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A DELIMITAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO FEDERAL PROVOCADA PELO SEU EXPERIMENTALISMO INSTITUCIONAL APÓS A EMENDA CONSTITUCIONAL n° 45/2004

José Ribas Vieira∗ Deilton Ribeiro Brasil∗∗

RESUMO

O problema central constitui na abordagem de como o Supremo Tribunal Federal enfrenta o desafio de ser o guardião dos preceitos constitucionais e, ao mesmo tempo, oscilar num pêndulo interpretativo em que privilegia ora um entendimento desvinculado de considerações morais ora sendo por elas guiado, demonstrando, assim, estar em consonância com as expectativas da sociedade. O paradoxo insere-se também na perspectiva de que nem sempre os apelos provenientes da sociedade são moralmente relevantes e, muitas das vezes, discrepam dos princípios constitucionais consignados. Esta percepção gera um clima de incerteza e imprevisibilidade quanto à posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal nas questões cruciais que são colocadas à sua apreciação. Em síntese, a difícil tarefa de encontrar o justo entre o legalismo e a ética. Surgem dificuldades em detectar o posicionamento dos ministros do Supremo. Estarão eles dispostos a efetivar os valores consagrados no texto da Constituição? Quais as estratégias interpretativas utilizadas para representar o papel de depositário das esperanças de uma sociedade despolitizada e fragilizada? Como este olhar contribui para uma melhor análise da Justiça Constitucional?

PALAVRAS-CHAVES: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, GUARDIÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, MINISTROS, JUSTIÇA CONSTITUCIONAL.

ABSTRACT

The central problem constitutes in the approach of as the Supreme Federal that faces the challenge of being the guardian of the constitutional precepts and, at the same time, to oscillate in an interpretative pendulum in that privileges a disentailed understanding of moral considerations for now for now being for them guided, demonstrating, like this, to be in consonance with the expectations of the society. The paradox also interferes in the perspective that not always the coming appeals of the society are morally important and, many of the times, differ of the consigned constitutional principles. This perception generates an uncertainty climate and

∗ Doutor em Direito pela UERJ. Professor do Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu da UGF/RJ. Pesquisador junto ao Laboratório de Análise Jurisprudencial da UGF/RJ. E-mail: [email protected] ∗∗ Mestre em Direito Empresarial pela FDMC de Belo Horizonte/MG. Doutorando em Direito pela UGF/RJ. E-mail: [email protected].

unpredictability with relationship to the position adopted by the in the crucial subjects that are placed to your appreciation. In synthesis, the difficult task of finding the fair between the legalism and the ethics. Difficulties appear in detecting the positioning of the of the . Will they be disposed to execute the values consecrated in the text of the Constitution? Which done the interpretative strategies use to represent the receiver's of the hopes of a non-political and weakned society? How does this glance contribute to a better analysis of the Constitutional Justice?

KEYWORDS: FEDERAL SUPREME COURT, THE GUARDIAN OF THE FEDERAL CONSTITUTION, JUSTICES, CONSTITUCIONAL JUSTICE.

INTRODUÇÃO

A teoria constitucional tem como função precípua analisar a efetividade dos Direitos Fundamentais insculpidos na Constituição. No enfoque adotado, qual seja examinar os fundamentos filosóficos que alicerçam a ordem jurídico-constitucional, cuida-se de erigir uma temática que busque a Justiça Constitucional, afastando-se, neste sentido, da diferenciação teórica da Jurisdição Constitucional, em que os aspectos técnico-jurídicos assomam com mais nitidez. Trata-se, portanto, de um tema bastante complexo no âmbito da Teoria do Direito e da Teoria da Constituição e que vem suscitando discussões acaloradas nas últimas décadas. Persegue-se uma densidade teórica capaz de enfrentar os desafios da realização da Justiça Constitucional e implementar o Estado Democrático de Direito. Observa-se que o Estado moderno passa por profundas transformações nas esferas política e social, culminando num processo de descrença das instituições políticas. O cidadão assiste ao desmoronamento dos referenciais político- institucionais que haviam balizado o Estado moderno. Acrescente-se a este descrédito, a ausência de princípios éticos basilares do agir político. A conseqüência é a despolitização do sujeito e sua fragilidade perante a complexidade da vida moderna. Ocorre a transferência das expectativas frustradas para o Judiciário, instância possibilitadora de resgate dos ideais de Justiça. Como afirma Antoine Garapon, o juiz torna-se não somente o garante

