1 Itaquaquecetuba em tempos coloniais: histórias e historiografia sobre o aldeamento de Nossa Senhora d’Ajuda (1560-1640)

DIANA MAGNA DA COSTA*

Introdução O objeto de estudos da presente pesquisa análise da função social do aldeamento de Nossa Senhora d’Ajuda, compreendido hoje pela região de Itaquaquecetuba, no processo de ocupação territorial da Capitania de São Vicente, no período entre 1560 e 1640. A delimitação do recorte temporal se justifica pelo interesse em analisar as transformações sofridas por este aldeamento no contexto específico dos conjugados processos de expansão colonial e consolidação da escravização indígena no planalto paulista (MONTEIRO, 1994). Ele abrange desde o ano considerado como marco de sua fundação até o período em que, possivelmente, ocorreu a transferência de sua posse para a Companhia de Jesus. O objetivo deste artigo é apresentar um breve panorama do debate historiográfico e da produção de história local sobre a origem deste aldeamento e, por fim, apresentar alguns resultados iniciais de investigação desta pesquisa.

As histórias de Itaquaquecetuba O que nos conta a narrativa oficial1 sobre a origem da cidade de Itaquaquecetuba remonta a meados de 1560, quando o padre jesuíta José de Anchieta, de passagem pela região, teria fundado o aldeamento de Nossa Senhora d’Ajuda, na beirada do Rio Tietê, para a catequese dos ditos “índios guaianase” que aqui habitavam. Este aldeamento faria parte dos

* Graduanda em bacharelado em História pela Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de . Atualmente desenvolve a pesquisa de Iniciação Científica intitulada “Bandeirantismo e Cristianismo, práticas em sincronia: estudo sobre a função social do Aldeamento de Nossa Senhora d’Ajuda no processo de ocupação do planalto da Capitania de São Vicente (1560-1640)”, com financiamento pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). 1 Histórico da cidade. Câmara Municipal de Itaquaquecetuba. Disponível em: . Acesso em: 06 de Março 2020, 16h43.

2 doze núcleos de catequese fundados por Anchieta neste mesmo ano, como São Miguel Arcanjo e Nossa Senhora dos Pinheiros (MONTEIRO, 1994, p. 43). No início do século XVII, um tal padre João Álvares, morador de Mogi, recebera sesmaria na região, construindo um oratório em louvor à Nossa Senhora d’Ajuda que se transformaria na Capela e, posteriormente, na Igreja Matriz da cidade. A data de construção da Capela atribuída ao ano de 1624 é considerada como o marco inicial da povoação da futura cidade2. Esta versão da história adotada pelas instituições municipais expressa nitidamente a busca por um mito fundador, que corrobore a ancianidade da origem da cidade. O que é comum de se encontrar nas narrativas oficiais sobre a fundação de outros municípios na mesma região do Alto Tietê como também na produção historiográfica sobre a história de São Paulo (DIAS, 2010, p. 25 - 47). Ao longo do século XX a produção sobre a história da cidade esteve restrita ao âmbito da História Local. O livro “Relato sobre Itaquaquecetuba”, escrito pelo empresário e político Hyppolito Carlos Vagnotti, publicado no ano de 1987, é um exemplo da cristalização de uma narrativa histórica preocupada em alinhar a trajetória de progresso do município com o desenvolvimento social, político e econômico do próprio país. Neste relato, Vagnotti apresenta uma narrativa linear sobre a cidade, desde a sua fundação até os acontecimentos posteriores à sua emancipação política no ano de 1953. Ao período colonial são dedicadas poucas páginas no capítulo intitulado “Igreja e Parórquia” (VAGNOTTI, 1987, p. 25 - 30), onde o autor recupera os acontecimentos da antiga aldeia, desde a sua fundação por Anchieta até sua elevação à freguesia pelo presidente da província Bernardo José Pinto Gavião Peixoto em 28 de fevereiro de 18383. Os demais capítulos se dedicam a narrar a transformação da cidade na primeira metade do século XX, com ênfase para o desenvolvimento urbano, industrial e comercial, assim como de uma classe política atuante que protagonizou o processo de emancipação política do município.

