Artigo recebido em: , 23.07.2016 Aprovado em: 1 03.08.2017 Jornalista

Juliana Bulhões Doutoranda em Comuni- cação pela Universidade de Brasília (UnB); mestre em Estudos da Mídia pela Juliana Bulhões Universidade Federal Gustavo Leite Sobral do Rio Grande do Norte (UFRN).

E-mail: Resumo julianabulhoes.ad@ Apesar de ter sido a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras gmail.com e de ser popularmente reconhecida como escritora, Rachel de Queiroz (1910- 2003) se deinia como jornalista. Neste contexto, apresentamos um ensaio com viés biográico acerca de sua trajetória neste ofício, enfatizando sua atuação na revista O Cruzeiro, na qual manteve a coluna semanal Última Página entre os Gustavo Leite Sobral anos de 1944 e 1975. Como parte da construção metodológica da pesquisa, i- Mestre em Estudos da zemos um levantamento das crônicas nas quais a autora discorre sobre o fazer Mídia pela Universidade jornalístico e propomos algumas relexões. Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Palavra-chave: Gênero jornalístico. Rachel de Queiroz. Revista O Cruzeiro. E-mail: Abstract gustavosobral1041@ gmail.com. Despite being the irst woman to join Academia Brasileira de Letras and be po- pularly recognized as a writer, Rachel de Queiroz (1910-2003) deined herself as a journalist. We present an essay with biographical content about her career in this occupation, emphasizing her role in the magazine O Cruzeiro, in which she maintained the weekly column Última Página between the years 1944 and 1975. As part of the methodological construction of the research, we did a survey of the chronicles in which the author discusses journalism and we propose some relections.

Keywords: Journalistic genre. Rachel de Queiroz. O Cruzeiro magazine.

1 Uma versão deste texto foi apresentada no Encontro Nordeste de História da Mídia 2016.

Estudos em Jornalismo e Mídia Vol. 14 Nº 1 Janeiro a Junho de 2017 ISSNe 1984-6924

DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1984-6924.2017v14n1p39 39 Estudos em Jornalismo e Mídia, Vol. 14 Nº 1. Janeiro a Junho de 2017 - ISSNe 1984-6924

escritor e jornalista Gra- dade, no jornal O Ceará, no tempo em ciliano Ramos acreditava que era prática o uso de pseudônimos que o autor de O Quinze e o que escolheu no momento foi Rita só poderia ser um homem de Queluz. Durante toda a sua vida, nas utilizando o pseudônimo oportunidades que se apresentavam, ORachel. O ano era 1930. O Quinze era um gostava sempre de dizer que, mais que romance recém publicadoas custas do romancista e escritora, era jornalista. E autor, coisa de mil exemplares, que mar- assim os episódios narrados de sua vida cou uma virada na literatura brasileira ao sempre vão reforçar este pendão. narrar em suas páginas o drama dos re- Conta a sua história que, escreven- tirantes nordestinos fugindo das agruras do para o jornal e professora de história da seca. Aquele romance, escrito à luz de na mesma escola em que se diplomara, lampião nas noites escuras da fazenda, foi eleita rainha dos estudantes em um alçaria a sua autora, que não era homem concurso promovido entre as aulas. A coisa nenhuma, era uma menina de vin- coroação com festa e pompa com direito te anos, chamada Rachel de Queiroz, ao a presença do governador do Estado foi cânone da literatura brasileira e depois a interrompida por um fato e pelo exer- ser considerada protagonista de um mo- cício da vocação, naquele mesmo dia, vimento literário que icou conhecido João Pessoa era assassinado, episódio por Regionalismo. que mudaria a história do Brasil, pois a Mulher, letrada, com incentivo futura rainha segue às pressas da soleni- dos pais para a leitura de jornais e livros, dade para a redação do jornal e sai com Rachel de Queiroz nasceu em , uma única justiicativa: sou repórter. Ceará. O pai era promotor de justiça, Sua participação em O Ceará pas- portanto Rachel vinha de uma família sa a ser perene e Rachel não só se en- abastada e pôde acompanhar o drama carrega de escrever um folhetim, que dos retirantes quando residia com a ganhou título de História de um nome, família em Fortaleza, durante a gran- como também se encarregou de organi- de seca de 1915. Nesta história, não há zar uma página literária para o jornal. diploma de jornalismo, porque facul- O destino mudaria um pouco as coisas, dades para tal não existiam no Brasil, a a suspeita de tuberculose a leva por re- primeira é fenômeno do inal dos anos comendação médica a repouso na fa- 1940, a Cásper Líbero, que foi fundada zenda, foi aí que, à noite, quando todos em 1947. Seu único diploma formal foi dormiam, que ela, à luz do candeeiro, o do Curso Normal no Colégio Imacu- escreveria o primeiro romance. lada Conceição de Fortaleza. No ano seguinte, 1931, já era pre- Outra formação, conta a sua tra- miada pela Fundação Graça Aranha do jetória de vida e a biograia não escrita, . Começa então uma tra- é aquela que se espalha por declarações jetória que a alça ao convívio das gran- e depoimentos para reportagens e en- des personalidades do seu tempo, apro- trevistas (QUEIROZ, 1997). Depois de xima-se do partido comunista, rompe formada, se fez leitora dos grandes clás- com o partido comunista que queria sicos da literatura que devorara na vida censurar seu romance, casa-se, mora em que levava na fazenda, quando da mu- Maceió, , se separa e deiniti- dança da família. Era a fazenda Junco vamente se muda para o Rio de Janeiro de onde, futuramente, passando férias, em 1939. enviaria a sua coluna semanal para a re- Casa-se pela segunda vez e come- vista O Cruzeiro. ça a sua atividade jornalística nos jornais Futuramente a menina Rachel Correio da Manhã, O Jornal, Diário da colaboraria para a revista, numa longa Tarde e na revista semanal O Cruzeiro, permanênciaque vai de 1944 a 1975. na qual passa a assinar a coluna Últi- Mas antes disso é preciso que se diga ma Página – chamada dessa forma por que começou, naquele tempo da moci- sempre igurar a última página de cada 40 DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1984-6924.2017v14n1p39 Estudos em Jornalismo e Mídia, Vol. 14 Nº 1. Janeiro a Junho de 2017 - ISSNe 1984-6924

