LETÍCIA DE CASTRO GUIMARÃES

LUTA PELA TERRA, CIDADANIA E NOVO TERRITÓRIO EM CONSTRUÇÃO: o caso da Fazenda Nova Santo Inácio Ranchinho, Campo Florido-MG (1989 - 2001)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA UBERLÂNDIA 2002

Foto: Gilson Goulart Carrijo, 1993

LETÍCIA DE CASTRO GUIMARÃES

LUTA PELA TERRA, CIDADANIA E NOVO TERRITÓRIO EM CONSTRUÇÃO: o caso da Fazenda Nova Santo Inácio Ranchinho, Campo Florido-MG (1989 - 2001)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia - Área de Concentração em Análise e Planejamento Sócio-Ambiental -, do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia para fins de obtenção do título de mestre.

Orientador: Professor Doutor Antonio Ricardo Micheloto

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA UBERLÂNDIA 2002

BANCA EXAMINADORA

______Prof. Dr. Antonio Ricardo Micheloto (Orientador)

______Prof. Dr. João Marcos Alem

______Profª. Dra. Vera Lúcia Botta Ferrante

Uberlândia, ____ de ______de 2002

Resultado: ______

"A Liberdade da Terra não é assunto de Lavradores A Liberdade da Terra é assunto de todos Quantos se alimentam dos frutos da Terra Do que vive, sobrevive de salário. Do que não tem casa. Do que só tem Viaduto Do que é impedido de ir à escola Das meninas e meninos de rua Das prostitutas, dos ameaçados pelo Cólera Dos que amargam o desemprego Dos que recusam a morte do sonho A Liberdade da Terra e a paz no campo Tem nome: Reforma Agrária” (Pedro Tierra).

Ao meu esposo Edir e ao meu filho Pablo, companheiros amorosos e solidários, que compartilharam comigo os caminhos desta construção.

Aos companheiros da fazenda Nova Santo Inácio Ranchinho, personagens desta história, tecida de suas lutas.

AGRADECIMENTOS

A tecitura desta dissertação deu-se graças ao apoio e à ajuda de pessoas e instituições, às quais gostaria de agradecer. Ao professor Antonio Ricardo Micheloto, orientador, amigo, incentivador e, sobretudo, compreensivo com as dificuldades por mim enfrentadas na condução da pesquisa de campo e da redação desta dissertação. Suas críticas e sugestões foram fundamentais para meu amadurecimento científico, especialmente no que se refere às recomendações quanto ao afastamento crítico no processo de investigação, como forma de evitar o apego subjetivista à realidade estudada. À banca do Exame de Qualificação, composta pelos professores João Cleps Júnior e João Marcos Alem, com quem tive oportunidade de discutir minha pesquisa, apresentando críticas e contribuições para o aprimoramento deste estudo. À FAPEMIG, pela bolsa de estudo concedida por um ano. Aos professores e colegas do Mestrado em Geografia, pelos dois anos de convivência e amizade, em especial às professoras Beatriz Ribeiro Soares, Vânia Rúbia Farias Vlach, Denise Labrea Ferreira, Vera Lúcia Salazar Pessôa, aos professores João Cleps Júnior e Rosselvelt José dos Santos, e aos colegas Adriany Ávila de Melo, Alberto Pereira Lopes, Carlos Póvoa, Djalma Ferreira Pelegrini, Kelly Cristine Bessa, Leila Márcia Costa, Nádia Cristina da Silva, Roberto Eduardo Castilho, Sérgio Sebastião Negri e Silvana de Campos Sona. Aos funcionários do INCRA - Superintendência Regional de -, meus agradecimentos pela disponibilização de documentos e

dados sobre o Projeto de Assentamento Nova Santo Inácio Ranchinho, em especial à Rosanne Galuppo Fernandes Félix, amiga do curso de Ciências Sociais, da FAFICH/UFMG, pela atenção dispensada e a presteza com que me atendeu, quando da minha ida a essa Instituição. Ao Jornal Correio que, por intermédio das jornalistas Ana Guaranys e Roberta Guimarães, cedeu algumas fotos para ilustração desta dissertação. Ao fotógrafo Ismael (in memorian), pela solicitude na revelação de fotografias em preto e branco. À Ione, que de maneira tão cuidadosa, revisou a redação final deste estudo. Ao Juliano, colaborador na elaboração do Abstract. E à geógrafa Eleusa, pela minuciosa digitalização dos mapas.

Ao Elson Felice e ao Frei Rodrigo, agradeço a consideração prestada no atendimento para a realização de entrevistas.

Às minhas amigas Beatriz, Bernadeth, Lídia, Lourdinha, Rosana e à minha irmã Vera, pela interlocução de questões sobre a realização deste trabalho. À minha mãe e ao meu pai (in memorian), que colheram comigo os frutos de minha criação, minha eterna gratidão. Um agradecimento especial ao meu querido filho Pablo e ao meu esposo Edir, carinhosamente apelidado Beril, que estiveram sempre ao meu lado, mantendo com carinho e paciência, o apoio afetivo durante todo este rico percurso. Finalmente, aos trabalhadores e trabalhadoras da Nova Santo Inácio Ranchinho, com quem contraí uma imensa dívida de gratidão, pela atenção dispensada na realização das entrevistas, particularmente Terezinha e Barroso, pela carinhosa acolhida em sua casa, possibilitando o contato com os sujeitos da luta pela terra.

SUMÁRIO

Banca examinadora...... ii Epígrafe...... iii Dedicatória...... iv Agradecimentos...... v Lista de figuras...... ix Lista de tabelas...... xi Lista de abreviaturas e siglas...... xii Resumo...... xiv Abstract...... xv

INTRODUÇÃO...... 1

1 - MODERNIDADE E MO DERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA NO TRIÂNGULO MINEIRO/ALTO PARANAÍBA...... 21 1.1 - Os desencontros da modernidade na realidade agrária brasileira...... 22 1.2 - A modernização da agricultura no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba e seus impactos para os trabalhadores rurais...... 26

2 - O PROCESSO DE LUTA PELA TERRA COMO CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA...... 46 2.1 - Experiência, memória, identidade coletiva e cidadania.. 47

2.2 - Histórias de vida dos sem-terra...... 49 2.3 - Os equívocos da reforma agrária e a constituição do espaço político...... 55 2.4 - A gênese da luta pela terra...... 61 2.5 - As práticas que evidenciaram a disposição de luta: a inserção dos trabalhadores no campo de disputas...... 67 2.6 - A vida cotidiana no acampamento ...... 79 2.7 - A chegada à terra prometida ...... 89 2.8 - A realização de um sonho: a reforma agrária na Nova Santo Inácio Ranchinho...... 99

3 - NOVO TERRITÓRIO EM CONSTRUÇÃO...... 104 3.1 - O parcelamento da terra e a configuração de um novo território...... 105 3.2 - Os novos espaços de sociabilidade...... 123 3.3 - A organização interna no assentamento: mediações e lutas de poder...... 128 3.4 - A organização produtiva e a inserção no mercado de produção...... 132 3.5 - Novas perspectivas de vida: entre a cidadania utópica e a realidade vivida...... 140

CONSIDERAÇÃOES FINAIS ...... 145

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...... 151

ANEXOS...... 162 ANEXO 1 - Buscando libertação...... 163 ANEXO 2 - A Partilha da Terra, Josué, Capítulo 18, Versículo 1 a 10, Antigo Testamento...... 165 ANEXO 3 - Roteiro de entrevistas...... 167

LISTA DE FIGURAS

1 - Localização da área de estudo: região do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba (MG)...... 4 2 - Trabalhadores juntando suas "tralhas" , após despejo da Fazenda Colorado, 1990...... 69 3 - Montagem do acampamento em Vila União, 1990...... 69 4 - Incêndio ocorrido no acampamento nas margens da BR-497, 1991...... 80 5 - Distribuição de alimentos no acampamento, 1992...... 81 6 - Manifestação dos trabalhadores sem-terra, por ocasião da visita do Ministro da Agricultura e do Presidente do INCRA ao assentamento da Fazenda Barreiro, em , 1992...... 91 7 - Chegada dos trabalhadores à "terra prometida" , Fazenda Santo Inácio Ranchinho em 19 de maio de 1993...... 93 8 - Montagem do acampamento na Fazenda Santo Inácio Ranchinho, 1993...... 94 9 - Assentamento Nova Santo Inácio Ranchinho - Campo Florido (MG) - 2002...... 107 10 - Conservação de área de veredas na Nova Santo Inácio Rachinho, 1999...... 109 11 - Escola Municipal Santa Terezinha - assentamento Nova Santo Inácio Ranchinho, 2000...... 117 12 - Tanque de expansão de leite - assenta mento Nova Santo Inácio Ranchinho, 2001...... 120

13 - Missa de celebração do aniversário de sete anos do assentamento Nova Santo Inácio Ranchinho, 2000...... 126 14 - Festa de Folia de Reis, r ealizada no aniversário do assentamento Nova Santo Inácio Ranchinho, 2000...... 128 15 - Vista de um lote com produção de arroz, na Nova Santo Inácio Rachinho, 1999...... 133

LISTA DE TABELAS

1 - Distribuição dos créditos do POLOCENTRO...... 32 2 - Distribuição fundiária no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, 1970 - 1985...... 36 3 - Índice de Gini nos municípios do Triângulo Mineiro, 1985..... 38 4 - Pessoal ocupado, distribuído por categoria no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, 1970, 1975, 1980, 1985...... 38

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIMFR - Associação Internacional dos Movimentos Familiares de Formação Rural AMEFA - Associação Mineira das Escolas Família Agrícola APR - Animação Pastoral no Meio Rural BASAGRO - Companhia Brasileira de Participação Agroindustrial BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento CAMPO - Companhia de Produção Agrícola CEB’s - Comunidades Eclesiais de Base CNA - Confederação Nacional da Agricultura CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura CPT - Comissão Pastoral da Terra CUT - Central Única dos Trabalhadores DNTR - Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais EFA - Escola Família Agrícola EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural FASE - Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional FETAEMG - Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de Minas Gerais IBASE - Instituto Brasileiro de Análises Sócio-Econômicas IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária JADECO - Japan-Brazil Agricultural Development MIRAD - Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário MLT - Movimento de Luta Pela Terra MLST - Movimento de Libertação dos Sem Terra

MST - Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra PADAP - Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba PCI - Programa de Crédito Integrado e Incorporação dos Cerrados PND - Plano Nacional de Desenvolvimento PNRA - Plano Nacional de Reforma Agrária POLOCENTRO - Programa de Desenvolvimento dos Cerrados PROÁLCOOL - Programa Nacional do Álcool PROCERA - Programa de Crédito Especial Para a Reforma Agrária PRODECER - Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento Agrícola dos Cerrados PT - Partido dos Trabalhadores SRB - Sociedade Rural Brasileira UDR - União Democrática Ruralista UNEFAB - União Nacional das Escolas Família Agrícola do Brasil

RESUMO

Esta dissertação é resultado de uma pesquisa realizada com os trabalhadores rurais assentados na fazenda Santo Inácio Ranchinho, Campo Florido - MG, e tem como objetivo geral analisar as práticas e as formas de participação e organização coletivas, gestadas na luta pela terra, identificando nelas os indicadores da construção da cidadania e de constituição/reconfiguração do território conquistado. O eixo teórico deste trabalho é o conceito de cidadania, definido como um processo pelo qual os direitos são formulados, reivindicados, transformados pelos seres humanos concretos, sendo, sobretudo, resultado de suas experiências. O desenvolvimento deste estudo está dividido em três capítulos. O primeiro consiste em apresentar o cenário no qual os trabalhadores travaram suas lutas. Analisamos como a política de modernização da agricultura implementada no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba foi marcada por uma forte exclusão social, produzindo efeitos perversos para os trabalhadores rurais. O segundo capítulo recupera a trajetória de luta vivenciada pelos sujeitos que demandavam terra, procurando desvelar como viveram esses anos todos, o que determinou a construção de uma organização coletiva, impondo para o espaço público o reconhecimento de suas experiências como cidadãos; e como gestaram o projeto coletivo de luta pela terra, manifestando sua emergência no cenário político. O capítulo terceiro analisa as mudanças ocorridas com a conquista do direito à terra, indicando como se deram o parcelamento e a reconfiguração do território conquistado pelos trabalhadores, a organização produtiva do assentamento, as novas formas de sociabilidade vividas no espaço conquistado, a organização interna no assentamento, bem como as novas perspectivas de vida desses agricultores, mediada pela cidadania utópica e a realidade vivida.

Palavras-chave: luta pela terra, identidade coletiva, cidadania, reconfiguração do território.

ABSTRACT

This paper results from a research held with agricultural workers who live on Santo Inácio Ranchinho farm, in Campo Florido, Minas Gerais State, and has as a general objective to analyze the procedures, ways of participation and collective organization, centered in the fight for the land, identifying, on them, the pointers of the construction of the citizenship and constitution/reconfiguration of the conquered territory. The theoretical axle of this work is the concept of citizenship, defined as a process through which the rights are created, demanded, transformed by concrete human beings, being, over all, result of their experiences. The development of this study is divided into three chapters. The first one consists in presenting the scene in which the workers had their fights. We have analyzed how the agricultural modernization process developed in the region of Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba was marked by a strong social exclusion, causing extremely bad effects to the agricultural workers. The second chapter recuperates the history of fight deeply lived by those who fought for the land, trying to reveal how they lived all these years, what determined the construction of a collective organization, imposing to the public space the recognition of their experiences as citizens; how they managed the collective project for the land, revealing their emergence in the politician scene. The third chapter analyzes the changes that took place with the conquest of the right to the land, indicating how the division and the reconfiguration of the territory conquered by the workers were developed, the productive organization of the settlement, the new ways of sociability lived in the conquered space, the internal organization in the settlement, as well as the new life projections created by these agriculturists, measured by the utopian citizenship and the lived reality.

Key-words: fight for the land, collective identity, citizenship, territory reconfiguration.

INTRODUÇÃO

Será que, hoje em dia, tem sentido falar em ações coletivas, já que vivenciamos a era da informação orientada pela racionalidade instrumental e por um individualismo radical? Estaríamos vivendo um processo de crise dos movimentos sociais? As utopias sociais e as possibilidades de construção de sociedades mais justas e democráticas esgotaram-se?

Questões como estas conduzem-nos à reflexão sobre os processos de ações coletivas no cenário da globalização. Algumas análises sobre a formação de atores coletivos no contexto da nova ordem mundial indicam a crise dos movimentos sociais, em razão da hegemonia de uma política neoliberal, que estaria produzindo uma homogeneização da cultura, bem como a fragmentação da vida societária, indicando o esgotamento das ideologias e das utopias (GOHN, 1997). Outras nos apontam que o cenário conturbado da globalização não apagou as ações coletivas desencadeadas pelos movimentos sociais (CASTELLS, 1999-b e SCHERER-WARREN, 1999).

Se, por um lado, a globalização impõe um processo de homogeneização dos espaços locais, políticos, sociais e culturais, por outro, propicia reações locais oriundas de novas práticas dos movimentos sociais, podendo vir a ser um embrião de mudanças socioculturais (CASTELLS,1999-b). 2

Compreender o sentido das mudanças que estão ocorrendo com a emergência do processo de globalização requer entender as grandes transformações tecnológicas trazidas por uma base material. Como indica CASTELLS (1999-b), vivemos hoje uma nova forma de sociedade, a sociedade em rede,

“(...) caracterizada pela globalização das atividades econômicas decisivas do ponto de vista estratégico; por sua forma de organização em rede; pela flexibilidade e instabilidade do emprego e a individualização da mão de obra. Por uma cultura da virtualidade real construída a partir de um sistema de mídia onipresente, interligado e altamente diversificado. E pelas transformações das bases materiais da vida - o tempo e o espaço - mediante a criação de um espaço de fluxos e de um tempo intemporal como expressões das atividades e elites dominantes.“ (CASTELLS, 1999-b:17).

Desenha-se um panorama aterrador com essa nova forma de organização da sociedade que vem se configurando no limiar do século XXI: o empobrecimento dos países em desenvolvimento, o desemprego e os desequilíbrios sociais crescentes; problemas com meio ambiente sobrecarregado; privatização das empresas públicas; a perda da força de coesão dos movimentos trabalhistas; a crise do Estado de bem-estar social, que fez piorar as condições de vida de grande parte dos cidadãos, enfim, a utopia da sociedade do trabalho perdeu sua força persuasiva, não abrindo mais possibilidades futuras de uma vida melhor (CASTELLS,1999 e HABERMAS, 1987). As análises de HABERMAS (1987) sobre o final do segundo milênio indicam-nos uma situação de ininteligibilidade, de esgotamento das energias utópicas, de perplexidade. No dizer deste autor, “quando secam os oásis utópicos, estende-se um exército de banalidade e perplexidade” (HABERMAS, 1987:114).

Entretanto, apesar dessa nova forma de organização da sociedade indicar um mundo sem fronteiras, constituído por mercados, instituições estratégicas e redes, onde o “espaço é definitivamente ocupado pela velocidade do tempo” (ORTIZ, 1996:220), não podemos considerar que o processo de globalização se faz sob o signo do fim. Fim do Estado-nação 3 frente às organizações internacionais, fim das utopias diante das diretrizes político-econômico-ideológicas para a reorganização do capitalismo em escala mundial, fim ou dissolução das identidades compartilhadas frente aos processos homogeneizantes da globalização, que submetem a vida cotidiana às exigências universais do consumo.

Nesse sentido, é de fundamental importância resgatar uma questão teórica levantada por CASTELLS (1999-b), que nos permite compreender que, se a força homogeneizadora dos processos de globalização impõe, por um lado, padrões comuns difundidos pelas novas tecnologias, por outro, propicia reações locais oriundas de novas práticas dos movimentos sociais, podendo vir a ser um embrião de mudanças socioculturais, desafiando, assim, a nova (des)ordem mundial.

Partindo do pressuposto de que o processo de globalização, ao invés de diluir as singularidades, pode propiciar um reforço das identidades coletivas, apresentamos como objeto de estudo as experiências e práticas vivenciadas por trabalhadores rurais - assalariados, parceiros, arrendatários - na conquista da desapropriação de 3.958 ha de terra para fins de reforma agrária. Os cenários dessa luta são o espaço rural dos municípios de Iturama e Limeira d’Oeste, bem como a fazenda Nova Santo Inácio Ranchinho, Campo Florido, localizados na região do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, Minas Gerais (ver FIGURA 1). Os eixos deste estudo são o processo de constituição da cidadania nas práticas de luta por terra, e a compreensão da maneira pela qual se deu a configuração de um novo território, engendrada nas experiências de organização e de resistência da terra conquistada pelos trabalhadores rurais.

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5

A trajetória de luta desses trabalhadores, marcada por derrotas e vitórias, teve seu início em janeiro de 1990, quando cerca de 100 famílias de trabalhadores rurais ocuparam a fazenda Colorado no município de Iturama, no Pontal do Triângulo Mineiro, com o apoio da Comissão Pastoral da Terra - CPT -, Central Única dos Trabalhadores - CUT -, Entidades Sindicais, Federação dos Trabalhadores da Agricultura de Minas Gerais - FETAEMG - e do Movimento dos Sem-Terra - MST -, entre outras entidades, anunciando aí a esperança de conquista de um pedaço de terra, com o objetivo de dividir e fazer produzir o latifúndio.

O despejo mediante a ação do poder judiciário e da polícia local, aliados à UDR - União Democrática Ruralista -, veio 24 horas depois da experiência de ocupação da referida fazenda. Após esse despejo, a resistência dos trabalhadores rurais tomou forma de outra ação organizada - o acampamento realizado na estrada do distrito de Vila União, a 30 Km de Iturama e, posteriormente, nas margens da BR 497 (Km 12).

A experiência do acampamento nas margens da estrada durou três anos e quatro meses. Nesse período, cerca de 150 famílias viveram em barracos de plástico preto, com péssimas condições de segurança, saúde, alimentação, entre outras necessidades básicas. Foram registrados casos de atropelamentos de crianças, incêndios e invasões de caminhões sobre os barracos; ameaça dos fazendeiros de contaminação da água utilizada pelos acampados; privação de alimentos; falta de assistência da Prefeitura local e dos hospitais da cidade, além da violência praticada pela Polícia Militar na tentativa da ocupação da Fazenda . No entanto o processo de resistência vivenciado pelos trabalhadores rurais, por meio da organização de comissões de trabalho, da realização de assembléias, da ocupação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA - e outras instâncias do Estado, exigindo desapropriação para os sem-terra, constitui-se como experiências de 6 construção de uma identidade coletiva desses trabalhadores na luta pela terra.

Em 19 de maio de 1993, após aguardar por mais de dois anos a decisão do INCRA no encaminhamento de desapropriação da Fazenda Santo Inácio Ranchinho, no município de Campo Florido, os trabalhadores instalaram-se na “terra prometida” 1 e cravaram aí uma cruz como símbolo de disposição de disputar a apropriação do latifúndio improdutivo, constituindo, assim, um fato político de grande relevância, que imprimiu maior visibilidade à luta pela terra no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba.

Com a entrada dos trabalhadores na fazenda, o processo de luta e resistência continuou. A instalação dos acampados deu-se de maneira precária e improvisada, continuando a morar em barracos cobertos de plástico preto, sem as mínimas condições de conforto, enfrentando problemas de saúde e alimentação. Por outro lado, a ação de reintegração de posse impetrada pela ex-proprietária da fazenda exigiu ações contínuas de enfrentamento organizado.

Em 1994, o desencadeamento de ações coletivas fez com que a resistência dentro do acampamento possibilitasse a efetivação da desapropriação da Fazenda Santo Inácio Ranchinho, por parte do INCRA, assentando 115 famílias em áreas de 25 hectares, aproximadamente. A terra conquistada adquiriu um novo nome: Fazenda Nova Santo Inácio Ranchinho, expressando aí o rompimento com a espoliação capitalista de produção e a construção de um novo território.

Hoje, os trabalhadores da Nova Santo Inácio Ranchinho reconfiguraram a terra conquistada, transformando o latifúndio

1 Utilizamos aqui a expressão utilizada pelos trabalhadores sem-terra. Essa expressão tem uma dimensão simbólica, pois é vinculada à passagem bíblica em que o povo hebreu busca a terra prometida por Moisés. Significa, também, a promessa feita pelo Governo Federal aos sem-terra, no sentido de desapropriar a fazenda Santo Inácio Ranchinho.

7 improdutivo em unidades de produção familiar, além de estabelecer aí novas maneiras de produzir, novas relações sociais, novas formas de luta, novas sociabilidades, enfim, um novo modo de vida.

Esse espaço conquistado não era uma realidade estática, reificada, que se apresentava apenas como cenário de luta para a conquista da terra. Ele foi transformado em território escolhido pelos trabalhadores para nele construírem seus modos de vida. Dessa maneira, estabeleceram-se práticas e ações que se configuram como processo de exercício da cidadania e construção de um novo território a serem reconhecidas neste estudo.

Na trajetória desses trabalhadores rurais, marcada por derrotas e vitórias, percebemos a formação da identidade coletiva nas lutas de ocupação do território disputado, manifestando a sua emergência no cenário político.

Nesse processo de construção da cidadania, os novos sujeitos questionavam o lugar que lhes era imposto na sociedade, sendo portadores de reivindicações que visassem resgatar seus direitos mais elementares (civis, políticos e sociais), suprimindo, assim, sua cidadania incompleta.

Dessa maneira, o enfoque adotado neste estudo é a análise das práticas, formas de participação e organização coletivas, gestadas no processo de luta pela terra, identificando nelas os indicadores da construção da cidadania e de constituição / reconfiguração de um novo território. Neste sentido, as questões que se colocaram para a realização deste trabalho foram:

- o que determinou a saída do isolamento e do anonimato desses trabalhadores - isto é, da condição de exclusão social e da própria cidadania - para a constituição de uma organização 8

coletiva, que impõe, para o espaço público o reconhecimento de suas experiências como cidadãos?

- em que medida as práticas vivenciadas na luta pela terra são forjadoras de uma nova cidadania e da configuração de um novo território?

- quais são as possibilidades e os limites do movimento de luta pela terra, diante das relações de forças estabelecidas com a sociedade civil e com Estado?

- que relações podemos estabelecer entre o movimento de luta pela terra e o processo de democratização da sociedade brasileira?

- considerando que as lutas sociais no campo se diversificam em termos geográficos, quais são as especificidades do movimento dos sem-terra no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba?

- como se dá a reconfiguração do território conquistado?

- como os agricultores da Nova Santo Inácio Ranchinho vêm viabilizando sua permanência no campo e garantindo sua reprodução social, num contexto de economia globalizada?

O presente estudo busca o entendimento da dimensão política do processo de luta pela terra, compreendendo-o como uma possibilidade de democratização do espaço público instaurada pelas experiências de luta pela terra, procurando apontar que não se pode pensar na construção de um projeto democrático da sociedade brasileira sem a participação dos trabalhadores sem-terra, especialmente, sem pensar em suas propostas de realização da reforma agrária.

Ao analisar os caminhos trilhados pelo movimento dos trabalhadores sem-terra, hoje assentados da fazenda Nova Santo Inácio Ranchinho, compreendemos que, mediante o processo de luta por terra, os trabalhadores elaboram identidades coletivas, ampliam sua presença 9 no espaço político, impõem para a sociedade o reconhecimento de sua cidadania (GRZYBOWSKI, 1991), além de estabelecerem novas territorialidades, que engendram novas alternativas de produção, novas formas de organização e mobilização em rede, novas sociabilidades, enfim, um novo modo de vida (CARNEIRO, 1999; GRZYBOWSKI, 1991 e MEDEIROS, 1989).

A questão da identidade coletiva, da cidadania e da nova territorialidade nos movimentos de luta pela terra

Compreendendo os movimentos de luta pela terra como “formas de ações coletivas reativas aos contextos históricos-sociais nos quais estão inseridos” , (SCHERER - WARREN, 1999:14), percebemos que tais movimentos têm como ponto comum a busca de caminhos alternativos para superar a situação de subordinação e exclusão a que foram submetidos, em razão tanto da dinâmica da modernização conservadora brasileira, como, em determinadas situações, das dificuldades de integração econômica aos processos globais.

A literatura sobre os conflitos de terra no Brasil indica a marca de resistência a diferentes formas de expropriação dos trabalhadores rurais. Como mostra GRZYBOWSKI (1994), a quase totalidade dos movimentos sociais no campo resulta da resistência dos trabalhadores e dos camponeses ao processo econômico e político provocado pela rápida modernização da agricultura. As transformações promovidas pelo modelo modernizador, que implicaram o aumento da produtividade, mecanização agrícola e agroindustrialização, terminaram por aprofundar as desigualdades e a exclusão social no campo. 10

Ao desencadearem múltiplos processos de lutas e de resistência, os trabalhadores rurais elaboram suas identidades sociais, determinadas pela consciência da situação de carência e exclusão social a que foram submetidos. Os atores coletivos dessas lutas sociais exprimem suas identidades por meio da afirmação como sem-terra, o que lhes dá sustentação para reivindicar junto ao Estado o direito à terra, manifestando, assim, sua oposição à estrutura agrária concentradora e ao processo de desenvolvimento, que os excluem (MEDEIROS, 1999). Por sua vez, esses atores revelam sua alteridade em relação a outros movimentos, forjando-se como sujeitos diferentes, que buscam sua autonomia política, com linguagens e símbolos próprios 2 .

As identidades elaboradas pelos trabalhadores não são dadas, mas construídas. É no contexto de constituição de formas mais incisivas de luta, como ocupações e acampamentos, que os trabalhadores vão construindo suas identidades, organizando práticas sociais, expressando suas vontades, constituindo, enfim, um projeto de reforma agrária, que vai, paulatinamente, ganhando visibilidade na agenda política (MEDEIROS: 1999).

Assim, pela afirmação de suas identidades, construídas no fazer de suas lutas, numa trajetória descontínua, marcada por derrotas e vitórias, avanços e recuos, os movimentos de trabalhadores no campo constituíram-se como sujeitos sociais, ampliaram sua presença no espaço político, impondo para a sociedade o reconhecimento de sua cidadania (GRZYBOWSKI, 1991 e MEDEIROS, 1989).

2 O próprio MST, por exemplo, que surgiu da articulação da Igreja Católica como mediadora de diferentes experiências de luta pela terra, adquire sua autonomia política ao instituir-se como movimento social, exprimindo uma linguagem própria, mediante suas bandeiras de luta como “Terra não se ganha, se conquista” e “Ocupar, resistir, produzir” . A produção de símbolos como a cruz e a analogia da luta pela terra com o êxodo do povo hebreu em busca da terra prometida são entendidas pelo movimento como referência para que os trabalhadores compreendam melhor sua história, além de serem referencial pedagógico que enriquece novas formas de organização (MOVIMENTO DOS SEM-TERRA, 1999). Sobre as imagens de uma missão e do reino prometido nos movimentos de luta por terra, ver também MICHELOTO (1991). 11

Nessa perspectiva, as identidades coletivas são compreendidas como construções político-estratégicas (SANTOS, 1998), estando associadas à idéia de constituição da cidadania.

Para compreender as práticas sociais impressas pelos movimentos de luta pela terra na constituição da cidadania, as análises de DAGNINO (1994) constituem-se como referencial teórico fundamental. Em seu estudo sobre os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de cidadania, essa autora procura caracterizar o que denomina de nova cidadania, como estratégia política estabelecida a partir da emergência dos movimentos sociais no cenário político. Para ela, a construção da cidadania está entrelaçada à organização dos movimentos sociais, que, na luta por direitos - tanto o direito à igualdade como o direito à diferença - contribuem para o aprofundamento da democracia. Ao conceber a cidadania como nexo constitutivo entre as dimensões da cultura e da política, a autora expõe que a nova cidadania constitui uma proposta de novas formas de sociabilidade, que rompe com o autoritarismo social enraizado na cultura brasileira, estabelecendo, assim, um desenho mais igualitário nas relações sociais.

Assim, numa sociedade na qual a desigualdade econômica e a miséria resultam de um ordenamento hierárquico e desigual de relações sociais (DAGNINO, 1994), os movimentos sociais (inclusive os movimentos de luta pela terra), ao contestarem o poder exercido pelas velhas forças oligárquicas (especialmente as agrárias), minam os pilares do autoritarismo enraizado na sociedade brasileira, contribuindo, portanto, para a efetiva democratização social (DAGNINO, 1994 e GRZYBOWSKI, 1991), à medida que incorporam sujeitos sociais e novos direitos.

Focalizando direitos de cidadania sob a ótica do direito a ter direitos (LEFORT,1991), partimos da concepção de que a cidadania não se limita a conquistas legais ou ao acesso a direitos já estabelecidos, mas institui, fundamentalmente, direitos inventados pelas práticas sociais, 12 emergentes de lutas específicas. Nesse sentido, os movimentos de luta pela terra agregam, em suas experiências, a criação de novos direitos, imprimindo assim, “uma legalidade emergente construída nas formas negociadas de arbitragem de conflitos, nas quais se processa (...) uma jurisprudência informal que opera critérios de justiça substantiva” (TELLES, 1994:99).

Portanto , as ocupações de terra realizadas pelos movimentos, entendidas como práticas legítimas de pressão para a efetiva desapropriação de terras improdutivas, enunciam a criação de novos direitos, indicando que as experiências de luta conduzem a novas relações com a esfera pública, nas quais os novos sujeitos questionam a ordem política centrada no Estado, buscando uma nova ordem baseada na democracia direta e participativa, além de deslocarem práticas tradicionais de mandonismo e clientelismo.

No terreno de lutas populares e de demandas para a realização de uma reforma agrária justa e democrática, os trabalhadores procuram trilhar caminhos para superar a situação de exclusão e subordinação a que foram submetidos, sendo portadores de reivindicações que visem resgatar seus direitos mais elementares de cidadãos, além de estabelecerem a criação de novos direitos.

Esse processo de construção da cidadania possui uma forte âncora territorial, considerando que “a possibilidade de ser mais ou menos cidadão depende, em larga proporção, do território onde está” (SANTOS, 1993:81). De acordo com SANTOS (1993), as desigualdades sociais são antes de tudo desigualdades territoriais, já que advêm do lugar onde o cidadão se encontra. Dessa maneira, a constituição da cidadania não deve estar alheia às realidades territoriais, pois “(...) o cidadão é o indivíduo no lugar. A República somente será democrática quando considerar os cidadãos iguais independente do lugar onde estejam” (SANTOS, 1993:123). 13

Desse modo, se os rumos tomados pela modernização brasileira, resultantes da reorganização econômica, das mudanças no padrão tecnológico e das transformações ocorridas no mercado, vêm produzindo um novo tipo de exclusão social, as práticas de invenção de novos direitos e de novos pactos de convivência social, estabelecidas pelos movimentos sociais no campo, indicam a possibilidade de construção de “parâmetros capazes de reverter a lógica de uma modernização selvagem que nos projeta nos caminhos do século XXI sem ainda ter resolvido as questões clássicas de uma modernidade incompleta ” (TELLES, 1994:98).

Assim, à medida que as lutas desencadeadas por tais movimentos avançam, o espaço rural brasileiro, marcado pela concentração fundiária e pela espoliação capitalista excludente, vai sendo, paulatinamente, reterritorializado, abrindo perspectivas para novas territorialidades.

Apesar da existência de lutas sociais mais localizadas, o processo de conquista da terra tem um significado especial para os movimentos: ele expressa um movimento de territorialização que abre perspectivas para a conquista de novos territórios. No dizer do Movimento dos Sem- Terra:

“(...) cada assentamento que o MST conquista, ele se territorializa. E é exatamente isto que diferencia o MST de outros movimentos sociais. Quando a luta acaba na conquista da terra, não existe territorialização (...) Já disse o poeta ‘Quando chegar na terra, lembre de quem quer chegar. Quando chegar na terra que tem outros passos para dar’. Os Sem-Terra ao chegarem na terra, vislumbram sempre uma nova conquista e por essa razão o MST é um movimento socioterritorial.” (MST, 1999).

A literatura sobre a formação dos assentamentos no Brasil indica- nos as novas possibilidades de utilização de áreas decadentes, que adquirem novas funções, em termos econômicos, em razão da presença da luta por terra. Além disso as atividades agrícolas desenvolvidas pelos assentados proporcionam meios de vida mais dignos, e a reapropriação de espaços pouco explorados assume funções políticas de delimitação do território (MEDEIROS, 1999). 14

No que se refere às novas formas de produção, estudos têm apontado a presença de formas associativas nos assentamentos como tentativa de superar obstáculos relacionados à produção e comercialização, e a predominância da agricultura familiar, ancorada na formação de pequenos grupos, ligados entre si por relações de contigüidade, marcada por uma identidade local.

As identidades territoriais, apoiadas no pertencimento a uma localidade, contradizem as tendências que preconizam a globalização como um processo inexorável de homogeneização, que dilui as singularidades das culturas locais. Nos territórios conquistados pelos movimentos de luta por terra, tal sentimento de pertencimento dá-se a partir de um processo de mobilização definido por interesses comuns, constituindo, assim, uma identidade entrelaçada à memória coletiva 3. Nesse sentido, os atores coletivos dos assentamentos de reforma agrária procuram sempre resgatar as lembranças de conquista da terra, como forma de manter o grupo coeso, pois o esquecimento significa o seu desmembramento e o estilhaçamento da identidade construída.

Entretanto, o que as experiências de ações coletivas de luta pela terra apresentam de mais inovador é um formato de organização em redes, buscando a articulação com outros movimentos sociais e organizações não-governamentais para discussão e realização de projetos comuns, mediante a formação de múltiplas redes sócio-políticas 4 que se constroem nesta era da informação.

