26, 12–13 (a citação encontra-se na página 12). É uma observação certeira, embora se encontre muita qualidade! 10 Vejam-se as análises de Tony Chafer, The End of Empire in French West Africa: France’s Successful Decolonization (Oxford: Berg, 2002); e Nicolas Bancel, Entre acculturation et révolution: Les mouvements de jeunesse et les sports dans l’évolution politique et institutionnelle en AOF (1945–1960) (Université Paris I, tese de doutoramento não publicada, 1999). Bancel propõe um conceito de gerações de ativistas e situa os estudantes dos anos cinquenta no seio de uma geração da rutura — uma geração que fica largamente excluída das posições de poder durante o pro- cesso de descolonização.

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Neste panorama, o caso dos comportamentos e das atitudes dos estu- dantes africanos no âmbito do colonialismo português é o mais extremo e o mais peculiar. Explica-se pela anomalia do estado colonial português depois da Segunda Guerra Mundial: o império português era governado por um regime autoritário, sem qualquer margem de manobra rumo a uma liberalização política depois de 194511. Assim, esse regime colonial continuava a definir eventuais reivindicações sociais e políticas da parte de grupos de estudantes como «subversivas» e utilizava o aparelho de repressão policial — as detenções, a tortura, o controlo constante — contra os membros desse grupo. Enquanto a criação da Casa dos Estudantes do Império em Lisboa e da delegação em Coimbra poderia ser compreendida como parte de um processo de integração dos estudantes africanos na vida da metrópole — de formas análogas às de França, da Bélgica ou da Grã-Bretanha —, no caso do Estado Novo português e da sua política de educação das elites coloniais, este lugar era também de enquadramento. Por outro lado, o ambiente repressivo provocado pelas atividades do Estado autoritário tinha efetivamente o efeito de garantir laços ainda mais estreitos entre estudantes radicalizados de origens regionais bem distintas12. O caso dos movimentos estudantis na «África francesa» respondia a outras lógicas no que diz respeito ao seu papel anticolonial e às suas reivindicações. Primeiro, Paris já tivera uma longa história de ativismo de esquerda, expresso por redes entre «radicais» de diferentes proveniências. Isto incluía intelectuais africanos e estudantes de várias partes do império, embora a presença de uma comunidade estudantil da África Subsariana seja mais um elemento a partir dos anos quarenta. Assim, existia já uma posição anticolonial dentro da metrópole, que era uma tradição do perí- odo de entre-guerras, facilitando, depois da Segunda Guerra Mundial, as atividades dos movimentos de estudantes africanos num ambiente de mais forte contestação das condições coloniais13.

11 Alexander Keese, «Bloqueios no sistema: elites africanas, o fenómeno do tra- balho forçado e os limites de integração do Estado colonial português, 1945–1974», in Miguel Bandeira Jerónimo, org., O Império Colonial em Questão (séculos xix– xx) (Lisboa: Edições 70, 2012), pp. 223–249. 12 Veja-se o mais antigo Dalila Cabrila Mateus, A Luta pela Independência: a formação das elites fundadoras da FRELIMO, MPLA e PAIGC (Mem Martins: Inquérito, 1999). 13 Michael Goebel, Anti-Imperial Metropolis: Interwar Paris and the Seeds of Third World Nationalism (Nova Iorque: Cambridge University Press, 2015); Martin