edição da revista –, e assim passa a exer- ção nos meios sociais e políticos do Rio cer a proissão que considerou por toda de Janeiro, inclusive chegou a receber vida como a sua, reiterando sempre que convite do presidente Jânio Quadros, muito mais que escritora, era jornalista. em 1961, para ocupar o Ministério da O período de Rachel em O Cruzeiro co- Educação. Ao declinar do convite, de- meça em 1944 e vai até 1975. clarou inaptidão para o cargo alegando Ressaltamos, assim, a trajetória de ser apenas jornalista e era o que gostaria Rachel de Queiroz enquanto jornalista de continuar sendo, e o foi, até o im da com ênfase na contribuição que perpas- vida. No entanto, a sua importância a fez sou quatro décadas na revista O Cruzei- membro do Conselho Federal de Cul- ro. Em seguida traçamos uma análise das tura em 1967, permanecendo até 1985. crônicas publicadas na coluna Última Prêmios também revelariam a relevância Página nas quais a autora relete sobre o da sua obra literária e reconhecimentos: fazer jornalístico. em 1957, recebeu o Prêmio da Academia Brasileira de Letras Rachel em O Cruzeiro pelo conjunto de sua obra e em 1977 foi eleita imortal da mesma academia São mais de trinta anos de colabo- (QUEIROZ, 1997). ração na Revista O Cruzeiro, com uma O Cruzeiro foi lançando em de- interrupção apenas no ano de 1968, de- zembro 1928, sem o “O” que seria acres- pois retomando em 1970. Onde quer centado posteriormente. Cruzeiro era que estivesse, em Fortaleza, na fazenda uma revista em papel de qualidade, com Junco, ou na Não me deixes (fazenda sua fotograias, colaboração de articulistas e e de seu marido onde passava tempo- escritores nacionais e estrangeiros, im- radas), em viagens, seja pelo Brasil, foi pressa em quatro cores pelo sistema ro- a Minas e sobre isso escreveu, ou Nova togravura, semanal, com tiragem inicial Iorque, onde esteve na função de delega- de 50 mil exemplares e distribuição para da do Brasil na 21º Sessão da Assembleia todas as capitais e principais cidades do Geral acompanhando os trabalhos da Brasil. Foi idealizada e criada pelo jorna- Organização das Nações Unidas, Rachel lista e fez parte da enviava a sua colaboração à revista O sua cadeia de comunicação que reunia Cruzeiro (JURY; SANTOS, 2016; MEN- diversos jornais impressos, emissoras de DES, 2017). rádio e televisão, os Diários Associados. Rachel classiicou o seu texto de Inicialmente a revista precisou ser última página – que posteriormente reu- confeccionada em Buenos Aires, Argen- niria em coletânea publicando em livro – tina, que dispunha de equipamentos grá- crônica (QUEIROZ, 2006). No entanto, icos avançados para o tipo de impressão no expediente da revista aparece como necessária. A revista foi lançada com es- colaboradora e na divisão temática na tardalhaço pelo jornalista que promoveu seção “artigos”. Importa considerar que, uma campanha jamais vista: seja crônica, seja artigo, seja classiica- da cronista, articulista ou colaboradora, No inal da tarde de 5 de dezem- Rachel de Queiroz se considerava jorna- bro, quando a avenida Rio Branco lista e foi jornalismo o que praticou. fervilhava de gente que deixava Observar as suas publicações na o trabalho ou saía às ruas para as revista O Cruzeiro durante seu período primeiras compras do natal, 4 mi- de colaboração, que atravessa quatro dé- lhões de folhetos – três vezes o nú- cadas, revela que, além de sua coluna se- mero total de habitantes do Rio – manal, Rachel era personagem frequente foram atirados do alto dos prédios em reportagens, notas, entrevistas e até sobre as cabeças dos passantes. Os como repórter especial registra-se co- volantes anunciavam o breve apa- laboração sua. Rachel era uma intelec- recimento de uma revista “con- tual e escritora respeitada com circula- temporânea dos arranha-céus”,

DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1984-6924.2017v14n1p39 41 Estudos em Jornalismo e Mídia, Vol. 14 Nº 1. Janeiro a Junho de 2017 - ISSNe 1984-6924

uma revista semanal colorida que Na última página daquela edição, “tudo sabe, tudo vê”(MORAIS, surgia Rachel de Queiroz. Rachel come- 1994, p. 187). ça em O Cruzeiro como colaboradora, na coluna Última Página. Nela, semanal- Cinco dias depois, no dia 10 de mente a jornalista escolhia um tema para dezembro de 1928, a revista estava nas apreciação compondo um mosaico varia- bancas de todo país, que no editorial do de interesses e assuntos revelados que prometia ser uma revista de educação e compreendem lembranças, impressões cultura. A revista saiu com 64 páginas de pessoais, viagens, aspectos relacionados conteúdo e anúncios, impressa em papel a questões autobiográicas e memórias; couchê, com fotograias, reportagens, respostas a cartas dos inúmeros leitores entrevistas, artigos, contos e anúncios e que lhe escreviam; comentários de fatos se irmou como grande veículo nacional do cotidiano, comentários políticos e de em poucos meses. questões em pauta no cenário nacional e No ano seguinte, o jornalista Assis internacional e o noticiário, em que Ra- Chateaubriand já importava máquinas chel revela de forma mais precisa a sua impressoras em quatro cores para impri- veia jornalística. mi-la no Brasil. A trajetória foi de ascen- As crônicas de Rachel comentam o são, em 1929 já vendia 80 mil exemplares noticiário ao que parece ser uma forma semanais. Ao longo de sua história, pas- relexiva e crítica. A cronista narra o caso sou por mudanças na direção e reformas existente, seja cruel, dramático ou torpe, editoriais e gráfcas, inclusive por revezes como o crime da menina do retrato, na motivados por crises políticas e econô- crônica Retrato, de fevereiro de 1951. micas. O Cruzeiro se tornou a revista de Rachel faz um uso particular e apropria- maior vendagem no país e uma revista se dos recursos da narrativa para expor de grandes reportagens com a chegada o caso, começa de sua perspectiva, alega do repórter David Nasser e do fotógrafo não gostar de tirar retratos, tece conside- Jean Mazon nos anos 1940: rações de ordem geral, os retratos como instrumento da propaganda nazista e Em um país com pouco mais de desce às raias de uma história comum, 40 milhões de habitantes (e uma de personagens comuns que por uma ba- taxa de analfabetismo que passava nalidade da vida acabam envolvidos em dos 30%), estava vendendo quase um crime: 200 mil exemplares por semana. Na sua redação era possível ver Não gosto de tirar retratos. Ou desde jovens talentos, como Hélio são instantâneos de amador e nos Fernandes (...), Luis Barreto e Jor- pegam desprevenidos sempre no ge Ferreira, até nomes mais expe- momento pior de todos; ou são rientes como o recém-contratado retratos de estúdio, soisticados, Samuel Wainer e Carlos Lacerda retocados, espiritualizados, que a (...). Em um exemplar daquele ano gente acaba se envergonhando de de 1946, colhido ao acaso, é possí- mostrar aos amigos, de tal modo vel medir o dinamismo de O Cru- eles nos traem, revelando-nos an- zeiro; na mesma semana em que tes como sonháramos ser do que Wainer enviava reportagens espe- como somos. ciais de Caracas sobre a exploração Ademais, desde o nascimento do do território venezuelano, Carlos fascismo até hoje, retratos se trans- Lacerda escrevia de Paris sobre formam em arma política, e usar o bairro de Montmarte, e a dupla retrato de alguém icou sendo a Nasser-Mazon mandava do Cairo mesma coisa que usar braçadeira matérias sobre arqueologia no Egi- (...). to (MORAIS, 1994, p.472-473). Assim pois não é de admirar que esses meninos nascidos apôs o

42 DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1984-6924.2017v14n1p39 Estudos em Jornalismo e Mídia, Vol. 14 Nº 1. Janeiro a Junho de 2017 - ISSNe 1984-6924

quatriênio de Washington Luís, las. Quase só deu para o susto (...) em vez de nossas idiossincrasias, (QUEIROZ, 2006, p.187-189). sintam antes uma fé danada no poder da sugestão da imagem im- Esta passagem que revela o limiar pressa. Tem que acreditar em tudo entre jornalismo e literatura. Para Mar- lhes ensina a propaganda – acre- ques (2009) “produzir textos narrativos, ditam em horas do Brasil, em sal- ou seja, que contêm uma sequência de vador, em policial especial e, claro, eventos que se sucedem no tempo, é algo acreditam na inluência mágica que inclui tanto a vivência literária quan- dos retratos distribuídos às dúzias. to a jornalística” (MARQUES, 2009, p. A menina da rua paralela à minha, 14). Segundo o autor, o que vai deinir se por exemplo. Foi a um fotógrafo da uma narrativa pertence ao gênero literá- rua Larga (...) pois a pequena foi rio ou ao jornalístico é o contexto. nesse fotógrafo, bateu uma chapa igual a certa pose de Lana Turner Há gêneros jornalísticos que per- (...). mitem uma abertura maior a téc- Mandou reproduzir duas dúzias de nicas literárias, como o peril de fotos e dai danou-se a distribuí-la personalidades e reportagens in- com tal afã que não perdia para vestigativas. Há, também, editorias um candidato a vereador (...). com a mesma característica, como Mas acontece que o progresso nes- a de cultura. Tudo vai depender, te mundo sempre caminha a passo ainal, de como nos aproximamos desigual: quando uns vão adian- de um determinado texto. Isso não te, os demais ainda se arrastam lá impede que o autor lance mão de atrás. (...) Assim, se a menina acre- técnicas literárias ao construir seu ditava em retrato somente como texto. Na perspectiva literária, um fator de publicidade pessoal e, dis- texto será tão mais eicaz quanto tribuindo-os, supunha que estava mais propor novas formas de dizer fazendo anúncio de si própria, o novas velhas coisas (MARQUES, mesmo não pensavam dois rapazes 2009, p. 19). da rua: esses ainda eram do tempo em que moça só dá retrato como Rachel também mostra os desvali- sinal de muito amor. E como pro- dos e menos favorecidos, casos dramáti- va de amor particular e único re- cos, como da menina que nasce com duas ceberam os seus exemplares e co- cabeças e morre no parto, trágicos, como locaram na carteira, por baixo da da criança que morre afogada, revela as folha de celofane que os fabrican- agruras das relações sociais e as ilusões, a tes põem nas carteiras justamente empregada que se apaixona pelo patrão, para este im. tudo, a exemplo do jornalismo, narrado Como os dois chegaram a con- com testemunho de casos particulares frontar as carteiras, não se sabe que compõem a cena, que desenham o direito (...). O fato é que o outro drama, a voz do personagem presente achou ruim, mostrou o seu retrato também nas notícias e personagens. e também acabaram ambos se en- Rachel também mostra os desvali- galinhando. (...) Sei que um furou dos e menos favorecidos, casos dramáti- o outro com canivete (...) e foi es- cos, como da menina que nasce com duas perar a pequena na cerca da casa cabeças e morre no parto, trágicos, como dela – a garota fora ao cinema com da criança que morre afogada, revela as as amiguinhas. Com o mesmo ca- agruras das relações sociais e as ilusões, a nivete feriu-a também; queria pe- empregada que se apaixona pelo patrão, gar no coração, mas a mão resva- tudo, a exemplo do jornalismo, narrado lou, ou doeu-se de cortar o seio tão com testemunho de casos particulares belo, e só feriu os braços e as coste- que compõem a cena, que desenham o

DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1984-6924.2017v14n1p39 43 Estudos em Jornalismo e Mídia, Vol. 14 Nº 1. Janeiro a Junho de 2017 - ISSNe 1984-6924 drama, a voz do personagem presente texto da literatura o lirismo. Informar também nas notícias e personagens. não é a inalidade primeira da crônica. A Literatura da brevidade, exercício crônica pode e não pode ter suporte na de recuperação da memória, da história realidade – o seu exercício é um exercício social, da história do simples da vida, de liberdade. Sua motivação é o banal, o este é o todo objeto e assunto da crôni- diário, cotidiano. Tudo pode ser objeto ca. João do Rio foi quem trouxe para a de uma crônica. A crônica é relato sobre crônica o caráter literário que não tinha o cotidiano, leve, sem rigor, sem método. (SÁ, 1987). O cronista do jornal é repórter O marco inaugural do gênero é o e escritor, e, acima de tudo, um grande folhetim no século XIX. Cândido (1992) redator: “não sendo um bom redator esclarece que o folhetim era uma espécie (...), ele se limitará a escrever: ‘João José de artigo de rodapé com comentário so- Gualberto, vulgo Sorriso, foi preso na bre política, literatura, artes, as coisas do madrugada de ontem, no Beco da Feli- dia e, assim, aos poucos, foi se transfor- cidade, por ter assaltado a Casa Garson, mando, encurtando, tornando-se mais de onde roubara um lote de discos’” (SÁ, leve, até assumir as feições que consagra- 1987, p. 33), ao passo que o cronista, de ram deinitivamente o gênero. um quilate de “Sérgio Porto, consciente Moisés (2004) classiica-a como das técnicas narrativas e dos recursos da expressão literária híbrida e múltipla língua portuguesa, reescreverá a notícia porque nela cabe alegoria, necrológio, assim: ‘o Sorriso roubou a música e aca- entrevista, conissão, monólogo, diálo- bou preso no Beco da Felicidade’” (SÁ, go. Ele a situa entre a poesia e o conto, 1987, p. 33). e explica: parte de uma visão subjetiva É o humor, segundo Sá (1987), que sobre o fato cotidiano. Seu poder está em confere ao texto da crônica ser no jorna- não ser mera transcrição da realidade, lismo uma construção literária: “o jorna- mas na sua capacidade de recriá-la. A lista, portanto, não deve simplesmente crônica, ensinou Moraes (2009), é her- registrar uma notícia. Cabe a ele explo- deira dos essays ingleses do século XVIII rar o poder das palavras para que o leitor que a libertaram para o caminho que possa vivenciar com emoção semelhante ela assumiu de ser livre, casual e lírica, à do repórter, aquilo que está sendo nar- considerando ser obrigação do cronista: rado” (SÁ, 1987, p. 33). “ser leve, nunca vago; íntimo, nunca inti- Outra não é a forma que Rachel mista; claro e preciso, nunca pessimista” de Queiroz imprimiu no seu trabalho, (MORAES, 2009, p. 53-54). de tudo um pouco e esta junção de ele- A crônica se tornou o gênero bra- mentos que fazem da crônica um gênero sileiro, nas mãos, sobretudo, naqueles híbrido e próprio, se lê nas crônicas de anos 1950 e 1960, de Carlos Drummond Rachel de Queiroz publicadas em O Cru- de Andrade, , Rubem zeiro, revista a qual era cronista exclusi- Braga, , dentre outros. va. Da sua colaboração para os jornais A crônica é reconhecida hoje como gê- Diário de Notícias, O Jornal, Última Hora nero literário e gênero jornalístico por e Jornal do Comércio, fez o primeiro livro excelência, está na fronteira entre a lite- de crônicas A donzela e a moura morta, ratura e o jornalismo. publicado em 1948. A crônica não apenas está entre o Dez anos depois, em 1958, o se- jornalismo e a literatura, mas resulta da gundo volume de crônicas, 100 crônicas soma desta e daquela em tudo que lhe é escolhidas, e outros vieram. Trajetória pertinente. Jornalismo, porque seu espa- que levou-a a declarar em entrevista: “eu ço de publicação é o jornal, e dele herda tenho dito que me sinto mais jornalista a precariedade de ser efêmera e de con- do que iccionista. Sempre. Na verdade, sumo único e diário com a edição do dia, minha proissão é essa: jornalista. Há por isso, também, transitória. Toma do cinquenta e tantos anos que todas as se- texto do jornal a coloquialidade, e do manas eu escrevo pelo menos um artigo”