3 Para a noção de memória coletiva, remetemo-nos a HALBAWCHS (1990), cuja contribuição é fundamental para compreender a memória não como atributo individual, passando a ser considerada como parte de um processo social, em que os aspectos da consciência pessoal encontram-se ligados a determinantes sociais. 4 Tais redes sócio-políticas atuam como mediadoras entre a sociedade civil e o Estado, agindo simultaneamente em iniciativas locais, nacionais e internacionais, estabelecendo fóruns de debates sobre a questão agrária. Dentre as instituições e organizações não-governamentais que constituem estes fóruns, destacam-se: Universidades, MST, MLST, CPT, Cáritas Brasileira, CONTAG, CUT, FASE, IBASE, entre outras. 15

Dessa maneira, podemos afirmar que o processo de globalização não apagou as práticas e experiências de luta dos movimentos sociais no campo, mas possibilitou a eles uma nova roupagem.

As ações coletivas gestadas pelos movimentos de luta pela terra apresentam avanços e recuos. Entretanto, nesse cenário turbulento de mudanças, eles continuam marcando presença no espaço político, interpelando a realização de uma reforma agrária que promova mudanças estruturais no campo, além de buscar novos ideais que contribuam para a construção de uma sociedade mais democrática, dando-nos uma lição de cidadania.

É nessa abordagem que este estudo se insere. Ao analisar as práticas sociais de luta pela terra, desenvolvemos algumas reflexões que nos permitiram compreender tais práticas como o processo de constituição da identidade e da cidadania está entrelaçado ao movimento de territorialização desencadeado pelos movimentos sociais no campo, processo entendido como construção político-espacial. Para tanto, o território, lugar onde os trabalhadores vivem, produzem e constituem novas sociabilidades, é redesenhado por tais movimentos, contribuindo para o reordenamento territorial brasileiro. Afinal, não podemos refletir sobre a realidade agrária brasileira neste início de milênio, sem levar em consideração o papel desempenhado pelos movimentos dos trabalhadores sem-terra no reequilíbrio territorial.

Para compreender as práticas sociais impressas pelos movimentos de luta pela terra, as contribuições de DOIMO (1986), DURHAM (1984), EVERS (1984), GOHN (1997), MELUCCI (1989), PAOLI (1984) e SADER (1988) constituem referenciais teóricos fundamentais. Tais estudos apontam para uma nova alternativa metodológica, que rompe com a representação homogeneizante dos movimentos sociais, especialmente, uma certa versão do marxismo, que reconhece esses movimentos como personificação da estrutura econômica. 16

Os esquemas teóricos, inspirados na concepção marxista-leninista, que interpretam os movimentos sociais como movimentos de massa 5, supostamente pouco estruturados e subordinados às organizações sindicais ou mesmo à liderança político-partidária - única instituição supstamente apta a fazer política (EVERS, 1984) -, são considerados insuficientes para compreender a dinâmica por eles imprimidas na sociedade contemporânea.

Uma gama de estudos referentes à emergência de novos movimentos sociais (DOIMO, 1986; EVERS, 1984; GOHN, 1997; MELUCCI, 1989; PAOLI, 1984; SADER, 1988) contribuíram para a compreensão de uma nova forma de fazer política marcada pelos movimentos, constituída com base na sociedade civil e não apenas na esfera estatal. Tais matrizes teóricas destacam os fatos conjunturais, micro, do cotidiano, ao negarem as concepções que valorizam o poder das determinações macro-estruturais. Nesse sentido, a nova abordagem teórico-metodológica sobre os movimentos sociais ressalta a emergência de um novo sujeito histórico, não mais configurado pelas contradições do capitalismo ou formado pela “consciência autêntica” da vanguarda partidária. Ao contrário, esse novo sujeito que desponta é considerado

“(...) um coletivo difuso, não-hierarquizado, em luta contra as discriminações de acesso aos bens da modernidade e, ao mesmo tempo, crítico dos seus efeitos nocivos, a partir da fundamentação de suas ações em valores tradicionais, solidários, comunitários. Portanto, a abordagem elimina a centralidade de um sujeito específico, predeterminado, e vê os participantes das ações coletivas como atores sociais” (GOHN, 1997:123).

Tais estudos apontam para a emergência dos movimentos sociais no cenário político, demonstrando que o desenvolvimento de suas práticas reivindicativas, de luta e resistência, colocaram “em xeque a separação de uma esfera pública - estatal e portanto política, e a esfera

5 Na concepção dos movimentos de luta pela terra, a luta por reforma agrária tem um caráter corporativista, necessitando obter um caráter massivo e classista. Para esses movimentos, a luta por terra está vinculada a uma estratégia revolucionária, tendo um caráter necessariamente socialista.

17 privada - individual e portanto não-política” (PAOLI, 1984:56), indicando os novos espaços políticos criados por esses movimentos, uma vez que suas experiências de luta conduzem a novas relações com a esfera pública, emergindo daí um sujeito novo, questionador da ordem política centrada no Estado, buscando uma nova ordem baseada na democracia direta e participativa.

Assim, na nova abordagem sobre os movimentos sociais, as categorias teóricas como participação, experiência, direitos, cidadania e identidade coletiva projetam-se para além das tradicionais temáticas das classes.

Dessa maneira, as contribuições teóricas do novo paradigma sobre os movimentos sociais são fundamentais, ao apontarem para uma alternativa metodológica que realça a possibilidade da constituição de práticas democráticas na sociedade contemporânea.

Com essas referências, procuramos pensar o processo de luta pela terra com base nas experiências cotidianas vividas pelos novos sujeitos da fazenda Nova Santo Inácio Ranchinho. Para isto, utilizamos a memória como fio metodológico deste trabalho, remetendo-nos aos estudos de BOSI (1987) e HALBAWACHS (1990).

Para BOSI (1987:17), a memória não é sonho, mas trabalho. Por isso mesmo,

“(...) lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar com imagens e materiais e idéias de hoje, as experiências do passado (...) A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão agora à nossa disposição, no conjunto de representação que povoam nossa consciência atual. Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a mesma imagem que experimentamos na infância, porque não somos os mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e com ela nossas idéias, nossos juízos de realidade e de valor.

Pela sua plasticidade, a lembrança é um material complexo para ser organizado como fonte de pesquisa, já que ela não se constitui como história pronta e porque é recortada pelo gosto do recordador. 18

Entretanto, nem por isso a memória deve ser desprezada pelo pesquisador, já que ela não faz parte apenas das lembranças de um sujeito, mas de toda uma comunidade. No dizer de BOSI (1987), a memória individual está amarrada à memória do grupo e esta à coletiva.

Por sua vez, a noção de memória coletiva está entrelaçada à idéia de identidade e vice-versa. O sentido de continuidade presente em um indivíduo ou grupo social depende, portanto, do que é lembrado ao longo do tempo, assim como o que é lembrado depende da identidade de quem lembra. Nesse sentido, a contribuição de HALBAWACHS (1990) é fundamental para compreender a memória não como um atributo estritamente individual, passando a ser considerada como parte de um processo social em que aspectos da consciência pessoal encontram-se ligados a determinantes sociais (HALBAWACHS; 1990:55).

Na busca da reconstituição da trajetória de lutas vividas pelos novos sujeitos da Nova Santo Inácio Ranchinho, trilhamos tanto as experiências individuais, como os acontecimentos vivenciados por todos. Dessa maneira, o entrelaçamento da memória individual com a memória coletiva assume um significado especial, que nos permite compreender que o resgate da lembrança só é possível porque o grupo se mantém coeso, pois o esquecimento significa o seu desmembramento e o estilhaçamento da identidade construída.

Recuperar a história da luta dos trabalhadores pelo direito do acesso à terra constitui-se um desafio. Trata-se de um percurso, cujos registros foram resgatados por meio de entrevistas não-diretivas, de forma a intervir o menos possível na fala dos entrevistados. Uma das características desse tipo de entrevista é a sua habilidade em “explorar o universo cultural próprio de certos indivíduos em referência às capacidades de verbalização específica do grupo a qual pertencem” (THIOLLENT, 1982:81), possibilitando, assim, o resgate da memória dos entrevistados e o aprofundamento mais sistematizado do tema da pesquisa. Por conseqüência, a condução das entrevistas deu-se a partir 19 da indicação de um roteiro, previamente elaborado, que orientou o desenvolvimento dos relatos dos indivíduos, permitindo a exploração de seu universo sociocultural, sem um questionamento forçado. Uma outra técnica utilizada foi a apresentação de fotografias e reportagens de jornais aos entrevistados, como forma de iniciar o diálogo, além de nos permitir reconstituir momentos significativos das experiências por eles vivenciadas.

Para a orientação dos relatos orais produzidos pelos trabalhadores, recorremos às consultas de fontes documentais, por meio do levantamento e análise de documentos, entre os quais, os jornais da imprensa nacional e regional, relatórios produzidos por órgãos governamentais, além de panfletos e documentos elaborados pelos próprios trabalhadores.

Desse modo, procuramos desenvolver nossa pesquisa, tentando não só resgatar a história das lutas vividas pelos trabalhadores rurais, hoje agricultores familiares da fazenda Nova Santo Inácio Ranchinho, mas, sobretudo, articular suas experiências com a realidade objetiva, que se apresenta como cenário de luta.

O capítulo primeiro desta dissertação consiste em apresentar o cenário de fundo estrutural no qual os trabalhadores travaram suas lutas. Nele analisamos como a política de modernização da agricultura implementada na região do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, por meio de planos de desenvolvimento e ocupação no cerrado, foi marcada por uma forte exclusão social, produzindo efeitos perversos para os trabalhadores rurais. Demonstramos que os impactos resultantes do processo de modernização nessa região favoreceram o movimento de luta pela terra em Iturama.

O segundo capítulo recupera, através da memória, a trajetória de luta vivenciada pelos sujeitos que demandavam terra, procurando desvelar como viveram esses anos todos; como rememoram suas histórias de vida, 20 o que determinou a construção de uma organização coletiva, impondo para o espaço público o reconhecimento de suas experiências como cidadãos; como gestaram um projeto coletivo de luta por terra, tecendo regras de convivência e estratégias utilizadas para a disputa de um território, manifestando sua emergência no cenário político.

Por fim, o capítulo terceiro analisa as mudanças ocorridas com a conquista do direito ao acesso à terra, indicando como se deu o parcelamento e a reconfiguração do território conquistado pelos trabalhadores, a organização produtiva do assentamento e a inserção dos agricultores no mercado de produção, as novas formas de sociabilidade vividas no espaço conquistado, a forma interna de organização no assentamento, bem como as novas perspectivas de vida desses agricultores, mediada pela cidadania utópica e a realidade vivida.

1 - MODERNIDADE E MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA NO TRIÂNGULO MINEIRO/ALTO PARANAÍBA

Para inserir as experiências e práticas vivenciadas pelos trabalhadores rurais - hoje agricultores familiares da Fazenda Nova Santo Inácio Ranchinho - no processo de conquista da terra, faz-se necessário compreender o cenário regional no qual esses trabalhadores travaram suas lutas. Afinal de contas, o contexto maior, que gestou os movimentos de luta por terra, está relacionado com a resistência da população rural ao processo econômico e político provocado pela rápida modernização da agricultura. Como indica GRZYBOWSKI (1994), os problemas enfrentados pelos trabalhadores do campo, que por trás de diversas formas de integração, exploração e marginalização acabaram por aprofundar as desigualdades e a exclusão social, não se deram em razão da falta do desenvolvimento, mas, ao contrário, deveram-se ao “sucesso” do modelo modernizador. No entendimento desse autor, “a desigualdade e a exclusão no campo existiam desde antes do processo modernizador, mas através deste processo reproduziram-se em escala ampliada” (GRZYBOWSKI, 1994:290).

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1.1 - Os desencontros da modernidade na realidade agrária brasileira

“Produzir cada vez mais alimentos para sua população e para exportação deve ser a meta de qualquer governo, especialmente no caso do Brasil onde já somos 140 milhões de habitantes e cuja principal fonte de recursos é a agricultura. A região dos Cerrados, que ocupa cerca de 207 milhões de hectares do território brasileiro, sendo considerada uma das maiores áreas de expansão agrícola do Brasil e do mundo, tem contribuído para o aumento da produção de alimentos. Hoje com a exploração de apenas 10% de sua área agricultável, participa com 30% da produção nacional de grãos e com 40% de carne. (...) O Centro de Pesquisa Agropecuária dos Cerrados - CPAC foi criado com o objetivo de gerar conhecimentos que permitissem o estabelecimento de uma agricultura moderna, auto-sustentada, que conservasse os recursos naturais de forma a permitir uma ocupação racional da região dos Cerrados” (BRASIL. Ministério Da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária: 1991).

O trecho acima transcrito refere-se à apresentação do Relatório Técnico Anual do Centro de Pesquisa Agropecuária dos Cerrados (1985 - 1987), redigido por José Roberto Rodrigues Peres, exibindo um discurso representativo do imaginário governamental sobre a moderna agricultura brasileira, implementada pelos programas de desenvolvimento agrário. Nesse relatório, a região dos cerrados, tida como “grande celeiro de alimentos do mundo” , aparece como espaço do progresso, da produção de uma tecnologia avançada, já que incentiva a exploração da agricultura de forma racional. A moderna agricultura figura como elemento-chave do progresso, do avanço, privilegiando agricultores com “espírito empresarial” , em contraposição ao modelo “arcaico” , da tradicional agricultura praticada nessa região.

A meta de “produzir cada vez mais alimentos para a população e para exportação” expressa a euforia do poder público com as super- safras, fazendo crer que a modernização da produção agrícola do cerrado produziria impactos sociais inevitavelmente benéficos para a população. 23

De fato, mais se fala da modernidade no espaço agrícola do que, efetivamente, ela é. A miséria, o subemprego, o desemprego, a exclusão social, os pobres, migrados do campo, produzidos pelo desenvolvimento da agricultura, não aparecem no discurso governamental, pois fazem parte de um passado que, supostamente, não é o tempo da modernidade.

Desse modo, recuperamos a teoria interpretativa desenvolvida por MARTINS (2000), indicando que o processo de modernização da agricultura é acompanhado pela reprodução do atraso: a manutenção dos privilégios, o clientelismo político, a privatização da esfera pública - típicos de nossas raízes coloniais.

De acordo com MARTINS (2000), a modernidade no Brasil é constituída pelos desencontros de tempos históricos, pelos ritmos desiguais de desenvolvimento econômico, pelo acelerado avanço tecnológico, pela acumulação de capital desproporcional, enfim, pela crescente miséria globalizada. A persistência do passado, que se esconde por trás das aparências do moderno, faz com que a sociedade brasileira seja marcada pela história inacabada, pela modernidade inconclusa, reveladoras das nossas determinações estruturais. Tal reflexão permite- nos compreender o dilema enfrentado pela sociedade brasileira, que, ao optar pela modernização, aceita a exclusão de amplos setores da população. Como mostra LECHNER (1990), o processo contraditório de modernização, implementado pela expansão do capitalismo, introduz um novo tipo de dualismo na sociedade brasileira. Não se trata de um setor tradicional justaposto ao setor moderno, como interpretava a teoria dos “Dois Brasis” 6, podendo ser simplesmente considerado como “obstáculo ao desenvolvimento” deste último, mas sim de uma exclusão produzida

6Referimo-nos aqui à visão dualista produzida por Jacques Lambert, que produz a imagem de dois Brasis: um, onde a sociedade era tradicional, regionalista, distribuída por critérios rígidos de hierarquia e outro, onde a sociedade já tinha entrado na modernidade e nos padrões mais universais de orientação LAMBERT, apud SADER e PAOLI (1986).

24 pela própria modernização. Esse novo dualismo instala-se em um mesmo e único marco espacial e temporal.

Os indicadores mais notáveis desse caráter excludente da modernização da agricultura são a elevada sazonalidade do emprego agrícola no campo e a concentração fundiária.

A literatura sobre a introdução de um novo padrão tecnológico da agricultura brasileira - denominada “Revolução Verde” 7 - aponta-nos que as mudanças estruturais ocorridas no campo propiciaram a dispensa, por parte dos empresários rurais, da mão-de-obra permanente, substituindo-a pelo trabalho temporário. O progresso técnico na agricultura não conseguiu atingir todas as fases do ciclo produtivo, especialmente no período da colheita, que é dos mais exigentes em termos de mão-de-obra, reforçando as oscilações sazonais próprias do calendário agrícola, engendrando, assim, um grande contigente de assalariados rurais, conhecidos como volantes ou bóias-frias. Tais trabalhadores encontram trabalho somente no pico da safra agrícola, sendo utilizados em culturas modernas, como força de trabalho em tarefas que não foram ainda mecanizadas.

Como bem afirmam D’INCAO (1983) e MICHELOTO (1980), tais tarefas são remuneradas por produção, o que permite maior intensidade do trabalho, valendo-se da exploração do trabalhador volante pela extração da mais-valia absoluta. De acordo MICHELOTO, “tal exploração apresenta-se como vantajosa para o capitalista, sempre que comparada com técnicas mais avançadas e produtivas, porém dispendiosas” (MICHELOTO, 1980:38). Por sua vez, D’INCAO (1983) demonstra que a mecanização da lavoura não se apresenta como

7O pacote tecnológico da chamada “Revolução Verde” - composto de sementes melhoradas, mecanização, insumos químicos e biológicos - foi introduzido no Brasil na tentativa de viabilizar a modernização, acelerando a produção agrícola por meio de sua padronização em bases industriais. Sobre esse tema, ver MARTINE (1987).

25 vantagem para os empresários rurais, em razão da facilidade de arregimentação e do baixo custo do trabalho bóia-fria.

As tarefas remuneradas por produção obrigam os trabalhadores bóias-frias a incorporarem o trabalho infantil não-remunerado, como forma de garantir o nível de renda familiar e, conseqüentemente, a reprodução social desses trabalhadores. Tais incorporações configuram- se como relações de trabalho não-capitalistas, que coexistem com modernas relações capitalistas. Afirma MARTINS (1997:96) que essas relações de trabalho socialmente irracionais enquadram-se, perfeitamente, no processo de reprodução ampliada do capital, sendo mais lucrativas do que as relações puramente assalariadas, definidas por um padrão típico racional e legal existente entre empresários e trabalhadores. No dizer desse autor, “a chamada acumulação primitiva do capital, na periferia do mundo capitalista, não é um momento precedente do capitalismo, mas é contemporânea da acumulação capitalista propriamente dita” (MARTINS, 2000:37).

A literatura sobre as transformações ocorridas nas relações agrárias do agro brasileiro (GRAZIANO DA SILVA, 1999; KAGEYAMA et al.,1990; LEITE, 1995; MARTINE, 1991) evidencia que o modelo de modernização da agricultura brasileira engendrou efeitos sociais, econômicos e ambientais perversos, demonstrando o seu caráter excludente e conservador.

Na verdade, modernização agrícola é a denominação dada ao processo de expansão do capitalismo no campo, sendo objeto de crítica por um conjunto de especialistas sobre a questão agrária no Brasil, que utiliza a expressão modernização conservadora para caracterizar o padrão de transformação tecnológica da agricultura. Modernização, porque possibilitou mudanças na base técnica da produção agrícola, adotando o uso de máquinas, equipamentos e insumos químicos para aumentar a produção e a produtividade. Conservadora, porque não alterou a tradicional estrutura fundiária do País, pelo contrário, produziu um 26 efeito concentrador, além de propiciar uma exclusão crescente da massa de trabalhadores rurais (GUANZIROLI e FIGUEIRA, 1986).

Dessa maneira, concordamos com MARTINS (1999), ao concluir que nosso processo de modernização deu-se no marco da tradição, em que formas sociais capitalistas e não-capitalistas são contemporâneas e coexistem no mesmo espaço, configurando-se como uma modernidade inacabada e um progresso incompleto. Assim, a expansão do capitalismo no campo não só não eliminou relações sociais arcaicas e excludentes, mas reproduziu-as sob uma nova roupagem.

A partir dessas observações, interessa-nos recuperar a história do processo de modernização, particularmente dos planos de desenvolvimento implementados pelo Estado no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, que priorizaram grandes investimentos no setor agrícola, dotando-o de bases empresariais sólidas, excluindo, assim, a produção familiar do processo de desenvolvimento. Para tanto, procuramos resgatar impactos que a modernização agrícola trouxe para os trabalhadores rurais, além de buscar os significados da modernização para os sujeitos da luta pela terra.

1.2 - A modernização da agricultura no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba e seus impactos para os trabalhadores rurais

O grande dinamismo evidenciado pelos planos de desenvolvimento rural implementados no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba 8 trouxe, sem

8Definimos aqui o Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, de acordo com o IBGE, como uma mesorregião que engloba as microrregiões de Uberlândia, , Patrocínio, , , Araxá e . 27 dúvida, aspectos positivos na forma de inovações mecânicas (intensificação do uso de tratores e implementos), físico-químicas (uso intensivo de corretivos, fertilizantes e agrotóxicos) e biológicas (uso de sementes selecionadas), contribuindo para o aumento da produção e da produtividade no setor agropecuário, além de proporcionar elevadas taxas de crescimento regional. Contudo tal política de modernização, marcada por uma forte exclusão social, produziu efeitos perversos sobre os trabalhadores rurais da região, agravando, assim, as condições de vida e de trabalho no campo.

Compreender as implicações sociais produzidas pelos planos de desenvolvimento e de ocupação do cerrado exige que se analisem as mudanças ocorridas na base técnica da produção agrícola, resultantes do processo de modernização.

Como assinalam vários autores (GRAZIANO DA SILVA, 1999; KAGEYAMA et al., 1990; LEITE, 1995; MARTINE,1991), o processo de modernização da agricultura no Brasil tem suas origens na implantação de um parque industrial extensivo, a partir da década de 1950, pelo qual se pretendia acelerar o processo de substituição de importações. A efetivação desse modelo deu-se fundamentada em uma nova política de desenvolvimento implementada pelo Estado a partir de 1964, por meio da adoção de um pacote tecnológico popularmente chamado de “Revolução Verde” . Tal pacote preconizava, mediante uma mudança na base técnica da produção, o aumento da produtividade agrícola para amenizar o problema da fome, escondendo suas verdadeiras intenções: garantir a expansão capitalista no campo. Por sua vez, a consolidação desse processo de expansão do capitalismo seria viabilizada por ações implementadas pelo Estado para a transformação da agricultura, conjugadas aos interesses do capital estrangeiro, que era atraído para a implantação da modernização no Brasil.

Como mostra LEITE (1995), o processo de modernização da agricultura brasileira pode ser consubstanciado nos seguintes aspectos: 28

- adoção de um novo padrão tecnológico, fundamentado no binômio química-mineral / mecanização, que condiciona a produção ao uso integrado de máquinas e de insumos químicos;

- aumento da produção e da produtividade, sem alterar a estrutura fundiária;

- consolidação de uma novo padrão técnico da agricultura, com a formação de complexos agroindustriais, o que implicou uma integração à montante, com a indústria químico-farmacêutica e de bens de capital, e à jusante, com a indústria processadora;

- crescimento da participação da agricultura brasileira no mercado externo, fundamentado tanto numa política de desvalorização cambial, como na substituição de culturas tradicionais (feijão, mandioca, arroz) por culturas agroindustrializáveis (soja, café, milho, cana, entre outras), voltadas para a exportação;

- constituição do crédito agrícola subsidiado, por meio da implantação do Sistema Nacional de Crédito Agrícola, como instrumento fundamental de intervenção do Estado, no sentido de promover a industrialização da agricultura. Tal política de crédito privilegiou grandes produtores da região Centro-Sul e produtos exportáveis.

No bojo desse processo de modernização da agricultura, desenha- se um novo espaço agrário, resultante de um padrão de desenvolvimento rural implementado pelo Estado. Ao adotar mecanismos de ação da política agrícola por meio dos programas especiais de ocupação da fronteira agrícola, visando incorporar terras agricultáveis ao sistema produtivo, o Estado preconiza,

“(...)a urgência de se promover a expansão da fronteira - através da utilização crescente de técnicas modernas no uso e manejo do solo - como condição necessária tanto para maximização dos benefícios como para uma integração mais efetiva destas 29

áreas[agrícolas] ao processo de desenvolvimento do País como um todo” (SALIM, 1986:298).

O processo de difusão de um novo padrão de desenvolvimento rural alcançou a região do cerrado brasileiro, num movimento de ocupação das áreas agrícolas iniciado no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba.

É a partir da implementação dos programas governamentais de expansão agrícola na região, desde meados da década de 1970, que se buscou incentivar a prática de uma agricultura “moderna e racional” no que se refere ao emprego de novas técnicas e de processos capazes de proporcionar mudanças na base técnica de produção, enfim, de uma nova forma de produzir, em detrimento da tradicional agricultura praticada na região até aquele momento. Sinônimo da expansão capitalista no campo, o modelo de desenvolvimento agrícola adotado por esses programas privilegia os indivíduos dotados do chamado “espírito empresarial” , beneficiando as empresas rurais pela oferta de subsídios, incentivos e créditos a juros baixíssimos, além da adoção de assistência técnica, de uma grande atividade de pesquisa e extensão agrária, bem como de investimentos de infra-estrutura (eletrificação rural, armazenamento, construção de estradas, dentre outros).

Nesse contexto, a agropecuária passa a ser vinculada aos interesses da indústria do início ao final do processo produtivo. Como observa SALIM (1986:300),

“(...) durante a década de 60, observou-se uma redefinição das relações entre agricultura e indústria, uma vez que os arranjos anteriores já evidenciavam sinais de esgotamento em razão dos problemas com abastecimento do mercado interno de alimentos, com as exportações, baixa produtividade, etc. Em função das redefinições adotadas, o setor agrícola, que já se encontrava em posição desfavorável em relação à indústria, sofre mudanças no seu processo de produção para, cada vez mais, poder atender os interesses industriais emergentes.”

A agropecuária organizada nas bases indicadas é estimulada por diversas medidas de política agrícola e por programas governamentais, 30 tendo como suporte a implementação dos Planos Nacionais de Desenvolvimento - PND’s - , sobretudo o I PND (1972 / 1974) e o II PND (1974 / 1979). Tais planos objetivavam, como apontam PESSÔA (1988) e SALIM (1986), tanto a alteração do desempenho do setor agropecuário, mediante a modificação dos métodos de produção, quanto modernizar e dotar as atividades agropecuárias de bases empresariais. Evidenciavam, assim, a necessidade de ocupação dos “espaços vazios” , especialmente das áreas de cerrado, que deveriam ser incorporadas à economia nacional, por meio de programas especiais de ocupação agrícola, como o Programa de Crédito Integrado e Incorporação dos Cerrados - PCI -, o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados - POLOCENTRO -, o Plano de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba - PADAP - e o Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento Agrícola dos Cerrados - PRODECER.

O primeiro plano de desenvolvimento do cerrado mineiro foi o Programa de Crédito Integrado e Incorporação do Cerrado - PCI -, implementado pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais - BDMG-, em 1972. Tal programa tinha o objetivo de promover a transformação tecnológica na agricultura em uma área de 292.798 hectares nos cerrados de Minas Gerais, abrangendo as áreas do Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba, Paracatu, Alto e Médio São Francisco e Metalúrgica. Como observam SALIM (1986), GUANZIROLI e FIGUEIRA (1986), o PCI atingiu, no período de 1972 a 1974, uma área de 111.025 hectares, número inferior em 50% da área prevista, financiando 230 projetos, procurando atender aos grandes e médios proprietários rurais, com área média de 483 hectares, o que demonstra o caráter seletivo do programa, criando condições propícias para modernizar a agricultura, concentrando recursos nas mãos de poucos privilegiados, que se beneficiaram com juros baixos (0,6 % ao mês), com prazo de carência variando entre 2 a 3 anos, além de um prazo bastante elástico para amortização da dívida. 31

Paralelamente ao PCI, o Governo de Minas implementou, no mesmo período, o Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba - PADAP -, desapropriando uma área de 60.000 hectares, localizada entre os municípios de São Gotardo, Ibiá, Rio Paranaíba e . Como atestam GUANZIROLI e FIGUEIRA (1986:6).

“Um dos fatores que pesou na escolha da área foi a existência de um complexo latifúndio-minifúndio, que permitia a aplicação do Estatuto da Terra, mediante desapropriação por interesse social. Ficou evidenciado, assim, que os ‘setores modernos’ das classes dominantes, quando possuem um projeto que as benificia, são capazes de enfrentar os latifundiários.”

Para criação do PADAP, o governo mineiro por intermédio do então Secretário de Agricultura, Alyson Paulinelli, assinou um convênio com a Cooperativa Agrícola de Cotia, que se responsabilizou tanto pela formação dos núcleos de colonização, como pela seleção dos colonos, cooperados vindos do sul do país, todos niseis.

De acordo com PESSÔA (1988), a população local não foi privilegiada pelo novo processo produtivo. A maioria foi vendendo suas terras e instalando-se nas periferias das cidades, incorporando-se ao processo produtivo como mão-de-obra temporária.

Por sua vez, o emprego da tecnologia na produção de grãos (milho, soja e trigo) para a exportação produziu, na região, uma enorme mudança no que se refere às relações da agricultura com o setor industrial, que passou a ser fornecedor de insumos e comprador de matérias-primas.

O Programa de Desenvolvimento dos Cerrados - POLOCENTRO - foi criado em 1975, com o objetivo de incentivar e apoiar a ocupação de áreas dos cerrados na região do Centro-Oeste brasileiro, abrangendo os estados de Minas Gerais (regiões do Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba, Paracatu e Alto Médio São Francisco), Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. 32

Tendo sua sustentação no II PND, que considerava a região dos cerrados como a mais promissora para alcançar a expansão agrícola, o POLOCENTRO tinha como propósito incorporar 3,7 milhões de hectares do cerrado ao processo produtivo, sendo 1,8 milhão com lavouras, 1,2 milhão com pecuária e 700 mil hectares com reflorestamento, mobilizando, assim, tanto recursos reversíveis em linhas de crédito rural “subsidiado a taxas de juros inferiores às vigentes e enriquecido por condições atraentes de prazo, de amortização e carência” (FERREIRA, 1985:13) 9, como não-reversíveis (a fundo perdido) no setor de transportes, pesquisa agropecuária, armazenamento, energia e assistência técnica.

Em que pesem os êxitos obtidos pelo POLOCENTRO em termos de incremento da produção e da produtividade, os grandes proprietários foram os maiores beneficiários do programa. Conforme indica FERREIRA (1985), os financiamentos do POLOCENTRO foram distribuídos em valores crescentes, de acordo com o tamanho da propriedade.

A TABELA 1 a seguir mostra a distribuição dos créditos entre os diferentes estratos de área.

TABELA 1 - Distribuição dos créditos do POLOCENTRO Estratos de área Recursos de crédito liberados - de 100 hectares 0,38% 100 - 200 hectares 1,78% + de 500 hectares 76,45% Fonte: Fundação João Pinheiro apud FERREIRA (1985).

Os dados expostos na TABELA 1 evidenciam que os grandes proprietários absorveram a quase totalidade dos recursos financiados, beneficiando-se, portanto, dos créditos governamentais altamente subsidiados. Em contrapartida, os pequenos foram praticamente

9De acordo com GUANZIROLI e FIGUEIRA (1986), as condições de pagamento do crédito rural do POLOCENTRO são as seguintes: prazos de amortização de 12 anos, taxas de juros inferiores às vigentes no mercado e sem incidência de correção monetária. 33 excluídos dos créditos liberados pelo POLOCENTRO, no seu período de vigência.

Como afirmam GUANZIROLI e FIGUEIRA (1986) e PESSÔA (1988), a atuação desse programa, que visava à modernização da agricultura, produziu uma nova configuração no espaço agrário, introduzindo novas culturas (soja, café) no cerrado, além de proporcionar a valorização do preço da terra, em razão da infra-estrutura implantada na região.

Segundo esses autores, os recursos do POLOCENTRO começaram a ser reduzidos, a partir de 1979, objetivando diminuir a especulação com terras, de forma a facilitar a aquisição destas pela Companhia de Promoção Agrícola - CAMPO -, empresa responsável pela coordenação do PRODECER.

Ainda de acordo com GUANZIROLI e FIGUEIRA (1986:117), “o Estado realizou com o POLOCENTRO, toda a infra-estrutura necessária à produção agrícola, sendo quase que integralmente aproveitada para a implantação do PRODECER.”

O Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento dos Cerrados - PRODECER - é resultado de um acordo estabelecido entre os governos brasileiro e japonês, objetivando a incorporação da área dos cerrados ao cultivo de grãos, assim como o incentivo a uma estrutura agrícola moderna, fundamentada na criação de grandes unidades de produção em bases empresariais, na utilização de insumos modernos e na produção voltada para exportação.

Com o PRODECER, algumas áreas de cerrado foram incorporadas ao processo de exploração agrícola, mediante projetos de colonização implementados pela CAMPO - Companhia de Produção Agrícola -, empresa de capital binacional, constituída dos 51% do capital pertencentes à Companhia Brasileira de Participação Agroindustrial 34

(BASAGRO) e dos 49% pertencentes à holding japonesa Japan-Brazil Agricultural Development (JADECO). A CAMPO selecionou produtores ligados a grandes cooperativas agrícolas, advindos geralmente do sul do Brasil, realizando assentamentos dirigidos em três municípios de Minas Gerais, a saber, Iraí de Minas, Coromandel e Paracatu 10 .

Vale ressaltar que o modelo agrícola proposto pelo PRODECER beneficiou os colonos de fora em detrimento dos proprietários tradicionais residentes na região. Na redistribuição de terras para os projetos de colonização, os antigos proprietários desfizeram-se das áreas de chapadas, adquirindo "terras de cultura" nas vertentes, com relevo impróprio para a mecanização, encontrando-se hoje em situação bastante difícil.

Observa-se ainda, que, no processo de seleção dos colonos, a CAMPO optou por escolher agricultores que tivessem bom potencial empresarial e habilidades de gestão tecnológica das glebas nos moldes por ela estabelecidos.

Contando com grande aporte de recursos financeiros, sobretudo destinados à aquisição de terras e infra-estrutura básica, o PRODECER beneficiou as grandes propriedades, como forma de garantir a obtenção de altos recursos creditícios para incorporar maquinário e o volume de insumos recomendados pela moderna agricultura implementada na região.

Os programas de ocupação dos cerrados aceleraram o processo de transformação do espaço agrário no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, marcado, antes, pela criação extensiva de gado de corte e por uma agricultura de subsistência, incrementando a produção de grãos voltada para o mercado externo (PÉRET, 1997). Tais programas adotaram um

10 O PRODECER foi dividido em três etapas: o PRODECER I, abrangendo os municípios de Iraí de Minas, Coromandel e Paracatu - M.G; o PRODECER II, que incorpora agricultores de Minas, Mato Grosso, Goiás, Bahia e Mato Grosso do Sul; o PRODECER III incorpora 80 mil hectares de terra no Maranhão e Tocantins. 35 conjunto de medidas que possibilitou a alteração do perfil de produção regional, com aumentos significativos em termos de produção e produtividade, sem alterar, contudo, sua estrutura fundiária.

Por outro lado, o Estado, como agente impulsionador do processo de modernização, buscou atrair o empresariado, oferecendo incentivos e créditos a juros altamente subsidiados. Ficava claro que, para capitalizar a produção agrícola e desenvolver um novo sistema produtivo, definiu-se que os atores dos programas de desenvolvimento rural não podiam ser nem os latifundiários tradicionais, nem os minifundistas, que não se integraram ao mercado, mas sim os empresários rurais. Dessa maneira, o Estado valeu-se do próprio Estatuto da Terra (1964), criado, paradoxalmente, para realizar a reforma agrária, efetuar a desapropriação de terras necessárias aos projetos de assentamento dirigido, como é o caso do PADAP (GUANZIROLI e FIGUEIRA, 1986).

Na verdade, por trás do discurso dos defensores dos planos de modernização, que preconizava o estabelecimento de políticas alternativas à reforma agrária, mediante a distribuição de terras e eliminação do latifúndio, estava o fato de que tais políticas não visavam solucionar o problema dos trabalhadores sem-terra, mas sim viabilizar a exploração capitalista da terra. Assim, o Estado estaria subvencionando a agricultura moderna, que demandava o uso de insumos e equipamentos e colaborando com o setor industrial que fabricava tais produtos. Priorizava-se, dessa forma, a produção voltada para o mercado internacional, em detrimento aos produtos de consumo básico para alimentação, além de promover a territorialização do grande capital e da burguesia rural (GRAZIANO DA SILVA, 1999).