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No fim dos anos quarenta, a atividade estudantil podia aproveitar estas bases. Em França, os estudantes africanos mostraram-se especialmente agressivos na mobilização contra o regime colonial; as posições tomadas foram particularmente drásticas. Podem exagerar-se as credenciais revo- lucionárias dos estudantes ativistas, como de vez em quando acontece, em literatura mais recente14. Todavia, as petições dos estudantes organizados dentro da Fédération des Etudiants d’Afrique Noire en France (FEANF) estavam na vanguarda das iniciativas mais radicais15. Enquanto as trajetó- rias dos movimentos anticoloniais, nos anos cinquenta, ganham cada vez mais terreno dentro dos territórios africanos com posições protonaciona- listas — embora a dedicação exclusiva desses grupos a projetos nacionais fosse recentemente questionada —, os movimentos estudantis mantêm durante mais tempo uma postura federalista e pronunciam-se a favor de um futuro pan-africano16. Protagonizando posições mais agressivas do que as das elites que tomaram o poder depois das descolonizações, a sua situação dentro da vida política pós-colonial, e face à formação de novas redes de poder, era mais complicada. Na maioria dos Estados africanos, depois das independências, as associações nacionais de estudantes foram cooptadas para dentro das estruturas de poder e perderam por completo a sua influência ou foram até confrontadas com o surgimento de correntes dissidentes. Nesse aspeto, tinham frequentemente o mesmo destino que os sindicatos profissionais, que se encontravam sob pressões múltiplas no sentido de se subordinarem à linha política dos governos independentes. Na tentativa de encontrarmos uma história global da atividade estu- dantil e de revoltas da juventude — uma tendência recente que substitui a

Thomas, The French Empire between the Wars: Imperialism, Politics and Society (Manchester/Nova Iorque: Manchester University Press, 2005), pp. 256–257. 14 Françoise Blum, «L’indépendance sera révolutionnaire ou ne sera pas: Etudiants africains en France contre l’ordre colonial», in Cahiers d’Histoire 126, 2015, pp. 119–138. 15 Joseph-Roger de Benoist, «FEANF and the colonial authorities», in UNESCO, coord., The Role of African Student Movements in the Political and Social Evolution of Africa from 1900 to 1975 (Paris: UNESCO, 1994), pp. 109–121. 16 Mais recentemente, discute-se a posição dos estudantes na África Ocidental francesa a partir do seu lugar entre o império colonial (ou a União Francesa) e o projeto de nação africana. Veja-se Louisa Rice, «Between empire and nation: francophone West African students and decolonization», in Atlantic Studies 10(1), 2013, 131–147. Esta interpretação de Rice encontra-se numa relação interessante com o recente livro de Frederick Cooper, uma obra inspiradora, Citizenship between Empire and Nation: Remaking France and French Africa, 1945–1960 (Princeton/ Woodstock: Princeton University Press, 2014), pp. 258–259.

254 AMBIVALÊNCIAS ESTRUTURAIS E RETÓRICA NACIONAL: O REGIONALISMO NAS ASSOCIAÇÕES... interpretação mais clássica e de visão mais nacional da «geração de 68» em contextos europeus e norte-americanos —, os casos africanos pós-coloniais não se integram facilmente num panorama transnacional. Noutras partes do mundo, os movimentos estudantis estão muito ativos na década de ses- senta, em protestos contra políticas estabelecidas e regras sociais encaradas como conservadoras e opressivas (conhecidas por sociedades «ocidentais») e contra regimes autoritários (como no caso do Brasil, do México ou da Indonésia, por exemplo)17. A visão das associações de estudantes e de alunos como estando bem «enquadradas» pelas estruturas de poder nos Estados africanos não corresponde a esses panoramas noutras partes do mundo. Existem exceções, como no caso do Congo-Kinshasa, onde um movimento estudantil desafiou o regime de Joseph-Désiré Mobutu e aca- baria por ser vítima de repressões maciças desde 196918. Mais interessante no nosso contexto é a experiência das revoltas estudantis em Dacar: em maio de 1968, a capital senegalesa foi palco de protestos estudantis e de violência contra o regime político que se repercutiram em várias partes da África Ocidental, dado que a Universidade de Dacar tinha ainda um grande número de estudantes de fora do Senegal (inclusive do Daomé) nos anos sessenta19. Mas esta revolta de grande dimensão não nos deveria dis- trair da multiplicidade da atividade estudantil que encontramos na África Ocidental dos primeiros anos pós-coloniais, depois da independência dos territórios do antigo império francês.

A evolução daomeana: um caso de complexidade e um caso mais do que habitual

Ao invés da evolução em Dacar e eventualmente em Conacri, onde os estudantes se sentiram atraídos pelas posições radicais de um Sékou Touré, a experiência do UGEED faz parte das trajetórias menos espetaculares.

