UNIVERSIDADE FEDERAL DA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS INTERDISCIPLINARES MULHERES, GÊNERO E FEMINISMO

CLEIDENEA BASTOS DE ALMEIDA

MULHERES QUE TECEM OS FIOS DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL DE PINTADAS-BA

Salvador

2016

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CLEIDENEA BASTOS DE ALMEIDA

MULHERES QUE TECEM OS FIOS DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL DE PINTADAS-BA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos Interdisciplinares de Mulheres, Gênero e Feminismo, da Universidade Federal da Bahia, como requisito básico para a obtenção do título de mestra.

Orientadora: Profa. Dra. Iole Macedo Vanin.

Salvador 2016 2

Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Universitário de Bibliotecas (SIBI/UFBA), com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Bastos de Almeida, Cleidenea Mulheres que Tecem os Fios do Desenvolvimento Social de Pintadas - BA / Cleidenea Bastos de Almeida. -- Salvador, 2016. 114 f. : il

Orientador: Profa. Dra. Iole Macedo Vanin. Dissertação (Mestrado - Estudos Interdisciplinares Mulheres, Gênero e Feminismo - PPGNEIM) -- Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2016.

1. Rede. 2. Movimento Social. 3. Gênero. 4. Empoderamento. 5. Feminismo. I. Macedo Vanin, Profa. Dra. Iole. II. Título. CLEIDENEA BASTOS DE ALMEIDA

MULHERES QUE TECEM OS FIOS DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL DE PINTADAS-BA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos Interdisciplinares de Mulheres, Gênero e Feminismo, da Universidade Federal da Bahia, como requisito básico para a obtenção do título de mestra.

Aprovada em 06 de janeiro de 2016

Iole MacedoVanin – Orientadora______Mestre e Doutora em História pela Universidade Federal da Bahia

Lina Maria Brandão de Aras______Mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco e Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo

Marcia Santana Tavares______Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Sergipe, e Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia

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AGRADECIMENTOS À Profa. Dra. Iole Vanin, pela competência e cuidado com que orientou este trabalho e pelos conhecimentos transmitidos ao longo da minha formação acadêmica. E pela sua militância e compromisso com as causas sociais, bem como o seu envolvimento político em defesa da democracia e de uma sociedade igualitária.

À Doutora Lourivânia Soares pelo incentivo e encorajamento para entrar no mestrado, o apoio direto e incansável durante esta jornada, que me ajudou a superar os momentos de dúvidas e incertezas e me encorajou para chegar ao fim deste trabalho. Às vezes me suportou e me entendeu, papel que boas amigas são capazes de fazer.

Ao Mestre Manoel Bastos, pela paciência e incentivo. Com muito amor envolvido, admiração e respeito, sempre ao meu lado me estimulando a olhar pra frente na certeza de dar um passo largo no meu crescimento profissional e intelectual ao passo de me tornar uma pessoa melhor, com quem compartilhei muitos momentos bons e outros nem tanto, mas que juntos construímos um espaço de troca de saberes.

À Coordenação do NEIM e as colegas da sala pelo apoio recebido.

A Associação de Mulheres Pintadenses, com vivências práticas em defesa da equidade de gênero me fez e faz crescer e aprender além de me proporcionar preciosas informações e buscas que foram dialogando com a construção desse trabalho.

A minha família, pais e irmãs, pela ajuda e incentivo ao longo da minha história de vida. Sou infinitamente grata pelo respeito às minhas escolhas.

A Neusa Cadore, Julita Trindade, Reijane Fernandes e Ana Mendes a minha gratidão por terem aceitado contribuir com as suas histórias de vida, sem as quais esse trabalho não teria sido possível. Obrigada pela disponibilidade de tempo para a socialização de seus saberes, confiança, e envolvimento na história de Pintadas.

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A minha prima Mestra Gloriete Santos que mesmo longe se fez tão perto, por está vivenciando essa mesma experiência de pesquisa, obrigada por compreender e ter participado indiretamente desse importante passo em minha vida.

Aos colegas de trabalho do Mandato da Gente, e a equipe de trabalho da Rede Pintadas que estiveram todo o tempo torcendo por mim.

Ao Deus da vida, fonte inesgotável de inspiração, a minha profunda gratidão por ter me acompanhado durante a realização deste trabalho, por ter me cuidado em muitos níveis, fortalecendo a minha fé e conduzindo os meus passos nos momentos mais difíceis dessa trajetória.

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Se a humanidade perde a sua voz Não tenho medo de entoar canções Fazer valer direitos pra saborear Melhor o tempo que nos guia Sabedoria popular Que habita os confins de nossa terra Passageiros dessa nave-mãe Que encerra a lida de um povo livre.

Luis Dillah

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ALMEIDA, Cleidenea Bastos de. Mulheres Que Teçem os Fios do Desenvolvimento Social de Pintadas-BA. Dissertação de mestrado do programa de pós-graduação em estudos sobre mulher.

RESUMO

A presente dissertação analisa a participação das mulheres no desenvolvimento social da cidade de Pintadas-BA e tem como finalidade, discutir o processo de desenvolvimento local através do diálogo e articulação em rede como instrumento balizador da organização das mulheres. A discussão proposta é a trajetória do movimento social de Pintadas e a sua evolução política, analisando as pesquisas e documentários com destaque para a experiência de quatro mulheres que residem nesta cidade e que participaram em períodos diferentes de espaços efetivos de poder, no processo de articulação das organizações locais, ocupando cargos políticos, gerenciamento de ONGs, mobilização e fomento de grupos de jovens, grupos de mulheres, entre outros. Foi feita uma analise da contribuição dessas mulheres no processo de desenvolvimento local numa perspectiva social, cultural, economica, poítica e religiosa, nos últimos trinta anos, verificando se as ações realizadas por estas mulheres, possibilitam a construção de autonomia, tanto nos grupos nos quais atuam, bem como em suas vidas particulares, no âmbito das relações familiares. Buscou-se entender os principais desafios apontados no processo de gestão e organização dos movimentos dos quais participam, além de tentar visualizar e identificar a pluralidade histórica e cultural de Pintadas e quais foram os fatores relevantes que levaram essas mulheres a um processo emancipatório e de empoderamento, enquanto sujeitos políticos comprometidas com a transformação social, quebrando preconceitos e paradigmas que fragilizam a força da mulher apenas por ser do sexo feminino. A partir da abordagem teórica foi utilizada a metodologia qualitativa, numa perspectiva feminista, através do estudo de caso da vivência da Rede Pintadas, que é considerada referência regional de participação, articulação e promoção do desenvolvimento local sustentável. Assim, a história das mulheres de Pintadas reafirma tecidos importantes na organização social, traçando um perfil estratégico da emancipação das mulheres e conquista de direitos e de autonomia, rompendo um ciclo de opressão e coisificação destas nos espaços que atuam. Neste sentido, a reflexão proposta, acerca da autonomia das mulheres é pautada nas concepções feministas, de gênero, visibilizando os elementos de transformação e resistência adotados pelas mulheres, dentro de suas organizações e fora delas, no acesso efetivo às políticas públicas e a igualdade de direitos.

Palavras chave: Rede - Movimento Social – Gênero – Empoderamento - Feminismo – Mulheres

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ALMEIDA, Cleidenea Bastos de. Women Who Hold the Wires of Social Development of Pintadas-BA. Master's thesis of the post-graduate program in studies on women.

ABSTRACT

This dissertation analyzes the participation of women in the social development in the city of Pintadas-BA and aims to discuss the process of local development through dialogue and networking as a tool to guide the local organization of the women. The proposed discussion is the trajectory of the social movement of Pintadas city and its political evolution, analyzing the researches and documentaries highlighting the experience of four women who lived in this city and who participated in different periods of effective power spaces, in the articulation process of local organizations, holding political positions, managing NGOs, mobilizing and promoting youth groups, women's groups, among others. It was made an analysis of the contribution of these women in the process of local development from a social, cultural, economic, political and religious perspective, in the last thirty years, verifying that the actions carried out by these women allow the construction of autonomy, both in groups in which as well as in their private lives, in the context of family relations. It was sought to understand the main challenges pointed out in the process of management and organization of the movements in which they participate, in addition to trying to visualize and identify the historical and cultural plurality of Pintadas city and what were the relevant factors that led these women to an emancipatory and empowering process, as political subjects committed to social transformation, breaking down preconceptions and paradigms that weaken the strength of women only because they are female. Based on the theoretical approach, the qualitative methodology was used in a feminist perspective, through the case study of the Pintadas Network experience, which is considered a regional reference for participation, articulation and promotion of sustainable local development. Thus, the history of the women of this city, reaffirms important fabrics in the social organization, tracing a strategic profile of the emancipation of women and conquest of rights and autonomy, breaking a cycle of oppression and the little value of these women in the spaces that act. In this sense, the proposed reflection on the autonomy of women is based on feminist conceptions of gender, making visible the elements of transformation and resistance adopted by women within and outside their organizations in effective access to public policies and equality of rights.