Fazendo uma crítica aos programas de desenvolvimento e ocupação do cerrado, que preconizavam políticas de concessão de incentivos fiscais e financiamento, MARTINS (1999:79-80) mostra que

“Em princípio, a aquisição de terras pelos grandes capitalistas do Sudeste animou o mercado imobiliário, convertendo, por isso 36

mesmo, os proprietários de terras em proprietários de dinheiro e forçando-os, por sua vez, a agirem como capitalistas. Ao contrário do que ocorria com o modelo clássico da relação com a terra e o capital, em que a terra (e a renda territorial, isto é, o preço da terra) é reconhecida como entrave à circulação e reprodução do capital, no modelo brasileiro o empecilho à reprodução capitalista do capital na agricultura não foi removido por uma reforma agrária, mas pelos incentivos fiscais. O empresário pagava pela terra, mesmo quando a terra sem documentação lícita e, portanto, produto de grilagem, isto é, de formas ilícitas. Em compensação, recebia gratuitamente, sob a forma de incentivo fiscal, o capital de que necessitava para tornar a terra produtiva. O modelo brasileiro inverteu o modelo clássico. Nesse sentido, reforçou politicamente a irracionalidade da propriedade fundiária no desenvolvimento capitalista, reforçando, consequentemente, o sistema oligárquico nela apoiado.”

É nesse contexto de uma contra-reforma agrária capitalista (GUANZIROLI e FIGUEIRA, 1986), estabelecida pelos programas de ocupação do cerrado no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, que evidenciamos o agravamento dos problemas sociais, dentre os quais, destacam-se a manutenção da concentração fundiária, a expropriação dos agricultores familiares, a redução substancial de ocupações permanentes, o empobrecimento crescente de parcela significativa da população, além do aumento da sazonalidade do trabalho na agricultura e deterioração das condições de reprodução da força de trabalho no campo.

Considerando a forte concentração fundiária resultante dos planos e programas de desenvolvimento rural, procuramos identificar, na TABELA 2 que se segue, as alterações ocorridas na distribuição fundiária no Triângulo Mineiro.

TABELA 2 - Distribuição fundiária no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, 1970 - 1985 Grupos de 1970 1975 1980 1985 estabelecimentos Estab. Área Estab. Área Estab. Área Estab. Área - Hectares - % % % % % % % % 0 a 10 8,7 0,3 11,3 0,3 13,4 0,6 16,6 0,5 10 a 50 30,5 4,3 32,6 4,9 31,7 5,2 32,9 5,8 50 a 100 19,0 7,2 17,9 7,3 17,6 7,6 17,7 8,2 100 a 500 33,0 37,8 30,4 37,8 30,3 39,6 28,5 40,2 500 a 1000 5,4 19,4 4,7 18,4 4,5 18,5 1,9 17,9 Acima de 1000 3,4 31,0 3,1 31,3 2,5 28,5 2,4 27,4 Fonte: FIBGE. CENSOS AGROPECUÁRIOS - MG, 1970/1975/1980/1985.

37

Os dados censitários, de modo geral, evidenciam que, no período de 1970 a 1985, os estabelecimentos com menos de 10 hectares aumentaram em 7,9%, sendo que sua área cresceu em apenas 0,2%. Ao mesmo tempo, o número de estabelecimentos acima de 1000 hectares diminuiu em apenas 1,0% e sua área teve um decréscimo de 3,6%. No entanto, o grupo de estabelecimentos de 10.000 a 100.000 hectares aumentou, em termos absolutos, de 4 para 8 estabelecimentos, sendo que a área ocupada cresceu de 60.470 para 176.545 hectares respectivamente, o que confirma que a estrutura fundiária permaneceu concentrada. Os estabelecimentos entre 10 a 50 hectares, em 1970, correspondiam a 30,5% do total de estabelecimentos e 4,3% de área. Em 1985, tais números passaram de 32,9% a 5,8%, respectivamente. Atribui-se que o pequeno crescimento da participação destes estabelecimentos, em termos de área ocupada, deve-se à partilha de herança de propriedades maiores.

A TABELA 3 indica a forte concentração fundiária nos municípios da região do Triângulo Mineiro, expressa pelo índice de Gini 11 , corroborando as análises sobre a permanência de uma estrutura fundiária concentrada, sendo que a média da concentração fundiária nesta região é de 0,778 em 1985.

Tais dados parecem demonstrar que, apesar da partilha de heranças e mesmo com a inegável expansão do capitalismo na região, o latifundismo mantém-se, reforçando seus bastiões fundiários.

As relações sociais de produção no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba modificaram-se substancialmente nas décadas de 1970 e 1980, em conseqüência do seu processo de modernização. A TABELA 4 indica estas transformações.

11 O índice de Gini é uma medida de grau de concentração qualquer. Ele assume valor zero, quando a distribuição é igualitária, tendendo a valor um quando a distribuição está concentrada nas mãos de uma só pessoa. 38

TABELA 3 - Índice de Gini nos municípios do Triângulo Mineiro, 1985 Município Índice de Gini Cachoeira Dourada 0,817 Canápolis 0,864 Centralina 0,802 Fronteira 0,852 Iturama 0,821 0,832 0,858 Uberlândia 0,810 Água Comprida 0,756 0,761 Capinópolis 0,764 Conquista 0,777 Frutal 0,769 Gurinhatã 0,752 Indianópolis 0,782 Ipiaçu 0,793 Ituiutaba 0,758 Prata 0,764 Santa Vitória 0,772 0,796 Uberaba 0,795 Veríssimo 0,751 0,743 Campo Florido 0,744 0,709 0,716 Conceição das Alagoas 0,732 0,734 São Francisco Sales 0,734 0,680 Média do Triângulo 0,778 Fonte: FIBGE. CENSO AGROPECUÁRIO - MG, 1985. Fundação João Pinheiro.

TABELA 4 - Pessoal ocupado, distribuído por categoria no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, 1970, 1975, 1980, 1985 Tipo de ocupação 1970 1975 1980 1985 Responsável e membros não-remunerados 105.369 111.575 116.167 125.575 Empregado permanente 18.351 34.605 53.696 62.097 Empregado temporário 37.763 36.537 43.867 74.411 Parceiro 25.506 15.913 9.471 7.329 Ocupação total 147.660 198.864 224.545 264.161 Fonte: FIBGE. CENSOS AGROPECUÁRIOS - MG, 1970/1975/1980/1985.

Durante o processo de modernização, as formas tradicionais de produção (parceiros, agregados) foram sendo destruídas. Os parceiros tomaram outros destinos, tornando-se assalariados permanentes ou temporários. Os dados evidenciam que o número de parceiros na região sofreu uma queda brusca nas décadas de 1970 e 1980. Os 25.506 parceiros existentes em 1970 reduziram-se a 7.329 em 1985. Esta 39 situação, em condições de concentração fundiária, representa a redução das possibilidades de acesso à terra, refletindo a total expropriação dos parceiros dos meios de produção, engendrando, assim, a proletarização e as tensões sociais pela posse da terra.

Em detrimento da pequena presença de parceiros na região, destaca-se o crescimento das formas de trabalho assalariadas, ficando evidenciada uma crescente proletarização da força de trabalho, sendo que aumentaram tanto os números de empregados permanentes como os de temporários, nas décadas de 1970 e 1980.

O crescimento do emprego temporário na região pode ser explicado pela expansão de algumas culturas que vinham se desenvolvendo na região, que, por não terem o seu ciclo produtivo todo mecanizado, como é o caso do plantio de cana-de-açúcar, café e laranja, ocupavam um grande contingente de força de trabalho temporária 12 , particularmente, nos períodos de colheita.

As formas de contratação temporária tornaram-se uma opção racional, do ponto de vista empresarial, posto que o trabalho diarista possibilitava uma redução de custos, em termos de encargos e obrigações trabalhistas, especialmente nas lavouras como o café e cana, em processo de expansão na região.

Nestas lavouras, a demanda pela contratação temporária tornou-se dominante, ocasionando graves problemas sociais, pela intermitência da renda e de trabalho que introduziram.

12 No entanto, devemos ressaltar que, após 1985, esse comportamento inverteu-se, começando a registrar taxas negativas de crescimento do emprego temporário, devido às inovações tecnológicas introduzidas nos processo produtivo. É o caso do uso da mecanização em todas etapas do processo produtivo, especialmente de culturas como cana e café, trazendo um impacto negativo para o emprego temporário. Infelizmente, não dispusemos de dados que confirmassem esta tendência em 1990, posto que o IBGE não realizou o Censo Agropecuário nesse período. Entretanto, os dados fornecidos pelo Censo de 1995/1996 evidenciam um decréscimo significativo do emprego temporário na região. Sobre o impacto da mecanização no emprego rural ver GARLIPP, 1999. 40

O contingente de trabalhadores sem-terra na região crescia, intensificando o êxodo rural e a formação de um amplo segmento de trabalhadores sem alternativa de emprego e renda, formando, assim, um excedente de força de trabalho não absorvível no mercado de trabalho.

Vale ressaltar que uma parcela de trabalhadores rurais bóias-frias constituía-se de pequenos proprietários que trabalhavam temporariamente nas grandes propriedades, em geral, nos períodos de safra, para complementar a renda familiar. Os agricultores familiares constituíam o maior contingente de mão-de-obra ocupada, voltada, principalmente para produção de subsistência. Organizada de forma tradicional, tornou-se cada vez maior a fragilidade das unidades de produção familiares, frente aos processos de intensificação das relações capitalistas no campo, visto que perdiam sua condição de produtores independentes.

O processo de expropriação dos trabalhadores rurais da posse da terra e a expansão do trabalho assalariado, produzidos pela modernização da agricultura, além das péssimas condições de trabalho, têm sido o núcleo do problema social no campo. Nessas condições, ganharam evidência na região as disputas de caráter trabalhista, ao lado dos conflitos pela posse da terra.

Mas, como essa realidade agrária reflete-se no município de Iturama, palco da gênese de luta pela terra dos parceleiros da Nova Santo Inácio Ranchinho?

Localizada no Pontal do Triângulo Mineiro, Iturama destaca-se por sua economia agropecuária, predominando a pecuária de corte (vide FIGURA 1). Em 1992, o Jornal “Correio do Triângulo” (CAMILO, 1992) publicou uma reportagem sobre o município, indicando ser este o dono do maior rebanho bovino de Minas Gerais, com nada menos que 743 mil cabeças cadastradas. Somadas as reses não cadastradas, calculava-se que esse número poderia ultrapassar 1 milhão de cabeças, 41 representando uma média de 22 bois por habitante. De acordo com os dados apresentados pelo Censo Agropecuário do IBGE, as áreas de pastagens plantadas em Iturama correspondiam, em 1985, a 73% da área utilizada. A predominância da atividade pecuária, na década de 1980, foi confirmada pela instalação de um frigorífico pertencente ao Consórcio Brasil Central de Carnes (ligado ao Grupo ABC, hoje Grupo Algar, sediado em Uberlândia), com capacidade de abate de 1.500 bois/dia, produzindo uma média de 30 mil toneladas de carne por ano.

Outra atividade predominante no município é a produção de cana- de-açúcar, que, estimulada pelo PROÁLCOOL 13 , começou a expandir-se a partir do início da década de 1980, período em que aí se instalou a Destilaria Alexandre Balbo, ocupando os espaços até então destinados, principalmente, à pecuária extensiva e às plantações de milho, algodão e arroz, produzidas pelas unidades familiares de produção.

A face agrária de Iturama, em 1985, era marcada pela grande concentração de terra. Segundo dados do Censo Agropecuário do IBGE, das 3.204 propriedades rurais do município, que ocupavam uma área total de 532.357 ha, as pequenas propriedades representavam 67,73% do total de estabelecimentos, ocupando somente 13,63% da área total. Por sua vez, os latifúndios com mais de 1.000 ha (2,37% dos estabelecimentos) detinham 32,93% da área total.

Demarcadas pelos cercamentos de terra que se estendiam nos latifúndios, as formas tradicionais de produção, como a parceria e o arrendamento, encontravam-se entrincheiradas. O depoimento do seu Calu , um dos líderes do movimento de luta pela terra, hoje parceleiro da Nova Santo Inácio Ranchinho, expressa bem o processo de expropriação a que foram submetidos os arrendatários em Iturama.

13 Vale ressaltar que o município de Iturama não foi contemplado pelos Programas de Ocupação do Cerrado, como o POLOCENTRO, PCI, PRODECER. O estímulo do PROÁLCOOL no município deu-se em razão do crescimento da produção de cana-de- açúcar na região que faz fronteira com o estado de São Paulo, principal produtor e consumidor do álcool combustível e do açúcar. 42

"Eu era arrendatário (...) Quando eu trabaiava de empregado, nas fazenda, o patrão mi dava uma carta di anuência e cum meu próprio suor, eu trabaiava e pagava tudo no fim do ano e ainda sobrava um poquim. A gente prantava milho, arroiz e algodão, um ano aqui, outro ali, purque o patrão num dexava prantá num lugar só! Num ano a gente prantava a lavoura, quando chegava outro ele vinha e fazia pasto. Até que nois fiquemo sem lugar prá prantá e fumo morar na cidade!" (seu Calu).

Não ter lugar para plantar significa perder direito ao uso da terra e residir em cinturões de pobreza da cidade, trabalhando como assalariado temporário. Trata-se de um processo de exclusão dos trabalhadores, que não encontrando mais oportunidade de trabalho como arrendatários e parceiros, começam a formar uma massa de trabalhadores rurais sem- terra excluídos do processo de produção.

Nos depoimentos dos trabalhadores 14 , surge a denúncia da precariedade de condições de vida e de trabalho dos bóias-frias.

"A vida do bóia-fria é muito difícil... Não tem nenhuma segurança, né?! Levanta muito de madrugada, muito cedo e pega aquele caminhão, vai pro trabalho! Se você trabalhar o dia todo, cê recebe, se não trabalhar, cê não recebe! (...) Então, cê tem que trabalhar o dia todo prá receber o seu dinheiro... Então não é fácil a vida do bóia-fria! É muito tumultuado... o caminhão, ora com ferramenta, junto...Todo mundo corre risco de vida! E depois, leva todo mundo junto, homem, mulher, criança, tudo misturado... Não tem nenhuma separação, prá falar, assim, isso aqui vai machucar criança... Eles querem saber se o caminhão tá lotado e tem pessoas prá trabalhar prá eles!" (Branca). "A vida de berolo - denominação do trabalhador volante na região do Pontal do Triângulo, - não dava não! Naquele tempo, eu ia pegá caminhão prá trabaiá... 30, 25 km... sujeito a morrer uma hora numa estrada aí, estrada ruim, cheia de buraco... sofrendo, chegando em casa sete, oito hora da noite, saindo no outro dia quatro, cinco hora! A vida de berolo não dá não!" (seu Calu).

O sentido dado às experiências como assalariado temporário denuncia uma outra face da modernização da agricultura: as precárias condições de vida e trabalho (emprego sazonal, salários baixos, extensas jornadas de trabalho, condições inseguras de transporte, entre outras).

Em 1989, os trabalhadores rurais “bóias-frias” da Destilaria Alexandre Balbo, em Iturama, traziam a público, mediante a mobilização

14 Os depoimentos transcritos a seguir referem-se àqueles coletados durante as entrevistas realizadas na pesquisa de campo. 43 e a greve, a situação de exclusão a que eram submetidos. A forma de denúncia encontrada pelos trabalhadores da referida destilaria, em greve, foi uma carta de esclarecimento à população da cidade:

ESCLARECIMENTO PÚBLICO Devido às extremas dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores da Destilaria Alexandre Balbo, os mesmos reunidos em assembléia, tiveram uma pauta de Reivindicações e uma Comissão para negociar com a Empresa. A Pauta foi entregue à Balbo no dia 13, tendo esta pedido um prazo de 10 dias para respondê-la. O prazo foi aceito, tendo se ralizado nova reunião com o patrão no dia 23. Como não houve uma contra- proposta no mínimo respeitosa por parte da Empresa, uma nova Assembléia, com mais de 300 trabalhadores decretou GREVE para o dia 27/02/89. Hoje a paralisação é de 100%, estando os 2.000 funcionários todos parados, e o Movimento é pacífico. Principais Reivindicações dos Trabalhadores: Salário Mínimo de NCz$191,00, pagamento de horas-extras, horas de transporte, adicionais noturno, insalubridade e periculosidade (CLT). Proposta da Balbo: Salário Mínimo Nacional (NCz$72,00), quanto às outras reivindicações pediram prazo de 150 dias para cumprir as leis trabalhistas. A Destilaria Alexandre Balbo vem espalhando pela cidade, que alguns agitadores estão obrigando os trabalhadores a fazerem greve e difamando as lideranças e representantes legais dos trabalhadores. Agora cabe à sociedade julgar nosso movimento. A maioria dos trabalhadores não está recebendo nem o salário mínimo legal, e seus filhos estão passando fome e enfrentando uma miséria sem precedentes! Visite as 400 e Confirme! Ajude os trabalhadores a vencerem a fome e a exploração, entregando sua contribuição em dinheiro ou alimentos para o fundo de greve na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Iturama.

Os trabalhadores foram vitoriosos no movimento grevista, alcançando algumas conquistas, tais como piso salarial, fornecimento gratuito pela empresa de ferramentas e equipamentos de proteção, controle da pesagem da cana por um trabalhador, transporte gratuito, com ferramentas em local adequado, entre outras. No entanto, a resposta da Destilaria Alexandre Balbo ao movimento dos trabalhadores foi a demissão de diversos funcionários.

Por sua vez, no mesmo ano, o frigorífico ligado ao Consórcio Brasil Central de Carnes foi fechado, havendo demissão em massa dos 44 trabalhadores. Aquele foi um ano em que a miséria e as condições de vida e de trabalho - resultantes do processo de modernização da agricultura - agravaram-se, contribuindo, assim, para as tensões sociais no campo. Barroso, uma das lideranças do movimento de luta pela terra gestado em Iturama, relembra as precárias condições de vida dos trabalhadores.

“(...) Foi um ano que o frigorífico de Iturama fechou as suas portas e ficou com mais de 500 trabalhadores desempregados! Foi um ano também que a entressafra da colheita de cana foi muito forte, desempregou muita gente. Porque a cana é assim, só dá trabalho no tempo da safra. O período da entressafra é um desemprego total, uma miséria total, a fome se alastra!” (Barroso).

Este é o contexto de fundo estrutural e conjuntural em que os trabalhadores travaram suas lutas. Os impactos sociais, resultantes do processo de modernização da agricultura no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, favoreceram o movimento de luta pela terra gestado pelos trabalhadores rurais em Iturama.

Foi nesse cenário que os trabalhadores rurais buscaram trilhar caminhos para superar a situação de exclusão e subordinação a que foram submetidos, colocando em cena novos cidadãos, “como membros integrais da sociedade, dotados de direitos civis, políticos e sociais, capazes de se fazerem reconhecer pelos demais como sujeitos de sua própria história e de se auto-reconhecerem como tal” (MEDEIROS, 1989:211), procurando romper com a irracionalidade do desenvolvimento excludente e da própria “modernidade” imposta pelo projeto de modernização da agricultura na região.

Neste trabalho, vamos buscar, pela narrativa dos trabalhadores rurais, os momentos vivenciados pelas práticas de luta e conquista da terra, revelando tais momentos como um processo de construção da cidadania e, simultaneamente, de reorganização de um novo território. 45

A narrativa de cada trabalhador, recuperada pela memória, leva à reconstituição de uma história construída coletivamente, sendo, portanto, expressão individual e coletiva de acontecimentos vividos por todos.

2 - O PROCESSO DE LUTA PELA TERRA COMO CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

Como vimos, a política de modernização da agricultura implementada na região do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, por meio dos planos de desenvolvimento e ocupação do cerrado, foi marcada por uma forte exclusão social, produzindo efeitos perversos para os trabalhadores rurais e constituindo, assim, um cenário em que os trabalhadores travaram suas lutas para a conquista da terra.

É nesse contexto de fundo estrutural, no qual a técnica e a racionalidade são as tidas como molas propulsoras do progresso, que esses trabalhadores, homens e mulheres, desvelam a face ilusória da modernidade. Estes se impuseram ao processo de exclusão e subordinação a que foram submetidos, “reivindicando o estatuto de serem sujeitos - com capacidade de pensar, agir, sentir e, principalmente, de construir uma cidadania plena, para além da cidadania ‘regulada’.” (NEVES, 1995:58).

Com base na realidade instituída pelo processo de modernização da agricultura na região do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, vemos os trabalhadores rurais, mulheres e homens, aí se inscrevendo com suas práticas instituintes de organização coletiva para a conquista de um pedaço de terra. Nas trajetórias de luta por eles vivenciadas, percebemos a existência de uma relação dialética entre as realidades objetiva e subjetiva (BOURDIEU: 1990). Se, por um lado, esses trabalhadores 47 foram objeto de um processo excludente provocado pela rápida modernização da agricultura, por outro, eles afirmaram-se como sujeitos, à medida que desencadearam ações coletivas na conquista e desapropriação de um latifúndio, buscando novas maneiras de reivindicar e exigir direitos de cidadania, criando novos espaços políticos, estabelecendo, assim, novas relações com a esfera pública.

Neste capítulo, recuperamos, por meio da memória e das experiências de um grupo de trabalhadores rurais, hoje moradores da fazenda Nova Santo Inácio Ranchinho, a conquista e a desapropriação de, 3.958 hectares de terra para fins de reforma agrária. Ao rememorar suas experiências, homens e mulheres falam de si mesmos, reconstroem suas trajetórias pessoais e sociais, assim como suas práticas de luta coletiva de afirmação da cidadania, na conquista dos direitos de acesso à terra. A recordação de fatos, lugares e ações narrados pelo grupo de trabalhadores possibilita perceber a articulação entre objetividade e subjetividade, mostrando a resposta que esses trabalhadores deram aos desafios vividos no processo de luta e conquista da terra.

2.1 - Experiência, memória, identidade coletiva e cidadania

Os estudos sobre memória popular mostram que determinadas experiências e trajetórias de lutas podem colaborar para o resgate da formação de processos de identidade coletiva. Como indicam PAOLI e ALMEIDA (1996), o trabalho de resgate da memória de experiências populares, no início, provoca um certo estranhamento aos narradores. No entanto, ao relatar suas experiências pessoais, começam a colorir as narrativas, pela reflexão das trajetórias que os levaram da vida privada à 48 vida pública. Dessa maneira, as lembranças de experiências vividas são realizadas de forma individual e também coletiva. Nesse sentido, ARRUDA (2000:29) observa que:

“Toda consideração da memória pressupõe a restauração de uma história individual e coletiva, de trajetórias de vida que só se singularizam ao se cristalizarem em experiências particulares, mas cujo significado último remanesce nos percursos socialmente compartilhados: no caráter simbólico da linguagem, na necessária dimensão social da experiência.”

No decurso da narrativa de cada entrevistado, desenrola-se uma multiplicidade de experiências que relembram fatos, lugares e ações, construindo um arquivo histórico, em que se organiza a memória do processo de luta pela terra conquistada, unindo-se a experiência individual com a história coletiva. Nesse processo de reconstrução das trajetórias de luta, o narrador individualiza-se, à medida que imprime uma singularidade a fatos e situações, trabalhando de modo peculiar sua história de vida (ARRUDA, 2000). Tais trajetórias trazem a marca social da constituição de uma identidade coletiva experimentada nas práticas de uma luta coletiva, que reivindicava o direito do acesso à terra. Dessa maneira, a memória deixa de ser individual, como indica SANTOS (1998), passando a constituir-se como elemento do processo de construção da identidade coletiva.

A reconstrução da memória a partir das experiências vividas no passado sob os influxos do presente está amarrada à construção da cidadania, entendida como processo pelo qual os “direitos são formulados, reivindicados, transformados e, sobretudo, vivenciados como parte da experiência dos seres humanos concretos” (ARANTES, 1996:9). De fato, ao prestarem depoimentos orais sobre o processo de luta pelo território conquistado, os moradores da fazenda Nova Santo Inácio Ranchinho reinterpretam as trajetórias por eles vivenciadas, apontando para emergência de uma esfera pública diferenciada, fundamentada na conquista do direito de acesso à terra. 49

Com base nas narrativas realizadas por um grupo de homens e mulheres, ex-sem-terra, procuramos analisar a trajetória de luta vivenciada por esses sujeitos que demandavam terra, procurando desvelar como viveram esses anos todos, como rememoram suas histórias de vida, o que determinou a construção de uma organização coletiva, que impõe, para o espaço público, o reconhecimento de suas experiências como cidadãos, como gestaram um projeto coletivo de luta por terra, tecendo regras de convivência e estratégias utilizadas para a disputa de um território, manifestando sua emergência no cenário político. As narrações sobre o processo de luta pela terra correspondem ao que a memória coletiva desses homens e mulheres selecionou, constituindo-se como uma história comum, tecida por vários sujeitos, que procuraram afirmar a sua cidadania durante todo esse percurso.

2.2 - Histórias de vida dos sem-terra

Analisando as histórias de vida dos moradores da Nova Santo Inácio Ranchinho, encontramos famílias originárias, em sua maioria, do Pontal do Triângulo Mineiro - Capinópolis, São Francisco Sales, Ituiutaba, Iturama, além dos municípios de , Limeira d’Oeste e União de Minas, então distritos de Iturama.

Entrecortada por interrupções e frases curtas, a história de vida dos trabalhadores sem-terra é relembrada como retalhos vividos por famílias migrantes com raízes no campo, em diferentes locais.

Para Zé Pretinho, não ter terra significa não ter raízes, não criar vínculos, além de ter a vida permeada por mudanças do local de residência e de trabalho. O processo de idas e vindas, de um lugar para outro, entre um patrão e outro, faz parte do seu cotidiano. 50

Eu fui nascido numa região, numa cidade, inclusive nem não conheço, que é Candeias, Minas Gerais, que fica pro lado de (...) Então, de Candeias, saindo de lá, nóis mudemo prá Bambuí. Bambuí nóis mudemo prá Campos Altos. Campos Alto é uma cidade que fica... é uma terra assim... como é que fala?... cidentada! É um lugar muito cidentado, cheio de serra...Então, de lá, então nóis tinha um tio meu que mudou prá região de São Francisco Sales, no Triângulo Mineiro (...)Então nóis peguemo o trem de ferro em... Uberlândia... em Campos Alto (...) viajemo a noite inteirinha prá chegar em Uberaba no outro dia cedo! Cheguemo em Uberaba, nóis pegou o ônibu cedo (...) Nóis foi chegar em São Francisco Sale, que não é tão longe assim, cê mesmo conhece, já tava escureceno... Apiamo em São Francisco e depois a gente pegou um caminhão e fomo até... uns vinte Km prá frente de São Francisco, aí nóis já fomo lá, de modo de... apiou, aí nóis teve que andar de a pé... 10 km de a pé, carregando mala na cacunda! Chegar na fazenda... na fazenda de um tal Manoel Jacinto... fazenda... Saltadô, na beira do Rio Grande, que faiz divisa lá cum estado de São Paulo. Então, lá nóis ficou uns treis ano nessa fazenda, tocano roça. (Zé Pretinho).

Nos campos, nas roças, vivendo como parceiros, arrendatários ou agregados, homens, mulheres, jovens e crianças faziam um pouco de tudo. Plantavam, desmatavam regiões, criavam animais, arrendavam terras, eram capatazes ou empregados permanentes. A vida de perambulação afetava os antigos parceiros, ora vivendo numa fazenda, ora mudando-se para outra. A produção para subsistência era ameaçada pela permanente exigência de retirada da terra lavrada concedida, ou mesmo, arrendada pelos fazendeiros. Os relatos de Zé Messias, Zé Pretinho e seu Calu fazem uma descrição dessa trajetória:

Naquela época, meu pai num tinha terra, nóis morava em terra dos outro... E os fazendeiro não fazia muita conta! Cê pudia criá gado, cê pudia criá porco, cê pudia criá de tudo! Eu me lembro que foi numa época em que começaro a proibí as criação através da égua! Oh, fulano, cê vende a égua que cê tem... Começaro a entrá na cabeça dos fazendeiro que a égua destruía o pasto (...) Então, aí, já começaro a se dispor das égua, né? Então, essa foi a primeira proibição de... de arrendatários, né? E daí, foi... já foi evitando o número de criação que ocê pudia tê... e a coisa foi fechando... (Zé Messias). A gente trabaiava de empregado. Trabaiva na fazenda, era empregado, meeiro, prantava roça, panhava café. Não tinha o serviço certo também não! E não era registrado também não! No mesmo instante que tava trabaiando por dia, ele tava pegando impreita! No mesmo instante que tava pegando impreito, ele tava mexendo cum a roça, que era a meia. Prantava milho, arroiz... (Zé Pretinho). 51

(...) Às veis cê ficava dois anos numa fazenda ou treis... Quando o patrão via que cê cuía bem, que cê fazia a vida melhor... Então já mandava imbora, né? (seu Calu).

Ao serem expropriados da terra, por não encontrarem mais a oportunidade de trabalhar como parceiros ou arrendatários, os trabalhadores migraram para as cidades, vivendo nos cinturões de pobreza, formando uma massa de sem-terra, mais conhecidos como bóias-frias.

A experiência de Maria como trabalhadora rural começou aos 16 anos, quando deixou de viver em acampamentos ciganos e passou a morar na periferia de Limeira d’Oeste com seu esposo Zé Pretinho. Ao relembrar seu trabalho, o faz com tristeza e com a consciência de que aceitava, com um certo conformismo, as péssimas condições de vida a que ela e sua família eram submetidas.

A vida da gente era muito sofrida... A gente era muito pobre (...) Aí, nóis foi trabaiá. O Zé foi trabaiá, tinha panha de algodão, a gente começô a apanhá algodão! Uma vida muito sofrida... pagava água, aluguel, luz (...) E aí, quando comecei a trabaiá na roça, tive que pagá uma mulhé pra oiá as menina... Aí nóis panhava muito algodão, eu e o Zé. A gente trabaiava na roça, raleava, catava milho por quilo (...) O Zé panhava 24 arroba de algodão, eu panhava 14 arroba de algodão... Eu gorda do Ronaldo, de sete meis, eu panhava 14 arroba de algodão! Naquela era, nem roupa pra trabaiá na roça a gente não tinha! Chegava à noite, eu lavava minha brusa, porque a gente suava, né? A sujeira na roça é muita, né? Eu lavava minha brusa e ficava com ela moiada! As minhas companheira me via ficá com a brusa moiada, eu gorda de sete meis... - Maria, cê tá ficano louca menina! Cê vim pra roça com a brusa moiada! E eu falava: - Uai, eu não tenho outra, tenho que vim! Vim com ela suja, a gente num güenta! E aí, a gente sempre foi muito sofrida! A gente mudava pras carvoeira, a gente tentava as carvoeira, a gente sofria muito em carvoeira! O Zé queimava... Muitas veiz os fazendeiro chamava o Zé pra queimar porque ele era muito bão pra queimar, né?! Queimar lenha! Até toda semana saía com um caminhão de carvão... Então ele era muito procurado pra tá queimano! E a gente sofria demais na carvoeira! Minhas menina queimou os pé uma veiz, minhas duas menina, a Silvana, o André queimou o pé na carvoeira... Então era uma vida muito sofrida mesmo, sem ter ninguém pra ajudá eu lavá uma fralda deles! (...) Muitas veiz água tinha que buscá, numa distância, não era tão longe, mais também pra mim com aquelas criança era longe. Água tirada no poço... A vida da gente tava muito sofrida! E a gente enfrentava aquela carvoeira... Perdi... tava grávida de cinco meis e perdi, ajudano o Zé a carregá cesta de carvão! Aquela cestona comprida... Ele ia tirá e eu pegava dum lado, ele pegava do outro! Ensacar carvão! Não, cê precisa de vê! A Divina, meus menino, cê 52

chegava, só via o olho e os dente! De tanto é que eles sujava dos carvão. E muitas veiz, igual eu tava te falano, a gente não raciocinava porque a gente não tinha a cabeça que hoje a gente tem! Naquela hora a gente ainda achava que tava bom, né?! Hoje não, hoje a gente tem história, né?! (Maria).

Este relato revela a representação que Maria faz da sua experiência como trabalhadora bóia-fria na cultura do algodão e nas carvoeiras, expressa em uma única palavra: sofrimento. A interpretação crítica, realizada por Maria sobre as relações de trabalho ocorridas no campo, está marcada pelas péssimas condições de vida: pobreza, sujeira e esgotamento físico configuram-se como a maneira que ela concebe as condições materiais que colocam em risco a sobrevivência dos trabalhadores rurais. O sofrimento experimentado por essa trabalhadora está também relacionado à desvalorização das tarefas realizadas pelos bóias-frias. Dessa maneira, o trabalho no campo é apresentado como um peso, um sofrimento que jamais termina, um esgotamento constante que fazem parte do cotidiano desses trabalhadores e trabalhadoras (NEVES, 1995).

Em outro momento, ao fazer referência à sua condição de mulher, Maria expressa as péssimas condições a que as trabalhadoras volantes são submetidas na esfera doméstica: o trabalho doméstico redobrado com o cuidado dispensado às crianças e o fato de enfrentar longas distâncias para buscar água, demonstrando a condição difícil vivenciada por elas. Para Branca, a trabalhadora bóia-fria

"Não tem nenhuma segurança, né? Levanta muito cedo e pega aquele caminhão, vai pro trabalho! Se você trabalhá o dia todo, cê recebe. Se não trabalhá, cê não recebe! Além do que você não pode tá parando, porque se fosse uma coisa sua, você ...não, vou parar agora, tô cansada! Vou descansar! Lá não pode! Então... cê tem que trabalhar o dia todo pra receber o seu dinheiro (...) Chega dentro de casa, quase não dá conta de cuidá das suas tarefas... As mulheres, principalmente, sofre muito mais porque a casa delas fica sem arrumá! Quando ela chega em casa, ela vai te que arrumá toda a casa, ela vai ter que lavá roupa de noite! E o marido vai descansá! Então, ela trabalha muito mais que o homem... E acorda muito cedo, porque ela é que vai prepará a comida, enquanto ele pode ficar um pouco mais na cama, né? A mulher é bem mais difícil pra ela. A necessidade de tá ajudando o marido no orçamento, né? Porque a mulher é o esteio... a mulher é o esteio de casa e... os 53

homem não valorizam isso! A própria sociedade não valoriza." (Branca).

Assim, o que se percebe é que, ao lado da dupla jornada de trabalho da mulher bóia-fria - que tem como função primordial a responsabilidade do trabalho doméstico -, as condições impostas pelas tarefas executadas no campo coíbem os trabalhadores e trabalhadoras de qualquer ato de autonomia e liberdade, posto que exercem um controle intenso sobre a força de trabalho, sujeitando-os a um tempo disciplinar determinado pela produção 15 .

Sob os influxos do presente, essas mulheres identificam os momentos de conformismo frente às diferentes situações que vivenciaram no passado, seja em razão da “necessidade de tá ajudando o marido no orçamento” ou porque recordam que, naquela época, “a gente não raciocinava porque a gente não tinha a cabeça que a gente hoje tem”. Suas experiências e lembranças são repensadas, constituindo uma consciência crítica que têm do trabalho volante.

Desse modo, o que os depoimentos dessas mulheres revelam é que suas experiências como trabalhadoras volantes foram marcadas pela desvalorização, pelo sofrimento, pelo conformismo. Essas marcas levantadas pelas mulheres entrevistadas talvez sejam as mais claras para identificar o momento de frustração que foi o processo de proletarização dos trabalhadores do campo, já que ficavam sujeitos a inúmeras situações de exploração e de extremos controles da vida, da liberdade, enfim, dos seus sonhos.