17 O potencial da história global em relação à análise das atividades estudantis nos anos quarenta e setenta aparece em várias contribuições em Samantha Christiansen e Zachary A. Scarlett, coord., The Third World in the Global 1960s (Nova Iorque/ Londres: Berghahn, 2013). 18 Veja-se Pedro Monaville, «The destruction of the University: violence, political imagination, and the student movement in Congo-Zaire, 1969–1971», in Christiansen e Scarlett, Third World, pp. 157–170. 19 Françoise Blum, «Sénégal 1968: révolte étudiante et grève générale», in Revue d’Histoire Moderne & Contemporaine 59(2), 2012, pp. 144–177, 148.

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Entre 1956 e 1960, o território do Daomé era afetado por fortes rivali- dades entre partidos políticos; juntamente com o Alto-Volta, tratava-se do caso de maior instabilidade política entre as colónias francesas, onde as associações estudantis tinham uma importância particularmente ampla como fator. No contexto do Congresso de Cotonou, em 1958, a secção daomeana do movimento de estudantes assumiu uma posição bastante radical a favor da criação de uma federação de territórios africanos20. Porém, depois da independência do estado daomeano, o movimento estu- dantil foi, aparentemente, neutralizado. No caso daomeano, esta situação poderia ser comparada com a das centrais de sindicatos. Nos primeiros anos do Estado independente, o governo de tentou pôr em prática medidas de controlo face à Confédération Générale des Travailleurs du Dahomey (CGTD), o sindicato único que passou por várias fases de contestação contra a elite política21. Embora os líderes estudantis sejam associados a essas atividades sindicais, não existe, porém, verdadeira sintonia entre os dois movimentos. Apenas depois da queda do governo de Hubert Maga, com um ínterim de vários meses em que Christophe Soglo geriu o poder do Estado pós- -colonial com os dois políticos-estrela do Daomé, Sourou-Migan Apithy e Justin Ahomadegbé, os delegados do movimento estudantil tomaram de novo posição22. Os seus líderes pronunciaram-se nomeadamente contra o político «nortenho», Maga, que depois do golpe ficou em prisão domicili- ária. Era uma vítima fácil: sob o controlo dos militares e num âmbito em que Apithy, agora arqui-inimigo do presidente destituído, tinha mais uma vez uma autoridade crescente, esse tipo de atividades granjeou a simpatia dos dois grupos principais na nova distribuição do poder23.

20 Sylvain C. Anignikin, «Les élites africaines et l’indépendance: le cas des “évolués” du Bénin», in Outre-Mers 97(368), 2010, pp. 21–35, 30–31. 21 Craig Phelan, «Trade unions and “responsible participation”: Dahomey, 1958–1975», in Labor History 55(3), 2014, pp. 346–364. 22 Sobre o golpe de Estado de outubro de 1963, faltam análises históricas rela- tivas às atitudes e aos interesses dos diferentes grupos dentro da política dahome- ana. As posições dos representantes franceses, e as suas ligações com «parceiros», dahomeanos, são discutidas em Alexander Keese, «First lessons in neo-colonialism: the personalisation of relations between African politicians and French officials in sub-Saharan Africa, 1956–66», in Journal of Imperial and Commonwealth History 35(4), 2007, pp. 593–613, 601–602. 23 MAE, Direction des Affaires Africaines et Malgaches, Dahomey, 1181, Telegrama de Lustig, encarregado da Embaixada francesa no Daomé, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros francês, Direção dos Assuntos Africanos e Malgaxes (n.° 735–747), 28.11.1963, p. 3.

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Em 1964, a UGEED tomou posição em relação ao futuro dos sindi- catos num Daomé em que a cúpula militar tentou uma estabilização do Estado, pela integração no governo de antigos líderes políticos como Api- thy e Ahomadegbé. O movimento dos estudantes acusou os sindicalistas das outras centrais do país de estarem abertos às promessas das federa- ções de trabalho internacionais e alertou nomeadamente contra supostas tentativas por parte da diplomacia americana de provocar cisões dentro do movimento sindical daomeano24. Todavia, com a crescente eliminação dos políticos da velha guarda pelo governo de Christophe Soglo, a agi- tação estudantil perdeu mais uma vez o seu alvo principal, e o sindicato dos estudantes foi novamente eclipsado no processo político. Apenas em 1967 novas evoluções dentro do movimento estudantil mudaram estas condições. Desta vez, o descontentamento de uma parte das populações no Norte do Daomé, e dos seus porta-vozes, causou mudanças fortes dentro da atividade dos estudantes.