44 DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1984-6924.2017v14n1p39 Estudos em Jornalismo e Mídia, Vol. 14 Nº 1. Janeiro a Junho de 2017 - ISSNe 1984-6924

(QUEIROZ, 1997, p. 33). São estes arti- Assim, a partir desta fonte docu- gos, sobretudo, no que tange as relexões mental, podemos ressaltar aspectos pre- sobre a prática do jornalismo que serão liminares acerca das questões pertinen- analisados, dentre os textos publicados tes ao jornalismo tratadas pela autora. em O Cruzeiro no período que compre- A proposta metodológica condizente, ende os anos de 1944 a 1975, quando se portanto, é a exploratória, prescinde do encerram as colaborações da cronista levantamento documental (GIL, 2002) e com a revista. pesquisa qualitativa aprofundada. A pes- 2BIBLIOTECA NACIONAL. Página inicial. Disponível quisa qualitativa se torna perfeitamente em: . Acesso em: 23 jul. ções da realidade social. A construção 2016. Para esta pesquisa foi feito um do corpus predispõe uma coleta e sele- levantamento nas edições da revista O ção dos dados e a análise de conteúdo 3 A pesquisadora Letícia Cruzeiro, especiicamente na seção Úl- apresenta suportes metodológicos perti- Arantes Jury nos forneceu subsídios para pesquisa, tima Página, disponíveis no banco de nentes por ser um método de análise de apontando que na década de dados digital da Biblioteca Nacional2. texto desenvolvido pelas ciências sociais 1950 havia artigos de Rachel Da leitura prévia deste material foram empíricas (BAUER; GASKELL, 2002). de Queiroz a respeito do jor- selecionadas dentre os 30 anos de pro- Correios & Telégrafos (QUEIROZ, nalismo; a partir deste dado, dução oito crônicas, que correspondem 1948) é o título da Última Página publi- recorremos aos arquivos da Revista O Cruzeiro e en- a relexões da escritora sobre a prática cado em 11 de setembro de 1948. Neste contramos outras crônicas do jornalismo. Esta pesquisa nasceu da texto, Rachel de Queiroz vai reletir sobre referentes ao jornalismo nas inquietação acerca dos relatos de jorna- o acordo do articulista com o veículo de décadas de 1940 e 1960. listas sobre o seu ofício que trouxessem comunicação. Rachel aponta que o tra- a partir da sua prática revelações sobre balho do jornalista tem força contratual, o exercício da atividade (SOBRAL; BU- é assinado um contrato, e que envolve LHÕES, 2016). uma remuneração pelo serviço. No acor- Desta forma, surgiu a ideia de pes- do está disposto que deve o jornalista es- quisar a atividade jornalística a partir do crever tantas palavras que vão para uma relato dos jornalistas expresso nos seus determinada seção e que este trabalho é textos. A escolha recaiu sobre a jornalis- contínuo e regular, mas eis que, Rachel ta (e escritora) Rachel de Queiroz a par- de Queiroz apresenta a suposição: o jor- tir da pesquisa de Jury e Santos (2016), nalista precisa viajar... não há problema, que mencionou existência de crônicas de escreverá, basta acertar com o editor que Rachel que traziam referência ao jorna- licenciado pela viagem o jornalista envie lismo3. O acesso a todas as edições de O a sua colaboração regular. Pois, assegura, Cruzeiro nos permitiu ampliar o período haja o que houver, doença, viagem etc., para o tempo em que a jornalista colabo- o compromisso admitido não pode ser rou com a revista. quebrado porque, além do pacto com o A partir dos títulos e da identii- veículo, o jornalista tem um pacto com o cação de elementos-chave das crônicas, leitor a quem só interessa ter disponível chegamos ao seguinte levantamento: a coluna, artigo, crônica. Crônica Correios & Telégrafos, publicada Rachel considera literalmente que em 11 de setembro de 1948; Jornalistas, a relação entre os envolvidos, jornalista, publicada em 31 de março de 1951; A veículo, leitor é uma relação de consumo Ordem dos jornalistas, publicada em 14 em que o texto é a mercadoria, o público de maio 1955; Carta de leitores, publica- é o consumidor e o veículo é o distribui- da em 21 de outubro de 1961; Notícias, dor. E o porquê de toda esta ladainha, o publicada em 1º de abril de 1961; David caso simples que leva a cronista a estas Nasser e o seu ‘velho capitão’, publicada considerações, é que simplesmente a crô- em 16 de setembro de 1961; Odylo, jor- nica que enviou do Ceará em 5 de agosto nalista, publicada em 24 de fevereiro de de 1948 foi extraviada pelo correio. 1962; e Liberdade de imprensa, publicada Lamentável o serviço dos correios em 28 de janeiro de 1967. e telégrafos e com as taxas que se pagam,

DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1984-6924.2017v14n1p39 45 Estudos em Jornalismo e Mídia, Vol. 14 Nº 1. Janeiro a Junho de 2017 - ISSNe 1984-6924 advertea cronista. Então propõe a solu- artista no palco, e o que faz sair da alma, ção: que todos enviem também as suas e tem a luta, que é própria da essência queixas que ela fará um dossiê e que será do jornalismo; também é ser um pouco remetido aos responsáveis, certa de que gladiador, porque se arrisca para poder entre o meio milhão de leitores da revis- informar. ta, a tiragem é de 220 mil exemplares ela Mas foi-se o tempo, considera Ra- acrescenta para fazer o cálculo, haverá chel de Queiroz, que o articulista era não só aqueles que devam ter sido pre- quem despertava as paixões, hoje (refe- judicados pelo serviço mas também os re-se ao tempo em que escrevia a crô- responsáveis que devem fazer por onde nica, 1951) são os baluartes da carreira, melhorar a coisa. Ironia e humor mar- os repórteres. Que são verdadeiros Dom cam assim o texto de Rachel de Queiroz. Quixotes pela bravura com que saem em Interessante observar a construção busca das notícias. Exemplo maior era o argumentativa da jornalista que, com o seu colega de O Cruzeiro, David Nasser. intuito latente de registrar uma reclama- Porque é o repórter que: ção pública, tangivelmente trouxe ele- mentos para pensar a prática do jorna- Tem como dom inicial e básico do lismo. O jornalismo empresa, tido como seu ofício a ubiquidade, que vai negócio, o jornalista prestador de servi- onde outro ser humano jamais se ço, quando colaborador; e o funcionário, atreveu a pisar, que arrisca a vida quando repórter. O jornalismo empresa não por ouro, nem por poder, nem segue o modelo norte-americano e será por fanatismo – apenas para colher aquele que se revelará com o discurso da uma notícia. Que exerce, na vida imparcialidade calcado na notícia e na real, a função que o romancista se reportagem marcadas pela promessa da arroga em relação aos personagens objetividade. Um jornalismo que será se- que inventa – e assim penetra nos torizado em editorias: política, cidades, pensamentos, escuta conversas economia, cultura e esporte, para citar que jamais ninguém deveria ouvir, alguns, os mais característicos. Processo advinha a hora do desastre para que começa no jornalismo impresso nos lá comparecer com o seu lápis e a anos 1950, e que resultou também em sua máquina, está sempre no pior uma renovação tecnológica, estilística e da batalha, no momento crucial estrutural praticando pautas pré-deter- do comício, no segredo de todas as minadas e utilizando na redação o mo- coisas secretas (QUEIROZ, 1951, delo do lide. p. 130). Rachel de Queiroz continuará com as suas relexões tempo depois, ao pu- O repórter, para Rachel de Queiroz blicar na Última Página a crônica Jorna- cronista, era o herói. O exemplo da igu- listas de 31 de março de 1951. Certa de ra de David Nasser, que será futuramen- que o jornalismo é proissão, dirá mais: é te objeto de outra crônica, o exemplo de mais que isso, é vocação. E adverte, pode baluarte do jornalismo. David Nasser e até ser um clichê, mas é a pura verdade, o seu “velho capitão” será publicada dez é um emprego como qualquer outro, anos depois, em 16 de setembro de 1961. com horário, salário e tudo mais, mas é Uma homenagem a este cidadão que, se- também correr riscos, considera Rachel, gundo a cronista, não quis ser nada mais coisa que outras proissões não compor- que repórter. O tom da crônica é o mes- tam. Esse risco é um elemento que ela mo da passada, o repórter herói que a considera eivado de aventura e que pres- tudo vence para cumprir a sua missão de supõe a identiicação personalíssima do informar, sem querer recompensa, ape- jornalista com o seu trabalho. E que en- nas pelo simples dever que lhe assiste de volve amor, sem ele, considera, o jorna- informar. lista fracassa. O jornalista tem um quê de Ser repórter é ofício, vocação e pai- ator, porque deve dar tudo de si como o xão. A ocasião para a crônica era a publi-

46 DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1984-6924.2017v14n1p39 Estudos em Jornalismo e Mídia, Vol. 14 Nº 1. Janeiro a Junho de 2017 - ISSNe 1984-6924