Keywords: Network - Social Movements - Gender - Empowerment - Feminism - Women

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CEBs – Comunidades Eclesiais de Base IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística SEI – Superintendência de Estudos Econômicos da Bahia SEPLAN – Secretaria de Planejamento do Estado da Bahia PIB - Produto Interno Bruto ONGs – Organização Não Governamental STR - Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pintadas CCSP – Centro Comunitário de Serviços de Pintadas JPL – Jovens a Procura da Libertação CNEC – Campanha Nacional de Escolas da Comunidade SICOOB SERTÃO – Banco Cooperativo do Brasil COOAP – Cooperativa Agroindustrial de Pintadas RENASCER – Associação Cultural e Beneficente Padre Ricardo EFAP – Associação Mantenedora Escola Família Agrícola ASA – Associação dos Apicultores de Pintadas UFBA – Universidade Estadual da Bahia CESE – Centro Ecumênico de Serviços DED – Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social BNDS – O Banco Nacional de Desenvolvimento AMP – Associação de Mulheres Pintadenses CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Acessória UNICAFES – União das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária do Estado da Bahia

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 10

Descrição da pesquisa...... 17

CAPÍTULO I

Pintadas: fios trançados na história ...... 24

1.1 A história pintada de solidariedade ...... 24 1.2 Das vacas pintadas às transformações sociais ...... 31 1.3 Pintadas e suas caracteristicas do sertão...... 36 1.4 A presença das mulheres na educação de Pintadas ...... 39 1.5 Migração e participação da mulher no contexto econômico ...... 44 1.6 Contexto de fé e organização social ...... 49

CAPÍTULO II

Fios em movimento que tecem a vida das mulheres ...... 55

2.1 Interfaces do empodeiramento trançados em rede...... 55 2.2 Articulaçãao em rede como vetor de participação ...... 63 2.3 Mulheres engendradas no cotidiano de Pintadas ...... 69 2.4 Feminismos e suas bandeiras: avanço nas lutas das mulheres ...... 74

CAPÍTULO III

Mulheres que marcaram a história ...... 82

3.1 Anas, Neusas, Julitas, Rejanes: Mulheres de Pintadas e suas histórias ...... 83 3.1.1 Ana Mendes de Lima...... 83 3.1.2 Julita Trindade de Almeida ...... 86 3.1.3 Neusa Cadore ...... 88 3.1.4 Rejane Fernandes ...... 91 3.2 Analisando as vivências ...... 93

CONCLUSÕES FINAIS ...... 103

REFERÊNCIAS ...... 106

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INTRODUÇÃO

“Eu insisto em cantar, diferente do que eu ouvi, seja como for recomeçar. Nada há, mas há de vir. Me disseram que sonhar é ingênuo, e daí? Nossa geração não quer sonhar, pois que sonhe a que há de vir”

Osvaldo Montenegro

Não é tarefa fácil escrever a história das mulheres, inclusive pelo fato de terem sido invisibilizadas, oprimidas, silenciadas e excluídas da história convencional durante séculos. Neste sentido, Perrot (1992) afirma que “durante séculos, a mulher foi excluída dos estudos de história”. Foi somente a partir dos anos 1970, mais precisamente, que os estudos de gênero e feminismo emergem como um campo importante das pesquisas historiográficas. No Brasil, a história das mulheres está concentrada, sobretudo, no Sul e Sudeste do país e este fato se confirma por encontrarmos poucos estudos específicos sobre a história da Bahia e de outros estados do Nordeste, a parti do enfoque de gênero, tendo as mulheres como protagonistas. Os poucos estudos existentes estão centralizados nas capitais e regiões metropolitanas como, por exemplo, em Salvador e recôncavo baiano. Em função dessa invisibilidade se faz necessário contextualizar questões de gênero, relações de poder, construção histórica, cultural, atuação política, social, religiosa, bem como a vida cotidiana das que moram nas regiões do semiárido. A introdução do livro “Fazendo Gênero na Historiografia Baiana", questiona a história tradicional e faz um panorama da historiografia da Bahia que, em linhas gerais, pode ser ainda considerado válido.

“Fazer gênero na historiografia baiana significa revisitá-la tendo como fio condutor, um olhar questionador quanto a história tradicional, fazendo emergir as relações de gênero e as experiências femininas e masculinas nelas tecidas ao longo da nossa história. Trata-se de um caminho, que no panorama nacional, vem há anos sendo traçado com determinação e o devido reconhecimento, mais que, no caso da Bahia ainda está por ser desbravado com maior vigor” (SARDENBERG, VANIN, ARAS, 2001. p. 9-10).

Ao longo da história das mulheres as suas vozes eram silenciadas, as poucas fontes oficiais existentes, eram escritas pelas vozes de outras pessoas, majoritariamente as vozes masculinas. Isso porque culturalmente a mulher esteve destinada, ao ambiente privado, domestico, fato que justificou por séculos a ausência destas nas fontes oficiais. Para Michelle Perrot, "Essa exclusão, aliás, não é senão a tradução redobrada de outra 11

exclusão: a das mulheres em relação à vida e ao espaço público na Europa Ocidental no século XIX”. E a mesma autora complementa, “Pois esse silêncio, imposto pela ordem simbólica, não é somente o silêncio da fala, mas também o da expressão, gestual e escrituraria Neste sentido, estudar a história das mulheres de Pintadas é de extrema relevância por trazer para as páginas da historiografia desta cidade as vozes que sempre foram silenciadas. Assim, esse será apenas um passo, através da escrita para dar o devido destaque às estas personagens históricas. É nesta perspectiva que a filósofa Simone de Beauvoir, em sua obra O Segundo Sexo1, reafirmou a incompletude da história, pois, embora pretendesse universalizar, na realidade desconsiderava uma metade da humanidade, sendo esta as mulheres. Ainda sobre essa temática, Alda Brito, Cecília Sardenberg e Marcia Gomes, fazem uma releitura de forma crítica do feminismo com foco na mulher e das relações de gênero. Nota-se que as circunstâncias históricas determinam um destino feminino, mas não é um destino para a mulher, de modo geral, como se pode imaginar (MOTTA; SARDENBERG; GOMES, 2000, 17), pois em se tratando da mulher latino-americana, pobre, negra, analfabeta, o nível de desigualdade ainda é maior em relação a mulher branca, de classe média alta. A partir de Beauvoir (1949) surgem questionamentos e reflexões acerca do determinismo biológico que, ao longo da história, tem provocado a desigualdade e condenado a mulher a uma posição inferior ao homem. Esses questionamentos e reflexões quebram as paredes do silêncio e entram nas páginas da história, através das diversas publicações que versam sobre as temáticas de gênero, feminismo, mulheres, através de publicações de livros, artigos, revistas especializadas, teses, dissertações, documentários e simpósios temáticos, ampliando o campo dos estudos de gênero e feminismo. Os estudos sobre gênero e feminismo, no Brasil e no mundo, têm sido responsáveis pela quebra de paradigmas construídos ao longo dos anos e que reforçou

1 “O segundo sexo de Simone de Beauvoir, publicado originalmente na França, em 1949, quando a Europa ainda se recuperava das feridas abertas pela Segunda Guerra Mundial, o livro é um amplo tratado sobre a questão da mulher, na perspectiva existencialista. Faz a crítica, ao determinismo biológico, as abordagens psíquicas e ao materialismo histórico, argumentando que mulher é uma construção social, historicamente determinada, construída no pensamento ocidental como o outro. Inicia com a famosa frase, não se nasce mulher, torna-se mulher”. (MOTTA; SARDENBERGE; GOMES, 2000, p 10)

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os estudos do patriarcado como um modelo de organização social, responsável por subjugar as mulheres ao passo que vai colocando o homem no centro da história e das estruturas hierárquicas. Com isso, a cada dia tem-se procurado desconstruir estereótipos de um padrão de sociedade onde as mulheres foram colocadas à margem para servir e fortalecer as estruturas patriarcais. É nesse lugar definido socialmente para a mulher que Bourdieu (2010) chama a atenção para a dominação masculina enquanto um fator que envolve a dimensão simbólica inconsciente e as representações sociais dessa dominação. O conceito de patriarcado permite visualizar nestes dois âmbitos, a dominação e a exploração das mulheres, que estão estreitamente interligados. Essa dominação dos homens sobre as mulheres permite visualizar que não está presente somente na esfera familiar, no trabalho, na mídia ou na política. O patriarcado compõe a dinâmica social como um todo, estando inclusive, internalizado no inconsciente de homens e mulheres individualmente e coletivamente, ou seja, vem sendo reproduzido dentro dessa cultura machista e opressora. Heleieth Saffioti afirma que há uma clivagem no interior do feminismo marxista, entre aqueles que acreditam ser o patriarcado uma “[...] organização social de gênero autônoma, convivendo, de maneira subordinada, com a estrutura de classes sociais” (SAFFIOTI, 1992: 194). Em se tratando do contexto social Saffioti (2013), afirma que a opressão da mulher se dá de forma universal e indiscutível, razão pela qual mulheres do mundo inteiro, em diferentes períodos históricos, encontraram no feminismo a oportunidade de uma intervenção política. Essa participação e busca em defesa da igualdade e garantia de direitos faz parte da pauta feminista que deflagrou-se efetivamente no século XX, questionando a determinação cultural, simbólica sobre o que, é ser mulher na sociedade e a importância de transformação da cultura patriarcal. Foi no final da década de 1970 que começou o debate sobre "igualdade versus diferença" (Pierucci, 1990), onde igualdade, diferença, cultura e natureza aparecem como categorias que se intercruzam e tornam conflituoso o debate feminista. Assim, Joan Scott (1988) reforça a necessidade de intensificar a análise para o conceito de gênero, para além de um mero instrumento descritivo e chama a atenção para pensar a linguagem, os símbolos, as instituições e sair do pensamento que recai no binômio homem/mulher, masculino/feminino, igualdade/diferença, natureza/cultura.