dos direitos mas o responsável pela recuperação da democracia, “o guardião das promessas” (O juiz e a democracia: o guardião das promessas). De fato, a transferência das esperanças para o Judiciário implica que o foco das decisões, especialmente as do Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição, converta-se em palco preferido para a reabilitação da ética e da plena realização dos direitos fundamentais. A noção de Justiça Constitucional aparece com mais clareza: aspira-se a uma legitimação efetiva, apta a convergir os anseios do cidadão, e não apenas os procedimentos atinentes à sua competência, com os direitos proclamados no texto constitucional. Trata-se, nesta etapa do desenvolvimento da pesquisa do Laboratório de Análise Jurisprudencial de centrar a investigação do Corte dos Fundamentos Filosóficos nos efeitos decorrentes da Emenda Constitucional n. 45/04, que acena, em princípio, para o delineamento de um ativismo formal, podendo configurar um fortalecimento da jurisdição no seu sentido puramente formal, hipótese a ser desvendada no presente estudo. Ou, ao revés, busca-se interpretar as deliberações do Supremo Tribunal Federal como a expressão do justo no jogo dialético entre o legal e o bom (Cf. RICOUER, Paul, O justo entre o legal e o bom. In: Leituras 1: em torno ao político). Cuida-se, portanto, de indagar a respeito do novo posicionamento assumido pelo Supremo Tribunal Federal no que concerne ao seu papel de intérprete maior da Constituição Federal, capaz de efetivar os fundamentos e objetivos máximos da República Federativa do Brasil, concretizando o comando de constituir-se em Estado Democrático de Direito. Neste sentido, faz-se necessário analisar se esses desideratos são plenamente concretizados ou se a hipótese do ativismo formal iria obstaculizá-los em nome de uma visão meramente formal e processualista. Primeiro ponto de destaque na sistemática instituída pela Emenda Constitucional no. 45/04 diz respeito aos pressupostos traçados pelo art. 103-A, ...§ 1o da Constituição Federal, a saber: “...controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública...”, qualificada pelo risco de geração de “...grave insegurança jurídica 1 ...” e “...relevante multiplicação de

1 Inevitável consignar a combinação de cláusulas vagas: insegurança, que compreenderá todo o espectro de situações que se ponham além da zona de certeza positiva de segurança, vez que tanto há insegurança na zona de certeza negativa, como em toda a zona cinzenta de incerteza quanto a essa qualidade; e ainda

processos...”. Vê-se, a partir dessa moldura de cabimento, que a vinculatividade tupiniquim tem como móvel, não a construção gradual da melhor compreensão do Direito, mas sim a pacificação de um conflito que ameace a um só tempo, o Estado Democrático de Direito e à eficiência do Judiciário pelo excessivo número de demandas 2 – e por via transversa, o acesso à justiça. Desse apertado figurino, têm-se por conseqüência inicial, o descarte do principal mérito apontado para o sistema de stare decisis, a saber, a possibilidade genericamente oferecida de construção coletiva e continuada da compreensão dos institutos jurídicos. Clara a má compreensão, pelos proponentes de nossa solução, do instituto paradigma: o traço da vinculatividade – do funcionar como o critério hierarquicamente determinante da solução a ser conferida por instância inferiores do Judiciário – não se constitui, isoladamente, a essência do sistema. E isso se afirma, porque constitui igualmente elemento integrante do sistema de precedentes vinculantes – já se disse acima – as possibilidades do distinguishing e do overruling, que constituem justamente os mecanismos próprios a promover, por razões distintas, o apartamento do caso paradigma – logo, não é aplicabilidade coercitiva às instâncias inferiores que confere fisionomia ao sistema de precedentes vinculantes. Ao contrário, o caráter de obrigatória adesão se põe, no sistema inglês e norte-americano, como conseqüência, como coroamento do reconhecimento da formação de uma cadeia de consolidação da compreensão do Direito, 3 que se iniciou – na verdade – junto ao juiz da causa, de primeiro grau, e que se enriquece com a contribuição dos demais agentes judicantes.