Evolução desigual: a marginalização da região norte do Dahomey

Em 1965 e 1966, o mal-estar em relação às condições no Norte do Daomé cresceu sucessivamente, e começava a interessar os próprios admi- nistradores do Estado25. Apesar da anterior importância de alguns líderes nortenhos nos governos de Hubert Maga, o lugar dos départements do Norte do Estado dentro do projeto nacional era marginal. Os distúrbios e as revoltas em 1963, no momento da queda de Maga, haviam igualmente ficado na memória dos habitantes dessas regiões e misturavam-se com a experiência de marginalização social e económica que constituía a vida quotidiana26. Estas visões negativas dos comportamentos dentro do Estado

24 Archives Nationales Béninoises, Porto-Novo, Benim (ANB), Fonds Présidentiel (PR), 732, Secretariado-Geral do Governo do Daomé, Procès-verbal de la rencontre avec les syndicats (sem número), sem data, p. 1. 25 Reflexões sobre o poder administrativo no Daomé/Benim pós-colonial en- contram-se em Thomas Bierschenk, «Sedimentation, fragmentation and normative double-binds in (West) African public services», in Thomas Bierschenk e Jean-Pier- re Olivier de Sardan, coord., States at Work: Dynamics of African Bureaucracies (Leiden: Brill, 2014), pp. 221–245, 227–229. 26 MAE, Direction des Affaires Africaines et Malgaches, Dahomey, 1181, Guy Georgy, Embaixador francês no Daomé ao Ministério dos Negócios Estrangeiros francês (n.° 23/DAM/A/MAE/S), 30.04.1964, p. 4.

257 CASA DOS ESTUDANTES DO IMPÉRIO: DINÂMICAS COLONIAIS, CONEXÕES TRANSNACIONAIS pós-colonial, na fase imediata depois da independência, continuavam a perdurar na memória das populações27. No início do ano de 1967, o Comité Militaire de Vigilance (CMV), órgão de participação dos militares na vida política, começou a interessar- -se pela situação dos serviços de saúde no Norte do Daomé. Num relató- rio, o Alferes Ibrahim Lehman criticou as explicações dadas pelo diretor nacional da Saúde, que culpara o antigo poder colonial pela situação no Norte do país. Segundo a apreciação de Lehman, os desequilíbrios no sector da saúde não constituiriam uma herança do sistema colonial: «não herdámos então esta “situação de facto” dos Colonos!!!!»28. Os factos apresentados neste contexto eram dramáticos, incluindo: uma redução significativa do número dos médicos, falta de enfermeiros — reduzidos a metade dos existentes em 1960 —,instalação de altos-funcionários em hospitais do Sul e também a ausência de perspetivas, com a construção de um novo hospital por Kandi e Natitingou, dependente de promessas, nesse momento incertas, por parte da cooperação alemã29. Porém, ainda mais espetacular neste contexto era a criação de um grupo de avaliação que devia estudar as estruturas de ensino nessa região. Sob a presidência do então capitão das Forças Armadas, Mathieu Kérékou, tratava-se de uma comissão de peso: durante seis dias do mês de outubro de 1967, os membros do CMV enviados a essa comissão, juntamente com dois presidentes de comités departamentais da «Renovação Nacional», reuniram as informações disponíveis. Em parte, esta iniciativa foi já uma reação à mobilização dos alunos do ensino secundário e dos estudantes originários do Norte do país, tendo efeitos entre as autoridades. Segundo as estatísticas da taxa de escolarização — estatísticas que eram de uma fiabilidade considerável, sendo os dados empíricos sobre a escolaridade efetivamente alarmantes —, apenas uma percentagem de 15 por cento

