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Cel Claudio Moreira Bento Diretor do Arquivo Histórico do Exército e Membro da Comissão do Exercito para as comemorações dos Centenários da Proclamação da Republica e da criação da Bandeira Nacional

COMISSÃO DO EXÉRCITO PARA AS COMEMORAÇÕES DOS CENTENÁRIOS DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA E DA CRIAÇÃO DA BANDEIRA NACIONAL

CADERNOS DA COMISSÃO COORDENADORA DAS COMEMORAÇÕES DOS CENTENÁRIOS DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA E DA CRIAÇÃO DA BANDEIRA NACIONAL

1991

Contribuição do SENAI e da Biblioteca do Exército aos Centenários da República e da Bandeira Nacional 2

NOTA:

O presente trabalho, coordenado pela Comissão dos Festejos dos Centenários da proclamação da República e da criação da Bandeira Nacional, aborda conferências a respeito das efemérides realizadas no Arquivo Histórico do Exército, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e Clube Militar, bem como transcreve alguns trabalhos de interesse publicados na revista do Clube Militar e nos Jornais do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e Letras e Artes. Por oportuno, divulga trabalhos comemorativos dos bicentenários da Inconfidência Mineira e centenário de nascimento do general Pedro Aurélio de Góes Monteiro, proferidos no Arquivo Histórico do Exército. Trabalho organizado pelo Tem R\2 Robson Papamdrea.

Rio de Janeiro, RJ, 1990.

Cel Claudio Moreira Bento

Centenário da República e da Bandeira Diretor do Arquivo Histórico do Exército e membro da Comissão do Exército dos Festejos dos Centenários Nacional

Neste trabalho, publico os artigos de minha autoria digitalizados por Camila Karen C. S. Renê:

1 – O CLUBE MILITAR E A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

2 – INTRODUÇÃO À 1ª SESSÃO COMEMORATIVA DO CENTENÁRIO DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA BRASILEIRA

3 – INTRODUÇÃO À 2ª SESSÃO COMEMORATIVA DO CENTENÁRIO DA REPÚBLICA BRASILEIRA, NO ARQUIVO HISTÓRICO DO EXÉRCITO

4 – O EXÉRCITO NA ÉPOCA DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

5 – A GUARNIÇÃO DO EXÉRCITO DA CORTE NA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

6 – MARECHAL DE CAMPO MANOEL DEODORO DA FONSECA. ESTADO DE SAÚDE, AÇÕES E OBJETIVOS POLÍTICOS NO DIA 15 DE NOVEMBRO DE 1889

7 – INTRODUÇÃO À SESSÃO COMEMORATIVA DO SESQUICENTENÁRIO DE NASCIMENTO DO MARECHAL FLORIANO PEIXOTO

8 – ENFOQUES DIVERSOS SOBRE A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

9 – ROTEIRO HISTÓRICO DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

10 – CENTENÁRIO DO GENERAL GÓES MONTEIRO (1889-1965)

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O LIVRO A SEGUIR FOI PUBLICADO COM APOIO PELA BIBLIOTECA DO EXÉRCITO E PELO SENAI E PODE SER ENCONTRADO EM VÁRIAS BIBLIOTECAS.

ÍNDICE 1ª PARTE OS MILITARES E A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA - OS MILITARES E A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA ... p.15 Senador Jarbas Passarinho (Conferência realizada no Clube Militar, no dia 23 de agosto de 1989). O CLUBE MILITAR E A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA . . p.29 Cel Cláudio Moreira Bento (Conferência realizada no Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, no dia 16 de maio de 1989). O EXÉRCITO E A REPÚBLICA p 40 (A Questão Militar) Prof. Américo Jacobina Lacombe (Palestra proferida no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, na abertura do curso “Os Militares e a Proclamação da República”, no dia 18 de julho de 1989). INTRODUÇÃO À 1a SESSÃO COMEMORATIVA DO CENTENÁRIO DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA BRASILEIRA p. 51 Cel Claudio Moreira Bento (Palestra proferida na reunião da Comissão de História do Exército, no Arquivo Histórico do Exército, no dia 24 de agosto de 1989). Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, nos dias 8,9 e 10 de novembro de 1989). ENCERRAMENTO DA 1ª SESSÃO COMEMORATIVA DO CENTENÀRIO DA REPÙBLICA BRASILEIRA p.52 General Jonas de Morais Correia Filho Palestre proferida na reunião da Comissão de História do Exército no Arquivo Histórico do Exército no dia 24 de agosto de 1989 INTRODUÇÂO À 2ª SESSÂO COMEMORATIVA DO CENTENÁRIO DA REPÍBLICA BRASILEIRA NO ARQUIVO HISTÓRICO DO EXERCITO p.55 Cel Claudio Moreira Bento Palestra proferida na reunião da Comissão de História do Exército, no Arquivo Histórico do Exército em26 outubro 1989 OS MILITARES E A IMPLANTAÇÂO DA REPÚBLICA BRASILEIRA p.56 General Morivalde Calvet Fagundes Palestra proferida na Comissão de História do Exército no Arquivo Histórico do Exército em 26 outubro 1989 A MARINHA NA PROCLAMAÇÂO DA REPÚBLICA p. 70 Professor Guilherme Andréia Frota Palestra proferida na Reunião - DEODORO E O BARÃO DE LUCENA p.179 Ten Cel Antônio Gonçalves Meira (Comunicação apresentada à Comissão de História do Exército, no Arquivo Histórico do Exército, no dia 26 de outubro de 1989, na Reunião da Comissão de História do Exército). 4

- INTRODUÇÃO À 2ª SESSÃO COMEMORATIVA DO SESQUICENTENÂRIO DE NASCIMENTO DO MARECHAL FLORIANO PEIXOTO p.189 Cel Cláudio Moreira Bento (Palestra proferida na reunião da Comissão de História do Exército, no Arquivo Histórico do Exército, no dia 27 de abril de 1989). OS MILITARES E A IMPLANTAÇÂO DA REPÙBLICA BRASILEIRA General Morivalde Calvet Fagundes Palestra proferida na reunião da Comissão de História do Exercito, no Arquivo Histórico do Exército em 29 de Outubro de 1889 pela Academia Maçônica de Letras A MARINHA NA PROCLAMAÇÂO DA REPUBLICA p.60 Professor Guilherme Andréia Frota Palestra na Comissão de História do Exercito no Arquivo Histórico do Exército em 26 outubro 1989. O EXERCITO NA ÉPOCA DA PROCLAMAÇÂO DA REPÚBLICA p.75 Cel Claudio Moreira Bento Comunicação apresentada no Congresso Nacional de História da Propaganda da Proclamação e Consolidação da Republica Brasileira módulo XIV o Congresso Internacional da República Brasileira , realizado no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro nos dia 8 ,9 e10 de novembro de 1989 A GUARNIÇÂO DO EXERCITO DA CORTE NA PROCLAMAÇÂO DA REPÚBLICA p.107 Cel Claudio Moreira Bento Comunicação apresentada no Congresso Nacional de História da Propaganda da Proclamação e Consolidação da Republica Brasileira módulo o XIV Congresso Internacional da República Brasileira , realizado no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro nos dia 8 ,9 e10 de novembro de 1989 OS MILITARES NA PROCLAMAÇÔ DA REPÚBLICA p.129 General Carlos de Meira Mattos Conferência na Escola de Comando e Estado-Maior em 14 novembro 1989 PROPAGANDA REPÚBLICANA NA ESCOLA MILITAR DE PORTO ALEGRE. p.137 Professor Laudelino Medeiros Extraído do jornal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro O EXÉRCITO, A REPÚBLICA E A NAÇÂO BRASILEIRA p.139 Professora Leila Maria Correa Capella Extraído do Jornal Letras e Artes . Rio Arte nº 7 nov\ dez de 1889 p.6 GENERALISSIMO MANOEL DEODORO DA FONSECA MARECHAL DE CAMPO MANOEL DEODORO DA FONSECA< ESTADO DE SAÚDE< AÇÔES E OBJETIVOS POLÍTICOS NO DIA 15 DE NOVEMBRO DE 1889 p.141 Cel Claudio Moreira Bento. Conferencia proferida no Instituto de Geografia e História Militar do Brasil em 8 agosto 1989, MARECHAL MANOEL DEODORO DA FONSECA p.158 Cel João Severiano da Fonseca Hermes Neto Palestra proferida em reunião da Comissão de História do Exército, no Arquivo Histórico do Exército no dia 24 agosto 1989. A FAMILIA FONSECA p.166 General médico Alberto Martins da Silva Comunicação no Congresso Nacional de História da Propaganda e Consolidação da República Brasileira realizado IHGM nos dias 8,9 e 10 Novembro de 1989. 5

DEODORO E O BARÃO DE LUCENA p. 179 Tem Cel Antônio Gonçalves Meira Comunicação à Comissão de História do Exército no Arquivo Histórico do Exército em 26 de outubro 1989.

MARECHAL FLORIANO PEIXOTO INTRODUÇÂO Á SESSÂO COMEMORATIVA DO SESQUICENTENÀRIO DE NASCIMENTO DO MARECHAL FLORIANO PEIXOTO p.159 Cel Claudio Moreira Bento Palestra na Comissão de História do Exército, no Arquivo Histórico o Exército em 27 de abril de 1989 - FLORIANO PEIXOTO, O CONSOLIDADOR DA REPÚBLICA p.190 Gen. Jonas de Morais Correia Filho (Palestra proferida na reunião da Comissão de História do Exército, no dia 27de abril de 1989 no Arquivo Histórico do Exercito no dia 27 de abril de 1989. MARECHAL FLORIANO PEIXOTO, O CONSOLIDADOR E SÍMBOLO DA REPÚBLICA p.195 General Umberto Peregrino Seabra Fagundes (Palestra proferida na reunião da Comissão de História do Exército, no Arquivo Histórico do Exército, no dia 27 de abril de 1989). FLORIANO PEIXOTO, O CONSOLIDADOR da REPÚBLICA p. 200 Prof. Mário Barata (Extraído da Revista do Clube Militar nº 291 de novembro/ dezembro de 1989, página 46). TENENTE-CORONEL BENJAMIN CONSTANT BENJAMIN CONSTANT, O FUNDADOR DA REPÚBLICA ... p .204 Cel Elber de Mello Henrique (Palestra proferida no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,no curso: Os Militares e a Proclamação da República, em 27 de julho de 1989). MAJOR SOLON RIBEIRO FREDERICO SOLON SAMPAIO RIBEIRO, NA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA p. 209 Ten.-Cel José Augusto Vaz Sampaio Neto (Palestra proferida na reunião da Comissão de História do Exército, no Arquivo Histórico do Exército, no dia 24 de agosto de 1989). CONTRIBUIÇÕES GERAIS - RELATÓRIO FINAL DAS ATIVIDADES LEVADAS A EFEITO POR OCASIÃO DAS COMEMORAÇÕES DOS CENTENÁRIOS DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA E DA CRIAÇÃO DA BANDEIRA NACIONAL p. 215 Gen. Arnaldo Serafim (Relatório apresentado pel Chefe da Diretoria de Assuntos Culturais, Educação Física e Desportos).

ENFOQUES DIVERSOS SOBRE A PROCLAMAÇÃO DAEPÚBLICA p.223 Cel Cláudio Moreira Bento (Palestra proferida no Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, no dia 03 de abril de 1990). - ANTÔNIO ERNESTO GOMES CARNEIRO, O HERÓI DA LAPA p.245 6

Ten. Robson Lopes Papandréa (Comunicação apresentada no Congresso Nacional de História da República Brasileira, módulo XIV, do Congresso Internacional da República, realizado no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, nos dias 8, 9 e 10 de novembro de 1989). - GENEROSO PONCE E A REPÚBLICA p.256 Prof. Joaquim Ponce Leal (Comunicação apresentada no Congresso Nacional de História da República Brasileira módulo do XIV Congresso de História realizado no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro ROTEIRO HISTÓRICO DA PROCLAMAÇÃO DA REPUBLICA p.266 Cel Claudio Moreira Bento Fusão de roteiros elaborados pela Divisão de Cadastro e Pesquisa da Secretaria Municipal de Cultura e do Arquivo Histórico do Exército, para a Comissão do para os festejos do Centenário da República O INÍCIO DA EXPERIÊNCIA REPUBLICANA . p.271 Professor Arthur Cézar Ferreira Reis REFLEXÂO SOBRE OS 100 ANOS DE REPÚBLICA p. 280 Senador Marco Maciel Extraído da Revista do Clube Militar nº 291nov\dez 1989. IDEAIS REPÚBLICANOS p.282 Cel Paulo Macedo de Carvalho Extraído da Revista do Clube Militar nº 291nov\dez 1989. O CINQUENTENÁRIO DA REPÚBLICA p.288 Ten Cel Antônio Gonçalves Meira Extraído da Revista do Clube Militar nº 291nov\dez 1989 O ÚLTIMO BAILE DA ILHA FISCAL p.292 CMG(FN) Dino Willy Cozza Extraído da Revista do Clube Militar nº 291nov\dez 198 HINO DA PROCLAMAÇÂO DA REPÚBLICA p.298 Letra; Medeiros de Albuquerque Música:Leopoldo Miguez 2ª PARTE O CENTENÁRIO DA BANDEIRA NACIONAL p.303 Professor Eurípedes Cardoso de Menezes Palestra proferida na reunião da Comissão de História do Exército no Arquivo Histórico do Exército em 16 nov 1989 AS BANDEIRAS DO BRASIL p.310 Cel Elber de Mello Henriques Palestra proferida na reunião da Comissão de História do Exército no Arquivo Histórico do Exército em 16 nov 1989 CENTENÁRIO DA BANDEIRA NACIONAL p. 315 Prof Antônio Pimentel Winz 7

Palestra proferida na reunião da Comissão de História do Exército no Arquivo Histórico do Exército em 16 nov 1989

A BANDEIRA NACIONAL E A REPÚBLICA p.317 Gen Jonas de Moraes Correia Filho Extraído da Revista do Clube Militar nº291de novembro \dezembro 1889

3ª PARTE

BICENTENÀRIO DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA A INCONFIDÊNCIA MINEIRA - ASPECTOS MILITARES p.323 Herculano Gomes Mathias Palestra proferida na reunião da Comissão de História do Exército no Arquivo Histórico do Exército em 16 nov 1989

TIRADENTES COERÊNCIA E ALTIVEZ p.331 Gen Alberto Martins da Silva Palestra proferida na reunião da Comissão de História do , no Arquivo Histórico do Exército em 16 nov 1989

3ª PARTE CENTENÀRIO DO GEN PEDRO AURÈLIO DE GOIS MONTEIRO p.337 Cel Claudio Moreira Bento Palestra proferida na reunião da Comissão de História do , no Arquivo Histórico do Exército em 14 nov 1989 REPENSANDO O GENERAL GÒES p. 341 Cel Luiz Paulo Macedo de Carvalho Palestra proferida na reunião da Comissão de História do , no Arquivo Histórico do Exército em 14 nov 1989

ARTIGOS DO CEL CLAUDIO MOREIRA BENTO NO CENTENÀRIO DA REPÙBLICA E DA BANDEIRA O CLUBE MILITAR NA PROCLAMAÇÂO DA REPUBLICA

Cel. Cláudio Moreira Bento

É consenso histórico que na Assembléia Geral do Clube Militar de 9 de novembro de 1889, sob a presidência do tenente-coronel Benjamin Constant, por doente seu presidente — o Marechal de Campo Manoel Deodoro da Fonseca e na mesma noite do histórico baile da Ilha Fiscal, foi decidida a proclamação da República. Evocar os antecedentes, a projeção e a histórica Assembléia ocorrida então, na primeira sede própria da entidade, no número 155 da rua do Ouvidor, lado L junto à casa de esquina para a rua Uruguaiana, é o objetivo do presente trabalho, na oportunidade do Centenário da Proclamação da República em 15 de novembro de 1989.

Antecedentes 8

Com as mortes dos prestigiosos e heróicos senadores Marechal Manoel Luiz Osório, em 1879 e do Duque de Caxias, em 1880, a classe militar passou a sinalizar o não atendimento pelo governo de aspirações justas, de natureza profissional, institucional e social (previdenciária) que terminaram por deixar o Exército, segundo Eduardo Prado, “esquecido, mal organizado e desestimu- lado” (1). O Clube Militar, fundado em 27 de junho de 1887, foi o desaguadouro da Questão Militar, conjunto de questões entre militares do Exército e Marinha e o Governo, que feriam os brios da classe e que vieram a contribuir decisivamente para o advento da República entre nós. O Clube Militar foi, por outro lado, o desaguadouro do frustrado Diretório Militar fundado em 1881, por um pugilo de oficiais do Exército e da Armada, entre os quais o próprio Marechal Deodoro(2), com reuniões no consistório da Igreja Santa Cruz dos Militares, objetivando, através da conquista de cargos legislativos, lutar nos parlamentos, democraticamente, pelos interesses da classe, como militantes dos partidos Liberal e Conservador. Mas a realidade foi que nenhum membro do Diretório Militar foi eleito. Foram ignorados por ambos os partidos e mudaram as estratégias de luta, ao longo da qual tiveram lugar as questões militares. O Clube Militar registrou sua primeira grande vitória, sob a presidência do Marechal Deodoro, ao enviar petição à Princesa Isabel, em 26 de outubro de 1887(3), pedindo para liberar o Exército do encargo de prender escravos fugidos, o que veio precipitar a 13 de maio de 1888, sendo comum então o Exército ser chamado de Libertador e a Princesa Izabel de Redentora(4). Mas, a esse tempo, o republicanismo lavrava no Exército e na Marinha, entre a oficialidade jovem, de major para baixo, a qual, no Exército, atendia à liderança do professor tenente-coronel Benjamin Constant, da Escola Militar da Praia Vermelha e Escola Superior de Guerra. A esse sentimento, contrário ao Império, somava-se o de desgosto de profissionais do Exército veteranos da Guerra do Paraguai e filhos desses, particularmente sobre a liderança do heróico Marechal Manoel Deodoro da Fonseca(5). Eles sonhavam com uma atualização doutrinária do Exército, em benefício de sua maior operacionalidade, em decréscimo deliberado desde a Guerra do Paraguai, afora outras manifestações do governo de desprestígio, alijamento e ofensas à classe militar. Apesar de encerradas as questões militares que envolveram Cunha Mattos e Sena Madureira, outras tiveram lugar após a fundação do Clube Militar, envolvendo oficiais da Marinha, como o vice-presidente do Clube Militar, almirante Custódio de Mello, obrigado a repor, de seu bolso, despesas feitas por seu navio, o cruzador “Barroso”, ao retribuir, no Chile, homenagens recebidas do governo e povo daquele país(6). Ou, envolvendo oficiais do Exército, como a humilhante exoneração, a “bem do serviço público, acompanhada de Conselho de Investigação”, do tenente-coronel João Nepomuceno Medeiros Mallet, da Escola Militar do Ceará, por haver reagido à nomeação de um oficial para a escola, atendendo a critérios políticos(7). Mallet era filho do Marechal Emílio Mallet o Barão de Itapevi, atual Patrono da Arma de Artilharia e, como ministro da Guerra em 1901, iria dar início à Reforma Militar(8). O clima a essa altura, no Exército, era de franca conspiração contra o Império, particularmente na Guarnição Militar da Corte, nos quartéis das Escolas Militares da Corte, na Praia Vermelha e Superior de Guerra, em São Cristóvão, e nos 1º e 9º regimentos de Cavalaria e 2º regimento de Artilharia em São Cristóvão, integrantes da 2ª Brigada do Exército, força que apoiaria efetivamente, no primeiro momento, o Marechal Deodoro em 15 de novembro de 1889(9). 9

A conspiração republicana esteve intensa em outubro. Agitava o Exército a idéia de que o governo, para subjugá-lo, iria aumentar as polícias da Corte e do Rio de Janeiro; arregimentar a Guarda Nacional; criar a Guarda Cívica e armá-las, todas, com espingarda Comblain e adestrá-las à altura, além de retirar algumas unidades do Exército da Corte, para enfraquecê-lo, ferindo assim os seus brios e dignidade(10). Deodoro, muito doente em seu leito, explode em cólera: “Não permitirei isto. Voltará o 31º BI. Irei ao parlamento responsabilizar o Governo por semelhantes atos! Assestarei a Artilharia, levarei os sete ministros à praça pública e me entregarei depois ao povo para julgar-me. Não! Não!” (11). Benjamin Constant, em 23 de outubro, em discurso na Escola Militar da Praia Vermelha, em presença do ministro da Guerra, declarou, à certa altura, “que o Exército era acusado injustamente de indisciplina pelo governo que demonstrava querer um Exército de janízaros. Alertou o governo que não se julgasse forte, pois a parte sã do Exército saberia cumprir com altivez e desassombro o seu dever” ou, por outro lado, culpou o governo pelos incidentes da Questão Militar(12). Em 26 de outubro, alunos da Escola Superior de Guerra e alguns integrantes dos 1º e 9º RC, e do 2º RA, se reuniram na Escola da Praia Vermelha e homenagearam Benjamin Constant. Reafirmaram a gratidão de todo o Exército, por “haver defendido o brio e a dignidade da classe militar” e afirmaram que estariam sempre a seu lado, com quem e por quem sacrificariam a vida, se preciso fosse. Esse incidente provocou a dispensa de direção da Escola Superior de Guerra do tenente-coronel Miranda Reis, por não haver censurado seus aluno(13). Era convicção, em largos círculos do Exército, de que o governo iria dissolvê-lo para garantir o 3º Reinado. Essa convicção foi reforçada pela efetivação das seguintes medidas pelo governo, que caracterizavam sua intenção de dissolver o Exército: arregimentação da Guarda Nacional; criação da Guarda Cívica; aumento das Polícias da Corte e do Rio, todas armadas com Comblain — armamento superior ao do Exército, equipado com o sistema Minié; transferência de algumas unidades do Exército da Corte(14). Esse clima de insatisfação e revolta predominaria na Assembléia Geral do Clube Militar, em 9 de novembro. Ao findar outubro, o Clube Militar estava em situação de abandono, desde que nele se realizara uma reunião para receber os ministros da Marinha e da Guerra, recentemente empossados. Com a ascensão do Partido Liberal, além de desgostoso com uma moção do Cel. Ernesto Augusto da Cunha Mattos, da Questão Militar “que colocaria o Clube Militar em situação de louvaminheiros, sem expressão, pois, na defesa dos altos interesses, em jogo, da classe militar. Preparação da reunião do Clube Militar O Clube Militar, no início de novembro, possuía cerca de 120 sócios. No dia 3 ficou decidido, entre os líderes da conspiração, que o Clube teria uma Assembléia Geral no dia 9. Grandes foram os esforços dos conspiradores para que comparecesse o maior número de oficiais à mesma. Na reunião de 5 de novembro, do Clube Militar, foram propostos e aceitos os seguintes 42 integrantes do Exército e Armada, muitos bastante comprometidos na conspiração republicana em marcha(16). 10

Coronéis: Cândido José da Costa (*) Joaquim Jerônimo Barrão João Evangelista Neves da Fonseca

Tenentes- coronéis: Ernesto Jaques Ourique João Nepomuceno de Medeiros Mallet

Majores: Frederico Solon de Sampaio Ribeiro (*) Antônio Virgílio de Carvalho Luis Mendes de Morais

Capitães: Henrique Guatemosin Ferreira Antônio Tertuliano da Silva Mello Lídio Porpurário dos Santos Costa (*) Vespasiano Augusto de Albuquerque Silva (*) Manoel Joaquim Godolphim (*) 1º RC Antônio Carlos Ferreira Leão Floriano Florambel da Conceição (*) 1º RC José Pedro de Oliveira Galvão

Tenentes: Jerônimo A. Ribeiro de Morais Gentil Eloy de Figueiredo (*) 1º RC Feliciano Mendes de Morais (*) Alcides Bruce Sebastião Bandeira (*) 19 RC Henrique de Amorim Bezerra (*) 19 RC Augusto Chimeno Villeroy (*) Lauro Nina Sodré Saturnino Nicolau Cardoso (*) 29 RA Américo de Andrade Almada (*) 29 RA

2°s Tenentes: Eugênio Bittencourt Tristão A. Araripe Júnior (*) ESG Adolfo Augusto de Oliveira Galvão (*) 2º RA Joaquim Máximo M. de Sá (*) 2º RA

Alferes: João Ludgero dos Santos Conny (*) 1º RC José Vieira da Silva (*) 19 RC Gasparino de C. Carneiro Leão (*) 1º RC (Viera de São Paulo onde participara de incidente que acelerou a libertação dos escravos) Alexandre Zacarias de Assunção (*) 1º RC Álvaro de Portugal Pedro D’Artagnam da Silva (*) 1º RC Joaquim Ignácio Cardoso (*) 9º RC Daniel Acioly de Azevedo e Sá(*) RC João Paulo de O. Carvalho Pedro Nolasco Alves Ferreira (*) 9º RC 11

Abel Nogueira

Médicos: Dr. Luiz Carlos Duque Estrada Henrique de Araújo Lima O número mais expressivo foi de oficiais do 1º Regimento de Cavalaria, a começar por um dos maiores conspiradores, o então major Frederico Solon de Sampaio Ribeiro, gaúcho de Porto Alegre, que iria liderar os 19 e 99 RC, em 15 de novembro. Os oficiais assinalados com (*) estariam entre os oficiais que firmaram Pactos de Sangue com o major Benjamin Constant, depois da reunião do Clube Militar de 9 de novembro, nos dias 11 e 12, de “acompanharem Benjamin Constant em todo o terreno até o da resistência armada.” Os Pactos de Sangue firmados dão uma idéia do clima da reunião de 9 de novembro, no Clube Militar. Eles foram firmados por cerca de 160 oficiais, sendo 35 da Escola Militar da Praia Vermelha; 33 dos 1º RC e 9º RC, afora os cadetes e inferiores do 19º RC representados; 1º do 2º Regimento de Artilharia; 57 da Escola Superior de Guerra, entre os quais os, mais tarde, marechal Rondon e general Augusto Tasso Fragoso, que terão papel de destaque em 15 de novembro, além de 13 oficiais avulsos(17) Benjamin Constant, em reunião na sua casa, às 11 horas da noite do dia 6, com um grupo de oficiais conspiradores, fez as seguintes recomendações: — Apressar-se o movimento militar, agindo secretamente e com cuidado para não comprometer o sucesso do mesmo. — Realizar a reunião do Clube Militar com a maior discrição, ocultando as reais intenções da conspiração. — Aconselhar que o 22º BI, como demonstração de disciplina, embarcasse para a Amazônia, atendendo ordem precipitada do governo. — Comunicar, a todos os conspiradores, que o general Almeida Barreto havia aderido ao movimento. — Cercar o Imperador, a ser deposto, de todas as garantias e considerações, porque é um nosso patrício e muito digno(18).

A reunião do Clube Militar de 9 de Novembro Ela foi presidida por Benjamin Constant, por estar impossibilitado, por doença, o presidente — Marechal Deodoro. Benjamin Constant expôs o motivo da convocação. Assumiu o compromisso solene de, no máximo em 8 dias ou até 17 de novembro (domingo), apresentar a seus companheiros uma solução honrosa para o país e para a classe militar. Caso fracassasse, estaria disposto a renunciar a todos os empregos que possuía no governo e reafirmou, com calor, “estar pronto a morrer pelo Exército, na defesa da Pátria e dos brios da classe”. A Assembléia delegou-lhe poderes para resolver a situação, ou seja, a proclamação da República. A seguir transcreve-se a Ata da reunião de 9 de novembro, que só pode ser entendida dentro do contexto que abordamos em Antecedentes.(19) “Sessão da Assembléia Geral, em 9 de novembro de 1889. — Presidência do Sr. tenente-coronel Dr. Benjamin Constant. Achando-se presentes 116 sócios, o Sr. presidente declara aberta a sessão. 12

Sendo lida a ata da sessão antecedente é aprovada sem debate. Passando à ordem do dia o Sr. presidente declara à Casa os motivos que levaram a Diretoria, reunida a 5 do corrente, a convocar esta reunião de Assembléia Geral. Fazendo uma exposição dos atos do Governo Ouro Preto, o Sr. presidente disse que não precisava descer a detalhes para acentuar aos sócios deste Clube os maus intuitos do Governo para com aqueles a quem é confiada a mais nobre das missões - garantir a honra, a liberdade e a integridade da Pátria; que já estava no domínio de todos o estado de coisas tão lastimável a que a política de homens sem critério, pretendia nos reduzir; que nem um só membro deste Clube o podia ignorar, mas que nunca pensava que lhe fossem dados plenos poderes para tirar a classe militar de um estado de coisas incompatível com a sua honra e dignidade; que a isso se comprometia sob a sua palavra de honra, e que desde já poderiam ficar cientes de que, se fosse mal sucedido, resignaria todos os empregos públicos que lhe foram confiados, quebrando até a sua espada. Terminava o seu discurso, quando pede a palavra o Sr. alferes-aluno José Belivaqua e diz que ao venerado mestre Dr. Benjamin Constant deveria ser dada pleníssima confiança para proceder como entendesse, afim de que em breve nos fosse dado respirar o ar de uma Pátria livre, no que foi coberto de imensos aplausos. Em seguida lembra que o Clube Militar, achando-se reunido pela primeira vez após o falecimento do bravo capitão Luis Maria de Melo Oliveira, não pode deixar de lançar em ata um voto de pesar pelo passamento de tão ilustre associado. Neste sentido envia à mesa uma proposta que foi unanimemente aceita. Tendo o Sr. presidente declarado que resignaria todos os empregos públicos que os homens da monarquia lhe haviam confiado, caso não lhe fosse dado colocar a classe militar na posição que lhe compete, pede a palavra o Sr. tenente Ximeno Villeroy, e diz que o mestre Dr. Benjamin Constant não deveria proferir aquelas palavras, nem sequer pensar em tal coisa; parecia não conhecer a política de homens como Ouro Preto, antipáticos, mal intencionados e em cujo coração só germina o mal. Que se a Ouro Preto fosse dado, mesmo em sonho, saber que o mestre havia pretendido firmar semelhante fato, isto somente seria suficiente para fazê-lo vítima de uma cilada. Terminado o seu discurso, pediu ao Sr. presidente que retirasse o seu modo de pensar, declarando que em defesa da grande causa nacional o acompanharia cegamente em qualquer que fosse o terreno, no que foi calorosamente aplaudido, secundado pelo Sr. Dr. Anfrísio Filho. Em vista da maneira por que foram recebidas as palavras do Sr. tenente Villeroy, o Sr. presidente acede ao seu pedido. Manifestam alguns sócios o desejo de falar sobre o assunto, quando pede a palavra o Sr. tenente-coronel Alfredo Ernesto Jacques Ourique, e diz que ninguém melhor que o Sr. Dr. Benjamin Constant para guiar-nos no caminho da honra, resolvendo de uma vez para sempre, de um modo o mais digno para a nossa classe, todas as questões da política desorientada de que éramos vítimas, e que não admitindo que um só membro do Clube se pronuncie sobre tal assunto depois da palavra do Sr. Dr. Benjamin Constant, que fosse suspensa a sessão, o que foi unanimemente coberto de calorosos aplausos. O Sr. presidente, chamando a si tão alta quão patriótica responsabilidade, declara que se não lhe fosse dado convencer aos homens do governo que eles marchavam em um caminho errado, que estavam cavando a ruína da nossa Pátria, e que eram os únicos responsáveis pelo abismo que nos está destinado, que se a calma que lhe é peculiar, se os meios legais e suasórios não forem suficientes para mudar a direção de 13

uma política caduca, política de homens completamente ignorantes, e sem patriotismo algum, estaria pronto para desprezar o que havia de mais sagrado — o amor da família — para ir morrer conosco nas praças públicas, combatendo em prol da Pátria que era vítima de verdadeiros abutres, para o que só podia lhe fossem dados alguns dias para desempenhar-se de tão árdua quanto difícil missão de que foi investido pela classe a que tem a honra de pertencer. Após estas palavras, o Sr. presidente foi coberto de uma salva de palmas e enormes aplausos. — Tomás Cavalcanti, 19 secretário. — Pedro Ferreira Neto, 2º secretário.” A revolução republicana em marcha De 9 a 15 de novembro intensificaram-se as medidas preparatórias, com vistas à proclamação da República. No dia 10, Benjamin visitou o presidente do Clube Militar e comunicou-lhe a decisão da Assembléia Geral. No dia 11, Deodoro recebeu em sua casa os líderes civis do movimento republicano, Quintino Bocayuva, Aristides Lobo, Ruy Barbosa e Francisco Glycério, que obtêm a adesão de Deodoro à República(20). Nos dias 11 e 12, cerca de 100 oficiais da Guarnição do Exército na Corte e um médico da Armada firmaram Pactos de Sangue, comprometendo-se a apoiar Benjamin Constant até o terreno da resistência armada. Nos dias 12 e 13, exemplares dos jornais o Correio do Povo e o Dia penetraram nos quartéis e inflamaram os ânimos, “dizendo da péssima situação que o Governo deixara o Exército ”(21). Ainda em 13, o marechal Floriano Peixoto, ajudante-general do Exército, ao visitar o marechal Deodoro, recebeu deste a comunicação “estar à frente da sublevação do Exército contra o Gabinete Ouro Preto”. Segundo Ernesto Sena, em Deodoro e a verdade histórica, “era notável a atividade empregada pelos conspiradores, que pareciam possuir o dom da ambigüidade, não descansando um momento, percorrendo os quartéis, confabulando com os oficiais, graduados e soldadesca, e realizando conferências secretas para delineação dos planos que teriam de por em execução para a completa vitória”(22). No dia 14, à tarde, o ministro da Guerra, Visconde de Maracajú, procurou informar-se de marechal Floriano Peixoto, ajudante-general do Exército e recebeu como resposta: “Estamos sobre um vulcão”. O major Solon Ribeiro, também à tarde, espalhou boato na rua do Ouvidor de que o marechal Deodoro e Benjamin Constant foram presos e de que a Guarda Negra, integrada por ex-escravos e organizada em 1888, por José do Patrocínio para defender a Princesa Izabel dos escravagistas, iria atacar a 2ª Brigada em São Cristóvão. O boato se espalhou e surtiu efeito. O Gabinete se recusou a desmenti-lo e, quando o fez, já era tarde! Ainda em 14, à noite, Benjamin Constant conspirou, no Clube Naval, com o almirante Wandenkolk acerca da colaboração da Armada. Na manhã de 15 ele obteve a confirmação da adesão daquela entidade, através de trocas de mensagens das quais foram portadores, a cavalo, os alferes-alunos da Escola Superior de Guerra, Tasso Fragoso e Cândido Mariano Rondon. A proclamação da República Na manhã de 15 de novembro de 1889, uma sexta-feira, o marechal Manoel Deodoro da Fonseca, presidente efetivo do Clube Militar, secundado por outro destacado membro de sua diretoria, o tenente-coronel Benjamin Constant, liderando tropas da Guarnição do Rio de Janeiro (Corte), Exército, Armada, Polícia e Bombeiros, penetraram 14

no Quartel-General do Exército, local do atual Palácio Duque de Caxias, onde se reunia o Gabinete Liberal do Visconde de Ouro Preto. E, como feliz desfecho de uma bem urdida, sucedida e incruenta conspiração republicana, o Gabinete foi deposto, sem nenhuma resistência ou protesto expressivo. Assim, segundo Pedro Cahnon, “Deodoro apoderou-se da situação, conquistou o Governo e passou a presidir o futuro”, proclamando a República, à tarde, em sua casa, através do Decreto nº 1, do Governo Provisório que passou a presidir, regime consagrado mais tarde pelos constituintes de 1891. Da Diretoria do Clube Militar, tomaram parte os seguintes componentes do Governo Provisório: Presidente da República: marechal Manoel Deodoro da Fonseca Ministro da Guerra: tenente-coronel Benjamin Constant Ministro da Marinha: Almirante Eduardo Wandenkolk Sobre a proclamação da República, escreveu Euclides da Cunha: “Foi o que se viu em 15 de novembro de 1889: Uma parada repentina e uma sublevação; um movimento refreado de golpe e transformando-se, por um princípio universal, em força e desfecho de uma revolta, porque a revolução já estava feita”(23). Os seguintes sócios do Clube, eleitos constituintes, ajudaram a escrever a primeira Constituição da República, em 1891 (24). — Antônio Borges de Athayde Júnior (ES) — Antônio índio do Brasil (PA) ---- Belarmino Augusto de Mendonça Lobo (PR) — Caetano M. de Faria e Albuquerque (MT) — Carlos A. Campo (SC) — Custódio José de Mello (BA) (*) — Eduardo Wandenkolk (DF) (*) — Gabino Bezouro (Corte) — Inocêncio Serzedelo Correia (Corte) (*) — Ivo do Prado Monte Pires da Fonseca (SE) — João Pedro Beaufort Vieira (MA) — João Severiano da Fonseca (Corte) — Atual Patrono do Serviço de Saúde — José Augusto Vinhães (Corte) — José Bevilaqua (CE) — José Simeão de Oliveira (PE) (*) — Lauro Müller (SC) — Manoel Perciliano de O. Valadão (SE) — Marciano A. Botelho Magalhães (PR) (*) — Pedro Paulino da Fonseca (AL) — Vicente Antônio do Espírito Santo Na proclamação da República, o Clube Militar, através de seus ilustres dirigentes Deodoro, o proclamador e Benjamin Constant, o fundador da República, expressavam a vontade de milhares de republicanos, tanto civis como militares, fossem eles bacharéis ou povo, padres ou antiescravagistas, maçons ou industriais, plantadores de café ou simplesmente agricultores. “Uniram-se no marechal Deodoro as vontades dispersas e informes que tinham ficado ao longo do caminho à espera do advento da República. Nele se exprimiram dois séculos de tradição republicana. Através dele falaram os inconfidentes mineiros, os poetas da Inconfidência, os libertários pernambucanos de 1817 e 1824, os rio-grandenses farroupilhas, os civilistas de 15

São Paulo, os militares, os abolicionistas.. . A nova bandeira unia simbolicamente as 21 estrelas da nação e, se na crise final faltou calor popular, não se poderá negar raiz popular à idéia mais generosa que jamais brotou no Brasil”). Eis, em síntese, a contribuição histórica do Clube Militar ao advento da República brasileira, hoje centenária. Observação: A diferença entre o armamento Minié e Comblain, segundo o Cel. Pedro Shirmer, estudioso de Armamento, “era como a de um carro de boi para um caminhão”. A Minié era de ante carga ou de carregar pela boca, calibre 14,8mm e 14,4mm. Conseguiu-se que um atirador desse 16 tiros em 1 hora e 45 minutos. A Comblain era retro carga - carregamento pela culatra, com cartucho metálico calibre 11 mm. Possuía maior cadência de tiro e precisão. Era, pois, justa a indignação do Exército ficar com armamento obsoleto e a Polícia e a Guarda com Comblain.