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Esses conceitos começam a ser desconstruídos devido à fragilidade de suas categorias, que não encerram em si nenhum significado último ou fixo, mas consideradas vazias e transbordantes (Scott, 1988). A metodologia, na perspectiva feminista, reflete a prática da ciência a partir de uma nova ótica como instrumento de permanente apreciação da atividade científica, dos seus múltiplos agentes e interlocutores/as e dos procedimentos que a ela presidem. Destaca-se uma metodologia diferenciada assumida pela história social, na qual se engajam correntes marxistas, cuja preocupação incide sobre as identidades coletivas de uma ampla variedade de grupos sociais, até então excluídos do interesse da história: operários(as), camponeses(as), escravos(as), ciganos(as), prostitutas, ou seja, as pessoas comuns. Pluralizam-se os objetos de investigação histórica e as mulheres passam à condição de objeto e sujeitos da história. Assim, a aplicabilidade da metodologia na perspectiva feminista, assume uma importância crescente nos estudos sobre as mulheres. Dessa forma, as transformações na historiografia, articuladas à ascensão do feminismo, a partir de fins da década de 1960, tiveram papel decisivo no processo de interferir nas estruturas das ciências fazendo com que as mulheres demarquem espaços simbólicos historicamente conquistados sendo sujeito da História. As ciências sociais, durante décadas, invocaram a chancela da objetividade como garantia da produção de discursos científicos independentes, fidedignos, verdadeiros e universais. Essa é uma aparente ilusão de controle da objetividade que fez emanar, por parte de novas correntes epistemológicas, uma série de críticas ao positivismo, patenteadas na defesa de formas optativas de ler e construir a realidade e os discursos dos seus múltiplos agentes, levando em consideração questões como a reflexão, o equilíbrio de poder e a igualdade nas relações de investigação. Com base em várias abordagens críticas que levantaram a voz contra a manutenção de um sistema científico alienado das estruturas de poder, as correntes feministas tiveram seguramente um papel de relevo, pelo fato de terem reiterado a indispensabilidade de se contestar a ordem dominante das ciências sociais. Torna-se necessário analisar os novos paradigmas modernos apontados nas ciências sociais. Por ser um modelo demonstrativo relevante da utilização das reflexões acerca das ciências sociais e das metodologias na perspectiva feminista analisadas e refletidas intencionalmente sobre os mais variados aspectos inerentes a essa pesquisa

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Para Rago (2000), os estudos das mulheres inovaram profundamente a historiografia ao trazer não apenas o “sexo frágil” para o cenário histórico, mas a própria cultura feminina, abordando temas ligados ao seu universo cultural, social e sexual, dando visibilidade ao espaço privado. O feminismo questionou a lógica da identidade e das oposições binárias que construíam a interpretação masculina do mundo (RAGO, 2000, p.53). Ana Alice Costa (2005) vai mais além ao apontar que:

O feminismo enfrentou o autoritarismo da ditadura militar construindo novos espaços públicos democráticos, ao mesmo tempo em que se rebelava contra o autoritarismo patriarcal presente na família, na escola, nos espaços de trabalho, e também no Estado. Descobriu que não era impossível manter a autonomia ideológica e organizativa e interagir com os partidos políticos, com os sindicatos, com outros movimentos sociais, com o Estado e até mesmo com organismos supranacionais. Rompeu fronteiras, criando, em especial, novos espaços de interlocução e atuação, possibilitando o florescer de novas práticas, novas iniciativas e identidades feministas (COSTA, 2005 p. 9–35).

Ainda para Costa (2005), esse não é o ponto final do movimento, a cada vitória surgem novas demandas e novos enfrentamentos, o feminismo está longe de ser um consenso na sociedade brasileira, haja vista as resistências culturais e políticas no que tange a implantação de políticas especiais para mulheres, ainda nos dias de hoje. Nesse ínterim, Gebara (2001) assevera que o feminismo está a serviço do questionamento de papéis e lugares hierarquizados para homens e mulheres, onde a inequidade de direitos é patente. “O feminismo é para não aceitar o poder que está distribuído de forma desigual entre os sexos. É para desnaturalizar as injustiças tidas como normalidades”. (GEBARA, 2001, p. 12). Foram traçados, então, os principais campos de reflexão focados nas categorias analíticas de gênero, feminismo e organização social. Muitas dessas mulheres se inseriram no contexto do desenvolvimento local através da participação nas organizações sociais de Pintadas, principalmente as que tiveram a sua base de formação nas CEBs - Comunidades Eclesiais de Bases2. Elas atuavam na condição de sujeitos

2 As Comunidades Eclesiais de Base, que surgiram no Brasil no final dos anos 60, se inserem na situação dos setores populares e tentam vivê-la à luz da Fé e do Evangelho. Boff enfatiza que a "novidade" das CEBs está em seu modo peculiar de ser comunidade, condensado em duas características: participação "democrática" e compromisso "libertador" (Boff, 1997: 189).

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políticos embora não se reconhecessem feministas. Com o passar dos anos foram sendo absorvidas no movimento de mulheres pautado pela igualdade de direitos, o enfrentamento a todas as formas de violência, a efetiva participação social e a ocupação de espaços de poder e decisão. Os desafios impostos para o desenvolvimento dessa pesquisa são de relevantes proporções, uma vez que em Pintadas não existe a disponibilidade de documentos escritos ou digitais descrevendo a história das mulheres. Há algumas pesquisas e documentários que discutem o desenvolvimento local sustentável e a experiência de articulação em Rede, através da instituição jurídica denominada Associação das Entidades de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável de Pintadas. Razão pela qual há a necessidade de desenvolver uma pesquisa, capaz de elaborar conceitos, contextualizados com a realidade local, trazendo as vivências das mulheres que participaram e participam da construção e organização em Rede, interagindo com os movimentos sociais, atuantes na política, tendo como foco as mulheres enquanto sujeitos transformadores inseridos no contexto local. O semiárido brasileiro, região em que se localiza o município em estudo, encerra aspectos culturais próprios, não sendo uma realidade homogênea que reflete na vida das mulheres. Trazendo uma discursão mais contundente para a caracterização do semiárido, Soares (2011) descreve:

O clima da região é caracterizado por temperatura elevada e alto índice de evaporação. As precipitações chuvosas são inferiores a 800 mm por ano e acontecem em períodos irregulares. Além disso, aproximadamente 80% do solo da região é formado por rochas cristalinas que dificulta a acumulação de água (SOARES, 2011, p. 63).

Ainda sobre o semiárido, Soares (2011) afirma que “poucas vezes encontramos trabalhos que se debruçam sobre as novas produções de representação desse lugar, forjado, principalmente pelo discurso da seca e através dos processos socioculturais que estabeleceram para ele um lugar natural do País.” O semiárido reúne municípios com características que vão muito além do baixo índice de chuvas, em geral, chove menos de 800 mm por ano. Se caracterizam também pela falta de infraestrutura, na falta de um sistema de transporte eficiente que interligue

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a região, na ausência de uma rede que estruture a produção econômica, ou na inexistência de saneamento público. É notória a diferença existente entre esta região e as demais regiões do país, desde a paisagem própria da caatinga que a maior parte do ano apresenta uma cor que varia entre o cinza e preto como resultado da seca, muito diferente do verde que predomina na maior parte do território brasileiro. Outro ponto que diferencia a região semiárida são os leitos ressecados de rios temporários que muitas vezes permanecem anos sem correr água por conta das longas estiagens e principalmente por conta da devastação ambiental. O Censo de 2010 do IBGE mostra que a Bahia é o estado que abriga, em termos absolutos, o maior número de famílias com baixa renda em todo o país. Os dados mostram que aproximadamente 2,4 milhões de baianos, 15% do total nacional, vivem com uma renda mensal de até R$ 70,00 (setenta reais) na Bahia. Quando o olhar recai sobre o Semiárido baiano, os números são mais alarmantes. É lá onde vivem 61% dos baianos, quase 1,6 milhão de pessoas, (IBGE 2010) Durante muitos anos o fenômeno da seca explicava, em parte, a aridez social e econômica desta região, combinando a isso a falta de políticas públicas, que atenda as especificidades de cada município e o fortalecimento de uma teia que interligue essas regiões ao restante do Estado. As políticas sociais como: acesso a água para o consumo humano e para a produção, Programa Luz para Todos com eletrificação rural, acesso ao crédito, Programa Minha Casa Minha Vida, a aposentadoria rural, aplicação de novas tecnologias na agricultura familiar, entre outras políticas, tem provocado um grande impacto nas famílias do semiárido ao longo das últimas décadas. Segundo dados da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), órgão ligado à Secretaria do Planejamento (Seplan), o PIB do Semiárido beira os R$ 38 milhões (trinta e oito milhões), o equivalente a 28% da riqueza produzida pelo Estado. A figura abaixo vem ilustrar o isolamento geográfico do Semiárido impactando na produção da economia ao longo dos anos:

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Dados: IBGE (2010) Nesse contexto de escassez de chuvas, Pintadas está inserida e foi motivada a ultrapassar as do pouco investimento público para o semiárido durante anos e buscou alternativas para a superação das desigualdades através das organizações comunitárias alternativas de desenvolvimento local através de parcerias entre governos e organizações não governamentais e de representação social. O desenvolvimento local foi possível por intermédio do protagonismo peculiar do município, através de parcerias nacionais e internacionais articuladas pela Rede Pintadas, das decisões e esforços dos atores e atrizes sociais organizados em torno do objetivo de re-significação da sua própria história. Portanto, o desenvolvimento é produzido por pessoas, não é um resultado automático de crescimento econômico.

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Descrição da Pesquisa

O motivo de estar inserida no contexto da história de Pintadas, fez nascer o desejo de analisar o engajamento efetivo das mulheres em suas atividades, valorizando as experiências ali processadas, a construção e a troca de saberes evidenciam a riqueza e a sua dinâmica própria, bem como a participação social, religiosa e política no município de Pintadas - Bahia. Nesse percurso, um dos maiores aprendizados foi o de estar atenta para o enfrentamento constante às diversas formas de desigualdades de gênero, fato que acontece ao longo das ações estruturantes e na luta em defesa da autonomia e inclusão social das mulheres de forma integrada. A definição do objeto de estudo tem um vínculo profundo com a trajetória de vida, da pesquisadora, tanto dentro da academia quanto no campo profissional e, principalmente, na militância e inserção da vida política, social e religiosa O processo de definição do caminho a ser seguido nesta pesquisa, foi uma oportunidade de conhecer com afinco o papel dos movimentos sociais e sua importante contribuição na construção de uma consciência crítica de gênero. Para chegar a esse resultado será analisadas documentos e entrevistas de campo de mulheres que fizeram parte do contexto histórico local. O objeto do presente estudo é investigar como a Rede Pintadas, ao promover o desenvolvimento local, constituiu-se em um fator favorável ao empoderamento das mulheres e quais as reproduções e/ou rupturas com o modelo tradicional da participação política no processo de Desenvolvimento Local. A pesquisa foi desenvolvida de forma processual, ao longo do curso, conforme as provocações de algumas disciplinas cursadas como Teoria Feminista, Gênero e Poder, Gênero e História, Gênero e Linguagem, História da Mulher na América Latina, entre outras, que contribuíram com as problematizações e percepção de elementos antes ignorados. Este sentimento despertou a necessidade de compreender com afinco a história da participação social, política e religiosa das mulheres, sob a perspectiva dos estudos de gênero. Os desafios impostos para o desenvolvimento dessa pesquisa são de relevantes proporções, uma vez que em Pintadas não existe a disponibilidade de documentos escritos ou digitais descrevendo a história das mulheres. Há algumas pesquisas e

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documentários que discutem o desenvolvimento local sustentável e a experiência de articulação em Rede, através da instituição jurídica denominada Associação das Entidades de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável de Pintadas3, razão pela qual houve a necessidade de desenvolver uma pesquisa cientifica, capaz de elaborar conceitos, contextualizados com a realidade local, trazendo as vivências das mulheres que participaram e participam efetivamente da construção e organização em Rede, interagindo com os movimentos sociais, atuantes na política, tendo como foco as mulheres enquanto sujeitos transformadores inseridos no contexto local. Fiz uma análise da contribuição das mulheres no processo de desenvolvimento social e político na cidade de Pintadas - BA nos últimos trinta anos. Identifiquei se as ações realizadas por essas mulheres possibilitaram a construção de autonomia, tanto nos grupos organizados nos espaços públicos, quanto em suas vidas particulares, no âmbito das relações familiares. Além de buscar entender os principais desafios apontados no processo de gestão e organização dos movimentos dos quais participam, foram traçados os principais campos de reflexão focados nas categorias analíticas de gênero, feminismo e organização social. Esta pesquisa analisa o processo de resistência presente na trajetória dessas mulheres e busca entender como o seu engajamento político representa uma estratégia coletiva de superação das condições de suas vidas. Como já mencionada, a história das pintadenses nunca outrora foi objeto de uma pesquisa acadêmica, portanto essa pesquisa almeja também contribuir para a sistematização e o desvendamento de aspectos, até então, não reconhecidos na trajetória das mulheres baianas. Neste sentido, a presente pesquisa também contribuirá para que a história das mulheres baianas do interior, bem como sua participação nos movimentos sociais não continue no esquecimento. Não é possível falar de uma história das mulheres e dos feminismos na Bahia se os seus referenciais estão majoritariamente centralizados na capital e no recôncavo. Fazer isso é negar e não perceber a diversidade histórica e suas

3 A Rede Pintadas é uma entidade jurídica formada por 14 organizações não-governamentais que atuam na articulação e promoção do desenvolvimento sustentável de Pintadas e região. Em conjunto com entidades parceiras internas e externas, desde 1999, vem desenvolvendo projetos de valorização do papel da mulher na sociedade, de fortalecimento e sustentabilidade da agricultura familiar na perspectiva de proporcionar qualidade de vida e estímulo à permanência do homem e da mulher no campo. Fonte: http://redebaciadojacuipe.org/rede-pintadas.

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lutas e correr o risco de construir uma história da Bahia de forma homogênea, capaz de tornar invisíveis as mulheres que moram no sertão baiano. Falar da história das mulheres, significa tentar reparar, em parte, o silenciamento das mesmas na historiografia uma vez que a pesquisa histórica traz em seu bojo marcas na presença feminina de um domínio sempre reservado aos homens. A literatura brasileira, no que se refere aos estudos históricos sobre mulheres e ciências naturais, seja de um ponto de vista historiográfico ou que incorporem quaisquer perspectivas feministas, estão colocados de forma incipiente e tímida. Como afirma Santos (2008), hegemonicamente os cientistas ao longo dos anos vem assumindo o monopólio de uma ideologia fundamentada na indústria cientifica.

[...] a comunidade científica estratificou-se, as relações de poder entre cientistas tornaram-se mais autoritárias e desiguais e a esmagadora maioria dos cientistas foi submetida a um processo de proletarização no interior dos laboratórios e dos centros de investigação (SANTOS, 2008, p 58).

É importe o registro historiográfico das pintadenses, uma vez que será fonte disponibilizada para leitura ou pesquisa sobre experiências de mobilização, organização e compreensão do papel político e social das mulheres. É nesse processo que é entendido o quanto é necessário que os resultados da pesquisa podem colaborar com o fortalecimento da organização das mulheres, bem como o empoderamento, servindo como um instrumento de releitura da prática dessas mulheres. Para estudar a Participação das Mulheres no Desenvolvimento Social de Pintadas, foi de fundamental importância adotar como caminho metodológico a análise das trajetórias de participação políticas de mulheres com entrevistas semiestruturadas, que dialogam com as questões trazidas nos objetivos propostos (FLICK, 2009). Os depoimentos coletados foram um importante instrumento para a compreensão de quais os principais espaços ocupados pelas mulheres ao longo da história de Pintadas. Foi feito o registro das suas presenças nas organizações, além de relatar o novo momento da história das mulheres no Brasil numa visão renovadora, partindo do contexto local. Foram entrevistadas quatro mulheres ligadas à gestão de empreendimento com foco econômico, inseridas na mobilização política e na educação, oriundas das CEBs,