Entretanto, ao realizarem uma leitura de suas experiências de vida, os trabalhadores dramatizam tanto as condições de exploração a que foram submetidos, como demonstram os momentos de ruptura e de

15 Como indica DAWSEY (1992), os trabalhadores rurais são movidos por um ideal de autonomia com forte ressonância entre pessoas com origem social no campo, o que os levam a resistir às condições disciplinares a que ficam sujeitados na vida operária. 54 negação à vida sofrida que levavam, recusando a situação de bóia-fria ou mesmo de empregados permanentes.

Em seus depoimentos, os ex-sem-terra afirmam a disposição de lutar por seus direitos, recusando a condição de bóia-fria, participando de movimentos grevistas e de ocupação de terras.

Em 1988, quando era delegado de base do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Iturama, no então distrito de Limeira d’Oeste, Zé Pretinho organizou a primeira greve dos bóias-frias da cultura de algodão. O que motivou a realização da greve, segundo esse entrevistado, foi o preço pago pelos fazendeiros pela arroba colhida do algodão, bem abaixo das expectativas dos trabalhadores. Como os patrões não entraram em acordo com a Delegacia Sindical, iniciou-se um processo de mobilização para a greve. Se a estratégia dos empregadores consistia em não conceder centavo algum a mais do que já pagavam, os trabalhadores exigiam seus direitos, caso contrário iriam impedir a saída de caminhões que transportavam os bóias-frias. Zé Pretinho dramatiza as estratégias de luta dos assalariados para garantir o cumprimento de suas reivindicações:

"A greve é o seguinte: nóis ia pará todo mundo, pará todo mundo, ninguém ia saí pra apanhá algodão. A condução que fosse saí, antes de saí nóis tava cercano, não ia passá. Os caminhoneiro que tentasse passá, a gente ia quebrá o caminhão no pau! E as pessoa... nóis ia tirá as pessoa pra podê ajudá nóis! Ah! Se chegasse algum caminhão antes da gente vim pros piquete, na hora de voltá, ele não entrava. Então a gente ia paralisá a cidade! (...) Só ia voltá a panhá algodão, depois que eles dessem 100% de aumento na panha de algodão! (...) Quando foi noutro dia, bem de madrugada, eu acordei e saí com mais treis companheiro. Saímo pra fazê piquete! Então nóis saímo e começamo a chamá mais gente (...) Aí nóis topamo com a polícia (...) Aí, perguntô - refere-se ao policial - pra mim aonde eu lá ia! Aí eu falei: - Nóis vamo pra saída pra cercá os caminhão que vai levá pras panha de algodão! E hoje não é pra saí ninguém! (...) Aí os guarda falaro assim: - Uai, nóis pode até te prendê que cê tá muito atrevido, viu? - Uai,cês quisé me prendê, cês prende, mais cês vai prendê uma pessoa que tá lutando pelos meus direito! É um direito que eu tenho! (...) Então, resultado: a greve durô quatro dia! Perdeu leite adoidado, pruque o caminhão não ia buscá, pruque não entrava. Quatro dia de greve! A primeira greve que eu participei, a primeira greve que existiu dentro de Limeira d’Oeste, que foi vitoriosa essa greve!" (Zé Pretinho). 55

Nesse depoimento, percebemos que Zé Pretinho não está considerando um movimento grevista apenas como um instrumento de reivindicação. Ele dramatiza uma greve na qual os trabalhadores constroem sua identidade social, iniciando a demarcação do espaço da cidadania, fortalecendo a legitimidade das suas regras, em contraposição às impostas pela polícia e pelos patrões.

Ao relatar sua história de vida, Zé Maria indica a origem de sua disposição em plantar a vida em sua própria terra, recusando submeter- se à condição de bóia-fria, ao participar de um movimento de ocupação de uma propriedade que pertencera ao seu tataravô em Capinópolis.

"Bom, antes d’eu entrar no movimento dos sem-terra, eu sempre fui... trabalhadô rural, ou seja, bóia-fria, né? Quando eu entrei pro movimento, eu entrei até... jovem, com 18 ano... Lá em Capinópolis mesmo que iniciou, através da minha família, que lá tem demanda de terra... ou seja tinha, não tem mais! Da família Teodoro com os fazendeiro lá de Ituiutaba que grilaro a fazenda do meu tataravô. Então, eu sempre ouvia meus tio, os meu pai dizê que tinha tal terra... E a partir dessa ocupação que nóis realizamo lá em Capinópolis em 84, é que abriu... assim... horizonte pra mim entrá nesse movimento!" (Zé Maria).

Dessa maneira, o sentido da experiência ligada às práticas de perambulação como parceiros, arrendatários ou mesmo assalariados temporários, mudando de fazenda em fazenda, marcando sua presença no terreno da exclusão, certamente estimulou a luta pela terra desencadeada em Iturama.

2.3 - Os equívocos da reforma agrária e a constituição do espaço político

A análise do processo de luta pela terra desencadeado pelos trabalhadores sem-terra em Iturama, conduz-nos à compreensão de algumas condições objetivas relacionadas ao contexto de refluxo do 56 movimento de ocupações de terra, diante da derrota da proposta apresentada pelos trabalhadores para a reforma agrária, na Constituição de 1988. Nesse sentido, é fundamental compreender as implicações que as diversas propostas de reforma agrária, assumidas por diferentes agentes sociais, em momentos diversos, impuseram aos personagens da luta pela terra.

O tema da reforma agrária sempre esteve presente no debate político nacional, de maneira mais ou menos intensa, como crítica e denúncia do poder dos grandes proprietários sobre seus subordinados. (MARTINS,1999 e MEDEIROS, 1993). Vinculada à discussão dos males do latifúndio, os tenentistas já falavam, na década de 1920, da necessidade de realizar transformações fundiárias como condição para eliminar os vícios que caracterizavam o atraso político no Brasil. Nos anos de 1950, a questão da reforma agrária foi incorporada pelo movimento camponês, que a tomou como principal bandeira de luta, passando a ser vista como solução para a pobreza e a desorganização das áreas rurais. Desse modo, a demanda por reforma agrária passou a ser pensada com base nas concepções e atuações da Igreja Católica e dos partidos de esquerda, importantes interlocutores nas lutas dos trabalhadores rurais (MICHELOTO, 1991).

Foi no início dos anos de 1960, no entanto, que a reforma agrária tornou-se uma demanda ampla disputada por diferentes forças sociais e projetos diferenciados, que se convergiam para uma postura crítica em relação à concentração da propriedade fundiária, tendo como eixo o modelo nacional-desenvolvimentista. Como mostram MEDEIROS (1993) e ABRAMOVAY (1994-a), a questão agrária nesse período, era vista como um obstáculo ao desenvolvimento econômico, posto que, na estrutura fundiária dominada pelo latifúndio, a agricultura seria incapaz de se desenvolver tecnicamente e de contribuir para a elevação da produção. Sob essa ótica, entendia-se que a maior parte dos trabalhadores rurais, não tendo acesso à terra, não poderia participar do 57 processo técnico, ficando à margem do mercado econômico. De acordo com MEDEIROS (1993:6),

“Foi nesse contexto de crítica generalizada ao latifúndio que se constituiu socialmente e ganhou legitimidade no terreno político a concepção de que a alteração na estrutura de propriedade seria condição para vencer o atraso, tanto econômico (entendido principalmente como aumento da produção) como político, com a alteração das relações de poder. Ao mesmo tempo, no interior das principais forças que disputavam a direção das lutas camponesas, a reforma era entendida como condição necessária para o desenvolvimento e, portanto, como parte da questão nacional.”

No período nacional-desenvolvimentista, as ligas camponesas começavam a demandar uma reforma agrária radical como contraposição à proposta conservadora de manutenção da estrutura agrária concentradora.

Preocupados com as tensões ocorridas no campo e temerosos com o possível fortalecimento dos grupos de esquerda que poderiam produzir uma desestabilização política no país, os militares tomaram a dianteira das reformas sociais propostas pelo modelo nacional-desenvolvimentista, abafando as disputas emergentes dos trabalhadores rurais. Após a ruptura institucional de 1964, os militares redigiram e aprovaram o Estatuto da Terra no Congresso Nacional, como alternativa à “uma reforma agrária radical que levasse à expropriação dos grandes proprietários de terra com sua conseqüente substituição por uma classe de pequenos proprietários e pela agricultura familiar, com sucedera em outras sociedades” (MARTINS, 1999:80).

Mediante o Estatuto da Terra, os governos militares atuaram no sentido de manter intacta a propriedade da terra, patrocinando a modernização conservadora, alargando as desigualdades na agricultura, destruindo a agricultura familiar e consolidando o latifúndio. Por trás do espaço legal estabelecido pela nova lei que se propunha a realizar transformações na estrutura fundiária, o Estado autoritário reprimiu os movimentos sociais, perseguiu lideranças, além de controlar o movimento sindical. Para MEDEIROS (1993), o Estatuto pouco 58 significou em termos de medidas concretas em relação às demandas de acesso à terra reivindicadas pelos trabalhadores rurais.

O processo de modernização que se verificou na agricultura brasileira, a partir da década de 1970, demonstrou que a reforma agrária não era condição sine qua non para o desenvolvimento econômico, como propunha o modelo nacional-desenvolvimentista. Apesar das transformações produzidas pela modernização tecnológica, a contenda por acesso à terra permaneceu como reivindicação do movimento sindical. Assim, no bojo da luta contra o regime militar e pela redemocratização do país, os trabalhadores do campo voltaram a ocupar os espaços públicos para demonstrar a outra face da modernização: a situação de exclusão a que foram submetidos, tendo a reforma agrária como bandeira de luta (MEDEIROS, 1993).

Diante da pressão exercida pelos movimentos sociais no campo por um programa redistributivo de terras, a Nova República surgiu com um projeto de reforma agrária, fundamentado no Estatuto da Terra: o PNRA - Plano Nacional de Reforma Agrária.

Anunciada por ocasião do IV Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, a primeira proposta do PNRA elegia a reforma agrária como prioridade de governo (BRASIL, 1985), estabelecendo como pressupostos básicos: a desapropriação por interesse social naquelas propriedades que não cumprissem sua função social 16 , considerada o principal instrumento de reforma agrária; a penalização dos proprietários fundiários pelo não cumprimento da função social da terra, mediante a indenização de terras desapropriadas com base no valor declarado pelo imposto territorial rural; a garantia da participação das

16 De acordo com o que dispõe o Estatuto da Terra, a propriedade rural cumpre sua função social quando, simultaneamente, “favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como a de suas famílias; mantém níveis satisfatórios de produtividade; assegura a conservação dos recursos naturais; observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivam” (BRASIL, 1985:13).

59 organizações dos trabalhadores em todas as fases do projeto; a concretização da reforma agrária por meio do assentamento dos trabalhadores rurais, sendo que a colonização, a regularização fundiária e os mecanismos tributários apareciam como programas complementares.

Embora o PNRA tenha proposto levar às últimas conseqüências as possibilidades de desapropriação estabelecidas no Estatuto da Terra, indicando como meta o assentamento de 1,4 milhão de famílias em quatro anos, o governo da Nova República realizou, no período de 1985 a 1989, o assentamento de apenas 82.896 famílias 17 , demonstrando um recuo expressivo com relação à efetivação da reforma agrária.

Na verdade, o PNRA estava longe de corresponder às expectativas dos trabalhadores do campo, encontrando resistências nas entidades representativas, especialmente do Movimento dos Trabalhadores Sem- Terra - MST -, da Central Única dos Trabalhadores - CUT - e da Comissão Pastoral da Terra - CPT -, que intensificam suas ações de mobilização e de ocupações de terra em diversos pontos do Brasil.

Por sua vez, a reação dos proprietários rurais com relação ao PNRA foi imediata, sobretudo da Confederação Nacional da Agricultura - CNA -, da Sociedade Rural Brasileira - SRB - e da União Democrática Ruralista - UDR 18 -, que entraram no cenário público para combater a proposta de realização da reforma agrária apresentada pelos trabalhadores. Como enfatizam BERGAMASCO e NORDER (1985), MARTINS (1999), MEDEIROS (1993), PALMEIRA (1994) e VEIGA (1994), o movimento dos proprietários rurais - especialmente a UDR -, realizou uma campanha anti-reformista, articulando-se com os empresários agroindustriais e os parlamentares no encaminhamento de lobbies no Congresso Nacional em defesa de seus interesses, além da realização de congressos, acampamentos em Brasília, leilões de gado

17 Fonte de dados obtida no Relatório de Atividades do INCRA. 18 Entidade de representação dos grandes proprietários de terra, criada em 1985, como reação ao PNRA. 60 para engrossar as fileiras de aliados políticos e arrecadar fundos para suas campanhas publicitárias, bem como a promoção de ações violentas contra expressivas lideranças de trabalhadores. Ficava visível a intrusão de ações políticas no interior do Estado, fazendo sentir um nítido arrefecimento das desapropriações de terra. O resultado dessas ações foi o recuo do PNRA. As bases legais para desapropriações foram estreitadas, mantendo-se intacto o latifúndio, seja o latifúndio por exploração ou por dimensão, desde que cumprisse formalmente sua função social.

Com a derrota do PNRA, a efetivação de ações que inviabilizariam a reforma agrária deram-se na elaboração da Constituição de 1988. Concordamos com MARTINS (1999:91), quando este afirma que:

“Os precários avanços na legislação da ditadura militar foram praticamente anulados pelos constituintes. A utilização de conceitos de ‘propriedade produtiva’ e de propriedade improdutiva’ introduziu uma ampla ambigüidade na definição das propriedades sujeitas à desapropriação para reforma agrária, praticamente anulando as concepções relativamente mais avançadas do Estatuto da Terra."

Com as restrições impostas pela Constituição, tornou-se possível a efetivação de um conjunto de mecanismos de bloqueio à reforma agrária, dentre eles, a realização de desapropriações mediante prévia e justa indenização, mantendo o latifúndio insuscetível de desapropriação, eliminando, assim, o caráter punitivo pelo não-uso adequado da terra (MEDEIROS,1993).

Em que pesem as derrotas dos trabalhadores com as sucessivas alterações do PNRA e de suas reivindicações na Constituição implicarem num refluxo das ocupações de terra, os movimentos sociais no campo revigoraram suas forças, lançando novos desafios para a realização da reforma agrária.

Foi nesse cenário de recuo da reforma agrária que, em Iturama, os trabalhadores rurais saíram do espaço privado e entraram no espaço público, construindo uma história outra, uma outra história. 61

2.4 - A gênese da luta pela terra

A desapropriação de 3.958 ha da Fazenda Nova Santo Inácio Ranchinho surgiu como resultado de uma história de mais de quatro anos de luta dos trabalhadores rurais.

No cenário do processo de modernização da agricultura e do refluxo da reforma agrária, uma série de acontecimentos marcantes pontuaram a vida dos trabalhadores rurais sem-terra, que experimentavam novas práticas sociais, buscando superar as condições de exploração e subordinação a que foram submetidos, saindo do espaço privado para ocupar o espaço público (NEVES, 1995).

O depoimento de Zé Pretinho expõe que a emergência do movimento em Limeira d’Oeste estava relacionada à precariedade das condições de trabalho no campo.

"A gente chegava na roça, a gente tava cansado! A gente trabaiava o dia inteirinho e de tarde a gente tinha que andá treis hora em pé (refere-se à carroceria do caminhão). Foi aí, que no dia trinta de abril eu falei pra minha mulhé: - Eu quiria tá agora no meio daquele rio, com uma corda amarrada no pescoço e uma pedra amarrada nela , pra mergulhá, pra nunca mais aboiá. Aí, a Maria tava atrás de mim e falô: - Mais pra que cê tá falano isso? Eu falei: - Disisperado com a vida e de sabê que eu vou ficá velhinho subino no caminhão de bóia-fria pra defendê o pão de cada dia! Então, pra levá essa vida, antes morrê. Foi justamente na hora que me deu um tino! Lutá pela reforma agrária! (...) Aí, eu convidei os companheiro... Dia 14 de maio de 89 ia ter uma reunião lá em casa. Eles perguntaro pra que? -Uai, pra nóis começá a discutir sobre a questão da reforma agrária, fazê ocupação de terra!"

Pelo relato de Zé Pretinho, entende-se que a proposta de ocupação de terra surgiu, então, da ruptura com a subordinação. O grupo de trabalhadores, visto antes como agregados, obedientes e submissos, iniciava um processo de reação à exploração a que eram submetidos, partindo, assim, para a luta por um pedaço de terra. 62

Se, a princípio, o espaço social que esses trabalhadores ocupavam era o de sujeitos anônimos e dispersos, ao longo do tempo eles foram construindo uma história em comum, uma identidade coletiva na qual inscreveram suas práticas de luta.

Além do mais, o sucesso da reforma agrária implementada na fazenda Barreiro, em Iturama 19 , também motivou aqueles trabalhadores a participarem de uma organização coletiva de luta pela terra. Barroso explicita a motivação que determinou a saída do isolamento e do anonimato do grupo de trabalhadores para a constituição da organização coletiva, quando relata que:

"(...) a realidade do desemprego e das precárias condições de vida, levou aquela gama de trabalhadores desempregados a fazer uma analogia da vida deles de pobre esfominhado com a vida dos assentados da fazenda Barreiro! E se perguntava, se aquele grupo da Barreiro, que lutou, sofreu, mas hoje tá na terrinha deles, tá produzino, tá desenvolvendo sua vida, porque também nós não podemos fazer o mesmo processo?"

Os relatos desses trabalhadores revelam que a emergência do movimento de luta pela terra em Iturama estava relacionada tanto com o fato dos assalariados resistirem à sua situação comum de excluídos dos benefícios da modernização, quanto ao sucesso da fazenda Barreiro como espelho da luta. Com isso, o conjunto dos trabalhadores rurais ocupou o espaço público com a demanda por reforma agrária.

Zé Pretinho, representando a Delegacia do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Iturama, iniciou, no então distrito de Limeira d’Oeste, o processo de mobilização dos sem-terra interessados em obter um pedaço de terra. Para isso, colocou sua residência como espaço público de discussão e mobilização dos trabalhadores na luta por acesso à terra. As entrevistas realizadas com esses trabalhadores revelam que, a

19 A reforma agrária na fazenda Barreiro foi resultado de um processo de luta desencadeado por um movimento de posseiros e trabalhadores sem-terra em Iturama, ocorrido no período de 1982 a 1988. Foi a primeira fazenda desapropriada para fins de reforma agrária na região. Sobre o processo de luta pela terra na fazenda Barreiro, ver RAMOS, 1993 e MICHELOTO, 1990.

63 princípio, o movimento foi espontâneo: Zé Pretinho, por iniciativa própria, realizou a primeira reunião que contou com 27 trabalhadores. Naquele momento, os trabalhadores tomaram a iniciativa de constituir um projeto que orientaria a luta coletiva. Eis o que recorda Zé Pretinho:

"Aí, o pessoal nesse dia foi. Foi 27 pessoa. Aí, eles perguntaro pra mim: - O que nóis vamo discutí? Aí, eu me lembro como se fosse hoje, como se fosse hoje... Eu pedi pro meu menino, que eu não dava conta de escrevê, fazê um cabeçalho. Eu me lembro que coloquei assim: “Nóis, trabalhadô rural de Limeira d’Oeste, fizemo uma reunião na casa de José Bernardo dos Santos, conhecido como Zé Pretinho, pra discutí a reforma agrária, procurá uma ajuda melhor pra cada um, pra vivê uma vida digna!” Isso eu me alembro de mandá o meu menino escrevê e colocá ali." (Zé Pretinho).

Fica evidente que essa lembrança de Zé Pretinho configura-se como a gestação da identidade coletiva: o que uniu os trabalhadores foi a busca de “uma vida digna” , como forma alternativa para superar a situação de exclusão e subordinação a que foram submetidos como assalariados. Dessa maneira, os trabalhadores reconheceram-se como membros de um mesmo grupo, passando a incluir sua pertença ao projeto coletivo de acesso à terra.

Se, por um lado, a demanda de acesso à terra foi o que aglutinou os trabalhadores, por outro, estes não conseguiram organizar, de forma autônoma, as estratégias de luta essenciais para a constituição de seu projeto. O próprio fato de tornarem públicas suas demandas, antes mesmo de se articularem a uma rede de instituições que prestasse assessoria à luta dos trabalhadores, deixou-os expostos perante seus opositores - os latifundiários organizados pela UDR -, que mobilizavam a polícia para reprimir qualquer ação coletiva desencadeada por aqueles trabalhadores.

Reconhecendo o espontaneísmo inicial do movimento e a falta de experiência na definição de estratégias de luta, o grupo buscou, então, a assessoria da CPT - Regional do Triângulo -, para orientá-los na discussão do projeto que estavam construindo. Sobre o espontaneísmo, Edivaldo explica: 64

"(...) Quer dizer, foi um movimento, assim, muito... espontâneo! De pessoas que não tinham nada, assim,. de conhecimento, mas que tinha as necessidades, né? De fazer essa luta, de puxar essa discussão." (Edivaldo).

A CPT, que já prestava assessoria no assentamento da Fazenda Barreiro, iniciou o processo de acompanhamento da organização dos trabalhadores, recomendando-lhes que mantivessem do sigilo absoluto na definição de suas estratégias de luta, pela atenção que as reuniões públicas despertavam nos fazendeiros da região, podendo vir a constituir focos de tensão e de repressão ao movimento que estava se organizando.

A partir de então, os trabalhadores deram início à fase preparatória do movimento. Nesse período, levantaram os nomes dos interessados em ter uma parcela de terra, realizaram reuniões constantes para definir suas práticas e estratégias de luta, além de refletirem sobre o significado de ocupar terra em Iturama, território político da UDR. Foi o momento de definição das lideranças internas e de reunião das forças aglutinadoras do movimento, articulando-o a uma rede de instituições que apoiava a luta dos trabalhadores pela reforma agrária. Frei Rodrigo, integrante da CPT 20 , e Barroso registram a preparação dos trabalhadores:

"A nossa equipe da CPT foi comunicada, então, pelo pessoal que tava organizando (refere-se ao processo de organização coletiva dos trabalhadores na ocupação para fins de reforma agrária)... Eu me lembro que nós fomos numa primeira reunião... que nós participamos (...) Eu me lembro que tinha uma lista de 300 pessoas (...) E foi nesse momento que nós iniciamos... vamos dizer assim... efetivamente, com esse grupo, o trabalho. Que que nós fizemos ? Nós entramos em contato com a CPT estadual, né? Entramos em contato com a CUT. Entramos em contato com o Movimento dos Sem-Terra (...) Eu acredito que... esse trabalho que se iniciou lá na região foi um dos primeiros que teve maior articulação! Fizemos um contato com o partido e se procurou criar um fórum de discussão pra tá vendo como seria essa articulação." (Frei Rodrigo). Naquele momento, o grupo tava se fortalecendo, tava discutindo, ainda, a possibilidade de fazer uma ocupação de terra. O que significava ocupar terra no Triângulo Mineiro, em Iturama, nas barba da UDR... Então, o que a gente chamava de trabalho de

20 Até 1990 a CPT contava com uma Regional no Triângulo Mineiro, ano em que os integrantes do escritório regional romperam com a direção estadual, criando então, a Animação Pastoral no Meio Rural - APR -, da qual faz parte Frei Rodrigo de Castro Amédée Perét, uma expressiva liderança na assessoria aos movimentos dos sem- terra na região. 65

iniciação, hoje nós falamos em trabalho de base. O trabalho de base é reunir as famílias, tá explicano como funciona a luta, tá levando as pessoas a tomar consciência do que que ela vai fazer, como é que ela vai ingressar naquele grupo." (Barroso).

Se as lideranças, junto com as entidades mediadoras que apoiavam o movimento, realizavam a discussão política da organização do grupo, os trabalhadores tinham pressa e disposição para lutar por seus direitos, o que exigia a definição de ações práticas para efetivar o processo de ocupação de um latifúndio improdutivo. Dessa maneira, realizaram vistorias nas fazendas do município, com o objetivo de identificar uma área passível de desapropriação, planejando, assim, ações complexas para a ocupação do latifúndio.

Por sua vez, o fórum de entidades, constituído inicialmente pelo Partido dos Trabalhadores de Iturama, Sindicato e Oposição Sindical dos Trabalhadores Rurais, Movimento dos Sem-Terra, Central Única dos Trabalhadores - Regional do Triângulo - e Comissão Pastoral da Terra, iniciou, em 1989, um trabalho de articulação junto a outros sindicatos, Igrejas, outros partidos políticos, dentre outras entidades urbanas da região, objetivando o apoio financeiro e político ao movimento. Comprometido politicamente com a luta dos trabalhadores sem-terra da região, esse fórum arrecadou recursos financeiros para cobrir despesas referentes à operacionalização da ocupação, tais como: alimentação, transporte dos trabalhadores para a fazenda a ser ocupada, entre outras. Uma deliberação tirada por esse fórum foi a liberação de dois sindicalistas ligados ao Departamento Nacional de Trabalhadores Rurais - DNTR/CUT -, para realizar um trabalho de articulação e socialização das ações coletivas desencadeadas pelos trabalhadores sem-terra.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra - MST -, que vinha estruturando-se, ainda que de forma incipiente, em Minas Gerais, também deslocou algumas de suas lideranças no Estado para agregar forças políticas ao movimento iniciado no município de Iturama, atendendo ao convite da CPT - Regional do Triângulo. Na avaliação de 66

Frei Rodrigo, a aproximação com o MST foi construtiva para o movimento, tendo em vista que:

"...a gente entendia, naquele momento, da necessidade de uma organização de classe... tanto que nós éramos... somos uma organização de Igreja, né? Que pudesse também assumir esse processo (refere-se à luta pela terra). E como uma forma, também, de tá ajudando no crescimento do Movimento Sem-Terra no estado de Minas Gerais." (Frei Rodrigo).

Na verdade, a articulação local estabelecida entre o MST e o DNTR/CUT, duas instituições que se originaram no interior do movimento dos trabalhadores rurais, mas com identidades próprias, refletia a deliberação por elas apresentadas, em nível nacional, no sentido de articularem-se no encaminhamento das lutas por terra, em oposição à Confederação dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG. Tais instituições tinham a reforma agrária como bandeira de luta, diferenciando-se, no entanto, em suas propostas sobre a concepção e condução da reforma agrária no país. Enquanto a CONTAG enfatizava que era necessário abrir um diálogo com o Estado na condução de demandas por desapropriações de terras, priorizando os caminhos institucionais, como diretrizes de luta, o MST e o DNTR/CUT entendiam que o encaminhamento da luta pela terra se daria pela pressão direta realizada pelos trabalhadores, tendo como principal forma de luta os acampamentos e as ocupações massivas de terra (MEDEIROS, 1993).

O processo de mobilização e articulação estabelecido entre os trabalhadores sem-terra e as instituições que apoiavam o movimento resultou, então, na ocupação da fazenda Colorado no dia 23 de janeiro de 1990.

Esses trabalhadores, que eram anônimos e dispersos, sujeitos cuja sociabilidade era marcada pela prática do mando e da obediência, a partir 67 daquele momento, passaram a constituir-se como sujeito coletivo 21 em processo de luta pelo acesso à terra.

2.5 - As práticas que evidenciaram a disposição de luta: a inserção dos trabalhadores no campo de disputas

A ocupação da fazenda Colorado, um latifúndio de mais de 5000 ha, localizado a 60 km de Iturama, foi anunciada pelos meios de comunicação, especialmente pela mídia impressa. As edições dos jornais “Estado de Minas” (SEM-TERRA, 1990) e “Hoje em Dia” (CAMILO, 1990) , no dia 24 de janeiro de 1990 anunciavam: “Sem-terra invadem a Fazenda Colorado em Iturama”. A disposição dos trabalhadores sem- terra em disputar a apropriação desse latifúndio improdutivo constituiu- se como fato político de grande relevância, imprimindo maior visibilidade à questão da luta pela terra na região.

Após a mobilização de 200 trabalhadores e a realização da vistoria na fazenda Colorado, ação indispensável ao plano de ocupação, identificando, sigilosamente, os aguadouros, as áreas de mata, de pastagem, além do melhor local para ocupação, o grupo organizado, com apoio da CPT, CUT, FETAEMG, MST, PT, sindicatos urbanos e de trabalhadores rurais, igrejas, dentre outras entidades, tomou a decisão de ocupar, na madrugada do dia 23 de janeiro de 1990, a fazenda Colorado. Os representantes das instituições que apoiavam o movimento se deslocaram para a fazenda para prestar o apoio logístico aos

21 Utilizamos aqui o conceito de sujeito coletivo elaborado por SADER (1988:55), compreendido como “no sentido de uma coletividade onde se elabora uma identidade e se organizam práticas através das quais seus membros pretendem defender seus interesses e expressar suas vontades, constituindo-se nessas lutas.” 68 trabalhadores, especialmente para mediar os possíveis conflitos com policiais militares e membros da UDR. No entanto, a ocupação realizada pelos trabalhadores não ocorreu como haviam planejado, em razão da ação desencadeada pela Polícia Militar em Limeira d’Oeste, que acabou impedindo o deslocamento de cerca de 150 famílias. Edivaldo assim reconstitui o processo de ocupação da referida fazenda:

"A primeira ocupação que nós fizemos, ela não... não se deu da forma que a gente planejô, em função da eficiência da polícia lá em Limeira d’Oeste, que foi grande, foi maior que a nossa (...) E conseguiu freiá grande parte dos trabalhadores que tava saindo pra ir pra ocupação. Então, a ocupação na fazenda Colorado, não foi uma ocupação com um grande número de famílias... Na realidade, estavam lá dentro quarenta e poucas famílias (...) Mais aí nós tivemos o apoio do Virgílio Guimarães, como deputado, e de outras entidades várias aqui da região... Isso não deixou acontecer um despejo violento!" (Edivaldo).

Após o despejo realizado pela polícia no dia seguinte, com o respaldo da UDR, os trabalhadores dirigiram-se, pacificamente, para o então distrito de Vila União. Ali montaram acampamento, evidenciando que estavam dispostos a entrar no campo de disputas para conquistarem o direito do acesso à terra, saindo do espaço privado para constituir o espaço público (ver FIGURAS 2 e 3). Esses novos sujeitos impuseram sua presença na esfera pública, revelando-se por meio de seus discursos e suas ações (ARENDT, 1991) 22 .

Na primeira semana no acampamento, os sem-terra, experimentando a reação dos fazendeiros, descreveram, em carta aberta à população de Iturama e região, suas condições de vida, a motivação que os conduziu a participar do processo de luta por uma parcela de terra, além da disposição que tiveram para a construção da cidadania plena, fundamentada na busca de caminhos que visavam superar a situação de exclusão e subordinação a que foram submetidos:

22 Remetemo-nos aqui à reflexão de Hanna Arendt sobre a pluralidade humana, indicando que “na ação e no discurso os homens mostram quem são, revelam ativamente suas identidades pessoais e singulares, e assim apresentam-se ao mundo humano, enquanto suas identidades físicas são reveladas, sem qualquer atividade própria na conformação singular do corpo e no som singular da voz.” (ARENDT, 1981:190) . 69

FIGURA 2 - Trabalhadores juntando suas "tralhas" , após despejo da Fazenda Colorado, 1990. Foto: Manoel Serafim.

FIGURA 3 - Montagem do acampamento em Vila União, 1990. Foto: Manoel Serafim. 70

A realidade dos sem-terra de Iturama é a mesma de todo o Brasil, poucas pessoas com tanta terra sem nela nada produzir, e tantas pessoas precisando de terra para sobreviver e produzir o alimento para milhões de brasileiros, que não têm sequer para suprir a própria mesa. O latifúndio cresceu nestes anos todos, às custas da miséria, da exploração e da expulsão do homem do campo. Chega! Em Iturama esta situação ficou insustentável, pois a miséria cresce a cada dia, e nós trabalhadores não temos oportunidade de trabalhar. Assim começamos a nos organizar rumo à conquista da terra por direito e por justiça. Depois de muitas reuniões e assembléias para discutir nossos problemas, em um número de mais de cem famílias, decidimos colocar em prática um sonho de conquistar a terra e produzir. Ocupamos um imenso latifúndio improdutivo (Fazenda Colorado). Este número só não foi maior porque dezenas de famílias foram impedidas de se dirigirem até o local pelo cerco policial em várias localidades, principalmente no distrito de Limeira. Nós que estávamos em paz, unidos com o objetivo de produzir a terra, fomos despejados pela ação da polícia e dos fazendeiros liderados pela UDR, acompanhados de jagunços muito bem armados. Apesar de toda a repressão o nosso sonho de Reforma Agrária, nossa disposição de luta e de união foi muito maior que a ganância dos latifundiários. Erguemos com coragem um acampamento em Vila União, que vem crescendo constantemente com a chegada de novos companheiros que trazem consigo, a confiança, a força, e o sonho de juntos e organizados conquistarmos a terra. Uma caravana de trabalhadores da região, junto com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Sindicatos da Região, e o Partido dos Trabalhadores (PT), estão em Belo Horizonte em processo de negociação com o INCRA, e os Governos Estadual e Federal, exigindo solução imediata dos problemas que estamos enfrentando. A solidariedade e o apoio de toda a população enviando alimentos e a ajuda na própria sustentação do acampamento, como já vem ocorrendo, reforça a nossa luta que é de todos que buscam a justiça. As ocupações e acampamentos são resultado da miséria e exploração a que estão submetidos milhões de Trabalhadores Rurais, e só terão fim no dia em que todo o trabalhador do campo tiver acesso à terra para plantar e viver." (TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA ACAMPADOS EM VILA UNIÃO, s/d).

Nessa carta aberta, os trabalhadores revelaram sua identidade coletiva, que vinha sendo constituída desde o momento em que realizavam as primeiras reuniões em Limeira d’Oeste, autodefinindo-se como “trabalhadores rurais sem-terra acampados em Vila União”. Ao se proclamarem como sem-terra, explicitavam em nome de quem se pronunciavam, porque se encontravam acampados, quem eram seus 71 aliados e seus adversários e, sobretudo, revelavam seu projeto sócio- político, ou seja, o sonho de conquistar o acesso à terra para plantarem a vida.

Esses trabalhadores, ao indicarem o cenário estrutural em que travavam suas lutas, apresentavam-se para a população como sujeitos de sua própria história, dizendo “chega” ao processo de exclusão e subordinação a que foram submetidos, colocando-se em cena como novos cidadãos, que reivindicavam o acesso à terra “por direito e por justiça”.

O acampamento e a ocupação realizada no INCRA constituíram um fato político de grande relevância, dando maior visibilidade ao movimento na região, o que exigia um alto grau de mobilização e organização dos trabalhadores e da rede de instituições que os apoiava, desencadeando iniciativas que funcionariam como pressão junto ao INCRA. A participação das instituições mediadoras, a exemplo da CUT, MST, CPT e Sindicatos da região, teve importância fundamental, uma vez que desempenhou a função de construir redes de comunicação dos trabalhadores entre si, como também com as instituições governamentais. Os mediadores prestaram o apoio político necessário para o encaminhamento das reivindicações dos sem-terra, sendo facilitadores nas definições de estratégias de luta do movimento.

Paralelo ao auto-reconhecimento dos sem-terra como sujeitos políticos, emergia o movimento dos proprietários de terra, organizado pela UDR, demonstrando sua articulação política com empresários e parlamentares, tanto em nível local como nacional.

Sentindo-se ameaçados pelas ações desencadeadas pelos sem-terra acampados em Iturama, os grandes proprietários procuravam desqualificar o movimento, acusando os trabalhadores de “falsos sem- terra” . Utilizando-se da imprensa regional e nacional, a UDR acusava haver “infiltrações de comunistas e anarquistas” no acampamento dos trabalhadores sem-terra. Articulando-se a empresários agroindustriais e 72 parlamentares locais, os grandes proprietários encaminharam documentos ao então Ministro da Agricultura 23 , Antônio Cabrera - que por sinal possuía uma vasta propriedade rural no município de Iturama 24 -, acusando a CUT e o PT de “comandarem uma indústria de invasões” [sic]. Nas palavras do Diretor Presidente da Cooperativa Agropecuária dos Produtores Rurais de Iturama Ltda., em ofício dirigido ao Ministro da Agricultura, publicado no jornal “Estado de Minas” (CABRERA, 1990:4) em 01/08/1990:

“(...) Somos testemunhas que o PT e CUT estão incentivando invasões de terra em nossa região e o que é pior, colocando à frente das invasões, pessoas inocentes que servem de instrumentos de ação dos líderes políticos." "No ensejo de evitar maiores problemas em Iturama e região, solicitamos vossa interferência, no sentido de nos ajudar a preservar a ordem, o respeito e a paz em nossa cidade e município, afim de evitar graves problemas que poderão ocorrer (...)”