(*) Foram da 1ª Diretoria do Clube Militar

(1) Citado por Américo J. Lacombe, Revista do Centenário do Clube Militar, n? 280, p. 12. (2) Citado por Garcez Palha em Efemérides Navais. Sv. Doc. Geral da Mari- nha, 1988. (3) Citado por Cláudio Moreira Bento, Revista do Clube Militar, n? 284, pp. 8-9. (4) Idem nota anterior. (5) Com apoio em depoimento ao autor, de Piragibe da Fonseca do IHGB, filho do general Clodoaldo da Fonseca. (6) Citado por Cláudio Moreira Bento em A Guarnição Militar do Rio de Janeiro (Corte) na Proclamação da República. Rio, Poupex, 1989. (7) Citado pelo Ten.-Cel. Gonçalves Meira, em Centenário da Escola Militar do Ceará, conferência no Arquivo Histórico do Exército, 24 maio, 1989. (8) Com apoio em informação ao autor do Ten.-Cel. P. J. de Mallet Joubim. (9) Idem nota 6. (10) Com apoio em Ernesto Senna. Deodoro subsídios para a História. Brasília, Ed. V Bra, 1981 (11) Idem nota anterior. (12) SILVA, Hélio. 1989. A República não esperou amanhecer. Rio, Civ. Bras. 1972, p. 17. (13) Com apoio em declaração de Vicente Tapajós do IHGB, biografia de Miranda Reis. (14) Com apoio op. cit. nota 10. (15) Idem nota anterior. (16) Com apoio revista do Cinqüentenário do Clube Militar, 1937. (17) Com apoio op. cit. nota 10, p. 491. (18) Com apoio op. cit. nota 10. 16

(19) O original encontra-se no Museu do Clube Militar. (20) Idem op. cit. nota 6. (21) Idem op. cit. nota 10. (22) Idem nota anterior. (23) Citado op. cit. nota 6. (24) Idem op. cit. nota 3, p. 27. (25) BESOUCHET. A evolução da idéia republicana no Brasil. Estado de São Paulo. São Paulo, 13/06/87. Daqui por diante começa a história da conspiração, que será objeto de outras comunicações.

2-INTRODUÇÃO À 1ª SESSÃO COMEMORATIVA DO CENTENÁRIO DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA BRASILEIRA Cel. Cláudio Moreira Bento A presente sessão histórica comemorativa do Centenário da República brasileira, a ocorrer em 15 de novembro, se destina a evocar a memória dos grandes soldados que foram os generalíssimo Manoel Deodoro da Fonseca, o proclamador da República, o general Benjamin Constant, o fundador da República e o general Solon Ribeiro, o conspirador, os três os maiores quinhoeiros do Exército das glórias da proclamação da República em 15 de novembro de 1889, respectivamente como Marechal-de-Campo, tenente- coronel e major. Como moldura das breves palestras de evocação hoje desses grandes soldados, o Arquivo Histórico do Exército faz a seguinte digressão e interpretação histórica. Em 15 de novembro de 1889, o Marechal Deodoro da Fonseca liderando as tropas da guarnição militar do Rio de Janeiro (Exército, Armada, Polícia Militar e Bombeiros) penetrou no Quartel-General do Exército, atual Palácio Duque de Caxias, onde se reunia o Gabinete Ouro Preto. E como feliz desfecho de um bem urdida, coordenada, sucedida e incruenta conspiração republicana o Gabinete Ouro Preto foi deposto, sem nenhuma resistência ou protesto expressivo. Assim, segundo o historiador Pedro Calmon, “Deodoro apoderou-se da situação, conquistou o governo e passou a presidir o futuro”, proclamando a República, à tarde, em sua residência, através do Decreto nº 1 do Governo, que passou a presidir. Regime consagrado aquele dia pelo povo do Rio de Janeiro através de sua Câmara que proclamou a República e mais tarde, em 1891, pelos constituintes de todo o Brasil. Através de Deodoro, Benjamin Constant e Solon Ribeiro e os que os apoiaram na proclamação da República, foram concretizadas as aspirações e sonhos, então amadurecidos, dos inconfidentes cariocas, mineiros e baianos; dos poetas da Inconfidência; dos libertários nordestinos de 1817 e 1824; da quase maioria dos deputados gerais da Regência; dos rio-grandenses e catarinenses farroupilhas; dos sabinos da Bahia; dos convencionais paulistas de Itú de 1870 e de São Paulo, de 1873; dos vereadores gaúchos signatários da moção plebiscitária da Câmara de São Borja; dos clubes republicanos; dos abolicionistas e dos militares brasileiros. Por essa razão, o jornal A Província de São Paulo, de 16 de novembro de 1889, escreveu: “Nunca uma república foi proclamada com tanto brilhantismo e tanta paz”. 17

O ex-aluno da Escola Militar, Euclides da Cunha, ardoroso republicano, pouco antes havia escrito em tom profético como colaborador desse jornal: “... Sabemos que a República se fará hoje ou amanhã, fatalmente, como corolário de nosso desenvolvimento. Hoje, serenamente, cientificamente, pela lógica e pela convicção. Amanhã... amanhã será necessário quebrar a espada do Conde D’Eu”.

3- INTRODUÇÃO À 2ª SESSÃO COMEMORATIVA DO CENTENÁRIO DA REPÚBLICA BRASILEIRA, NO ARQUIVO HISTÓRICO DO EXÉRCITO Cel. Cláudio Moreira Bento Em 15 de novembro de 1889, faz hoje um século, que o Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, liderando tropas da guarnição do Rio de Janeiro (Corte), penetrou no Quartel-General do Exército, local do atual Palácio Duque de Caxias, no Campo de Santana, onde se reunia o Gabinete Ouro Preto. E, como feliz desfecho de uma bem urdida, coordenada, sucedida e incruenta conspiração republicana, o Gabinete foi deposto sem nenhuma resistência ou protesto expressivo. Assim, segundo Calmon, “Deodoro apoderou-se da situação, conquistou o Governo e passou a presidir o futuro”, proclamando a República, à tarde, através do Decreto n9 1 do Governo que passou a presidir, regime consagrado, mais tarde, pelos Constituintes de 1891. A República era idéia antiga, desde a Colônia, quando teve seu momento maior na Inconfidência Mineira, liderada pelo alferes do Exército, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, hoje Patrono Cívico da Nacionalidade. Depois de 1822, entre as tentativas republicanas, registra-se a República Rio-Grandense, única experiência republicana concreta entre nós, que durou quase 10 anos e surgiu em função da Revolução Farroupilha (1835-45). Sem Deodoro — com apoio expressivo da Guarnição Militar da Corte, (Exército, Marinha, Polícia Militar e Bombeiros) —, segundo declarou mais tarde Quintino Bocayuva, líder civil do movimento, “ainda hoje estaríamos em propaganda republicana, dentro das muralhas do 3º Reinado”. Assim, através do Marechal Deodoro, falavam os republicanos olindenses, os inconfidentes mineiros e baianos, os poetas da Inconfidência Mineira, os libertários pernambucanos de 1817 e 1824, a quase maioria dos deputados gerais da Regência, os rio-grandenses e catarinenses farroupilhas, os sabinos da Bahia, os civilistas de São Paulo, os vereadores gaúchos signatários da moção plebiscitária de São Borja, os clubes republicanos brasileiros, os abolicionistas, os militares e, ainda em 15 de novembro de 1889, o povo do Rio de Janeiro (Corte), através de sua Câmara, que também proclamou a República. O Marechal Deodoro era natural de , filho da espartana brasileira Rosa da Fonseca. Cursou a Escola Militar de 1843-48. Fez toda a Guerra do Paraguai (1865- 1870) ou “de fio a pavio”, como costumam dizer. Nela, obteve suas promoções a major, a tenente-coronel e a coronel, por atos de bravura. Continuando a praticar atos de reiterada bravura, foi agraciado com diversas medalhas. Seu corpo era marcado por cicatrizes de combate, inclusive do ferimento grave, a bala, recebido no baixo ventre, na batalha de Itororó. Em 1873, ele e seus irmãos libertaram todos os escravos da família. Foi o fundador e primeiro presidente do Clube Militar, em 26 de junho de 1887. Em 26 de outubro de 1887, assinou histórica petição a Princesa Izabel, pedindo para liberar o Exército do encargo da captura de escravos fugidos, ou a célebre recusa do Exército de fazer o papel de capitão-do-mato. Em 1886, era presidente e comandante das Armas da Província do Rio Grande, quando se colocou na liderança da principal vertente 18

da Questão Militar que envolveu o coronel Sena Madureira. Exerceu a Presidência da República até 24 de fevereiro de 1891, quando renunciou para evitar derramamento de sangue entre irmãos brasileiros, conforme manifestou à Nação. Deodoro foi o grande soldado brasileiro, ideal e providencial para proclamar e instalar, de modo incruento, a nossa centenária República. Desprendido, preferiu deixar sua carreira a abrir mão de um título imperial e uma cadeira no Senado para ficar fiel às suas convicções. Foi leal, valente, heróico, generoso e prisioneiro do dever militar e da honra da Pátria. Seus restos mortais e os de sua esposa repousam em seu monumento na Praça Paris, no Rio. Foi, em essência, um soldado. Um grande soldado brasileiro. E possui, em alto grau, a nobreza da bravura militar conquistada a duras penas nos funéreos campos do Paraguai, em defesa da soberania e da integridade do Brasil.

4- O EXERCITO NA ÉPOCA DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA (Aspectos Doutrinários) Cel. Cláudio Moreira Bento

O Exército teve atuação decisiva na mudança incruenta e pacífica da Monarquia para a República. O presente estudo, original e pioneiro, focaliza o estágio doutrinário atingido pelo Exército, à época, decorridos 19 anos do término da Guerra do Paraguai e nos campos da Organização, Equipamento, Instrução/Ensino, Motivação e Emprego. Ou seja, estágio atingido nos domínios da Ciência e da Arte da guerra. No campo da Organização, focaliza todas as Unidades e estabelecimentos militares do Exército distribuídos pelo ter- ritório nacional, num efetivo de cerca de 15.000 homens. Quanto à hierarquia, o Exército obedecia, de baixo para cima, os seguintes postos e graduações: Soldado, anspeçada, cabo, furriel, 2º sargento, 1º sargento, sargento quartel-mestre, sargento-ajudante, alferes, 2º tenente, 1º tenente, capitão, major, tenente-coronel, coronel, brigadeiro, marechal-de- campo, tenente- general e marechal de Exército. A figura mais poderosa do Exército, ligada a seu emprego operacional, era o ajudante- general, seguido do quartel mestre-general, encarregado da Logística. O ministro da Guerra tinha mais expressão política do que militar. O Exército contava com o concurso de oficiais da ativa, reformados e honorários. A tropa do Exército, em 1889, era constituída de 30 batalhões de Infantaria, 10 regimentos de Cavalaria, 8 regimentos de Artilharia, 2 batalhões de Engenheiros e 1 corpo de transportes. A guarnição mais forte do Exército era na Província do Rio Grande, seguida do Rio de Janeiro. A do Sul foi bastante atingida pela vertente da “Questão Militar”, que envolveu Sena Madureira. Vertente liderada pelo então Presidente das Armas da Província do Rio Grande, marechal Manoel Deodoro da Fonseca. A do Rio de Janeiro (Corte) foi a que apoiaria o mesmo marechal Deodoro na proclamação da República, em 15 de novembro de 1889. Seguia-se em importância a guarnição de Mato Grosso, da qual Deodoro, entre a “Questão Militar”, no Sul e a proclamação, a comandaria a pretexto de vigiar nossa fronteira oeste de reflexos de lutas entre países vizinhos. Mas, em realidade, foi pretexto do Governo para afastá-lo da Corte. Assim, Deodoro liderou ou empolgou de 1886-89 as três maiores Guarnições do Exército brasileiro: Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Rio de Janeiro. A guarnição do Rio de Janeiro (Corte) era constituída de duas brigadas do Exército, a 1º e 19

2º, que tiveram participação decisiva na proclamação. Quanto ao Equipamento, o Exército usava uniformes baixados pelo Decreto n? 1029, de 7 de agosto de 1852, com diversas alterações de pequena monta ocorridas após. Desde 1872, fora equipado, em parte, com armas individuais Comblain da carregar pela culatra, que significavam um grande avanço em relação ao sistema a Minié, de carregar pela boca, da Guerra do Paraguai. A idéia de equipar a Guarda Nacional e polícias militares da Corte e do Rio de Janeiro e mais a Guarda Cívica com Comblain, em detrimento do Exército que ficaria com as ultrapassadas a Minié, teria sido uma das causas da inquietação militar que culminou com a República. Desde 1886, o Exército já dispunha de alguns canhões Krupp de carregar pela culatra e alma raiada, avanço expressivo sobre os La Hitte de carregar pela boca da Guerra do Paraguai. Do término da Guerra do Paraguai à República, o armamento evoluiu: de carregar pela boca ao de carregar pela culatra, e os canhões, de alma lisa para raiada. A esse avanço qualitativo não corresponde um avanço quantitativo. Quanto à Instrução/Ensino, constituía o elo mais fraco da Doutrina do Exército. Cada corpo possuía uma escola de instrução de 15 a 20 recrutas. Passado a pronto, o soldado não mais recebia instrução sistemática. Os artilheiros eram instruídos na Escola de Aprendizes de Artilheiros, na Fortaleza S. João. Havia ainda escolas de Tiro de Armas portáteis e pesadas, em Campo Grande do Realengo e no Rio Pardo. O ensino militar era predominantemente científico nas escolas militares da Praia Vermelha, Porto Alegre, Fortaleza e Superior de Guerra, em São Cristóvão. Havia predomínio do bacharelismo militar sobre o profissionalismo militar, desde 1874, do que resultou um ensino militar equivocado de 1874-89, agravado pelo regulamento de 1890, de inspiração de Benjamin Constant e só corrigido a partir de 1905. Não se tem notícias de exercícios militares a não ser os realizados pelo Conde D’Eu, em 1885, na Fazenda de Santa Cruz e só retomados 20 anos mais tarde pelo marechal Hermes, no mesmo local. Assim, de 1870-89, o ensino e a instrução militar não contribuíram para sua operacionalidade. Havia a distinção entre os oficiais tarimbeiros, chamados os que viviam na tropa lutando para a maior eficiência do Exército, como instrumento da Segurança Nacional e os científicos, formados em Ciências Físicas e Matemáticas, com preocupações relacionadas com a Administração Pública e alheios à problemática da Segurança Nacional — missão precípua do Exército. No campo da Motivação, havia 23 condecorações imperiais, das quais 17 medalhas de campanha. As promoções eram reguladas pela Lei n9 585, de 6 de setembro de 1850 e pelo Decreto 772, de 31 de março de 1851. Seguiam, em linhas gerais, o sistema vigente hoje. A Disciplina era baseada no Regulamento aprovado pelo Decreto n9 3884, de 8 de março de 1875. Os castigos tinham a seguinte gradação: admoestação, repreensão, dobrar serviço, detenção, prisão, rebaixamento temporário e definitivo de posto e transferência para depósitos de disciplina. A Justiça Militar se baseava num complexo de leis e regulamentos que remontavam a 1718, 1763 e 1805. O castigo a espada fora abolido pelo Duque de Caxias, em 1874. Vigoravam na Justiça Militar os draconianos Artigos da Guerra do Conde de Lippe. Havia amparo para os inválidos da Pátria e para os filhos de militares o ensino era no novel Colégio Militar. O sistema de promoções, depois da Guerra 20

do Paraguai, foi melhorado com a introdução de uma Comissão de Promoções. Havia um forte espírito de classe entre os veteranos da Guerra do Paraguai e em especial entre os que possuíam tradição de bravura, como era exemplo eloqüente o marechal Deodoro da Fonseca. No tocante ao emprego operacional do Exército, desenvolveu-se, de 1881 a 89, uma vigorosa corrente do pensamento militar brasileiro, tendo como marcos: o Jornal O Soldado (1881); a criação da Biblioteca Militar (1881); a criação da Revista do Exército Brasileiro (1882-89); a Coleção Biblioteca Militar do Liv. Serafim José Alves e outras que se dedicaram à literatura militar. Os oficiais tarimbeiros estudavam Arte Militar em livro do Gen. Favé, francês e adotado no Exército em 1882. Desenvolveu-se, nos anos 1880-89, forte corrente lítero-burocrática, traduzida por obras como o Militar Arregimentado e Exame Prático. Enfim, mostrando que nos anos 1880-89 houve um intenso surto cultural profissional militar, em oposição à constatação de o Exército estar, segundo Eduardo Prado, mal preparado e abandonado. Todas essas obras traduziam e sistematizavam a Doutrina vigente no Exército às vésperas da República. Eis, em síntese, do que trata a presente comunicação aqui abordada nos seus traços mais fundamentais. O que fica de tudo é uma sensação de insatisfação dos oficiais mais representativos do Exército, pelo não atendimento, pelo Governo dos Legistas, de aspirações justas da classe, de natureza profissional (descaso pelo Exército), política (não participação nos parlamentos e na administração pública para reivindicarem parcela justa do que hoje se chama PIB, para a Defesa Nacional), e sociais (necessidades previdenciárias representadas pelo Montepio). A corrente de pensamento militar, iniciada em 1881 e que cresceu até 1889, trazia tudo isto em seu bojo, inclusive a idéia republicana, como forma de equilibrar a influência predominante, no Governo, dos bacharéis em Direito, ou legistas, que obstaculavam, com uma política de erradicação do Exército, segundo Edmundo Campos Coelho (que mudava de estratégia, segundo as circunstâncias), que impedia, assim, o desenvolvimento do Exército, à altura das necessidades da segurança do Império. A Doutrina do Exército na Proclamação da República Aspectos Básicos Em 15 de novembro de 1889, o Exército brasileiro teve atuação decisiva na mudança pacífica do regime monárquico para o republicano. Já haviam decorrido 19 anos do término da Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai e 65 de sua organização, com a Independência. O presente ensaio, contribuição ao centenário da proclamação da República, procurará abordar aspectos basilares do estágio do desenvolvimento da Doutrina do Exército, nos campos da Organização, Equipamento, Instrução/Ensino, Motivação e Emprego atingido em 1889, tendo por guião Sistema de Classificação de Assuntos de História do Exército, em uso no Arquivo Histórico do Exército Brasileiro, desde fevereiro de 1985. A - CAMPO DA ORGANIZAÇÃO Alto Comando Ministro da Guerra: O Exército subordinava-se diretamente ao Gabinete de Ministros, através do ministro, cujos titulares em 1889 foram: Thomaz José Coelho de Almeida, 10 março 88-07 junho 89 (Conservador) 21

Rufino IEeas Gustavo Galvão, marechal, 07 junho 89-15 novembro 89 (Liberal) e Visconde de Maracajú. O ministro era assistido por seu Gabinete, muito pequeno, quase um Estado-Maior pessoal e pela Secretaria de Guerra, cujo titular era o Gen. Bda. Hon. Dir. Francisco Manoel das Chagas. A Secretaria de Guerra funcionava no andar superior do QG do Exército, sobre o Portão Principal e serviu de cenário, em 15 de novembro de 1889, para deposição do Gabinete Ouro Preto, ali reunido, pela manhã. Ajudante-General do Exército Ajudante-General: Foi criado em 1857, em substituição ao Comando das Armas da Corte e da Capitania do Rio de Janeiro. Era, na opinião do Conselho de Estado, o Comandante em Chefe do Exército. Em 1899, foi substituído pelo Estado-Maior do Exército. Era a primeira autoridade do Exército. Ele comandava diretamente toda a tropa e acumulava essas funções com o comando da Guarnição do Exército da Corte e Província do Rio de Janeiro. A ele estavam subordinados todos os demais comandantes de Armas e as 1ª e 2ª brigadas do Exército da Corte e a 3ª no Paraná. Eram atribuições da Ajudância-General: Planos e operações militares; trabalhos históricos; administração da justiça militar; instrução e ensino militar; administração de pessoal; reserva. Enfim, tudo referente ao pessoal do Exército (organização, instrução, disciplina, economia e serviços). Foram Ajudantes generais do Exército de 1889 a 1890: — Mal. Campo Visconde de Maracajú, 19 março 1889-07 junho 1889 — Mal. Campo Floriano Peixoto, 08 junho 1889-18 abril 1890. Foi titular na proclamação da República e na transição do Império para a República. Quartel Mestre-General: Enquanto o ajudante-general era operacional, o quartel mestre era logístico. Era responsável pela aquisição, depósito, arrecadação, conservação, movimentação e emprego do material do Exército. Era responsável pelas acomodações da tropa em quaisquer circunstâncias, pelos transportes do pessoal e material do Exército, pelas Comunicações, pelos arsenais e fábricas, pela Remonta, pelos suprimentos, pelos armamentos e equipamentos, pelos hospitais e farmácias, pelos imóveis do Exército, pelas obras militares e pelo Asilo de Inválidos. Viria dar origem à criação da Repartição da Intendência Geral, raiz do Serviço de Intendência, em 15 de janeiro de 1899. O quartel mestre-general despachava diretamente com o ministro da Guerra, em cujo nome ordenava. Em cada organização militar ele possuía o correspondente. Por exemplo, cada OM possuía o tenente quartel-mestre, que desempenhava as funções de Aprovisionamento e Almoxarife. Era quartel mestre-general, em 1889, o brigadeiro Conrado Jacob Niemeyer. Corpos Especiais Havia os seguintes corpos especiais: — Estado-Maior General: Composto de todos os oficiais generais do Exército, em número de 28: 1 marechal de Exército, 4 tenentes-generais, 7 marechais-de-campo e 16 brigadeiros. — Corpo de Estado-Maior de 7ª Classe. 72 oficiais. Possuía uma função semelhante a dos oficiais com curso de Estado-Maior da ECEME, menos em funções destinadas ao Estado-Maior de Artilharia. — Corpo de Estado-Maior da 2ª Classe. 42 oficiais. Fornecia oficiais para ocupar nos 22

locais privativos do oficial de 1ª Classe, outras funções consideradas não privativas daqueles. Corpo de Estado-Maior de Artilharia. Funções de Estado-Maior de 1ª classe, em vagas privativas da Artilharia, embora pertencendo a esta arma (arsenais, fábricas, laboratórios, escolas de tiro). — Corpo de Engenheiros: 56 oficiais. Funções específicas: construções, fortificações e cartografia, ligado ao Imperial Arquivo Militar no atual BG, no Rio de Janeiro. — Corpo de Saúde: Com funções semelhantes a do Serviço de Saúde do Exército. 149 médicos e 30 farmacêuticos. Corpo Eclesiástico: Com organização semelhante ao do atual Serviço Religioso do Exército e constituído de capelães católicos: 57 oficiais. Repartições Gabinete do Ministro, Secretaria de Estado, do Ajudante-General, do Quartel Mestre- General, Repartição Fiscal, Conselho Supremo Militar (presidido pelo Imperador), Secretaria do Conselho Supremo Militar, Comissão de Melhoramentos do Material da Guerra, Pagadoria das Tropas da Corte, Diretoria de Obras Militares, Biblioteca do Exército, Asilo de Inválidos da Pátria, na ilha Bom Jesus, Comissão de Fornecimento de víveres e forragens. A Comissão de Melhoramentos do Material datava de 1872. Escolas - Escola Superior de Guerra (ESG): que funcionava no atual quartel do 1º BG em São Cristóvão. Fora fundada em 1888. - Escola Militar da Corte: Funcionando, desde 1857, na Praia Vermelha. - Escola Militar do Rio Grande -do Sul: Funcionando no Parque da Redenção — atual, em Porto Alegre, onde lecionava o Capitão José Caetano de Faria, mais tarde destacado ministro da Guerra (1914-18). - Escola Militar do Ceará: Comandada pelo Ten.-Cel. João Nepomuceno Medeiros Mallet e criada em 19 de fevereiro de 1889, mais tarde ministro da Guerra (1901). - Imperial Colégio Militar: Criado em março de 1889. - Escola Geral de Tiro de Campo Grande: Comandada pelo Cel. José Simeão de Oliveira, que havia trazido a espada do Mar. Solano Lopes para o Imperador. - Escola Técnica e do Tiro do Rio Grande do Sul, em Rio Pardo. - Escola de Aprendizes Artilheiros na Fortaleza de S. João e Companhia de Aprendizes Militares (de Goiás e Minas Gerais). (As escolas eram regidas pelo Dec. 10.203 de 9 de março de 1889). Arsenais e Laboratórios - Arsenal de Guerra da Corte, no local do Museu Histórico Nacional, é comandado pelo CeL Art. Augusto Fausto de Souza. - Arsenais de Guerra da Bahia, de Pernambuco, do Pará, do Rio Grande do Sul, (ao lado do atual QG do CMS) e de Mato Grosso. Fábricas - Fábrica de Pólvora da Estrela, no mesmo local de hoje. - Fábrica de Pólvora de Coxipó - MT. - Fábrica de Armas da Conceição, no Morro da Conceição — RJ. Laboratórios - Laboratório Pirotécnico do Campinho (fábrica de munições). - Laboratório Pirotécnico do Menino Deus, no Rio Grande do Sul, no local do atual CPOR/PA. Hospitais 23

- Enfermaria Militar do Andaray, no quartel do atual 19 B PE. — Hospital Militar da Corte, no Morro do Castelo, hoje arrasado, onde atuava o 1º cirurgião-mór, Cel. Dr. João Severiano da Fonseca, atual Patrono do Serviço de Saúde. Comandos de armas, tropa do Exército e sua articulação territorial Em 1889, e a partir de 19 de dezembro de 1888, o Exército era constituído das seguintes OM: 3º BI; 1ª RC; 8ª RA; 2º BE; e 1º CT, num efetivo em torno de 15.000 homens, podendo elevar-se a 30.000 em circunstâncias extraordinárias. Elas distribuíram-se pelos seguintes comandos de armas, estados e municípios: Guarnição do Exército da Corte e Rio de Janeiro Infantaria 1º BI — Corte - Quartel no QG do Exército 7º BI - Corte - Quartel no Mosteiro de São Bento 10º BI - Corte - Quartel no QG do Exército 22º BI — Corte — Transferido para o Amazonas, antes de 15 de novembro 23º BI — Corte — Transferido para Ouro Preto — MG, antes de 15 de novembro 24º BI — Corte — Quartel na ilha do Bom Jesus Cavalaria 1º RC — Corte — Quartel em São Cristóvão Artilharia 2º RA Campanha — Corte — Quartel em São Cristóvão 1º RA a Pé - Corte - Fortaleza São João Engenheiros 1º BE — Corte - Praia Vermelha e depois Realengo Comando das Armas da Província do Rio Grande do Sul Comandante: Barão de Apa — Brig. Antônio Eneas Gustavo Galvão Infantaria 3º BI — Quartel na cidade de Rio Grande 4º BI — Quartel na cidade de São Gabriel 6º BI — Quartel na cidade de Uruguaiana 12º BI — Quartel na cidade de Rio Grande 18º BI — Quartel na cidade de Alegrete 28º BI — Quartel na cidade de Rio Branco 29º BI — Quartel na cidade de Pelotas 30º BI — Quartel na cidade de Porto Alegre

Cavalaria 2º RC — Quartel na cidade de Jaguarão 3º RC — Quartel na cidade de São Borja 4º RC — Quartel na cidade de Livramento 5º RC — Quartel na cidade de Bagé 6º RC — Quartel na cidade de Jaguarão

Artilharia 1º RA Campanha — Quartel em São Gabriel 49 RA Campanha — Quartel em Bagé 39 RA a Pé — Quartel em Rio Grande 24

Engenheiros 2º BE — Quartel em Cachoeira

Transportes CT — Quartel em Saicã (Corpo de Transportes) As guarnições mais fortes eram as de Rio Grande (2º BI + 1º RA a pé); a de Bagé (1º RC + 1º RA Camp.); a de São Gabriel (1º BI + 1º RA Camp.) e a de Jaguarão (2º RC). Comando das Armas da Província do Mato Grosso Comandante: Cel. Art. Ernesto Augusto da Cunha Mattos, da Questão Militar

Infantaria 8º BI — Quartel na cidade de Cuiabá 19° BI - Quartel em São Luiz de Cáceres 21º BI — Quartel em Cuiabá

Cavalaria 7ª RC — Quartel na localidade de Nioac

Artilharia 2ª RA a Pé — Quartel na localidade de Corumbá

Comando das Armas da Província de Pernambuco Infantaria 2º BI — Quartel na cidade do 14º BI — Quartel na cidade do Recife

Comando das Armas da Província da Bahia Comandante: Mar. Campo Hermes Ernesto da Fonseca

Infantaria 9º BI - na cidade de Salvador 16º BI — na cidade de Salvador

Comando das Armas da Província do Pará 15º BI - Quartel na cidade de Belém 25

Comando das Armas da Província do Amazonas Nenhuma OM e sim fortificações. Aos comandos das Armas subordinavam-se outras instalações do Exército na área, como arsenais e fortificações.

Guarnições militares provinciais Província do Paraná Infantaria 17º BI — Quartel na cidade de Curitiba

Cavalaria 8º RC - Quartel na cidade de Curitiba

Artilharia 3º RA Camp. — Quartel na cidade de Curitiba

Províncias do Maranhão, Ceará, Paraíba, Alagoas e Goiás Infantaria 5º BI em São Luiz — MA 11º BI em Fortaleza — CE 26º BI em Maceió - AL 27º BI em João Pessoa — PB 20º BI em Goiás - GO

Províncias de São Paulo e Minas Gerais Cavalaria 10º RC em São Paulo 9º RC em Ouro Preto - MG As guarnições mais fortes eram as do Rio Grande do Sul (fronteira), Rio de Janeiro (capital do Império) e Mato Grosso (fronteira). Cada OM era composta de: - Estado-Maior: o comandante; o major fiscal (atual subcomandante); o capitão-ajudante; o 2º tenente quartel-mestre (funções de Intendência) e o 2º tenente-secretário. — Estado-Menor: o sargento ajudante (ou brigada; o sargento quartel- mestre; o mestre de música e o corneteiro- mór. Os sargentos eram chamados oficiais inferiores. Os Comandantes das Armas eram subordinados diretamente ao presidente das Províncias e ao ajudante-general do Exército que, por sua vez, era também o Comandante da Guarnição da Corte e do Rio de Janeiro. Brigadas do Exército Aviso de 16 de abril de 1888, havia constituído as seguintes brigadas: 26

1ª Brigada do Exército (19 RC, 29 RA e 19 BE) — São Cristóvão - Rio. 2ª Brigada do Exército (19 BI, 79 BI e 109 BI) — QG do Exército - Rio. 3ª Brigada do Exército (179 BI, 89 RC e 39 RA Camp.) - Curitiba - PR. As duas primeiras tiveram participação decisiva nos fatos que culminaram com a proclamação da República em 15 de novembro de 1889. Comando Geral de Artilharia Era exercido pelo Conde D’Eu. Fortificações Do Sul para o Norte existiam as seguintes fortificações defendendo o litoral, já bastante antiquadas, à exceção das fortalezas de Santa Cruz e São João, na entrada da Guanabara, modernizadas em função da Questão Cristhie e guarnecidas pelo 1º BA a Pé. Santa Catarina: Fortificações de Santa Cruz, Ratones, São José, Santana e Bana Sul. Paraná: Fortificações de Paranaguá - ilha do Mel. Rio de Janeiro: Fortificações de Santa Cruz, São João Lage, Praia de Fora, do Pico e Gragoatá. São Paulo: Fortificações nas barras de Santos e Bertioga. Bahia: Fortificações de São Paulo, Barbalho, Santo Alberto, São 'Diego, Morro de São Paulo, Monte Serrat, São Lourenço, Santa Maria, São Marcelo e São Bartolomeu. Pernambuco: Fortificações do Bmm, Itamaracá, do Buraco, Pau Amarelo, Gaibú, Nazareth e Tamandaré. Rio Grande do Norte: Fortificação dos Reis Magos. Ceará: Fortificação de Assunção, onde funcionava a Escola Militar do Ceará, em 1889. Maranhão: Fortificações de Santo Antônio da Bana e São Luiz. Pará: Fortificações de Macapá e Óbidos. Amazonas: Fortificações de São Joaquim (rio Branco), São Gabriel (rio Negro) e Santo Antônio (rio Madeira). Mato Grosso: Fortificações de Coimbra e Duque de Caxias (Corumbá). Inspetores do Exército Havia inspetores do Exército responsáveis pelas seguintes inspetorias: — De corpos e estabelecimentos militares (inspecionava o 1º BA, 1º RC e 10º BI, na Corte); do Arsenal de Guerra da Corte; dos corpos de Infantaria do Rio Grande do Sul; dos corpos de Artilharia e Cavalaria; dos corpos e estabelecimentos do Norte; da Fortaleza de São Paulo, na Bahia; dos corpos estacionados no Paraná; dos corpos de Mato Grosso e das fronteiras e guarnições do: Rio Grande do Sul (Bagé, Rio Grande, Uruguaiana, Missões, Quaraí, Santana do Livramento, São Borja, Rio Pardo, Alegrete, São Gabriel); do Amazonas (Cucuí Tabatinga e Urari (no Içá); e do Mato Grosso (distritos militares de Vila Maria, Miranda e Mato Grosso). Depósitos Militares — No Amazonas, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Espírito Santo, São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul (São Gabriel e Santa Maria), Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso (Corumbá). Depósitos de Pólvora Corte (Ilha Boqueirão, próximo à ilha do Governador), Niterói (Inhomirim), Pará (Aurã), Pernambuco (Imbiribeira), Bahia (Matatú), Rio Grande do Sul (ilha da Pólvora, no Rio Guaíba) em Porto Alegre e na cidade do Rio Grande. Auditorias Amazonas, Pará, Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul e Mato Grosso. Colônias Militares e Presídios 27

Pará: D. Pedro II (no Araguaia); S. João do Araguaia (junto à Cachoeira Itaboca) e Óbidos (junto à embocadura do Trombetas). Amazonas: Rio Branco, próximo ao Forte S. Joaquim. Mato Grosso: Brilhante (abas da serra Maracajú), São Lourenço (confluência com o Ivinheima), Miranda (cabeceira do Miranda com Mondigo), Itacary (no Araguaia), Conceição de Albuquerque (na povoação do mesmo nome, onde começa a navegação do rio). São Paulo: Itapura, sobre o rio Tietê, junto do Paraná. Paraná: Jataí (na confluência com o Tibagi), Chapecó (nos campos do Xagu, na atual e próspera Chapecó), Chopim, nos campos do Êre. Santa Catarina: Santa Tereza, entre São José e Lages, no vale do Itajaí. Rio Grande do Sul: Alto Uruguai, no município de Palmeira, junto ao Uruguai. Goiás: Terupensem (margem direita do rio Vermelho), Santa Maria do Araguaia (na ilha de Santana), S. José dos Martírios (na foz do rio Cana Brava) Santo Antônio (na foz do rio Bagagem), Santa Cruz (na foz do ribeirão Gregório).