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presidentas de organizações não governamentais, além de analisar publicações de pesquisadoras e pesquisadores externos que estudaram o desenvolvimento sustentável de Pintadas. Neste contexto, foi feita uma análise de como se deu o processo das articulações políticas, seus principais instrumentos de organização e os espaços conquistados que garantiram a inserção e participação efetiva das mulheres nos ambientes institucionais e nas bases das lutas dos movimentos sociais. Foi analisado ainda o processo de evolução do movimento de mulheres em Pintadas em conjunto com as diversas conquistas que norteiam a sua história, desde a luta pela terra, passando pela organização das CEBs, a articulação política e a incansável busca pelo aprendizado da convivência com o semiárido e a emancipação e empoderamento da mulher. Foi aplicada a pesquisa qualitativa por estar associada à metodologia dos estudos feministas, recorrente do rompimento com pressupostos teóricos metodológicos que suprimiam as mulheres no contexto das ciências, mais acentuados na história social e na ciência política (FLICK, 2009). A pesquisa teve como ponto de partida a identificação e coleta digital de documentos produzidos que serviram de base para fundamentar a participação social e política das mulheres. Foram utilizados textos das teorias feministas e de historiadoras e historiadores que discutem o tema acerca da historiografia da mulher, sendo feito o registro da memória individual e coletiva através de depoimentos. O método da História Oral foi importante ferramenta a ser utilizada nessa pesquisa em virtude da escassez de fontes escritas. Ele permite uma mudança de enfoque nos trabalhos históricos, quebra uma visão rígida da objetividade do fato, abrindo a possibilidade de recuperação de maneiras diversas de vivenciar a história (THOMPSON, 1978). Segundo Thompson (1978), a História Oral é construída sobre pessoas, não só os líderes, mas os integrantes da população que se transformam de "objetos" de estudo em "sujeitos" da história. Esse método, a partir de testemunhos de homens e mulheres, revela indicadores ocultos de um passado recente, mas significativo para organizar um conteúdo mais rico. A recuperação da memória dentro de uma perspectiva mais ampla, integrará a um processo político, pois tem sido usada como instrumento de poder de setores

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dominantes, construindo um discurso oficial sobre a história. Como afirma Le Goff (1984):

Tornar-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva. (LE GOFF, 1984, p. 13)

A memória, entretanto, é parte integrante da construção da identidade das mulheres de Pintadas, envolvendo elementos diversificados, não oficiais, não dominantes e que enriquecem a história social. A memória está estruturada pelos papéis sociais a partir de um conjunto de elementos que interferem na reconstituição do passado. A utilização das fontes orais, portanto, permiti trabalhar com esta memória diferenciada, trazendo novas informações sobre aspectos pouco conhecidos do passado recente a partir do que foi vivido cotidianamente pelas mulheres em Pintadas, ao longo da história. Ou seja, essa pesquisa utiliza relatos orais de mulheres coletados através da “metodologia da história oral”, colhendo seus conhecimentos e experiências do passado interligadas ao presente. Os relatos orais foram importantes ferramentas para identificar a posição social e política das atrizes diretamente envolvidas no processo de construção histórica. Após definição das amostras foram realizadas as entrevistas estruturadas obedecendo a um roteiro: que se definiu através de 3 eixos: o primeiro referiu-se às relações de gênero; o segundo, sobre a Rede Pintadas; e o terceiro sobre a organização e militância política de mulheres. No conjunto buscou-se apreender a opinião e a impressão de cada entrevistada em relação à política, a sua militância, a compreensão da categoria e das relações de gênero, as conquistas alcançadas no processo de desenvolvimento local, as mudanças provocadas na vida das mulheres, observando as diferentes idades e sua ocupação dos espaços de poder e decisão. A pesquisa de campo permitiu conhecer a história das mulheres de Pintadas. Foi possível compreender a dinâmica da Rede Pintadas buscando, através de algumas mulheres, uma melhor compreensão da sua natureza e atuação. A pesquisa documental

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foi realizada com este intuito. Foram analisadas: Ata de fundação, Estatuto, Regimento Interno, relatórios, planos de ação, projetos. Além disso foram analisadas publicações, documentários artigos, vídeos e sites que fazem uma abordagem histórica de Pintadas. Esses documentos permitiram conhecer a missão, filosofia, organização, seus sujeitos, além de compreender como se dá as relações de gênero e a divisão sexual do trabalho na Rede Pintadas. Com a observação direta participante, busca-se captar a dinâmica da participação social e política das mulheres de Pintadas - Bahia, nas diversas atividades desenvolvidas e no seu cotidiano, registrando, a partir da linguagem, do dito e do não dito, dos gestos, das emoções, dos conflitos, dos símbolos, das contradições, das relações de poder. A dissertação é composta por quatro unidades de estudo. A parte introdutória faz uma abordagem genérica da delimitação do objeto de estudo, das categorias adotadas, da metodologia utilizada e das questões norteadoras da pesquisa. No primeiro capítulo, foi escrita uma breve história de Pintadas de forma contextualizada com o semiárido, trazendo as influências dos movimentos sociais para construção da política e suas interfaces. No segundo capítulo foi analisado os conceitos de Rede, além do processo de desenvolvimento local integrado através da história da Rede Pintadas e o movimento social organizado. A partir de uma perspectiva de gênero foi feita uma revisão conceitual, para isso, utilizou-se as acepções de público e de privado em contextos históricos distintos. Além de buscar identificar a presença feminina nos espaços de poder e decisão e o processo de empoderamento das mulheres, foi observado como se dão as relações de gênero no processo de desenvolvimento local. Foi feito um breve histórico da organização das mulheres de Pintadas nas últimas três décadas, explorando sua razão de ser e sua dinâmica enquanto organização política. No terceiro capítulo foram analisadas as principais fases do Movimento de Mulheres de Pintadas, conceitos de autonomia e empoderamento, além de revisitar o campo da militância política, revendo os conceitos e analisando as bibliografias e as falas das entrevistadas. Por fim, nas considerações finais foram expostas as reflexões sobre o objeto de estudo, somando ao debate acerca da participação efetiva das mulheres enquanto sujeito transformador da realidade e, em particular, na construção das relações de gênero.

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Buscou-se explicitar se de fato a Rede Pintadas que possibilitou espaço para o empoderamento das mulheres ao buscar o desenvolvimento Local de Pintadas.

Capítulo I

Pintadas: fios trançados na história

O teu povo é valente e altivo Pelo empenho da sustentação Tem o sangue de luta nas veias E o amor a cada irmão

Ana Mendes de Lima, Hino de Pintadas

Neste capitulo será feita uma abordagem histórica acerca do processo de povoamento de Pintadas, sua origem, como chegaram os primeiros moradores, as questões climáticas, a influência da religiosidade no processo de organização da comunidade além de destacar a presença feminina no tempo e no espaço ao longo da sua história. Para tanto, foram analisados documentos, documentários, autores e autoras que discutem o desenvolvimento local a partir da experiência de Pintadas, entrevistas, entre outros, tendo como foco a presença das mulheres na formação das comunidades, suas influências e protagonismos na educação e, sobretudo, a participação na economia dentro e fora da estrutura familiar.

1.1 A História Pintada de Solidariedade

Ao longo da história da humanidade as mulheres estiveram presentes nos diferentes momentos decisivos, traçaram caminhos, escreveram páginas que durante séculos não puderam publicar. A Escola dos Annales e a História Nova contribuíram com esse novo momento do fazer historiográfico, permitindo a emergência de novos sujeitos na narrativa dos fatos. Isso abriu um campo para os estudos feministas, uma vez que deu espaço, na academia, às pesquisas voltadas para o papel social das mulheres.

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Foi a História Social que primeiro se mostrou atenta a história das minorias, dos excluídos, identificando os sujeitos enquanto agentes históricos e transformadores. Conforme Perrot (1955): “Escrever uma história das mulheres é um empreendimento relativamente novo e revelador de uma profunda transformação: está vinculado estreitamente à concepção de que as mulheres têm uma história e não são apenas destinadas à reprodução, que elas são agentes históricos e possuem uma historicidade relativa às ações cotidianas, uma historicidade das relações entre os sexos.” (1995, p. 9).

É nesse contexto que se pode revisitar a história para compreender o processo de construção social, cultural e político, numa perspectiva do desenvolvimento local a partir da experiência de Pintadas, pensando nas pessoas que construíram e constroem esse lugar, dando um sentido simbólico do valor social, histórico e cultural. Ainda para Perrot (1955), o conhecimento histórico não é só um simples registro das mudanças nas organizações sociais ao longo do tempo, mas também, um instrumento que participa da produção do saber sobre estas organizações. O filme “Pintada de Solidariedade” faz uma abordagem da história de Pintadas analisando a cultura de organização, solidariedade e envolvimento das pessoas no processo de desenvolvimento local. Busca dar visibilidade as vozes de atrizes e atores internos e externos envolvidos diretamente, como é o caso do professor José Albertino Lordelo,4 um importante colaborador que há quase três décadas contribui com a construção de projetos com foco no desenvolvimento local, que inicia a película dizendo: “O que eu gosto de Pintadas são as pessoas”. Parece simples uma única frase, mas as pessoas as quais ele se refere são comprometidas com um projeto social diferente, são essenciais e simbolicamente relevantes dentro desse contexto da subjetividade que reflete a identidade desse lugar. São pessoas que ao longo da história tem contribuído com o processo de desenvolvimento local sustentável através da mobilização social sobretudo do fortalecimento do cooperativismo e do associativismo. Sobre desenvolvimento local, Buarque (1999), compreende como um processo endógeno observado em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos, capaz