É interessante observar que o documento acima transcrito constitui-se um discurso representativo do imaginário do empresariado rural sobre os movimentos de luta pela terra. Ao solicitar a interferência de uma autoridade governamental na ocupação realizada pelos trabalhadores sem-terra, como forma de preservar a ordem, tal discurso implementa a imagem de baderna ao movimento, expressando, assim, o tradicionalismo conservador desse segmento.

O ministro Antônio Cabrera respondeu prontamente às reivindicações dos empresários rurais e parlamentares de Iturama, solicitando ao Ministério da Justiça a instauração de inquérito pela Polícia Federal para apuração e investigação dos supostos envolvidos na ocupação dos sem-terra. Em reportagem publicada no “Jornal do Brasil” (CABRERA, 1990), em 27/07/1990, Cabrera, encampando a linguagem dos grandes proprietários rurais, acusava a CUT e o PT de comandar uma

23 No início do seu governo, Collor de Mello extinguiu, mediante a reforma administrativa, o Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário, subordinando a questão agrária ao Ministério da Agricultura. 24 Essa afirmação foi baseada nos depoimentos dos entrevistados, indicando-nos que o ministro, seu pai e seu filho tinham três propriedades em Iturama.

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“indústria de invasões” [sic], apresentando uma lista com nomes de representantes de instituições que apoiavam o movimento, qualificando- os como “falsos sem-terra” [sic], o que resultou na instauração de um processo criminal instaurado na Justiça Federal de Uberaba - MG, como forma de desestabilizar o processo de luta pela terra desencadeado pelos trabalhadores em Iturama. A respeito desse processo, Edivaldo comenta:

"Eu lembro, por exemplo, que uma vez que... eu e mais sete companheiros fomos depor na Polícia Federal. Eles tavam tachando a gente como liderança de anarquia, de não sei o que, e tal.(...) A Polícia Federal acusou a gente de formar... de formação de quadrilha, essas coisas, né? E aí nóis fomo colocar... o que era... qual a nossa função, cada um, né? Eu, na época, era presidente do Sindicato (...) Então, como presidente do Sindicato, eu, na época... eu colocava pro pessoal da Federal... que a função do Sindicato era acompanhá... de tá intemediando, de tá do lado dos trabalhador. E os outro também... cada um tinha seu argumento, né? Porque, na realidade, a gente nunca... nós nunca tivemo nenhum crime. Pode até ser que, pra eles, isso possa ser um crime, mas a gente tá... Como se diz, o tempo tá mostrando que isso não é um crime, é uma necessidade! Não sei, parece que pra eles isso possa ser um crime, né? Falar que ocupar, invadir... É, mais acho que é uma forma de mostrar... que o governo, a lei... talvez, a lei que protege os latifundiário é que tá errada, não é quem ocupa terra!" (Edivaldo).

Com base na leitura dos depoimentos dos latifundiários, representados pela UDR, parlamentares, empresários rurais e dos trabalhadores sem-terra, fica evidente que esses atores sociais disputavam espaço na cena pública, por meio de argumentações persuasivas vinculadas à noção de direitos. Se, por um lado, os latifundiários reivindicavam o direito irrestrito à propriedade privada, exercendo pressões políticas sobre o Estado para o restabelecimento da “ordem” no campo, fundamentando-se na defesa da inviolabilidade do direito de propriedade, por outro, os sem-terra, ao realizarem ocupações dos espaços públicos e de propriedades improdutivas, instituíam práticas sociais que reinterpretavam os princípios da lei, produzindo uma jurisprudência informal fundamentada em critérios de justiça substantiva (TELLES, 1994), estabelecendo, assim, o direito a ter direitos dos trabalhadores sem-terra (LEFORT, 1991). Afirmando as ocupações e acampamentos como direitos legítimos, que dão maior visibilidade à luta pela terra, os trabalhadores contrapunham-se à denominação de invasão 74 dada pelos fazendeiros. Indagados sobre a distinção que faziam entre invasão e ocupação, os trabalhadores respondem:

"Invadir, isso aí é uma forma que eles fala pra podê tirá proveito! Pra diminuí bem o cara, né? Ocupô! Quer dizer que isso é uma coisa mais... normal, né? Mais... invadiu... é uma coisa muito chata, né?(...) Então, eles coloca isso em cima dos sem-terra pra diminuir (...) Porque, na realidade a gente ocupa porque precisa!" (Seu Calu). "Bom, no meu ponto de vista, a diferença entre invadir e ocupar, ela é simplesmente no sentido de... A conotação dessa palavra é que... quando fala em invadir... já dá impressão como uma coisa errada! E no nosso entendimento, essa invasão, que é dita pela direita... não é uma coisa errada! Por isso que a gente fala em ocupá! Ocupá o espaço! A gente vai ocupá um espaço que é nosso, por direito! (...) a gente sabe que num passado não muito longe, os pequeno produtores perderam suas terras na bala! (...) E aí, a gente acha que não é justo... que grandes grileiro de terra, fique apossando dessa terra, às vezes, sem produzir nada, enquanto que o trabalhadô que quer produzí alguma coisa... fique na favela, na periferia, trabalhando de bóia-fria." (Edivaldo).

Nesses dois depoimentos, podemos perceber claramente como os sem-terra reinterpretam as concepções de invasão e ocupação, imprimindo-lhes novas significações que conduzem ao debate sobre o legítimo e o ilegítimo. A concepção que esses trabalhadores têm de ocupação não se limita a conquistas legais ou ao acesso de direitos já instituídos, mas refere-se à invenção de novos direitos, que emergem de suas lutas específicas (DAGNINO, 1994). Nesse sentido, consideram ser ilegítima a situação de exclusão a que foram condenados frente ao processo de expropriação capitalista, afirmando a legitimidade da ocupação do espaço de latifúndios improdutivos, como um direito.

Na verdade, pode-se sugerir que a noção de legitimidade das práticas de ocupação estabelecidas pelos sem-terra desvenda a presença de uma nova ética dos excluídos, sancionando uma ação coletiva direta, que é categoricamente reprovada pelos valores de ordem sustentada pelo modelo tradicionalista dos grandes proprietários de terra 25 .

25 Remetemo-nos aqui à pesquisa realizada por THOMPSON, sobre os motins de subsistência na Inglaterra do século XVIII, que desvenda a presença de um consenso popular, fundamentado numa economia moral, a respeito de critérios de legitimidade e ilegitimidade nas práticas sociais compartilhadas por membros de uma comunidade (THOMPSON, 1998). 75

Preocupado em dar visibilidade às suas lutas, o movimento transferiu o acampamento da Vila União para as margens da BR 497, a 12 km de Iturama, numa rodovia que liga este município a Porto Alencastro. O que as entrevistas revelam é que, se o acampamento permanecesse em Vila União, o movimento se esvaziaria, em razão das condições adversas que ali vivenciavam e da impossibilidade de demonstrarem publicamente suas reivindicações num local de estrada de terra secundária. Dessa forma, o acampamento nas margens de uma rodovia federal tornou as lutas dos trabalhadores visíveis para a sociedade local, constituindo-se como locus das práticas de resistência e organização.

No campo de disputas em que se inseriram, os trabalhadores não permaneceram passivos frente à inércia do Estado na desapropriação de terras para o assentamento dos trabalhadores acampados, bem como ao conflito estabelecido com os fazendeiros e seus representantes.

No dia 19 de setembro de 1990, após nove meses de espera pela desapropriação de um latifúndio improdutivo e diante da inoperância do governo federal, frente aos mecanismos de pressão estabelecidos pelos sem-terra - acampamentos e ocupações de instituições como o Ministério da Agricultura, Congresso Nacional e o próprio INCRA -, os trabalhadores investiram na ocupação da Fazenda Varginha, localizada em Vila União.

No momento anterior à ocupação da Fazenda Varginha, o acampamento, localizado na margem da BR 497 vivia um grande refluxo, face à desistência de várias famílias de persistirem no processo de luta pela terra. Das cento e cinqüenta famílias que viviam nesse acampamento, restaram apenas quarenta e quatro. O desgaste, advindo tanto do tempo de existência do acampamento como dos enfrentamentos com os fazendeiros e com o próprio Estado, fez com que os trabalhadores buscassem um reforço na organização interna. Para tanto, as lideranças, 76 articuladas com a rede de entidades que apoiava o movimento, realizaram um novo processo de mobilização junto aos trabalhadores rurais:

"Na minha vinda pro acampamento (...) eu já cheguei com 17 família (...) De posse das informações lá, eu já fiz um trabalho de base, orientado pelo Zé Pretinho e o João, da Marilda, eu trouxe 17 familia! (...) Quando nóis chegamo em 17 família, de uma vez, é... os outro que tinha saído do acampamento por... esmorecimento, por descrença... - Opa, o negócio ta bão! Voltô tudo de novo. E de repente, o acampamento encheu!" (Zé Messias).

De acordo com depoimento dos trabalhadores, a relação do movimento com o Estado começava a desgastar-se, já que as propostas apresentadas pelo INCRA e outras instâncias governamentais, no sentido de atender às demandas dos trabalhadores, não passavam de promessas. Por sua vez, as ações desencadeadas pelos grandes proprietários, representados pela UDR e pelo próprio Estado, com vistas a desqualificar as práticas de luta dos trabalhadores como baderna, exigiu deles a ação de enfrentamento organizado. A arregimentação de forças advindas tanto da articulação interna do movimento, quanto das alianças estabelecidas pela rede de entidades/instituições que apoiava os trabalhadores, favoreceu a ocupação de mais um latifúndio improdutivo.

A reação dos grandes proprietários de terra e do Estado foi imediata. Autorizada pelo então juiz de Direito de Iturama, Edson Magno de Macedo, a Polícia Militar expulsou mais de 200 pessoas, dentre mulheres, homens e crianças, à base de muita violência física e psicológica. Barroso rememora a repressão exercida pelos policiais:

"O despejo da Fazenda Varginha foi um grande sofrimento, um despejo violento... As pessoas foram humilhadas, amarradas, jogadas dentro d’água. Alguns sofreram afogamentos. As mulheres humilhadas, as crianças humilhadas... No caso das mulheres, algumas sofreram violência sexual! Não chegou a ser estrupo, mas... Foi uma humilhação, passavam as mãos nas mulheres para identificar se era homem ou mulher... Foi tudo muito traumático! (...) A polícia queria afrontar mesmo o movimento, afrontar a organização dos trabalhadores, no sentido de não... de minar mesmo o campo... de acabar o mal pela raiz e... Foi muito forte a experiência que a gente viveu! (...) Então, esse povo ameaçou ao extremo! (...) E os 77

companheiros deram um testemunho de bravura, de heroísmo mesmo, de compromisso com a luta!" (Barroso).

A violência exercida pela polícia contra os trabalhadores marcou a presença dos fazendeiros, declarando a luta aberta contra os ocupantes da terra. Nesse sentido, a ação do Estado sobre os conflitos no campo foi permeada por práticas repressivas sobre os movimentos, ora abertas como as intervenções policiais nos conflitos, ora veladas, pela omissão quanto às ações das milícias privadas dos grandes proprietários. No caso das práticas violentas desencadeadas pelo aparato policial em Iturama, ficou visível a tentativa de semear o medo entre os trabalhadores, como forma de impedir a continuidade de suas lutas. De fato, a violência praticada pela polícia, com a conivência do poder judiciário, deixou marcas indeléveis na memória dos trabalhadores.

No entanto as derrotas sofridas pelos trabalhadores, diante das ações violentas desencadeadas pelos policiais, serviram como elemento revitalizador das energias do movimento, criando, assim, condições para seu fortalecimento.

Após o despejo violento da Fazenda Varginha e das torturas que sofreram no pátio da Delegacia de Iturama, os trabalhadores retornaram ao acampamento nas margens da BR 497 para revigorar suas forças, iniciando, assim, um processo de mobilização intenso. Além de denunciarem a violência praticada pela polícia, realizaram ocupações em órgãos públicos e audiências com o presidente do INCRA e o ministro da Agricultura, Antônio Cabrera, como forma de expressar suas lutas e demonstrar a resistência e organização dos acampados, por meio de ações reivindicatórias de desapropriação de terras para fins de reforma agrária.

Zé Maria rememora as ações reivindicatórias desencadeadas pelos trabalhadores, junto ao INCRA e Ministério da Agricultura, a fim de propor uma solução para o conflito entre os sem-terra e os proprietários de terra: 78

"(...) Nós procurava sempre conversá, dialogá com o INCRA, argumentano, né? O INCRA falava que tava difícil, nisso e naquilo... A gente propunha uma solução (...) E sempre o INCRA dizia pra nóis que a região do Triângulo Mineiro aqui, não era passível... não tinha terra pra reforma agrária mais (...) Então nós colocou um limite, que o nosso limite era o Triângulo Mineiro. (...) Por aqui, qualquer lugar nóis queria terra! (...) Então, nós sempre... a gente cedia um pouco, mais a gente tinha uma estratégia, um limite da nossa negociação. E ali, foi quando a Fazenda Santo Inácio Ranchinho foi proposta pra nós porque nós ameaçamo a entrá na própria fazenda do ministro Cabrera! (...) Aí, cara a cara, conversamo com ele, nós insinuamo que ia entrá na fazenda dele!" (Zé Maria).

A indicação da Fazenda Santo Inácio Ranchinho, em Campo Florido, como área passível de desapropriação para fins de reforma agrária, foi a primeira conquista dos trabalhadores sem-terra. As entrevistas realizadas com trabalhadores e trabalhadoras revelam que a pressão foi o mecanismo mais eficaz nos processos de negociação com o Estado, e, como afirma Zé Maria, foi diante da ameaça de ocupar a fazenda do ministro da Agricultura que o Estado atendeu à reivindicação dos sem-terra acampados em Iturama. Como a relação com o Estado era de desconfiança, os trabalhadores não confiavam nas promessas realizadas, verbalmente, pelos representantes das instituições governamentais, exigindo que os compromissos estabelecidos pelo INCRA fossem documentados por escrito. O trecho de um documento assinado pelo diretor do INCRA e pelas lideranças dos sem-terra, transcrito a seguir, realça bem o resultado do poder de pressão exercido pelos trabalhadores:

“Pontos acertados durante a reunião realizada em Brasília em 12 de dezembro de 1990, com a presença do Diretor do INCRA e as lideranças dos “ACAMPADOS DE ITURAMA”. - Acompanhamento prioritário pela DP/DF do INCRA do andamento do processo de Campo Florido, informando à CONTAG as movimentações ocorridas. (...) - Finalmente, COMO PRIORIDADE PRIMEIRA , até março de 1991 - ocorrerá a definição do problema dos ACAMPADOS DE ITURAMA, sendo que a prioridade será de encaminhamento do processo de desapropriação da área de Campo Florido (MG)”

Em 16 de abril de 1991, foi publicada no Diário Oficial a desapropriação, para fins de reforma agrária, da Fazenda Santo Inácio 79

Ranchinho. Entretanto o processo de desapropriação não significou que a luta dos trabalhadores estava encerrada. A fazenda em questão era um espólio e seus herdeiros, não se sentindo derrotados, contestaram mediante medida cautelar, o ato desapropriatório na Justiça Federal, inviabilizando, assim, a efetivação imediata do assentamento dos trabalhadores sem-terra.

A contestação do processo desapropriatório impôs novos desafios aos trabalhadores sem-terra, exigindo a reelaboração permanente de suas práticas de luta e demonstração de resistência no acampamento nas margens da BR 497. Tratava-se de resistir na angústia da espera da desapropriação da terra prometida, mantendo a mobilização e buscando alternativas de sobrevivência no acampamento.

2.6 - A vida cotidiana no acampamento

A experiência do acampamento nas margens da rodovia durou três anos e quatro meses, ou seja, de janeiro de 1990 a maio de 1993. Nesse período, a vida em barracos de plástico, aglomerando famílias que ficavam submetidas às condições precárias de subsistência, retratava bem uma das faces da violência enfrentada por aqueles que já vivenciavam uma história de exclusão social (RAMOS, 1993). As péssimas condições de segurança, saúde e alimentação desvelavam a dimensão violenta da nossa modernidade.

Como a permanência no acampamento era a condição necessária para se ter acesso à terra 26 , os acampados viviam situações adversas. Nas

26 Registramos, nas entrevistas realizadas, que, apesar da permanência no acampamento ser condição para o acesso à terra, não eram todos os membros das famílias que permaneciam ali. Alguns entrevistados revelam que residiam na zona urbana, onde trabalhavam para dar sustentação à renda familiar. 80 margens da BR 497, foram registrados casos de incêndios dos barracos (ver FIGURA 4), atropelamento de crianças, ameaças dos fazendeiros de contaminação da água utilizada pelos acampados, disseminação de boatos sobre o insucesso das lutas dos trabalhadores, além da perseguição e ameaça de morte de algumas lideranças do acampamento 27 .

FIGURA 4 - Incêndio ocorrido no acampamento nas margens da BR-497, 1991. Foto: Manoel Serafim.

As condições de alimentação, normalmente, eram bem precárias e dependiam das arrecadações que os trabalhadores faziam junto aos sindicatos, Igrejas e outras instituições que apoiavam o movimento, ou mesmo de uma parte da remuneração recebida por aqueles que trabalhavam, temporariamente, na lavoura. A busca por soluções para superar, ainda que minimamente, as dificuldades deu-se com a organização da cozinha comunitária. Essa prática exigiu a atuação de um grupo para arrecadação de alimentos e de outro para preparo e distribuição dos alimentos. A experiência da cozinha comunitária não durou muito tempo, pois começou a tornar-se insatisfatória para os

27 Algumas das lideranças do acampamento foram permanentemente perseguidas e ameaçadas de morte por fazendeiros ligados à UDR. A estratégia utilizada pelos acampados para salvaguardar esses trabalhadores foi o sigilo absoluto em torno do paradeiro das lideranças, ou mesmo de qualquer decisão tirada em assembléias deliberativas dos sem-terra. 81 acampados, que consideravam haver muito desperdício no preparo da comida. As famílias acampadas retornaram, então, à cozinha familiar, sendo que os alimentos arrecadados foram repartidos por cotas, de acordo com o tamanho da família. Muitas vezes, os alimentos tiveram que ser racionados, chegando a faltar ocasionalmente (ver FIGURA 5).

FIGURA 5 - Distribuição de alimentos no acampamento, 1992. Foto: Túlio Souza Muniz.

Sobre as condições de alimentação, seu Calu relata:

"Nóis sofremo... nóis vimo um fio nosso chorá, pedino um pedaço de pão e nóis num tinha pra dá! Passava um dia, dois dia, treis dia... Mais sempre tinha um fio de Deus lá fora que apoiava nossa luta. E quando a gente pensava que tava na pior, chegava um caminhão de mercadoria pra nóis! Tinha pacotinho que vinha com ½ quilo de arroiz, um pacotinho de sal, né? Mais aquilo era bem- vindo, porque qualqué coisa que chegasse ali, nóis repartia!" ( seu Calu). 82

Se a rede de entidades que apoiava o movimento contribuía de forma solidária na sustentação do acampamento, o mesmo não se pode dizer das instituições públicas e da própria sociedade local. O que as entrevistas indicam é que a comunidade de Iturama demonstrava aversão aos sem-terra, qualificando-os de preguiçosos. Não contribuía com nenhuma campanha de alimentação, acreditando ser esta uma forma de incentivar a resistência no acampamento. Os relatos dos trabalhadores apontam que os proprietários de terra chegaram a negar trabalho aos sem-terra acampados, como uma estratégia para impedir qualquer fonte de renda para aquelas famílias. A Prefeitura de Iturama, com o intuito de boicotar a sustentação dos acampados nas margens da rodovia, chegou a distribuir as cestas básicas encaminhadas pelo INCRA para os sem-terra nas periferias da cidade. Foi necessária a ocupação dos trabalhadores nas instalações da Prefeitura para que fossem devolvidas as cestas que lhes pertenciam por direito.

Um outro fator que dava sustentação ao acampamento era a fé e a esperança de conquistar um pedaço de terra. A esperança era a razão subjetiva que motivou aqueles trabalhadores a resistirem durante mais de três anos acampados nas margens de uma rodovia. A memória da fé e da esperança existentes no acampamento supera a memória das dificuldades enfrentadas. Assim, Maria relata essa experiência:

"As família que tava ali tinha a esperança da terra saí. A motivação deles manter treis anos e quatro meses ali... era essa! Eu acho que se ficasse seis ano, eles tinha esperado. Por quê? A esperança deles de saí a terra era muito grande! Aquela vontade de prantá, de chegá na terra, de produzí era muito grande! (...) As pessoa tinha um sonho! (...) E outra coisa que alimentava a esperança, de fazê com que esse povo permaneceu esse tanto de tempo lá, foi a fé em Deus! Nóis tinha um grupo de reflexão, que a gente tava sempre refletino e pedino à Deus. Sei lá, parece que Deus dava força pra gente tá esperano, tá passano as coisa difícil que passava. Fome... e tudo mais." (Maria).

Germinar a fé e a esperança nos acampamentos foi a estratégia encontrada pelos agentes pastorais da Igreja Católica, para motivar e mobilizar os trabalhadores sem-terra a resistirem no processo de luta por 83 terra. Encontrando na Teologia da Libertação o espaço privilegiado de atuação, os agentes da CPT/APR organizaram, no interior do acampamento, os grupos de reflexão. Tais grupos tinham a finalidade de discutir problemas concretos vivenciados pelos sem-terra, tendo o texto bíblico como referencial para reflexão (MICHELOTO, 1991). Pelo exercício do imaginário-religioso, os grupos refletiam sobre as duras condições que vivenciavam no cotidiano, bem como sobre a forma como desejavam que a realidade fosse. Mediante as comparações que faziam entre o sonho e a realidade, desenhavam o caminho a percorrer no processo de luta. No acampamento, os trabalhadores relacionavam a realidade vivenciada por eles com passagens da bíblia:

"E a gente lia a Bíblia... Quando aquela passagem do Moisés pra terra prometida... Sempre a gente tinha isso na cabeça. Que um dia nóis ia pra essa terra! Que Deus não deixou essa terra pra uns. Deus deixou essa terra pra todos podê sobrevivê (...) A gente fazia aquele momento de oração... punha o Zé na frente como Moisés, e o Moisés levava o povo pra terra prometida (...) do jeito que tava na Bíblia, a gente fazia aquela organização." (Maria).

Esta passagem bíblica do êxodo para a terra prometida representada pelos trabalhadores demonstra a crença em uma certa estratégia divina por eles encontrada, vislumbrando, assim, a sua disposição de lutar contra a situação a que estavam submetidos no acampamento e organizar a caminhada para a “terra prometida” pelo governo federal. Como afirma MICHELOTO (1991:106), os trabalhadores encontram no discurso profético “um eficiente estímulo de ordem psico-social” , que tem o sentido de legitimar suas ações de resistência. É nesse discurso, pois, que os trabalhadores manifestam o modo de expressar e organizar suas lutas.

Outra forma que os trabalhadores encontravam para fortalecer a identidade coletiva no interior do acampamento era a realização de festas e celebrações. Tais eventos alimentavam a animação e a resistência no acampamento, conforme demonstra a fala de Barroso:

"Então para as pessoas preservarem no acampamento, tem que ter outros valores, outros elementos, como a festa, comemorar os 84

aniversários, fazer as rezas, as celebrações, as cantigas, o Reizado, a Folia de Reis... Tinha o futebol, o baralho o jogo de maia! E as nossas celebrações, sempre foram celebração politizada! Celebração que celebrava a vida, celebrava o sofrimento, celebrava a esperança. (...) Então, isso ajudou a sustentar aquela comunidade!" (Barroso).

Portanto, o acampamento era o lugar onde os trabalhadores expressavam suas lutas. Era ali que arregimentavam forças internas para organizar, por meio da aliança com os Sindicatos, a Igreja Católica, a CUT, a CPT/APR e o MST, as estratégias de luta pela conquista da terra. Para tanto, realizavam todo um trabalho de convencimento para que os trabalhadores mantivessem a resistência no acampamento.

A experiência vivenciada no acampamento exigiu dos trabalhadores um processo intenso de organização interna. Inspirados no modelo comunitário da Igreja Católica - as Comunidades Eclesiais de Base -, constituíram o espaço organizativo do acampamento estruturado em comissões e grupos de vizinhança ou afinidade. Esses grupos nucleavam os acampados em função da participação ativa de todos no processo de tomada de decisões. As comissões de trabalho, como as de segurança, de alimentação, de ética, de negociação, entre outras, proporcionavam as divisões de tarefas e de responsabilidades dentro do acampamento. Por fim, a comissão central, constituída por lideranças dos grupos de vizinhança e por representantes das comissões de trabalho, encarregava-se da organização interna, propondo atividades e executando ações encaminhadas pelo coletivo dos trabalhadores.

A forma de organização que os trabalhadores construíram no interior do acampamento possibilitava a repartição do poder, das tarefas e da co-responsabilidade, fundamentada numa estrutura horizontalizada, bem diversa daquelas instâncias organizativas formais que se estruturam mediante o poder vertical, representado pelo presidente, secretário, tesoureiro e demais membros da direção. Essa nova forma de organização e de participação dos acampados na tomada de decisões trazia consigo um pressuposto fundamental: um desenho mais igualitário de relações 85 sociais, constituído por uma nova proposta de sociabilidade, que rompe com o autoritarismo social enraizado na cultura política brasileira, marcado por um ordenamento hierárquico e desigual nas relações sociais (DAGNINO, 1994).

O estilo comunitário de organização formado em torno da luta pela terra contava com o apoio de agentes da Pastoral da Terra, da CUT e do MST, presenças constantes na direção do acampamento.

A princípio, a formação de uma aliança entre o MST e a CUT, buscando uma maneira de construir uma unidade de ações em momentos decisivamente políticos no processo de luta por terra, foi fundamental para o fortalecimento da identidade coletiva no interior do acampamento. Entretanto, a forma de condução do processo organizativo interno dos trabalhadores, apresentada por essas duas instituições mediadoras, tinha suas facetas diferenciadoras, o que indicava formas específicas de luta. O movimento de luta pela terra no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba tinha suas especificidades e, nesse sentido, leituras diferenciadas, em torno da natureza e dos objetivos do processo de luta que aqui se desenvolvia, surgiam. No acampamento nas margens da BR 497, surgia uma disputa política acirrada entre a CUT e MST, que apresentavam projetos políticos distintos na definição de estratégias de luta, culminando com o rompimento do movimento dos trabalhadores sem- terra de Iturama com o MST. As falas dos trabalhadores esclarecem o espaço de tensão entre o MST e a CUT, no interior de um movimento instituinte.

"O MST foi o seguinte... A discussão política num tava bateno. Porque aí eles é muito autoritário, në? Vamo fazê, vamo fazê! No começo, as pessoa aceitou porque não tinha prática. Mais depois, eles queria mandá e as pessoa que ficava ali, queria ter direitos, tava lutano por direitos iguais e, muitas veiz, eles queria por ordem, queria fazer de conta que era um fazendeiro. Então, nóis foi sentindo isso e, politicamente não deu bem!" (Maria). "Foi muito interessante a participação do MST. Porque eles também chegaro no início da caminhada. Mas chegô um momento em que (...) a época do acampamento precisava de ter... muito ânimo da parte das pessoas, muita esperança... essa coisa precisava ser muito bem alimentada! Cê precisava preparar que a 86

terra não ia resolvê com ocupação de terra! A ocupação de terra é importante, mais não é tudo no processo. Então, chegô um momento que a posição do MST, a forma como eles pensavam o acampamento, a ocupação de terra... Chegô num momento... o acampamento achô que... num tava sendo viável. Aí o pessoal resolveu a tomar a decisão de... o acampamento caminhá sozinho. Foi quando houve um racha, onde o MST teve que saí do acampamento (...) E o apoio mais forte que tinha era o da CUT, mais o apoio que tinha mesmo era das pessoa que vivia no acampamento." (Zé Maria). "O MST foi pra região de Iturama a convite nosso, mas foi uma relação um tanto conflituosa. Porque mesmo a gente entendendo a força do MST, da reforma agrária, da importância do MST pra luta no Brasil, nós tínhamos alguns pontos de divergência, que era com relação à concepção, ao método, à dinâmica... Então nós tivemos algumas dificuldades na condução do processo, porque, além do MST, tinham outras entidades que participavam do processo (...) E o MST se sentia dono da luta, a direção, inclusive! E todas essas entidade deveria ser, simplesmente, apoio, apoiadores da parte de sustentação logística material do processo. Essas entidades seriam... ficariam alijadas do direito à opinião, à participação, à reflexão política, né?" (Barroso).

Tais relatos revelam que a fragilidade da aliança estabelecida entre o movimento dos trabalhadores sem-terra de Iturama e o MST foi resultante de um certo autoritarismo que norteava as ações desse Movimento. Nesse sentido, há uma convergência com a avaliação de LOPES et al. (1999:182), sobre as ações do MST no processo de luta por terra em Sergipe, ao revelar que:

“Tem sido prática costumeira do MST desconsiderar propostas de encaminhamento tiradas em conjunto com outras entidades, mesmo tendo concordado com elas, e depois agir sozinho. Ou ainda, atuar de forma utilitarista, procurando e servindo-se dos seus aliados apenas quando seus interesses estão em jogo.”

Ao analisar a trajetória do MST nos últimos anos, NAVARRO (1996) expõe que, a partir de 1987/1988, o movimento mudou sua forma de organização, deixando de realizar consultas às suas bases, com uma prática assídua de reuniões e decisões sistemáticas, passando a centralizar suas decisões, tornado-se menos democrático e mais fechado à participação de outras entidades mediadoras, isolando-se dos outros movimentos sociais.

Há que se observar, ainda, que a trajetória de luta dos trabalhadores sem-terra no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba teve as 87 suas especificidades. A emergência dos movimentos de luta pela terra nesta região se deu com a iniciativa e apoio dos sindicatos filiados à CUT. Essa entidade reconhecia o MST como vanguarda da luta pela terra, avaliando, no entanto, que era necessário evitar o isolamento político nos movimentos de luta por terra, como forma de suprimir o caráter de uma luta particular dos sem-terra (MEDEIROS, 1993). Daí a sua defesa na construção de alianças mais amplas, particularmente, com os trabalhadores urbanos, como forma de fortalecer o movimento de pressão / negociação junto ao Estado, por maior agilidade no processo de viabilização da reforma agrária. Assim, na disputa travada entre CUT e MST no interior do acampamento, a primeira ganhou maior legitimidade para tornar-se porta-voz dos sem-terra em Iturama, especialmente porque a CUT já realizava um trabalho de assessoria junto aos movimentos de trabalhadores na região.

A criação e a sustentação de ações coletivas internas eram ampliadas pelas ações externas em defesa da desapropriação da terra. Ocupações em instituições públicas como o Ministério da Justiça, o Congresso Nacional e as sedes do INCRA em Brasília e Belo Horizonte, foram as ações desencadeadas pelos trabalhadores, quando encontravam obstáculos no processo de desapropriação da terra, reivindicando maior agilidade na execução da reforma agrária 28 .

Muitas vezes, na luta pela desapropriação da terra, os acampamentos eram montados em frente a prédios públicos como forma de demonstrar publicamente o processo de luta. Um fato sempre rememorado pelos trabalhadores foi o acampamento realizado em frente ao Congresso Nacional.

"Nóis foi em Brasília e fizemo uns barraquinho lá! (...) Mais o acampamento foi tão organizado, tão organizado... que nóis cheguemo lá e... Oia, parô o ônibus, só se via gente fincando pau

28 Tais ações faziam-se necessárias, não apenas pela morosidade do processo de desapropriação, mas, fundamentalmente, em razão do recuo em que se encontrava o processo de reforma agrária naquele período, exigindo dos trabalhadores atividades contínuas de enfrentamento organizado. 88

(...) Parece que com trinta minuto, nóis tinha 28 barraquinho lá!" (Seu Calu).

Enquanto as famílias levantavam barracas em frente aos prédios públicos, uma comissão formada por lideranças do movimento e entidades mediadoras estabelecia negociações com o Estado sobre os rumos tomados para a execução da política de acesso à terra.

Entretanto a forma de pressão mais eficiente daqueles trabalhadores, diante da inércia do Estado na condução do processo de desapropriação prometida aos sem-terra foi a ocupação direta de instituições públicas, pela qual as famílias ocupavam um espaço de um órgão definido como estratégico para atingir um objetivo de luta. Nesse caso, as famílias faziam do lugar ocupado um espaço para negociação, alimentação, dormitório e lazer para as crianças. Por sua vez, a direção e os funcionários da instituição ocupada tinham que conviver com a presença incômoda dos sem-terra, até que uma solução razoável fosse encontrada no processo de negociação.

As ocupações de instituições públicas também ficaram marcadas na memória dos trabalhadores:

"As ocupações se dá quando as promessa não é cumprida. O INCRA fazia várias promessa e não cumpria... A gente ia lá e ocupava o INCRA exigindo o cumprimento da promessa. A gente ocupava porque a gente tinha estratégia, né? Uma veiz, eu me alembro, nóis conseguimo ocupá o INCRA nacional. A gente conseguiu ocupá todos elevador na mesma hora, e quando a turma viu, a gente já tava lá! O que a gente quiria é forçá uma negociação e tal." (Lourival).

A mobilização dos meios de comunicação, especialmente a imprensa, foi outra estratégia utilizada pelos trabalhadores sem-terra. Por meio da divulgação nos jornais e nas redes de televisão, os trabalhadores levavam ao conhecimento de toda a sociedade os objetivos de suas lutas, das ações desencadeadas pelo movimento, mobilizando a opinião pública, que também exercia pressão junto ao Estado. 89

Tais fatores fizeram com que as demandas dos sem-terra alcançassem ressonância na esfera pública, permitindo que as lideranças tivessem maior acesso às autoridades governamentais, conferindo, assim, maior visibilidade ao movimento, além de colocar a luta pela terra como centro dos acontecimentos na região.

Ao criar mecanismos próprios de luta, procurando por intermédio deles interferir na dinâmica do processo de reforma agrária, os trabalhadores e trabalhadoras acampados tornaram-se sujeitos de sua própria história. É certo que as ações dos sindicatos, dos movimentos sociais, da Igreja, dos partidos, entre outras entidades, foram fundamentais para projetar a luta dos trabalhadores para fora, para articular alianças, ou mesmo para fazer a costura dessa luta específica com lutas mais gerais. No entanto, foi a partir de tensões e relações conflituosas vivenciadas pelos sem-terra, que se desencadearam ações e reações que iam desde a formação de uma rede solidária para sustentação do acampamento à organização de práticas informais de negociação com o Estado, em defesa do que consideravam legítimo, tornando-se, portanto, sujeitos do seu próprio destino.

2.7 - A chegada à terra prometida

O movimento dos trabalhadores sem-terra em Iturama desencadeou ações coletivas que permitiram a resistência no acampamento à beira da BR 497 por mais de três anos, aguardando a posse definitiva da área desapropriada pelo INCRA em Campo Florido. No entanto as ocupações de órgãos estatais, e a realização de assembléias nos espaços públicos, como poder de pressão organizado pelos trabalhadores sem-terra, estavam se tornando inócuas. Cientes da inércia do INCRA e da própria 90

Justiça frente ao acampamento 29 , os acampados realizaram, no dia 05 de abril de 1993, nas margens da BR 497, uma assembléia com o então ministro da Agricultura e Reforma Agrária, Lázaro Barbosa, e o presidente do INCRA, Oswaldo Russo, reivindicando a agilidade do Estado no processo de desapropriação. Nesse evento, os trabalhadores registraram sua disposição de luta para a conquista da terra, carregando uma faixa com os dizeres: “Fome: é guerra. Queremos terra” (ver FIGURA 6) . A promessa dos representantes do Estado era de que, até o final daquele ano, os trabalhadores estariam assentados na Santo Inácio Ranchinho. Entretanto o movimento não confiava mais nas propostas apresentadas pelo governo federal.