Hierarquia (Quadros, postos e graduações) — Oficiais generais: brigadeiro, marechal de campo e tenente-general e marechal de Exército, correspondendo aos atuais generais de Brigada, Divisão, Exército e marechal — Quadro de oficiais: alferes, 2º tenente, 1º tenente, capitão, major, tenente-coronel e coronel. - Quadro de praças: soldado, anspeçadas, cabo, furriel, 2º sargento, 1º sargento, sargento quartel-mestre, sargento-ajudante (também brigada). As graduações de anspeçadas e sargento-ajudante ou brigada foram eliminadas na República. A graduação de sargento quartel-mestre foi substituída pela de subtenente. O posto de alferes foi substituído pelo de aspirante a oficial, em 1905. O sargento quartel-mestre era chamado de vago mestre, corruptela do wagoon mainster, alemão encarregado dos transportes e herança do contrato de mercenários alemães que lutaram nas guerras Cisplatina, 1825-28 e contra Oribe e Rosas, 1851-52. O major no Brasil Colônia era designado sargento-maior. Nos corpos de Saúde e Eclesiástico haviam, respectivamente, as seguintes correspondências: tenentes eram os 29 cirurgiões ou capelães. Capitães eram os 19 cirurgiões ou capelães- mores. Os tenentes-coronéis eram os cirurgiões de divisão. Celebrizaram-se o alferes Joaquim José da Silva Xavier e o anspeçada Marcelino Bispo, autor do atentado ao presidente Prudente de Morais, em 1897. Os postos de tenente-general e marechal de Exército foram substituídos pelo de marechal, no qual Floriano Peixoto passou à História como o Marechal de Ferro. Existia na organização do Exército, desde 1874, uma coudelaria, provavelmente em Saicã — RS. A Comissão de Melhoramentos do Exército, criada em 1872, mantinha, permanentemente, na Europa, dois oficiais como órgão informativo. Ela dividia-se em seções: Fortificações, Artilharia de Campanha e Armamento Portátil. Foi ampliada com o 28

ministro marechal Osório e correspondeu à altura a renovação do armamento do Exército, traduzido pela eclosão do armamento individual Comblain a retro carga e os canhões Krupp 1872, logo depois da Guerra do Paraguai, mais a pistola Marquês do Herval, em retro carga para a Cavalaria. Existia em Teresina — PI, uma Companhia de Infantaria Isolada, cuja inspeção pelo Cel. Cunha Mattos iria dar início à Questão Militar, que veio a contribuir para o aceleramento da proclamação da República. Existiam companhias isoladas de Infantaria em Natal — RN; Vitória — ES, e Florianópolis — SC, com 82 homens cada. Desde 1881-82, havia a idéia de organização do 2º Batalhão de Engenheiros, em Cachoeira do Sul, para encarregar-se da construção de ferrovias e linhas telegráficas, o que ocorreu no ano da proclamação da República e cujas tradições são atualmente carregadas pelo 1º Batalhão Ferroviário de Lages — SC. O grande idealizador das ligações ferroviárias como instrumento de defesa foi o marechal Osório. Antes de falecer, insistiu na ligação ferroviária das fronteiras do Rio Grande do Sul e Mato Grosso. O efetivo do Exército era em torno de 15.000 homens para uma população estimada em 14,3 milhões de habitantes. Em circunstâncias extraordinárias, o efetivo do Exército podia ser elevado a 30.000. O exército contava, em diversas funções, com o concurso de oficiais honorários e reformados (atuais oficiais da reserva e reformados), particularmente na atividade-meio da instituição. Os honorários foram instituídos pelo Dec. 23 de 16 de agosto de 1838, por serviços relevantes prestados em defesa da ordem pública e da integridade do Império. Por aviso do Ministério da Guerra de 10 de julho de 1884, foi definido que “oficial honorário não é militar”. A designação reformado tem origem em Dec. de 23 de agosto de 1763, ou seja, os militares fora do serviço ativo. Por decreto 193-A, de janeiro, a idade limite de reforma voluntária ou compulsória para oficiais era: Marechal de Exército ...... 69 e 72anos. Marechal de Campo ...... 65 e 68anos Coronel ...... 58 e 62anos Major ...... 52 e 56anos 1º Tenente ...... 43 e 48anos Tenente-General ...... 67 e 70anos Brigadeiro-General ...... 62 e 65anos Tenente-Coronel ...... 58 e 62anos Capitão ...... 47 e 54anos 2º Tenente ...... 40 e 45anos Os oficiais generais possuíam um adicional de inatividade de 100 mil réis/mês, por ano de serviço que excedesse os 30 anos. Os superiores 70 mil réis/ano e os oficiais subalternos 50 mil réis. Ambos por ano acima dos 25 anos de serviço. Assim, o marechal do Exército, com 40 anos de serviço, ganharia por ano 750 mil réis + 10x100 = 1.750 = um conto e 750 mil réis.

B - EQUIPAMENTO 29

Uniformes Os uniformes usados pelo Exército em 1889, são resultado do Dec. 1029, de 7 de agosto de 1852, que aprovou o Plano de Uniformes do Exército com alterações introduzidas pelos Dec. 3620, de 28 de fevereiro de 1866; Dec. 3625, de 2 de maio de 1874; Dec. 8335, de 17 de dezembro de 1881; Dec. 9059, de 17 de dezembro de 1883;Dec. 9981, de 12 de julho de 1888 e Dec. Nº 21, de 28 de novembro de 1889 (Ordem do Dia nº 6). O Arquivo Histórico do Exército possui coleção de gravuras a cores que assinalam essa evolução na transição do Império para a República. Armamento Armas de fogo portáteis: Em 1889, quase todo Exército era armado com fuzis e mosquetões Comblain anos 1873, 1874 (brasileiro), 1874, 1878 e 1885, que substituíram, em grande parte, equipamento a Minié que ainda persistia no Exército, Guarda Nacional e Polícias. A substituição do modelo a Minié, usado na Guerra do Paraguai, começou a processar-se a partir de 1872. O Comblain era de carregar pela culatra e usava cartuchos. O a Minié era de carregar pela boca. A diferença era gritante. A alça do Comblain era graduada de 100 em 100 metros, até 1200 metros. Seu calibre era 12mm e usava pólvora negra. Muitos corpos de Cavalaria usavam a clavina Winchester calibre 12, modelos 1872, 1874, de percussão periférica, e o 1876, de percussão central. Sob o cano existia um tubo com capacidade de 15 tiros. Modificações introduzidas na Winchester fizeram com que passasse a consumir cartuchos Comblain. Os revólveres usados eram o Gerard, para oficiais, de cartuchos metálicos, projétil de chumbo, calibre próximo de 8mm e o Nagant, para praças montadas e muito popular. Seu calibre era maior que o do Gerard. Havia também a pistola Marquês do Herval, produzida na fábrica da Conceição. Ela era de retro carga e destinada à Cavalaria. Uma questão que incendiou os ânimos do Exército, às vésperas da proclamação da República, foi a notícia ou boato de que o Governo iria armar as Polícias e Guarda Nacional com Comblain e o Exército com o velho modelo a Minié, que fora usado no Paraguai. Era como se passasse de um caminhão para um carro de boi, segundo o Cel. Pedro Shirmer, para quem a Minié, em condições excepcionais, conseguiu dar 16 tiros em 1 hora e 45 minutos. O armamento a Minié possuía dois calibres 14,8mm e 14,4mm. Dispunha o Exército também da clavina Spencer e mais outros tipos de armas, conforme se conclui da obra existente no Arquivo Histórico do Exército: OLIVEIRA, Luiz Maria de Mello, Ten. Inf. Estudo sobre as armas de fogo portáteis ou Catecismo do Atirador. Rio, Tip. Escola Serafim Alves, 1880 (usada na Escola de Tiro). Nos apêndices A e B, a obra estuda todos os tipos de armas portáteis retro carga existentes no mundo, com suas características, bem como das munições por elas usadas e um projeto de regulamento para instrução de tiro. Seu autor era instrutor na Escola de Tiro de Campo Grande e seu trabalho é comentado com elogios pelos heróicos brigadeiros Antônio Tibúrcio Ferreira de Souza e Severino Martins da Fonseca, destacados profissionais do Exército de então. Abordava um tratado sobre as seguintes operações realizadas por atiradores: ocupação e defesa de posição; marchar à frente; ataque a uma posição defendida por atiradores; marchar em retirada e flanquear uma coluna ou comboio. Armas brancas: Todos os oficiais e as praças montadas eram armados com espada. 30

Metade dos regimentos de Cavalaria era armada de lanças. Aqui, incluem-se as baionetas largamente usadas em combate. Artilharia: A Artilharia de Campanha possuía canhões raiados La Hitte (franceses, espanhóis e brasileiros), calibres 4, 6 e 12 de bronze e ante carga e mais os Paixahans de 40 e 90. Desde 1886, o 19 RA (Regimento Mallet) possuía canhões Krupp 80mm de aço, de retro carga e fechamento em cunha, que substituíram os seus célebres La Hitte da Guerra do Paraguai. O 29 RA (Floriano) possuía 19 canhões Krupp do mesmo calibre e as únicas existentes na Corte em 1889. A Artilharia de montanha usava canhões Whitworter calibre 2 e a pesada, canhões raiados de aço calibre 130mm. Os Krupp 80 não satisfaziam, em mobilidade, como canhão de campanha. Não podiam acompanhar a Infantaria e a Cavalaria em terrenos sem estradas. Foram mais tarde substituídos pelos Krupp 75 TL. A Artilharia de Costa possuía uma variedade enorme de canhões e calibres que não ultrapassavam 5 Km de alcance. Entre eles cite-se as marcas Parrot, Whitworter, Armstrong e Krupp e foguetes a Congrève. O alcance máximo dos canhões de campanha andava em torno de 5.000m e a técnica de tiro estava muito longe da atual, que começou a ter desenvolvimento, entre nós, nos anos 10, com artilheiros que estudaram na Alemanha, como Bertoldo Klinger. Era Comandante Geral da Artilharia o Conde D’Eu, que muito lutou pelo progresso do armamento do Exército, depois da Guerra do Paraguai, no âmbito da Comissão de Melhoramentos do Exército. A Revista do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil n9 63, 1971, dá uma visão da projeção, como soldado, do Conde D’Eu, em artigo do então Cel. Everaldo de Oliveira Reis. Conclui-se que armamento do Exército, com apoio no general Francisco de Paula e Azevedo Pondé, no artigo: Armamento das Tropas de Terra da cidade do Rio de Janeiro in: RIGHB, nº 67, 1973,. 43-120, evoluiu muito entre o término da Guerra do Paraguai até a República. O armamento portátil evoluiu de ante carga para retro carga, com cartucho metálico e o de Artilharia, de ante carga e alma lisa, para retro carga e alma raiada. Portanto, uma grande evolução técnica que não correspondeu a uma visão tática ex- pressiva, esta estagnada aos padrões da Guerra do Paraguai, segundo os generais Estevão Leitão de Carvalho, Paula Cidade e outros. A evolução do armamento foi qualitativa, mas não quantitativa, segundo se conclui de depoimentos da época. Ainda conviviam armas modernas com outras quase obsoletas, a ponto de haver concorrido para exaltar os ânimos, nas vésperas de 15 de novembro de 1889, a notícia de que o Exército cederia seu armamento Comblain à Guarda Nacional e Polícias, por ordem do Governo. Equipamento individual Eram fabricados nos arsenais de guerra brasileiros e não sofreram modificações sensíveis. Sobre o cuidado com o equipamento, o Regulamento Disciplinar do Exército, da época, previa como transgressões disciplinares: Parágrafo 16 do Artigo 59: “Não ter cuidado em suas armas, uniforme, cavalo e em tudo que lhe pertencer, ou negligentemente o arruinar ou estragar.” Parágrafo 17 de Artigo 59: 31

“Servir-se de armas ou uniformes alheios e de cavalos praças de outrem, ou pedi-los emprestados a seus camaradas.” Cavalos O cavalo era importante item do equipamento militar, particularmente das tropas montadas. Mereciam cuidados desvelados nos seguintes artigos do Regulamento do serviço interno dos corpos arregimentados do Exército, 161 a 172 e 176 a 192, baixado pelo Duque de Caxias. O tratamento dos cavalos ocupava 1/12 das disposições regulamentares: Era proibido uma praça montar a cavalo que não fosse sua montada específica. Para cuidar do equipamento, num escalão acima do individual, cada Unidade possuía o seleiro, o espingardeiro, o coronheiro, o veterinário e os ferradores com atribuições bem específicas. As dotações de equipamento eram reguladas pelo Decreto de 23 de julho de 1873, que aprovava as tabelas de fardamento, armamento, equipamento e arreamento para as Unidades do Exército e publicado no Anexo H da obra O Militar Arregimentado, do cadete Oliveiro, publicado em Rio Grande — RS, em 1886 e escrita em Jaguarão. Por elas é possível se conhecer, em detalhes, todo o material usado pelo Exército. Apesar de tudo, o Exército era mal equipado, o que se pode concluir pelas verbas a ele destinadas segundo o insuspeito Edmundo Macedo Coelho Em busca de Identidade, O Exército e a Política na Sociedade Brasileira. (Rio, Forense, 1967): 1846-1860 (25% do Orçamento); 1865-1866 (50%); 1880-1889 (em tomo de 10%). Durante a Guerra do Paraguai elas atingiram níveis superiores a 50%. Isso amparava sentimentos de frustrações de oficiais que haviam lutado na Guerra do Paraguai e que viam nisso uma política irresponsável do governo que, apenas terminada a guerra, voltava a descuidar da defesa militar do Brasil, a cargo do Exército, principalmente. A Revista do Exército Brasileiro, surgida em 1882, segundo o autor citado “Usa expressões de frustrações e ressentimento contra um país como o Brasil, que julga que um Exército só se faz necessário quando o inimigo lhe bata a porta, que não avalia ainda devidamente o merecimento militar, que aniquila a verdadeira disciplina, que pouco aprecia a justa dedicação ao serviço público”. Isso era fruto da política de erradicação do Exército praticada de forma agressiva pela elite política do Império, dentro da máxima conformar-se ou perecer, segundo ainda Edmundo Macedo Coelho. Em 1854, um grupo de jovens oficiais do Exército editou o jornal O Militar, no Rio, no qual defendia a modernização do Exército, a Abolição, a imigração e a indústria nacional e o direito de casarem, proibido por lei. C - INSTRUÇÃO / ENSINO O primeiro aspecto era o da instrução primária. Cada Unidade possuía uma escola. Era dirigida por um oficial que ensinava aos cabos e soldados a ler, a escrever e as quatro operações e, aos graduados, geometria plana. Havia, ainda, em cada corpo, uma escola de recrutas. Seus instrutores e monitores estavam dispensados do serviço externo. Cada escola deveria ter de 15 a 20 recrutas. A instrução era: escola de pelotão e manejo, conservação de armas e tiro, segundo instruções de 11 de setembro de 1862. A formação do recruta 32

não podia exceder de 6 meses. O horário de instrução tática era das 5 às 7 horas da manhã e das 17 às 19 horas da tarde. A instrução com armas era duas vezes por semana, das 10 às 12 horas. Na Cavalaria, Artilharia Montada e Corpos de Engenheiros havia a instrução de equitação, a cargo do picador, para praças e oficiais. Ao picador incumbia adestrar os cavalos para as lides militares. Havia escolas para aprendizes de artilheiros na Fortaleza São João e de aprendizes de artífices nos arsenais de guerra, recrutados entre jovens pobres. Exercícios ou manobras, tem- se notícia dos realizados pelo Conde D’Eu, em 1885, na Fazenda de Santa Cruz e em 1880, em Saicã. Como instrução especializada, registre-se a de tiro de armas portáteis, na Escola de Tiro de Campo Grande e de Tática e Tiro do Rio Pardo, no Rio Grande. Elas formavam, inclusive, instrutores para a tropa. Em 6 de maio de 1889, foi instalado o Colégio Militar do Rio de Janeiro, com atribuições semelhantes às atuais, inclusive uma espécie de preparatório às escolas militares e naval. O ensino militar, desde a criação da Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, na Casa do Trem, em 1792, era predominantemente científico. Ele visava mais a construção do Brasil do que a sua defesa. Essa, fácil de mobilizar antes dos reflexos da Revolução Industrial na Ciência militar. O Regulamento de ensino, de 1874, possuía um toque de bacharelismo que foi acentuado pelo regulamento de 1890, do ministro Benjamin Constant. Ambos contribuíram para a desprofissionalização do Exército, só retomada em 1905, com a Escola de Guerra de Porto Alegre, e revigorada em 1913, na Escola Militar do Realengo. O Ensino e a Instrução eram bastante divorciados das possíveis realidades operacionais do Exército, no tocante às seguranças interna e externa. O ensino militar, em 1889, era ministrado na Escola Superior de Guerra e Escola Militar da Praia Vermelha, ambas de grande projeção na proclamação da República, e nas escolas militares do Rio Grande e Ceará. Essa, recém-instalada na Fortaleza N .S. de Assunção. O Regulamento para a Disciplina e Serviço Interno não dava ênfase à instrução, nas atribuições do comandante. Os cursos nas escolas militares obedeciam à seguinte hierarquia: Infantaria e Cavalaria — 1º e 2º anos, Artilharia — 3º ano, Estado-Maior — 4º ano e Engenheiros — 5º ano. Possuindo o engenheiro militar formação completa, de seu quadro eram, em geral, recrutados os oficiais generais. Nos parece uma distorção pela qual o Exército pagou pesado tributo. Na Revolução Farroupilha, todos os generais imperiais recrutados para combatê-la, à exceção de Caxias, infante, eram engenheiros. Taticamente, estrategicamente, não foram bem sucedidos. Confirmar é obra de simples verificação: eram renomados engenheiros, com largo prestigio nacional, mas não cabos-de-guerra. O marechal Policarpo, da Guerra do Paraguai, era engenheiro militar. Assim, o Ensino Militar de 1874-1905 não contribuiu para a operacionalidade do Exército. Em Canudos, essa afirmação fica bem transparente. E ela se verifica ainda no Contestado, em célebre relatório do general Setembrino de Carvalho. 33

Não era costume, nessa época, exercícios de tiro, que eram limitados à Escola de Recrutas responsável pela formação dos soldados. Ademais, era uma instrução muito dispendiosa. O Ensino e a Instrução, no Exercício de 1889, tinham aspectos doutrinários que deixavam muito a desejar. E disso falam depoimentos de ilustres chefes que foram ex-alunos e críticos abalizados desse sistema, como os generais Tasso Fragoso, Rondon, Estevão Leitão de Carvalho, Tristão de Alencar Araripe e Paula Cidade. Talvez, por isso, o Ensino Militar mereceu, nos anos 30 e 40 deste século, com o ministro Eurico Gaspar Dutra, um cuidado todo especial nas AMAN, EsAO e ECEME, cujas estruturas só agora, decorrido quase meio século, estão sendo ampliadas ou reaproveitadas. Ele priorizava a cultura geral, capaz de, por si só, tirar o maior rendimento da cultura profissional. Na prática, isso foi o regulamento de ensino de 1943. Conclui-se que a Instrução/ Ensino era o elo fraco da Doutrina do Exército em 1889., Disso resultou a divisão dos oficiais entre científicos e tarimbeiros. Os primeiros, segundo J. B. Magalhães em A evolução militar do Brasil (Rio, Bibliex, 1958), ”orgulhosos de sua superioridade cultural, poucos eram os que não relegavam para segundo plano os estudos de caráter tipicamente profissional e, muitos os que prezavam mais as comissões estranhas ao profissionalismo que os militares e os seus títulos científicos que os da carreira. Entre os últimos, os tarimbeiros, poucos haviam cujo interesse profissional efetivo fosse além das meras práticas de rotina, e quase todos olhavam com desprezo os primeiros a quem não consideravam bons soldados”. Os tarimbeiros e os científicos, na proclamação da República, embora unidos, perseguiram objetivos diferentes e possuíam valores antagônicos. Aos científicos deve-se o Regulamento de Ensino de 1890, do ministro Benjamin Constant, que priorizou mais o bacharelismo militar. D - MOTIVAÇÃO Dentre os diversos mecanismos para desenvolver as forças morais na guerra (a motivação do militar do Exército para a carreira e para morrer se preciso for em defesa da Pátria), existiam os em forma de prêmio aos bons serviços prestados (condecorações, promoções, etc.) e os em forma de castigo (disciplina e justiça). Condecorações As condecorações imperiais brasileiras eram em número de 23, conforme o Almanaque do Exército de 1889. Dessas, 6 eram consideradas ordens honoríficas e 17 medalhas de campanha. As ordens existentes e mais comumente concedidas a militares eram as Imperial do Cruzeiro, da Rosa, do Cristo e São Bento de Aviz. Havia também as ordens de Cristo e São Thiago da Espada. Todas com graduações. As medalhas referiam-se às guerras internas e externas desde 1811 até 1870. Esse assunto é bem registrado na obra: POLIANO, Luiz Marquês. Ordens Honoríficas do Brasil Rio, Imprensa Nacional, 1943 (Ilustrado a cores). Os oficiais detentores das mesmas constam no Almanaque do Exército citado. Caxias, por exemplo, foi Grã-Cruz das ordens de São Bento, da Rosa, do Cruzeiro e de D. Pedro I. Promoções 34

As promoções eram reguladas pela Lei n? 585 de 6 de setembro de 1850, regulamentada pelo Decreto nº 772 de 31 de março de 1851, com modificações constantes do Almanaque do Exército de 1889. Portanto, legislação do tempo da guerra contra Oribe e Rosas. Seguem, em linhas gerais, o sistema vigente atualmente. Ao oficial mais antigo de cada classe era concedido, caso tivesse mérito, graduação no posto imediato, permanecendo com os vencimentos do posto que ocupava. Essa prática perdura por mais de um século. Disciplina Vigorava, para transgressões disciplinares, o Regulamento Disciplinar para o Exército em tempo de paz. Aprovado pelo Decreto 3.884, de 8 de março de 1875 e publicado na Ordem do Dia da Repartição do ajudante- general, de 24 de março de 1875, baixado pelo ministro da Guerra, Duque de Caxias. Os castigos disciplinares tinham a seguinte gradação: 1 — admoestação; 2 — repreensão; 3 — dobrar serviço de guarda; 4 - detenção; 5 — prisão; 6 - rebaixamento temporário de posto; 7 — rebaixamento definitivo de posto; 8 - transferência para depósitos de disciplina. As de n°.s 1, 2, 4 e 5 eram privativas de oficiais, cadetes e soldados particulares. Para os sargentos, cabos e anspeçadas, existiam mais as de n°.s 3,6, 7 e 8. Para os soldados, além das mencionadas 1, 2, 3, 4, 5 e 8, existiam as seguintes penas acessórias : Carregar armas; carregar equipamento em ordem de marcha; faxina. repetição de instrução na Escola de Recrutas; diminuição do número de refeições e de cada refeição; privação de vícios tolerados (cigarro) e isolamento em cela especial (a solitária). Justiça Militar Era um complexo de leis e regulamentos que estabeleciam os meios de punição e repressão das infrações das regras e deveres militares. Ela estava condensada na seguinte obra, verdadeiro vademecum de Justiça Militar, no Exército. OUVÉRIO, Ten. O Militar Arregimentado, Rio, Imprensa Nacional, 1896. 2v. As bases da Justiça Militar pouco mudavam. Elas se encontravam nos seguintes regulamentos: Alvará de Justiça Militar de 1718 (parcial) Regulamento de Infantaria e Artilharia de 1763, do Conde de Lippe, adotado para todo o Exército desde 11 de outubro de 1843, por provisão daquela data, sob a forma de 29 artigos de guerra e publicados na obra citada. Ordenança de 9 de abril de 1805, regulando as deserções e publicada na obra citada. O castigo a espada foi abolido em 1874, por Caxias. Ainda em 1910, no Rio Grande, segundo Paula Cidade, ainda eram usadas, ilegalmente, surras com varas de marmelo. A título de curiosidade, reproduzimos para o leitor os artigos de guerra. 35

Artigos de guerra Art. 1º — Aquele que recusar, por palavras ou discursos, obedecer às ordens dos seus superiores, concernentes ao serviço, será condenado a trabalhar nas fortificações; porém, si se lhe opuser, servindo-se de qualquer arma ou ameaça, será arcabuzado. Art. 2º — Todo oficial de qualquer graduação que seja, que estando melhor informado, der aos seus superiores, por escrito, ou de boca, sobre qualquer objeto militar, alguma falsa informação, será expulso com infâmia. Art. 3º — Todo oficial de qualquer graduação que seja, ou oficial inferior, que sendo atacado pelo inimigo, desamparar o seu posto, sem ordem, será punido de morte. Porém, quando for atacado por um inimigo superior em forças, será preciso provar perante um Conselho de Guerra, que fez toda a defesa possível, e que não cedeu, senão na maior e última extremidade; mas se tiver ordem expressa de não se retirar, suceda o que suceder, neste caso nada o poderá escusar, porque é melhor morrer no seu posto do que deixá-lo. Art. 4º — Todo militar que cometer uma fraqueza, escondendo-se ou fugindo quando for preciso combater, será punido de morte. Art. 5º__ Todo o militar que , em uma batalha,ação ou combate, ou em outra ocasião de guerra, der um grito de espanto, como dizendo- O inimicgo nos tem cercado . Nos fomos cortados- Quem puder escapar-sem, escape-se, ou qualquer outra palavra semelhante que possa intimidar as tropas,no mesmo instante, o matará o oficial mais próximo que o ouvir, e, se por acaso, isto não lhe suceder, será logo preso , e será passado pelas armas por senteça do Conselho de Guerra. Art. 6º — Todos são obrigados a respeitar as sentinelas ou outras guardas; aquele que não o fizer será castigado rigorosamente; e aquele que atacar qualquer sentinela, será arcabuzado. Art. 7º — Todos os oficiais inferiores e soldados devem ter toda a devida obediência e respeito aos seus oficiais, do primeiro até ao último, em geral. Art. 8º — Todas as diferenças e disputas são proibidas, sob pena de rigorosa prisão; mas se suceder a qualquer soldado ferir ao seu camarada à traição, ou o matar, será condenado ao carrinho, perpetuamente, ou castigado com pena de morte, conforme as circunstâncias. Este art. 8º, nos de guerra de cavalaria, é assim redigido: “8º — Todas as diferenças e disputas são proibidas, sob pena de rigorosa prisão; mas se suceder a qualquer soldado ferir o seu camarada à traição, será condenado ao carrinho perpétuo ou castigado com pena de morte, conforme as circunstâncias ocorrentes. Porém, aquele que matar seu camarada, ou qualquer outra pessoa à traição, será punido com pena de morte, serr. remissão. E esta pena de morte será ainda agravada, conforme as circunstâncias do caso, isto é, se o morto for seu superior, ou concorrer qualidade, que agrave o homicídio " Art. 9º — Todo o soldado deve achar-se onde for mandado, e à hora que se lhe determinar, posto que lhe não toque, sem murmurar, nem por dificuldades; e se entender que lhe fizeram injustiça, depois de fazer o serviço, se poderá queixar, porém sempre com toda a moderação. 36

Art. 10 — Aquele que fizer estrondo, ruído, bulha, ou gritaria ao pé de alguma guarda, principalmente de noite, será castigado rigorosamente, conforme a intenção com que o houver feito. Art. 11 — Aquele que faltar a entrar de guarda, ou que for à parada tão bêbado, que não possa montar, será castigado, no dia sucessivo, com cinqüenta pancadas de espada de prancha. Art. 12 — Se algum soldado se deixar dormir, ou se embebedar estando de sentinela, ou deixar o seu posto antes de ser rendido, séfado em tempo de paz, será castigado com cinqüenta pancadas de espada de prancha, condenado por tempo de seis meses a trabalhar nas fortificações; porém, se for em tempo de guerra, será arcabuzado. Art. 13 — Nenhuma pessoa, de qualquer grau ou condição que'seja, entrará em qualquer fortaleza, senão pelas portas e lugares ordinários, sob pena de morte. Art. 14 — Todo aquele que desertar ou que entrar em conspiração de deserção, ou que sendo dela informado e não delatar, se for em tempo de guerra, será enforcado; e aquele que deixar a sua companhia ou regimento, sem licença, para vir ao lugar de seu nascimento, ou a outra qualquer parte que seja, será castigado com a pena de morte, como se desertasse para fora do reino. Art. 15 — Todo aquele que for cabeça de motim ou de traição, ou tiver parte, ou concorrer para estes delitos, ou souber que se urdem, e não delatar a tempo os agressores, será infalivelmente enforcado. Art. 16 — Todo aquele que falar mal de seu superior nos corpos de guarda ou nas companhias, será castigado aos trabalhos da fortificação; porém, se, na indagação que se fizer, se conhecer que aquela murmuração não fora precedida somente de uma soltura de língua, mas encaminhada à rebelião, será punido de morte, como cabeça de motim. Art. 17 — Todo o soldado se deve contentar com a paga, com o quartel, e com o uniforme que se lhe der, e se se opuser, não querendo receber, tal e qual se der, será tido e castigado como amotinador. Art. 18 — Todos os furtos, e assim mesmo todo o gênero de violências para extorquir dinheiro, ou qualquer gênero, serão punidos severamente; porém, aquele furto que se fizer em armas, munições, ou outras coisas pertencentes à nação; ou aquele, que roubar a seu camarada, ou cometer furtos com evasão, ou for ladrão de estrada, perderá a vida conforme as circunstâncias, ou também se qualquer sentinela cometer furto, ou consentir que alguém o cometa, será castigado severamente, e conforme as circunstâncias, incurso em pena capital. Art. 19 — Todo o soldado que não tiver cuidado nas suas armas, no seu uniforme, em tudo que lhe pertencer; que o lançar fora, que o romper, ou arruinar de propósito, e sem necessidade; e que o vender, empenhar ou jogar, será pela primeira e segunda vez preso, porém à terceira será punido de morte. Art. 20 - Todo o soldado deve ter sempre o seu armamento em bom estado, fazer o serviço com as suas próprias armas; aquele que se servir das alheias, ou as pedir emprestado ao seu camarada, será castigado com prisão rigorosa. Art. 21 - Aquele soldado que contrair dívidas às escondidas de seus oficiais, será punido corporalmente. Art. 22 - Todo aquele que fizer passaportes falsos, ou usar mal de sua 37

habilidade, por qualquer modo que seja, será punido com rigorosa prisão; porém, se por este meio facilitar a fuga a qualquer desertor, será reputado e punido como desertor. Art. 23 — Todo o soldado, que ocultar um criminoso, ou buscar meios para se escapar àquele que estiver preso como tal, ou deixar fugir; ou sendo encarregado de o guardar, não puser todas as precauções para este efeito, será posto no lugar do criminoso. Art. 24 — Se qualquer soldado cometer algum crime estando bêbado, de nenhum modo o escusará do castigo a bebedice; antes pelo contrário, será punido dobradamente, conforme as circunstâncias do caso. Art. 25 — Todo o soldado que, de propósito, e deliberadamente se puser incapaz de fazer o serviço, será condenado ao carrinho perpetuamente. Art. 26 — Nenhum soldado poderá emprestar dinheiro ao seu camarada nem ao superior. Art. 27 — Nenhum soldado se poderá casar sem licença do seu coronel. Art. 28 — Todo oficial de qualquer graduação que seja, que se valer do seu emprego para tirar qualquer lucro, por qualquer maneira que seja, e se não puder inteiramente verificar a legalidade, será infalivelmente expulso. Art. 29 — Todo militar deve regular os seus costumes pelas regras da virtude, da candura, e da probidade;.deve temer a Deus, reverenciar e amar ao seu Imperador Constitucional, e executar exatamente as ordens que lhe forem prescritas. Esses artigos eram base nos Conselhos de Guerra. Em dia de pagamento eram lidos na frente das companhias. Nenhum recruta podia fazer o juramento, sem entender a profundidade dos artigos de guerra. A administração da Justiça estava confiada ao Supremo Tribunal Militar. As penas superiores a 6 anos eram cumpridas nas fortalezas e em Fernando de Noronha. Havia os conselhos de Inquisição; de Disciplina; de Investigação e de Guerra. O Conselho Supremo Militar julgava, em 2ª instância, todos os crimes militares. Em 1889, a criminalidade era elevada no Exército, segundo o general Paula Cidade. Outros estímulos Para amparar os militares inválidos, em conseqüência de serviço de guerra, existia o Asilo dos Inválidos da Pátria, na ilha do Bom Jesus. Os filhos de militares tinham o Colégio gratuito, para serem educados. Havia ainda o meio soldo a viúva, mães e filhas de oficiais do Exército, estabelecido em Lei de 9 de novembro de 1827, que foi sendo ampliado cor o tempo. Lutava-se, na época, no âmbito da Santa Cruz dos Militares e Clube Militar, por um pecúlio a ser deixado à família pelo militar falecido. Comissão de promoções Depois da Guerra do Paraguai, visando a melhoria dos oficiais, foi criada uma Comissão de Promoções integrada por quatro generais. A ele incumbia fazer as listas de promoções que até então eram da alçada dos presidentes de Províncias e Comandantes-de-Armas. 38

Extinta em 1878, foi restabelecida em 1880, pelo marechal Osório. Culto das tradições Entre os veteranos de Guerra do Paraguai havia forte espírito de classe, notadamente entre os que tinham tradições de bravura conquistadas na luta. A influência positivista nas Escolas Militar da Praia Vermelha e na Escola Superior de Guerra passou a discutir a legitimidade de nossas lutas externas, “levando seus alunos a desprezarem os veteranos da Guerra do Paraguai que desfilavam orgulhosos ostentando em seus peitos as medalhas de campanha”, segundo testemunha desses fatos o general Tasso Fragoso, no prefácio da sua obra: A Batalha do Passo do Rosário, 1922. E - EMPREGO O emprego constitucional do Exército decorria do capítulo VIII, da Força Militar, da Constituição do Brasil, de 25 de março de 1824. “Art. 145 - Ser o Exército obrigado a pegar em armas, para sustentar a Independência, a Integridade do Império, e defendê-lo dos seus inimigos internos ou externos.” “Art. 148 — Compete ao poder Executivo privativamente empregar (o Exército), como bem parecer conveniente à segurança, e à defesa do Império”. O Exército era diretamente subordinado ao Gabinete de Ministros, através do ministro da Guerra, que mudava com freqüência. Na maioria das vezes era um político civil dos partidos Liberal ou Conservador, com pouca ou nenhuma vivência do assunto, que tinha que confiar no comandante operacional do Exército — o ajudante-general, e no comandante logístico — o quartel-mestre general, que também mudaram bastante em 88 e 89. Muitos achavam, e ainda acham, que o Exército deveria estar subordinado diretamente ao Imperador e acima dos partidos, como instrumento do Poder Moderador. E por não ter sido assim, concluem também haver o abandono do Exército pelos Gabinetes, especialmente de 1881-1889, contribuído para a proclamação da República, de forma decisiva. Era atribuição do Imperador, no entanto, movimentar os oficiais, prerrogativa que abdicava deixando às vezes oficiais a mercê de perseguições e atos de desprestígio, que resultaram na Questão Militar, na fundação do Clube Militar, na Abolição e finalmente na República. O preparo operacional do Exército, segundo consenso de diversos memorialistas militares, havia decaído expressivamente do final da Guerra do Paraguai, até a República. Havia uma consciência da necessidade de uma Reforma Militar. Segundo Piragibe da Fonseca, sobrinho neto do marechal Deodoro da Fonseca, este acalentou esse sonho, que só foi possível executar do final da Guerra de Canudos, 1897, até o início da FEB para a Itália, no contexto da Reforma Militar. Corrente do pensamento militar brasileiro Em 1881, militares do Exército começaram a sinalizar o não atendimento, pelo Governo, de aspirações políticas, profissionais e previdenciárias, criando o Diretório Militar que reunia-se no consistório da Igreja Santa Cruz dos Militares. 39

Em 17 de dezembro de 1881, era fundada a atual Biblioteca do Exército, exemplo logo seguido pelas fortalezas de Santa Cruz e São João e, em janeiro de 1882, era editado o primeiro número da Revista do Exército Brasileiro (1882-89), que serviu de suporte e difusão de uma saudável corrente do pensamento militar brasileiro nos campos da Arte e da Ciência Militar e que se propunha entre outras coisas: “Preencher, bem ou mal, uma lacuna bastante sensível — a falta de um órgão que sirva, ao mesmo tempo, de transmissor de idéias e de elo de união entre os membros do Exército... Seu fim é todo doutrinário militar e somente nesse terreno aceitará discussão”. Seu domínio abrangia Administração e Organização, Tática e Estratégia, Engenharia Militar, Artilharia e Armamento, História Militar, Geografia e Estatística. Discretamente, ela sinalizava o descaso pelo Exército. O Arquivo Histórico do Exército reconstituiu a coleção da revista. Outros trabalhos sobre Arte e Ciência Militar eram publicados por autores diversos, antes do advento da Biblioteca e da Revista, na Coleção Biblioteca Militar da Livraria Serafim José Alves — Rua 7 de Setembro, 83 e outras que se dedicaram a esse ramo. A revista tratou dos mais variados assuntos. Nota-se nela uma preocupação com a Reorganização do Exército, inclusive do Clube Militar, do Conde D’Eu, de Medeiros Mallet, de Sena Madureira, de Miranda Reis, do Visconde da Gávea, do Visconde de Maracajú, de Severiano Martins da Fonseca, do Cap. José Carlos Lobo Botelho, “um jovem oficial muito interessado” e de outros. Era o sentimento de necessidade de mudança. A Revista já publicava sobre Aerostação Militar, fortes subterrâneos e metralhadora Nordenfelt. A preocupação estratégica voltava-se para a defesa do Rio Grande do Sul e notadamente de São Boija. Para um aprofundamento no assunto, recorrer a SANTOS, Francisco Ruas, Maj. índice da Revista do Exército Brasileiro in: Coleção Bibliográfica Militar, Rio, Bibliex, 1960, pp. 9-12S. O Major Ourique, no primeiro artigo da revista sobre a Defesa do Rio Grande do Sul, previa as seguintes linhas de defesa: 1ª Linha - fronteira de postos avançados: São Borja, Itaqui, Uruguaiana, Quaraí, Santana, Bagé, Jaguarão e Santa Vitória, com fortificações passageiras destinadas a deter, por algum tempo, o invasor, ou obrigá-lo a fazer grandes desvios. 2ª Linha - de depósitos entrincheirados: Cruz Alta, voltada para o Oeste e São Gabriel e Rio Grande, para o Sul, como piões de manobras. 3ª Linha — do pião central de manobra: Porto Alegre, depósito principal e último refúgio da defesa. 4ª Linha - complementar de defesa: No caso de invasão, a 2ª Linha seria complementada por fortificações passageiras em Santa Maria, face ao Oeste, e Caçapava, Piratini e Canguçu, na Serra dos Tapes e outros pontos julgados necessários, face ao Sul. A linha Uruguai seria defendida pelo Exército e Armada e a linha Sul, pelo Exército sozinho e, combinado com a Armada, na região das lagoas. Rio Grande e São Gabriel seriam as grandes posições fortificadas da fronteira 40