4 José Albertino Carvalho Lordêlo – Doutor em Educação, teve uma presença marcante em Pintadas desde o final dos anos 1980 quando ainda trabalhava na CAR (Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional). Contribuiu com a construção do Projeto Pintadas, um projeto inovador e visionário que pensou ações estruturantes e estratégicas com a aplicação de tecnologias apropriadas para a convivência com a seca, além de garantir assistência técnica continuada para as agricultoras e agricultores do município de Pintadas Bahia. 26

de promover o dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da comunidade. As experiências bem-sucedidas de desenvolvimento local são resultado de um ambiente político e social favorável, que expressa uma forte mobilização desses indivíduos. Ou seja, as lideranças comunitárias que estão inseridas na coordenação das organizações sociais, associações, cooperativas, sindicatos, partidos políticos e igrejas em Pintadas tem a compreensão do seu papel político enquanto sujeitos transformadores da realidade. Nesse contexto a solidariedade5 é identificada como uma força motriz que se converte em estratégias de experiências produtivas através da autogestão das ONGs, instrumentalizando a emancipação dos grupos organizados, articulando as iniciativas produtivas, cujo aumento da capacidade política se dá a partir da articulação em rede e com foco na solidariedade. A emancipação da mulher em Pintadas interrelaciona-se com o desenvolvimento local e aponta para novos paradigmas. A presença da mulher tem sido um elemento inovador que reoxigena a caminhada. Neste sentido, o movimento de mulheres de Pintadas tem construído teias de organizações que perpassam o cotidiano das pessoas, transformando as experiências de injustiça e de carência em momentos de reflexão e luta política para sua superação, forjando novas propostas de intervenção na cultura local. Conforme descreve Fernando Fischer e outros (2002).

É interessante notar hoje - justamente quando o protagonismo juvenil e questões de gênero estão na ordem do dia de instituições de financiamento e apoio às ONGs - que esses temas já fazem parte da vida de Pintadas há muitos anos. Percepção essa, corroborada pelo fato de que grande parte das lideranças das instituições que compõem a Rede ser de integrantes das CEBs. Além disso, não é por acaso que Pintadas tem uma associação de mulheres, uma prefeita mulher por dois mandatos seguidos e três vereadoras.” (2002, p. 06)

Muitas pessoas inseridas nas organizações em Pintadas tiveram a sua base de formação nas já citadas CEBs, como também em grupos de jovens e movimentos

5 Solidariedade é o substantivo feminino que indica a qualidade de solidário e um sentimento de identificação em relação ao sofrimento dos outros. A palavra solidariedade tem origem no francês solidarité que também pode remeter a uma responsabilidade recíproca. Fonte: www.significados.com.br/solidariedade.

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sociais. Assim, as CEBs, apesar de um viés religioso, foram espaços fundamentais para a formação das pessoas conforme afirma Julita Trindade6 uma das entrevistadas. “Os textos da Bíblia que traziam a história das grandes mulheres, sempre me motivaram e me inspiraram a lutar e a estar nessa caminhada até hoje. Tenho como marca em minha vida, Judite como grande mulher, heroína, lutadora, com a sua astucia se colocou na defesa incondicional do seu povo. Eu vejo Maria para além da virgindade, vejo uma mulher forte que enfrentou os preconceitos da sociedade e mostrou a sua força, poder e sabedoria. Madalena, Ester, Rute e tantas outras mulheres que tomaram decisões e foram de encontro a toda e qualquer forma de opressão. A minha formação sempre foi dentro dessa lógica bíblica, lida de uma forma contextualizada com a realidade”.

O movimento social de Pintadas, entendeu desde a sua gênese o significado diferenciado do “nós”, pois as pessoas são parte do processo de construção da história e as CEBs reforça esse sentimento de pertencimento. A entrevista com Neusa Cadore7, reforça essa afirmação:

“A comunidade é eixo da vida das mulheres e da organização de Pintadas como um todo. Eu cheguei e já encontrei as comunidades formadas com uma pauta estabelecida, já existia o conselho pastoral, um jeito próprio de se movimentar. Eu tenho a compreensão de que tanto para os homens quanto para as mulheres essa oportunidade de fazer parte de uma comunidade é de grande importância para a vida social, política, religiosa onde quer que seja a sua atuação. Na época a igreja investia muito em formação, interligando fé e vida, tinham os momentos de encontros que eram ótimos, mas também levar as pessoas a terem uma experiência forte de um Deus vivo que vai além de apenas sentar e rezar. No depoimento das pessoas nas comunidades cada um e cada uma se reconheciam parte do grupo, todas as nossas lutas foram coletivas eu não sei exatamente o dia que entrei nessa caminhada e nem saberia dizer as razões de continuar até hoje acreditando. Para falar a verdade eu nunca me senti só sempre contei com muita gente. Em Pintadas eu encontrei uma grande família”(Neusa Cadore).

Fazendo uma reflexão acerca das razões que motivam as nossas lideranças a entrarem na luta, PENNA (2001) salienta o significado de motivação apontando que os

6 Julita Trindade de Almeida, historiadora, presidente do partido dos trabalhadores, liderança comunitária.

7 Neusa Cadore, missionária leiga que chegou em Pintadas em 1983 para a realização de um trabalho missionário na igreja católica. Técnica em enfermagem e defensora das causas sociais em 1996 foi eleita prefeita de Pintadas por dois mandatos consecutivos e em 2006 se elegeu Deputada estadual por 4 mandatos.

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motivos podem ser de ordem social, pessoal, bem como, ideias. Os de ordem social são aqueles cujo cumprimento depende de contatos com outros indivíduos e que tem como necessidades motivadoras, fazer parte, pertencer, transformar, estar associado, ser aceito pelos outros. Os motivos de ordem pessoal são aqueles que buscam o aperfeiçoamento, a maestria e excelência e estão relacionados com as necessidades, autonomia, competência, preparação, respeito. Nas ideias como motivos, as pessoas buscam valores, crenças, metas e planos para guiarem o seu comportamento, o que corresponde à necessidade de dar sentido à ação, à existência: ideologia, religião e fé. Ainda em se tratando das motivações e da experiência de vida comunitária que oportuniza às pessoas o desenvolvimento de uma experiência de vida coletiva e de troca de saberes constante Neusa Cadore afirma:

As pessoas se motivavam e tinha um sentido forte para participação nas CEBs, nos movimentos sociais, na política nos mutirões. Era uma oportunidade de estar inseridas e no processo de formação, escola sindical, agricultores, juventude, mulheres, catequistas entre outras. E lembro que as catequistas eram mulheres, animadoras de comunidades uma vez que os maridos migravam elas iam ocupando esse espaço. A mulher participava muito dos espaços da comunidade e se comprometiam com a tomada de consciência de novas agentes. Majoritariamente as mulheres viviam esse processo. O que tirou as mulheres daquela vidinha doméstica, era a participação na comunidade, no Sindicato, formação de grupos, organização das mulheres (Neusa Cadore em entrevista).

Nas CEBs as pessoas aprendem a ser mais solidárias, ter o espírito de cooperação e o olhar crítico e frente a todas as formas de sofrimento do povo causado por uma estrutura social injusta, opressora e capaz de marginalizar os mais fracos. Para combater toda e qualquer injustiça a organização social prioriza a formação do sujeito consciente do seu papel transformador e libertador, pois o oprimido decide resistir ao seu sofrimento e a situação de injustiça (GORGULHO, 1985), reivindicando direitos dos mais elementares como terra, água, esgoto, saúde, habitação, melhores condições de trabalho. Neste sentido, pode-se perceber a importância das CEBs em Pintadas, pois esta travou diversas lutas mediante a organização e articulação das pessoas inseridas no movimento social, por ser um espaço de reunião, discussão dos problemas comuns da comunidade e possuir uma identidade própria. Nas reuniões, assembleias e formações se

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utiliza até os dias atuais, dinâmicas, símbolos e músicas, que servem como recursos de sensibilização e integração. As canções que o povo das CEBs gostam de repetir, afirmando as suas bandeiras de luta e as razões para se organizarem em comunidade abordavam os diversos temas como, por exemplo, a dimensão feminina: “Pra mudar a sociedade, do jeito que a gente quer. Participando, sem medo de ser mulher”. (Autora desconhecida) A metodologia aplicada na formação das lideranças comunitárias através da Teologia da Libertação foi e é um terreno fértil para a emancipação das mulheres em Pintadas. Os espaços de organização social de trocas de saberes intensificaram e instrumentalizaram a organização da mulher somando forças para quebrar as estruturas hegemônicas do patriarcado, sistema entendido como um processo de dominação estratificado por gênero, raça, classe social, religião contribuindo para relações de gênero altamente conflitivas e desumanizadas para a mulher (BOFF, 2002). Ainda no documentário “Pintada de Solidariedade”, Irineia (personagem do filme, membro do movimento de mulheres de pintadas e das CEBs), fala sobre o surgimento do movimento de mulheres. Segundo ela: A mulher em Pintadas sempre teve um envolvimento muito grande nos trabalhos da comunidade, embora fosse necessário avançar para criar o movimento de mulheres e para perceber o poder que cada uma tem para as disputas da direção do Sindicato dos Trabalhadores Rurais - STR, do Centro Comunitário de serviços de Pintadas - CCSP, já que a linha de frente era assumida pela mulher em vários espaços.