2 Livro do Tombo Nossa Senhora d’Ajuda: 1916 até o ano corrente. [transcrição p. 02 - 04] In: FRADE, Gabriel [Org.]. Antigos aldeamentos jesuíticos: a Companhia de Jesus e os aldeamentos indígenas. São Paulo: edições Loyola. 2016. Anexo VI, p. 230-231. 3 Lei Nº 17 - 28 de fevereiro de 1838. Disponível em:.

3 Desta feita, Vagnotti esclarece ao leitor que suas motivações para a escrita deste relato foram os incentivos de seus amigos e “de outras pessoas interessadas” (1987, p. 11) e que, ainda que faça referência a fatos históricos, seu livro não carrega a pretensão de contar uma História de Itaqua. Mas sim, registrar seu relato baseado em suas observações pessoais sobre o progresso da cidade nos últimos cinquenta anos que antecedem a publicação da obra. Ainda que este livro apresente certo grau de relevância por registrar informações importantes sobre a história da municipalidade, não se trata de uma produção historiográfica comprometida com a construção de um conhecimento científico que considere critérios teórico- metodológicos para a análise de suas fontes. Não obstante, a obra de Vagnotti não só amparou a construção da narrativa oficial sobre a história de Itaquaquecetuba, como também foi amplamente utilizada como bibliografia basilar em artigos e trabalhos de conclusão de curso (TCC) que analisaram temas sobre a história da cidade. Desde o ano de 2007, o Departamento de História do polo da antiga Universidade de (UNG) em Itaquá – atual Univeritas -, foi um espaço dedicado à produção de trabalhos sobre a história da cidade. Publicando no ano de 2011, em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, o livro intitulado Memórias e Histórias de Itaquaquecetuba4, que reúne uma série de artigos produzidos pelos graduandos do curso de história, tratando de temas amplos e variados da história local. Neste livro encontramos um capítulo exclusivamente dedicado à análise da obra de Vagnotti, justificada pela importância de seu relato para a preservação da memória da cidade. Temos ainda outros capítulos que tratam sobre a Igreja Matriz de Nossa Senhora d’Ajuda, desde as questões relacionadas ao campo patrimonial como também a sua importância como a primeira Igreja Católica da cidade. As informações que os artigos apresentam acerca do período colonial são as mesmas encontradas em Vagnotti (1987), reforçando o mito de fundação da cidade pelo Padre José de Anchieta, na data específica de 08 de setembro de 1560, quando se comemora anualmente, pelo calendário oficial, o aniversário da cidade. Não há menção à análise de fontes

4 “História lança livro em Itaquá”. Universidade de Guarulhos | Notícias [On line]. 19 de Maio de 2011. . Acesso em: 05 de Maio de 2020, 15h37.

4 documentais que pudessem contribuir para uma reflexão mais aprofundada sobre o período colonial. Tampouco uma discussão bibliográfica que discorresse sobre o tema.

Numa avaliação geral, os temas destaques abordados pelos artigos são os mesmos encontrados em Relato sobre Itaquaquecetuba (1987): a chegada da ferrovia no município, o processo de industrialização e desenvolvimento do comércio e o processo de emancipação política de Itaqua. Seu único diferencial é a abordagem sobre o tema da educação no município, nos três últimos capítulos do livro. Nesta obra, assim como no livro de Vagnotti, é possível observar uma clara tendência de enaltecimento de uma trajetória de progresso do município, que prioriza a narrativa dos acontecimentos dos últimos decênios do século XX, escanteando os temas relacionados ao período colonial. Mas então o que sabemos sobre o aldeamento de Nossa Senhora d’Ajuda? No geral, a bibliografia sobre a História de São Paulo nos apresenta informações esparsas e muito fragmentadas. A região onde se localizava o antigo aldeamento, que é referenciada nas fontes primárias como “região de serra acima” (HOLANDA, 1966), não foi o objeto de estudos preferencial da historiografia nas últimas décadas. Ainda assim, autores como Sérgio Buarque de Holanda (1966), John Manuel Monteiro (1994) e Pasquale Petrone (1995) se debruçaram sobre os temas da expansão da ocupação territorial, da escravização indígena e dos aldeamentos do planalto no período colonial, e trouxeram à luz o aprofundamento da discussão bibliográfica e análise das fontes primárias. O que decerto contribuiu para despertar um certo interesse de investigação historiográfica sobre a história das cidades que se formaram na região ocupada pelos antigos aldeamentos.