27 Expresso — num contexto que exagera o estado de corrupção das elites da primeira geração — em Anselme Guezo, «From Dahomey to Benin: exorcising the ghosts of memory in a West African state», in Bahru Zewde, coord., Society, State, and Identity in African History (Adis Abeba: Forum for Social Studies, 2008), pp. 357–393. 28 ANB, PR, 809, Ibrahim Lehman, Note du Lieutenant Lehman Ibrahim sur les travaux d’octobre du Comité Militaire de Vigilance élargi au[x] président[s] des Comités départementaux de Rénovation Nationale et à quelques directeurs de services [,] relatifs à l’economie, à l’education et à la santé publique (sem número), s.d., pp. 1–2. 29 Idem, ibidem, pp. 2–3.

258 AMBIVALÊNCIAS ESTRUTURAIS E RETÓRICA NACIONAL: O REGIONALISMO NAS ASSOCIAÇÕES... dos habitantes das duas grandes regiões do Norte, o Borgou e o Atacora, estava mais ou menos escolarizada30:

Departamento População Escolas Turmas Alunos Taxa de escolarização (%) Atlantique 364 100 180 830 37 271 51,18 Ouémé 527 900 200 791 31 872 30, 18 Mono 366 100 97 373 15 363 22,85 Zou 501 500 152 625 27 730 27,65 Borgou 345 900 85 274 10 882 15,73 Attacora 342 500 73 263 9 572 13,97

A comissão criticou o comportamento dos pais das crianças, insis- tindo na necessidade de um trabalho de «persuasão» para as motivar a agilizarem a escolarização. Considerou ainda tanto as dificuldades finan- ceiras de muitas famílias nortenhas em particular em pagarem a taxa de inscrição e os materiais escolares para os filhos em idade escolar como a escassez de centros escolares nos dois departamentos em questão, que forçavam um elevado número de alunos a percorrer grandes distâncias para frequentar a escola. Porém, a análise continha sobretudo um ataque explícito às «atitudes» dos professores, cuja grande maioria era oriunda do Sul. Os membros da comissão denunciaram o sentimento de alienação desses mesmos professores: «não dão o melhor das suas possibilidades na sua nobre tarefa de educador. As vítimas inocentes desta situação são sempre as crianças do Norte. O desequilíbrio intelectual acentua-se por consequência». A preocupação com as consequências destas condições era grande31. Estas observações integram-se num ambiente de medo e até de para- noia crescente, difícil de qualificar no interior de uma fase de interação complexa entre autoridades militares e civis, e que era caracterizada por desconfianças e teorias da conspiração várias. O Norte do Daomé foi considerado problemático nesse contexto: numa lógica de supostas ati- vidades «tribalistas», existindo a preocupação de que líderes regionais

30 ANB, PR, 809, Capitão Mathieu Kérékou (presidente); G. Chodaton (escrivão), pela Commission Ad-Hoc de l’Education Nationale, Comité Militaire de Vigilance, Réunion extraordinaire des membres du Comité Militaire de Vigilance et des présidents des Comités Départementaux de Rénovation Nationale. Rapport de la Commission Ad’Hoc de l’Education Nationale. (sem número), s.d., pp. 1–2. 31 Idem, ibidem, pp. 2–3.

259 CASA DOS ESTUDANTES DO IMPÉRIO: DINÂMICAS COLONIAIS, CONEXÕES TRANSNACIONAIS pudessem criar uma coligação dos grupos fulbe, bariba e dendi32. A para- noia visou frequentemente figuras populares dos governos anteriores. No caso concreto, suspeitou-se da mão invisível do antigo secretário-geral do Parti Dahoméen Unifié, ex-presidente da Câmara Municipal de Parakou e ex-ministro, Chabi Mama33. Os informadores falaram em «festas» orga- nizadas na região para despertar, em certos grupos, atitudes xenófobas contra os funcionários do Sul; porém, o risco maior teria sido, segundo essas fontes, uma aliança secreta entre agitadores «tribalistas» e alunos e estudantes nortenhos cujas reivindicações não haviam sido atendidas34. No contexto desses debates políticos dos quadros do regime antes e depois da presidência de Alley, a iniciativa da FACEEN ganha uma importância bem maior do que a de um simples grupo de estudantes regionalistas. Na parte que se segue, tentaremos compreender os discursos dos estu- dantes face a essas lógicas.