Sul, com apoio em Brialmont e Vandeveld. Preconiza que esse sistema devia ser completado com a construção de ferrovias irradiantes para as fronteiras a partir de Porto Alegre, as quais seriam convergentes em caso de retirada. A ordem de batalha em linhas gerais obedecia ao esquema descrito. A tática se baseava no emprego de pequenas Unidades em combate, pelo seus comandantes efetivos, combinando manobra e fogo, através de seus atiradores. As manobras principais eram: — ocupação e defesa de uma posição: (muro; elevação de terra; bosque; paliçadas; casas; desfiladeiros; flanco da posição). — Marcha para frente; — Ataque de uma posição defendida por atiradores; — Ataque de flanco; Ataque de frente; — Marchar em retirada; — Flanquear uma coluna ou comboio. Enfim, eram variações da Defesa, ofensiva e Movimentos Retrógrados. A companhia de Infantaria atuava no seguinte esquema: Linha de atiradores, reforço e apoio. O reforço era uma reserva imediata da linha de atiradores e o apoio uma reserva mais à retaguarda dos atiradores. A maior intensidade do fogo era obtida com o maior número de atiradores na linha respectiva. A ofensiva era constituída de 4 fases: 1ª — Avanço em terreno batido pela Artilharia; 2ª — Tomada de contato; 3ª — Ataque; 4ª — Perseguição. Na Defensiva, a posição era assim caracterizada: Campo Exterior — compreendendo postos avançados; Frente da Posição — atual linha de resistência; Recinto — era o interior da posição, composto de redutos e pontos fortes e Retaguarda. Era dada grande importância ao contra-ataque. Alguns oficiais absorviam conhecimentos de Arte Militar na famosa obra abaixo, escrita pelo general Favé, “o mais famoso escritor militar francês e um dos teóricos militares mais conhecidos no mundo”, segundo o general Paula Cidade em Literatura Militar Brasileira. Rio, Bibliex, 1959, p. 259. A obra traduzida pelo tenente Joaquim Alves da Costa Mattos, era: FAVÉ, general. Curso de Artilharia. Rio de Janeiro, Tip. Militar de Costa e Santos, 1882. O livro tratava de História Militar, tática, serviço em campanha, instrução de combate, emprego das armas, fortificações, ataque e defesa de praças fortes, batalhas célebres apontadas como modelos de aplicação da Arte Militar. Era um livro mais indicado para oficiais tarimbeiros ou de tropa sem curso, que 41

aprendiam a Arte Militar na forma camoniana “vendo, tratando e pelejando”. Esta obra foi mandada adotar para a instrução de oficiais em 1882, pelo ministro da Guerra Franklin Dória, criador da Biblioteca do Exército. Foi apresentado aos leitores com carta do heróico brigadeiro Conrado Bittencourt, comandante do Batalhão de Engenheiros da invasão do Paraguai até o final da Guerra, e por largo período no pós- guerra. A Infantaria em Canudos foi empregada com apoio nas Instruções para a Infantaria do Exército Brasileiro (com base em instrução de Portugal — Rio, Imprensa Nacional, 1897) que tratava: 1º Livro — Ensino do recruta; 2º Livro — Ensino da Companhia; e 3º Livro — Ensino do Batalhão e da Brigada. A Comissão encarregada de tratar do assunto: Gen. Div. José Clarindo de Queiroz; Ten.-Cel Antônio Moreira César; Maj. João de Souza Castello; e Ten. Napoleão Fellipe Aché (chefe de Missão Militar na 1º GM de 1914-18). Esse regulamento, do qual o Arquivo do Exército possui exemplar, era conhecido como Moreira Cézar, trazendo seu retrato, em bico de pena, (3º edição), seguramente homenagem após sua morte em Canudos. As instruções em geral eram adaptações de instruções portuguesas, que por sua vez traziam a influência inglesa. Eram instruções complexas que exigiam bastante treinamento, o que não ocorria em realidade. As influências positivistas e do bacharelismo no Exército reagiam à operacionalidade do mesmo. O emprego da Artilharia era apoiado, entre outras, nas seguintes obras do então coronel Severiano Martins da Fonseca, comandante do 29 RA, atual Floriano, e que comandava o Regimento Mallet, em Tuiuti e outros embates posteriores. FONSECA, Severiano Martins da. Cel. et alli. Instruções para o serviço dos canhões raiados de campanha e montanha. Rio, Tip. do Imperial Instituto Artístico, 1872. ______. Regulamento para instrução do Serviço de Artilharia. Rio, Imperial Instituto Artístico, 1877 (mandado imprimir pelo Duque de Caxias). Como parte da corrente de pensamento militar que começou a se desenvolver em 1881, no período de 1886-1896, surgiram as seguintes obras do mais tarde coronel Olivério de Deus Vieira, natural do Rio Grande do Sul: O Militar Arregimentado — 1886, 1891 (2v) e 1896 (2v); Exame Prático de Cavalaria, Infantaria e Artilharia — 1885 (4v) (Para alferes, tenentes, capitães e majores). O primeiro era um índice de toda a legislação administrativa e doutrinária de interesse de um oficial na tropa, desde antes da Guerra do Paraguai. O segundo era um conjunto doutrinário de interesse dos diversos postos nas armas, para obterem promoções mediante aprovação em exames práticos, exigência muito objetiva posta em prática pela República. 42

Eles refletem a Doutrina Militar aplicados em Canudos. Seu autor, da modesta obscuridade em que se encontrava em Jaguarão, veio para a capital federal, onde inclusive foi ajudante- de- ordens do ministro da Guerra, do ajudante-general e do quartel-mestre general. Seu mais expressivo trabalho e o único que estava publicado em 1889, foi o: OLIVÉRIO, Cadete. O Militar Arregimentado. Rio Grande, Tip. Liv. Evangélica, 1886. Ele trazia indicação de toda a Legislação publicada nas Ordens do Dia do Exército de 1860-86, de interesse das Unidades. Ele vinha complementar o trabalho a seguir, que indicava toda a legislação de interesse do Exército até 1874: SILVA, José Joaquim do Nascimento. Sinopse da Legislação Brasileira (Exército). Rio, Tip. Diário do Rio de Janeiro, 1874, 2v. Essa foi atualizada de 1885-90 e só publicada em 1891, com apoio do ministro da Guerra Benjamin Constant, pela Imprensa Nacional. Ela continuou até 1907, formando uma coleção de 10 volumes, mais o Indicador da Legislação Militar, de A. J. do Amaral, de 1870-1892, em 14v. Portanto, em 1889, os militares dispunham dos índices de Legislação de Cunha Mattos até 1840, de Titara 1840-1857, de Nascimento e Silva 1857-89, de A. J. Amaral 1870-1880, do índice do Olivério de 1860-86. Todos, pela sua importância, tiveram apoio oficial. O Arquivo Histórico do Exército conseguiu obter todos esses trabalhos, graças aos desvelos de sua funcionária Adália de Assis. Eles davam indicações de todo o Corpo de Doutrina que sistematizava então a Organização, Equipamento, Ensino/Instrução, Motivação e Emprego do Exército, que emanava da Congregação da Escola Militar, no Rio. A complexidade, abundância, desdobramento da legislação do Exército “originou uma forte corrente lítero-burocrática”, no dizer de Paula Cidade, que trouxe fama e prestígio aos indexadores da Doutrina do Exército, num trabalho extremamente meritório e relevante. Homenagem, pois, a Cunha Mattos, Ladislau Titara, Nascimento e Silva e Olivério, que tanto contribuíram para racionalizar e dinamizar a administração do Exército. A deficiência do campo de Instrução/Ensino se refletiu negativamente no campo Emprego, fato agravado pelo bacharelismo e influência negativa do positivismo no Ensino do Exército de 1890-1905. As ordens eram transmitidas a toques de cometas e clarim. Elas obedeciam a Ordenança de toques de cornetas e organizada pelo general Severiano Martins da Fonseca e aprovada em aviso de 30 de novembro de 1887 e mandada adotar por aviso de 12 de março de 1888. Os toques de cornetas eram em número de 177 e os de clarins 26, totalizando 203 toques, conforme Olivério, Exame Prático, 1895 (v. 1. p. 254). Em 1883, um oficial do Exército, reformado e oriundo do Serviço de Saúde, começou a editar o seu dicionário biográfico que passou a ser conhecido pelo nome de seu autor, Sacramento Blake, e até hoje instrumento de trabalho de indiscutível valor, no qual, pela primeira vez, são publicadas sínteses biográficas de oficiais do Exército brasileiro que até então mais se haviam notabilizado. Esses trabalhos, relativamente a 43

oficiais generais do Exército de 1808-1908, foram realizados por Pretextado Maciel e Laurênio Lago. Salvo um número restrito de oficiais generais, foram continuados no Dicionário Biográfico da Fundação Getúlio Vargas. Existe uma lacuna muito grande até os dias atuais. Até a entrada em vigor do Regulamento do Estado-Maior do Exército, aprovado pelo Decreto nº 3.189 de 6 de janeiro, segundo se conclui de Tasso Fragoso, “não havia órgão encarregado no Exército de estudar em sistema, prováveis teatros de Operações, planos de Campanha, Mobilização, Concentração e Transportes”. Havia muita improvisação. Quem tinha que fazê-lo era a Repartição do ajudante-general, cujos integrantes eram imobilizados nessas funções, pela rotina administrativa.

Fontes Consultadas Principais, além das citadas no texto: — ALMANAQUE DA GUERRA ,1889. Rio, Imp. Nac. 1889. — ARARIPE, Tristão Alencar de. Mar. O Exército Brasileiro a partir da Guerra do Paraguai in:RIGHMB, n9 33 e 34, 1958, pp. 2-34. — CIDADE, Francisco de Paula, Cel. O Exército em 1889, in: República Brasileira. Rio, Bibliex, 1939. COELHO, Edmundo Campos. Em busca da Identidade - O Exército e a Polícia na Sociedade Brasileira. Rio, Forense, 1976. MAGALHÃES, João Baptista, Cel. A Evolução Militar do Brasil. Rio, Bibliex, 1958. MATTOS, João Baptista, Gen. Origem e História do Juramento Militar no Brasil, in:RIGHMB, nº 45, 1964, p. 39-52.

5-GUARNIÇÃO DO EXÉRCITO DA CORTE NA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA Cel. Cláudio Moreira Bento Em 15 Nov, o marechal Manoel Deodoro da Fonseca, presidente do Clube Militar, liderando tropas da guarnição do Rio de Janeiro (Corte) penetrou no QG do Exército, local do atual Palácio Duque de Caxias, no Campo de Santana, onde se reunia o Gabinete Ouro Preto. E, como feliz desfecho de bem urdida, coordenada, sucedida e incruenta conspiração republicana, o Gabinete foi deposto sem nenhuma resistência ou protesto expressivo. Assim, segundo Pedro Calmon “Deodoro apoderou-se da situação, conquistou o Governo e passou a presidir o futuro”, proclamando a República, à tarde, através do Decreto nº 1 do Governo que passou a presidir, regime consagrado ainda nesse dia pelo povo do Rio de Janeiro, através de sua Câmara, que proclama a República e, mais tarde, pelos Constituintes de 1891. A República era idéia antiga desde a Colônia, quando teve seu momento maior na Inconfidência Mineira, liderada pelo alferes do Exército Joaquim José da Silva Xavier, hoje Patrono Cívico da Nacionalidade. Depois de 1822, entre as tentativas republicanas registre-se a República Rio-Grandense, única experiência republicana concreta entre nós, que durou quase 10 anos e surgiu cm função da Revolução Farroupilha (1835-45), à qual aderiram maciçamento o Exército e a Guarda Nacional da Província do Rio Grande. 44

Em nossas lutas externas no Prata, em 1851-52, 1864 e 1865-70, tropas integradas por republicanos ex-farrapos lutaram pelo Brasil, e inclusive na última, sob as ordens do brigadeiro Antônio Neto, que liderou a vanguarda brasileira até Tuiuti, em 24 de maio de 1866. Nelas, oficiais do Exército e Armada entraram em contato com as repúblicas da Bacia do Prata. passaram a simpatizar com a República, tão difundida nas Américas e no mundo e a propagá-la.

Ao fim da Guerra do Paraguai (1865-70), teve lugar em Itu — SP, a 1ª Convenção Republicana. Daí para frente o ideal republicano passou a empolgar os meios acadêmicos jurídicos, como a Escola de Direito de São Paulo, celeiro de grandes republicanos, e os acadêmicos militares, como as escolas Militar e Naval. Delas, através da Imprensa adepta da República, seus ideais passam a ter crescente expressão popular.

Enquanto a República avançava, a Monarquia tornou-se um edifício em ruínas, sem que ninguém se dispusesse a consertá-lo. Segundo Joaquim Nabuco “no fim do Império, havia mais coragem em alguém declarar-se monarquista do que republicano”. Isto, em grande parte, conseqüência das questões Religiosa e Militar, da Abolição, da saúde abalada do Imperador e da indesejável perspectiva de um 3º Reinado. O movimento foi contra uma conjuntura política adversa e não contra D. Pedro II, conforme assinalou o general Severiano da Fonseca, atual Patrono do Serviço de Saúde do Exército, irmão do proclamador da República, em discurso no sesquicentenário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, quando D. Pedro viajava para o exílio: “A retirada do Imperador não foi um castigo; foi conseqüência imperiosa, imprescindível, fatal, da nova ordem de coisas. Foi uma necessidade inevitável. E com ele seguiram todo o respeito, estima e veneração que os brasileiros devem e têm a esse grande virtuoso varão. Saiu, porque não podia ficar. Não é um decaído. É antes um aposentado retirando- se com todas as honras e distinções”.

A Questão Militar (1881-88) resultou de vários desencontros do Governo com a classe militar e, segundo Américo Jacobina Lacombe, em 18 de julho de 1988, de um desequilíbrio entre os bacharéis de Direito dominando o Governo e a classe militar. Essa, consciente, pós-guerra do Paraguai, através de suas lideranças egressas da classe média, de sua importância social e política. Com as mortes dos senadores marechal Osório, em 1879, e do Duque de Caxias, 1880, a classe militar passou a sinalizar o não atendimento pelo governo de aspirações justas, de natureza profissional, institucional e social, tornando aos poucos o Exército, segundo Eduardo Prado, “esquecido, mal orga- nizado e desestimulado”. Havia um grupo jovem, de major para baixo, sob a influência de Benjamin Constant, que era considerado republicano. Outro grupo liderado por Deodoro sonhava com uma atualização doutrinária do Exército, em benefício de sua maior operacionalidade, em decréscimo deliberado desde a Guerra do Paraguai. Atualização impositiva, mas postergada pelo governo, o que estimulava a sua derrubada por esse grupo como desagravo da força. Esse sonho, acalentado pelo grupo de profissionais liderado pelo marechal Deodoro, só começaria a ser concretizado a partir de 1896, por chefes militares filhos de líderes do Exército, na Guerra do Paraguai ou veteranos da mesma: Machado Bittencourt, Thomaz Cantuária, Medeiros Mallet, Hermes da Fonseca e Caetano de Farias, de ações administrativas relevantes na Reforma Militar, 1896-1940, que arrancou o Exército dos ultrapassados padrões operacionais revelados em Canudos, 45

aos elevados demonstrados na FEB, na Itália.A presente comunicação, aqui sintetizada, apresenta uma visão da contribuição aqui omitida, pormenorizada, da Guarnição do Exército do Rio de Janeiro (Corte), Exército com a cooperação da Armada, Polícia e Bombeiros para a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, pela ação decisiva e providencial do marechal Deodoro e mais o concurso expressivo dos Clubes Naval e Militar e da Santa Cruz dos Militares.Assim, podemos afirmar que é da Guarnição Militar da Corte que o apoio, através de Deodoro na proclamação da República, foram concretizados as aspirações e sonhos, então amadurecidos, dos inconfidentes cariocas, mineiros e baianos; dos poetas da Inconfidência; dos libertários nordestinos de 1817 e 1824; da quase maioria dos deputados gerais da Regência; dos rio-grandenses e catarinenses farroupilhas; dos sabinos da Bahia; dos convencionais paulistas de Itú de 1870 e de São Paulo, de 1873; dos vereadores gaúchos, signatários da moção plebiscitária da Câmara de São Borja; dos clubes republicanos; dos abolicionistas e dos militares brasileiros. Em verdade, pelo ideal Republicano-Federativo muitos brasileiros até se imolaram no altar da pátria, desde 1792, inclusive Tiradentes, hoje Patrono Cívico da Nacionalidade. Foi com muita propriedade que o jornal, A Província de São Paulo, assinalou em sua edição do dia seguinte à proclamação da República: “Nunca uma República foi proclamada com tanto brilhantismo e tanta paz.” A Guarnição do Exército do Rio de Janeiro na Proclamação da República Foi decisiva a participação da Guarnição do Exército, sob a liderança do marechal Manoel Deodoro da Fonseca e secundado pelo major Benjamin Constant na revolução republicana de 15 de novembro de 1889, da qual resultou a proclamação da República. É o que veremos na parte a seguir, complementando-a com a participação das Armadas da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, ressaltando também o papel desempenhado pela casa do marechal Deodoro, pelos clubes Militares e Naval e pela Igreja Santa Cruz dos Militares. Abordaremos outras OM da Corte que não tiveram participação direta, ao menos conhecida nas fontes relacionadas ao final. Ao concluir esta parte, terá o leitor uma visão ampla de como se processou, eclodiu e se impôs a República brasileira, de modo incruento, embora sem calor popular, pois tratava-se de uma conspiração, ao contrário da Revolução Francesa, proclamada com muito calor popular, mas ao custo de Um banho de sangue de grandes proporções, que atingiu muitos de seus promotores. Esta é a realidade histórica! Residência do Marechal Deodoro — 1889 Conhecida hoje como Casa de Deodoro, integra o Museu Histórico do Exército. Foi alugada pelo marechal no período 1889-91. Dela, Deodoro saiu na madrugada de 15 de novembro, numa caleça, para liderar os fatos que culminaram com a República, por ele proclamada de fato, ao dominar a situação militar no QG do Exército, pela manhã e, de direito, ao assinar nesta casa, à noite, o Decreto de proclamação da República brasileira. Ela possui grande projeção histórica por haver abrigado entre outras, as seguintes reuniões básicas para a proclamação da República e seu encaminhamento: 4 de novembro de 1889 — Benjamin Constant, Wandenkolk e outros oficiais visitaram Deodoro e o convidaram a aderir à conspiração republicana; 10 de novembro de 1889 — Benjamin Constant visitou Deodoro e comunicou-lhe a decisão do Clube Militar no sentido de apoiar a proclamação da República decidida no dia anterior; 11 de novembro de 1889 46

— Deodoro recebeu em sua casa os líderes republicanos Quintino Bocayuva, Aristides Lobo, Ruy Barbosa e Francisco Glycério, que obtiveram sua adesão à República; 13 de novembro de 1889 — Deodoro recebeu em sua casa o marechal Floriano, ajudante- general do Exército, a quem comunicou estar à frente da sublevação do Exército, contra o Gabinete Ouro Preto; 15 de novembro de 1889 — assinou em sua casa, à noitinha, como Chefe do Governo Provisório e perante seu Ministério, o Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, que rezava: “Art. 19 — Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de Governo da Nação Brasileira — A República Federativa”. Nessa casa teriam lugar a assinatura de outros atos importantes relativos ao ordenamento jurídico da República, como primeira sede do Governo da República, antes do Palácio Itamarati.

Quartel-General do Exército — (QG) No Quartel-General aquartelavam os 1º BI e 10º BI, atuais regimentos Sampaio e Avaí e tinham sede a Secretaria da Guerra, a repartição do ajudante-general e outras repartições. Nela reuniu-se, na madrugada de 15 de novembro, na Secretaria da Guerra, quase todo o Gabinete Ouro Preto, defendido por forças que convocara e dispostas em seu interior e exterior. O 1º BI, nesse dia, estava reduzido a 40 homens por estar dando guarda a diversas repartições. Havia acompanhado expedição comandada por Deodoro em Mato Grosso. O 10º BI, simpático à revolução, fora mandado até a Lapa para conter o avanço da Escola Militar da Praia Vermelha. Deodoro à frente da 2ª Brigada do Exército, com reforços, a dispõe defronte ao QG, em ordem de batalha. Determinou que a Brigada Provisória que defendia o QG se incorporasse ao seu dispositivo, no que foi atendido, como parte do plano revolucionário. Atendeu à direita, incidente envolvendo o Barão de Ladário, ministro da Marinha, que então foi detido e ferido ao reagir. Procurou, através do marechal Floriano, conferenciar com o Visconde de Ouro Preto. Não sendo atendido, por volta das 09 W horas, forçou o portão principal do QG, que foi aberto por guardas do 1º BI. A seguir, precipitou-se através dele, a cavalo e com o boné na mão direita, conforme Rodolfo Bemadelli o imortalizou no óleo original existente no Museu da AMAN. Então ordenou ao 79 BI, que comandara na recente expedição a Mato Grosso, que abrisse o toque a que tinha direito. Um capitão desta unidade deu-lhe um viva que foi respondido por toda a tropa formada no pátio do QG. Aí, segundo Pedro Calmon, repetimos, “Deodoro apoderou-se da situação, conquistou o Governo e passou a presidir o futuro”. Determinou então que a tropa se reunisse no exterior do QG com a 2ª Brigada. Visivelmente abatido, por muito doente desde a véspera, desmontou e subiu até o 2º andar, sobre o portão principal do QG, onde estavam reunidos os seguintes ministros do Gabinete Ouro Preto, na Secretaria de Guerra: Ouro Preto, chefe do gabinete; Visconde de Maracaju, ministro da Guerra; Barão de Loreto, ministro do Império; Cândido de Oli- veira, ministro da Justiça; Lourenço de Albuquerque, ministro da Agricultura e José Francisco Diana, ministro de Estrangeiros. Deodoro, ao penetrar na Secretaria junto com o marechal Floriano, que participava da conspiração, dirigiu-se a seu primo Visconde de Maracaju: — “Adeus primo Rufino”. Depois de áspera discussão com Ouro Preto, declarou que “o Gabinete estava deposto e que todos poderiam ir para suas casas e que seria organizado outro Gabinete com as indicações que iria levar ao Imperador”. A seguir, desceu e colocou-se à frente das tropas para um desfile pela cidade. Em nenhum mo- mento no QG, ele declarou proclamada a República, fato formalizado à noite em sua 47

residência.

2ª Brigada do Exército (2ª Bda Ex) 1º Regimento de Cavalaria (1º RC) Foi o mais envolvido no movimento militar que culminou com a proclamação, em 15 de novembro. Fez a vanguarda da 2ª Brigada do Exército, desde seu quartel, em São Cristóvão, até ela postar-se ao comando de Deodoro, defronte ao QG do Exército. O 1º RC se articulou na ala direita, em coluna, na altura da Escola Rivadávia Correia e com guarda nas ruas laterais ao Campo de Santana, que desembocam defronte ao QG do Exército. O regimento marchou sem a bandeira imperial para o Campo de Santana e foi o que forneceu a montada com a qual o marechal Deodoro teve sua histórica atuação; montada que passou à história com o baio nº 6, base de tradição atual dos comandantes do 1º RCC — os Dragões da Independência, de Brasília, usaram simbolicamente um cavalo baio, como montada oficial privativa. O 1º RCC, em Brasília, foi criado em 13 de maio de 1808, pelo Príncipe D. João, no dia de seu aniversário, com a denominação de 1º Regimento de Cavalaria do Exército. Foi um piquete do 1º RC que reconheceu, na manhã de 15 de novembro, o dispositivo defensivo do QG do Exército.

2º Regimento de Artilharia de Campanha (2º RAC) O 2º RAC teve papel proeminente no conjunto de forças que apoiaram a proclamação da República, pelo marechal Deodoro da Fonseca. Integrando a 2ª Divisão do Exército, formada pelos 1º RC e 9º RC e mais o reforço da Escola Superior de Guerra (ESG), compôs a coluna de cerca de 500 homens que marchou desde São Cristóvão até defronte o QG do Exército, para apoiar o marechal Deodoro na neutralização do Gabinete Ouro Preto ah reunido, bem como as forças que o apoiaram. Suas 16 peças Krupp, as únicas de campanha na Corte, foram decisivas para desestimular qualquer resistência armada do último Gabinete do Império. O 2º RAC aquartelava ao lado do 1º RC (ambos, quartel do atual CPOR/RJ), que também abrigava o 99 RC, recém-chegado de Ouro Preto. Os ânimos no 2º RAC estiveram tensos nos dias 12 e 13 de novembro, pela circulação em seu interior, de edições dos jornais Correio do Povo e Dia, “dizendo da péssima situação que o governo deixara o Exército” e no dia 14, pelo boato que a Unidade seria embarcada para fora do Rio de Janeiro. O regimento, como preparativos do movimento militar, teve de uzinar lanternetas de 8 “para 7 1/2” e pedir ao laboratório Pirotécnico do Campinho o fornecimento de 100 granadas. O 2º RAC foi instalado, em 19 de maio de 1874, no local acima. Originou-se do 19 Batalhão de Artilharia a Pé que atuou na Guerra do Paraguai ao comando, inclusive, do então coronel Manoel Deodoro da Fonseca. É repositório de suas tradições o 1º grupo de Artilharia Alto propulsado da Vila Militar do Rio de Janeiro.

9º Regimento de Cavalaria (9º RC) Havia sido transferido de Ouro Preto, Minas Gerais, em razão de incidentes com a Polícia Militar daquela Província, onde foi substituído pelo 239 BL Seu quartel era o do 1º RC. Participou ativamente do movimento militar de 15 de novembro de 1889. Integrou a coluna de marcha da 2ªBrigada do Exército, a pé e armado de espada, clavina 48

e revólver, protegendo a Artilharia. Formou defronte ao QG do Exército, na manhã de 15 de novembro, entre a ESG, à sua esquerda e uma Companhia da Polícia da Província do Rio de Janeiro. O 9º RC fora criado em 18 de agosto de 1888, em Ouro Preto — MG. Dele se originam, entre outros, os atuais e centenários 17º RC MEC — Regimento Major Solon Ribeiro e o 29 RCC — Regimento Andrade Neves. Toda a oficialidade da 2ª Brigada (1º RC, 2º RAC, 9º RC e reforço da ESG) havia assinado um Pacto de Sangue, em 11 de novembro, “de acompanhar Benjamin Constant em suas deliberações até o terreno da resistência armada”. A 2ª Brigada do Exército foi, sem dúvida, no campo militar, o motor da proclamação da República. A ela pertencia o 1º Batalhão de Engenheiros acantona- dos no Realengo.

Estrutura do Ensino Militar no Rio de Janeiro — 1889 Escola Superior de Guerra (ESG)

Situava-se no local onde aquartela o Batalhão de Guardas, em prédio que pertencia ao Barão de Mauá e fora sede do Arquivo Real Militar. Sua participação foi importante através de seus cerca de 60 alunos, que marcharam desde São Cristóvão até o QG do Exército, integrando a 2ª Brigada. Entre eles os então alferes Rondon e Tasso Fragoso, José Cândido da Silva Muricy e Alberto Cardoso de Aguiar. Esse, atual Patrono dos Bombeiros do Rio de Janeiro. Os integrantes da ESG fizeram a guarda de Benjamin Constant. Formaram depois do 1º RC, o 2º Grupamento de marcha, até o Campo de Santana, onde ocuparam o último lugar na formatura, junto ao Itamarati e ao lado do 9º RC.

A ESG fora criada ainda em 1888. Destinava-se a instruir nos cursos de: Artilharia, de Estado-Maior e Engenharia Militar, os oficiais que mais se haviam distinguido nas escolas militares da Corte, do Rio Grande e Ceará. Ao final do curso, ela conferia o diploma de Engenheiro Militar e de Bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas. Escola Militar da Corte Foi um dos principais focos, junto com a ESG, do republicanismo no Exército. Parte dela marchou, dia 15 de novembro, para o Campo de Santana em apoio ao marechal Deodoro e ao comando do major Marciano de Magalhães, irmão caçula de Benjamin Constant. Marcharam da Praia Vermelha a Botafogo. Daí, à Glória viajaram em bondes. Detidos pelo 10º BI, esse decidiu recolher-se ao Campo de Santana quando informado, falsamente, que a República fora proclamada pelo marechal Deodoro. A Escola Militar incorporou-se às forças da 2ª Brigada postadas frente ao QG do Exército, quando Deodoro, depois de adentrá-lo, recebeu a adesão da tropa em seu interior. A EMC, em 15 de novembro, chamava-se Escola Militar da Corte (1855-89). Fora construída na primeira administração do ministro da Guerra Marquês de Caxias. Sabe-se que na Escola Militar as idéias republicanas prosperaram desde 1874, data em que o seu aluno Hermes Rodrigues da Fonseca já freqüentava o Clube Republicano integrado por alunos da Escola. Eles viam e sonhavam com a República, “com o regime inspirado no interesse coletivo, onde imperasse a mais completa liberdade espiritual, a mais absoluta honestidade e desinteresse no trato da causa pública e no qual só os competentes fossem escolhidos para o exercício de funções sociais”. 49

Escola de Tiro de Campo Grande (ETCG) A Escola de Tiro de Campo Grande complementava a estrutura de ensino do Exército. Destinava-se a aperfeiçoar e a completar a instrução dos oficiais e praças de Infantaria, Cavalaria e Artilharia, egressos das escolas militares, em tiros de Artilharia e de armas portáteis. No ano da proclamação ela funcionou com 45 alunos, dos quais 6 oficiais e 39 praças de pé. Em 1889, a escola estava ao comando do brigadeiro José Simeão de Oliveira que, como major, trouxera a espada do marechal Soiano Lopes desde Cerro Corá até o Imperador, no Rio de Janeiro e como coronel fora aí Secretário do Clube Militar, fundado em 26 de junho de 1886. Atuação dos Batalhões 7º de Infantaria e de Engenheiros 7º Batalhão de Infantaria (7º BI) O 7º BI, que aquartelava nos fundos do Mosteiro de Santo Antônio, teve papel importante na proclamação da República. Havia chegado, em 2 de março de 1889, junto com os 1º BI e 24º BI de expedição ao Mato Grosso, ao comando do marechal Deodoro e gozava da confiança do mesmo, sendo favorável à revolução republicana. Em 15 de novembro, uma de suas companhias fora destacada para o Mono do Castelo para proteger o Arsenal de Guerra e também o Hospital Militar da Corte. Ela cumpriu a importante função tática de ficar em condições de impedir o desembarque do 1º Batalhão de Artilharia de Posição da Fortaleza de Santa Cruz, na Praia do Arsenal de Guerra, para apanhar peças de Artilharia para Inzer frente às tropas da 2ª Brigada do Exército. O restante do Batalhão, numerando 120 homens, foi convocado para ocupar o pátio do QG do Exército, para nele defender o Gabinete Ouro Preto ameaçado por tropas ao Comando de Deodoro. Na manhã e tarde de 14 de novembro, o 7º BI foi agitado pela notícia de que seria embarcado para fora do Rio. A notícia de que o levante militar rua na manhã de 15 de novembro foi-lhe comunicada pelos alferes Augusto lusso Fragoso e Cândido Mariano Rondon, alunos diletos de Benjamin Constante e por ele enviados naquela missão. Quando Deodoro penetrou impetuosamente no pátio do QG, através de seu portão principal, defronte ao atual Panteon que guarda os restos mortais do Duque de Caxias, foi a banda do 7º BI que deu o toque a que linha direito e um capitão seu que logo a seguir deu um brado, viva o marechal Deodoro da Fonseca, que foi respondido por toda a tropa do pátio, significando, assim, a adesão ao velho marechal. O 7º BI, no início do século, foi incorporado ao atual Regimento Sampaio, que hoje guarda as suas tradições. Assim, foi o Sampaio a única tropa de Infantaria a apoiar Deodoro no interior do QG do Exército, em 15 de novembro de 1889. No Mosteiro de Santo Antônio acha-se guardado o altar de campanha do Duque de Caxias, onde freqüentemente, como cristão de fé robusta, assistia às missas. Batalhão de Engenharia (BE) Aquartelava provisoriamente no prédio que serviria mais tarde (IH11-44) de Escola Militar, no Realengo. O Gabinete Ouro Preto “providenciou para que o Batalhão se deslocasse do longínquo Realengo do Campo Grande. Ele integrava a 2ª Brigada do Exército. Sabe-se, hoje, que o BE foi atingido pela conspiração. Elementos seus, destacados na Escola da Praia Vermelha, a acompanharam até o Campo de Santana. Em 6 de novembro de 1889, seu comandante tornou público, em ordem interna , “a tomada 50

de providência para evitar que suas praças tomassem parte em reuniões suspeitas”. Era a conspiração republicana em marcha Uma de sua companhias tomava conta da Escola de Tiro de Campo Guinde, ao lado. O Batalhão de Engenheiros fora criado em 23 de janeiro de 1853. O guardião de História e Tradições do Batalhão de Engenheiros o atual Batalhão Villagran Cabrita, aquartelado em Santa Cruz — RJ. Fortalezas da Barra do Rio de Janeiro — 1889 Fortaleza de Santa Cruz — 1889 O Gabinete Ouro Preto fez de tudo para contar a seu favor, para enfrentar o movimento militar que culminou com a República, com o 1º Batalhão de Artilharia de Posição (1º B Art Pos), que guarnecia a Fortaleza de Santa Cruz. Planejava o Gabinete Ouro Preto atravessar a Guanabara com o 1ºB Art Pos, desembarcá-lo na Praia do Arsenal de Guerra e equipar-se com onze canhões Krupp e seis Whithworth ali depositados. O Batalhão não chegou a mover-se da Fortaleza. E, se o fizesse, teria dificuldades ou impossibilidade de desembarcar no Arsenal de Guerra, dominado por uma companhia do 7º BI, em posição no Morro do Castelo. A Fortaleza aderiu ao movimento que proclamou a República. A Fortaleza de Santa Cruz é a fortificação brasileira mais majestosa e bela e a que mais lutou e a mais respeitada pelo seu grande poder de fogo e muito vantajosa posição. Sua origem remonta a 1555, quando a posição foi fortificada por Vülegaignon. Atualmente, a Fortaleza de Santa Cruz, com forte apelo e interesse turístico, presta relevante apoio ao Exército, como Quartel-General da Brigada de Artilharia de Costa e Antiaérea, solução que concilia de forma notável a necessidade de sua preservação como monumento arquitetônico de rara beleza e valor.

Fortaleza de São João A Fortaleza de São João aquartelava, em 15 de novembro de 1889, a Escola de aprendizes de Artífices Artilheiros, que recebeu ordens de deslocar 100 homens para o QG do Exército, o que efetivamente não se verificou. Aderiu a tropa à República, tão logo soube de sua proclamação. Também nela aquartelava uma bateria do 19 Batalhão de Artilharia de Posição. Nessa Fortaleza funcionava, em 1889, a mencionada Escola destinada a formar chefes de peças e artilheiros para todas as Unidades de Artilharia do Exército, cujo comandante geral era o Conde D’Eu. Em 1889, no ensino prático e teórico, a escola teve 930 aprovações e 159 reprovações. O local da Fortaleza foi berço da cidade do Rio de Janeiro e local da morte e sepultamento de seu fundador, Estácio de Sá. Nela funcionou, em 1855-56, provisoriamente, a Escola Militar, antes de ser construída na Praia Vermelha. Em seu perímetro original, funcionam a Escola Superior de Guerra e a Escola de Educação Física do Exército. Estrutura de Apoio em Material Bélico — 1889 Fábrica de Armas da Conceição Situa-se onde hoje aquartela a 5ª Divisão de Levantamento, no Morro da Conceição, em dependências da Fortaleza da Conceição, construída por volta de 1715, para a defesa do Porto do Rio de Janeiro. No local, Duguay Trouin havia instalado uma 51

bateria, em 1711. A Fábrica de Armas surgiu independente do Arsenal de Guerra da Corte, em 30 de fevereiro de 1885 e da 3? Seção do mesmo, e como oficina dos espingardeiros. Não teve ação digna de nota na proclamação da República. Em 1889, ela havia consertado 553 armas portáteis; fabricado 5.230 peças de armas e executado 4.229 modificações em carabinas Comblain. Nos idos de 1791, serviu de prisão aos inconfidentes Tomaz Antônio Gonzaga e José Maciel. Arsenal de Guerra da Corte Situava-se na área onde, desde 1922, foi erigido o edifício do Museu Histórico Nacional. Ele, junto com os arsenais de Guerra da Bahia, de Pernambuco, do Pará, do Rio Grande do Sul e Mato Grosso compunham parte do apoio logístico ao Exército brasileiro, particularmente na parte de Armamento. De seu interior, em 15 de novembro, saiu uma tropa com o propósito de defender a Monarquia, mas que logo aderiu à República. Sua famosa banda le menores aprendizes animou o histórico baile da Ilha Fiscal, em 9 de novembro, em frente ao velho Arsenal. Ele foi erigido, em 1762, como Casa do Trem e ganhou impulso com o Conde da Cunha, 1ª Vice-Rei, no Rio de Janeiro. Em 1889, o Arsenal de Guerra contava com 116 menores pobres aprendizes e com 106 artífices militares. O Arsenal, depois de mais de dois séculos e meio no endereço citado, transferiu-se para modernas e amplas instalações na ponta do Caju, onde se encontra até hoje.