As hipóteses historiográficas sobre a origem do aldeamento A historiografia produzida sobre São Paulo ao longo do século XX nos permite inferir a existência de três hipóteses para a origem do aldeamento de Nossa Senhora d’Ajuda. A primeira hipótese apresenta a possibilidade de uma fundação jesuítica. Após a elevação do povoado de São Paulo de à condição de vila em 1560, segundo John Monteiro (1994), mais três aldeamentos teriam sido criados: São Miguel, Nossa Senhora dos Pinheiros e Itaquaquecetuba (1994, p. 43). A afirmação de Monteiro sobre

5 sua origem quinhentista teria respaldo, como indica a nota do excerto, na obra de José Joaquim Machado de Oliveira (1846), que defendia a origem do aldeamento pela ação da Companhia de Jesus. Assim como o defendeu Azevedo Marques (1950), que atribuiu a origem de Itaquaquecetuba à ação direta do “venerável Padre José de Anchieta no ano de 1560 (1950, p. 38)”.

Esta hipótese, que corrobora a versão oficial da história de fundação da cidade, correlaciona seu marco originário às conhecidas peregrinações apostólicas de padre José de Anchieta e à atuação efetiva dos jesuítas nos aldeamentos da região, como no caso da fundação das Capelas de São Miguel Arcanjo e Nossa Senhora da Conceição dos Guarulhos. A segunda hipótese consiste na afirmação de uma origem quinhentista para o aldeamento, sem a atribuição de sua fundação ao padre José de Anchieta ou à Companhia de Jesus. Para Pasquale Petrone (1995), Itaquaquecetuba faz parte dos doze núcleos de aldeamentos satélites que se desenvolvem a partir do Colégio de Piratininga, integrando o “circuito” de aldeamentos tradicionais de São Paulo, seguindo Nossa Senhora da Escada, São José e São Miguel Arcanjo (PETRONE, 1995, p. 121). O autor não se posiciona assertivamente sobre a querela historiográfica acerca do contexto de sua fundação e nem atribui sua origem à ação anchietana. Mas aponta evidências que confirmariam a hipótese de uma fundação quinhentista, por um acordo firmado entre os oficiais da Câmara de São Paulo à 21 de setembro de 1612, onde fora acordado a transferência dos índios de Itaquaquecetuba para o aldeamento de São Miguel, por ordem do Capitão e Procurador dos Índios Fernão Dias Paes (PETRONE, 1995, p. 121; MARQUES, 1950, Vol. I, p. 38,39). Segundo Petrone, esse processo de deslocamento teria ocorrido entre 1612 e 1624, mas não há em seu texto justificação para esta data limite, que coincide com o ano de fundação da capela de Nossa Senhora d’Ajuda, pelo padre João Álvares. Ainda que não se aprofunde nas demais hipóteses para a origem quinhentista deste aldeamento, em nota o autor referencia as observações de Mario Neme (1959), segundo o qual Itaquaquecetuba seria a localização aproximada do primeiro núcleo do aldeamento de São Miguel (PETRONE, 1995, p. 121, 122).

Alguns autores defendem esta hipótese de que Itaquaquecetuba teria sido a localização primitiva do aldeamento de São Miguel Arcanjo, sendo a capela construída em 1622 nesta aldeia fruto do processo de deslocamento e reorganização dos contingentes indígenas.

6 Tanto Mario Neme (1959) quanto o historiador jesuíta Hélio Abranches Viotti (1993), defensores de tal teoria, não apresentam qualquer justificativa para as motivações de transferência deste núcleo de sua localização original ou mesmo a razão da mudança de orago da capela. Entretanto, a questão fundamental do argumento de Petrone é que ele categoriza Nossa Senhora d’Ajuda como um dos aldeamentos originados por grupos indígenas libertos da escravidão ou livres do julgo da instituição “administração”, tendo sua posse transferida aos jesuítas por meio de doações (1995, p. 126, 127).

Problematizando as origens quinhentistas dos aldeamentos de São Paulo, Maria Luiza Marcílio (1974) apresenta uma perspectiva de não linearidade evolutiva destes núcleos. Os aldeamentos de Pinheiros e São Miguel, fundados por Anchieta em 1560, teriam se desenvolvido como núcleos de concentração de indígenas ao longo do século XVII. Este último teria alcançado o apogeu de sua prosperidade com a desorganização do aldeamento de Itaquaquecetuba, quando por ordem régia os indígenas teriam sido transferidos de lá para o aldeamento de São Miguel.