cação do livro de Nasser intitulado Velho gência, que o torna capaz de transformar capitão. Rachel de Queiroz aproveitará um fato do cotidiano em notícia: para rememorar seus 25 anos de ativi- dade jornalística e os companheiros de Como articulista, possui o talento atividade pelos veículos em que passou. especíico de transformar o fato E depõe sobre o patrão, o tal velho capi- cotidiano em assunto jornalístico, tão de Nasser, que nunca interferiu, nos de fazer da controvérsia uma arte e anos todos dela Rachel nos Associados, do debate uma ciência, de esgotar nas atividades dela como articulista, di- qualquer tema sem cais nos dois zendo assim que exerceu a sua atividade escolhos antípodas que ameaçam com liberdade de imprensa. o colunista: ou dar impressão de Depois Rachel volta a comentar supericialidade e de improviso, ou o livro, e vai traçar mais algumas linhas cair no pecado oposto – a estreite- sobre o que é ofício do repórter e diz que za especializada (QUEIROZ, 1962, o trunfo de Nasser é ter uma qualidade p. 138). que não se exige muito dos repórteres: saber escrever. Mas o que mais cabe des- E o repórter: “é seu aquele faro sin- tacar neste texto da jornalista é a menção gular que colhe a boa notícia no ar, antes ao papel da mulher na atividade. Rachel dos outros, que sabe destilar do boato a vai atribuir a atitude democrática do pa- informação autêntica, que desencava o trão a uma questão de princípios (o pa- fato vivo no chão onde se oculta, que na trão no caso é o jornalista Assis Chate- meia palavra de um prócer pega o segre- aubriand) para dizer que não foi motivo do das intrigas mais enredadas” (QUEI- de censura por ser mulher, cuja condi- ROZ, 1962, p. 138). ção relegaria seus textos a ter somenos E traça um vaticínio do seu tempo importância, por serem as opiniões das reletindo sobre o futuro da proissão. A mulheres desconsideradas. Mas sim, por competição com um novo tipo de jor- senso de justiça. nalista que surge nas redações, aquele E assim, denota-se um aspecto que preocupado com o glamour e a vaidade mencionado de forma indireta, era ques- decorrente da proissão que, ela airma, tão do seu tempo, o espaço da mulher na mesmo tendo consciência que o jorna- vida pública participando da condição lismo é uma indústria (posição que ve- das mulheres no mundo, que era ape- riicamos em artigo anterior), a matéria nas dos homens: “Dir-se- á, talvez, que não pode ser produzida em escala e exige essa atitude dele viria, principalmente estas qualidades e talentos que ela defen- da pouca importância que possam ter de como excelência do bom jornalista ou as opiniões de uma mulher (...) em meio jornalista ideal. aos problemas e às discussões dos ho- Interessante que Rachel de Quei- mens” (QUEIROZ, 1961, p. 146). roz não considera conlituosa essa com- Aquelas qualidades que se atri- posição entre o jornalismo-empresa e buem ao jornalista exemplar e ao vaticí- um fazer artesanal por parte do jornalis- nio da proissão serão também elencadas ta que, antes de tudo, deve ser um inte- numa crônica, desta feita publicada na lectual. Os demais artigos em que trata edição de 24 de fevereiro de 1962. Rachel da proissão, Rachel de Queiroz dedicará de Queiroz falará do jornalista Odylo uma Última Página a ordem dos jorna- Costa Filho em Odylo, jornalista. Elei- listas; outra a importância da carta dos to por unanimidade na roda de amigos leitores; trará relexões sobre o noticiá- como o jornalista brasileiro mais com- rio; e em outra sobre o papel de informar pleto e atuante, segundo Rachel de Quei- e discutirá mais uma vez a liberdade de roz, reúne todas as qualidades essenciais imprensa. dos grandes articulistas e dos fabulosos A ordem dos jornalistas foi título da repórteres (os adjetivos são dela) e isso crônica do dia 14 maio de 1955. Rachel implica ter cultura, bom gosto e inteli- de Queiroz abordou a campanha que

DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1984-6924.2017v14n1p39 47 Estudos em Jornalismo e Mídia, Vol. 14 Nº 1. Janeiro a Junho de 2017 - ISSNe 1984-6924 surgia na imprensa para criação de uma ção. Os olhos se voltam para a impren- ordem dos jornalistas, similar a ordem sa internacional. A jornalista questiona: dos advogados. E passava a defender o quanto dos atritos entre Estados Unidos bem maior dos jornalistas: a liberdade e Cuba não é refrega da imprensa? E o de imprensa e o respeito à ética (também Brasil, então, Rachel de Queiroz avisa: é jornalística) ixando que o primado do presa fácil do correspondente estrangei- jornalismo não é o furo a qualquer pre- ro que recebido (ela alega) com pompas ço, mas a legitimidade e a verdade que de chefe de estado sai daqui escrevendo a notícia apresenta. Entendia que o jor- o que bem quer, seja lisonjeiro ou não. E nalismo estava mal visto, pelo desrespei- desfazer notícia mal feita é trabalho per- to que alguns proissionais praticam no dido, um bom noticiário nem sempre é exercício da proissão. Um jornalismo capaz de recuperar o estrago. que desrespeitava, com acusações infun- A última relexão de Rachel de dadas, publicidade enganosa sobre gente Queiroz sobre a imprensa em O Cruzeiro inocente, praticando injustiças até contra aparece anos depois e novamente com o autoridades. A cronista alegava que o re- assunto da liberdade de imprensa, tanto médio, infelizmente, era a justiça, apesar que é o título da crônica publicada em de ser tardia e morosa, e que a legisla- 28 de janeiro de 1967; escreve a cronista ção era complacente, defendendo uma sobre a censura velada nos Estados Uni- ordem e ética para os jornalistas. Ela dos: “e vem eles, agora, do alto do seu acreditava que apenas eles mesmos, os dinheiro grosso, nos dar lição de liberda- proissionais, podiam e deviam agir com de de imprensa! Ora, não nos façam rir” zelo e respeito e não seriam leis mais se- (QUEIROZ, 1967, p. 126). veras que coibiriam abusos. Outro ponto defensável ao traba- Considerações inais lho do jornalista são as cartas dos leito- res. Rachel de Queiroz defende em Carta Após apresentar a trajetória de Ra- de leitores, de 21 de outubro de 1961, o chel de Queiroz como jornalista, enfa- papel das cartas como termômetro para tizando sua contribuição de mais de 30 atividade do jornalista, é quando os lei- anos na revista O Cruzeiro, foram elen- tores desafogam tudo que devem, por- cadas as análises de oito crônicas, pu- que os tons das cartas são: desabafos, blicadas entre 1948 e 1967, nas quais a reclamações, sugestões, convites, elogios autora versou sobre o fazer jornalístico. e até pedidos. E são importantes porque Pudemos perceber, nas crônicas sem elas, o jornalista perde o prumo, ica destacadas, que a jornalista era críti- “sem saber direito o que está fazendo”. E ca em relação à proissão, tanto no que desculpa-se, é impossível, pela quanti- tange as práticas especíicas dos prois- dade, responder a todas as cartas de tom sionais da mídia, quanto à visão da so- mais pessoal, que são inúmeras. E que ciedade acerca do ofício. Também são o diálogo entre o cronista e o leitor só é temáticas recorrentes a liberdade de im- possível na coluna. E inda a coluna com- prensa e aspectos da política brasileira pletando a função social do jornalismo: do momento. publica um apelo de um ilho que ten- Por im, destacamos que a contri- do sua mãe desaparecida há muito, pede buição material e simbólica de Rachel de que quem souber do seu paradeiro que Queiroz ao Jornalismo não se resume às entre em contato. crônicas elaboradas para a revista O Cru- Notícias aparece na edição de pri- zeiro, pois a cronista continuou a escre- meiro de abril de 1961, e o assunto é ver para outros veículos com a mesma manipulação. A concentração midiática, verve, conforme abordado em outras pu- denuncia a cronista, tende à manipula- blicações (SOBRAL; BULHÕES, 2017).