Laboratório Pirotécnico do Campinho (1863-1900) Ao Laboratório Pirotécnico do Campinho coube o encargo de fornecer algumas granadas ao 2º Regimento de Artilharia de Campanha (2º RAC), com vistas ao movimento que culminou na proclamação da República. O laboratório fora instalado em Campinho com o nome de Fábrica de Munições e Petrechos (1851-63), no interior do perímetro do forte de Nossa Senhora do Campinho, erigido em 1822, sobre ruínas de fortins erigidos em l no estratégico local do aquartelamento atual do 159 RC Mec. O Laboratório Pirotécnico prestou relevante apoio logístico específico às forças do Exército na Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai, (1865-70). Em 1889, o Laboratório preparou as munições e artifícios de guerra destinados às unidades e fortalezas do Exército. O trabalho noturno era apoiado por instalações elétricas, à base de lâmpadas incandescentes de corrente contínua, recém-inauguradas. À essa estrutura de Material Bélico comunicou-se o desgosto que lavrara na tropa do Exército, em razão de seus armamentos e cavalos serem utilizados para o treinamento da Guarda Nacional, “visando-se, com isso, substituí-la pelo Exército na segurança da Corte”, com o esfriamento da Questão Militar, ainda latente.

Estrutura Assistencial do Exército - 1889 Asilo dos Inválidos da Pátria da Ilha do Bom Jesus (1868-1976) O Asilo não teve atuação digna de nota na proclamação da República. Nesse dia, nele aquartelava o 249 BI que fora organizado com companhias extintas do 10º BI e que 52

não poderia atuar por estar isolado na ilha do Bom Jesus, necessitando, para atingir o continente, de lanchas e batelões e, assim, atuar contra as forças que apoiaram Deodoro na proclamação da República. Não atuaram também os 22ª e o 23º BI organizados com companhias extintas, respectivamente, dos 1º BI e 7ª BI, formadores do atual Sampaio. O 22ª BI foi enviado para a Província do Amazonas, dentro de uma política de esvaziamento do Rio de Janeiro. Era favorável à República. Foi aconselhado a embarcar, sem reação, para não denunciar a conspiração republicana. O 23º BI, também favorável a Deodoro, fora enviado para Ouro Preto, poucos dias antes de 15 de novembro, para substituir o 9º RC que vinha tendo incidentes com a força policial de Minas Gerais. O Asilo dos Inválidos da Pátria, extinto em 10 de junho de 1976, fora fundado em 29 de agosto de 1868, depois de diversas tentativas de criar-se um Asilo “onde os militares de terra e mar, inutilizados no serviço da Pátria, fossem recolhidos ao abrigo da miséria e principalmente os que, na guerra, adquiriram lesões que os impossibilitaram para o trabalho”. O Asilo foi inaugurado em 29 de julho de 1868, nos edifícios que hoje abrigam a Companhia de Comando e Serviços da 1º Região Militar — Mar. Hermes Rodrigues da Fonseca. Em sua capela foram depositados, em dezembro de 1869, com a presença do Imperador e altas patentes do Exército e da Armada, os restos mortais do Brigadeiro Antônio de Sampaio, até seguirem para o Ceará. Nela descansaram, de 16 de novembro de 1879, até 3 de dezembro de 1887, os restos mortais do marechal- de -Exército Manoel Luiz Osório, até serem transferidos para a Santa Cruz dos Militares.

Imperial Colégio Militar Não teve atuação digna de nota na proclamação da República. Guarda, em seu arquivo histórico, carta do marechal Deodoro comunicando-lhe a proclamação. O Colégio Militar foi criado em 6 de maio de 1889 (Dec. 12.202) e inaugurado em 16 de abril de 1889. Segundo o seu criador, o conselheiro Thomaz Coelho, em seu relatório de 1889, como ministro da Guerra, o Colégio Militar foi criado “no intuito de proporcionar aos filhos de militares ou àqueles que desejam seguir a carreira das armas, os meios de receberem instruções que em poucos anos lhes abra as portas das Escolas Militares do Império” (da Corte, do Rio Grande do Sul e do Ceará). Os recursos para aquisição do majestoso edifício inicial do Colégio Militar foram fornecidos pelo Conselho do Patrimônio do Asilo de Inválidos da Pátria, que continuou a concorrer para a manutenção do Colégio com as obras do rendimento do Patrimônio do citado Asilo. Hoje, exatamente quando completa um século, passou a admitir meninas como suas alunas, por certo um ponto de inflexão expressivo em sua brilhante e benemérita trajetória e, talvez, uma abertura para que no futuro de igual modo que em West Point, brasileiras venham a freqüentar a Academia Militar das Agulhas Negras.( Previsão que se confirmou em 2018 com o ingresso na AMAN de 33 cadetes femininas pioneiras)

Infra- Estrutura de Saúde do Rio de Janeiro — 1889 Hospital Militar da Guarnição da Corte Não teve participação digna de nota na proclamação da República, embora ela tenha aderido sem contestação. Mas existem evidências que seu pessoal militar era simpático à revolução republicana. O Hospital Militar instalou se no Morro do Castelo, em 1769, com o nome de Hospital Real e Militar de Ultramar. Nele, D. João fundou no Brasil, 53

em 2 de abril de 1808, o ensino médico no Rio de Janeiro, com o curso de “ligaduras, cortes e operações de cirurgia”. Em 12 de abril de 1808 e 20 de setembro de 1808, foram introduzidos os cursos de “Terapêutica Cirúrgica e Particular e o de Medicina Teórica e Prática”. Esses cursos passaram a comportar a Academia Médico- Cirúrgica, criada em 1813 e transferida para a Santa Casa de Misericórdia, tendo, após, funcionado no Hospital Militar (1844-50). Nele foi aplicada, em 1847, a primeira anestesia a éter no Brasil. O Hospital, em 1889, tratou 4.003 pacientes, dos quais 3.714 foram curados, 35 transferidos, 76 faleceram e 178 permaneceram internados.

Enfermaria do Andaraí Instalada em 19 de fevereiro de 1867, destinada a convalescentes, como dependência do Hospital Militar e durante e após a Guerra da Tríplice Aliança, quando tomou grande desenvolvimento. Situava-se onde hoje está instalado o 1º Batalhão de Polícia do Exército. O antigo Hospital do Andaraí, com 10 edificações, ocupava em 1889 área de 167m de lado, pela Barão de Mesquita.

Laboratório Químico-Farmacêutico Militar (LQFM) Ocupava, desde 1878, um sobrado antigo da rua Evaristo da Veiga, 95. Fora criado pelo ministro da Guerra, Duque de Caxias, em dezembro de 1877, anexo ao Hospital Militar no Morro do Castelo. Em 1889, era dirigido pelo tenente Dr. Augusto Cézar Diogo, farmacêutico militar, formado pela Faculdade de Farmácia de Ouro Preto e que esteve à frente do estabelecimento por 14 anos, até 1901. O Laboratório conquistou para o Exército, a Medalha do Progresso, na Exposição Nacional de 1875 e o Diploma de Honra na Exposição Científica do Rio de Janeiro de 1884. O Laboratório Químico- Farmacêutico Militar deu origem ao atual Laboratório Químico-Farmacêutico do Exército, que possui suas raízes na botica do Hospital Militar da Corte, depois transformado em Laboratório Químico-Farmacêutico, ainda dependente daquela Casa da Farmácia Militar até 5 de fevereiro de 1887. Em 1889, o Laboratório aviou 8.451 receitas e fez 115 suprimentos a outras enfermarias e unidades do Exército. Essa estrutura de saúde foi a que apoiou, inclusive, o marechal Deodoro, através de seu irmão, coronel Dr. João Severiano da Fonseca, atual Patrono do Serviço de Saúde do Exército, antes, no dia e após a proclamação da República. Pois sabe-se, segundo o citado Gen. Alberto, que no dia 14 de novembro, Deodoro foi acometido mais uma vez de violento “ataque de asma brônquica”, que quase o levou à morte, obrigando-o a recolher-se e passar até às 2230 horas da noite de 14/15 de novembro, na casa do seu irmão, Dr. Severiano, no Andaraí. E foi atacado por esse mal que Deodoro, num esforço sobre-humano de superação da doença, atuou decisivamente em 15 de novembro. Recorde-se que nesse dia, Deodoro, minado por doença desde a Guerra do Paraguai, levantou-se da cama em sua casa, fardou-se de marechal e embarcou sem espada numa caleça, levando seus arreios até encontrar-se com a 2? Brigada na altura da Companhia Estadual de Gás e montar, próximo à Casa da Moeda, o seu cavalo para o seu grande encontro com a História, sem decepcionar, pela doença, seus irmãos de armas do Exército, Armada, Polícia e Bombeiros. 54

Associação de Militares do Exército e Marinha Clube Militar O Clube Militar, à rua do Ouvidor 155, integrado por oficiais da Armada e do Exército, teve papel decisivo no movimento que culminou com a República, proclamada por seu presidente, o marechal Deodoro. Em reunião de 9 de novembro de 1889, com 116 sócios, sob a presidência do tenente-coronel Benjamin Constant, por estar doente o marechal Deodoro, “a Assembléia conferiu-lhe poderes para atuar junto ao Governo no sentido de pôr fim à reação contra o Exército, levando o problema até as últimas consequências.” Em sessão anterior, do dia 5, foram admitidos no Clube Militar os principais oficiais envolvidos na conspiração republicana. Para darem força às deliberações, oficiais que participaram da Assembléia e integrantes da 2? Brigada do Exército (1º RC, 1º RC e 2º RAC) e mais alunos da Escola Superior de Guerra firmaram pactos de sangue, em 14 de novembro, em apoio, sem reservas, a Benjamin Constant, para lutarem “contra o espezinhamento e aniquilamento do Exército”. Esse estado de ânimo foi exacerbado com boatos, como esse, às vésperas de 15 de novembro, do major Solon Ribeiro, na rua do Ouvidor de que “o governo acabava de resolver, não só o embarque de várias unidades sediadas no Rio de Janeiro para diversos pontos do Brasil, bem como a prisão do marechal Deodoro e de Benjamin Constant, dirigentes mais importantes do Clube Militar”. O Clube Militar foi fundado, em 26 de junho de 1887, sob a Presidência do Marechal Deodoro, como dasaguadoro da Questão Militar (1881-87). Quatro meses depois ele assinou petição à Princesa Izabel pedindo para liberar o Exército do encargo da captura de escravos fugidos, fato decisivo para a Abolição, em 13 de maio de 1888. Os dois citados dirigentes do Clube Militar foram decisivos na proclamação e no encaminhamento do regime republicano. Ruy Barbosa, mais tarde, em 1922, disse que do Clube Militar saíram a Abolição e a República.E de fato foi isto que ocorreu e hoje pode se considerar o Clube Militar como a Casa da Abolição e da Republica.

Irmandade de Santa Cruz dos Militares Os irmãos militares dessa Irmandade da Marinha e do Exército tiveram papel expressivo na conspiração. Por essa razão, as tropas ao comando de Deodoro a incluíram no seu roteiro, após a deposição do Gabinete no QG do Exército, ao desfilarem à sua frente, depois de fazerem o mesmo em relação aos clubes Naval e Militar.

Em 1881, os oficiais do Exército e Armada fundaram um Diretório Militar que se reunia no consistório da Igreja. Dele participavam Deodoro e outros oficiais, segundo Garcez Palha. Eles objetivavam obter solução para os problemas sociais e profissionais que afligiam a classe e que não eram atendidos pelo governo, elegendo militares deputados. Não tiveram acolhida no eleitorado. Antes da fundação dos clubes, era na Irmandade que se reuniam grupos de conspiradores republicanos. Esse fato se repetiria na Revolução de 1930. A igreja se origina de capela erigida em 1623, no local do forte de Santa Cruz construído em 1585, e destinada ao sepultamento de militares. Situa-se a rua 19 de Março 36, homenagem ao dia 19 de março de 1870, que assinalou o fim da Guerra do Paraguai, após a qual o Duque de Caxias foi seu provedor e 55

teve de pacificar parcialmente uma crise, entre a devoção da Piedade e a Irmandade, proveniente da provedoria anterior, e que envolvia em seu bojo, o Imperador e a Imperatriz.

Clube Naval A conspiração republicana teve curso entre oficiais da Armada no âmbito do Clube Militar, sob a liderança do chefe de Divisão Eduardo Wandenkolk. Benjamin Constant conspirou no Clube Naval, em 14 de novembro à noite. No dia 15, pela madrugada, despachou a cavalo os alferes- alunos Tasso Fragoso e Cândido Rondon, com a senha “Roma” e mensagem que foi entregue ao Clube Naval, onde se reuniam secretamente líderes da conspiração na Armada. Mensagem “dizendo esperar todo o patriótico concurso da Armada, para proteger o desembarque dos fuzileiros navais”. A resposta foi positiva! Ele abrigou, em 26 de junho de 1888, a fundação do Clube Militar. D. Pedro II era Presidente de Honra do Clube. Em 17 de dezembro, foi destituído respeitosamente dessa condição e seu retrato destinado à Biblioteca do Clube, “como homenagem e sinal de lembrança por estar seu nome gravado no coração dos brasileiros”.

Participação da Armada na Proclamação da República Ministério da Marinha Os acontecimentos não o envolveram diretamente. Apenas seu titular, o Barão de Ladário, quando se encaminhava pela 3ª vez para a reunião do Gabinete Ouro Preto, no QG do Exército. Percebido por Deodoro, esse mandou seu ajudante- de- ordens detê- lo. O Barão de Ladário reagiu corajosamente. Acionando uma pistola de dois canos, desferiu um tiro no ajudante- de- ordens e outro em Deodoro, errando ambos. Houve reação e ele foi ferido a bala. Não foi morto por ordem de Deodoro — “Não atirem nesse homem” O Barão foi medicado no hoje Palácio do Itamarati. Mais tarde, com grande senso de humor, comentava a sua má pontaria. O 1º Ten. Raul Atto comandou um grupo de aspirantes da Escola Naval da Ilha das Enxadas, que juntou-se a seus colegas da Escola Superior de Guerra, no Campo de Santana. Foi o tenente da Armada José Augusto de Vinhaes que, por ordem de Deodoro, tomou conta do Telégrafo, no atual Paço da Cidade. Na Escola Naval alguns professores haviam criado simpatia à República entre os aspirantes. A data de 15 de novembro só foi decidida pelos líderes Deodoro e Quintino Bocayuva, depois de Benjamin Constant a haver combinado na noite de 14 de novembro, “com seus amigos do Clube Naval”. Na manhã de 15 de novembro, a canhoneira “Carioca” navegava entre o Arsenal e a Ilha das Cobras, protegendo o desembarque dos fuzileiros e marinheiros. Foi o 1º tenente João da Silva Retumba, bibliotecário do Clube Naval, que comandou as metralhadoras que dominavam a entrada do QG do Exército e que aderiu a Deodoro. A República foi feita com o concurso efetivo da Armada, circunstância que Benjamin Constant sempre enfatizava, no ato de deposição do Gabinete Ouro Preto, por Deodoro, no QG do Exército. 56

Arsenal de Marinha Situava-se onde hoje está instalado o 1º Distrito Naval. Na madrugada de 14/15 de novembro, foi nele que se instalou mais da metade do Gabinete Ouro Preto. Foi junto ao seu histórico portão que terminou o desfile das tropas do Exército, Armada, Polícia e Bombeiros que, no QG do Exército, apoiaram a deposição do Gabinete Ouro Preto. Desfile ao comando de Deodoro, que percorreu as ruas da Constituição — Largo do Roscio (sede do Clube Naval) — rua do Ouvidor (sede do Clube Militar) - rua 19 de Março (sede da Igreja Santa Cruz dos Militares), até fazer alto na altura do Arsenal de Marinha. Aí, Deodoro desceu do seu cavalo baio nº 6 e adentrou o portão do Arsenal e sob ele abraçou cordialmente o Barão de Santa Marta, ajudante- general da Armada, e os chefes de Divisão Wandenkolk e Foster Vidal, diretor do Arsenal. Era a adesão oficial da Armada. Ali, Deodoro fez entrega solene ao Barão de Santa Marta dos Fuzileiros Navais e Imperiais Marinheiros. A seguir, a tropa desceu a rua Mar. Floriano até o Campo de Santana, onde foi liberada a destinos. Deodoro recolheu-se à sua casa, muito doente, às 1400 horas. “Do desfile participaram lideranças republicanas civis que bradavam vivas à República e que eram secundados pela grande massa popular que se havia reunido nos flancos da coluna de marcha”, segundo o repórter Ernesto Sena. Na rua do Ouvidor a tropa fez alto defronte os jornais Diário de Notícias, Cidade do Rio e Gazeta de Notícias, para ouvir homenagens, através de discursos de Aristides Lobo, Silva Jardim, José do Patrocínio e outros. Não existem fotos desses momentos históricos.

Batalhão Naval (Fuzileiros Navais) — 1889 Os atuais Fuzileiros Navais — em 15 de novembro, com a denominação de Batalhão Naval —, haviam saído de sua histórica caserna na Fortaleza de São José na Ilha das Cobras. Depois de desembarcarem às 05:00 horas da manhã no Arsenal de Guerra, marcharam para o Campo de Santana, para cooperar na defesa do QG do Exército onde se reunia, na Secretaria de Guerra, o Gabinete Ouro Preto. Foi incorporado à 1ª Brigada Provisória do Exército. Eles tomaram posição defensiva defronte e junto ao QG, ao lado do Portão Principal, para o lado da Central do Brasil. Aderiram à tropa comandada pelo marechal Deodoro, tão logo deu-se a adesão ao mesmo, previamente combinada, de seu comandante-general Almeida Barreto. A partir desse momento ela apoiou Deodoro, inclusive no momento mais crítico, quando ele precipitou-se a cavalo, através do Portão Principal e temerariamente adentrou o pátio do QG, logo a seguir, receberia a adesão de toda a tropa, que passou em revista. O Batalhão Naval incorporou- se às forças sob o comando do marechal Deodoro, que depois de depor o Gabinete Ouro Preto, desfilou pela cidade com toda a tropa que o apoiava, indo até o Portão do Arsenal de Marinha, onde deu-se, em presença do ajudante-general e outros oficiais da Armada que apoiaram o movimento republicano, a desincorporação dos Fuzileiros Navais, em meio a tocante solenidade. Dali eles voltaram para seu quartel na Ilha das Cobras, que já ocupavam fazia 80 anos.

Corpo de Imperiais Marinheiros — 1889 Para atender o QG do Exército onde, na madrugada de 15 de novembro, estava reunido o Gabinete Ouro Preto, foram convocados também os Imperiais Marinheiros aquartelados na ilha de Villegaignon, atual Escola Naval. Eles ocupavam 57

espaço entre o QG do Exército e a Estação Ferroviária, com a frente voltada para tropa da 2ª Brigada do Exército ao comando do marechal Deodoro. Outro pequeno grupo guarneceu as metralhadoras do interior do pátio do QG do Exército, que dominavam a entrada do Portão Principal do mesmo QG, na altura do Panteon atual. Finalmente outro grupamento mais numeroso de marinheiros formou no interior do quartel à esquerda e no meio do pátio de quem entra, e atrás do 7º BI. Os marinheiros do lado externo, integrantes da Brigada Provisória, logo confraternizaram com as tropas do marechal Deodoro. Os que guarneciam as metralhadoras não atiraram quando aberto o portão do QG pelo 1º BI, e o marechal Deodoro precipitou-se através dele, a cavalo, sem espada e com o quepe na mão direita. Os marinheiros que formavam no pátio logo começaram a obedecer as ordens de Deodoro, terminando por prestar-lhe honras de estilo, junto com as demais que formavam no interior do pátio. O Corpo de Marinheiros, a partir daí, passou a apoiar o marechal Deodoro, inclusive no ato principal — a deposição do Gabinete Ouro Preto, que logo a seguir teve lugar. O Corpo de Marinheiros formou depois com as demais tropas e com elas marchou triunfalmente pelas ruas do Rio de Janeiro até ser desincorporado por Deodoro e entregue simbolicamente ao ajudante-general da Armada, Barão de Santa Marta, junto ao portão principal do Arsenal da Marinha.

Corpos de Polida e de Bombeiros do Rio de Janeiro — 1889 Corpo Militar de Polícia da Corte Na madrugada de 15 de novembro, o Corpo Militar de Polícia da Corte, atendendo à convocação do Gabinete Ouro Preto, deslocou-se de seus quartéis às ruas Evaristo da Veiga (Infantaria) e Estácio de Sá (Cavalaria) e passaram a integrar a 1ª Brigada Provisória, tendo tomado posição defensiva no QG do Exército, entre este e a Estação Ferroviária. Parte da Infantaria ocupou o fundo do pátio do QG, à esquerda do portão principal, do lado da Central do Brasil. Os contingentes externos logo aderiram a Deodoro, integrando a 1ª Divisão Provisória, obedecendo ordens do mesmo para entrar na formatura da 2ª Brigada do Exército. No interior do pátio do QG do Exército os policiais aderiram ao movimento, tão logo Deodoro penetrou a cavalo no interior do QG. Toda a Polícia da Corte aderiu a Deodoro a tempo de apoiá-lo na derrubada do Gabinete Ouro Preto, que teve lugar no 2º pavimento, na Secretaria da Guerra, sob o portão principal, então no alinhamento do Panteon. O Corpo de Polícia em tela se originava de Divisão da Guarda Real da Polícia do Rio de Janeiro, criada em 13 de março de 1809, pelo Príncipe Regente D. João.

Corpo Policial da Província do Rio de Janeiro Forneceu um contingente de 100 homens que se foi postar em apoio ao marechal Deodoro, defronte ao QG do Exército, entre o 9º RC e uma Guarda do 7º BI. Foi a única força militar a colocar-se desde o início, francamente, ao serviço do movimento militar, do qual resultou a proclamação da República. 58

Corpo Provisório de Bombeiros da Corte - 1856-83 Em 15 de novembro de 1889, o Gabinete Ouro Preto convocou o Corpo Provisório de Bombeiros da Corte para defender sua reunião no QG do Exército. O Corpo marchou a pé, de seu quartel no Campo de Santana, inaugurado em 1864, onde foi erigido o atual, em 1904. Seu contingente era diminuto e ocupou o fundo do pátio do QG, em paralelo a rua Marcílio Dias. Ele aderiu ao Mal. Deodoro em tempo para apoiá-lo, na deposição do Gabinete Ouro Preto. Depois, participou da marcha pelas ruas da cidade com as demais tropas, até ser liberado, já com a coluna de marcha no Campo de Santana. O Corpo de Bombeiros havia recepcionado em seu quartel, em 8 de novembro, no dia anterior ao Baile da Ilha Fiscal e reunião decisiva do Clube Militar pró-proclamação da República, a oficialidade chilena do navio de guerra “Almirante Cochrane”, que testemunhou o ocaso do Império do Brasil.

Fontes Consultadas Principais fontes consultadas que encaminham o leitor para outras fontes relacionadas com o assunto, caso deseje ampliar seus conhecimentos sobre os temas: ANFÍBIO HISTÓRICO. Fuzileiros Navais 180 anos. Edição Especial, março, 1988. — ASILO DOS INVÁLIDOS DA PÁTRIA. Livro Histórico, 1927-76. Fundado em 28 de julho de 1969 e extinto em 10 de junho de 1976 (Existente no Arquivo Histórico do Exército). BENTO, Cláudio Moreira, Cel. 1º RCG — Uma testemunha dos grandes momentos de nossa História. Revista Militar Brasileira. nº 102, janeiro/junho, 1972, p p. 105-112. _____.Cel. José Simeão de Oliveira, 1º Secretário do Clube Militar. Revista do Clube Militar. Nº 280, 1987, pp. 26-7. _____; Mar. Deodoro estado de saúde, ações e objetivos, em 15 de novembro de 1889 (Estudo existente no Arquivo Histórico do Exército). _____. Quartéis-Generais das Forças Armadas. Rio, FHE - POUPEX, 1988 (Original ampliado no IHGB e Arquivo Histórico do Exército). _____ Marechal Deodoro da Fonseca. Revista do Clube Militar, nº 281,1987. BEZERRA, Eduardo. Santa Cruz dos Militares. Rio, P. Mendes, 1927. BOITEUX, Lucas Alexandre. CMG. Corpo de Marinheiros Nacionais, in: Subsídios para a História Marítima do Brasil. Rio, Imp. Nac. 1939, v. 2, pp. BUARQUE, Felício. Origens republicanas. Recife, 1894. CÂMARA DOS DEPUTADOS. O Ministério Ouro Preto e a República, in: Perfis Parlamentares. Silveira Martins. Brasília, 1979, pp. 77-84. COELHO, Edmundo Campos. Em busca da Identidade. O Exército e a Política na Sociedade Brasileira. Rio, Forense, 1976. COELHO, Thomaz. Relatório do Ministro da Guerra. Rio, Imp. Nac. 1889. COLÉGIO MILITAR - RIO DE JANEIRO - BRASIL. Paris, ed. Lavollois, 1906 (Álbum ilustrado). CONSTANT NETO, Benjamin Constant. Rio, Leuzinger, 1940. CUNHA, Epaminondas Ferraz. O Exército no dia 15 de novembro, 1889. A Defesa 59

Nacional. Nº 635, 1970. DEODORO E A VERDADE HISTÓRICA. Rio, Imp. Nac. 1937. DÓRIA, Escrangnolle. O antigo Arsenal de Guerra. Eu sei Tudo, 1921 (4.ilustradas). EDMUNDO, Luiz. Como se fez a República, in: A República Brasileira.Rio, BIBLIEX, 1934, pp. 142-178. ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO: O Exército e a República, in:História do Exército Brasileiro. Rio, Sergraf. — IBGE, 1972, v. 2, pp. 767-91. FRAGOSO, Augusto Tasso, Gen. Resolvendo o passado. Jornal Commércio. Rio de Janeiro, 1940. FONSECA, Clodoaldo. Deodoro e Ouro Preto, in: Deodoro verdade histórica. Rio, Imp. Nac., 1937, pp. 109-164. GUIMARÃES, Tiago. Como se fez a República, um interwiew com o general Quintino Bocayuva. in: Idéias políticas de Quintino Bocayuva. Brasília, Senado e Casa Ruy Barbosa, 1986. v. 1, pp. 640-46 (textos selecionados por Eduardo Silva). IMPRENSA NACIONAL. O Soldado, in: Deodoro e a verdade histórica. Rio, Imp. Nac., pp. 29-71. JARDIM, Antônio da Silva. Propaganda republicana. Rio, Casa Ruy Barbosa, 1978. JORNAL DO COMMÉRCIO DE SÃO PAULO. 15 de novembro, Reminiscências e restituições históricas, São Paulo, 17 de dezembro, 1963 (Entrevista do Visconde de Ouro Preto). LACOMBE, Américo Jacobina. A Questão Militar e fontes Históricas da República. Revista do Clube Militar. Nº 280, 1987. MIRANDA, Reginaldo Moreira de. Um grave incidente na Questão Militar. Letras em Marcha. Novembro, 1988, p. 9. MIRANDA, Salm de, Gen. Floriano e a conspiração republicana e o 15 de novembro, in: Floriano. Rio, BIBLIEX, pp. 94-128. MOREIRA, Ilha, Mar. Deodoro magnânimo, in: Deodoro e a verdade histórica. Rio, Imp. Nac., 1937, pp. 91-8. (Atribui a Deodoro a frase, em 13 de novembro: “A República é a nossa única saída, é a salvação do Exército”). OLIVÉRIO, Luiz Maria de Mello. Estudo sobre armas de fogo portáteis ou Catecismo do atirador. Rio, Tip. da Escola de Serafim José Alves, rua 7 de setembro, 1880. (Subsídios Laboratório Pirotécnico e Escola de Tiro do Exército).PMESP. Policia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Rio, Jotaneri, 1989. PONDÉ, Francisco de Paula e Azevedo, Gen. Defesa do porto da cidade do Rio de Janeiro. Rio, Imp. Ex., 1976. PRADO, Francisco Silveira do, Gen. A Guarda Policial Fluminense. Rio, Imprensa do Ex., 1975. REGIMENTO DE CAVALARIA MECANIZADO 15? HISTÓRICO. Rio, Imp. Naval, 1983. REPÚBLICA BRASILEIRA. Rio, BIBLIEX, 1939. REVISTA DO CLUBE MILITAR, nº 280, 1984. (Edições históricas comemorativas do centenário do Clube). SENA, Davis Ribeiro, Cel. 17º RC. Mec. — Um regimento de glórias. Revista do Exército. Nº 2, abril/junho, 1988, pp. 50-53. SILVA, Alberto Martins, Gen. Abolição — A galharda atuação do Exército. Revista do Exército Brasileiro, v. 125, n9 2, ;abril/junho, 1988, pp. 23-88. SOUZA, Luiz de Castro. HCE — Berço do ensino médico. (Discurso no HCE, em 23 de agosto de 1985, no Arq. Hist. Ex.).* 60

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GENERALISSIMO MANOEL DEODORO DA FONSECA

6 - MARECHAL DE CAMPO MANOEL DEODORO DA FONSECA. ESTADO DE SAÚDE, AÇÕES E OBJETIVOS POLÍTICOS NO DIA 15 DE NOVEMBRO DE 1889

Cel Cláudio Moreira Bento

A idéia popular dominante sobre a proclamação da República é que ela teve lugar depois da entrada do marechal Manoel Deodoro da Fonseca no interior do Quartel- General do Exército, no local do atual Palácio Duque de Caxias. Esse, às ordens diretas do marechal Floriano Peixoto, ajudante-general do Exército. Nessa ocasião, depois de dominada a situação, Deodoro, para alguns, teria proclamado a República, ao viva-la tão logo transpôs a porta principal do Quartel-General, conforme cena imortalizada por Henrique Bernardelli — em quadro — proclamação da República, cujo original está na AMAN. No entanto, recorrendo-se às poucas testemunhas disponíveis sobre o assunto, a idéia que fica é que o marechal Deodoro, naquela hora, não proclamou a República. Ele simplesmente derrubou o Gabinete Ouro Preto, reunido na Secretaria da Guerra no Quartel-General, no segundo andar, sobre o portão do QG. Isso foi o que em realidade aconteceu. As fontes existentes permitem reconstituir, satisfatoriamente, as ações do Mal. Deodoro nesse dia, mas não com segurança os seus intentos políticos; bem como reconstituir-se os lances principais da muito bem urdida, sucedida e incruenta conspiração político-militar. Pois seus segredos foram levados para o túmulo por seus principais protagonistas e, em especial, pelos marechais Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, tenente-coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães e o major Solon Ribeiro, os principais personagens da mesma, no Exército, deixando, assim, um buraco negro na história do 15 de novembro de 1889, dando origem a várias versões. Da análise da situação, à luz das fontes disponíveis, é possível fazer-se a seguinte interpretação: Com as mortes de Osório e Caxias, emergiram os problemas entre a classe militar e o governo, o que veio a originar a Questão Militar, ao longo da qual despontaram como líderes da classe militar, o Marechal-de-Exército José Antonio Correia da Câmara e 61

o Marechal-de-Campo Manoel Deodoro da Fonseca, assinalados heróis da Guerra do Paraguai. É a luta de ambos durou de 1881-89. Em 1881, o marechal Deodoro e seu irmão, o general Severiano Martins (não confundir-se com o Dr. João Severiano) já integravam o Diretório Militar que se reunia no consistório da Igreja Santa Cruz dos Militares. Ele visava que oficiais do Exército e da Marinha disputassem cargos eletivos pelos partidos Liberal e Conservador para, na Câmara e no Senado, democraticamente, acautelarem interesses da classe militar que não vinham sendo atendidos e que vieram dar origem à citada Questão Militar (1883-88). Ambos os partidos, Liberal e Conservador, “cristianizaram” os candidatos militares. Nenhum se elegeu. Isto, segundo Américo Jacobina Lacombe, em palestra no IHGB em 18 de julho de 1989, no Curso Os Militares e a Proclamação da República, foi causado pelo desequilíbrio entre classe dos bacharéis em Direito e dos militares na administração pública e representação parlamentar. Daí surgiu, ainda mais tarde, segundo se deduz de carta do Dr. João Severiano ao seu irmão marechal Deodoro, quando esse foi enviado em missão a Mato Grosso, depois da fundação do Clube Militar (26 Jun. 87), um esforço conjunto dos partidos Liberal e Conservador para anular a influência crescente no Exército do marechal Deodoro da Fonseca e de seu irmão general Severiano Martins, então ajudante-general do Exército, com a função de comandar todo o Exército e, diretamente, o Comando-das-Armas da Corte. Personagem que acaba de merecer oportuno e valioso estudo do general Alberto Martins da Silva, grande estudioso da família Fonseca. O partido Republicano, em crescimento acelerado, a tudo percebia e aguardava o momento ideal para tirar proveito em prol da República, desse confronto: classe militar e governo. Ao penetrar Deodoro, no interior do Quartel-General, sem reação, segundo Pedro Calmon “ele apoderou-se da situação, conquistou o governo e passou a presidir o futuro”. Acreditamos que, então, Deodoro só desejasse substituir o Gabinete de Ministros ou o Gabinete Ouro Preto e que só teria sido levado a assinar a proclamação da República à tarde, em sua casa, ao ser informado da disposição do Imperador D. Pedro II de substituir o gabinete deposto por ele, por outro chefiado pelo senador gaúcho Gaspar Silveira Martins, velho e fidalgo desafeto de Deodoro. Faltam mais elementos para concluir-se definitivamente sobre isso. Segundo o ex-ministro do Exército, General-de-Exército Aurélio de Lyra Tavares, em recente livro Aristides Lobo e a República, “Deodoro, ele próprio, como chefe natural, não estava seguro das conseqüências e das responsabilidades que lhe caberiam depois, nem até que ponto iria chegar, limitando-se, quanto à eventualidade natural, da composição do futuro ministério, a expor o seu pensamento; ficaria a seu cargo e de Benjamin Constant a decisão sobre assuntos militares, ao passo que as de caráter civil caberiam a Quintino Bocaiuva com os políticos civis engajados no movimento”. (1) É possível que os fatos, em 15 de novembro de 1889, tenham tido o seguinte curso: conquista do Quartel-General, por Deodoro; derrubada do Gabinete Ouro Preto;

1 A este respeito, o ex -ajudante- de- ordens do marechal Deodoro, Ilha Moreira, escreveu em 1937. “O marechal Deodoro, em matéria de República, era assaz refletido, em se tratando de assunto de tão magna importância, como essa da transformação do regime político da nação. Assim ele precisava cercar-se de garantias para que não fosse vítima de um fracasso, por não haver profundamente refletido.” 62

desfile, liderado por Deodoro, pelas ruas do Rio de Janeiro até o Arsenal de Marinha, onde conquistou o apoio oficial da Armada; tentativa de D. Pedro II de formar o Gabinete Silveira Martins, o que teria desgostado muito Deodoro; pressão dos republicanos militares e civis em pról da República; proclamação da República por Deodoro, em casa, à tarde, rendido após estar seguro de haver dominado a situação e empolgando o poder de modo irreversível. Um buraco negro que ficou na história da proclamação da República consiste na explicação e reconstituição das ações e pensamentos do marechal Floriano Peixoto, nos dias 13,14 e 15 de novembro de 1889. Por isso, seu biógrafo, Salm de Miranda, em Floriano, escreveu: “O Marechal- de-Campo Floriano Peixoto é, incontestavelmente, um dos personagens mais discutidos da proclamação da República. Os maiores ataques que lhe têm sido feitos, as maiores dúvidas contra ele, o focalizam durante a jornada de 15 de novembro. Acusam-no uns de desleal, porque sendo ajudante-general do Exército, praticamente o comandante do Exército, não reuniu forças, não tomou providências, nem comandou a resistência. Acusam-no outros de duplicidade de atitude, porque estava junto ao gabinete Ouro Preto reunido no Ministério do Exército, apesar de conhecer estar comprometido com a conspiração; acusam-no de apático e indiferente aos graves acontecimentos de que foi parte”. E aqui é importante que se refira ao que disse o líder civil do movimento, Quintino Bocaiúva, sobre o marechal Floriano na conspiração que resultou o 15 de novembro: “O Floriano era dos nossos, havia muito. Era mesmo dos que estavam senhores do movimento. Era apenas cauteloso, com ronha (astúcia), que todos lhe conheciam. De vez em quando dizia: “Vejam bem o que vão fazer. Não se precipitem!”(Fonte: Idéias políticas de Quintino Bocaiuva. 1987, V.l p. 646). O marechal Rondon, testemunha e também um dos protagonistas do 15 de novembro de 1889, viu que a preocupação central de Floriano era evitar derramamento de sangue nesse dia — o que foi conseguido.