A vivência e participação das mulheres nas CEBs constitui-se em um espaço pedagógico no qual as pessoas se reconheciam e se identificavam como seres capazes, que sonhavam, acreditavam e lutavam para construir um mundo cada vez melhor. A motivação vinha até de cantigas como “eu acredito que o mundo será melhor, quando o menor que padece acreditar no menor”, inspirada em uma frase de Dom Helder Câmara. Com isso a participação e inserção nas lutas e movimentos sociais, tem encorajado sobretudo as mulheres a viver a sua fé com foco na defesa de uma vida mais justa e solidária para todos. Para Julita, a principal base de formação de vida se deu dento dos espaços da comunidade.

A grande escola em Pintadas foi o espaço do movimento social. E as CEBs, considero o nosso grande alicerce. Quem passou por esse espaço por mais que queira ser igual a qualquer um, não será. Nós adquirimos conhecimentos que não tem universidade que passe com o mesmo significado. A independência, autoafirmação, a capacidade de

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olhar o ser humano como seres iguais, tomar conta da sua própria vida, nos fazia melhores com a capacidade de transformar a sua vida e lutar para mudar a vida dos outros. Na comunidade aprendemos que todos somos iguais, capazes de lutar por direitos e cidadania para dizer não a todas as formas de opressão e conquistar a liberdade plena” (Julita Trindade em entrevista).

É notório que as mulheres não só se unem e se organizam com o objetivo de reivindicar os seus direitos na família, na sociedade, na religião, mas também vêm ocupando espaços, atividades, trabalhos e responsabilidades antes reservados exclusivamente aos homens. Portanto, essa autenticidade e militância das mulheres pode ser associadas ao feminismo que versa a mudança social através do dinamismo e transformação das relações sociais e religiosas de sexo. Dessa forma, a inserção e participação coletiva gesta a autonomia, a igualdade, liberdade e força na sociedade e na Igreja. Esta, contribui efetivamente com o conhecimento e divulgação da ação de tantas mulheres, que no cotidiano de suas vidas, lutam por justiça, igualdade, autonomia e liberdade na Igreja e na sociedade, ainda marcadas pelo androcentrismo. As mulheres que conseguiam se identificar com as novas praxes das CEBs assumiam um compromisso maior, tendo uma opção mais radical, e uma vivência mais profunda da sua religiosidade, da sua fé interligada a vida. E é com essa consciência de fé e vida que as mulheres se tornaram empoderadas e se fundamentam nas concepções feministas e se afirmam nas defesas das suas bandeiras de lutas. Assim, brotam motivações8 para participar dos processos de desenvolvimento local, se fortalecendo e aumentando a força e resistência. Com isso, o feminismo está integrado a uma nova consciência, que carrega dentro de si um potencial crítico e construtivo com utopias mais promissoras. A luta diária destas guerreiras, constrói elos que reverberam em ações como cooperação, união, solidariedade, dando significados para cada uma determinar o jeito de estar na vida e conseguir alcançar o que almeja. Assim, a presença da mulher nas comunidades em Pintadas foi, ao longo dos anos, dando a sua contribuição efetiva e uma nova dimensão ao processo de libertação

8 A palavra motivar vem do latim motus, “movimento”, por sua vez derivada do verbo movere, “mover”. A motivação, segundo a sua origem etimológica, tem a ver com o movimento, isto é aquilo que impulsiona a pessoa de dentro para fora. A motivação é uma força interior propulsora, de importância decisiva no desenvolvimento do ser humano. 31

que caracteriza as CEBs. A questão de gênero também emergiu concretamente no debate. Com isso pode-se perceber a importância da equidade de gêneros enquanto reflexo de uma experiência já parcialmente vivida nas CEBs, conforme afirma Julita: “sempre defendemos os direitos humanos, o exercício da cidadania, a valorização das mulheres. E, sobretudo, ao resgatar os sonhos que se enfatiza a igualdade em todas as suas dimensões, com vida abundante, com justiça e paz, sem discriminação de classe, de gênero ou de etnia e com a plena valorização da pessoa. A defesa deste valor se concretiza no compromisso de construção de relações igualitárias entre mulheres e homens, na Igreja e na sociedade (CEBs, 2000a:1/2).

1.2 Das vacas pintadas às transformações sociais

Pintadas era distrito de Ipirá e emancipou-se através da Lei Estadual nº 4.450, de 9 de maio de 1985. Está localizada a 255 quilômetros de Salvador, ocupa uma área geográfica de 545,534 Km², com densidade demográfica de 18.96 habitantes por Km², possuindo população de 10.342 habitantes, sendo 5.244 mulheres. Localiza-se na microrregião de , no Território de Identidade Bacia do Jacuípe9. A sua área territorial faz fronteira com os municípios de , , Ipirá, Mairi e Pé de Serra. Os principais problemas enfrentados pelos municípios da Bacia do Jacuípe se assemelham, bem como, suas formas de organização, articulação, e planejamento para entender a realidade. O Plano Territorial de Desenvolvimento Social, traz um olhar crítico acerca das especificidades que são peculiares ao Território:

Os municípios que constituem o Território de Identidade Bacia do Jacuípe ainda se apresentam com características eminentemente rurais: a maior parte da população (55%) vive no campo; a agropecuária, embora oficialmente tenha peso igual as atividades industriais na formação do (PIB), tem preponderância considerando que uma parcela significativa de tudo que é produzido feijão, farinha, carne, leite, milho, etc. é destinado ao autoconsumo e não aparece na contabilidade oficial. Por outro lado, é raro encontrar-se alguém,

9 A política de Território de Identidade foi instituída pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em 2003, quando, em comum acordo com prefeitos e representantes da sociedade civil organizada, definiram as principais estratégias de implementação (PTDS – CODES 2010, p. 12). 32

mesmo vivendo nas cidades, que não tenha nenhum vínculo como meio rural; assim, o modus vivendi da população é predominantemente rural, com suas tradições e cultura (2010, p. 12).

É com esse espírito que Pintadas carrega a marca da esperança, através das representações e vivências no seu cotidiano embebida de uma expressiva mobilização social. Caracteriza-se pela força dos movimentos organizados, representados pelos anseios populares, o que tem sido a alavanca para o crescimento e desenvolvimento local no qual será analisado nos capítulos seguintes. Segundo histórico do município, escrito por Ana Mendes de Lima, o território de Pintadas foi povoada em meados do século XVIII pelo casal Manoel Gonçalves e Anastácia Gonçalves. Manoel veio da região de Gado Bravo, atualmente localizada no município de , na época município de Ipirá. Com o passar dos anos foram chegando outros moradores que se juntaram e a comunidade foi sendo povoada, trazendo marcas de uma cultura do cultivo agrícola e domesticação de animais para subsistência e complementação da renda. A ocupação dessa região foi acontecendo sobretudo por descendentes de escravos, índios e mestiços, fato que marca e define a identidade de Manoel Gonçalves com a cultura afrodescendente. Com base em relatos dos antigos moradores, a mãe de Gonçalves era escrava, embora tenha adquirido a alforria, conforme afirma Almeida (2004), “o patrão tinha muitos escravos, aí o filho do patrão ‘emprenhou a escrava’ aí nasceu uma menina branca, aí lá no batistério, deram o forro à menina, aí agora a geração do finado Manoel Gonçalves ficou livre” Almeida (2004). Esse fato era muito recorrente no tempo da escravidão e se repetiu na história de povoamento de muitas regiões do semiárido. Porém, não aparece nos relatos essa participação efetiva das mulheres escravas, muitas delas foram vítimas dos seus patrões sendo violentadas sexualmente para satisfazer os desejos. “E quando uma escrava engravidava do patrão ou do filho do patrão eram obrigadas a mentir ou esconder a criança para não ser uma vergonha para a família, ter um negro na sua descendência, pois este não podia sujar a raça” Almeida (2004). Fatos como esses estão refletidos no espelho dessa cultura patriarcal que tem reforçado constantemente o lugar de submissão da mulher. Através dos tempos há um distanciamento na historiografia brasileira da presença feminina, mesmo quando essas também participaram efetivamente do processo