Contra a tendência centralista — o desafio pela FACEEN... e o rápido declínio do movimento

A atividade autónoma dos estudantes e dos alunos do Norte do Daomé conheceu o seu momento mais dinâmico em dois dias do mês de agosto de 1967. A 11 e 12 de agosto, a nova FACEEN organizava um congresso em Parakou, inicialmente referido como dias de «estudos». Tratava-se de um projeto já preparado desde o ano anterior, coordenado sobretudo por um pequeno grupo liderado por Abdoulaye Issa, um dos poucos estudantes do Norte do Daomé inscritos na Universidade de Dacar e gozando assim de prestígio entre os seus colegas35. Depois de discussões em parte bastante violentas, os membros do grupo insistiram num catálogo de medidas necessárias. Estas incluíam a participação da FACEEN como ator principal

32 ANB, PR, 809, Direction de Sûreté Nationale (Direção de Segurança Nacional) ao diretor-geral das Informações, A/S régionalisme perspective — Résumé: Dans le Borgou et l’Attacora le régionalisme s’annonce d’une façon inquiéttante [sic]. (n.° 411/SS.DA), 28.08.1967, pp. 1–2. 33 Sobre Mama, veja Thomas Bierschenk, «The creation of a tradition: fulani chiefs in Dahomey/Bénin from the Late 19th Century», in Paideuma: Mitteilungen zur Kulturkunde 39, 1993, pp. 217–244, 238–240. 34 ANB, PR, 809, Direction de Sûreté Nationale ao diretor-geral das Informações, A/S régionalisme perspective... (n.° 411/SS.DA), 28.08.1967, p. 2. 35 ANB, PR, 809, Abdoulaye Issa, Front Commun (sem número), 12.04.1967, p. 1.

260 AMBIVALÊNCIAS ESTRUTURAIS E RETÓRICA NACIONAL: O REGIONALISMO NAS ASSOCIAÇÕES... em campanhas de escolarização e de alfabetização, com base numa crí- tica forte face à indiferença dos familiares e à suposta falta de interesse por parte dos próprios alunos na região. Por outro lado, os membros da FACEEN atacaram fortemente a falta de apoios materiais para os alu- nos do Norte e a ausência virtual de medidas de apoio para estudantes dessas regiões que tinham vindo estudar para Cotonou e Porto-Novo. Caracterizaram a situação do norte do Daomé como injusta e pediram a colaboração do governo para os seus projetos futuros, sublinhando mesmo assim que os problemas do norte podiam apenas ser resolvidos por uma atividade autónoma dos estudantes e alunos da região36. «Esta tarefa que se nos apresenta só nos cabe a nós» — assim foi a fórmula de batalha37. Embora o radicalismo deste posicionamento regionalista fosse relativa- mente bem escondido, não deixou de preocupar os delegados moderados da própria associação, o sindicato nacional dos estudantes do Daomé e as autoridades militares no poder. Primeiro, dentro do grupo dos estudantes do Norte, encontramos opiniões divergentes. A delegação dos alunos e estudantes de Djougou, uma das principais cidades depois de Parakou, mostrou-se hostil face ao desenvolvimento de uma atividade autónoma. O discurso do seu delegado, Zachary Dramane, alertou contra os perigos do regionalismo; Dramane utilizou uma retórica já clássica, acusando indiretamente as outras delega- ções de neoimperialistas e neocolonialistas! Ainda mais do que as próprias dissensões, foi o teor do discurso que incendiou o debate38. Os delegados de Djougou viram-se excluídos dos trabalhos comuns da FACEEN — este «incidente» pesou nesses primeiros dias de sindicalismo regional39. Do ponto de vista da UGEED, a nova iniciativa constituiu um perigo real — a FACEEN ameaçou as suas bases de poder numa fase em que o sindicato nacional optou por dar um apoio mais forte aos sindicalis- tas da UGTD, central sindical que se encontrava em conflito cada vez mais forte com o governo militar de Christophe Soglo. O presidente do