48 DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1984-6924.2017v14n1p39 Estudos em Jornalismo e Mídia, Vol. 14 Nº 1. Janeiro a Junho de 2017 - ISSNe 1984-6924

Referências

BAUER, M; GASKELL, G. (Orgs.). Pesquisa qualitativa com textos, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002.

BIBLIOTECA NACIONAL. Página inicial. Disponível em: . Acesso em: 23 jul. 2016.

CÂNDIDO, Antônio. A vida ao rés do chão. In: CÂNDIDO, Antônio. A crônica: o gênero, sua ixação e transformações no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp; Rio de Janeiro: Fundação Casa Rui Barbosa, 1992.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

JURY, Letícia Arantes; SANTOS, Goiamérico. A trajetória da “revista contem- porânea dos arranha-céus”: um estudo sobre O Cruzeiro na década de 50. In: Anais do XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Centro-Oeste, Goiânia, 2016.

MARQUES, Fabrício. Jornalismo e literatura: modos de dizer. Conexão, v. 8, n. 16, Caxias do Sul, jul. a dez. 2009.

MENDES, Fernanda Coelho. A “iadora do governo”: as crônicas de Rachel de Queiroz na revista O Cruzeiro (1960-1975). (Dissertação de mestrado), Unirio, 2017.

MOISÉS, Massaud. Dicionários de termos literários. 12. ed. São Paulo: Cultrix, 2004.

MORAES, Vinicius de. O exercício da crônica. In: MORAES, Vinicius de. Para uma menina com uma lor. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

MORAIS, Fernando. Chatô: o rei do Brasil. A vida de Assis Chateaubriand. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

QUEIROZ, Rachel de. Cadernos de Literatura Brasileira, nº 4. São Paulo: Institu- to Moreira Salles, 1997.

QUEIROZ, Rachel de. Um alpendre, uma rede, um açude. 8. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.

QUEIROZ, Rachel de. Correios & telégrafos. Revista O Cruzeiro. Publicado em: 11 set.1948. Disponível em: . Acesso em 28 jun. 2016.

QUEIROZ, Rachel de. Jornalistas. Revista O Cruzeiro. Publicado em: 31 mar. 1951. Disponível em: . Acesso em 28 jun. 2016.

QUEIROZ, Rachel de. A Ordem dos jornalistas. Revista O Cruzeiro. Publicado em: 14 maio 1951. Disponível em: . Acesso em 28 jun. 2016.

QUEIROZ, Rachel de. Carta de leitores. Revista O Cruzeiro. Publicado em: 21 out.

DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1984-6924.2017v14n1p39 49 Estudos em Jornalismo e Mídia, Vol. 14 Nº 1. Janeiro a Junho de 2017 - ISSNe 1984-6924

1961. Disponível em: . Acesso em 28 jun. 2016.

QUEIROZ, Rachel de. Notícias. Revista O Cruzeiro. Publicado em: 01 abr. 1961. Disponível em: . Acesso em 28 jun. 2016.

QUEIROZ, Rachel de. David Nasser e o seu “velho capitão”. Revista O Cruzeiro. Publicado em: 16 set. 1961. Disponível em: . Acesso em 28 jun. 2016.

QUEIROZ, Rachel de. Odylo, jornalista. Revista O Cruzeiro. Publicado em: 24 fev. 1962. Disponível em: . Acesso em 28 jun. 2016.

QUEIROZ, Rachel de. Liberdade de imprensa. Revista O Cruzeiro. Publicado em: 28 jan. 1967. Disponível em: . Acesso em 28 jun. 2016.

SÁ, Jorge de. A crônica. São Paulo: Ática, 1987.

SOBRAL, Gustavo; BULHÕES, Juliana. Propostas para o estudo das biograias e autobiograias de jornalistas brasileiros. In: Anais do XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste, Caruaru, 2016.

SOBRAL, Gustavo Leite; BULHÕES, Juliana. A faceta jornalística de Rachel de Queiroz: perspectivas biográicas. Temática - Revista eletrônica de publicação mensal, v. 1, p. 15- 28, 2017.

50 DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1984-6924.2017v14n1p39