Para a autora, amparada na obra de Machado de Oliveira (1897), o fator explicativo para o desaparecimento do aldeamento de Itaquaquecetuba seria a epidemia de varíola de 1563 que teria dizimado não só os indígenas desta região como também de outros núcleos de aldeamentos indígenas de São Paulo. Segundo a autora, este aldeamento fundado em 1564 com uma concentração de indígenas Guaianá, teria desaparecido ao longo do século XVII, ressurgindo ao longo do século XVIII sob a jurisdição da Vila de Sant’Anna de (MARCÍLIO, 1974, p. 42).

O que Marcílio não considera em sua análise é que João Álvares, padre secular e sesmeiro na região, já figurava como morador de Mogi das Cruzes e atuava no cumprimento de funções eclesiásticas entre as Vilas de Mogi e São Paulo desde o início do século XVII (SOUZA in FRADE, 2016, p. 34). Ainda que este padre não tenha solicitado as terras na localização de sua morada, é possível supor que o núcleo de Itaquaquecetuba permanecesse ocupado por um contingente razoável de indígenas para justificar a construção de uma capela em 1624. Mesmo porque, na segunda metade do século XVII, temos notícias das atividades de Padre Belchior de Pontes na

7 “Capella da Aldêa de Taqucacocetyba” onde realizou casamentos, confissões e mediou conflitos entre os moradores (FONSECA, 1752).

A terceira hipótese atribui a fundação do aldeamento ao padre secular João Álvares. Pedro Abib Neto (1988), professor e adovogado da cidade de Mogi das Cruzes, distinguindo o termo “Capella” como um instituto do direito positivo português, que “incorporava doação de terras ao patrimônio privado do capelão ou capelanatário (...) onerado de encargo pio ou religioso (1988, p. 03)”, afirma a existência de uma Aldeia d’el Rey e uma “Capella” na região de Itaquaquecetuba.

Esta última, em contrapartida à afirmação comum da historiografia e da história local, teria sido fundada por João Álvares em 1635, com o mesmo orago da aldeia já existente. Ancorado nas observações de Serafim Leite, o autor afirma que eram distintas as terras da Aldeia e da “Capella”, embora situadas na mesma região. E que é possível observar essa designação pelas menções na documentação colonial que ora referem-se à Capella ora à Taquaquicetiba (NETO, 1988, p. 03-05).

Esta breve exposição nos permite observar que, embora os autores tenham se empenhado na análise das fontes, há detalhes e conflitos de informação que podem ser reavaliados. Nos parece que o principal ponto de conflito entre estas hipóteses é a conciliação das informações sobre uma fundação no século XVI, à mérito de José de Anchieta e da Companhia de Jesus, e uma outra fundação em meados do século XVII, com a construção da Capela de Nossa Senhora d’Ajuda pelo padre João Álvares. Este, por ocasião de seu falecimento em data desconhecida, teria legado sua posse em testamento aos Padres do Colégio de São Paulo5.

Padre João Álvares e a escravização indígena: resultados iniciais. No livro de Sesmaria, Padre João Álvares é referido como "natural de São Paulo" e "filho e neto de conquistadores"6. Esta é a única menção que se encontra indicada na

5 Livro do Tombo Nossa Senhora d’Ajuda: 1916 até o ano corrente. [transcrição p. 02 - 04] In: FRADE, Gabriel [Org.]. Antigos aldeamentos jesuíticos: a Companhia de Jesus e os aldeamentos indígenas. São Paulo: edições Loyola. 2016. Anexo V, p. 230-231. 6 Sesmarias. Vol. I. São Paulo: Archivo do estado de São Paulo, 1917. pág. 89 e seguintes.

8 bibliografia sobre a sua descendência familiar. Para averiguar tais afirmações, buscou-se na Genealogia Paulistana (LEME, 1903) e Nobiliarquia Paulistana (LEME, S/D) indícios de sua parentela com os tais povoadores de São Paulo.