36 ANB, PR, 809, Comissão de Política Geral, [Politique Générale du FACEEN] (sem número), s.d. 37 Idem, ibidem, p. 3. 38 ANB, PR, 809, Leçons des journées d’etudes des 11 et 12 août 1967 tenues par les elèves et etudiants du nord. Déclaration finale du Délégué de la Sous-Section de Djougou, M. Dramani Zachari (sem número), s.d. 39 ANB, PR, 809, Renseignements a/s du Congrès des Elèves et Etudiants du Borgou et de l’Atacora tenu à Parakou les 11 et 12 août 1967. (n.° 205), 21.08.1967, p. 3.

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Comité Diretor da UGEED, Boco Adjo, veio pessoalmente ao Congresso de Parakou, tentando convencer os alunos e estudantes do Norte do erro da sua iniciativa. Atacou o colonialismo francês, mas também as intrigas «tribalistas» dos antigos políticos «burgueses» — como Apithy, Maga ou Ahomadegbé —, como fonte das visões regionalistas erróneas40. Como o processo de criação da FACEEN não se podia travar, Adjo utilizou uma declaração final para insistir nas posições comuns, nomeadamente na retórica anti-imperialista compartilhada pela associação regionalista e o sindicato nacional. Denunciou a «injustiça» do regionalismo, produto da política neocolonialista de diferentes regimes. As reações do sindicato demonstram que, numa fase de incerteza sobre uma futura nova mobi- lização contra o regime de Christophe Soglo, a secessão do movimento estudantil do Norte do país era um desastre; ao mesmo tempo, confirma- ram involuntariamente a falta de representação dos estudantes e alunos nortenhos nas associações existentes41. Uma terceira contestação ao congresso de Parakou veio dos órgãos do Estado. A atividade da FACEEN podia ser interpretada como um enfraquecimento do movimento estudantil nacional, que, no verão de 1967, parecia em vias de se juntar aos sindicatos de trabalhadores na sua oposição ao regime no poder. Porém, os serviços de segurança e a elite política discutiram o fenómeno de outra maneira. Caracterizaram o movi- mento como tendo uma vocação político-regionalista, visando chegar a um novo sistema federal. O facto de os delegados em Parakou, passando por vários temas, terem acusado uma parte dos funcionários do Estado de corrupção não ajudou a encontrar a simpatia do governo do Daomé42. Sem bases de apoios fiáveis, os líderes do movimento parecem ter entrado em pânico, antecipando uma reação repressiva do poder mili- tar. Pouco surpreende uma nota publicada em que a FACEEN denun- ciou «rumores fantasistas e caluniosos». Insistiam que a sua iniciativa de mobilização apenas seria «de informação», sem quaisquer objetivos de

40 ANB, PR, 809, Boco Adjo, Presidente do Comité Diretor da UGEED, delegado como observador do congresso, Message de l’UGEED au Congrès du Front Commun des Elèves et Etudiants de l’Attacora et du Borgou (sem número), 11.08.1967. 41 ANB, PR, 809, Boco Adjo, Déclaration finale du Délégué de l’UGEED au Congrès des Elèves et Etudiants du Borgou et de l’Attacora tenu à Parakou les 11 et 12 août 1967 (sem número), s.d. 42 ANB, PR, 809, Renseignements a/s du Congrès des Elèves et Etudiants du Borgou et de l’Atacora tenu à Parakou les 11 et 12 août 1967. (n.° 205), 21.08.1967.