Desde 15 de novembro de 1889 os historiadores não têm conseguido traduzir uma versão aceitável dos diálogos travados entre Deodoro e o Visconde de Ouro Preto, por ocasião da deposição do Gabinete de Ministros, reunido na Secretaria da Guerra. As palavras colocadas nas bocas do marechal Deodoro e de Ouro Preto merecem versões diversas. O próprio Visconde de Ouro Preto, ao escrever sobre o episódio no exílio, atribui a Deodoro essas palavras em seu Manifesto de Lisboa: “O marechal Deodoro declarou que o Ministério estava deposto e que organizaria outro de acordo com indicações que iria levar ao Imperador” e, quanto a este, concluiu, “teria sua dedicação, pois era seu amigo e devia-lhe atenções”. Essa versão foi rebatida por Clodoaldo da Fonseca, sobrinho do marechal, em trabalho “Deodoro e Ouro Preto”, in: Deodoro e a Verdade Histórica (Rio, Imprensa Nacional, 1933, p. 103-114). Assim, em tomo do objetivo político fundamental do marechal Deodoro, em 15 de novembro de 1889, existem duas correntes: 1 — Deodoro objetivava depor só o Gabinete Ouro Preto, por ser hostil ao Exército e substituí-lo por outro, que proporia ao Imperador;

2 — Deodoro objetivava depor o Gabinete Ouro Preto e, em seguida, implantar 63

a República. Coloco-me ao lado dessa corrente. Politicamente, o marechal Deodoro não se definia como republicano e sim como conservador, em razão de “só os conservadores terem defendido o Exército”. Mas possuía uma larga vivência com familiares republicanos. A operacionalidade do Exército e o trato justo dos problemas da classe militar, descurados de 1870-89 pelo Império, foram as motivações principais de sua luta que culminou com a proclamação da República. A Reforma Militar, executada em grande parte por seu sobrinho marechal Hermes da Fonseca de 1904-14, era o seu sonho profissional, segundo captou, por tradição familiar, seu parente, o historiador Roberto Piragibe da Fonseca, filho de seu sobrinho e ex-ajudante-de-ordens Clodoaldo da Fonseca. Ideal que Deodoro chamava de “Reforma Redentora” do Exército, mas que não lhe foi possível sequer encaminhar, pois esse problema vital sofreu um retrocesso com o Regulamento de Ensino de 1890, do ministro da Guerra Benjamin Constant, de inspiração positivista, que agravou ainda mais o problema da operacionalidade do Exército, pela predominância do bacharelismo militar sobre o profissionalismo militar. Esse só reabilitado a partir de Regulamento de Ensino, de 1905. “Eu sou e as minhas circunstâncias”, afirmou o filósofo Ortega y Gasset. Assim abordaremos, a seguir, as circunstâncias político-militares que envolveram o marechal Deodoro de 1870 até 15 de novembro de 1889, e nesse dia, para melhor compreendê-lo e ao seu papel na História da centenária República em que vivemos, que não poderá deixar de fazer-lhe justiça como o seu proclamador ideal e providencial, e o Exército por haver sido preservado então. Antecedentes político-militares de Deodoro antes da Proclamação da República Deodoro voltou da Guerra do Paraguai sacralizado por seu heroísmo e legenda de bravo. Conquistou as promoções de major, tenente-coronel e coronel por atos de bravura. Foi também premiado por outros feitos de bravura, por condecoração específica a título de “reiterados atos de bravura” em combate. Nesta guerra, em certo momento, salvou a vida do General Osório, o legendário. 1873 — Deodoro é coronel comandante do Regimento Mallet, em São Gabriel- RS, quando ingressou na Maçonaria, na loja Rocha Negra, fundada para promover a Abolição e a Instrução Pública. Mais tarde, como chefe de Governo, foi elevado a Grão Mestre da Maçonaria no Brasil. Loja Maçônica que mereceu do general Morivalde Calvet Fagundes recente estudo em livro. — Deodoro e irmãos dão liberdade aos escravos da família. 14 Out. 1874 — Deodoro deixou o comando do Regimento Mallet por ter sido promovido a brigadeiro. Foi designado comandante da Fronteira Livramento—Quaraí. 23 Fev. 1881 — Deodoro participou, no Rio de Janeiro, da Fundação do Diretório Militar, junto com seu irmão general Severiano Martins. Entidade que mais tarde desaguaria no Clube Militar, tendo como órgão de divulgação o jornal O Soldado. 1883 — Foi apresentado projeto de lei instituindo um montepio à base de contribuições dos militares, e alterando a reforma dos mesmos. Esse projeto suscitou reações na classe militar e foi abandonado. 01 Jan. 1884 - Primeiro número do jornal A Federação, dos republicanos gaúchos, que passou a apoiar os militares na Questão Militar. 30 Ago. 1884 — Deodoro foi promovido a Marechal-de-Campo. 64

23 Ago. 1885 — Deodoro foi nomeado Quartel-Mestre General do Exército e, portanto, responsável pelo apoio logístico, em estacionamentos do Exército. 26 Set. 1885 — Deodoro foi nomeado Comandante- das- Armas da Província do Rio Grande do Sul. Mar. 1886 — O tenente-coronel Sena Madureira publicou artigo abolicionista em Porto Alegre. Atacado, através da Imprensa, violentamente, pelo parlamentar Franco de Sá, revidou também pela Imprensa. Em conseqüência, foi punido. Recebeu a solidariedade da classe militar e de seus líderes marechais Deodoro e Câmara e teve início a principal vertente da chamada Questão Militar. 30 Mar. 1886 — Júlio de Castilhos, em 4 Federação, atribui em artigo “A Classe Militar”, que o governo “ofendeu os brios do Exército no incidente Sena Madureira”. 03 Set. 1886 — Deodoro, como presidente interino do Rio Grande do Sul, interpelado pelo ajudante-general do Exército, pelo fato de não ter coibido seu subordinado Sena Madureira de discutir publicamente pela imprensa, respondeu que não o fez em razão do regulamento vedar discussões pela imprensa entre militares, mas não entre militares e civis. 30 Set. 1886 — Deodoro, ainda presidente e Comandante-das-Armas do Rio Grande, permitiu que toda a guarnição do Exército de Porto Alegre se reunisse e homenageasse Sena Madureira, ao que se juntou o jornal republicano A Federação, de Júlio de Castilhos. 04 Out. 1886 — Deodoro, inquirido pelo presidente do Conselho de Ministros- Cotegipe, sobre punição não imposta a Sena Madureira, “reafirmava a impraticabilidade de aplicação dos regulamentos militares disciplinares aos de atos públicos entre civis e militares”, o que equivaleria a deixar-se os militares sem defesa, enquanto que imunidades parlamentares “tudo permitiam”, no caso, a um senador. Nesse dia Deodoro, conservador e Câmara, liberal, fizeram as pazes políticas e irmanaram-se na Questão Militar. 06 Out. 1886 — Deodoro solidarizou-se em carta a Cotegipe, com os militares do Rio Grande perseguidos pelo ministro da Guerra (um civil). 09 Out. 1886 — O senador Gaspar Silveira Martins, no Senado, conclamou o governo a prender Deodoro, recolhê-lo à Corte e submetê-lo a Conselho de Guerra. (Esse senador - consta versão de que seria o presidente do Conselho de Ministros que sucederia Ouro Preto, derrubado por Deodoro em 15 Nov. 1889, caso não tivesse proclamado a República). 01 Nov. 1886 — Deodoro foi substituído na Presidência do Rio Grande do Sul (cargo político) depois de censurado por Cotegipe por “incentivar manifestações de indisciplina”. 16 Nov. 1886 — Deodoro respondeu a Cotegipe e reafirmou sua solidariedade aos militares ofendidos por parlamentares. 22 Dez. 1886 — Deodoro, a pedido, foi exonerado do Comando- das-Armas e da vice-presidência da Província do Rio Grande do Sul. 08 Jan. 1887 — Deodoro participou, na casa do senador marechal Câmara, de homenagem ao ten-cel Sena Madureira, punido por defender-se d acusações públicas formuladas por um senador e por ter sido demitido do comando da Escola de Tiro do Rio Pardo. 10 Jan. 1887 — Deodoro e Sena Madureira exonerados de seus comandos retornam à Corte. 65

29 Jan. 1887 — Deodoro e Sena Madureira são recepcionados por alunos da Escola Militar da Praia Vermelha, quando chegaram ao Rio. Em conseqüência, o irmão de Deodoro, brigadeiro Severiano Martins, pediu demissão do comando da Escola Militar. 02 Fev. 1887 — Deodoro presidiu reunião no Teatro Recreio Dramático, onde a oficialidade presente aprovou moção destinada a recorrer-se ao Imperador para anular punições decorrentes de avisos cancelados. Deodoro foi constituído representante da reunião, com aquele fim. 03 Fev. 1887 — Deodoro se dirigiu em carta ao Imperador solicitando anulação de punições baseadas nos já revogados avisos disciplinares. 05 Fev. 1887 — Deodoro foi demitido do cargo de Quartel-Mestre General ficando sem comissão por longo tempo. 12 Fev. 1887 — Joaquim Nabuco alertou a Monarquia que ela estava lançando as Forças Armadas nos braços dos republicanos. — Deodoro escreveu a D. Pedro II e acusou o ministro de trair a Imperador na Questão Militar. 11 Mal 1887 — Deodoro foi absolvido pelo STJ de acusação de desvio de verba do Exército por Euletério Camargo, parlamentar liberal gaúcho, ex-ministro da Guerra e também engenheiro militar, a mando de Gaspar Silveira Martins. Mai. 1887 — Deodoro e Câmara firmaram Manifesto dos Generais redigido parte por Ruy Barbosa, solicitando o cancelamento das punições de Sena Madureira. O Manifesto atingiu o seu objetivo. 20 Mai. 1887 — Gaspar Silveira Martins conseguiu que o senado aprovasse moção ao governo para cancelar punições — o que Cotegipe acedeu. Isto marcou o fim da Questão Militar. 21 Mai. 1887 — Deodoro foi alertado por Júlio de Castilhos em A Federação, bem como o Exército, que atitude conciliatória do governo em relação a classe militar era o de “encobrir uma pérfida vingança no futuro, já que o Gabinete Cotegipe permanecia no poder”. 26 Jun. 1887 — Deodoro presidiu a fundação do Clube Militar quando foi aclamado seu presidente. Entidade que surgiu como corolário da Questão Militar. (Ver Revista do Clube Militar n9 281, 1987, comemorativa do centenário do Clube Militar). 10 JuL 1887 — Floriano, em carta a João Neiva, escreveu: “Vi a solução da Questão Militar. Excedeu sem dúvida a expectativa de todos. Fato único que prova exuberantemente a podridão que vai por todo este país. Portanto, há necessidade de uma ditadura militar para expurgá-la. Como liberal que sou, não posso querer para o meu país o governo da espada. Mas não há quem desconheça e aí estão os exemplos de que é ele o que sabe purificar o sangue do corpo social, que como o nosso está corrompido. O que pensas a respeito!” (Fonte: MIRANDA, Sal. Floriano. p. 56) 26 Out. 1887 — Deodoro firmou, como presidente do Clube Militar, petição à Princesa Regente Izabel, pedindo para liberar o Exército de encargos relacionados com a prisão de escravos fugidos. Isso, segundo o marechal Rondon, acelerou a Lei Áurea e equivaleu a decretá-la, fato que recebeu a solidariedade do Clube Militar. Março 1888 — Queda do Gabinete Cotegipe em função de incidente com a classe militar, gerado pela prisão em xadrez policial de oficial reformado da Marinha. Esse fato incendiou os ânimos do Clube Naval. 28 Jul 1888 — Deodoro é nomeado para o Comando -das- Armas da Província de Mato Grosso. Foi uma manobra para afastá-lo da Corte e o seu irmão Severiano Martins de ajudante-general do Exército. 66

02 Mar. 1889 — Deodoro regressou de Mato Grosso onde comandou destacamento de Conservação, composto inclusive de tropas da guarnição da Corte. Foi um artifício para afastá-lo do Rio. Depois quiseram subordiná-lo ao coronel Cunha Matos, presidente da Província e ele manobrou e retornou ao Rio. 02 Jun 1889 — Gaspar Silveira Martins assumiu a Presidência do Rio Grande do Sul. - Assume o Gabinete de Ministro o Visconde de Ouro Preto. 08 Jul 1889 — Mal. Floriano foi nomeado interinamente ajudante-ge-neral do Exército. Foi vetado pela Princesa Izabel para ser ministro da Guerra. 09 Set. 1889 — Boato sobre a idéia de entregar-se a segurança da cidade do Rio de Janeiro à Guarda Nacional, em substituição ao Exército, cujas unidades começam a ser transferidas para o interior do Brasil. 13 Set. 1889 — Deodoro recebeu homenagem da oficialidade do 23º BI por motivo de seu retomo de Mato Grosso. Os promotores foram punidos e transferidos. 04 Nov. 1889 — Deodoro recebeu em sua casa (atual Casa de Deodoro, do Museu Histórico do Exército) o tenente-coronel Benjamin Constant e outros oficiais, que o convidam para aderir à conspiração para proclamar a República. Nesta ocasião Deodoro teria aderido ao movimento ao declarar a Benjamin Constant “você tem razão Benjamin, o velho já não governa mais. Vamos fazer a República” (Segundo Heitor Lyra em História da queda do Império). 09 Nov. 1889 — Reunião do Clube Militar na qual delegaram a Benjamin Constant poderes para levar o problema às últimas conseqüências. Aí ficou decidida a proclamação da República. 10 Nov. 1889 — Deodoro recebeu em sua casa visita de Benjamin Constant que lhe comunicou as deliberações do Clube Militar. Benjamin atuou no sentido de procurar convencer Deodoro da necessidade de derrubar- se a Monarquia. Neste dia, o 22ºBI embarcou, por ordem do governo, para fora do Rio, aconselhado pelos conspiradores a não reagir. Benjamin Constant mostrou a Deodoro sua preocupação acerca da real posição de Floriano Peixoto, ao que teria respondido Deodoro: “Não há dificuldade. Nas questões militares sempre que abordei Floriano, ele declarou-me que não se meteria em coisa alguma para derrubar Ministério. Uma vez, porém, ele pegou um botão de sua farda com dois dedos e falou — “Seu Manoel, a Monarquia é inimiga disto. Se for para derrubá- la, estarei pronto”. Já vêem os senhores que quem assim fala há de acompanhar-nos”. (Fonte: MONTEIRO, Tobias. Pesquisas e depoimentos para a história. Rio, F. Alves, 1913). 11 Nov. 1889 - Oficiais do 19 RC, do 99 RC, do 29 R. Art., além das escolas Superiores de Guerra e Militar, firmam pactos de sangue em apoio a Benjamin Constant, a quem aderem sem reservas para lutar contra o “espezinhamento e aniquilamento do Exército”. Todos esses elementos, menos a Escola Militar, aquartelavam em São Cristóvão e constituíam a 2? Brigada do Exército. Delas faziam parte os alferes-alunos Cândido da Silva Rondon e Augusto Tasso Fragoso. 67

Deodoro recebeu em sua casa, em reunião articulada por Benjamin Constant com Aristides Lobo, o líder civil do movimento Quintino Bocaiuva, Ruy Barbosa e Francisco Glycério. Foi a união da liderança civil com a militar.

12 . 1889 — Reassumiu o ministro da Guerra, Visconde de Mara- caju, enfermo há 12 meses. Face a insistentes rumores na imprensa de queda iminente da Monarquia, Ouro Preto e o ministro da Guerra foram tranqüilizados pelo ajudante- general do Exército, marechal Floriano Peixoto, “que a situação era de completa normalidade”. O Barão do Rio Apa, irmão do ministro da Guerra, passou o comando da 1? Brigada ao brigadeiro Almeida Barreto. 13 Nov. 1889 — Deodoro convocou à sua casa o marechal Floriano Peixoto. Este compareceu ao encontro entre as 10 e 11 horas da manhã. Deodoro comunicou a posição de sublevação do Exército e que ele se encontrava à frente dos seus companheiros, segundo duas fontes citadas por Salm de Miranda, em Floriano (Rio, Bibliex, 1963, pp. 104-108). São distribuídos, desde o dia anterior, nos quartéis do 19 e 109 BI, 19 e 99 RC e 29 RA, exemplares dos jornais Correio do Povo e do País, abordando as péssimas condições que a Monarquia deixara o Exército. 14 Nov. 1889 — O marechal Floriano alertou o ministro da Justiça para a conspiração em curso e invocou sua lealdade ao Governo e sua disposição de combater qualquer levante contra ele. Benjamin Constant conseguiu no Clube Naval a adesão do Chefe de Divisão Eduardo Wandenkolk ao movimento para derrubar a Monarquia. Deodoro teve sua vida ameaçada ao ser tomado de forte crise de asma brônquica crônica, tendo que passar até o início da noite no Andaraí, na casa do seu irmão Dr. João Severiano da Fonseca, atual Patrono do Serviço de Saúde, segundo informou o Gen. Med. Dr. Alberto Martins da Silva. O major Solon Ribeiro, futuro sogro de Euclides da Cunha, espalhou na rua do Ouvidor boatos de que foram presos pelo governo, ao anoitecer, o marechal Deodoro e Benjamin Constant e de que a Guarda Negra, integrada por ex-escravos e organizada em 1888, por José do Patrocínio, para defender a Princesa Izabel dos escravagistas, iria atacar a 2ª Brigada, em São Cristóvão. O boato surtiu efeito e precipitou os acontecimentos. Floriano não compareceu à reunião na casa de Ouro Preto, a fim de esclarecer carta que enviou ao ministro da Justiça. Ouro Preto se recusou a desmentir rumores da prisão de Deodoro, só o fez muito tarde. O marechal Floriano manteve-se evasivo em relação a Ouro Preto, enquanto a conspiração caminhava acelerada. 75 Nov. 1889 — O Visconde de Ouro Preto, ainda de madrugada, decidiu reunir todo o Gabinete de Ministros no dia seguinte, no Quartel-General do Exército, no Campo de Santana, para enfrentar a sublevação da 2ª Brigada, de que tomou conhecimento. A seguir, telegrafou ao Imperador informando-lhe da sublevação. Segundo Quintino Bocaiuva, “neste mesmo dia 15, o Ministério reunido tomaria providências e nós os republicanos seríamos trancafiados. E coisa interessante! Os planos que traçamos por longos dias para apanhar reunido o Ministério, foi por si mesmo 68

nesse dia realizado. O Ministério veio por iniciativa própria, meter-se em ratoeira no Quartel-General, impossibilitando qualquer ato de energia da parte do governo contra a revolução ...” (Fonte: Idéias políticas de Quintino .. . p. 645). Ações e movimentações do Marechal-de-Campo Manoel Deodoro da Fonseca em 15 de novembro de 1889 Já estando um pouco melhor do ataque de asma brônquica que o atacou no dia 14, quase o levando à morte, Deodoro retornou ao final da noite de 14 da casa de seu irmão, Dr. João Severiano da Fonseca, no Andaraí, para a sua casa. Mandava por seu irmão, 2º tenente reformado Pedro Paulino e seu sobrinho Hermes da Fonseca, ambos republicanos, recado a Benjamin Constant, de que se colocaria à frente da 2ª Brigada vinda de São Cristóvão. Assim, atendia o alerta recebido do Dr. Benjamin Constant, através de sua esposa, em sua casa, no fim da noite de 14 e, seguramente, também de Quintino Bocaiuva, segundo depoimento deste. Deodoro levantou-se cedo, fardou-se de Marechal-de-Campo e embarcou, sem a espada, numa caleça, levando num saco seus arreios. Foi ao encontro da 2ª Brigada e a encontrou na altura do Gasômetro, hoje Companhia Estadual de Gás. Reconhecido, foi aclamado calorosamente. Assumia o comando das tropas da 2ª Brigada, assim disposta em colunas: 1º Regimento de Cavalaria; oficialidade da Escola Superior de Guerra, transformada em guarda de honra de Benjamin Constant (que trazia a seu lado Pedro Paulino, irmão de Deodoro); 2º Regimento de Artilharia, com 16 peças — 80 protegidas por homens a pé, do 9º Regimento de Cavalaria e, na retaguarda, uma carroça de munições; sobre os armões, cunhetes de munição de Infantaria, para serem distribuídos aos alunos da Escola Militar e algumas praças do 1º Batalhão de Engenheiros esperados na Praia Vermelha, ao comando de Marciano, irmão de Benjamin Constant. Deodoro, com certa dificuldade, em razão dos efeitos do ataque de asma do dia anterior, deslocou-se na caleça até próximo do Campo de Santana. Ali, montou no baio nº 6 do 1º Regimento de Cavalaria, cedido pelo Alferes do 1º RC, Eduardo Barbosa, ajudado por Pedro Paulino e foi colocar-se à frente do portão do Campo de Santana, já aberto. Deodoro ficou junto ao Portão do Campo de Santana e dispôs a tropa defronte o Quartel-General do Exército, onde se encontrava reunido o Gabinete Ouro Preto. Deodoro determinou ao General Almeida Barreto, que defendia o QG, entre este e a Estrada de Feno, mas comprometido com a revolução, que ele se incorporasse ao dispositivo revolucionário. Isto só aconteceu 15 minutos depois, ao Benjamin Constant pessoalmente transmitir-lhe o pedido de Deodoro. Essa tropa era constituída de Imperiais Marinheiros e parte do Corpo Militar de Polícia da Corte. Deodoro fez um sinal de irritação com o braço e de pedido de silêncio à tropa, quando esta ovacionou Quintino Bocaiuva em sua chegada ao Campo, montado num cavalo tordilho, depois de ter dado um viva à República. (Fonte: Senna, Deodoro). Deodoro percebeu estar se aproximando do QG, para nele ingressar, o ministro da Marinha, Barão de Ladário, e mandou prendê-lo por seu ajudante-de-ordens tenente Adolfo Pena Filho. O Barão de Ladário resistiu à bala, a ordem de prisão dada em nome de Deodoro. Atirou com uma pistola de dois canos. Um tiro no tenente Pena Filho e outro em Deodoro, errando ambos. A escolta reagiu e feriu levemente à bala o Barão, que só não foi morto em virtude da ordem de Deodoro: “Não atirem neste homem!” O Barão foi medicado na antiga residência do Conde de Itamarati, pouco depois transformada em sede do Governo da República. 69

Deodoro, ao tomar posição, tinha enviado o tenente-coronel Silva Teles, comandante do 1º RC, ao marechal Floriano, dizendo que já podia conferenciar com Ouro Preto. Este responde negativamente, justificando que nenhum comando fora confiado a Deodoro pelo Governo e que ele, Ouro Preto, não podia conferenciar com um general que se apresentava em revolução contra o Governo legal. Deodoro, pouco depois das 900 horas, aproximou-se do Quartel-General, defendido por cerca de 1.000 homens, ali dispostos durante a madrugada ao comando do Barão de Apa, irmão do ministro da Guerra, Visconde de Maracaju, ambos primos de Deodoro. Com o concurso do capitão Pedro Paulo da Fonseca Galvão e praças do 1º Batalhão de Infantaria, que guardavam o Quartel-General, este foi aberto. Por ele precipitou-se Deodoro a galope e descoberto com o boné na mão direita, conforme imortalizou a cena Henrique Bernardelli. No pátio estavam dispostas as seguintes forças de defesa: Imperiais Marinheiros, guarnecendo uma metralhadora bem defronte o portão; o Corpo de Fuzileiros; contingente do 1º Batalhão de Infantaria de Guardas ao QG; força de Bombeiros e 7º Batalhão de Infantaria, que aquartelava no Mosteiro de Santo Antônio e que se constituía na principal força da 1ª Brigada. Deodoro, ao passar pela banda do 7º BI, mandou que ela abrisse o toque a que tinha direito. Um capitão do batalhão deu um viva ao marechal Deodoro, que foi respondido por toda a tropa no interior do Quartel. Deodoro estava senhor da situação! Dominada a situação, Deodoro determinou que as tropas que estavam no interior do QG formassem na parte externa com a 2ª Brigada. Deodoro desmontou e tendo a seu lado Benjamin Constant, visivelmente abatido e combalido, subiu com dificuldade ao andar superior, acompanhado de diversos oficiais, onde estavam reunidos na Sala da Secretaria de Guerra, desde o amanhecer, todo o Gabinete Ouro Preto, assim composto: (menos o Barão de Ladário). Chefe do Gabinete de Ministros: Visconde de Ouro Preto Ministro da Guerra: Visconde de Maracaju Ministro do Império: Barão de Loreto — (Fundador da Bibliex) Ministro da Justiça: Cândido de Oliveira Ministro da Agricultura: Lourenço de Albuquerque Ministro de Estrangeiros: José Francisco Diana Ouro Preto acabava de redigir um telegrama ao Imperador, que entregou ao diretor-geral dai Secretaria de Guerra, Barão de Itaipu, para pessoalmente entregá-lo à Estação Central dos Telégrafos e cujo teor era o seguinte: “Senhor, o Ministério sitiado no Quartel-General da Guerra, à exceção do Sr. ministro da Marinha, que consta achar-se ferido em casa próxima, tendo por mais de uma vez ordenado debalde, por ordem do presidente do Conselho e do ministro da Guerra, que se repelisse pela força a intimação armada do marechal Deodoro, e diante das declarações feitas pelos generais Visconde de Maracaju, Floriano Peixoto e Barão do Rio Apa de que, por não contarem com tropa reunida, não há possibilidade de resistir com eficácia, deponho nas augustas mãos de Vossa Majestade o meu pedido de demissão. A tropa acaba de fraternizar com o marechal Deodoro, abrindo-lhe as portas do quartel.” (Fonte: SENNA. Deodoro, p. 87). Deodoro, ao penetrar na Sala da Secretaria de Guerra, deparou com Ouro Preto de pé, apoiado no encosto da cadeira. Dirigiu-se ao ministro da Guerra com estas 70

palavras: “Adeus primo Rufino”. A seguir falou que se colocara à frente do Exército para vingar as gravíssimas injustiças e ofensas recebidas do governo, as quais enumerou. Declarou que o Ministério estava deposto e que todos os ministros poderiam retirar-se para suas casas e que seria organizado outro gabinete de acordo com indicações que ia levar ao Imperador... As críticas eram dirigidas a Ouro Preto e a Cândido de Oliveira. No tocante ao Imperador, segundo Ouro Preto, Deodoro teria declarado: “Ele tem a minha dedicação; sou seu amigo, devo-lhe favores. Seus direitos serão respeitados e garantidos”. Esta declaração é rebatida como caluniosa por Clodoaldo Fonseca. (Deodoro e Ouro Preto, p. 109). Ouro Preto comentou que sempre que Deodoro referia-se ao Exército, Benjamin Constant completava “e também da Armada”. Ouro Preto comportou-se com brio e dignidade. Pouco antes, tentara levar o ministro e o ajudante-general a resistirem cercados a forças superiores, apoiadas por 16 bocas de fogo. Nesta altura, foi que um filho do marechal Câmara, ajudante-de-ordens de Floriano, teria lhe dirigido o seguinte alerta: “Esta ordem, Sr. Ministro, pode provocar entre nós, apenas, uma carnificina inútil e tremenda. Pense V.Exa. na responsabilidade que terá tal loucura ordenando”. (Fonte: EDMUNDO, Luiz. Como se fez a República, p. 163). Deodoro desceu para confraternizar defronte o Quartel-General com as tropas do Exército, Marinha, Polícia e Bombeiros e colocou-se à frente das mesmas para um desfile. O 2º Regimento de Artilharia, enquanto Deodoro confraternizava com a tropa no interior do Quartel-General e depunha o Gabinete, deu uma salva de 21 tiros. Enquanto isto se passava, já havia chegado ao Campo de Santana a Escola Militar com praças do 1º de Engenheiros e mais o 10º BI, que fora mandado para prendê- la e que aderiu ao movimento. Deodoro colocou-se à frente das tropas do Exército, da Armada, da Polícia e do Corpo de Bombeiros e percorreu o seguinte itinerário: Rua da Constituição — Largo do Rosário, atual Tiradentes (sede do Clube Naval) — rua do Teatro — largo de São Francisco — rua do Ouvidor (sobrado 155 — sede do Clube Militar), da redação do Diário de Notícias, onde estavam Lopes Trovão, Aristides Lobo, Sílvio Romero e Almeida Pernambuco, onde Aristides Lobo discursou e, mais adiante, no jornal a Cidade do Rio, onde José do Patrocínio discursou e redação da Gazeta de Notícias, onde falou Silva Jardim (segundo EDMUNDO. Como se fez a República, p. 168). A tropa dobrou na rua 19 de Março, junto à Igreja Santa Cruz dos Militares e foi fazer alto junto ao portão do Arsenal de Marinha, de onde surgiram os chefes de divisão Barão de Santa Marta, Wandenkolk e Foster Vidal. Deodoro apeou do cavalo e confraternizou com aqueles oficiais e agradeceu- lhes a cooperação da Armada. A seguir, desincorporam da coluna tropas do Corpo de Imperiais Marinheiros e do Corpo de Fuzileiros Navais. A coluna marchou pela atual rua Marechal Floriano até o Campo de Santana, onde tomou o destino de seus respectivos quartéis. Deodoro recolheu-se às 14 horas, bastante doente, para a sua casa, depois de um esforço hercúleo no dia 15 de novembro de 1889. Deodoro manteve-se indefinido acerca da proclamação da República. Os republicanos foram à sua casa à tarde e o encontraram prostrado. Foram recebidos por Benjamin Constant que argumentou “não se poder impor uma forma de governo ao povo, 71

o Imperador ficará interdito. Convocaremos uma Constituinte”. (Fonte: SILVA, Hélio. 1889 — A República não esperou, p. 127). Deodoro, depois de uma muito sofrida tarde, em sua casa, proclamou efetivamente a República, ao assinar como Chefe do Governo Provisório, o Decreto n9 1 de 15 de novembro de 1889, referendado por seus ministros: — Aristides da Silveira Lobo — ministro do Interior — Ten-Cel Benjamin Constant — ministro da Guerra — Chefe da Esquadra — E. Wandenkolk — ministro da Marinha — Quintino Bocaiuva — Ministro das Relações Exteriores e interino da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. O Decreto nº 1 estabelecia entre outros pontos: “O Governo Provisório dos Estados Unidos do Brasil decreta: Art. 1º — Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de governo da Nação Brasileira — A República Federativa. Art. 2º — As províncias do Brasil, reunidas pelos laços da federação, ficam constituindo os Estados Unidos do Brasil.” E prossegue dando outras providências. Deodoro permaneceu no leito vários dias, sendo que todas as soluções foram encaminhadas por Benjamin Constant e Quintino Bocaiuva, segundo depoimento deste, que refere diversas vezes à doença de Deodoro em 14/15 de novembro: “Deodoro, eu soubera na véspera — estava com o peito que era uma chaga, incapaz de apanhar um chinelo. Entretanto, procurado em nosso nome, fez um esforço sobre-humano, fardou-se, pediu um carro e saiu pela manhã para São Cristóvão”. (**) No Mangue, encontrou-se com a força (2ª Brigada) e então “aquele homem, quase morto, transfigurou-se ao som marcial dos clarins! Saltou do carro, tomou um cavalo de um oficial e pôs-se à frente do corpo para comandar a vitória” (Idéias políticas de Quintino Bocaiuva, p. 644). A Casa de Deodoro, hoje integrando o Museu Histórico do Exército, foi em realidade o local onde tiveram curso as mais graves decisões que desaguaram no 15 de novembro. Neste dia e nos próximos, foi a primeira sede do governo da centenária República do Brasil. E monumento que precisa ser preservado a todo custo.

(**) Segundo a Maj. Elza Medeiros, o peito e costas do marechal Deodoro estavam em chagas em razão do uso de ventosas.

Fontes Consultadas

1. BENTO, Cláudio Moreira, Cel. Quartéis-Generais das Forças Armadas. Rio, FHE — POUPEX, 1988 (e inclusive a pesquisa básica mais ampla e detalhada existente no Arquivo Histórico do Exército e IHGB) e 160 anos de nascimento do Marechal na BCM, p. 17, n° 281. 2. CÂMARA DOS DEPUTADOS. O Ministro Ouro Preto e a República in: Perfil Parlamentar de Silveira Martins. Brasília, Câmara dos Deputados, 1979, pp. 77-84. 3. CONSTANT NETO. Benjamin. Benjamin Constant. Rio, Leuzinger, 72

1940. 4. CORREIA, Leôncio. A verdade histórica sobre o 15 de novembro. Rio, Imp. Nac. 1939. 5. CUNHA, Epaminondas Ferraz da, Gen. O Exército (Guarnição do Rio de Janeiro) no dia 15 de novembro de 1889. Defesa Nacional. Nº 635, 1970. (Separata) (fonte básica). 6. DUNLOP, C. J. História dos bondes do Rio de Janeiro. Rio, Laemmert, 1953, v. 2. 7. EDMUNDO, Luiz. Como se fez a República in: A República Brasileira. Rio, Bibliex, 1934, pp. 142-178. 8. ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. O Exército e a República in:História do Exército Brasileiro. Rio, Sergraf. IBGE, 1972, v. 2, pp. 671-674. 9. FONSECA, Clodoaldo, Gen. Deodoro e Ouro Preto in: Deodoro e a Verdade Histórica. Rio, Imp. Nac., 1937, pp. 109-111 (Fonte muito esclarecedora). 10. FORTES, Heitor, Gen. 2? Regimento de Artilharia in: Velhos Regimentos. Rio, Bibliex, 1964, pp. 95-133. 11. FRAGOSO, Augusto Tasso, Gen. Revolvendo o passado. Jornal do Commercio. 1940 (Transcrito in: SILVA, Hélio. A República não esperou..., pp. 487-489. 12. GUIMARÃES, Tiago. Como se fez a República, um interview com o Gen. Quintino Bocaiuva in: Idéias políticas de Quintino Bocaiuva. Brasília. Senado Federal e Casa Rui Barbosa. Centro Graf. Senado, 1896, v. 1, pp. 640-646 (textos selecionados por Eduardo Silva). 13. JORNAL DO COMÉRCIO DE SÃO PAULO. Quinze de Novembro - reminiscências e restituições históricas. São Paulo, 17 Dez. 1903 (Transcrito pela RIHGB, LXXIII, parte II, 1910, pp. 124-145 (Entrevista do Visconde de Ouro Preto). 14. MIRANDA, Salm de, Gen. Floriano e a conspiração republicana e no 15 de novembro in:Floriano, Rio, Bibliex, 1963, pp. 94-128. 15. MOREIRA, Ilha, Mar. Deodoro o magnânimo in: Deodoro è a verdade histórica. Rio, Imp. Nac., 1937, pp. 31-98 (Atribui a Deodoro, em 15 Nov., a frase “A República é a nossa única saída e a salvação do Exército”). 16. SENNA, Ernesto. Deodoro - subsídios para a História - notas de um repórter. Rio, 1913, pp. 43-44 (Ata reunião de 09 Nov. no Clube Militar). 17. REVISTA DO CLUBE MILITAR n°? 281 e 281, 1987 (Edições históricas comemorativas do Centenário do Clube Militar em 1987) (Fontes importantes). 18. SILVA, Hélio. Proclamação da República in: A República não esperou amanhecer. Rio, Ed. Civilização Brasileira, 1972, pp. 87-136. 19. TAVARES, Aurélio, Gen. Aristides Lobo e os militares in: Aristides Lobo e a República. Rio, José Olímpio, 1987, pp. 66-71. 20. VIVEIROS, Esther de. A República in: Rondon conta a sua vida. Rio, Coop. Cult. Esperantistas, 1969, p. 45. 21. MARECHAL FLORIANO PEIXOTO

7-INTRODUÇÃO À SESSÃO COMEMORATIVA DO SESQUICENTE- NÂRIO DO NASCIMENTO DO MARECHAL FLORIANO PEIXOTO Cel. Cláudio Moreira Bento

Dia 30 de abril de 1989 assinalou o sesquicentenário de nascimento do 73

Marechal Floriano Peixoto que, como vice-presidente da República, no exercício da Presidência (1891-94), foi consagrado como o consolidador e símbolo da República e, como o Marechal de Ferro, pelos raros exemplos de resistência, energia, valentia, determinação e autoridade, evidenciados em sua atribulada ação presidencial. Voluntário, em 1857, na Fortaleza de Santa Cruz. Cursou as escolas Central e da Praia Vermelha (1858-63), de onde saiu 2º Ten.; de 1º Ten. a major (por ato de bravura) fez toda a Guerra do Paraguai. Como 1º Ten., comandou a esquadrilha fluvial que se opôs à invasão paraguaia ao longo do rio Paraguai. Combateu em Tuiuti no comando de uma Cia. de Engenheiros e esteve presente nas ações de Cerro Corá, que assinalaram, em 19 de março de 1865, o término do conflito. Do término da guerra até 1888, foi promovido a Ten.-Cel. (1874); a Cel. (1879) e a Brigadeiro (1883), aos 44 anos. Obteve o título de bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas e serviu em diversas guarnições e em Alagoas, sua província natal. Ali passou largo período em tratamento de saúde e de interesses particulares, e em funções militares. De 31 de janeiro de 1889 a 15 de novembro de 1894, dos 49 aos 54 anos, por mais de 5 anos, Floriano teve rápida ascensão no cenário nacional. Comandante da 2ª Brigada do Exército, de São Cristóvão (1º RC, 2º RA e B. Eng.), de ação destacada e decisiva após 15 de novembro de 1889; Ajudante-General do Exército interino até 15 de novembro de 1889, é efetivo após; Marechal-de-Campo (1889); Marechal (1890); ministro da Guerra; 19 vice-chefe do Governo Provisório da República; Conselheiro de Guerra; vice-presidente da República, eleito na chapa de Prudente de Morais e vice-presidente no exercício da Presidência da República de 25 de novembro de 1891 a 15 de novembro de 1894. Floriano Peixoto faleceu aos 56 anos, em Resende, na estação da Divisa, atual distrito de Floriano, em 23 de junho de 1895. Data esta deliberadamente escolhida, 43 anos após, para o lançamento da pedra fundamental da Escola Militar de Resende (atual AMAN). Aliás, ele sempre teve especial carinho pela escola e dizia ser esta “a extensão do seu lar”. Como presidente determinou que Jourdan escrevesse a História da Guerra do Paraguai, visando “desenvolver aptidões nos alunos das nossas escolas militares a criar e aperfeiçoar uma tática e uma estratégia apropriadas às condições geográficas especiais do Brasil”. O trabalho de Jourdan com este fim foi aperfeiçoado por longos anos por Tasso Fragoso e traduzido na obra “Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai”. Floriano está sepultado no São João Batista. Em 21 de abril de 1910, teve monumento erigido na Av. Rio Branco, onde em 20 de abril de 1939, presente o presidente Vargas, o ministro Gaspar Dutra, em Ordem do Dia, assinalou: “Que Floriano hoje e sempre seja lembrado no Exército como exemplo de soldado dedicado a sua classe e como patriota, só preocupado com a grandeza e o futuro do Brasil”. Floriano deixou 6 filhos: (Ana (1874); Floriano (1878), Maria Tereza (1881), José (1885), Maria Amáfia (1887) e Maria Josina (1891). Foi casado com D. Josina Peixoto, filha de Alagoas. Recente estudo da professora da USP, Suely de Queiroz, feito longe das paixões da época e com isenção, confirma a opulência da personalidade, a probidade, a honestidade, a Usura, o espírito público e a popularidade do presidente Floriano, após analisá-lo como nacionalista e republicano sincero, soldado competente, estadista e consolidador e defensor da República, além de dar respostas a perguntas basilares que Floriano, espírito reservadíssimo, em seu mutismo e postura de esfinge carregou para o túmulo. Floriano popularizou, dignificou e consolidou a República brasileira. Seu arquivo está no Arquivo Nacional. Seu último biógrafo é Salm de Miranda, 74

em Floriano (Rio, Bibliex, 1963). O Arquivo Histórico do Exército o evocou significativamente, em 27 de abril de 1989, em conferência. letras Cel. Cláudio Moreira Bento, diretor do Arquivo Histórico do Exército, com artigos bastante esclarecedores, baseados em meticulosa pesquisa: 1) Participou com artigos sobre o Marechal Deodoro da Fonseca, nos cadernos especiais dedicados ao Centenário da Proclamação da República, nos seguintes jornais: Jornal do Comércio — Rio;Diário Popular — Pelotas;Diário de Cuiabá; Jornal O Liberal de São Gabriel; Jornal A Platéia de Santana do Livramento; Letras em Marcha, Ombro a Ombro e Jornal de História e Geografia do IHGB e na Revista do IHGRS. 2) Escreveu o artigo “O Clube Militar e a Proclamação da República” no Jornal DO Leitura, suplemento cultural do Diário Oficial de São Paulo com circulação ampla nos meios culturais brasileiros e inclusive nas Unicamp e USP. A mesma matéria foi publicada pela Comissão de Moral e Civismo no Rio Grande do Sul. 3) Em defesa da memória do Marechal Floriano, escreveu artigos no Jornal de História e Geografia do IHGB, Jornal Ombro a Ombro, Defesa Nacional e no Jornal Letras e Artes, da Rioarte, de expressiva circulação no meio intelectual do Rio de Janeiro. 4) As colocações adversas ao Exército estão sendo respondidas em trabalho sob o título “Controvérsias sobre a proclamação da República”.