Para este período, entre fins do século XVI e início do XVII, encontramos, ao menos, dois homônimos do padre. Mas surge então na genealogia de Gonzaga Leme uma referência um tanto curiosa. Por indicação de um manuscrito do século XVIII, ao arrolar a linhagem descendente do casal Antonio Rodrigues e Antonia Rodrigues, esta filha de Piqueroby - principal da aldeia de Ururay-, encontramos a referência a um de seus netos, filho de Garcia Rodrigues, como "o Pai do Padre João Álvares" (LEME, 1903, p. 45).

Ainda que sua origem familiar não possa ser confirmada, é certo que este padre já vivia na região de Serra Acima no início do século XVII, quando solicitou ao Capitão-mor Gaspar Conqueiro, “meia légua de terra no dito Boigi miri da outra banda [ileg] indo para a Paraíba”7, que lhe fora concedida no ano de 1610. O interesse de João Álvares pelas terras neste local não se faz claro, mas a sua trajetória pelos aldeamentos da região nos oferece alguns indícios sobre as possíveis transformações sofridas pelo aldeamento de Nossa Senhora d’Ajuda na virada do século.

Neste percurso inicial da pesquisa, constatou-se que a atuação de João Álvares não se restringiu apenas às suas funções eclesiais, exercidas entre as vilas de São Paulo de Piratininga e Sant’Anna de Mogi das Cruzes. Mas que este padre, possivelmente, manteve contato ativo com os colonos envolvidos nas expedições de apresamento, beneficiando-se também desta atividade.

Antes da construção da Capela de Nossa Senhora d’Ajuda, datada com um intervalo de dez anos após a concessão de sua sesmaria, João Álvares teria participado também da construção da Capela de São Miguel Arcanjo (1622) e da Igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Guarulhos, em meados de 1620 (VILARDARGA, 2016, p. 58; HOLANDA, 1979, p. 108). A esta altura, este mesmo padre já teria participado de expedição de apresamento como capelão de bandeira e, posteriormente, seria denunciado por sua complacência com tais atividades que estavam em desacordo com suas funções eclesiais.

7 Sesmarias. Vol. I. São Paulo: Archivo do estado de São Paulo, 1917. pág. 89 e seguintes.

9 As informações sobre sua atuação como padre carpinteiro e construtor de igrejas é um tanto controvertida. Ainda assim, estes aldeamentos onde foram construídas as capelas serviram de núcleos de concentração de mão de obra indígena, sendo espoliados ao longo do século XVII pelos colonos da região. O fato é que a relação de João Álvares com a escravização indígena lhe rendeu uma denúncia. Por ocasião da bandeira de Antônio Raposo Tavares, conhecida pela violência contra as reduções jesuíticas do Guairá, foram convocados dois padres da Companhia de Jesus para acompanhar os indígenas apresados em seu retorno à São Paulo. Os padres Justo Mancilla e Simão Masseta, incubidos de tal tarefa, registraram em cartas no ano de 1630, que havia um Capitão a levar índios escravos, que “dizem é da casa do clérigo João Álvares, vigário e cura desta vila, tal sacerdote tal povo”8. Em outra referência há menção à um “tupi desavergonhado chamado Francisco, a quem o clérigo João Álvares de S. Paulo, seu amo, havia enviado nesta companhia de Antonio Raposo Tavares a cativar índios e lhe havia dado sua escopeta” (AGUILLAR, 2002, p. 264).

Conclusão As origens do aldeamento de Nossa Senhora d'Ajuda supõe sua criação como um núcleo de catequese para os indígenas desta região. Entretanto, o que é possível inferir a partir da relação de João Álvares com expedições de apresamento e sua circulação pelos aldeamentos vizinhos, é que o Aldeamento de Nossa Senhora d'Ajuda esteve ativo como um núcleo de concentração de mão de obra indígena no início do século XVII.

Se esta mão de obra escravizada era de uso do próprio padre ou circulava entre os colonos da região, é questão ainda para ser investigada nas próximas etapas da pesquisa. O que não podemos descartar é o fato de o aldeamento de Nossa Senhora d'Ajuda ter se tornado um espaço de recontingenciamento das populações indígenas no século XVII. Abrigando não só os ditos índios tupiniquins e “guaianase” (MONTEIRO, 1994, p. 43) que supostamente habitavam a região, como também outros grupos indígenas trazidos com as expedições bandeirantes.

8 Annaes do Museu Paulista: Documentação hespanhola. São Paulo: Officinas do Diario Official. Tomo I (1922) p. 263.

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