262 AMBIVALÊNCIAS ESTRUTURAIS E RETÓRICA NACIONAL: O REGIONALISMO NAS ASSOCIAÇÕES... criar um sindicato de estudantes e alunos dissidentes43. Estas afirmações não convenceram os serviços do governo, mas os outros conflitos sociais da última parte do ano de 1967, antes do golpe de Estado, eclipsaram rapidamente a ação do movimento regionalista. Depois da instalação do regime de Alphonse Alley, ao FACEEN praticamente desapareceu. Os meses repressivos no início de 1968 não deixaram espaço a um movi- mento que, depois, nunca mais conseguiu ter um papel ativo. Finalmente, sob o regime autoritário de Mathieu Kérékou, a partir de 1972, as últi- mas possibilidades do movimento estudantil nacional de influenciarem a política educativa do Daomé desvaneceram-se.

Conclusão

Longe de ser apenas um episódio efémero de um pequeno grupo de ativistas regionais sem grande base de apoio, a experiência da FACEEN e da ação estudantil no Norte do Dahomey apresenta um número de ele- mentos significativos para uma nova análise dos movimentos estudantis nos Estados da África Ocidental, no período colonial tardio e pós-colonial. Demonstra de facto a necessidade de encontrarmos e de aproveitarmos novas fontes, inclusive fontes arquivísticas até agora ignoradas. A docu- mentação sobre o regionalismo estudantil ilumina os caminhos para essas novas e importantes interpretações. Primeiro, o caso do ativismo dos estudantes do Norte do Daomé alerta-nos para as interpretações que tratam o grupo dos estudantes africanos como fator (e ator) político monolítico. Mesmo no caso dos Estados pós-coloniais da África Subsariana — em relação aos quais a atividade estudantil quase não tem sido objeto de análises históricas —, houve diferentes correntes dentro do movimento (embora tenhamos com frequência sindicatos únicos, relativamente enquadrados). Estas podiam ser de carácter regional, como é demonstrado pelo caso daomeano; a marginalização crescente que caracterizava a vida no Norte do Estado independente constituía um forte motivo para que os estudantes oriundos dessas regiões se separassem de um movimento estudantil nacional que não parecia proteger os seus interesses.

43 ANB, PR, 809, Comité Executivo da Front d’Action Commun des Elèves et Etudiants du Nord Dahomey, Parakou, Mise au Point (sem número), s.d.

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Segundo, no interior de um grupo de estudos que se interessa pela história dos Estados coloniais tardios, estas observações e interpretações deveriam motivar-nos no sentido de impor a mesma interrogação quanto às condições, muito mais agitadas e convulsas, nas colónias francesas (e britânicas) da África Ocidental, nos anos cinquenta. Conhecemos nesses impérios um conjunto de casos empíricos, através dos quais a atividade estudantil dos alunos do ensino superior e das organizações de juventude têm sido discutidas. Todavia, o debate visa normalmente a sua atividade anticolonial e o seu papel no desafio crescente à dominação colonial. Porém, será que podemos satisfazer-nos, como historiadoras e historiado- res dessa época, em conhecer apenas a dimensão estritamente anticolonial dessas atividades? Não será pelo menos necessário fazer um ponto da situação em relação às diferentes correntes e tendências dentro da ativi- dade estudantil — com ênfase, eventualmente, em interesses divergentes? A mobilização a favor de objetivos na área da educação, ou em relação com certos projetos socioeconómicos, pode ter constituído uma área alter- nativa de mobilização — e essas alternativas têm de ser compreendidas. Finalmente, o caso da rutura entre FACEEN e UGEED, em 1967, também confirma a necessidade de não sermos dominados por uma retó- rica anti-imperialista e anticolonial na análise dos movimentos estudantis, que, mesmo sete anos depois da independência da antiga colónia francesa, ainda tinha um papel muito presente. A retórica, sendo «simpática» pela sua importante crítica à situação colonial, era utilizada por pessoas com objetivos bem distintos: as supostas injustiças contra os habitantes de uma região por parte das instituições estatais podiam ser denunciadas por indivíduos que, simultaneamente, mantinham o ataque verbal contra um «neocolonialismo» como problema principal — embora o seu inte- resse fosse outro. Na interpretação histórica das atividades estudantis na África Subsariana entre o fim dos Estados coloniais e os primeiros anos dos Estados pós-coloniais, esta diferenciação é essencial. Até agora, não tem recebido o destaque necessário.

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