Na verdade, a trajetória dos trabalhadores sem-terra em Iturama insere-se num quadro de equívocos que foi a política agrária implementada pelo Estado, especialmente após o expressivo recuo que a Constituição de 1988 trouxe à reforma agrária, tornando o latifúndio insuscetível de desapropriação, pelo menos até que fosse regulamentado o tema por meio da Lei Agrária. A Justiça, por seu lado, assinala sua ambigüidade no tratamento da questão agrária, concedendo a imissão da posse da área desapropriada ao INCRA e, paralelamente, dando liminar favorável aos proprietários expropriados.

Os enfrentamentos com o Estado, o desgaste do movimento advindo do tempo de existência do acampamento, que já somava três anos e quatro meses de luta sem alcançar os objetivos propostos, e as péssimas condições de saúde e alimentação foram alavancas para a reelaboração de práticas de resistência, que definiram a ocupação da fazenda Santo Inácio Ranchinho. Tratava-se, novamente, de romper com a legalidade colocada pelo direito formal, instaurando-se práticas de

29 Em 17 de novembro de 1992, a Justiça Federal assinou o auto de imissão de posse definitiva da fazenda Santo Inácio Ranchinho ao INCRA. Contudo, os proprietários expropriados tiveram assegurados seus direitos de defesa, mediante uma ação impetrada na 12ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais, impedindo que as famílias fossem assentadas no local.

91 transgressão de normas legais e “produção de uma legalidade informal com uma jurisdição própria e localizada” (TELLES, 1994:95).

FIGURA 6 - Manifestação dos trabalhadores sem-terra, por ocasião da visita do Ministro da Agricultura e do Presidente do INCRA ao assentamento da Fazenda Barreiro, em Iturama, 1993. Foto: Eithel Lobianco.

Após a decisão de ocupar a terra prometida pelo INCRA, tomada em assembléia, os trabalhadores formaram três comissões: uma que se encarregou de vistoriar a fazenda Santo Inácio Ranchinho, identificando o local ideal para acamparem, como também as possibilidades e riscos de enfrentamento com os ex-proprietários; outra responsável por definir e executar as ações de deslocamento de Iturama para Campo Florido; e a terceira, que buscava a articulação da rede de entidades mediadoras para prestar apoio político na ocupação. As ações que desencadearam na 92 ocupação da fazenda exigiam um sigilo absoluto dos trabalhadores para que não se despertasse reação alguma por parte dos grandes proprietários da região, ou mesmo do próprio Estado, no sentido de impedir o projeto de apropriação do espaço a ser conquistado pelos sem-terra.

O que os trabalhadores e trabalhadoras revelam-nos nas entrevistas é que, como estavam sendo permanentemente vigiados pela polícia que rondava no entorno do acampamento, resolveram simular, após a realização da vistoria da fazenda Santo Inácio Ranchinho, uma festa no local com forma de despistar os policiais, enquanto preparavam a formação de um comboio que os conduziria até a fazenda Santo Inácio Ranchinho.

Na viagem de Iturama até a fazenda, caminhões e ônibus percorreram mais de 250 Km, carregando as tralhas, conduzindo homens, mulheres, jovens e crianças, que se acotovelavam em silêncio, carregando consigo um sentimento misto de medo e esperança em chegar à terra a ser conquistada. O comboio percorreu estradas secundárias para evitar as barreiras da Polícia Rodoviária Federal durante toda a noite, chegando ao local onde montaram um novo acampamento no alvorecer do dia 19 de maio de 1993 (ver FIGURAS 7 e 8).

O relato de Barroso revive a memória da ocupação da fazenda Santo Inácio Ranchinho:

"Foi operação militar! (...) Mas foi muito significativa a entrada nossa em Campo Florido! Pareceu a comitiva no Mar Vermelho! Aquele nascer do sol, aquele dia 19 de maio foi... um nascer de sol diferente! Ali, todos nós tivemos a convicção de que a gente tava fincano o pé na nossa terra! E daí, a gente não ia sair! Todos os trabalhadores pensavam isto! Todos! Ali era de fato uma !" (Barroso).

Em sua fala, Barroso expressa o caráter messiânico do processo de luta pela terra, resgatando a passagem do êxodo do povo hebreu à terra prometida. A expressão “terra prometida” , muito valorizada por agentes da Pastoral da Terra, como afirma MICHELOTO (1991), foi assimilada pelos trabalhadores para fundamentar que o direito à terra teve uma 93 dimensão simbólica, vinculando, assim, a passagem bíblica com a promessa do governo federal em efetivar a desapropriação da fazenda Santo Inácio Ranchinho. A convicção de fincar o pé na terra, para dela não sair, simboliza a disposição que aqueles trabalhadores tiveram em disputar a apropriação do latifúndio improdutivo.

O processo de ocupação da terra em Campo Florido constituiu-se, portanto, como fato político de grande relevância, tornando-se um marco divisor no imaginário da luta pela terra no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba. A entrada na fazenda deu-se de forma pacífica, não havendo confrontos com os herdeiros do espólio, já desapropriado pelo INCRA, nem mesmo com a Polícia Militar. A ocupação ganhou visibilidade nos meios de comunicação, principalmente na mídia impressa, que passou a fazer cobertura das ações desencadeadas pelos trabalhadores, na tentativa de efetivar a desapropriação da fazenda 30 .

FIGURA 7 - Chegada dos trabalhadores à "terra prometida" , Fazenda Santo Inácio Ranchinho em 19 de maio de 1993. Foto: Gilson Goulart Carrijo.

FIGURA 8 - Montagem do acampamento na Fazenda Santo Inácio Ranchinho, 1993.

30 Os jornais da região cobriram o processo de ocupação na Santo Inácio Ranchinho por um período de dois meses, acompanhando quase que diariamente as ações de disputa do latifúndio improdutivo. 94

Foto: Túlio Souza Muniz.

Os jornais “Correio do Triângulo” e “O Triângulo” declaravam: “Os sem-terra ocupam fazenda em Campo Florido” (OS SEM-TERRA, 1993), “Sem-terras invadem fazenda desapropriada em Campo Florido” (SEM-TERRAS, 1993), “Sem-terra e proprietários da fazenda se reúnem em BH” (MARTINS, 1993), evidenciando que os trabalhadores estavam dispostos a entrar no campo de disputas para conquistar o latifúndio improdutivo, impondo para o espaço público, o reconhecimento de suas reivindicações de direito ao acesso à terra, além de dar visibilidade social às suas demandas.

Uma das herdeiras da fazenda entrou com um mandato de despejo na Justiça de Uberaba. Entretanto o processo foi julgado de modo favorável aos trabalhadores, que permaneceram acampados no local.

Uma outra estratégia política realizada pelos trabalhadores foi a ida da Comissão de Negociação ao INCRA, simultaneamente ao processo de ocupação, para apresentar as reivindicações e negociar, junto com as entidades mediadoras, as propostas apresentadas por esse órgão ao movimento.

Os trabalhadores tinham a clareza de que somente pelos mecanismos de pressão levariam o Estado a efetivar o processo de desapropriação da área ocupada . Nesse sentido, um intenso processo de mobilização foi realizado: lideranças do acampamento, apoiadas por deputados estaduais e representantes da CUT e FETAEMG, participavam de reuniões de negociação com um dos herdeiros, com a intermediação do INCRA, objetivando a efetivação da posse de parte da área desapropriada; trabalhadores apresentaram à Justiça Federal um dossiê, relatando toda a trajetória por eles vivenciada, visando sensibilizá-la para a desapropriação da fazenda ocupada; as outras entidades que apoiavam o movimento, reforçavam as reivindicações dos sem-terra junto 95

à Justiça e ao próprio INCRA para dar uma solução favorável às famílias acampadas na fazenda Santo Inácio Ranchinho.

A instalação dos sem-terra na fazenda ocorreu de maneira precária e improvisada, e eles continuaram a morar em barracos cobertos de plástico, sem as mínimas condições de conforto, enfrentando problemas de saúde e alimentação. As famílias acampadas aglomeraram-se próximo à represa do Córrego das Candinhas, considerada como uma área própria para abastecer os barracos de água, além de ser aproveitável para o plantio de uma horta comunitária. A aglomeração das famílias num mesmo local foi necessária para manter a segurança dentro do acampamento, já que consideravam estarem sendo permanentemente vigiados pelos ex-proprietários, que não se viam derrotados, enquanto prosseguiam acionando a Justiça com processos de contestação da desapropriação.

Buscando efetivar a ocupação do território disputado, a luta e a resistência dos trabalhadores continuavam. Ao se deslocarem de Iturama, para conquistar a terra prometida em Campo Florido, os trabalhadores sofreram um processo de desterritorialização, defrontando-se com o espaço da espoliação capitalista, além de terem deixado atrás toda uma referência cultural para se encontrarem com outra. A ocupação desse novo espaço, constituído como território, exigia o entendimento da nova realidade do lugar, que, num primeiro momento, era estranha para eles. Para se relacionarem com a nova realidade por eles experimentada, os trabalhadores recuperaram as experiências vividas no acampamento à beira da estrada para a organização do efetivo projeto de conquista da terra. O modelo de organização vivenciado nas margens da BR 497 foi instituído no acampamento da fazenda Santo Inácio Ranchinho, com a formação da Associação local, cuja direção colegiada estruturou-se mediante uma comissão central, comissões de trabalho e grupos formados por afinidade, que se constituíram como grupos de produção coletiva. 96

Os trabalhadores adquiriram, por meio de doações, dois tratores para uso coletivo, iniciando a preparação para o plantio de arroz e feijão de forma coletiva em áreas contínuas, onde o INCRA já havia negociado a desapropriação definitiva 31 . A produção de arroz e feijão foi destinada à sustentação das famílias acampadas, sendo que a safra agrícola 93/94 do acampamento foi de 2.419 sacas de arroz. A safra de feijão só não teve resultados mais eficazes, em razão das geadas ocorridas naquela ocasião. Outra experiência de produção coletiva foi a horta comunitária, em que produziam alface, tomate, quiabo, jiló, beringela, abóbora, entre outras hortaliças. A formação da horta coletiva, de acordo com os entrevistados, foi essencial para a alimentação das famílias acampadas. A operacionalização da produção deu-se mediante o repasse de recursos financeiros advindos de organizações não-governamentais e subvenções de deputados estaduais. O Estado só se fez presente no repasse de cestas básicas pelo INCRA e na viabilização do plantio de feijão, por meio de recursos financeiros repassados pela Secretaria de Estado do Trabalho e Ação Social, para aquisição de sementes, adubos e implementos agrícolas.

A experiência de produção coletiva em pequenos grupos, ligados entre si por identidades ancoradas em afinidades e relações de parentesco, local de origem ou mesmo por vinculação política, foi uma tentativa gestada pelas lideranças do acampamento como meio de estimular a adoção de formas coletivas de exploração da terra, além de constituir-se como uma experiência de gestão econômica do território que seria conquistado.

A viabilização da produção, ainda na fase de acampamento, significava, para aqueles trabalhadores, não só a condição para a sobrevivência das famílias acampadas, mas, fundamentalmente,

31 Como a fazenda Santo Inácio Ranchinho constituía-se como um espólio de três herdeiras, o INCRA fechou acordo com duas, que venderam suas partes da fazenda, correspondente a 510 ha. A terceira herdeira, que detinha a maior área do imóvel, 97 afirmação política e social, meio de legitimação frente à população e autoridades públicas de Campo Florido.

A relação estabelecida entre os trabalhadores e o Estado foi marcada por pressões e reivindicações, sempre maiores que as propostas definidas pelas instâncias governamentais ali presentes. Era uma correlação de forças, muitas vezes, desigual. Contudo, em vários momentos, a pressão dos trabalhadores vencia os limites colocados pelo poder público. Exemplo disso foi a instalação de uma Escola Municipal no local, ainda na fase de acampamento. Os trabalhadores, reivindicando o direito à educação das crianças acampadas, ocuparam o gabinete do Prefeito de Campo Florido, determinados a permanecer ali, até que ficasse garantida a implementação de uma escola na fazenda Santo Inácio Ranchinho. A reivindicação foi atendida com a designação de professoras da rede municipal para ministrarem aulas no interior do acampamento, bem como a imediata construção da escola, em regime de mutirão.

Entretanto, o que revelou a determinação dos trabalhadores em efetivar o controle do território apropriado foi a expulsão dos carvoeiros que estavam instalados na área ocupada, bem como a retirada do gado das pastagens de braquiária, área que a herdeira da fazenda mantinha arrendada para fazendeiros da região, como forma de mascarar a produtividade do latifúndio. Eis o que revelam os trabalhadores sobre os conflitos desencadeados para a disputa do território:

"Nós começamos comprando a briga com os carvoeiros que tavam aqui, pra dizer que não devia mais explorar a fazenda, não devia queimar carvão, não tirar madeira... O que tinha aqui devia de ser nosso! Uma vez, nós carregamo uma carreta de madeira na marra! O dono da carvoeira foi e buscou a polícia de Uberaba... que veio armada e ameaçou dar tiro em nós... Foi um pega danado! Nós resistimos com muita força! Foi naqueles dias que tinha o massacre de Corumbiara! E nós... sustentamos toda aquela pressão!" (Barroso).

permaneceu irredutível na venda de sua parte, mantendo a ação contestatória de desapropriação na Justiça Federal. 98

"Passou um tempo, nóis metemo o peito, sem esperar a legalidade... Nóis botamo o gado do fazendeiro pra fora! Daqui pra frente o gado é nosso! Tinha gente que alugava o pasto. O fazendeiro mesmo, não tinha gado. Eles alugavam o pasto! Nóis botamo pra fora e dissemo: - Daqui pra frente quem aluga pasto somos nóis! Os mesmo dono de gado, que pagava pro fazendeiro, se quisesse pasto, tinha que pagá pra nóis! (...) Foi um gesto de determinação! Determinação política: quem faz o que... quem sabe o valor que tem, o direito que tem... quem vai usufruir das riqueza do assentamento somos nóis!" (Zé Maria).

O que esses relatos nos revelam é que os trabalhadores sem-terra afirmaram-se como sujeitos, na persistência de conquistar o latifúndio improdutivo para nele plantarem os seus sonhos de uma vida mais digna. Foi nesse conjunto de práticas e ações que os trabalhadores fortaleceram a identidade coletiva, construída no acampamento às margens da rodovia em Iturama. Em decorrência de tais ações, reinventaram o espaço da política, ligado ao processo de mobilização e resistência na luta pela terra. Nesse sentido, concordamos com SADER (1988:312), ao afirmar que:

“Apoiando-se em valores da justiça contra as dificuldades imperantes da sociedade; da solidariedade entre os dominados, os trabalhadores, os pobres; da dignidade constituída na própria luta em que fazem reconhecer seu valor; fizeram da afirmação da própria identidade um valor que antecede cálculos racionais para obtenção de objetivos concretos.”

Consideramos, também, que, na fase do acampamento, por força do convívio cotidiano e dos enfrentamentos realizados coletivamente contra seus opositores, os trabalhadores estabeleceram novas formas de sociabilidade, possibilitadas pelo alargamento de horizontes de vida e de novas convivências, por meio das quais “a sociedade é literalmente reinventada” (MARTINS, 2000:47), rompendo, assim, com o enraizamento do autoritarismo social.

2.8 - A realização de um sonho: a reforma agrária na Nova Santo Inácio Ranchinho 99

Como vimos, a ocupação da fazenda Santo Inácio Ranchinho pelos trabalhadores sem-terra não era uma luta encerrada. Os acampados apropriaram-se do espaço disputado com os antigos proprietários do latifúndio, mas somente com a decisão da Justiça Federal a respeito da desapropriação do imóvel para fins de reforma agrária é que seriam portadores da vitória que os faria legítimos beneficiários da terra.

Naquele momento, fazia-se necessário que os trabalhadores se submetessem ao mecanismo jurídico-legal, a única forma existente para efetivação do processo de desapropriação e, conseqüentemente, do projeto de assentamento para fins de reforma agrária.

As ações contestatórias de desapropriação do imóvel improdutivo, impetradas pelos proprietários expropriados, foram bem sucedidas, já que, dentro dos marcos constitucionais que vigoravam na época, foi possível uma interminável tramitação burocrática dos processos desapropriatórios nos tribunais. Foi somente com a instituição da Lei Agrária, de 25 de fevereiro de 1993, que dispunha sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, que se criaram mecanismos para efetivar as ações desapropriatórias, perante o juízo federal competente, como indica ABRAMOVAY (1992-b). Portanto, sem o estabelecimento de critérios explícitos que definissem os índices de produtividade para cumprir a função social da propriedade, as desapropriações para fins de reforma agrária não ofereceriam condições jurídicas para que fossem viabilizadas.

Os obstáculos que os trabalhadores enfrentavam para apropriação definitiva do latifúndio improdutivo eram jurídicos. Por isso, aguardavam a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que julgaria o processo de desapropriação da fazenda Santo Inácio Ranchinho. Uma comissão de trabalhadores viajava, freqüentemente, para Brasília para 100 verificar a situação do processo judicial de contestação da desapropriação e as ações de defesa do INCRA para a efetivação da desapropriação, mantendo-se bem informada sobre o andamento do processo.

A vitória dos trabalhadores concretizou-se no dia 05 de outubro de 1993, quando a liminar favorável aos antigos proprietários foi derrubada, efetivando-se, assim, a desapropriação dos 3.890 ha da Santo Inácio Ranchinho. Fundamentando-se na Lei Agrária, os juizes do Supremo Tribunal Federal votaram favoravelmente aos interesses dos trabalhadores, ficando estabelecido, juridicamente, o direito do acesso à terra. O único entrave existente para o assentamento definitivo das 107 famílias na terra, efetivamente desapropriada, era a formulação do Projeto de Assentamento, que garantiria recursos financeiros para aquisição de equipamentos, sementes, adubos, defensivos agrícolas, além do crédito-alimentação. Os trabalhadores, mais uma vez, organizaram diferentes formas de pressão e negociação junto ao INCRA para serem incluídos na programação orçamentária desse órgão, garantindo, assim, os recursos financeiros para o custeio agrícola.

No dia 11 de março de 1994, já organizados formalmente na Associação Nova Santo Inácio Ranchinho, os trabalhadores encaminharam um documento ao Superintendente do INCRA - MG, contendo a pauta de reivindicações por eles formulada:

“Após cinco anos de muita luta, fome e miséria, problemas que não foram totalmente superados, nos dirigimos a essa Superintendência, não mais como ‘sem-terras’ e sim como produtores rurais para relatarmos as decisões tomadas por todos assentados e apresentarmos uma pauta de reivindicações que, se atendida, possibilitará o avanço de nossa organização e de nossa produção. Na madrugada do dia 19 de maio de 1993, saímos da Br 497, em Iturama, e entramos na Fazenda Santo Inácio-Ranchinho, em Campo Florido, para nunca mais sairmos. Felizmente já estamos com a imissão de posse e título em nome da União. Neste momento nos encontramos organizados em agrovila e a nossa produção será toda coletiva, apesar da irrisória ajuda que recebemos do INCRA. 101

Com a ajuda de várias entidades e da população da região, já possuímos dois tratores e implementos, vacas, cavalos, ferramentas, barracos cobertos com telha, etc. e, depois de muita luta, a Prefeitura local está construindo uma escola no assentamento, estando, desde já, garantido o ano letivo das crianças, com aulas sendo ministradas em salas improvisadas. Fundamos a Associação, baseada na organização que construímos nos três anos e meio em que vivemos às margens da rodovia. Ela é composta pela Assembléia Geral, os grupos de base, que são oito, a Comissão Central (coordenação colegiada) e as comissões específicas: saúde, educação, meio-ambiente, finanças, esporte e lazer, etc. Nossa Associação não possui presidente, existe a figura do Animador Geral, só para efeito jurídico, sendo que a Comissão Central responde pelo assentamento. (...) Diante do exposto, apresentamos a esta Superintendência do INCRA, a seguinte pauta: 01) Liberação imediata de crédito alimentação, por um período mínimo de 06 meses, tendo em vista que, em função do irrisório crédito fornecido pelo INCRA até então, a produção não será suficiente para a sobrevivência das famílias até a próxima safra; 02) Assistência médica-odontológica, urgentemente, no assentamento, bem como a doação de medicamentos e a construção imediata de um posto de saúde; 03) Liberação imediata do PROCERA , na forma de custeio e investimento; 04) Viabilização através de outros órgãos do governo, se necessário da aquisição de máquinas, implementos agrícolas e ferramentas; 05) Viabilização da compra de bovinos leiteiros e eqüinos para tração e locomoção; 06) Viabilização da compra de sementes e outros insumos; 07) Liberação imediata do crédito moradia; 08) Viabilização da construção de uma creche no assentamento; 09) Implantação de um centro de lazer, com quadras de esporte, campo de futebol, parque infantil, piscinas, etc.; 10) Eletrificação rural, imediata, em todo o assentamento; 11) Viabilização da implantação de um telefone público. Sendo o que se apresenta para o momento, despedímo-nos, solicitando o atendimento imediato de nossas reivindicações." (TRABALHADORES RURAIS ASSENTADOS NA FAZENDA SANTO INÁCIO-RANCHINHO, 1994).

O trecho do documento acima transcrito constitui um discurso representativo dos trabalhadores sobre a trajetória de luta por eles experimentada, desde a época em que viviam acampados nas margens da BR 497, demonstrando que, no fazer de suas lutas, foram dando passos 102 para expressar suas vontades e realizar suas escolhas. E, assim, verificamos que, na organização da ação política e da construção de práticas sociais para a conquista da terra, os trabalhadores foram construindo uma identidade coletiva, impondo para o espaço público o reconhecimento de sua cidadania (GRZYBOWSKI, 1991 e MEDEIROS, 1989). Ao indicarem que conquistaram o latifúndio improdutivo, com a imissão de posse e o título da terra em nome da União, afirmaram sua identidade, não mais como sem-terra, mas como produtores rurais. Como diz ARENDT (1983), é pela ação e pelo discurso que os indivíduos mostram quem são e revelam suas identidades. Pelo fazer de suas ações e pelo discurso, é que esses trabalhadores, homens e mulheres, idosos, jovens e crianças, foram construindo uma história coletiva.

Dessa maneira, foi no processo de constituição de práticas conjuntas que a identidade coletiva, construída e fortalecida ao longo desses quatro anos, mostrou a sua força social e política. Nesse sentido, os trabalhadores afirmaram sua autonomia frente ao Estado, fazendo-o reconhecer suas reivindicações concretas: o direito à produção, à moradia, à assistência médico-odontológica, à creche, à rede elétrica e de telefonia, ao lazer e a um meio ambiente sustentável. Foi pela sua autodeterminação, no processo luta e conquista da terra e da afirmação de suas reivindicações, que transformaram suas necessidades e carências em direitos, redefinindo o espaço da cidadania (DURHAM, 1984-a). Naturalmente, nesse processo, o papel desempenhado pelas instituições mediadoras foi relevante. As ações e os discursos do movimento sindical, bem como da Igreja, representada pela CPT/APR, estiveram presentes no movimento de luta pela terra, contribuindo para a sua vitalidade.

Entretanto é a experiência comum dos trabalhadores, construída e partilhada ao longo dos anos, que se configura como constituição da cidadania. Ao fazer valer seus interesses, esses trabalhadores agruparam- se, aliaram-se a diversos segmentos da sociedade civil, enfrentaram o 103

Estado e seus opositores, “forjando-se a si mesmos como sujeitos coletivos, com identidade sociocultural própria e formas específicas de organização e participação” (GRZYBOWSKI, 1991:14). Foi no fazer de suas práticas sociais que reinterpretaram a realidade instituída, imprimindo a ela novas significações, gestando, assim, uma nova ética que rompeu com o autoritarismo social, tão enraizado na sociedade brasileira (DAGNINO, 1994).

O sonho da reforma agrária na fazenda Santo Inácio Ranchinho realizou-se em 26 de maio de 1994, quando o INCRA criou, naquele espaço o Projeto de Assentamento, que passou a ser denominado como fazenda Nova Santo Inácio Ranchinho. O conjunto de práticas sociais e políticas estabelecido pelo movimento de luta pela terra transformou o cenário em que os trabalhadores travaram suas lutas. O tipo de progresso e de espaço rural aí concebido foi questionado por esse sujeito coletivo, que passou a lutar por direitos de cidadania.

Portanto, o espaço conquistado pelos trabalhadores foi reconfigurado e transformado em território, escolhido para nele constituírem novas maneiras de produzir, novas formas de organização, novas sociabilidades, enfim, um novo modo de vida, que serão abordados no capítulo a seguir.

3 - NOVO TERRITÓRIO EM CONSTRUÇÃO

As experiências vivenciadas pelos trabalhadores e trabalhadoras sem-terra, hoje assentados na fazenda Nova Santo Inácio Ranchinho, na luta e conquista de 3.958 ha de terra, demonstraram que, por meio de suas práticas sociais e ações políticas, eles construíram uma identidade coletiva que impôs para o espaço público o reconhecimento de sua cidadania (GRZYBOWSKI, 1991 e MEDEIROS, 1989), como vimos no capítulo anterior. Ao conquistarem a terra, procuraram reconfigurá-la, dividindo o latifúndio em pequenas parcelas, transformando-o em território 32 , um espaço no qual constituíram novas formas de organização, novas maneiras de produzir, novas sociabilidades, um novo modo de vida. Neste capítulo, abordaremos a experiência dos trabalhadores assentados na Nova Santo Inácio Ranchinho com relação ao parcelamento e à configuração de um novo território, procurando refletir sobre o modelo organizativo estabelecido por eles na estruturação do processo produtivo, as novas práticas de sociabilidade, bem como as relações de poder introduzidas no interior do assentamento; a organização produtiva e a inserção no mercado de produção, além das perspectivas de vida desses trabalhadores diante da realidade que vivenciam no mundo das relações econômicas.

32 Identificamo-nos com a perspectiva de CORRÊA (1996) na conceituação de território, entendido como espaço revestido de dimensão política, afetiva ou ambas: de um lado pode significar apropriação material do espaço, associada ao controle efetivo, às vezes, legitimado por parte de instituições ou grupos; por outro, a apropriação “pode assumir um dimensão afetiva, derivada de práticas especializadas por partes de grupos distintos definidos” (CORRÊA, 1996:251). A apropriação afetiva pode estar também associada às identidades de grupos. 105

3.1 - O parcelamento da terra e a configuração de um novo território

A divisão da fazenda Nova Santo Inácio Ranchinho em pequenos lotes evidenciou alguns aspectos importantes. Enquanto estiveram acampados por um ano dentro da fazenda, os trabalhadores já haviam discutido as formas de apropriação daquele espaço, quando planejaram a delimitação do seu território. Recuperando as experiências vividas no acampamento, nas quais as famílias se organizavam por grupos de parentesco ou afinidade, os trabalhadores participaram de todo o processo de deliberação do parcelamento da terra, que se estruturou mediante os seguintes critérios:

- a delimitação da área de reserva legal foi constituída como uma reserva coletiva, subdividida em dez áreas de vegetação do cerrado;

- após a demarcação da área desapropriada, a divisão dos lotes foi realizada mediante o sorteio em duas etapas: num primeiro momento, o assentamento foi dividido em oito áreas, tendo sido sorteada uma área para cada grupo de parentesco ou afinidade; no momento seguinte, cada grupo realizou novo sorteio, que definiu a localização de cada lote;

- seriam assentadas as 107 famílias, que, efetivamente, participaram de todo o processo de luta para a conquista da terra, selecionadas pela própria comunidade, que se encontrava acampada na fazenda.

A proposta autônoma de parcelamento apresentada pelos trabalhadores foi parcialmente respeitada pelo INCRA, que dividiu a 106 fazenda em 115 lotes (ver FIGURA 9), incluindo mais oito famílias além daquelas selecionadas. A execução oficial de tal proposta significaria uma ruptura, ainda que parcial, com a atuação do INCRA, que realizava a demarcação das parcelas e a seleção dos beneficiários do projeto de assentamento sem a participação efetiva dos trabalhadores no processo decisório do parcelamento, especialmente, no estabelecimento de critérios para sorteio e demarcação dos lotes.

Por sua vez, o INCRA foi criticado por um dos assentados, que rememora a irresponsabilidade dessa instituição no mapeamento das glebas da Nova Santo Inácio Ranchinho. Eis o seu depoimento:

"O parcelamento foi feito dum jeito muito... sem critério! De uma forma, assim, irresponsável pelo INCRA! O INCRA, através de uma foto satélite muito antiga... nem atualizou a foto satélite... fez a cartografia, né? Mapeou, desenhou o assentamento, com um erro drástico! Aquela foto satélite mostrava brejo, onde hoje não é brejo mais! Área de reserva tava totalmente degradada e... área onde tava degradada tinha se tornado reserva, já tinha reflorestado, regenerado! E o INCRA foi assim... um tanto quanto displicente com a diferenciação das glebas: área muito pequena, área muito grande! Nós defendíamos que áreas com menas produtividade, ou com mais dificuldade de manejo fosse uma gleba maior (...) Mas o INCRA não considerou isso (...) Porque acabou prevalecendo lote minúsculo com terra acidentada, de 19 ha e, lote com água, com qualidade das terra mais razoável, com 34 ha." (Barroso).

A forma como o INCRA mapeou o assentamento foi aprovada em assembléia pelos parceleiros, que, de acordo com o depoimento de Barroso, estavam ansiosos para realizar a demarcação das glebas, e a proposta apresentada pelo INCRA solucionava suas necessidades mais imediatas de sobrevivência, bem como de acesso ao crédito para custeio agrícola. Uma outra proposta de parcelamento foi apresentada por um grupo de trabalhadores, o que envolveria uma ruptura com a atuação do INCRA e o estabelecimento de convênio com a Universidade Federal de Uberlândia para realização de análise do solo e demarcação das parcelas. No entanto tal proposta foi reprovada pelo conjunto de trabalhadores, visto que demandaria de três a quatro meses para conclusão dos trabalhos. 107

108

A demarcação das áreas de reserva coletiva, totalizando cerca de 706 ha, averbadas em cartório, foi uma conquista dos trabalhadores, que tiveram oportunidade de formar lavouras e pastagens em seus lotes, sem terem de dispor 20% de área para reserva legal. Como muitos lotes foram completamente desmatados pelos carvoeiros, que exploravam a fazenda quando ela estava em litígio, os parceleiros reservaram as áreas de vegetação do cerrado (áreas de mata e de pastagens artificiais, com o cerrado em regeneração) como áreas de preservação permanente, utilizando-as como fonte de recursos naturais como madeira e caça.

As áreas de reserva coletiva constituem domínios de caráter comunal , ou seja, áreas que não pertencem individualmente a nenhum grupo familiar, sendo vitais para a sobrevivência de unidades familiares, tornando-se, para os camponeses, lugares para a retirada de lenha para combustível, madeiras para construção, além de coleta de plantas medicinais (ALMEIDA, 1988). O uso das áreas de reserva coletiva tem suscitado impasses entre os assentados: para alguns, elas representam a sustentabilidade ecológica, devendo ser área de preservação permanente, enquanto que, para outros, elas são fonte de recursos naturais, que, utilizadas ocasionalmente, não causam sérios impactos ambientais para o assentamento. O assentamento dispõe, também, de abundantes recursos hídricos, existindo 15 nascentes, que formam 4 veredas, com presença de buritis característicos da vegetação do cerrado, constituindo-se área de preservação (ver FIGURA 10).

O processo de parcelamento da terra, segundo critérios de consolidação dos grupos de afinidade, já organizados na fase de acampamento, foi uma experiência inédita, possibilitando uma estruturação grupal próxima do que CANDIDO (1971:62) denomina de uma sociabilidade caipira, que consiste em um “(...) agrupamento de algumas ou muitas famílias, mais ou menos vinculadas por um sentimento de localidade, pela convivência, pelas práticas de auxílio mútuo e pelas atividades lúdico-religiosas” . A consolidação dos grupos 109 de afinidade, ligados entre si por relações de contigüidade, ancorada numa identidade territorial e apoiada no sentimento de pertencer a uma localidade, é considerada pelos entrevistados como uma experiência positiva de organização interna no assentamento. Na avaliação de Frei Rodrigo, o novo modelo de organização em grupos de afinidade, que vigorou na Nova Santo Inácio Ranchinho,

"(...) foi nada mais, nada menos, do que a gente institucionalizar o que já se vivia no acampamento." (Frei Rodrigo).

FIGURA 10 - Conservação de área de veredas na Nova Santo Inácio Rachinho, 1999. Fonte: Seminário Interno INCRA/MG, 1999.

Zé Maria avalia que a consolidação desses grupos no assentamento possibilitou a maior proximidade entre os trabalhadores:

"Essa proximidade, essa afinidade foi construída na época do acampamento. Porque, incrusive, pra eu tá perto do meu sogro, perto do meu cunhado, perto da minha vó... Isso dependeu duma discussão em grupo, duma discussão em assembréia... que o assentamento devia sê dividido em grupo. E existia os individuais, na época, que queria que o assentamento fosse espalhado! Aonde que o fulano saiu, é lá o lote dele. Não tem afinidade, não tem nada. Nós levamo isso em assembréia, aí 75% das pessoa decidiram que... tinha que respeitá as afinidade, sê em grupo, vizinhança... Incrusive, isso reflete até lá fora! Porque as pessoas que vem no assentamento... as pessoa comenta que, essa parte de cá do assentamento, o povo é mais humilde, o povo é mais amigo, o povo é mais diciprinado, o povo tem mais solidariedade..." (Zé Maria). 110

O relato de Zé Maria revela-nos que a apropriação do espaço conquistado pelos trabalhadores não se constitui como uma realidade estática, reificada, que se apresenta apenas como espaço físico- geográfico para nele viverem. Ele é transformado em território, escolhido como um lugar, onde o sentimento de pertencimento a uma localidade é valorizado por seus moradores, que mantêm um intercâmbio entre si, constituindo-se como grupo sustentado por um conjunto de valores tidos como identitários, que serve para diferenciá-lo com os de “fora” (CARNEIRO, 1999). Essa base territorial, sustentada no pertencimento a uma localidade, é o que CANDIDO (1971:65) denomina uma naçãozinha, entendida como “uma porção de terra a que os moradores têm consciência de pertencer, formando uma unidade diferente da outra”

Foi sobre esse espaço, transformado em território, que os trabalhadores imprimiram uma nova configuração, estabelecendo aí maneiras próprias de produzir, de organizar, de estabelecer sociabilidades, constituindo novas territorialidades 33 , enfim, um novo modo de vida.

Dessa maneira, ao reconfigurarem o espaço conquistado, os trabalhadores da Nova Santo Inácio Ranchinho transformaram o latifúndio improdutivo em unidades de produção familiar, promovendo, assim, um reordenamento territorial. Tal reordenamento foi determinado pelas ações desencadeadas pelos trabalhadores assentados, que já se encontravam organizados na Associação Nova Santo Inácio Ranchinho, criada ainda na fase de acampamento.