grave, medida de intensidade que como tal, se reveste igualmente de palpável indeterminação, eis que sua caracterização depende do ponto mínimo que se adote por paradigma para essa aferição da gravidade. 2 Uma vez mais se pode apontar a baixa densidade da norma constitucional editada, na medida em que não se tem por claro qual seja o segmento do Judiciário (se primeiro grau, se Tribunais) – se é que é de se fracionar essa análise – cujo risco de multiplicação excessiva de causas deva ou possa desafiar súmula vinculante. 3 É de CARDOZO, Benjamin. A natureza do processo judicial: palestras proferidas na Universidade de Yale. São Paulo: Martins Fontes, 2004, a imagem de que o sistema de precedentes permita “...assentar a própria fiada de tijolos sobre o alicerce sólido das fiadas assentadas pelos que vieram antes...”.

Vinculatividade, como instrumento vertical, de oferta de solução à divergência (portanto, de mediação de um conflito de entendimentos caracterizado nas instâncias inferiores), caminha lado a lado com a radicalização de um modelo hierárquico de Justiça, aumentando o fosso que separa o juiz da causa, da comunidade, dos detentores últimos do poder, que passam a deter a prerrogativa de vincular aos demais. Privilegia-se a hierarquia, em detrimento da agregação do conhecimento, elemento principal de legitimação da solução norte- americana e inglesa. Adotadas, na definição dos pressupostos de cabimento da súmula vinculante, cláusulas vagas, têm-se por conseqüência a reserva de uma ponderável margem de discricionariedade em favor (exclusivamente) do Supremo Tribunal Federal – que, navegando na extensa zona de indeterminação quanto ao que possa ser grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos, terá em suas mãos a última definição quanto a oportunidade para a edição do precedente vinculante; definição essa que não se sujeita (ao menos do ponto de vista prático) a qualquer outra apreciação crítica. Descaracteriza-se ainda – com a outorga da competência, com exclusividade, em favor de uma única instância jurisdicional, tendo por base uma moldura de cabimento construída a partir de cláusulas vagas – a idéia de compromisso, permanente e transversal, de todo o Poder Judiciário, com a construção da compreensão das leis e do Direito posto, na medida em que cada juiz, não pode identificar o seu papel nessa tarefa de instituição de um precedente vinculante, que se formará (ou não), por decisão exclusiva do Supremo Tribunal Federal, segundo critérios que são de baixa sindicabilidade. Assim, enquanto no sistema norte-americano, todo juiz sabe que em toda atuação sua, constrói (ou contribui para desconstruir) precedentes vinculantes, esse mesmo sentimento de pertencimento à cadeia decisória, no sistema brasileiro, ou não existirá, ou terá por base elementos muito tênues. Completa o quadro de perplexidades em relação ao traço “pacificador” ou “mediador” da súmula vinculante como instituída, a circunstância de também se

incluir entre seus pressupostos de edição, cuidar-se de momento que se ponha “...após reiteradas decisões sobre a matéria constitucional... 4 ”. E isso se diz porque também aqui se afasta a opção brasileira dos modelos clássicos em que supostamente busca inspiração, eis que a reiteração não se constitui condição para a caracterização de uma decisão como precedente vinculante nos sistemas norte-americano e inglês. Importa ainda perceber que a alternativa de reduzir a possibilidade de conferir o signo da adesão obrigatória às hipóteses de controvérsia (e controvérsia qualificada, como já se disse), reservando-se ainda a competência privativamente ao Supremo Tribunal Federal constitui opção formal pela valorização prioritária da estrutura hierarquizada de organização da autoridade e da Justiça, 5 sem o correspondente benefício de construção de conhecimento agregado. Mais ainda, o modelo teórico fundado na hierarquia não encontra no Judiciário brasileiro, adesão a seus princípios, valendo por todos, aqueles segundo o qual haja no modelo hierárquico, um desejo por uniformidade que conduza à afirmativa de que, idealmente, devam todos 6 “... march to the beat of single drum...”. 7 A função de mediação de conflitos, com decisões de adesão obrigatória, conferida ao órgão de cúpula da estrutura do Judiciário, consolida, portanto uma opção pela estruturação vertical da autoridade judiciária, cumprindo subordinar a própria interpretação desse novo instituto a essa premissa teórica.