O Meio Intelectual e as Comemorações Podemos afirmar que foi desenvolvido um esforço compensador para ao menos inibir as colocações distorcidas sobre a proclamação da República com motivação política. Vários intelectuais propuseram colocações obedecendo à seguinte estratégia: deturpar; se impossível, distorcer; se isto for também impossível, omitir a participação do Exército e de suas lideranças na proclamação da República. Registre-se a maneira correta com que a Manchete e o Jornal do Comércio abordaram o tema, o mesmo não podendo ser dito do Jornal do Brasil, Veja e do programa da TV Globo. A Veja ao apresentar o Marechal Deodoro como portador de arteriosclerose e a TV Globo por transmitir uma imagem deturpada e injusta do Marechal Floriano, justo no ano de seu sesquicentenário. As colocações históricas adversas ao Exército giraram em torno das seguintes questões: — A proclamação da República foi um golpe-de-estado dado pelo Exército e assistido pelo povo “bestializado e surpreso”. — Floriano Peixoto foi um traidor, em 15 de Novembro de 1889, e um oportunista e ditador como presidente. — Marechal Deodoro sofria de arteriosclerose e foi incoerente ao dar um viva ao Imperador antes de conquistar o Quartel-General do Exército e que somente proclamou a República sob pressão e não por vontade própria, e outras colocações sempre contra o Exército, “cujas inoportunas intervenções desde então na Política brasileira o transformaram em agente desestabilizador da vida nacional”.

Conclusão A Comissão Coordenadora das Comemorações dos Centenários da pro- clamação da República e da instituição da Bandeira Nacional, sente-se plenamente recompensada, ao constatar que, na cidade do Rio de Janeiro, as referidas efemérides tornaram-se alvos de festivas homenagens e que, sem nenhuma dúvida, foram as mais 75

marcantes de todo o país, graças a cooperação efetiva, preciosa, desinteressada e altamente patriótica, de todos aqueles envolvidos com a programação, que tanto valorizou os festejos e propiciou condições para um agradável congraçamento de gerações em torno da República e da Bandeira Nacional. Infelizmente, apesar de todo o esforço dos elementos envolvidos, a presença de militares e civis aos eventos programados foi reduzida, o que merece um estudo mais aprofundado sobre suas verdadeiras razões. Parece-nos que as preocupações com as eleições presidenciais realizadas nos dias 15 de novembro e 18 de dezembro, não seriam suficientes para justificar o desinteresse popular, razão aventada por muitas pessoas para essa falta de apoio às comemorações. Persiste no meio intelectual um forte interesse em denegrir a participação do Exército na vida do país, fato que está a exigir uma orientação segura à população para se contrapor a essa campanha. Considerando o vulto da programação, a imprensa falada, escrita e televisada teve uma participação insignificante na divulgação dos eventos.

8-ENFOQUES DIVERSOS SOBRE A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

Cel Cláudio Moreira Bento

Em artigo, “Deodoro, o destino de um soldado”, na Revista do Brasil, comemorativa do Centenário da República e em outros periódicos afirmamos:(1) “Os segredos do movimento que culminaram com a proclamação da República foram levados para o túmulo por seus principais protagonistas marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, tenente-coronel Benjamin Constant e major Solon Ribeiro, no Exército — o que deixou um vazio na história de 15 de Novembro, permitindo o surgimento de diversas versões”. A revista Veja, em edição especial,(2 ) assinala a certa altura: “Há versões conflitantes, hiatos inexplicáveis e, dependendo de quem relata, ênfases enganosas na atuação de determinado personagem. Permanece no entanto o essencial da história: naquele dia o Brasil acordou republicano”. Assim cada corrente e conforme o interesse político, mesmo inconsciente, no evento, tem emitido a sua versão do fato histórico. Tentando pôr um pouco de calma nessas controvérsias, as abordagens com apoio em estudos feitos, por ocasião do centenário da República, por diversos e consagrados estudiosos, para que dentro da definição que “Informação é liberdade de escolha”, bastante citada por Francisco Ruas Santos, o estudioso ou pesquisador do presente e do futuro faça juízo próprio e tome posição com a maior segurança possível.

Como principais controvérsias registre-se: 1ª — Proclamação da República, golpe de estado ou revolução? 2ª — Houve apoio popular à proclamação da República ou o “povo assistiu bestializado” o seu advento? 3ª — O Marechal Deodoro proclamou ou não a República? Caso positivo, em que momento? 76

4ª — Deodoro era republicano ou monarquista? 5ª — Qual a real motivação dos militares do Exército (“científicos” e “tarimbeiros”) na proclamação da República e o exato entendimento desta divisão? 6ª — Causas da proclamação da República: Questões políticas? Desequilíbrio de classes ou necessidade de nova forma de dominação? 7ª — Floriano Peixoto conspirador ou traidor em 15 de Novembro? 8ª — Qual a doença que afetava Deodoro no dia da proclamação da República? 9ª — Deodoro deu um viva ao Imperador ao penetrar no Quartel- General em 15 de Novembro ou não? 10ª — Proclamação da República, golpe de estado ou revolução? A primeira dificuldade advém da insegurança e plasticidade dos conceitos de golpe de estado e revolução alienados pelo Dicionário de Ciências Sociais da FGVf). São muito variáveis, dependendo da categoria funcional, ideologia e filosofia do classificador. Diria que é uma questão de foro íntimo. O vencido de um modo geral acha-se vítima de um golpe de estado e o vencedor protagonista de uma revolução, segundo entendimento de um amigo que se diz muito realista. Adotaremos como conceitos de golpe de estado e revolução os de Ortega y Gasset, abordados por Amerino Raposo, em palestra sobre o Clube Militar e a República, em 11 de outubro de 1985, no Colégio Militar. O golpe de Estado “visa exacerbar ou restaurar usos”. Seria uma ação política brusca que freia de golpe um movimento popular, democrático, progressista, consistente e destinado a melhorar as condições do povo em geral. Ação política que visasse, em última instância, manter o status quo. A Revolução “visa mudar usos”. Seria um movimento popular, democrático, progressista, consistente, destinado a melhorar as condições do povo em geral, alterando substancialmente o status quo, por promover mudanças na ordem social e política e avanços em geral para o povo. Dentro desse entendimento, Amerino Raposo classificou a proclamação da República como revolução, por haver mudado o regime e alterado a ordem jurídico- política e não como golpe de estado, classificação adotada pela escritora Raquel de Queiroz, em palestra, na mesma época, no Clube Militar. Conceito esboçado por Barbosa Lima Sobrinho(4) em artigo “O Centenário da República” no Jornal do Brasil, onde reconhece raízes populares na proclamação da República. Também classificou a proclamação da República de golpe de estado ou militar, em palestra no IHGB em 10 de novembro de 1989, o professor Francisco Iglesias. Para Luiz Macedo de Carvalho, em artigo “Ideais Republicanos” (5), a proclamação da República “marcante acontecimento histórico, não pode jamais ser rotulado de golpe de estado, em virtude de, na realidade, ter-se verificado mudança total das instituições, o que sociologicamente, distingue revolução de quartelada”. E busca apoio em Ruy Barbosa (que se aceita a tese de golpe de estado, seria historicamente um golpista), ao escrever, em 16 de novembro de 1889, no Diário de Noticias do Rio: “O Império estava para a República como o Ancien Regime estava para a Revolução Francesa”. Entre as mudanças a caracterizar o 15 de Novembro como revolução e não golpe de estado, o citado historiador aborda: eliminação do poder moderador; extinção da 77

vitaliciedade dos senadores; instituição do federalismo; do presidencialismo e do bicameralismo; decretação do sufrágio universal; separação da Igreja do Estado; e por via de consequência, a liberdade de religião e secularização dos cemitérios e, além, a promulgação do Código Penal e das leis da justiça local e federal, hipotecária, e das sociedades anônimas. Por tudo me alinho entre os que julgam que a proclamação da República foi uma revolução. Se boa ou má é outra questão. Muitos historiadores e escritores usam a expressão golpe militar, para caracterizar uma mudança brusca numa situação com apoio armado. Diversos historiadores que aceitam a participação do povo no processo histórico que culminou com a proclamação da República classificam a derrubada da Monarquia como fruto de um golpe militar, aqui com sentido de apoio armado, circunstâncias comuns nas revoluções e sinônimo de ação militar de surpresa, como na expressão golpe de mão.

2ª — Houve participação popular na proclamação da República, ou o povo assistiu bestializado o seu advento? E qual o sentido usado por Aristides Lobo? Surpresa ou marginalização?

Aristides escreveu, em 15 de novembro de 1889, “Carta do Rio”, publicada no Diário Popular, de São Paulo, em que aplica o termo “bestializado” que até hoje tem sido explorado por uns como marginalização do povo em 15 de novembro de 1889, do processo da proclamação da República e, pelo próprio Aristides Lobo, como tendo o sentido de surpresa, imposto pela necessidade de manter-se segredo sobre a conspiração que ele próprio participou ativamente. Eis o teor do trecho explorado negativamente(6), abordado em sua recente biografia por A. de Lyra Tavares. “O que se fez é um degrau; talvez nem tanto para o advento da grande era. Em todo o caso o que está feito pode ser muito, se os homens que vão tomar a responsabilidade do poder (e ele era um deles) tiverem juízo, patriotismo e sincero amor à liberdade. Por ora, a cor do governo é puramente militar e deverá ser assim. O fato foi deles, só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula. O povo assistiu bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam estar vendo uma parada”. Este é o trecho explorado pelos que negam a participação popular no processo que culminou com a proclamação da República. O trecho a seguir, geralmente omitido pelos que defendem a alienação popular, e explorado pelos que defendem o sentido de bestializado como sendo o de surpresa, possui o seguinte teor: “Era um fenômeno digno de ver-se. O entusiasmo veio depois, veio mesmo lentamente, quebrando o enlevo dos espíritos. Pude ver a sangue frio tudo aquilo”. O acadêmico e escritor A. de Lyra Tavares, ainda a respeito dessa controvérsia, assim escreveu na Revista do Exército Brasileiro,(7) comemorativa ao Centenário da República: “O momento e o processo militar da proclamação da República chegaram inesperadamente, como tinha de acontecer, porque tudo fora tramado secretamente, entre os principais condutores do movimento, militares e civis, pois do contrário ela correria o risco de perder-se. A surpresa, como teve de explicar, depois, Aristides Lobo, para esclarecer a sua carta controvertida, sobretudo pelos monarquistas, estava, principalmente, no como, no quando e no com quem desencadeá-lo, pois, do contrário, o 78

movimento correria o risco dc perder-se. Porque era fácil pressenti-lo. Os indícios eram visíveis e ouvíveis. Estavam nas reuniões, nos comícios, nos jornais republicanos e na própria repressão policial. Vivia-se, por isso mesmo, num ambiente carregado, que recomendava sigilo, mas não inatividade. Basta lembrar o Clube Tiradentes, com o nome do mártir da Inconfidência Mineira, completamente esquecido pelo Império, homenageado e revivido, em hora oportuna, sob a presidência de Aristides Lobo”. Assim creio que, em 15 de novembro de 1889, houve participação popular no sentido descrito por Barbosa Lima Sobrinho “de que a queda da Monarquia correspondeu aos sentimentos do povo brasileiro” e não o de participação efetiva na ação militar que derrubou o gabinete Ouro Preto, a qual foi fruto de uma bem urdida, coordenada, secreta conspiração republicana, que se envolvesse o povo poderia pôr a perder a conspiração e produzir outros Tiradentes, além de arriscar inutilmente a vida de populares desarmados. A participação popular se intensificou a partir da derrubada do Gabinete Ouro Preto e foi expressiva na proclamação da República, a concluir-se , de Luiz Wemeck da Silva, no Congresso de História sobre a República, no 1HGB. O sentido bestializado, atônito, surpreso do povo do Rio de Janeiro, , em 15 de novembro de 1889, foi conseqüência do secretismo, por medida de i segurança, com que foi conduzida a revolução republicana até a derrubada do i Gabinete de Ouro Preto. Conquistado esse objetivo, a participação popular j intensificou-se até a proclamação da República, durante o resto do dia 15 de l novembro, conforme ainda Aristides Lobo: “Era um fenômeno digno de / ver-se. O entusiasmo veio depois, veio mesmo lentamente”. Barbosa Lima Sobrinho, em artigo já citado no Jornal do Brasil, no (alto de sua autoridade de historiador membro do IHGB, acadêmico e presidente da ABI, afirmou: “Aos partidos dos tempos da Monarquia bastava j serem afastados do poder para combaterem as instituições, como tantas vezes 5 aconteceu. Não seria exagero reconhecer que a queda do regime correspondeu aos sentimentos do povo brasileiro, cujo republicanismo espontâneo se reforça; Com a hostilidade ao Terceiro Reinado”. E noutro trecho: “Só não concordo com a frase de Aristides Lobo, que o povo assistiu bestializado à proclamação da República”. Hélio Silva, em polêmica com José Joffily(8), afirma “não ter havido participação do povo brasileiro na proclamação da República e que até o povo í

O ministro Clóvis Ramalhete em palestra sob o título “República, uma surpresa da História”, em 29 de setembro de 1989(10), diz a certa altura: “Os fatos sempre apontaram a República para o desfecho do futuro do Estado Soberano do Brasil, ainda em curso de formação”. E mais adiante: “Assim, a partir da insatisfação militar que apenas pretendia depor o Ministério, os fatos aglutinaram-se, forçaram caminho, e conduziram os insurretos à proclamação da República — em poucos dias de surpresa”. Aliás, o princípio de guerra da surpresa é, em Arte Militar, um dos mais seguros passaportes para a vitória. E ela foi conseguida em 15 de novembro. Do contrário, é bem provável que tivesse havido um confronto sangrento. E a correta aplicação desse princípio de guerra se deve a expressão do Estado de São Paulo, de 16 de novembro, então Província de São Paulo: “Nunca uma República foi proclamada com tanto brilhantismo e tanta paz . Nelson Werneck Sodré em recente trabalho, “A República (Uma revisão Histórica)(11), afirma: “A idéia da República não se gerou na proclamação de Deodoro. Este apenas aceitou um fato consumado e lhe deu forma e sentido prático. O episódio em si carece de importância, serve apenas para as comemorações e para os quadros e monumentos. Porque a República já estava na consciência do povo... E foi a proclamação de Deodoro que anunciou publicamente a mudança. A Monarquia terminou sem resistência, porque não tinha base política para isso. O episódio de 15 de novembro de 1889 coroou um longo processo e se tomou viável, como uma festa, sem luta, sem contrastes, justamente porque os alicerces estavam lançados e eram profundos e firmes.” Assim, o 15 de novembro de 1889 foi o epílogo feliz de um longo processo revolucionário republicano, iniciado em 1710 em Olinda, no qual houve intensa participação popular no sentido descrito por Barbosa Lima Sobrinho “de que a queda da Monarquia corresponde aos sentimentos do povo brasileiro”. Dominada a situação militar por Deodoro, às 9.00 horas da manhã, o povo passou a ter crescente participação, particularmente através da Câmara do Rio de Janeiro, que proclamou a República à tarde e passou a forçar Deodoro até que este a decretasse, para todo o Brasil, após. E assim foi que Aristides Lobo passou a definir a situação, das 900 horas da manhã até a noite: “Era um fenômeno digno de ver-se. O entusiasmo veio depois, veio mesmo lentamente...” A respeito do 15 de novembro de 1889 e da eficaz participação popular na revolução republicana (1710 — 1889), cujo desfecho feliz e incruento foi a proclamação pelo Marechal Deodoro, reafirmamos, ampliado o que escrevemos na álbum A Guarnição do Rio de Janeiro na Proclamação da República (12 ): O Marechal Deodoro e os que o apoiaram em 15 de novembro concretizaram os sonhos e aspirações, então amadurecidos, dos olindenses em 1710; dos poetas da Inconfidência; dos inconfidentes mineiros e baianos; dos libertários nordestinos de 1817 e 1824; dos republicanos liderados por Gonçalves Ledo, em 1822; da quase maioria dos deputados brasileiros de 1832; dos sabinos da Bahia; dos republicanos farrapos (1836-45 — catarinenses e gaúchos); dos convencionais paulistas de 1870 e 1873; dos signatários da moção pebliscitária de São Borja e das demais Câmaras que a apoiaram; dos clubes 80

republicanos; dos republicanos históricos; de civis e militares e de milhares de brasileiros de todos os segmentos sociais que desde a Guerra dos Mascates, em 1710, em Pernambuco, sonharam e lutaram e até se imolaram pelo advento da centenária República brasileira. Como negar-se participação popular na proclamação da República face ao exposto?

3ª — O Marechal Deodoro proclamou ou não a República, caso positivo, em que momento? No citado Congresso de História sobre a República no IHGB, de 8 a 10 de novembro de 1989, a Dra. Helga Landgraf Piccolo, relatora geral da 2ª Seção, a certa altura colocou que até hoje se discutia se o Marechal Deodoro proclamou a República ou não. No plenário, concordaram que Deodoro não havia proclamado a República, os historiadores Lourenço Luiz Lacombe, Joaquim Ponce Leal e Affonso Celso Vilela de Carvalho. O esclarecimento da dúvida foi feito pelo historiador, 2º vice-presidente do Instituto, Jonas Correia, que lembrou que Deodoro proclamou a República, à tarde, ao assinar o Decreto nº 1 do Governo Provisório, que era taxativo: Artigo 1º — Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de governo da Nação Brasileira — a República Federativa (os grifos correspondem às ênfases do ilustre vice-presidente citado). A certa altura, percebeu-se que a dúvida referia-se ao momento em que Deodoro penetrou no Quartel-General e recebeu a adesão da tropa que o defendia, quando, segundo Calmon, “Deodoro dominou a situação, conquistou o Governo e passou a presidir o futuro”. Houve unanimidade, na assembléia, de que Deodoro aí não se manifestou sobre República, nem após derrubar o Gabinete Ouro Preto, o que só o fez por escrito, através de Decreto e como presidente provisório. Depois de penetrar no Quartel-General e obter a adesão da tropa que o defendia, pode-se afirmar, simbolicamente, que Deodoro conquistou o poder para proclamá-la, sem tê-lo feito, no entanto. Assim, a gravura clássica de Deodoro a cavalo, penetrando no Quartel- General, pintada por Henrique Bernadelli, não simboliza Deodoro proclamando a República e, sim, “dominando a situação no pátio do QG, conquistando o governo, passando a presidir o futuro”, na feliz interpretação de Pedro Calmon(13). Em 15 de novembro, Deodoro viveu pelo menos cinco momentos decisivos, sendo o mais crítico o forçamento do portão do Quartel-General e, em seguida, sua aclamação pelas tropas que o defendiam internamente. Estes momentos decisivos foram sucessivamente: 1 — Conquista da adesão das tropas que defendiam o QG pelo lado de fora. 2 — Incidente com o ministro da Marinha, Barão de Ladário, o qual poderia ter sido neutralizado por ferimento grave ou por morte. 3 — Conquista da adesão das tropas que defendiam o QG pelo lado de dentro. 4 — Deposição do Gabinete Ouro Preto, na Secretaria da Guerra. 5 — Assinatura do Decreto n9 1, proclamando a República, à tarde. Acreditamos que Bernadelli quis fixar para a posteridade, sobre a proclamação da República, o seu momento mais crítico e decisivo. 4ª — Deodoro era republicano ou monarquista? 81

Esta é outra questão polêmica. Deodoro não se definia republicano. Mostrava- se grato aos conservadores por terem defendido o Exército em determinadas ocasiões. No Sul, manteve estreitos contatos com os republicanos Júlio de Castilhos e Assis Brasil, nos quais declarou que seria capaz de votar. O historiador Alberto Martins da Silva, em comunicação no citado Congresso de História da República, no IHGB, demonstra que Deodoro era cercado e convivia com parentes declaradamente republicanos, como o seu irmão Pedro Paulino e o seu sobrinho Hermes da Fonseca. Aliás, sobre este assunto, o historiador Ponce Leal, em comunicação a CEPHAS do IHGB, em 1989, transmitiu informação de que o major Floriano Peixoto e mais o futuro Barão de Ladário participaram de reunião secreta no Rio de Janeiro, na qual foi preparado o Manifesto Republicano de Itu, fato repetido por José Caetano de M. Requião ao escrever sobre o “Barão de Ladário e a Proclamação”.(14 ) O acadêmico historiador Francisco Assis Barbosa(15), em artigo “Pedro II e a queda da Monarquia” menciona, com o apoio de André Rebouças, a seguinte afirmação de D. Pedro II: “Eu sou republicano... Todos o sabem. Se fosse egoísta proclamaria a República para ter as glórias de Washington... Somente sacrificaria o Brasil à minha vaidade... porque as províncias não têm pessoal para a Federação e seria um desgoverno geral, que acabaria pela separação”. Sobre a Monarquia, segundo Eça de Queiroz, citado por Francisco Assis Barbosa: “Nada separava a República da Monarquia, a não ser o Imperador, que se tinha a tal ponto desimperializado, que entre a Monarquia e a República não havia se não um fio — tão gasto, tão frouxo, que para o cortar de um golpe brusco bastou a espada do Marechal Deodoro da Fonseca”.(16 ) Concluindo, embora Deodoro não fosse republicano ardoroso, sofreu muita influência familiar para colocar-se ao lado dessa nova idéia. Ou por outro lado, que embora não se definindo republicano, possuía a idéia de República na cabeça, como única alternativa de sobrevivência do Exército e acesso da classe militar à cidadania, no sentido de participação legislativa e na administração do país e assim minorar a situação do Exército, definido pelo insupeitíssimo Eduardo Prado, citado por Américo Jacobina Lacombe: “O Contra o Imperador, Deodoro não tinha a não ser o convencimento de que não mais governava, por doente, conforme o demonstrou exaustivamente o citado professor Américo Lacombe, em artigo “A Questão Militar” citado, resultado de palestra no Curso os “Militares e a Proclamação da República”, no IHGB e Eceme. Essa consideração e o impedimento por doença do Imperador foi demonstrado pelo irmão do Marechal Deodoro, Coronel João Severiano da Fonseca, em discurso no IHGB em 19 de novembro de 1889(17): “A retirada do Imperador não foi um castigo, foi conseqüência imperiosa, imprescindível, fatal, da nova ordem de coisas, Foi uma necessidade inevitável. E com ele seguiram todo o respeito, estima e veneração que os brasileiros devem e têm a esse grande virtuoso varão. Saiu porque não podia ficar. Não é um decaído. É, antes, um aposentado retirando-se com todas as honras e distinções”. Mas, hoje, não há sombras de dúvidas de que o Marechal Deodoro foi proclamador e instalador da República brasileira.

5ª — Qual a real motivação dos militares do Exército (científicos ou tarimbeiros) na proclamação da República e o exato entendimento dessa divisão? 82

As posições dos tarimbeiros, liderados pelo Marechal Deodoro, eram de sentido profissional militar. Ou seja, uma reforma redentora do Exército para reverter o seguinte quadro, assim definido pelo já citado insuspeitíssimo Eduardo Prado: “O Exército estava esquecido, mal organizado e desestimulado”. Portanto, tratava-se da atualização do Exército em Arte e Ciência Militar, que vinha sendo descurada e mantida a níveis incompatíveis com a projeção do Brasil no cenário internacional, além de desviado de suas funções normais, como o emprego na captura de criminosos e escravos fugidos. Os tarimbeiros, através de suas lideranças, queriam ser verdadeiros soldados “e não lacaios”, no dizer de Ruy Barbosa ou “janízaros” no dizer de Benjamin Constant, em célebre discurso na Escola Militar em presença do ministro da Guerra. Queriam integrar um Exército de verdadeiros soldados profissionais e não uma instituição dominada, segundo Goes Monteiro, mais tarde, “por um espírito miliciano ou pretoriano”. Conforme artigo nosso, no Letras em Marcha, de março de 1990. Personalidades como Cotegipe e Ouro Preto, cientistas jurídicos, não tiveram sensibilidade para perceber esta colocação dos cientistas militares. E daí resultou um confronto nocivo para a nação que perdurou de 1831-1930, com reflexos negativos até hoje. Queriam desagravar à força de maus tratos, humilhações e desrespeito aos valores comuns em todo mundo aos soldados (honra, pundonor, brio, etc). Os científicos possuíam valores antagônicos ao tarimbeiro. Desprezavam os tarimbeiros, junto com a sociedade que, seguindo Goes Monteiro, revelava “um repúdio ao espírito militar brasileiro, sob a forma de antimilitarismo”. Mais um preconceito nocivo à nação brasileira. Segundo Edmundo Campos Coelho, os científicos defendem a tese do cidadão — soldado “com direito de livre manifestação e de pensamento e crítica e uma disciplina militar inteligente e pensante”(19). Os tarimbeiros eram orgulhosos, cultivavam seus feitos militares e ostentavam orgulhosos suas medalhas conquistadas em defesa do Brasil. Os científicos, sob influência da religião da Humanidade, segundo Tasso Fragoso, aluno das escolas Militar da Praia Vermelha e Superior de Guerra, até a proclamação, questionavam as glórias do passado militar do Brasil e debochavam dos veteranos da Guerra do Paraguai “que desfilavam com o peito coberto de medalhas”. O científico Visconde de Taunay registra que, quando um civil queria humilhá-lo, o chamava por major, e se queria prestigiá-lo o chamava de doutor. Benjamin Constant, líder dos científicos, que gozavam de certo prestígio na sociedade, preferia ser chamado de doutor do que tenente-coronel. Os tarimbeiros queriam melhores condições para defender o Brasil como verdadeiros soldados e os científicos lutavam por acesso à cidadania, para participarem da construção e administração política, então dominada, de modo desequilibrado, por bacharéis de direito egressos da classe dominante.(20) Essa dicotomia foi fruto do ensino militar equivocado de 1873-1905, só corrigido com o Regulamento de Ensino, em 1905, que freiou o bacharelismo militar dos científicos e consagrou o profissionalismo militar dos líderes tarimbeiros. Mas essa valorização do cientificismo militar perdurou ainda longo tempo no inconsciente coletivo do Brasil, sob a forma de os mais privilegiados, intelectualmente, preferirem as armas técnicas do que as armas-base. Em 15 de novembro de 1889, Deodoro era líder da corrente tarimbeira e Benjamin Constant, o líder da corrente dita científica. 83

Benjamin Constant, ministro da Guerra, com o Regulamento de Ensino de 1890, agravou ainda mais o problema do cientificismo e da figura do cidadão — soldado, em detrimento do soldado profissional, só corrigido a partir de 1905, mas com algumas recaídas. Essa crítica é lugar comum na voz de grandes chefes e profissionais militares que cursavam a Escola Militar (1873-1905) e que vieram a liderar a Reforma Militar (1897- 45). Assim, em 15 de novembro de 1889, os tarimbeiros e científicos conseguiram participar decisivamente da proclamação, com os seguintes objetivos conflitantes: Tarimbeiros: Atalhar a extinção ou erradicação em curso no Exército e desa- gravo por maus tratos, desatenções, humilhações e marginalização do Exército do processo de atualização doutrinária. Enfim, melhorar a operacionalidade do Exército, em níveis compatíveis com a responsabilidade do Brasil no cenário internacional. Científicos: Derrubar a Monarquia, por motivação republicana e condição de acesso à cidadania, traduzida pela participação no governo e administração civil, além de influência positivista. A Questão Militar traz em seu bojo muito desse anseio profissional militar justo, patriótico e minimizado e contrariado pelos sucessivos gabinetes de ministros de 1865 - Guerra do Paraguai, a 1889 - proclamação da República. Assim, nesse período de 24 anos, 80% dos ministros da Guerra foram parlamentares, bacharéis de direito e somente 20% militares ao nível de heróis nacionais e titulares do Império: Caxias, Osório, Pelotas e Maracaju. Esse anseio não tem sido bem apanhado e compreendido pelos historiadores atuais. É preciso que o percebam para a correta interpretação da História do Brasil. A Reforma Militar foi realizada de 1897-1945 por muitos profissionais militares veteranos ou filhos de veteranos — soldados da Guerra do Paraguai: Medeiros Mallet, Argolo, Hermes da Fonseca, Caetano de Farias, etc. 6ª — Causas da Proclamação da República. Questões Políticas. Desequilíbrio de classes ou nova forma de dominação? É clássica e generalizada a interpretação de que a República teve como causas a Questão Religiosa, ou epíscopo-maçônica, a Questão Militar, a Abolição, a doença do Imperador e a indesejável perspectiva de um 39 Reinado. Esta é a interpretação geral que faço. Hélio Silva, consagrado estudioso da República, em seu último trabalho O primeiro século da República (Rio, Jorge Zahar Editor, 1989) em linhas gerais reafirma aquelas causas, todas muito bem exploradas e aproveitadas pela propaganda republicana. Américo Jacobina Lacombef21), ao radiografar a Questão Militar, a viu como uma reação dos militares contra os bacharéis de Direito, egressos das classes dominantes e que controlavam o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e até a Imprensa, num flagrante desequilíbrio de classes. É que, em 15 de novembro, os militares x bacharéis de Direito jogaram a própria sobrevivência do Exército, objeto de uma política de erradicação iniciada por volta de 1831, segundo demonstrou Edmundo Campos Coelho(22), com o qual concordo. Para Sandra Pesavento,(23) o Brasil se achava conectado, por laços comerciais a um mercado capitalista, desde a fase colonial, mas se tratava, agora, (final do Império) da penetração do capitalismo na estrutura interna brasileira. No bojo desse processo de transformação surgiram novos grupos sociais, que passaram a pressionar o sistema instalado: a burguesia cafeeira, na liderança da 84

renovação econômica, segmentos urbanos e um novo Exército, com aspirações de participação política. As classes emergentes - burguesia e classe média — associadas ao grupo funcional descontente (Exército), articularam a queda da Monarquia. Quanto aos militares, no quadro institucional vigente, tornava-se impossível sua participação no processo decisório do poder. É o que José Luiz Werneck chamou de negação aos militares de acesso à cidadania(24) e por via de conseqüência, influir com Ciência e Arte Militar na construção de um Exército compatível com o estágio atingido pela nação, o que lhes era negado.

Mário Maestri Filho assim falou em palestra no Curso 19 Centenário da República, promovido pela Comoci/RS(25): “Cremos ter a escravidão fecundado essencialmente dois terços da história nacional e determinado, quando de sua crise, a gênese do Estado republicano”. Para o citado historiador da República teria surgido como “necessidade de nova forma de dominação”. Américo Jacobina Lacombe, no artigo citado “A Questão Militar”(26), documentou expressivamente a doença do Imperador, detalhe que não escapou aos líderes republicanos da época, que se apressaram a fazer a República, pacificamente, pelo afastamento do Imperador doente, para evitar ter de fazê-lo, com sangue, com o Conde D’Eu, que segundo interpretação que ouvi, contava com oposição da Inglaterra, fato não confirmado. Assim, as causas da República variam entre a Questão Militar e a Abolição, como determinantes e a Questão Religiosa e a doença do Imperador como acessórias e mais as seguintes, registradas por Barbosa Lima Sobrinho e Clóvis Ramalhete(27) como causa da proclamação da República: “O costume dos políticos liberais e conservadores que, quando caíam do poder, minavam indiretamente a Monarquia, com críticas amargas ao Imperador e, por não defendê-la, terminaram por esgotar uma autoridade.” Autores como o acadêmico A. de Lyra Tavares vêem na Guerra do Paraguai, através(28) de suas conseqüências econômicas, políticas e sociais uma das causas da República, com o que concordamos. Resumindo, como causas da Proclamação da República, teríamos: — Conseqüências da Guerra do Paraguai; — Questões Religiosa e Militar; — Abolição; — Doença do Imperador; — Perspectiva indesejável de um II Reinado; — Mau costume de políticos liberais e conservadores minarem indiretamente a Monarquia, quando fora do governo, por ataques amargos ao Imperador; — Propaganda republicana objetiva.