33 Para a conceituação de territorialidades e novas territorialidades, recorremos a CORRÊA (1996). Para esse autor, a territorialidade “refere-se ao conjunto de práticas e suas expressões materiais e simbólicas que capazes de garantirem a apropriação e a permanência de um dado território por um determinado agente social” (CORRÊA, 1996:252). Já as novas territorialidades dizem respeito à criação de novos territórios, reconstruindo, parcialmente, em outros lugares. um território novo, que contém algumas características do velho. 111

O modelo de organização implementado pelos trabalhadores, como vimos anteriormente, foi aquele vivenciado no acampamento nas margens da rodovia, estruturado, inicialmente, de forma horizontalizada, com direção colegiada, composta pelos coordenadores dos grupos de afinidade, que formavam a Comissão Central. Inicialmente, o cargo de animador geral e, posteriormente, os de presidente, secretário, entre outros, existiam apenas para garantir a representação jurídica da Associação. Essa nova forma de organização garantia, de acordo com alguns dos entrevistados, a participação democrática dos assentados no processo de tomada de decisões da vida do assentamento 34 . Sobre essa nova forma de organização, Barroso relata:

"A direção colegiada ela é representada, representativa (...) O poder máximo da Associação é a Assembléia! Todos os pontos são debatidos, deliberados. A Assembléia, ela é soberana! Então, é um colegiado porque não existe uma pessoa com mais responsabilidade que a outra, que nem um presidente, um secretário, um tesoureiro! Na direção colegiada, todos assumem a responsabilidade! Todos! E quando faz sua tarefa, não tem que ser sempre a mesma pessoa, que é a característica do presidencialismo (...) Qualquer pessoa pode representar o assentamento, junto ao INCRA, junto a outras entidades, junto a uma atividade qualquer... Então, a Assembléia delega as pessoas... Então, isso é ser colegiado." (Barroso).

Foi o reconhecimento desse modelo de organização, por parte dos assentados, que garantiu a representação política da Associação Nova Santo Inácio Ranchinho, como instrumento de ordenação e controle do novo território. Tal entidade teve uma participação efetiva, tanto no processo de ocupação do assentamento, como na sua reconfiguração espacial, buscando a estruturação, tanto de suas bases produtivas, como de toda infra-estrutura local.

Como o elemento-chave da organização da Associação foi a formação de grupos de afinidade / produção, seu papel não se restringiu somente a questões reivindicatórias, mas, fundamentalmente, influiu na

34 A avaliação da forma de organização no assentamento não está isenta de contradições, passando por relações de conflito nas mediações e disputas pelo poder político no interior do assentamento, como será visto mais adiante. 112 construção da proposta de organização do processo produtivo baseado na utopia da produção coletiva e das experiências associativas.

A discussão estabelecida entre os mediadores externos (APR, CUT, Igrejas, entidades sindicais) e os trabalhadores assentados sobre as formas de organização produtiva não forjou nenhum modelo organizativo para a produção. Cada grupo de afinidade pôde optar por formas coletivas ou individuais de exploração da terra. Frei Rodrigo rememora a estrutura organizacional de produção no assentamento:

"No assentamento de Campo Florido, nós (refere-se ao grupo de assessores da Animação Pastoral no Meio Rural / APR) deliberadamente, discutindo também com lideranças dos trabalhadores de lá.... Nós optamos para que a forma de organização dos grupos fosse de acordo, também, com a possibilidade da forma de vida que eu quero levar, ou seja, quem quis coletivo pôde, quem quis individual, também pôde." (Frei Rodrigo).

Assim, na configuração de um modo de vida, os grupos de produção tiveram a oportunidade de definir, autonomamente, os padrões de processos produtivos.

Os trabalhadores experimentaram a organização coletiva de produção, entretanto tais experiências não vigoraram no assentamento. Ao analisarem as condições de produção coletiva, os trabalhadores avaliam seus aspectos negativos:

"A produção coletiva não deu certo, não. Tinha veiz que, vamo supô: eu queria que o trabalho... o outro não queria. Eu achava que, na moda d’outro, amanhã tinha que trabalhá... o outro achava que não precisava trabalhá. E quando for na hora de dividir o produto, nóis vamo dividir em partes iguais! Por causa disso aí, eu tô dançano! Então, por esse motivo, os grupo teve todo mundo rachado. Ninguém quis continuá mais no coletivo, dessa forma... Foi só no primero ano que funcionô o coletivo. Eu acho que o coletivo, conforme a... é pra ocupação de terra, é pra alguma tensão... feito, vamo supô... a ocupação de terra... é a greve! Várias atividade o coletivo funciona, mais, do contrário, não funciona! (...) Então, a cooperativa... a cooperativa funciona... pruque na cooperativa eu vô recebê de acordo com a minha produção!" (Zé Pretinho). "A produção já foi experimentada de tudo quanto é tipo: tanto no coletivo, quanto no individual, semi-coletivo, né? Houve uma época que o pessoal do grupo 6, grupo 8, fazia tudo no coletivo. Tudo era coletivo (...) e que... a prática demonstrou que não dava certo 113

daquela forma, não deu certo! Porque, na realidade, o que aconteceu foi o seguinte: dentro do coletivo... vamo supô, uma galinha que eles tinha, era do coletivo. Se alguém quisesse matá aquela galinha tinha que fazê uma discussão do grupo. Então, na realidade eles passava mais tempo reunido do que trabalhano! (...) Isso levou o pessoal daquele grupo... não sei se concordam com essa idéia, mas é o que todo mundo que tava por fora vê, que o pessoal daquele grupo produzia menos que as outras pessoas (...) Uma das coisa que é coletivo aqui, hoje, e tem dado certo é a venda do leite. Quer dizer, a produção do leite não é coletiva, a venda é, porque a gente vende a granel." (Edivaldo).

O que tais depoimentos revelam é que as expectativas dos parceleiros da Nova Santo Inácio Ranchinho, com relação ao modelo produtivo, fundamenta-se na produção individual, o que lhes garante uma certa autonomia no controle da organização do trabalho, buscando efetivar um projeto de organização semi-coletiva, em que a comercialização do produto se dá coletivamente, enquanto o espaço produtivo permanece individual.

Essas observações estão de acordo com a literatura sobre a formação dos assentamentos no Brasil (ABRAMOVAY, 1994-b; FERRANTE, 1994; MEDEIROS, 1994) ao indicar que, se na fase de luta pela terra é possível falar na prioridade de uma identidade construída nesse processo 35 , não se pode dizer que, uma vez obtido o acesso à terra, haja disposição dos assentados em “estruturar-se coletivamente para a organização social da produção” (FERRANTE, 1994:137), mesmo porque a organização coletiva da produção parece ser uma utopia das instituições mediadoras do processo de luta pela terra e não resultado da vontade dos trabalhadores.

Há que se considerar ainda que os grupos de agricultores dos assentamentos estabelecem um novo reordenamento espacial, fundamentado na estrutura produtiva da agricultura familiar, cuja característica genérica é a combinação da propriedade dos meios de produção com o trabalho familiar no estabelecimento rural, mas que não

35 Esse processo de construção da identidade coletiva acaba sendo reforçado no acampamento, por força do convívio e dos enfrentamentos vivenciados em conjunto com estranhos (MARTINS, 2000). 114 produz uma ruptura com a tradição camponesa (WANDERLEY, 1999). Estudos sobre as realidades e perspectivas da agricultura familiar (ABRAMOVAY, 1992-a; WANDERLEY, 1999) 36 demonstram que o agricultor familiar moderno incorpora traços específicos do campesinato: uma autonomia relativa frente à sociedade global, uma racionalidade econômica relativamente autônoma, além de uma sociabilidade voltada para laços comunitários locais. Para agricultores familiares, a terra representa, sobretudo, um modo de vida de relativa autonomia social, por isso, suas expectativas de organização produtiva fundamentam-se, como mostra FERRANTE (1994), na busca de trabalhar a terra em termos individuais, representando, assim, uma situação de maior independência 37 .

A opção pela forma de organização individual no processo produtivo não significa uma rejeição por práticas associativas. Em seus depoimentos, os trabalhadores relatam experiências de compra de insumos em conjunto, uso comunitário de quatro tratores pertencentes à Associação, comercialização da produção de leite em comum, através do posto de resfriamento , além das expectativas de criação de cooperativas. O projeto de formação de cooperativas é apontado como forma de

36 Tais estudos rompem com o paradigma marxista sobre os camponeses, que construiu a imagem do campesinato como classe depositária de um tradicionalismo conservador, que estaria fadada ao desaparecimento na sociedade capitalista contemporâneo. Nesse sentido, ABRAMOVAY (1992-a:54) expõe que “é possível localizar no camponês elementos de permanência, de continuidade, de unidade, de um modo de ser que exige e merece das ciências sociais uma caracterização própria, que não se apoie apenas em suas diferenças com relação a outras categorias sociais.” 37 Contudo a relativa autonomia social, típica do campesinato, não significa a gestação de uma forma social pura, com característica anti-capitalista. Como indica MUSUMECI (1988), os camponeses, mesmo vivendo em um grupo social com trajetórias homogêneas, não pensam, nem agem de maneira idêntica quando se referem à terra. “Por vezes, como veremos, suas formulações sugerem uma ideologia comunitária e uma concepção não mercantil da terra; outras vezes parecem expressar uma visão radicalmente individualista, utilitarista, pequeno burguesa; outras, ainda, ressaltam elementos bem pouco aproveitáveis, quer pelos ideólogos do ‘capitalismo utópico’, quer pelos partidários do ‘socialismo utópico camponês’- elementos do que poderíamos denominar de uma ‘antiutopia autoritária’: a terra (nem tão) liberta como locus da patronagem personalizada, da exploração comercial, da arbitrariedade e da violência.” (MUSUMECI, 1988:53).

115 fortalecer o processo produtivo no assentamento. Contudo o que se observa é que o cooperativismo permanece no plano da utopia, como um sonho ainda não realizado no interior do assentamento 38 .

Se, por um lado, a identidade coletiva consolidada no processo de conquista da terra é fragmentada, quando os trabalhadores decidem por formas de organização diferenciadas do processo produtivo, por outro, ela se fortalece em termos de conquista de uma infra-estrutura social.

Os parceleiros da Nova Santo Inácio Ranchinho tiveram acesso ao crédito-habitação do Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária - PROCERA - para a construção de suas moradias. As condições de habitabilidade são variadas, havendo desde casas grandes de alvenaria, até mesmo casas de taipa. Algumas casas apresentam boas condições sanitárias, tendo banheiros e rede de esgoto, enquanto outras possuem fossas no quintal.

O abastecimento de água no assentamento é realizado mediante sistema de captação de água do Córrego das Candinhas e de uma nascente próxima à sede da fazenda, além da perfuração de um poço artesiano, tendo sido aplicados recursos do PROCERA. De acordo com o Diagnóstico Rápido Participativo Emancipador (BRASIL, 1998), realizado pelo INCRA, apenas sete famílias não são beneficiadas com sistema de abastecimento de água.

Com relação à eletrificação rural, os trabalhadores conquistaram o direito à energia elétrica em 1995, mediante as ações desencadeadas pela sua Associação junto ao INCRA, sendo que todas as parcelas e áreas comunitárias - escolas, casa de farinha, tanque de expansão de leite -

38 De acordo com os depoimentos dos entrevistados, a formação de uma cooperativa no assentamento não se realizou por dificuldades quanto à burocracia na sua formalização. 116 estão eletrificadas. A eletrificação foi executada com recursos do PROCERA 39 .

O assentamento também é servido por um telefone público, instalado na Escola Municipal Santa Terezinha, além do telefone adquirido pela Escola Família Agrícola 19 de Maio, conectado à rede de Internet.

Existem no local cerca de 40 km de estradas construídas que dão acesso a todas as glebas, facilitando, assim, o escoamento da produção. As estradas estão em bom estado de conservação, sendo que alguns lotes possuem acesso precário até à estrada principal. A construção de estradas vicinais e recuperação da estrada já existente foi uma das primeiras reivindicações feitas junto ao INCRA, como forma de facilitar o acesso dos parceleiros à infra-estrutura existente no assentamento. A execução das obras de construção e recuperação das estradas foi de responsabilidade do próprio INCRA, já que a atuação da Prefeitura Municipal de Campo Florido no interior do assentamento foi considerada ineficiente pelos assentados, havendo denúncias de omissão na conservação de estradas.

Na área do assentamento, funcionam duas escolas: a Escola Municipal Santa Terezinha e a Escola Família Agrícola 19 de Maio (ver FIGURA 11). A primeira escola, mantida pela Prefeitura Municipal de Campo Florido, conta com três salas de ensino infantil (pré-escola) e fundamental, com turmas multisseriadas de 1ª a 4ª séries. Os alunos que cursam da 4ª à 8ª série estudam na sede do município, sendo de responsabilidade da Prefeitura o transporte desses alunos, do assentamento até a escola.

39 Os recursos aplicados para a execução da eletrificação e do sistema de abastecimento de água no assentamento foram na ordem de R$ 257.194,00 e R$ 98.440,00, respectivamente.

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FIGURA 11 – Escola Municipal Santa Terezinha - assentamento Nova Santo Inácio Ranchinho, 2000. Foto: Letícia de Castro Guimarães.

A Escola Família Agrícola - EFA - atende estudantes de ensino médio. Trata-se de uma escola comunitária que se fundamenta na pedagogia da alternância , um modelo de educação básica e profissional, em que a escola e a família alternam-se na formação do adolescente para a vida e para o trabalho agrícola, sendo apropriada à realidade do campo. Essa proposta de ensino articula teoria e prática, alternando o ambiente da escola com o das unidades familiares de produção, buscando envolver as famílias no projeto educativo dos filhos. Sendo a EFA parte de um movimento educacional de caráter internacional, ela é gerida no âmbito local pela Associação Escola Família Agrícola 19 de Maio. Esta Associação está ligada à Associação Mineira das Escolas Famílias Agrícolas - AMEFA -, bem como à União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil - UNEFAB -, constituída por 95 Associações. 40 O grupo dirigente da Associação objetiva contribuir, por meio do seu projeto pedagógico, com o desenvolvimento sustentável do assentamento e seu entorno, fundamentando-se na adaptação da cultura camponesa e no

40 A UNEFAB está sediada no município de Anchieta, no Espírito Santo. Os estados onde as Escolas Famílias estão instaladas são: Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Tocantins, Goiás, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Maranhão Piauí e Sergipe. A sede internacional das EFA’s é a Associação Internacional dos Movimentos Familiares de Formação Rural - AIMFR - sediada em Paris, França.

118 fortalecimento do associativismo e do cooperativismo. Tendo iniciado suas atividades em 2001, com uma turma de 20 alunos na sede do Assentamento, a Escola buscou parcerias com a comunidade local e com a Secretaria de Educação de Minas Gerais para garantir sua manutenção, pretendendo ampliar suas atividades para este ano.

As condições do atendimento à saúde no assentamento são precárias. Não existe posto de saúde no local e os trabalhadores buscam atendimento médico no posto de saúde de Campo Florido. De acordo com o Diagnóstico Rápido Participativo Emancipador (BRASIL, 1998), um veículo desloca-se três vezes por semana até o assentamento para transportar os usuários do serviço público de saúde até o posto médico local. O sistema de transportes apresenta deficiências, já que o assentamento fica sem transporte para casos extraordinários, além do comprometimento no atendimento aos parceleiros da Nova Santo Inácio Ranchinho, que não são atendidos, em razão do horário em que chegam em Campo Florido 41 . Outro fator agravante para as condições de saúde no assentamento é que não existe hospital em Campo Florido e, em caso de emergência, as pessoas enfermas têm que se deslocar até Uberaba, 88 Km distante do assentamento. Existe uma reivindicação antiga de construção de uma unidade básica de saúde no local, entretanto o poder público municipal não a viabilizou.

Em termos de equipamentos comunitários voltados para produção, o assentamento conta com uma casa de farinha e um posto de resfriamento de leite.

A casa de farinha foi construída pelo INCRA, como forma de industrializar a mandioca, uma das principais culturas do assentamento, muitas vezes, comercializada in natura para fábricas de farinha de

41 O número de atendimentos no posto de saúde fica limitado a uma quantidade de fichas que são distribuídas por ordem de chegada. Normalmente, ocorre atraso no transporte dos assentados, que não chegam no horário de distribuição das fichas, comprometendo seu atendimento no Sistema Único de Saúde.

119 municípios vizinhos. No entanto a casa de farinha foi subdimensionada pelo INCRA, que construiu uma pequena unidade artesanal de produção, não correspondendo ao volume da matéria-prima produzida pelos trabalhadores. Interrogados sobre a sua utilização, os assentados respondem:

"A fábrica de farinha não funciona. Foi um elefante branco porque o INCRA tem algumas determinações, que é para contar nos números, na estatística, pra dizer que tem uma fábrica de farinha aqui e nunca foi utilizada, né?" (Barroso). "Eles tinha vontade (refere-se ao INCRA), fazê uma casa de farinha, mais eu acho num entendeu como era uma casa de farinha! Purque uma casa de farinha tem que ter estrutura, né? Ela é muito pequena. O forno... é uma coisinha de nada. É uma porcariazinha de nada! Não dá pra fazê nada ali!" (seu Calu).

Tais depoimentos revelam a ineficácia do poder público ao implementar as condições mínimas necessárias para os sistemas de produção no assentamento. Em 1998, o INCRA, mediante um convênio estabelecido com o Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID -, realizou um diagnóstico participativo sobre as condições do sistema produtivo, bem como da infra-estrutura social no assentamento, objetivando estruturar as unidades familiares de produção, de forma a sistematizar e acelerar o processo de consolidação e emancipação do assentamento 42 . Após a realização do referido diagnóstico, a equipe técnica do INCRA elaborou o Plano de Consolidação do Assentamento Nova Santo Inácio Ranchinho (BRASIL, 1998), apresentando propostas de atividades econômicas que possibilitassem “o desenvolvimento sustentável das parcelas, assegurando a sua viabilidade econômica, com melhor utilização dos recursos naturais disponíveis” (BRASIL, 1998:22), dentre elas, a ampliação da casa de farinha, o incremento da bovinocultura de leite, instalação de um posto de resfriamento do leite, redimensionamento da produção agrícola, além da melhoria das estradas

42 A consolidação do assentamento refere-se à fase em que se buscará a auto- suficiência do assentamento, com a estruturação de suas bases produtivas e consolidação da infra-estrutura local. Já a emancipação refere-se ao período em que o assentamento tornar-se-á auto-suficiente e os parceleiros recebem o título de propriedade da terra.

12 0 vicinais e construção do posto de saúde local. No entanto, tal plano não foi implementado, trazendo um impacto negativo para as condições socioeconômicas dos assentados.

Percebendo que o INCRA não implementaria os projetos levantados pelos próprios trabalhadores, quando da realização do Diagnóstico Rápido Participativo Emancipador (BRASIL, 1998), um grupo de produtores de leite apresentou uma proposta de financiamento de um posto de resfriamento de leite para uma empresa de laticínios. A empresa financiou a instalação do posto e o grupo pagou o financiamento com o próprio produto, comprometendo-se a comercializar coletivamente para a fábrica de laticínios (ver FIGURA 12). Essa foi a primeira experiência de organização semi-coletiva, como afirmamos anteriormente, em que a comercialização se deu coletivamente, enquanto o espaço produtivo permaneceu individual.

FIGURA 12 - Tanque de expansão de leite - assentamento Nova Santo Inácio Ranchinho, 2001. Foto: Letícia de Castro Guimarães.

A configuração territorial construída no assentamento efetuou-se por meio da luta dos trabalhadores na implementação de uma infra- estrutura básica (saneamento básico, habitação, rede de energia, escola, 121 transporte), assim como de projetos de estruturação de bases produtivas, garantindo um padrão de vida mínimo no local. As entrevistas evidenciam que as condições estruturais das famílias melhoraram substancialmente após a implantação do assentamento, seja em termos objetivos, como acesso à moradia mais digna, alimentação garantida pela produção de subsistência, acesso à educação dos filhos, seja em termos subjetivos, referentes a um novo modo de vida.

Quando são interrogados a respeito das mudanças ocorridas em suas vidas com a conquista da terra, os trabalhadores referem-se sempre à oportunidade que tiveram de engendrar uma nova temporalidade, em que administram, autonomamente, o seu próprio tempo, diferente da situação vivenciada como trabalhadores bóias-frias, em que o tempo representava para eles o sacrifício, o sofrimento e o controle disciplinar. A esse respeito, Edivaldo relata:

"Então, eu acho que com a conquista da terra, a gente acaba conquistano uma série de direitos. E alguns fundamentais, como é esse do estudo, da alimentação... É você ser dono do próprio nariz! Não precisa perguntá pro patrão: - Oh, eu posso ir na cidade? Eu tô doente... Eu tenho que ir no médico, eu posso ir? Ser dono do sítio e falar: - Hoje eu vou no médico... Hoje eu vô em Uberaba resolvê um problema particular... Não tenho que dar satisfação ao patrão. Então isso é uma conquista de direitos que a gente tá conseguino." (Edivaldo).

Esse relato revela a importância dada a uma nova dimensão do tempo, movido por um ideal de autonomia por parte dos trabalhadores do campo, demonstrando, assim, o processo de resistência às condições disciplinares a que foram submetidos quando eram bóias-frias. Essas observações estão de acordo com as reflexões de FERRANTE (1994) sobre as motivações que levaram os trabalhadores rurais bóias-frias a lutar para viver na terra: “(...) a perspectiva de trabalhar com maior liberdade, o viver melhor, o poder ter controle de seu tempo e o produto de seu trabalho” (FERRANTE, 1994:138) .

Por sua vez, na configuração de um novo território, os trabalhadores procuram construir um espaço de trabalho e de vida, e o 122 território é percebido como lugar de fartura, de autonomia, de liberdade e, sobretudo, de produção e renda. Ao serem indagados sobre a representação da terra conquistada, os trabalhadores respondem:

"Pra mim... essa terra. Como ela mudou minha vida, ela significa pra mim, hoje, a vida! É muito forte... Foi uma conquista muito forte! Se eu quisé, hoje, se a família quisé, hoje, viver reunida... que é uma coisa rara na sociedade... eu posso por minha família todinha nesse lote aqui, que vai todo mundo sobrevivê dessa terra! É um significado muito forte pra mim, significa, pra mim isso! Significa unidade, significa a vida, enfim." (Lourival). Ter a terra, por si só, não significa nada! Tem que ter condições de sobreviver aqui dentro, né? Essa terra significa uma conquista muito grande! A terra pra mim ela tem um significado... além do sustento, a terra pra mim é um grande ensinamento! Ela me ensinou a ser mais justo... a concordar que, realmente, é preciso haver mais liberdade no nosso meio, mais... justiça... Então essa terra foi uma vitória muito grande pra mim!" (Zé Maria). "Ela significa a liberdade, condições de produzir... Acaba sendo isso aí: essa liberdade total. Essa terra significa liberdade!" (Edivaldo). "Essa terra, é o seguinte: o significado dessa terra pra mim... o que eu não tinha antes, hoje eu tenho! Eu tenho umas vaquinha aqui, e eu não tinha! Eu tenho uma casa... a casa não é boa não mais... é melhor do que a que eu morava nela. É, se eu não tivesse essa terra aqui, eu não tinha essa casa. A conquista da... o conhecimento geral que eu tenho é atravéis da terra! Eu, pra dizê a verdade, tudo que eu tenho hoje, tudo que eu tenho foi um benefício da terra. A terra que me deu isso tudo! E eu lutei pela terra! Mais atravéis da terra eu cheguei em tudo que eu queria! Então a terra é importante nesse sentido." (Zé Pretinho). "A terra significa renda, poder, autonomia, liberdade, meio de produção! Nós tamos na luta por um meio de produção, e tamos, de fato, desenvolvendo esse instrumento com sua potencialidade" (Barroso).

Dessa maneira, é na construção de um novo território que os assentados da Nova Santo Inácio Ranchinho buscam a auto-sustentação das unidades familiares de produção, estabelecem relações de poder, além de produzirem novos espaços de sociabilidade, como analisaremos a seguir.

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3.2 - Os novos espaços de sociabilidade

Como já vimos, a sociedade é reinventada nos assentamentos, abrindo-se para espaços mais amplos de sociabilidade, mantendo, ao mesmo tempo, as concepções que ordenam a vida social, provenientes do familismo e da vizinhança rurais (MARTINS, 2000).

No assentamento Nova Santo Inácio Ranchinho, as formas de sociabilidade, marcadas por relações de contigüidade, por laços familiares e de parentesco, são alargadas pela convivência com outras categorias sociais, desenvolvendo, assim, uma sociabilidade específica, constituída por uma rede de relações sócio-políticas.

As novas experiências de relações sociais trazidas pelos trabalhadores rurais produziram um grande impacto na entorno do assentamento. Se, no momento em que chegaram à terra conquistada, as relações que estabeleciam com o meio externo resumiam-se ao envolvimento com uma rede de entidades que apoiava o movimento de luta pela terra e com as instâncias de representação do Estado, quando se deu o processo de assentamento, esses trabalhadores ampliaram suas redes de relações sócio-políticas, relacionando-se com múltiplos atores. Dentre estes, podemos citar: o INCRA, a Prefeitura Municipal de Campo Florido, a EMATER como órgão de assistência técnica, a CUT, a APR, a FETAEMG, o PT, as Igrejas Católica e Evangélicas, a Cáritas - organização não-governamental, ligada à Igreja Católica e voltada para a o apoio e assessoria às organizações dos trabalhadores - e o MLST - Movimento de Libertação dos Sem Terra -, uma organização de trabalhadores rurais e urbanos, constituída com a participação de algumas lideranças do assentamento, tendo como principais bandeiras de 124 luta a reforma agrária e a construção de uma sociedade socialista 43 . Essas redes de relações constituem-se como espaços de sociabilidade no interior da Nova Santo Inácio Ranchinho, promovendo formas mais participativas no processo de tomada de decisões da esfera pública, rompendo, ainda que parcialmente, com práticas sociais tradicionais - fundamentadas nas relações clientelistas e paternalistas, tão enraizadas em nossa cultura política.

As novas práticas de sociabilidade estabelecidas no interior do assentamento acabaram por introduzir ações políticas, por vezes desconhecidas no âmbito do município, produzindo, assim, modificações moleculares na cultura política local (LEITE, 2000). Exemplos dessas alterações na cultura política local são a constituição do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural de Campo Florido e da Associação Escola Família Agrícola 19 de Maio. O Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural constituiu-se como a primeira experiência de implementação de uma instância de gestão paritária - com a participação de instituições governamentais e não-governamentais -, no gerenciamento das políticas públicas de desenvolvimento rural em Campo Florido, tendo a representação da Associação Nova Santo Inácio Ranchinho na sua composição. Já a Associação Escola Família Agrícola 19 de Maio, que tem como missão contribuir com o desenvolvimento sustentável no campo, mediante a educação da alternância, abre espaço para outras representações do município na composição de sua diretoria, garantindo a participação ativa dos seus membros no processo de decisão da gestão da Escola.

43 O MLST, hoje MLST de Luta (nova denominação, resultante de uma fragmentação no interior do movimento), teve uma participação expressiva de algumas lideranças do assentamento na sua Coordenação. Sua atuação no âmbito do assentamento não é hegemônica, sendo considerada por alguns de seus integrantes como referência ideológica nas discussões e encaminhamentos de ações coletivas, enquanto para outros, a participação do MLST está ligada a questões relacionadas a assuntos externos, mas de interesse político para os assentados.

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Desse modo, alguns dos trabalhadores da Nova Santo Inácio Ranchinho tiveram oportunidade de disseminar suas práticas de sociabilidade, ao participar da rede de movimentos sociais de luta pela terra, contribuindo, por meio de suas experiências, com a viabilização de novos assentamentos na região. Destaca-se, nesse contexto, a experiência de formação do Movimento de Luta Pela Terra - MLT - no interior do assentamento em 1996, posteriormente integrado ao MLST, cuja atuação no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba tem sido expressiva, especialmente no que se refere ao movimento de territorialização dos sem-terra.

Além do mais, os moradores da Nova Santo Inácio Ranchinho buscam a expansão da consciência social e dos termos de convivência da comunidade local com a sociedade mais ampla. A procura de laços de convivência se dá nos momentos de lazer: o futebol jogado por crianças e jovens, e a realização de festas lúdico-religiosas no interior do assentamento constituem outras formas de sociabilidade.

As festas lúdico-religiosas ocorriam por ocasião do dia 19 de maio, data em que chegaram à terra conquistada e escolhida pelos trabalhadores como o dia do aniversário do assentamento. Esta data tem um significado simbólico para os moradores da Nova Santo Inácio Ranchinho, posto que simboliza a disposição que tiveram para disputar a apropriação do latifúndio improdutivo. A função primordial das festas de aniversário do assentamento era reforçar a memória das práticas e ações coletivas de luta e conquista do território onde plantaram os seus projetos de uma vida mais digna. Em seus depoimentos, os trabalhadores e trabalhadoras exprimem a importância das festas como fonte de resgate da memória para a comunidade que vive no assentamento:

"Uma luta do jeito que nóis fizemo não pode ser esquecida! (...) Então, a gente tá sempre organizano essa atividade (refere-se às festas celebrativas). Isso é muito bom pra tá relembrano a luta, né?" (Maria). "A festa é um momento importante que celebra a vida dessa comunidade, é um momento muito forte com o entrosamento com outras comunidades, pessoas de outras comunidades. Ela tem o caráter mais celebrativo, mais político, mais no sentido de viver o 126

momento da luta! (...) Então tamos tentando recuperar a memória, no sentido de levar aquela comunidade a acreditar que só a luta pode trazer algum benefício, só a luta pode trazer alguma melhora de vida." (Barroso).

A festa comemorativa, realizada por ocasião do aniversário, constituía-se como um momento de congraçamento entre a coletividade do assentamento e outras comunidades com as quais mantinham relações sociais. Como a festa assumia uma forma religiosa, fazia parte de sua programação a celebração de uma missa marcada pela ótica da Teologia da Libertação, cujo discurso apresentava-se nos cânticos, na leitura de textos bíblicos e na homilia (ver ANEXO 1). É interessante observar que, durante as celebração da missa, a passagem bíblica da partilha da terra entre as tribos judaicas 44 era relacionada com a realidade vivenciada pelos trabalhadores, quando conquistaram e realizaram o parcelamento da terra (ver FIGURA 13). Como observa MICHELOTO (1991:125), o Antigo Testamento é valorizado pela Teologia da Libertação como símbolo da justiça agrária. No dizer desse autor:

FIGURA 13 - Missa de celebração do aniversário de sete anos do assentamento Nova Santo Inácio Ranchinho, 2000. Foto: Letícia de Castro Guimarães.

“(...) a partilha da antiga Palestina entre as tribos judaicas é vista como uma verdadeira reforma agrária, ato exemplar que não tem apenas um significado material, mas se insere em todo um processo

44 Referímo-nos à Partilha da Terra, Josué, Capítulo 18, Versículo 1 a 10, do Antigo Testamento (texto em ANEXO 2). 127

cultural/religioso. A terra é herança que se recebe de um pai especial, o próprio Deus, e sua posse, assim como seu cultivo devem ser base propícia para o culto à divindade.”

A referência à passagem bíblica da partilha da terra corresponde ao que a memória dos trabalhadores selecionou como símbolo religioso de legitimação do processo de luta, conquista e parcelamento da terra onde vivem e trabalham, reafirmando, assim, a identidade coletiva dos moradores da Nova Santo Inácio Ranchinho.

Por seu turno, o caráter lúdico-religioso da festa, além da expressão religiosa, constituiu-se, também, como forma de lazer e meio de interação social, como nos sugere o trabalho de CAMARGO (1979). A realização da Folia de Reis (ver FIGURA 14), uma festa popular em que se comemora o nascimento de Cristo, e do baile, ao cair da noite, atraiu a população de Campo Florido e de assentamentos da região, reforçando os laços de sociabilidade da comunidade local com a sociedade mais ampla, confirmando as afirmações de DURHAM (1984-b) a respeito das atividades lúdico-religiosas nas comunidades rurais brasileiras. Além de contribuir para o convívio social e para o fortalecimento da solidariedade local, a festa reforçava o sentimento de pertencimento à localidade, consolidando, assim a identidade territorial no assentamento, por meio da manutenção das tradições culturais camponesas.

A memória de uma história comum, vivenciada pela comunidade local nos períodos das festas em que comemoravam o aniversário do assentamento, serviu para mostrar a coesão que o grupo mantinha. Os moradores da Nova Santo Inácio Ranchinho mantiveram essa memória viva até a realização da festa de sétimo aniversário do assentamento, ocorrida no dia 20 de maio de 2000. No ano de 2001, não realizaram nenhuma forma de celebração da história por eles vivenciada, podendo significar o desmembramento do grupo e o estilhaçamento da identidade construída durante esses anos todos. 128

FIGURA 14 - Festa de Folia de Reis, realizada no aniversário do assentamento Nova Santo Inácio Ranchinho, 2000. Foto: Letícia de Castro Guimarães.

3.3 - A organização interna no assentamento: mediações e lutas de poder

A organização interna dos trabalhadores apresenta elementos interessantes para a análise de práticas de disputa pelo poder exercido nas relações internas e externas que foram sendo construídas no interior do assentamento. Tal análise requer a compreensão de que as relações estabelecidas nos assentamentos de reforma agrária não são, de forma alguma, harmoniosas, mas permeadas por conflitos de interesses. Nessa perspectiva, entendemos que o processo de organização implantado no espaço conquistado configurou-se como expressão de relações de poder, ou seja, o controle e a ordenação do novo território consistiu-se como 129 manifestação de estratégias de poder estabelecidas pelos grupos sociais existentes no assentamento 45 .

O modelo de organização interna implementado na Nova Santo Inácio Ranchinho teve, como já vimos, a Associação como representante legal dos trabalhadores assentados e instância controladora do território que ali se reconfigurava. A formação dessa entidade, regulamentada juridicamente, era uma forma de organização proposta pelas instituições mediadoras e pelo próprio Estado, que vinculava a liberação de recursos para o assentamento à constituição de uma instância legal de representação. Tendo sido estruturada, inicialmente, de forma horizontalizada, com direção colegiada e constituída como fórum de discussão e de tomada de decisão sobre questões organizacionais do assentamento, emergem na Associação relações conflituosas, resultantes de diferentes projetos que as instituições mediadoras colocavam para os trabalhadores.

Configurando-se como espaço de disputas e de luta pelo poder no interior do assentamento, afloravam, na Associação, feixes de relações diferenciadas, que se manifestavam por meio de grupos de interesses, que ora estabeleciam alianças, ora o conflito aberto entre si. Mediadas tanto pelo consenso, como pelo dissenso, as decisões tomadas pelos associados em assembléias dependiam, freqüentemente, do apoio das frações de poder representadas pelas lideranças dos grupos de afinidades, que sempre se articulavam de acordo com seus interesses.

Um dos confrontos estabelecidos entre as lideranças do assentamento manifestou-se por época da alteração ocorrida no Estatuto da Associação. Constituída inicialmente, como vimos, com estrutura horizontalizada e direção colegiada, essa entidade teve seu modelo de

45 A compreensão dos assentamentos como expressão de relações de poder, remete-nos à noção de território apresentada por FOUCAULT (1979:157). Para esse filósofo, o território “é sem dúvida uma noção geográfica, mas é antes de tudo uma noção jurídico-política: aquilo que é controlado por um certo tipo de poder.”

130 organização modificado por deliberação de uma assembléia geral, realizada em 1995, no assentamento. O cargo de animador geral, representante jurídico da direção colegiada, foi substituído pelos cargos de presidente, secretário e tesoureiro, compondo, assim, uma composição mais verticalizada na diretoria da Associação. Todavia, a Comissão Central, formada por lideranças dos grupos de afinidades, foi mantida, sendo portadora do poder horizontal instituído na formação dessa entidade. Tal alteração foi resultado de um conflito de interesses que estava em jogo no assentamento: o presidencialismo, contraposto à representação colegiada na estrutura organizacional do assentamento. A esse respeito, os trabalhadores comentam:

"A direção colegiada é diferente do presidencialismo. Nela todos os assuntos são debatidos ou deliberados na assembléia! Então, é um colegiado porque não existe uma pessoa com mais responsabilidade que a outra, que nem um presidente, um secretário, um tesoureiro! No presidencialismo, é sempre o presidente que dá a última palavra, o presidente que coordena a assembléia, o presidente que representa fora o assentamento!" (Barroso). "No presidencialismo, ao invés de ir todo dia pra assembléia... Oh, gente! Como é que nóis vamo fazê? Não, a gente faz o que precisa fazer. Quando eu tava falano na questão do democratismo... é nesse sentido. Eu acho que direção tem que ser pra tomá iniciativa! É lógico que, vai tomá iniciativa que vai por em dúvida, por em risco o bem-estar... o andamento das coisa... Tem que consultá! Mas se é uma coisa que é em benefício pro assentamento... não tem que ficá perguntano se quer, não! Porque o que é bom, a base vai receber de braços abertos! (...) Eu penso, que tem que ter um pouco mais de iniciativa por parte da direção." (Edivaldo).