4 O texto transcrito sugere outra perplexidade, na medida em que associado esse pressuposto (reiteradas decisões sobre a matéria constitucional) com aqueles contidos no art. 103-A, § 1o (controvérsia entre órgãos e relevante multiplicação de processos) o resultado aparentemente, é no sentido de que a súmula vinculante só se pode verificar em matéria constitucional, o que significa desqualificar a controvérsia geradora de grave insegurança jurídica que envolva matéria infra-constitucional. No particular, todavia, sempre se poderá sustentar que o tema seja de opção política – e a crítica a essa, eficaz, a rigor, encontraria melhor lugar ao longo da discussão da iniciativa reformadora. 5 DAMASKA, Mirjan R. The faces of justice and state authority: a comparative approach to the legal process. New Haven and London: Yale University Press, 1986, pp. 20-3. 6 Id. Ibid. 1986, p. 20. 7 Embora se possa afirmar que a disparidade de decisões envolvendo a uma mesma hipótese gere um sentimento de repúdio no âmbito do próprio Judiciário, que reverencia o valor de segurança jurídica como um imperativo a se buscar, nem por isso se pode dizer que desejem seus integrantes marcharem todos ao som do mesmo tambor. E se isso já não se põe no plano do genérico, com maior razão, as estruturas da base hierárquica do Judiciário resistem a essa verticalização das decisões, que a eles se apresenta como uma captio diminutio.

Uma alternativa de salvação, ainda que parcial, do necessário envolvimento do Judiciário em maior abrangência, para com a fixação de um precedente de adesão obrigatória, e mesmo de abrandamento dessa radicalização em favor da hierarquia, será a exegese que se venha a conferir à referência contida no art. 103-A, caput da Carta de Outubro, de que a edição da súmula vinculante possa ser suscitada por provocação. Afinal, tendo em conta o princípio da unidade da Constituição, e considerando a regra contida no art. 103-A, § 2o, da CF, é sustentável a interpretação no sentido de que a provocação contida no caput, é distinta daquela proveniente dos órgãos estranhos ao Judiciário, restando, a contrario sensu, como terreno de incidência desta, as hipóteses de iniciativa pela própria Magistratura. Uma leitura desse teor, que permita – ainda que sujeita à ulterior definição de hipóteses de cabimento por lei, eis que o texto constitucional àquela complementação pelo Legislador alude – a provocação a partir do Judiciário, convida as Cortes a participar ativamente do processo de formação de um precedente vinculante, 8 diminuindo a inclinação fortemente hierárquica denunciada pelo texto, aumentando o traço democrático de um instrumento dessa magnitude e importância 9 . Observe-se que essa experiência – da provocação pelos níveis hierárquicos inferiores, da pronúncia por estrutura superior, detentora de competência para a apreciação da matéria constitucional – já existe como experiência no campo dos sistemas de controle concentrado de constitucionalidade, e pode portanto proporcionar alguma inspiração para um modelo que se venha a construir no campo da edição de súmula vinculante. Completa o quadro de perplexidades em relação ao traço “pacificador” ou “mediador” da súmula vinculante como instituída, a circunstância de também se

8 Em verdade, quem melhor poderá depor acerca dos riscos de relevante multiplicação de processos – por exemplo – que as Cortes que, primariamente, com eles se defrontam? 9 Importante, de outro lado, evidenciar que a sistematização, por Cortes de hierarquia inferior, dos termos do conflito a merecer apreciação por parte do órgão de cúpula, também é apresentado por DAMASKA, Mirjan R. The faces of justice and state authority: a comparative approach to the legal process. 1986, p. 20 como característica da estrutura hierarquizada de exercício de autoridade. No contexto, todavia, a admissibilidade da provocação por magistrados ou tribunais de outro patamar hierárquico, contribuiria para um nível de abertura do sistema – e não de maximização do traço vertical.