Escrevemos sobre o assunto as seguintes considerações(29): Outro buraco negro que ficou na história da proclamação da República, consiste na explicação e reconstituição das ações e pensamentos do Marechal Floriano Peixoto nos dias 13, 14 e 15 de novembro de 1889. Por isso, seu biógrafo, Salm de Miranda, em Floriano, escreveu: “O Marechal- 85

de-Campo Floriano Peixoto é, incontestavelmente, um dos personagens mais discutidos da proclamação da República. Os maiores ataques que lhe têm sido feitos, as maiores dúvidas contra ele o focalizam durante a jornada de 15 de novembro. Acusam-no uns de desleal porque, sendo Ajudante-General do Exército, praticamente o Comandante do Exército, não reuniu forças, não tomou providências, nem comandou a resistência. Acusam-no outros de duplicidade de atitudes, porque estava junto ao Gabinete Ouro Preto, reunido no Ministério do Exército, apesar de conhecer e estar comprometido com a conspiração. Acusam-no de apático e indiferente aos graves acontecimentos de que foi parte”. E aqui é importante que se refira ao que se disse o líder civil do movimento, Quintino Bocaiuva, sobre o Marechal Floriano na conspiração de que resultou o 15 de novembro: “O Floriano era dos nossos, havia muito. Era mesmo dos que estavam senhores do movimento. Era apenas cauteloso, com ronha (astúcia), que todos lhe conheciam. De vez em quanto dizia: Vejam bem o que vão fazer. Não se precipitem”. (Fonte: Idéias Políticas de Quintino Bocaiuva, 1987, V. 1. p. 646). O Marechal Rondon, testemunha e também um dos protagonistas do 15 de novembro de 1889, viu, como preocupação central de Floriano, evitar derramamento de sangue nesse dia, o que foi conseguido. “Medeiros de Albuquerque conta que recebeu convocação de Aristides Lobo para uma viagem urgente e confidencial a São Paulo. Da sua missão constava um fato importante que ele contou a Campos Sales: Floriano Peixoto estava firmemente conosco. Convidado por Deodoro, ele declarara que, para derrubar o ministério, não concorreria. Prestaria, porém seu apoio, se preciso fosse, para a proclamação da República”.(30) É atribuída a Benjamin Constant a revelação de que, caso Deodoro não pudesse liderar a 2ª Brigada em 15 de novembro, que ela o seria por Floriano, que era Comandante de toda a Guarnição do Exército do Rio. Floriano continuou Ajudante-General na confiança de todo o Governo Provisório. Não resta dúvida que ele estava senhor de toda a trama republicana e foi um dos seus pilares. Após 15 de novembro exerceu cargos da maior importância, sendo eleito vice- presidente da República, na chapa de Prudente de Morais. Foi consagrado pela História como o Marechal de Ferro e o brasileiro “que dignificou, popularizou e consolidou a República”.(31) A TV Globo, em seu programa alusivo à proclamação da República, transmitiu aos telespectadores uma falsa e injusta imagem do Marechal Floriano, que não encontra amparo em nenhuma interpretação histórica séria, justo no ano do sesquicentenário desse grande brasileiro. Apresenta-o inclusive como ditador, o que Jonas Correia prova em contrário, assegurando a legitimidade constitucional do seu mandato presidencial em artigo “Floriano Peixoto — o consolidador da República”.(32) Umberto Peregrino, em artigo “Marechal Floriano Peixoto — o consolidador e símbolo da República”, após traçar o retrato do grande brasileiro, assim finalizou(33): “Floriano, pelo seu exemplo de homem do povo, nas origens e na simplicidade do seu viver, sensibilizou a alma nacional para a causa da República incipiente e frágil, no sentido do interesse popular. Querido o presidente, querida ficou sendo a República, salva, talvez, por ter sido Floriano quem foi. 86

Por tudo é possível afirmar-se “Floriano, símbolo e consolidador do centenário da República brasileira”. Essa afirmação por certo encontra amparo em recentes pesquisas históricas, como o livro Os radicais da República, da Profª Suely R. R. de Queiroz, da USP, focalizando o jacobismo e por nós resenhado em artigo com o nome do livro no Jornal Letras e Artes (Nov/Dez 1989, da Rio/Arte e no Jornal Ombro a Ombro, Nov 1989). É a voz do Tribunal da História e não das conveniências conjunturais Sobre Floriano, em seu sesquicentenário, escrevemos no Jornal do Comércio, Revista Defesa Nacional, Letras em Marcha e Jornal de História e Geografia. Talvez foi das raras e poucas homenagens que o ilustre brasileiro e soldado recebeu. Sinal dos tempos! ! Será que o programa da TV Globo anulou a verdade histórica?

8ª - Qual a verdadeira doença que acometia o Marechal Deodoro em 15 de novembro? Com apoio em Alberto Martins da Silva, historiador militar e estudioso da família Fonseca, na proclamação da República!34): “O Marechal Deodoro sofria de asma brônquica crônica que era exacerbada com mudanças de temperatura e stress emocional”. A Veja, relativa à proclamação da República, registra que o Marechal sofria arteriosclerose neste trecho: “A arteriosclerose e a falta de ar freqüente- mente fazem com que Deodoro oscile rapidamente entre a exaltação e a prostração — como aconteceu na sexta-feira passada”. A esse respeito escrevemos a Veja, de que somos assinantes, a seguinte carta, não respondida: “Rio de Janeiro, RJ, 02 de outubro de 1989 limo. Sr. Diretor da revista VEJA

REPÚBLICA A reportagem “100 anos de República” surpreendeu estudiosos do assunto por apresentar pela primeira vez o Marechal Deodoro como sofrendo de arteriosclerose. É assunto que merece ser comprovado para ser levado em conta. Até hoje, era conhecido que ele sofria de asma brônquica crônica, que se exacerbava com “stress” e mudanças de tempo, e que em 15 de novembro, estava em pleno domínio de suas faculdades mentais. Ao contrário do Venerável Imperador, vítima de diabetes; apresentando envelhecimento acelerado, perdas de memória e abulia, circunstâncias que teriam apressado, também, a República. O jornalista ou historiador que classificou de arteriosclerose, ironiza as palavras “pundonor, brio, dignidade e hombridade” do Exército, aliás valores inerentes a todos os exércitos do mundo, desde que eles existem. Aliás, o redator tem, como jornalista ou historiador, também escala de valores que fazem a grandeza dos verdadeiros profissionais dessas especialidades. Aos que na época não compreendiam a escala axiológica dos militares, estes os acusavam de quererem que o Exército “ao invés de soldados verdadeiros fosse 87

constituído de “lacaios ou de janízaros”. Aliás, a força invisível desses valores foi que impulsionou Deodoro em 15 de novembro, na seguinte forma descrita por Quintino Bocaiuva: “Deodoro, eu soubera na véspera, estava com o peito que era uma chaga (devido a ventosas), incapaz de apanhar um chinelo. Entretanto, procurado em nosso nome, fez um esforço sobre-humano, fardou-se, pediu um carro e saiu, pela manhã, para São Cristóvão. No Mangue, encontrou-se com a força (2? Brigada) e então aquele homem, quase morto, transfigurou-se ao som marcial dos clarins. Saltou do carro, tomou o cavalo de um oficial e pôs-se à frente do Corpo para comandar a vitória”.(3S) O que o clarim mexeu foi no pundonor, brio, dignidade e hombridade de um soldado. Um grande soldado. Um dos maiores que o Brasil possuiu, conforme tivemos oportunidade de escrever.(36) Fala-se muito em ataques de dispnéia sofridos por Deodoro. Enfim, este assunto deve ser definido por médicos. Nos parece, à primeira vista, o diagnóstico de arteriosclerose malicioso, até prova em contrário. 9ª — O Marechal Deodoro deu um viva ao Imperador ao penetrar no Quartel- General em 15 de novembro ou não? Esse é um argumento usado para diminuir Deodoro e apresentá-lo como incoerente. Quem afirmou isso foi, mais tarde, o Marechal Rondon, que participou do 15 de novembro como alferes, cursando a Escola Superior de Guerra em depoimento a Esther de Viveiros(37): disse ter ouvido Deodoro dar um viva ao Imperador. Não existe fonte segura para afirmar ou negar. Para Humberto Peregrino, no IGHMB, seria compreensível, pois não havia nada contra o Imperador, preservado e respeitado, em todos os momentos, mas sim contra uma situação adversa ao Exército. Essa consideração fica bem clara em todos os lances da proclamação, dentro do que era possível naquelas críticas circunstâncias. Havia uma realidade. O Imperador estava doente e incapaz de governar em toda a sua plenitude. E disso estava consciente a liderança republicana. É indiscutível o respeito e veneração que D. Pedro II sempre mereceu dos brasileiros, e neles se inclui Deodoro. Não seria de estranhar de Deodoro dar um viva ao Imperador, pouco antes de depor o Gabinete Ouro Preto. Para Amerino Raposo, o fato de Deodoro vivar o Imperador, poderia ser parte de um ritual de liderança, para afirmá-la sobre as tropas que defendiam o interior do Quartel-General, por confundi-las momentaneamente, para dominá-las. Por solicitação de Américo Jacobina Lacombe, nada encontrei a respeito, como norma no Regulamento de Continências do Exército da época, de um Comandante dar viva ao Imperador. É uma questão sem resposta segura. Mas, em realidade, a Família Imperial foi aposentada compulsoriamente, cercada do máximo de consideração possível. Não foi massacrada pelo terror, como nas revoluções francesa e russa. É a maneira brasileira de se fazer as coisas. E isto é pouco reconhecido. Muitos brasileiros festejaram mais a Revolução 88

Francesa com suas “Luzes e Trevas” do que o centenário da República brasileira, feita pacífica e incruenta. É um fato a ser estudado por sociólogos e psicólogos, talvez?

Uma importante consideração O venerando e legendário jurista Sobral Pinto (SP), em entrevista ao jornal Diário de Cuiabá, de 15 de novembro de 1989, foi perguntado e assim respondeu em entrevista à Agência Estado (AE): “AE: Valeu a pena termos entrado na República através de um golpe? Uma vez que os militares estavam mais preocupados com suas relações de poder do que com as populares aspirações republicanas? SP: Embora não seja, e não tenha sido jamais monarquista, respondo, sincera e lealmente: Não valeu a pena. O país não estava preparado, em fms de 1889, para viver sob o regime republicano. Proclamado pelos militares, o regime sempre esteve sob a pressão e a fiscalização deles. As crises, que surgiram no país, ao longo de 100 anos de República, tiveram a sua origem em elementos saídos dos quartéis, habilmente manipulados por civis ambiciosos de poder e mando. O militar, em virtude de sua educação e formação, é necessariamente autoritário, o que é normal e natural na sua profissão. O governo de uma Nação, porém, tem a sua base essencial no Direito e na Justiça, aplicados na forma da Lei Constitucional da Nação, e através do debate sério e do argumento correto, temperados pela tolerância. Tudo isso é, evidentemente, incompatível com a mentalidade militar. Urge não esquecer, todavia, que o militar é elemento indispensável no governo de qualquer país civilizado.” Espero que todas as nossas considerações sirvam para rebater como distorcida a pergunta (afirmação) da Agência do Estado e concordar com o ilustre jurista “que o militar é elemento indispensável”. E foi justamente aí que falharam os juristas do Império (1831-89), querendo erradicar o Exército como o comprovou Edmundo Coelho Campos (3 8) ou por marcarem uma presença maciça e monopolista do poder e provocarem a questão militar (3 9 ) conforme o comprovou Américo Jacobina Lcombe, com apoio no brasilianista John Schultz na tese O Exército e os políticos, 1850-1894. Tese na qual ele resgata a luta nos bastidores do poder entre os bacharéis de Direito e militares com apoio por sua vez nos jornais O Militar e O Soldado, revelados pela Biblioteca Nacional, na sua Exposição Comemorativa do Centenário da República. Talvez da leitura do comportamento abusivo dos bacharéis ou legistas do Império o ilustre jurista venha, com imparcialidade, a compreender. O ilustre jurista vê a importância e a indispensável participação militar no governo de qualquer país civilizado. Mas os juristas do Império não tiveram esta visão, repetimos, e daí se estabeleceu o confronto militares e juristas, que teve seu ponto culminante em 15 de novembro e ainda continuou forte na República Velha dominada por oligarquias. Outra lição a ser colhida é a de que os militares brasileiros sempre interferiram no processo em busca da construção de uma força com operacionalidade à altura da nação. O exemplo da tranqüilidade da Nova República se deve ao entendimento sincero, pelo Governo, desta aspiração justa, repetimos, não entendida pelos dirigentes do Império, predominantemente bacharéis de Direito. ' * A sociedade brasileira, como um todo para entender o Brasil, precisa fazer uma leitura da história das relações militares x bacharéis de Direito no governo de 1831-1930, à semelhança do que acaba de ser feito pela mestre em História, Leila Capella(40) em 89

artigo “O Exército, a República e a Nação Brasileira”. Por aí se verá que o bicho não tem sido tão feio como pintam, segundo expressão popular. Para finalizar e como reflexão presente e futura, vale recordar a seguinte expressão de Goes Monteiro, nos anos 30 :(41) “As Forças Armadas têm sido, no Brasil, um fulcro de explorações, apoiando, às vezes, se bem que enganadas, as mais torpes mistificações de falsos Salvadores da Pátria ... ora no pelourinho, ora num falso pedestal”.

(1) Ano 4, n9 8/89, p. 39 e também publicada em Letras e Marcha, nov. 89, na Defesa Nacional, n9 744, Jul/Ago 89 e nos Anais do Congresso de História do IHGB sobre a República. (2) Edição Especial n? 37, dedicada ao Centenário da República, p. 5. (3) Editado pela Editora FGV (MEC-EME), 1982, pp. 520-521 e 1045 e 1076. (4) Jornal do Brasil, Rio, e transcrito no Jornal O Corujão da AMRJ — Resende, de 15 nov 1989. (5) Jomal Letras em Marcha, nov 1989, pp. 4-5. (6) Aristides Lobo e a República. Rio, Bibliex, 1987. (7) Volume 126, n9 40, out/dez 1989, p. 16 completada por considerações sobre Aristides Lobo no IHGB - Jornal de História e Geografia, nov/d' 89. (8) IHGB - Jornal de História e Geografia, nov/dez 1989. (9) 15 de Novembro -100 anos depois. Londrina, Líder, 1989. (10) Carta Mensal, N. 35, n9 414, set/out 1989, Rio, do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio. (11) Porto Alegre, UFRGS, 1985,Ponto de Vista reafirmando no Jornal Letras e Artes da Rio Arte, n? 7, nov/dez 1989. (12) Editado pela Poupex em 1989 sob as versões álbum e calendário com ilustrações do pintor Newton Coutinho e distribuído amplamente nos quartéis das nossas Forças Armadas e para os oficiais generais das mesmas, historiadores e entidades culturais. (13) Expressão que temos repetido diversas vezes pela felicidade com que ele interpretou o momento histórico. (14) Revista do Clube Naval, nº 281, 1989, p.9 dá detalhes. (15) Revista do Brasil, nº 8/89, p. 6-7. (16) Idem nota anterior. (17) Revista do Brasil, nº8/89, p. 26m, Revista do Exército Brasileiro, nº4, out/dez 89, Anais do Congresso de História da República do IHGB em 1989 e Revista do Clube Militar, nº 280/87, p.12, focalizando a Questão Militar. (18) Discurso por nós difundido na Introdução da fonte citada 12. (19) COELHO. Em busca da identidade: O Exército e a política... Rio, Forence, 1976, p.56. (20) Américo Jacobina Lacombe demonstra este desequilíbrio nas fontes citadas na nota 17. Visão que se completa com a leitura da obra da nota anterior. (21) Idem fontes nota anterior. (22) Fonte citada nota 19. (23) História do Rio Grande do Sul. P. Alegre, Mercado Aberto, 1985. (A República Positiva). (24) Declaração no Congresso de História do IHGB, 8-10 nov 1989, sobre a República. (25) Comoci. Curso Centenário da República. P. Alegre, Comoci, 1989. (26) Idem nota 20. (27) Fonte das Notas 4 e 10. (28) Depoimento do autor. (29) Letras em Marca, nº 218, Nov 1989; A Defesa Nacional, nº 744, jul/ago 89; Revista do Brasil, 8/9 (p.35mm). Caderno do Arquivo Histórico do Exército, nº1, Anais do Congresso de História do IHGB sobre a República. (30) Fonte da nota 6. (31) Artigo sobre o Centenário de Floriano Peixoto nº IHGB – Jornal de História e Geografia e na A Defesa Nacional, nº 744, jul/ago89, pp. 157-155. (32) Revista do Exército Brasileiro, nº4, ou/dez 1989 e Caderno do Arquivo Histórico do Exército nº1, 1990. (33) Revista do Exército Brasileiro, nº4 out/dez 1989, p.53. (34) Comunicação ao Congresso de História do IHGB, de 8-10 nov, a ser publicada nos Anais do Congresso sob o título: “A Família Fonseca”. 90

(35) Citado nas fontes nota 6 e 29. (36) Publicado no IHGB – Jornal de História e Geografia, nov89, nos cadernos alusivos à República do Diário Popular – Pelotas-RS; Diário de Cuiabá, Jornal do Comércio – Rio e em São Gabriel e Santana do Livramento. (37) Rondon conta a sua vida. Rio, Esperantistas, 1969. (38) Ver fonte nota 19. (39) Fontes citadas as notas 17 e 20. melhor os militares brasileiros na República como fruto de comportamentos abusivos no poder de seus colegas juristas imperiais, o que não se verificou nos EUA, por exemplo. (40) Jornal Letras e Artes, n9 7, nov 1989. (41) Tratado por L. P. Macedo de Carvalho em Repensando o General Goes (conferência no Arquivo Histórico do Exército).

9 - ROTEIRO HISTÓRICO DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

Cel Cláudio Moreira Bento

9 de novembro de 1889 — noite — Ilha Fiscal Governo oferece um baile à oficialidade do cruzador chileno “Almirante Cochrane”, na Ilha Fiscal. Esse seria o último baile do regime monárquico. 9 de novembro — noite — Ouvidor, 155 — Clube Militar Sessão preparatória da proclamação da República, quando se resolveu reagir contra o Gabinete Ouro Preto. Dessa reunião resultaria a proclamação na semana seguinte. Sessão na qual ficou decidido a deposição do Gabinete Ouro Preto e, por via de conseqüência, a proclamação da República, caso Benjamin Constant não conseguisse, junto ao Governo, uma solução honrosa para a classe militar, até 17 Nov. 1889.

11 de novembro de 1889 — noite — Residência de Deodoro da Fonseca, à Pça. da República nº 197 (antigo Campo de Santana, quase esquina de Visconde de Itaúna) Aí houve diversas reuniões de lideranças civis e militares de 11 a 15 de novembro, com vistas à deposição do Gabinete Ouro Preto e proclamação da República. Foi dela que Deodoro saiu na manhã de 15 de novembro de 1889, para colocar-se à frente da tropa vinda de São Cristóvão, que apoiou-o na deposição do Gabinete Ouro Preto. Nessa casa, historicamente, tomou posse o primeiro Governo Provisório da República; foi armado, pelo mesmo, o Decreto nº 1 que proclamava a República e o Manifesto à Nação. Todo o ordenamento jurídico do Governo Provisório foi aí firmado, inclusive o Decreto 10 de novembro de 1889, que criou o centenário pavilhão nacional. Foi indiscutivelmente a primeira sede do Governo da República e é o único vestígio arquitetônico, quase íntegro, envolvido na proclamação da República. É o mais importante monumento relacionado com a República. É a parte do Museu Histórico do Exército. Ressalte-se a reunião de 11 de novembro, de aliança das lideranças civil e militar. 11 de novembro de 1889 — tarde — Escola Militar da Praia Vermelha Trinta e cinco oficiais dessa Escola firmam Pactos de Sangue, pelo compromisso de acompanharem Benjamin Constant, em todo o terreno, até o da resistência armada. Essa escola, na manhã de 15 de novembro, deixou a Praia Vermelha e marchou para apoiar a 2? Brigada de São Cristóvão na deposição do Gabinete Ouro Preto, sendo detida temporariamente na Lapa, pelo 109 Batalhão de Infantaria. Ela 91

chegou ao Campo de Santana quando Deodoro já havia deposto o Gabinete. Vinha comandada pelo irmão de Benjamin Constant, capitão Marciano. Foi nela que, em 23 de outubro, Benjamin Constant, em frente ao ministro do Exército, culpou o Governo pelos incidentes da Questão Militar. 11 de novembro de 1889 — tarde — Escola Superior de Guerra — São Cris- tóvão (Quartel do atual 1º Batalhão de Guardas) Cinqüenta e sete de seus alunos firmam Pactos de Sangue, pelo compromisso de acompanharem Benjamin Constant, em todo o terreno até o da resistência armada. Ela participou das tropas que, vindas de São Cristóvão, apoiaram Deodoro na deposição do Gabinete Ouro Preto. 11 de novembro de 1889 — tarde — 2ª Brigada do Exército — São Cristóvão — Quartel do atual CPOR/RJ Trinta e três oficiais dos 19 e 99 Regimentos de Cavalaria e dezenove do 29 Regimento de Artilharia, que ah aquartelavam, firmam Pactos de Sangue, pelo compromisso de acompanharem Benjamin Constant, em todo o terreno, até o da resistência armada. A 2? Brigada participou decisivamente em apoio ao marechal Deodoro da deposição do Gabinete Ouro Preto, na manhã de 15 de novembro de 1889, reforçada pela Escola Superior de Guerra. 12 de novembro de 1889 — Rua do Carmo nº 40 Quintino Bocayuva comunica a Rui Barbosa sua designação para ministro da Fazenda no Governo a ser instaurado após a proclamação. 13de novembro de 1889 — noite — Rua do Carmo n° 40 Ali, reúnem-se, no escritório de Quintino Bocayuva, Quintino, Solon e Benjamin Constant. Discutem sobre a fixação do dia para a proclamação da República. 15 de novembro de 1889 — madrugada — Clube Naval (atual Praça Tira- dentes) Benjamin Constant obtém a adesão dos oficiais de Marinha ali reunidos, sob a liderança de Eduardo Wandenkolk; era o apoio da Armada na deposição do Gabinete Ouro Preto. Serviram de mensageiros os alferes Cândido Mariano Rondon e Tasso Fragoso. 15 de novembro de 1889 — madrugada — Mosteiro de Santo Antônio — Quartel do 72 Batalhão de Infantaria (79 BI). O 79 BI que havia acompanhado Deodoro a Mato Grosso recebeu ordem de tomar posição no interior do Quartel-General. Quando Deodoro penetrou no pátio do Quartel-General, um capitão dessa Unidade deu um viva a Deodoro, que foi respondido por toda a tropa que ainda permanecia fiel ao Gabinete Ouro Preto, assegurando, assim, condições militares para a deposição do Gabinete Ouro Preto e, mais tarde, a proclamação da Repiblica. 15 de novembro de 1889 — 5 horas da manhã — Arsenal de Marinha (Pça. Mauá) Ah reuniu-se, informado de que se preparava algum movimento, parte do Gabinete Ouro Preto (presidente do Conselho). Ali, ainda pela manhã, sob seu portão, o Mar. Deodoro confraternizou com o Barão de Santa Marta, ajudante-general da Armada e devolveu-lhe, com agradecimentos, os fuzileiros e marinheiros, que o apoiaram na deposição do Gabinete Ouro Preto. 92

15 de novembro de 1889 — amanhecer — Quartel-General do Exército, Campo da Aclamação e Quartéis 19 e 109 Batalhões de Infantaria. Reunião do Ministério presidido pelo Visconde de Ouro Preto, após notícias de que tropas revoltadas marchavam para o centro da cidade sob o comando de Deodoro da Fonseca. O Gabinete tencionava resistir com o apoio das forças convocadas para defendê-lo no Quartel-General, no Campo de Santana, cujo comando estava entregue a Floriano Peixoto, ajudante-general do Exército. Deodoro se apresentou diante do Quartel- General. Forçou o portão e penetrou no pátio do Quartel-General e recebeu a adesão das tropas que o defendiam. Deodoro sobe ao andar superior e declara a Ouro Preto a deposição do Ministério, em nome do Exército e Armada (Marinha). 15 de novembro de 1889 — manhã — Campo de Santana. Antes que as tropas ganhassem as ruas, a Repartição Geral dos Telégrafos, que funcionava ali, no n9 49, foi ocupada por ordem de Deodoro pelo tenente da Armada José Augusto Vinhaes, fato de grande importância estratégica. 15 de novembro de 1889 — madrugada - Quartel do Batalhão Naval. Ilha das Cobras. Daí saiu, na madrugada de 15 de novembro de 1889, o Batalhão Naval (atuais fuzileiros navais) para participar da defesa interna e externa do Quartel-General do Exército. Aderiu a Deodoro, tomou parte do desfile e foi devolvido solenemente no Portão do Arsenal de Marinha ao Barão de Santa Marta, ajudante-general da Armada. 15 de novembro de 1889 — madrugada — Quartel dos Imperiais Marinheiros. Ilha de Villegaignon. Daí saíram os Imperiais Marinheiros para participarem da defesa interna e externa do Quartel-General do Exército, onde se reunia o Gabinete Ouro Preto. Aderiram a Deodoro, tomaram parte do desfile e foram devolvidos solenemente no Portão do Arsenal de Marinha, ao Barão de Santa Marta, ajudante-general da Armada. 15 de novembro de 1889 - madrugada - Corpo de Bombeiros — Campo de Santana. Daí saiu um contingente para defender, no interior do Quartel-General do Exército, o Gabinete Ouro Preto. Aderiu ao Marechal Deodoro e desfilou nesse dia. 15 de novembro de 1889 — madrugada — Quartel da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Rua Evaristo da Veiga. Daí saiu um forte contingente da Polícia Militar do Rio de Janeiro para participar da defesa interna e externa do Quartel-General do Exército. Seus infantes e cavalarianos aderiram a Deodoro e tomaram parte do desfile. 15 de novembro de 1889 - manhã — Rua Senador Eusébio, altura do gasô- metro, no Mangue. Encontro de Deodoro, vindo de São Cristóvão, com a 2? Brigada de Guerra. 15 de novembro de 1889 - das 10 horas às 15 horas — Câmara Municipal. Situada na face oriental do Campo de Santana, entre as ruas São Pedro e General Câmara. AH, os vereadores ficaram reunidos até a chegada de José do Patrocínio acompanhado do povo, tendo sido então votada uma moção que, apoiada pelo povo, determinava a proclamação da República. 15 de novembro de 1889 - manhã — Desfile das Tropas. O desfile das tropas percorreu a face oriental do Campo de Santana — Rua da 93

Constituição — Largo do Rossio (Praça Tiradentes - sede do Clube Naval) — Rua do Teatro — Rua do Ouvidor (sede do Clube Militar) — Rua 19 de Março (sede Santa Cruz dos Militares) — Portão do Arsenal de Guerra (parada de confraternização) — Rua Visconde de Inhaúma — Rua Mar. Floriano (atual Campo de Santana). À frente da tropa desfilavam os líderes militares Deodoro e Benjamin e o líder civil Quintino Bocayuva. Do desfile participaram os 19 e 99 Regimentos de Cavalaria; os 19, 79 e 109 Batalhões de Infantaria; as escolas Superior de Guerra e a Militar da Praia Vermelha; o 29 Regimento de Artilharia; o Batalhão Naval; um contingente de marinheiros; as polícias militares da Corte e Rio de Janeiro e o Corpo de Bombeiros da Corte, além de integrantes do Batalhão de Engenheiros, vindos da Praia Vermelha. 15 de novembro de 1889 — 14 horas — Estação São Francisco Xavier. Desembarcam, provenientes de Petrópolis, onde se encontravam, D. Pedro II e a Imperatriz, tendo seguido para o Paço da Cidade, onde iriam permanecer até seu embarque para a Europa. 15 de novembro de 1889 — 16 horas — Paço Imperial. No final da tarde, o Visconde de Ouro Preto apresenta ao Imperador a demissão coletiva do Ministério. 15 de novembro de 1889 — 18:30 horas — Rua da Ajuda. Nesta rua, reuniu-se o Visconde de Ouro Preto, em casa de amigos, para deliberar sobre a organização de um Gabinete Liberal. Deodoro ordena sua prisão. 15 de novembro de 1889 — tarde e noite — Rua do Ouvidor. Discursaram, de várias janelas dessa rua, Silva Jardim, Aristides Lobo e José do Patrocínio, saudando as tropas que depuseram Ouro Preto. Ali houve, durante todo o dia, uma grande afluência do povo que ia se inteirar dás notícias e dos atos do Governo Provisório, pela leitura dos boletins afixados às portas das redações dos diversos jornais, tanto no dia 15, como nos subsequentes. 15 de novembro de 1889 — noite — Residência de Benjamin Constant. É homologada a escolha do primeiro ministro da República. 15 de novembro de 1889 — Largo da Lapa. Ali localizou-se o 109 Batalhão de Infantaria com o objetivo de impedir a passagem da Escola Militar para juntar-se às forças de Deodoro no Campo de Santana. Este batalhão terminou aderindo, ao saber que Deodoro havia proclamado a República. Ele aquartelava no Quartel-General. É o atual Batalhão Avaí. 15 de novembro de 1889 — Palacete Itamarati, da Rua Larga (atual Marechal Floriano). Ali foi recolhido, ferido, o ministro da Marinha, almirante Ladário após reagir a voz de prisão ordenada pelo Marechal Deodoro, quando voltava pela 3ª vez ao Quartel- General do Exército, para a reunião do Gabinete Ouro Preto. 16de novembro de 1889 – Paço Imperial Comparecimento do Governo Provisório. 17 de novembro de 1889 — madrugada — Cais Pharoux. Embarque de D. Pedro II e sua família para a Europa, a bordo do vapor 94

“Alagoas”. CENTENÁRIO DO GENERAL PEDRO AURÉLIO DE GÔES MONTEIRO 10 - CENTENÁRIO DO GENERAL GÓES MONTEIRO (1889-1956)

Cel. Cláudio Moreira Bento

Transcorreu o centenário de nascimento, em 12 de dezembro de 1989, do General Pedro Aurélio de Góes Monteiro, ocorrido 27 dias depois da proclamação da República, cuja primeira fase, a República Velha, coube-lhe expressivamente encerrar como chefe militar da Revolução de 30. Góes Monteiro foi assinalado político e militar, de grande projeção de 1930-52, no Brasil e nas Américas. No último caso, ao consolidar e valorizar, na sociedade brasileira, o profissionalismo ou espírito militar verdadeiro. Aliás, sonho pelo qual se havia batido seus co-estatuanos e soldados destacados Marechais Deodoro e Floriano, de 1881-94, durante a Questão Militar, a proclamação e a consolidação da República e, o seu primeiro comandante, o Marechal Hermes, sem obterem os resultados sonhados. Esta obra Góes a empreendeu com determinação, depois de concluir da análise do processo histórico brasileiro de 1831-1930: “Um repúdio, no Brasil, pelo espírito militar na forma de antimilitarismo; o predomínio, até então, no Exército, de um espírito miliciano ou pretoriano e não o do verdadeiro soldado ou do profissional militar; negação aos militares do acesso à cidadania e um pacifismo brasileiro. E, tudo isso, alheio à tendência das nações poderosas de observar ou exercer imperialismo sobre as nações mais fracas, como demonstrou a 2ª Guerra Mundial. Assim, ele batalhou dentro de um quadro nacional e internacional conturbado para que não fosse feita política no Exército mas, sim, a política do Exército. Esta se traduzia pela preparação do Exército para a eventualidade de uma guerra, atividade que envolveria e interessaria todas as manifestações da vida nacional nos campos material e moral”. Complementarmente a esta ação nacional, foi o elemento chave para a aproximação militar Brasil-EUA, mantendo contato estreito naquele país com o general Marechal e o presidente Roosevelt, dos quais resultaram a participação militar vitoriosa do Brasil na 2ª Guerra Mundial, em defesa da democracia e da liberdade mundial e, por via de consequência, a modernização do Exército e a consolidação de um profissionalismo que até hoje se sustenta e que acaba de ser consagrada na Constituição brasileira. E mais do que isto, a erradicação do espírito que dominara, segundo Góes Monteiro, o Exército de 1831-1930, em função de uma egoísta e preconceituosa política de erradi- cação do Exército, praticada por grupos nacionais dominantes, conforme demonstrou Edmundo Campos Coelho na obra Em busca de Identidade: O Exército e a Política na Sociedade Brasileira (Rio, Forense, 1976) e em data recente, Américo Jacobina Lacombe, em artigo A Questão Militar e a República na Revista do Exército Brasileiro (n9 04, out/dez 1989). Aliás, trabalhos que devem ser lidos e meditados por todos oficiais do Exército com responsabilidade na construção de seu futuro, à altura do destino de grandeza do Brasil. Entre as inúmeras e notáveis projeções da obra do General Góes Monteiro esta foi a sua grande realização no Exército a justificar que hoje e sempre, ela seja lembrada e estudada por seus integrantes. Góes Monteiro é um dos quinhoneiros da 95

grandeza atual do Exército, que ele ajudou a edificar de 1930-43 com sua inteligência rara a serviço de um grande soldado, chefe e pensador militar brasileiro fecundo que ele foi. Ele foi também um grande patriota que em seu tempo fez o máximo para assegurar ao Brasil o melhor grau de segurança interna e externa. Contribuiu para a democracia brasileira ao liderar, como ministro da Guerra, a democratização do Brasil em 1945, após fazê-la hibernar durante o Estado Novo — 1937-45, segundo ele, para protegê-la e ao Brasil, do fogo cruzado interno decorrente da radicalização entre esquerdistas da ALN e direitistas da AIB, e externo, decorrente da guerra mundial entre aliados e o Eixo. Góes Monteiro ingressou no Exército aos 14 anos, na Escola de Aplicação do Realengo, sob o comando de Hermes da Fonseca. Após, estudou na Escola de Guerra em Porto Alegre (1906-10). Ali freqüentou o bloco acadêmico cartilhista da Faculdade de Direito, onde colaborou com assuntos militares no Jornal O Debate, fundado por Getúlio Vargas. Aspirante de Cavalaria, foi servir na construção da Ferrovia Alta-Santo Ângelo, a cargo do atual primeiro Batalhão Ferroviário, então comandado por Setembrino de Carva- lho. De 1917-18, cursou Engenharia Militar e estudou a Doutrina Militar alemã, trazida pelos jovens turcos de A Defesa Nacional. Em 1921, cursou a ESAO e em 1922 a ECEME, sob a orientação da Missão-Militar francesa que o conceituou Muito Bem. Na Revolução de 1924-26, atuou como oficial e chefe de Estado-Maior no combate aos revoltosos em São Paulo, Paraná, Bahia, Minas Gerais e Mato Grosso. Já era estudioso da obra de Napoleão e revelava especial inclinação para os campos de Doutrina Militar — Organização e Emprego Operacional. De 1927-30, chefiou o gabinete da Diretoria de Aviação Militar. Em janeiro de 1930 é tenente-coronel comandante do 3º Regimento de Cavalaria em São Luiz Gonzaga, onde foi convidado e aceitou liderar, como chefe do Estado-Maior, do chefe supremo, Getúlio Vargas, a Revolução de 1930. Vitorioso, o movimento fundou e presidiu o Clube 3 de Outubro, com vistas a impedir a divisão das forças armadas e políticas; congregar civis e militares em. defesa da Revolução e preservar e disciplinar nos quartéis, ao deslocar o debate político para o âmbito do Clube. Em maio de 1931 conquistou o generalato aos 42 anos. Comandou as 2ª e 1ª Regiões Militares. A última, no combate vitorioso à Revolução de 1932 de São Paulo. De 11 de janeiro de 1934 a 01 de março de 1935, exerceu o Ministério da Guerra. Em 1936 assumiu as funções de inspetor das Regiões Militares do Norte, ano em que por uma indicação assumiu o Ministério da Guerra o general Eurico Gaspar Dutra. Em 1937 foi eleito presidente do Clube Militar e em julho de 1937 assumiu a chefia do Estado-Maior do Exército, a cuja frente permaneceria 6 anos, quando liderou, no campo militar, a aproximação Brasil - Estados Unidos e a entrada do Brasil na guerra e coadjuvou o ministro Dutra em sua marcante administração no Exército. Em 1944 Góes Monteiro embarcou para Montevidéu com o embaixador extraordinário do Brasil junto ao Comitê de Emergência da Defesa Política da América. Em 9 de agosto de 1945, assumiu o Ministério da Guerra pela 2ª vez, quando liderou a redemocratização do Brasil, com deposição de Getúlio Vargas e fim do Estado Novo. Em 1947 foi eleito senador por Alagoas, mas o seu estado de saúde restringiu em muito sua atuação. Não conseguiu reeleger-se em 1950. Getúlio Vargas, retornando ao Governo pelo voto popular, nomeou Góes Monteiro chefe do EMFA. Em 1952 ele foi nomeado ministro do STM, função que exerceu até falecer, em 26 de outubro de 1956, aos 67 anos. Góes Monteiro casou com uma gaúcha, Conceição Saint Pastous, de Alegrete. 96

Seu filho Pedro, cadete de Aviação do Exército, pereceu em desastre aéreo no Campo dos Afonsos, em 02 de outubro de 1932, e sua filha, Maria Luiza, é esposa do comandante Euclides Quandt de Oliveira, ex-ministro de Comunicações — 1974-78. Góes Monteiro, personalidade opulenta, complexa e por vezes enigmática, tem sido o líder militar brasileiro contemporâneo, mas estudado r cientistas políticos, nacionais e estrangeiros. Foi estudado pelo canadense Peter Seaborn Smith, na obra Góes Monteiro and the role of the army in (1980). Suas memórias, ditadas a Lourival Coutinho, foram publicadas em 1956, sob o título o Gen. Góes depõe. Escreveu, além de vários artigos em periódicos militares e civis, a obra A Revolução de 30 e a finalidade política do Exército. Seu pensamento militar específico é relevante e atual para os militares brasileiros. Plínio de Abreu Ramos e Marcos Penchel o focalizaram com muita clareza no Dicionário Histórico Biográfico da F.G.V. (pp. 2246-2259). O Arquivo Histórico do Exército, criado em 1934, na administração do ministro da Guerra, Góes Monteiro, com a finalidade de preservar e desenvolver a história científica do Exército, como instrumento orientador da construção segura de seu futuro, reuniu expressivo material relativo à vida e obra de seu criador, principalmente como chefe do Estado-Maior do Exército (1937-43) e ministro da Guerra (1934-35 e 1945).