Dessa forma, percebemos que, os modelos organizacionais que vigoraram no assentamento, variavam de acordo com os grupos de interesses que ocupavam cargos de direção da Associação, servindo como palco para uma rede de relações de poder que se estabelecia no interior do assentamento.

A constituição da rede de relações de poder foi resultado de diferentes orientações políticas que ali se configuravam, por meio dos projetos distintos disputados pelas instituições mediadoras. Tais projetos indicavam as formas específicas estabelecidas pelos mediadores na concepção de modelos organizativos para a gestão do território, 131 agudizando as diferenciações existentes entre grupos de interesses 46 , o que demonstra que a identidade coletiva, construída na fase do acampamento, fragmentou-se diante das relações de disputa pelo poder político no interior do assentamento.

Contudo, quando a Associação encaminhava propostas de interesse coletivo, como a definição de recursos para o custeio agrícola, a construção da escola, a eletrificação, assim como o sistema de abastecimento de água e outros benefícios voltados para o assentamento, vigorava a harmonização de interesses em torno de um objetivo comum. Nos depoimentos dos entrevistados, não houve registro de subordinação ou negociação externa que privilegiasse interesses individuais na Nova Santo Inácio Ranchinho. Quando tomavam decisões que exigiam a presença do Estado para o atendimento às necessidades coletivas, a atuação dos dirigentes da Associação demonstrava a coerência e a força de pressão.

Consideramos ainda que, se, por um lado, o processo de luta pela terra e de formação do assentamento proporcionaram novas práticas de participação e de sociabilidade, por outro, as relações pessoais, clientelistas, reproduziram-se entre os assentados, confirmando as sugestões de D’INCAO (1991), em seu estudo sobre as experiências de organização dos trabalhadores do assentamento Porto Feliz, no estado de São Paulo, em que mostra a permanência de tais relações. Alguns trabalhadores registraram, em suas entrevistas, casos de líderes que exerciam favores pessoais, estabelecendo relações paternalistas com alguns trabalhadores: cuidavam da compra de insumos, ajudavam na comercialização da produção, além de outros favorecimentos. Dessa

46 Os projetos em disputa na Nova Santo Inácio Ranchinho expressavam a articulação de diferentes forças políticas que ali se manifestavam, especialmente das lideranças vinculadas ao MLST de Luta, que sustentavam a direção colegiada para a Associação, e dos representantes do segmento sindical, defensores do presidencialismo como modelo organizativo. 132 forma, asseguravam, no plano das disputas pelo poder interno, uma relação de fidelidade com esses trabalhadores que, sempre apoiavam suas deliberações nas assembléias da Associação. As práticas de relações voltadas para a manutenção do poder pessoal de alguns, são apontadas como força desagregadora do sujeito coletivo no assentamento. Nesse sentido, o depoimento de um entrevistado revela:

"Nós tivemos um companheiro nosso que debandou pro lado da política tradicional... De aceitar, inclusive, de acabar gostando dos chamegos que o governo faz! Trabalha um pouco a questão da personalidade, da vaidade e do favorecimento pessoal. Na verdade, a gente vê que um companheiro nosso que debandou aí! De certa forma, esta pessoa consegue desarticular o conjunto. (...) E não fomenta a discussão, não fomenta a reflexão, não fomenta o posicionamento. Tá mais no sentido de predominar que no sentido de refletir. Mas aí, também entra um problema sério: tá faltando a gente se sentir sujeito político para propor uma alteração. Na verdade, existe um inconformismo, mas também, não existe uma proposição." (Barroso).

O que esse relato indica-nos é que, se, por um lado, as lideranças no assentamento exercem um poder arbitrário, por outro, os trabalhadores mantêm-se passivos a respeito dos dirigentes, predominando um certo conformismo no assentamento. Atribuímos tal passividade às trajetórias de dominação vivenciadas pelos assentados.

Nesse sentido, entendemos que os feixes de convivência que se estabeleceram nos processos de organização interna do assentamento reproduziram, ainda que parcialmente, relações de dominação, fundamentadas num ordenamento social dirigido por relações de poder hierárquicas, que não promoveram uma completa ruptura com o autoritarismo social, característico de nossa cultura política.

133

3.4 - A organização produtiva e a inserção no mercado de produção

O sistema de produção predominante na Nova Santo Inácio Ranchinho constitui-se de pastagens formadas pelo antigo proprietário associado a de culturas anuais como a mandioca, o arroz, o milho, a cana forrageira e o sorgo (estas duas últimas destinadas à alimentação do gado) (ver FIGURA 15). Observa-se também o cultivo de melancia, abacaxi, guariroba, quiabo e moranga híbrida, ainda que em áreas menores, variando entre 1 e 7 ha.

FIGURA 15 - Vista de um lote com produção de arroz, na Nova Santo Inácio Rachinho, 1999. Fonte: Seminário Interno INCRA/MG, 1999.

As culturas do arroz e do milho são destinadas ao consumo próprio, sendo o pequeno excedente comercializado no próprio município.

O algodão já foi produzido no assentamento com caráter comercial, mas as entrevistas revelam o insucesso do seu cultivo, em razão da exigência intensiva de insumos agrícolas, especialmente, de agrotóxicos, 134 não havendo uma resposta positiva nos resultados da produção. Em seu Diagnóstico Rápido Participativo Emancipador (BRASIL, 1998), o INCRA relata um balanço econômico realizado com um produtor de algodão, mostrando que dos 5 ha cultivados dessa cultura, o referido agricultor aplicou R$3.000,00, apurando, na venda do produto, em torno de R$1.400,00.

Uma outra cultura introduzida no assentamento foi a pimenta. Seu cultivo foi comercializado, inicialmente, para uma fábrica de condimentos, tendo sido apurado, segundo depoimento de alguns dos entrevistados, um bom rendimento econômico. Com o sucesso do plantio desse produto, aumentou-se sua produção no interior do assentamento.Entretanto, a oferta da pimenta foi maior que a procura, prejudicando, assim, sua comercialização. Alguns agricultores que venderam a pimenta para atravessadores tiveram prejuízos. Seu Calu comenta sobre as condições adversas a que ficaram submetidos na comercialização da pimenta:

"Dispois que o Sinvaldo começô com a pimenta, os outro começô tudo atrás dele, né? Eu prantei, o Donizete prantô, o pessoal do outro lado prantô! Então nóis tá em 8 pessoa que tá prantano pimenta... Só que tem pouco compradô! Tem um do estado de São Paulo que veio e pagô certinho. Pagô oito conto! Agora, veio um de Uberlândia, esses dias, pagano nove real. Então esse rapaiz veio e comprô muita pimenta aí. Acho que ele comprô uns dois mil real de pimenta! Só que pagô com cheque... E o pessoal vendeu as pimenta como se fosse à vista! Mais só que quando trocô o cheque, o cheque tava gelado! O cara suspendeu o cheque! E eles... todo mundo perdeu! Teve gente que perdeu quatrocentos conto! Agora tem muita gente que tem 100, 150 litro de pimenta... Eu mesmo tenho 50 litro pra vendê, mais tenho medo de vendê pra qualquer um. Só tem que vendê à vista. Se num vendê à vista, fica compricado pra gente vendê, porque tá sujeito a tomá um prejuízo, né?"(seu Calu).

O leite e o cultivo da mandioca constituem atividades de maior expressão econômica do assentamento, sendo também as que ocupam a maior área de cultivo. 135

O cultivo da mandioca chegou a ocupar uma área de 184 ha em 1997, alcançando1.200 toneladas na safra agrícola de 1997/1998 47 . Sua comercialização se dá em nível regional, sendo vendida para proprietários de duas grandes fábricas de farinha dos municípios de Perdizes e Veríssimo. Apesar da comercialização de mandioca não estar subordinada aos atravessadores, o poder de barganha dos assentados na determinação do preço do produto é bem pequeno, posto que as fábricas de farinha é que fixam o valor da venda, além de haver uma grande disponibilidade desse produto no mercado agrícola, diminuindo, assim, a sua demanda. Sobre a comercialização da mandioca, seu Calu comenta:

"Os primeiro que plantou mandioca aqui, foi nóis (refere-se ao grupo por afinidade que produziu coletivamente). Nóis demo na telha de plantá, plantemo e deu certo! Só que naquele tempo tinha duas fábrica que comprava e agora o povo desmotivô um pouco com a mandioca, porque num tá tendo quem compra! Cê vê que coisa! Aumentô o plantio e caiu a venda. Naquele tempo, tá com quatro anos, nóis vendemo a R$70,00 a tonelada. Hoje tá na base de R$80,00! Aumentô pouquinha coisa! E olha que naquele tempo tinha quem comprava e hoje num tem quem compra. (...) A venda da mandioca tá ruim pra vendê!(...) Tinha uma fábrica em Veríssimo que levô muita mandioca nossa, mais depois começô a dá problema... O cara não era bom! Era bom pra comprá, educado e tudo... mais o pagamento começô atrasá! Atrasava os pagamento... Uma hora tratava de levá em treis viagem por semana e num levava... Tinha vezes que a gente arrancava e ele demorava a buscá, a mandioca ficava estragano no solo, né? Então, tudo é prejuízo!" (seu Calu).

De acordo com os depoimentos do seu Calu, notamos a luta dos agricultores familiares para terem acesso ao mercado, demonstrando as derrotas que sofreram no campo da comercialização de seus produtos, ficando fragilizados diante da instabilidade posta pelo mercado da mandioca e da pimenta.

Para a produção de leite, os parceleiros possuem uma área de 1.707 ha de pastagens, dispondo de um pequeno rebanho. Segundo o Diagnóstico Rápido Participativo Emancipador (BRASIL, 1998), produzido pelo INCRA, as pastagens encontravam-se sub-utilizadas,

47 Dados obtidos através do “Quadro Demonstrativo de Produção e Comercialização de Produtos e Subprodutos dos Projetos de Assentamento em Minas Gerais” , fornecidos pela Superintendência Regional do INCRA. 136 sendo, muitas vezes, arrendadas para os fazendeiros da região. Como a pecuária leiteira tem sido uma fonte de renda contínua para os assentados, tornou-se vocação do local. Sua produção média diária gira em torno de 1850 litros, na estação das chuvas, e 1350 no período da seca. Até 1999, a comercialização do leite era realizada de forma individual, mediante a entrega diária a uma empresa de laticínios. Nesse ano, um grupo composto por 53 produtores financiou, por intermédio da empresa de laticínios, um posto de resfriamento de leite. Com a instalação do posto, o grupo comprometeu-se a realizar a comercialização do leite, exclusivamente, com a empresa, pagando o financiamento com a própria produção. Com a aquisição de um tanque resfriador, passou-se a realizar a entrega intercalada do leite, reduzindo os gastos com o transporte. Além do mais, com a entrega intercalada, tal grupo teve oportunidade de tirar o leite duas vezes por dia, aumentando o volume a ser comercializado. Uma outra vantagem da produção granelizada do leite diz respeito a sua qualidade, já que o resfriamento evita a sua acidez. Como explica Barroso,

"Então, o nosso leitinho passado no caminhãozinho de leite, que ficava rodando pela fazenda inteira, ou por outras fazendas até chegar no laticínio, por volta de meio-dia, uma hora da tarde, esse leite já estava em estado adiantado de acidez. Então com o tanque, esse problema de acidez, ele é eliminado." (Barroso).

Para a comercialização coletiva do leite, os produtores destinam um litro de leite/dia para um fundo de caixa, com o objetivo de custear as despesas do posto de resfriamento, como energia, material de consumo e pagamento de um funcionário. De acordo com o depoimento de um produtor, no pico da safra, chegaram a comercializar 45.000 litros de leite ao mês. O valor máximo alcançado pelo litro de leite foi de R$0,35. Entretanto, durante o segundo semestre de 2001, o valor do litro de leite baixou para R$0,25. A oscilação do preço do leite vem acontecendo em razão do excesso da produção, da desregulamentação do mercado, bem como da nova tendência que vem ocorrendo com a cadeia agroindustrial do leite, que é a concentração de empresas por grandes corporações, 137 detendo, assim, um grande poder de barganha no estabelecimento dos preços. Além do mais, os produtores do leite subordinaram sua atividade à agroindústria do leite, de tal forma que a indústria assume grande parte de decisão sobre a forma de produzir.

O que os estudos sobre a realidade e as perspectivas da agricultura familiar no Brasil indicam é que, com esse novo modelo econômico que está sendo implantado com o processo de globalização, os produtores familiares tornam-se mais vulneráveis: pois, à medida que o envolvimento do Estado na regulamentação dos preços do mercado e a proteção a estes produtores tende a diminuir, a competição do mercado externo tende a aumentar (BRUMER, 1999). Fica evidente a ineficácia das políticas públicas voltadas para os assentamentos de reforma agrária, havendo uma grande desarticulação entre a política de desenvolvimento agrário e a política agrícola, sendo esta última influenciada pela tendência liberalizante da economia brasileira, responsável pela perda de terra e pela exclusão dos pequenos produtores de leite do processo de produção (SANTOS et al., 2001). Dessa maneira, observamos que o sucesso ou a instabilidade da comercialização coletiva do leite no assentamento dependerá do cenário econômico dessa cadeia produtiva, especialmente do poder de barganha dos produtores do leite na determinação do preço de mercado. Tudo indica que, permanecendo o atual cenário econômico, os assentados ficarão em condições adversas de competição.

Analisar as condições de produção e comercialização no assentamento Nova Santo Inácio Ranchinho requer, também, compreender as condições em que as famílias se encontravam, na fase de implantação do assentamento.

Como referimos anteriormente, o assentamento Nova Santo Inácio Ranchinho resultou de um intenso processo de luta dos trabalhadores sem-terra, sendo que sua efetivação definitiva deu-se após mais de quatro anos. Nesse período, os trabalhadores viviam em acampamentos 138 sob condições precárias de subsistência, acentuando, assim, o processo de degradação econômica de suas famílias. Além do mais, essas famílias encontravam-se em situação provisória na fase de acampamento, período suficiente para que os poucos bens que possuíam fossem se deteriorando. Com isso, os limitados recursos do PROCERA destinados à produção, na fase de implantação do assentamento, foram utilizados para pagamento de dívidas contraídas nos armazéns de Campo Florido, aquisição de eletrodomésticos, veículos para transporte da família e reposição de equipamentos vendidos durante o período em que viviam acampados. Do ponto de vista de alguns dos entrevistados, esse processo de degradação econômica resultou em uma diferenciação social no assentamento: as famílias que permaneceram acampadas durante mais de quatro anos entraram nas suas parcelas em condições desiguais daquelas que mantinham suas residências na cidade. Quando tiveram acesso aos créditos do PROCERA, aquelas famílias descapitalizadas utilizaram parte dos recursos com pagamento de dívidas. Nesse sentido, Branca analisa:

"Com relação a algumas pessoas tá com um nível financeiro melhor, outras tá com mais dificuldade... Então, a gente tem treis situação aqui dentro: tem pessoas que nada tem mesmo! Outras têm alguma coisinha, outras tá num nível mais alto. Por que que ele tá com nível mais alto? Porque o governo investiu mais nele? Não, o governo investiu igualmente em todos! Uns estão bem porque os parente ajudaram, né? Então, investiram nele, mandaram gado, né? Tinham casa na cidade, venderam e construíram casa boa aqui. Enquanto outras vieram com um saquinho nas costa, com panelinha, um colchãozinho velho e que não deu pra tá em situação melhor hoje! Porque recebe mil reais por ano, precisa se alimentar! E como fica sua situação na cidade? Eu acho, que é dever seu ser honesto, não é qualidade, não. Então se o armazém cede a alimentação, eu tenho que pagá. Quando aquele crédito chega, eu devo uma quantia no armazém. Eu vou e pago aquela quantia e vou plantá na minha roça com aquela parte que dá pra mim plantá, né? Aí, geralmente, o que que acontece? Não houve dinheiro suficiente pra um bom preparo do solo... porque o governo num tá preocupado com isso, né? Aí, vamo produzí menos. De modo que, quando eu colhê, não dá pra eu pagá o que eu devia pagá para o banco." (Branca).

Tendo os assentados iniciado suas atividades produtivas já descapitalizados, a área desapropriada pelo INCRA ia apresentando 139 problemas do ponto de vista do potencial produtivo 48 , o que exigia elevados custos com aquisição de insumos para preparo do solo. Como os agricultores já não dispunham de recursos suficientes para o plantio, os sistemas de produção tornaram-se mais vulneráveis.

Por sua vez, a assistência técnica prestada no assentamento pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais - EMATER-MG - incentivou a adoção da tecnologia moderna (mecanização e quimificação da agricultura) 49 , exigindo dos assentados um expressivo investimento na aquisição de equipamentos e insumos químicos, não havendo, no entanto a respectiva resposta quanto ao resultado de suas atividades. Fica evidente que o modelo de tecnologia proposto por essa empresa aos agricultores não garantiu melhores condições de produção para o assentamento, comprometendo, assim, a sua viabilidade econômica. Como indica GRAZIANO DA SILVA (1999:139), a geração e difusão da tecnologia pelo setor público, mediante a implementação de uma política tecnológica, não favorece os agricultores familiares, mas, ao contrário,

“...a nova organização institucional baseada fundamentalmente em linhas de pesquisa por produto e na centralização dos recursos disponíveis, tende a reforçar as penalizações que já são impostas pelo sistema econômico ao setor de pequenos produtores.”

Ainda com relação ao acesso ao crédito, verificamos com base nos dados fornecidos pelo INCRA, que todos os parceleiros da Nova Santo Inácio Ranchinho chegaram a atingir o teto máximo pelo PROCERA - Investimento, equivalente a R$7.500,00. Esse valor, no entanto, não foi suficiente para estruturar o sistema produtivo local, já que as famílias

48 Como afirma BAVARESCO (1999), a Constituição de 1988 limitou drasticamente as possibilidades de desapropriação de terras, especialmente daquelas que bem ou mal são utilizadas em atividades agrícolas. Isto fez com que o INCRA comprasse ou desapropriasse áreas com limitações à produção agrícola. 49 Em seu Relatório Anual sobre o Projeto Nova Santo Inácio Ranchinho, o extensionista agropecuário da EMATER - MG, confirma uma melhor perspectiva de produção, “tendo em vista que os assentados já melhor se organizaram, se adaptaram ao clima, solos e costumes da região, aceitando e utilizando melhor as tecnologias preconizadas pela equipe técnica” (MINAS GERAIS, s/d).

140 assentadas estavam completamente descapitalizadas ao entrar em suas parcelas. Além disso, ao recursos liberados pelo PROCERA foram insuficientes para a correção do solo. Eis o depoimento de Zé Pretinho:

"Eu acho que o governo deveria investir mais nos assentamento, porque eu acho que os recurso que são enviado pro assentamento... acho que são muito pouco (...) Então eu acho o que que eles passa pro assentamento é uma micharia de dinheiro! Então, acho que tinha que investir mais (...) Porque se ele dá a terra mais não dá as condições... Se dá a terra mais não dá as condições pra produzir, o que vai acontecer? A terra sem condição de produzir, não significa nada! Vamo supô: eu pranto arroz, mas como é que vai prantá arroz, se não tem dinheiro pra prantá arroz? Pra poder gradeá a terra? Pra poder comprá adubo? No caso, fica muito mais caro o plantio do que talveiz o que ele vai colhê!" (Zé Pretinho).

Em seu depoimento, Zé Pretinho não revela sua condição de inadimplência com relação ao financiamento do PROCERA, o que o impede de ter acesso a qualquer outro financiamento. A condição de inadimplência é geral em todo o assentamento, posto que uma das exigências para a liberação desse financiamento foi a assinatura de um contrato, que, na verdade, nada mais é que um compromisso coletivo de uma dívida solidária, por cujo montante dos recursos liberados todos são responsáveis. Mesmo aqueles produtores que conseguiram pagar sua cota ficaram inadimplentes e, automaticamente, impossibilitados de receber novos financiamentos. Sem o acesso ao crédito, os assentados da Nova Santo Inácio Ranchinho têm dificuldades em garantir a sua reprodução social como agricultores familiares, buscando outras saídas para manterem suas unidades de produção, como veremos a seguir.

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3.5 - Novas perspectivas de vida: entre a cidadania utópica e a realidade vivida

Como vimos, os resultados alcançados pelo processo de produção e comercialização na Nova Santo Inácio Ranchinho não atingiram níveis satisfatórios, comprometendo a capacidade produtiva do assentamento e, conseqüentemente, a reprodução social dos agricultores. As políticas públicas implementadas no assentamento não proporcionaram uma garantia de renda mínima para os seus beneficiários. Ao contrário, os agricultores permaneceram à margem do desenvolvimento econômico, em situação extremamente desfavorável para competir em um mercado no qual prevalece a hegemonia da grande empresa e dos grandes negócios agroindustriais.

Desse modo, a visão de que o mundo das relações econômicas que se implantaria no assentamento seria a continuidade de um certo mundo comunitário estabelecido na fase de acampamento permaneceu no plano de uma cidadania utópica, ou de um mundo encantado em que se busca lutar por uma situação ideal fundamentada na igualdade, como afirma ABRAMOVAY (1994-b).

Na verdade, a realidade vivenciada no assentamento é a “realidade da sociedade capitalista, onde se tem um mercado, desigualdade, despersonalização das relações econômicas e assim por diante” (ABRAMOVAY, 1994-b:316). Ao enfrentarem as condições desiguais de um mercado competitivo, os agricultores da Nova Santo Inácio Ranchinho percebem o descompasso entre o sonho de um projeto alternativo de vida e a dura realidade em que se encontram para se manterem como produtores rurais. Sobre o assunto, Zé Pretinho relata:

"Agora, uma das coisa que a gente acha... a dificuldade é na questão da produção... na questão da produção. Porque a gente 142

achava que... conquistada a terra terminava os problema. Depois que conquista a terra é que vem os problema, da produção. E se a gente brincasse, a gente acha muito mais difícil produzí, que conquistá a terra. Se cê não soubé... Aonde muitos abandona a terra e vai embora, porque acha que a terra... num tem sentido. Então, é a hora que cê tem que tomá cuidado é... com a produção. Sabê aplicá os recurso no lugar certo, ele volta a ser um bóia-fria. (Zé Pretinho).

Em seu depoimento, Zé Pretinho expressa bem a realidade vivida pelos assentados: o estrangulamento do sistema de produção e comercialização, bem como as dificuldades que encontram para resistir no território por eles conquistado, indicando, assim, o receio que têm os agricultores familiares de tornarem-se bóias-frias.

A tentativa procurada pelos assentados na formação de cooperativas, como uma saída para viabilizar a compra de insumos para a produção e comercialização de seus produtos, não se concretizou ainda, permanecendo como um projeto a ser realizado para proporcionar a sustentação econômica das unidades de produção familiar.

A fragilidade vivenciada pelos assentados em razão da falta de créditos para produção e da imposição do INCRA em consolidar o projeto de assentamento, sem se preocupar com a dimensão econômica das unidades produtivas, os coloca diante do impasse de abandonar a terra ou buscar outras saídas como forma de resistir no território conquistado.

Uma das saídas encontradas pelos trabalhadores da Nova Santo Inácio Ranchinho para se sustentarem na terra vem sendo o arrendamento de suas propriedades para grandes produtores, que fornecem cana para uma usina de produção de álcool e açúcar: a Usina Cururipe de Açúcar e Álcool S/A.

O arrendamento de lotes é visto por alguns parceleiros como a única saída que têm para sobreviverem no assentamento, enquanto que, para outros, trata-se de um projeto que ameaça a sustentabilidade econômica e ambiental do assentamento. 143

Aqueles assentados que se posicionam contra o arrendamento dos lotes para a produção da cana-de-açúcar justificam que a adoção das práticas agrícolas adotadas por essa monocultura pode degradar o solo, com o passar do tempo, além de contribuir para a redução da diversidade biológica, facilitando o surgimento de novas pragas e doenças no sistema produtivo do assentamento, comprometendo a preservação ambiental local. No dizer de Barroso,

"Nós vamos sofrer as conseqüências típicas desse conceito de produção que é a monocultura! A monocultura, por si só, já é um afronta à agricultura familiar! (...) Com o arrendamento nós não teremos mais a terra, teremos apenas o território!" (Barroso).

Por sua vez, aqueles que defendem a introdução do arrendamento para plantio de cana nas parcelas do assentamento avaliam que a falta de capital individual para investir na produção poderá provocar a venda de lotes no interior do assentamento 50 e o arrendamento seria a única alternativa possível para resistirem na terra conquistada.

Contudo diante do impasse estabelecido no interior do assentamento, entre as propostas de arrendar ou não arrendar as parcelas para o plantio de cana, a primeira foi vitoriosa. Em decisão tirada em assembléia da Associação Nova Santo Inácio Ranchinho, ficou determinada a liberação do arrendamento das parcelas, contando ainda com a autorização da Superintendência Regional do INCRA- MG.

O arrendamento das suas parcelas foi a solução encontrada por muitas famílias do assentamento para resistirem em suas unidades familiares de produção, que procurarão desenvolver, numa área restrita, a produção para a sua subsistência. Outras famílias continuam a resistir, mesmo sem o acesso ao crédito, na continuidade da produção familiar, mantendo a sua reprodução social, ainda que de forma subordinada ao mercado competitivo e à hegemonia das grandes empresas agroindustriais. 144

Dessa maneira, o novo território conquistado pelos trabalhadores rurais, hoje agricultores familiares da Nova Santo Inácio Ranchinho, ainda resiste aos fortes impactos desse modelo de agricultura modernizada, ainda que, retomando algumas das características do velho território.

50 Vale ressaltar que, de acordo com os depoimentos dos entrevistados, não houve nenhuma venda de lotes por parte dos assentados na Nova Santo Inácio Ranchinho, pelo menos até o momento em que finalizamos nossa pesquisa. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um dos primeiros aspectos revelados por este estudo diz respeito à reflexão sobre o processo de ações coletivas no cenário da globalização, buscando demonstrar que, ao invés de diluir as singularidades, a globalização pode proporcionar um reforço das identidades coletivas. O que procuramos evidenciar nesta análise foi que as novas práticas gestadas pelos movimentos sociais podem propiciar reações locais ao processo de homogeneização dos espaços políticos, sociais e culturais , imposto pela era da globalização. Fundamentamos tal pressuposto no estudo das experiências e práticas vivenciadas por um grupo de trabalhadores rurais sem-terra na luta para disputar a apropriação de um latifúndio improdutivo.

Ao analisar a trajetória de luta desses trabalhadores - assalariados rurais, parceiros, arrendatários -, marcada por derrotas e vitórias, observamos que, por meio de suas práticas, eles apresentaram -se para o espaço público, colocaram-se em cena como sujeitos de sua própria história, afirmando, assim, a luta pela sua cidadania.

Para compreender as experiências e práticas dos trabalhadores sem-terra, hoje agricultores familiares da fazenda Nova Santo Inácio Ranchinho, analisamos o cenário regional em que travaram suas lutas para a conquista do direito de acesso à terra. Demonstramos que o processo de modernização da agricultura implementado na região do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba deixou marcas de uma forte exclusão social, produzindo efeitos perversos para os trabalhadores rurais da região. Esse foi o contexto de fundo estrutural que, certamente, 145 estimulou a luta pela terra, desencadeando na desapropriação de um latifúndio improdutivo.

Para resgatar a história, tecida por homens e mulheres, que procuraram afirmar sua cidadania no processo de luta e conquista da terra, recorremos à memória desses trabalhadores e trabalhadoras Por meio de suas narrativas, registramos que, pelas histórias de vida, os entrevistados revelaram suas identidades pessoais, marcadas pelo sofrimento, pela desvalorização como seres humanos e, sobretudo, pela frustração que sentiam com relação ao processo de exclusão e subordinação a que foram submetidos como trabalhadores rurais bóias - frias. Pelas suas narrativas, fica evidente que a motivação subjetiva que os estimulou a participar de um processo organizado de luta pela terra, foi a negação à vida sofrida que levavam como assalariados rurais.

Desse modo, constatamos que, se, a princípio, tais sujeitos, submetidos às condições de exploração e subordinação produ zidas pelo processo de modernização da agricultura na região, ocupavam o espaço social como sujeitos submissos e obedientes, destituídos de seus direitos, ao longo de suas experiências e práticas de luta, eles procuraram romper com as péssimas condições de vida a que foram submetidos, saindo do anonimato e do isolamento para construir uma história coletiva, na qual inscreveram suas práticas de luta.

Tais trabalhadores, que viviam dispersos e isolados, sujeitos cuja sociabilidade era marcada pelo mando e a obediência, vivenciaram experiências de constituição de uma identidade coletiva, que impôs para o espaço público o reconhecimento de sua cidadania. Por meio de suas práticas e de seus discursos instituintes, esses homens e mulheres reinterpretaram a realidade instituída, típica de uma sociedade autoritária, cujas características mais visíveis são: a desigualdade econômica, a exclusão social e, sobretudo pelo ordenamento de relações sociais desiguais, fundamentadas numa organização hierárquica. Quando se constituíram sujeitos de sua própria história, que lutaram pelo direito 146 do acesso à terra, esses trabalhadores contestaram o poder de mando exercido pelas velhas forças agrárias da região, minando, ainda que parcialmente, os pilares do autoritarismo social, tão característico em nossa cultura política.

Verificamos em nossa pesquisa que o processo de luta pela terra que conduziu à desapropriação da fazenda Nova Santo Inácio Ranchinho, em Campo Florido - M.G, não pode ser entendido como um processo isolado, restrito apenas ao âmbito local. Deve, pois, ser compreendido como um movimento que, na luta pelo estabelecimento de novos direitos e na conquista de direitos já instituídos, constituiu, por meio de suas práticas sociais, um projeto coletivo que estabeleceu, ju nto a outros movimentos sociais, estratégias para a construção de uma sociedade mais democrática.

Assim, podemos afirmar que as experiências vivenciadas no processo de luta pela terra, tais como a reivindicação do direito de acesso à terra, os acampamentos, as ocupações de latifúndios improdutivos, bem como de espaços públicos, as ações de contestação e de pressão contra o Estado, as exigências dos direitos à produção, à moradia à saúde, à educação, dentre outras, estudadas nos limites deste trabalho, forjaram práticas de construção da cidadania entre os trabalhadores sem-terra, hoje, agricultores familiares. No período em que lutaram para conquistar um latifúndio improdutivo, para nele plantar seus sonhos de uma vida mais digna, esses trabalhadores, por int ermédio de suas práticas de luta, recolocaram o problema da constituição do sujeito coletivo entrelaçado à afirmação de sua cidadania, visando, tanto resgatar seus direitos mais elementares (civis, sociais e políticos), como inventar novos direitos, dentre eles, as ocupações de terras.

As ações desencadeadas pelos trabalhadores para conquistar um pedaço de terra evidenciaram sua disposição para inserir -se num campo de disputas, no qual se manifestam uma diversidade de forças políticas: de um lado, tais trabalhadores aglutinavam seus interesses, mediante a 147 formação de uma rede de instituições organizadas na sociedade civil, como a APR/CPT, a CUT, o MST, as entidades sindicais, que apoiavam, incondicionalmente, suas lutas; do outro, os grandes proprietários de terras, organizados pela UDR, demonstravam sua força política, reagindo, violentamente, contra o movimento dos sem -terra. Permeando essa correlação de forças, encontrava-se o Estado, em suas diversas instâncias, agindo, ora de acordo com os interesses dos trabalhadores, ora numa posição favorável aos proprietários rurais. Nesse processo de correlações de forças, os trabalhadores saíram vitoriosos, com a desapropriação do território disputado, fazendo valer seus interesses, mediante o confronto com o Estado e com seus opositores.

Após a realização do projeto de reforma agrária na fazenda Nova Santo Inácio Ranchinho, os trabalhadores reconfiguraram o espaço conquistado. Desse modo, averiguamos que, para a organização de um novo território, apresentaram novas formas de ocupação territorial, fundamentadas na formação de grupos de afinidade, produzindo uma mudança significativa na dinâmica de reordenamento territorial do assentamento.

Averiguamos que, na constituição de novas territorialidades, baseadas em laços de parentesco, amizade, vizinhança e, sobretudo, em formas de organização que lhes são próprias, os trabalhadores construíram uma nova identidade no interior do assentamento, ancorada no pertencimento à localidade. As reflexões à respeito da consolidação das identidades territoriais, contradizem as tendências que preconizam a globalização como um processo inexorável à homogeneização, que dilui as singularidades das culturas locais.

No que se refere às relações societárias, podemos afirmar que houve um processo de aprendizagem de formas organizativas pelos sujeitos sociais envolvidos neste estudo. As práticas de luta pela terra e de constituição do novo território proporcionaram experiências de novas formas de participação e de sociabilidade entre os assentad os da Nova 148

Santo Inácio Ranchinho, possibilitando a abertura para concepções mais amplas de sociabilidade. Destacou-se, nesse contexto, a disseminação de práticas que contribuíram para a formação de novos assentamentos na região. Contudo, as formas de sociabilidade, herdadas do familismo e das relações de vizinhança rurais resgatadas por tais sujeitos, demonstram o reforço às concepções tradicionais, fundamentadas num ordenamento social hierárquico.

O registro das experiências vivenciadas por esses trabalha dores, durante esses anos todos, demonstra que, em suas trajetórias, marcadas por avanços e recuos, eles constituíram feixes de relações de poder, reforçando tanto as práticas democráticas, como as relações de dominação baseadas num poder hierárquico, não promovendo, dessa forma, uma ruptura completa com o autoritarismo social. Tais experiências consistem em um aprendizado complexo da prática política, na qual os grupos de interesses fazem-se e desfazem-se, manifestando-se de formas diversas, de acordo com as situações por eles enfrentadas.

Em nossas análises sobre a organização produtiva no assentamento estudado, pudemos observar que, em condições adversas de produção e de inserção no mercado competitivo, os trabalhadores vivenciam uma outra forma de luta: a resistência no território conquistado. Esse processo de resistência manifesta-se no retorno às relações tradicionais de produção, como o arrendamento de lotes e outras formas de parcerias de uma parte de suas terras.

Diante da difícil realidade vivenciada para garantir a sua reprodução social, em condições adversas de competição, os assentados adotaram em seus sistemas de produção o mesmo pacote tecnológico preconizado pela política de modernização da agricultura, que produziu efeitos perversos para os camponeses, contribuindo, assim, para o surgimento dos sem-terra.

Desse modo, atribuímos ao modelo tecnológico adotado no assentamento, os insatisfatórios níveis de produção e de comercialização, 149 comprometendo a capacidade produtiva e, conseqüentemente, a reprodução social dos agricultores da Nova Santo Inácio Ranchinho.

Além disso, a reflexão sobre as perspectivas de vida no assentamento, remete-nos à ineficácia das políticas públicas voltadas para a reforma agrária, resultante de um descompasso entre a pol ítica de desenvolvimento agrário e a política agrícola adotada nestes últimos anos pela tendência liberalizante da economia brasileira. Assim, consideramos que o efetivo apoio do Estado torna -se essencial para a reprodução social dos agricultores familiares e para a viabilização econômica do assentamento.

Portanto, se os agricultores familiares ainda resistem aos fortes impactos produzidos pelo modelo de agricultura modernizada, é porque buscam a inserção nesse contraditório espaço social, mediado pela inclusão e exclusão, construindo estratégias de sobrevivência que visem garantir sua nova condição social: a de sujeitos que se incorporaram ao mundo dos direitos.

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