incluir entre seus pressupostos de edição, cuidar-se de momento que se ponha “...após reiteradas decisões sobre a matéria constitucional...”. Afinal, a literalidade do texto pode conduzir à compreensão de que não caiba a edição de súmula vinculante, em hipóteses em que a grave insegurança jurídica e a possibilidade de relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica, envolva a aplicação de normas infra-constitucionais – o que nem por isso, desqualificará a controvérsia. Assim, os valores pretendidos tutelar com a possibilidade da instituição de súmula vinculante não são particulares às normas constitucionais; logo, a solução oferecida pode se mostrar acanhada para as finalidades que pretenderia alcançar 10 . É certo que sempre poderá o Supremo Tribunal Federal operar a inclusão de determinado tema no espectro de cabimento da edição de súmula vinculante, qualificando o debate sobre a lei infra-constitucional como tema envolvendo quaestio de inconstitucionalidade reflexa. Essa, todavia, é rota que passa por terreno pantanoso, seja porque o tema da competência para a análise pelo Supremo Tribunal Federal da inconstitucionalidade reflexa sempre encontrou resistência no âmbito da própria Corte, seja porque – justamente pela escassa prática de tal análise – não se tem ainda adequadamente construídos os critérios que permitam a identificação precisa desse fenômeno. O caminho, portanto, do alargamento da compreensão dos temas passíveis de edição de súmula vinculante pode conduzir à traição constitucional, conferindo-se ao Supremo Tribunal Federal maior espectro de poder que o exercício de poder constituinte reformador lhe pretendeu conferir.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O projeto de materialização de um Laboratório de Análise Jurisprudencial (LAJ) considerou, desde sua origem, a pouca atenção de parte da produção acadêmica nacional

10 É também de MOREIRA LIMA, Augusto César. Precedentes no Direito, 2001, p. 114 a afirmação de que a grande inspiração do modelo de súmula vinculante, então ainda em proposta, tinha por principal objetivo “...diminuir o número de ações e recursos que tem de ser decidido pelos tribunais...”.

de um estudo sistemático sobre as decisões do Supremo Tribunal Federal relativo aos direitos fundamentais. Seguimos a prática do estudo de casos que pudessem servir de paradigma para essa discussão. Para tanto, foi utilizada metodologia própria, de caráter descritivo, crítico e reflexivo sobre o inteiro teor dos acórdãos. Buscou-se, assim, identificar os padrões de formação de uma decisão, para, a partir daí, compreender a visão política e filosófica que a Suprema Corte brasileira tem sobre o direito. O estudo sobre temas determinados se apresentou como o grande desafio de construção teórica, exigindo a busca de uma matriz de análise que permitisse, com o desdobrar do projeto, aplicação também sobre outros temas constitucionais. E numa visão prospectiva pretendeu-se ainda preservar a dimensão temporal de análise – prática também pouco comum no direito brasileiro, mas corriqueira em outros sistemas constitucionais, notadamente o norte-americano e o alemão. Numa primeira etapa desse processo de delimitação de um modelo de análise – e de subseqüente avaliação em concreto de temas enfrentados pelo STF – elegeu-se o estudo do artigo 5º, X da CF como pólo temático central. Mas para tanto foram demarcados cortes com componentes teóricos capazes de orientar a análise: saber os cortes da hermenêutica; do republicanismo; e. por último do processo como estratégia de poder. Com esse procedimento estratégia metodológica, direcionamos, então no exame de determinados direitos fundamentais como o direito contidos no referido dispositivo constitucional do artigo 5º inciso X da Constituição Federal de 1988 como é o caso dos direitos à honra e à intimidade. Desse empreendimento investigativo resultou uma obra já publicada. 11 Na seqüência do mesmo projeto – e tendo em conta o imperativo de cortes de análise que permitissem uma compreensão para além da dogmática jurídica, foi incorporado o corte de análise de matriz filosófica em substituição do marco analítico do processo como estratégia de poder. Novas decisões foram examinadas a partir dos já mencionados cortes analíticos, consolidando um modelo de análise igualmente materializado em outra obra, já concluída, e no prelo. O estudo até agora se concentrou basicamente sobre os argumentos que sustentam decisões relacionadas aos direitos fundamentais, e que serviram de justificativas. Isso nos levou à reflexão sobre uma matriz adequada de análise orgânica

11 Duarte, Fernanda. Direito à Imagem à Honra. Renovar. 2006.

das decisões do STF, e ainda o estudo da porção axiológica da nossa constituição no âmbito da jurisdição constitucional, firmando um compromisso do LAJ de contribuir com a teoria constitucional pós-45 não só a partir de reflexões em abstrato, mas também a partir de uma relação dialética com o intérprete jurisdicional maior. A proposta de efetivação de uma matriz teórica de análise sobre o modo de formação da decisão; e, ainda, a preservação de uma perspectiva de continuidade temporal dessa mesma avaliação, pressupõe sensibilidade e resiliência em relação a fenômenos que afetem substancialmente o funcionamento do Supremo Tribunal Federal. Afinal, a identificação de inflexões em linhas identificadas como constantes, por parte da Corte, em um momento de modificação institucional, podem se apresentar enganosas, se o comentarista não se detiver, antes, a identificar quais sejam as mudanças institucionais ocorridas. Só a partir daí é que teremos condições de refletir, numa visão de futuro, nos padrões decisórios do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/04, introduzindo extensas mudanças, desde o regime da magistratura, composição de órgãos jurisdicionais, até a consagração de institutos importantes como o da súmula vinculante (Lei 11.417/06) e da repercussão geral (Lei 11.418/06), decerto é de ser tida como um parâmetro temporal relevante; um potencial divisor de águas no comportamento da Corte analisada pelo que poderão traduzir no futuro do nosso Judicial Review como ator político e institucional Nesse contexto de fortalecimento institucional do Supremo Tribunal Federal, como pretenso espaço uniformizador de Jurisprudência, apresenta-se um conjunto de comportamentos possíveis – com destaque para uma tendência aos ativismos – que deve ser acompanhado ab initio, no que pareça ser o seu espaço constitucional, e naquilo que o STF venha a afirmar como seu potencial área de atuação. O projeto de pesquisa em andamento – e já com dois (dois) anos de aprofundamento e produção acadêmica – enfrenta agora, portanto, o imperativo de uma problematização originária dos efeitos da Reforma do Judiciário, tendo em conta principalmente, um previsível impulso de um ativismo formal, voltado para o alargamento e centralização das atribuições constitucionais destinadas ao Supremo Tribunal Federal, numa trilha de consolidação de sua função republicana de órgão de cúpula do judiciário no Brasil.

Na verdade, o ativismo formal assumido, possivelmente de forma mais explicita após a Emenda Constitucional n° 45/04, coincide com uma grave crise de legitimidade dos poderes da República, notadamente a do Legislativo e Executivo. A potencialidade e a grandeza da crise institucional em andamento entre nós, reforçam a importância de que, com esse projeto de pesquisa, possamos traçar não só qual o desenho estratégico como ator político que o Supremo Tribunal Federal vem assumindo; mas também em que medida isso se relaciona com um abdicar de competência de outras funções do poder.

REFERÊNCIAS

CARDOZO, Benjamin N. A natureza do processo judicial: palestras proferidas na Universidade de Yale. Trad. Silvana Vieira [Traduzido de The nature of the judicial process], São Paulo: Martins Fontes, 2004.

DAMASKA, Mirjan R. The faces of justice and state authority: a comparative approach to the legal process. New Haven and London: Yale University Press, 1986.

DUARTE, Fernanda; VIEIRA, José Ribas; CAMARGO, Margarida Maria Lacombe; GOMES, Maria Paulina (coords.). Os Direitos à Honra e à Imagem pelo Supremo Tribunal Federal: laboratório de Análise Jurisprudencial. : Renovar, 2006.

GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. 2 ed. Trad. Maria Luiza de Carvalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

HART, Herbert L.A. Direito, Liberdade, Moralidade. Trad. Gérson Pereira dos Santos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1987.

______. O conceito de direito. Trad. A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1986.

MOREIRA LIMA, Augusto César. Precedentes no Direito. São Paulo: Editora LTr, 2001.

RICOUER, Paul, O justo entre o legal e o bom. In: Leituras 1: em torno ao político. Trad. Marcelo Perine. São Paulo: Edições Loyola, 1995.