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de povoamento e desenvolvimento do país, sobretudo nas regiões mais longínquas do semiárido. A história e ou os poucos escritos e documentários que aborda a história de Pintadas até final do século vinte, não destacam a participação da mulher enquanto protagonistas, nem na análise das entrevistas a história das esposas dos primeiros moradores são anônimas ao processo, exceto o fundador. Ao refletir acerca das relações de gênero e da história das mulheres Scot em a história das mulheres diz que: “a história das mulheres foi ocultada por séculos, como por exemplo ao falar dos escravos, não se destaca de forma efetiva a participação da mulher. Portanto, faz-se necessário trazer para o centro das nossas reflexões e estudos as experiências dos escravos tão quanto das escravas”. Em se tratando do trabalho escravo, Segundo Almeida (2004), “há também a família de Ludugério, descendentes de escravos, que teve grande influência no processo de desenvolvimento deste lugar”. Curiosamente, não encontramos nos registros o nome e sobrenome da sua esposa, fato que chama a atenção para as desigualdades de gênero, raça e de classe que aparecem como categorias imbricadas ao longo da história. É possível observar que são tantas as mulheres invisíveis na história da humanidade e em Pintadas não foi diferente. O fato do Sr. Ludugério ter sido bastante influente no processo de povoação e a sua esposa não estar presente na memória da comunidade só confirma a necessidade de trazer para as páginas da história a participação efetiva das mulheres. O processo de povoamento de Pintadas pode ser contado também a partir do gado que foi chegando ao sertão, abrindo estradas, descobrindo a fertilidade da terra, através das nascentes de rios, propiciando o surgimento de fazendas, povoados e cidades no semiárido. O gado chegou no litoral e recôncavo baiano em meados do século XVI, com a crescente hegemonia do plantio da cana-de-açúcar; a permanência dos animais naquela região tornou-se inviável com a expansão plantio de cana de açúcar, uma vez que a planta passou a ser uma das principais fontes econômicas. Assim, Barreto (2003) narra de forma literária o processo de povoação da região de Ipirá descrevendo: “a boiada viajava a pé, comprimida e empurrada pelo vaqueiro [...] formando fileiras tortuosas, indisciplinadas e sem rumo deliberado [...]” (BARRETO, 2003, p. 19). Ainda para o escritor, “a Bahia virou um curral para o gado e para o seu povo, e ao mesmo tempo um paraíso para os latifundiários”.

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Quase todo o sertão baiano foi doado às poucas famílias através de requerimentos das sesmarias, com documentos em cartórios, sendo entregues no regime de gratuidade conforme os acordos estabelecidos, criando assim a aristocracia do sertão formadas por proprietários de terra e gado (BARRETO, 2003). Vale ressaltar, Pintadas não estava na principal rota que ia em direção ao Rio São Francisco, Morro do Chapéu e , em razão disso suas transformações e urbanização foram se dando paulatinamente. Nas viagens muito gado se perdia pelo caminho, os vaqueiros se vestiam com roupas de couro para proteger-se dos espinhos, dos galhos das matas e dos animais encontrados ao longo do caminho estreito que vinha sendo aberto pelo gado. O que definia o melhor lugar para estabelecer uma fazenda e construir o curral e uma casa era estar no alto para fácil localização e ter água no entorno. Assim, as diversas regiões iam sendo povoadas (BARRETO, 2003). As atividades como agricultura e criação de gado eram, então, a principal fonte de sobrevivência das famílias que ali moravam. É a partir daí que surge o nome de Pintadas, curiosamente de gênero feminino, fazendo alusão às cores das vacas pintadas. Era de costume separar as brancas das pintadas, conhecidas como vacas holandesas,10 fato que chama atenção, pois o espaço onde é a atual praça Honorato Gonçalves, antigamente era a Lagoa do Bamburrá, onde as vacas pintadas malhavam, conforme afirma Almeida (2004):

Os primeiros moradores, o Senhor Manoel Gonçalves de Almeida casado com a Índia Anastácia, oriundos da região de Serra Preta, chegaram a esta terra por volta do ano de 1.830. Eles construíram uma casa na fazenda Lagoa das Pedras e logo depois fizeram outra casa tipo sobrado, perto de uma lagoa que deram o nome de Lagoa do Bamburrá e posteriormente Fazenda Pintadas, porque o Sr. Manoel Gonçalves era criador de vacas pintadas e as mesmas vinham malhar (descansar) perto da referida lagoa. Daí então o porquê do município ser denominado Pintadas.

O Senhor Manoel Gonçalves era bastante religioso e decidiu construir a capela do Bom Jesus de Pintadas ao lado do tanque do Maxixe, com o objetivo de vivenciar as tradições da religiosidade popular através da pratica e vivencia da fé como a quaresma,

10 As vacas holandesas trazida pelos portugueses, chegou ao Brasil logo no início da descoberta, entre 1530 a 1535, período no qual o Brasil foi dividido em capitanias hereditárias.

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mês de Maria, acompanhamentos, ofício, devoção aos santos e cultos aos domingos. Enfim, a vida de fé e oração sempre perpetuou e foi a base sólida ao longo da história de Pintadas, como afirma Julita Trindade, que atribui a força da organização a uma aprendizagem através da fé e do testemunho. A Senhora Anastácia era de descendência indígena, conforme afirma Almeida (2004), e a principal hipótese é que esta era descendente dos índios Paiaiás que habitavam na região de Ipirá, região bastante povoada pela sua fertilidade, onde muitos índios permaneceram naquela região por séculos. Pouco se ouviu falar a respeito de Dona Anastácia e sua principal atuação naquele lugar se resume ao anonimato das tantas mães, esposas, donas de casas, mulheres que estão escondidas nas páginas da historiografia. Foram inúmeras histórias de mulheres indígenas naquela região que foram capturadas, fato que confirma a opressão das mulheres ao longo da história. As mulheres índias fugiam dos homens não índios, embora muitas fossem capturadas de formas violentas e condicionadas a viverem outros costumes e culturas diferentes. Essa opressão das mulheres indígenas paiaiás, e a domesticação se dava das formas mais rudimentares possíveis. A história das índias paiaias se assemelhava muito a história das mulheres não índias, estas tinha a responsabilidade de cuidar das atividades domésticas, do plantio, do cuidado dos filhos, dos maridos, dos doentes, dos idosos, entre outros. Barreto (2003) descreve as principais funções das índias e dos índios que se diferem a partir das relações de gênero:

[...] às mulheres paiaiás imiscuíram-se pela mata em direção ao roçado de milho e batata, arrancando o mato em volta de cada pé, numa labuta cansativa mais feita com determinação e assiduidade, fazendo com que a ocupação com os trabalhos agrícolas, apesar de rudimentar fosse formada de uma disciplina rígida, e de um caráter altivo no gênero feminino, que correspondia a uma serie de responsabilidades necessárias e insubstituíveis, na organização social. Participavam de atividades relacionadas a coleta de frutos; teciam redes e esteiras; trançavam os cestos; faziam vasos de barros, e realizavam os serviços de preparo dos alimentos. O trabalho dava significado a vida das mulheres e, ao mesmo tempo concedia-lhes respeito e importância social. Essa cumplicidade com as tarefas ligadas a produção de alimentos e á fecundidade criaram nas mulheres uma paciência e uma sensibilidade mais apurada em benefício da vida e do porvir, por presenciarem e

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acompanharem o que brotava de uma semente e de um processo de geração, fazendo ás atentas e sensíveis para a construção e confecção da vida, capacitando-as para um entendimento e uma confabulação mais intima com a natureza.[...] Nas próprias atividades masculinas, além da caça, estavam: a proteção as mulheres, crianças e velhos; a confecção de arco e flecha; ações guerreiras, em casos de eventuais necessidades (BARRETO, 2003, p. 6).

Com base na afirmação de Barreto no que se refere aos índios paiaias, a divisão sexual do trabalho se assemelha a das tantas culturas que define o lugar da mulher através do determinismo biológico e é com base nessa ideia massificadora que Beauvoir (1955) vem questionar muitas práticas e desmistificar esse contexto quando aponta “não se nasce, torna-se mulher”. Essa afirmativa mostra que ser homem ou ser mulher não é um fato natural, mas um processo de aprendizagem, ou seja, quando uma criança nasce, do sexo feminino, são ensinados a ela determinados comportamentos previamente estabelecidos como o modelo ideal de feminilidade. Esse modelo define o quanto vivemos em uma sociedade machista que reforça cotidianamente as diversas desigualdades de gênero. Quando falamos de gênero, estamos nos referindo às construções e às expectativas sociais sustentadas em relação aos homens e às mulheres. Em outras palavras, gênero diz respeito ao modo como a sociedade constrói representações sobre ser homem e ser mulher e pressupõe que sejam naturalmente estabelecidas. Desde pequenos, educamos os meninos para serem fortes, não chorarem, serem corajosos e assumirem a chefia da casa, já as meninas devem ser frágeis, passivas, sensíveis e submissas. É nesta linha que Scott (1992) reconhece que, na medida em que homens e mulheres são iguais enquanto seres humanos e diferentes quanto ao sexo, não se pode optar, exclusivamente e de uma vez por todas, pela igualdade ou pela diferença. Ao realçar a diversidade associada ao gênero, enfatiza-se a dimensão do inédito, do alternativo. Em se tratando da divisão sexual do trabalho, é bastante paradoxal e traz as marcas de uma cultura andocêntrica e patriarcal, que vem definindo formas e padrões através da reprodução de estereótipos sexistas mantendo as mulheres numa condição de subalternidade e opressão.

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1.3 Pintadas e suas caricaturas do sertão

A história de Pintadas se mistura com a do gado, terra, grãos, lagoa, aridez, sertão. Signos que identificam esse lugar conforme definição de Eli Estrela:

O uso do termo sertão é bastante conhecido, significando, no senso comum, ampla área do interior do país, contraposta, em múltiplos aspectos, ao litoral. Mais tarde, com a definição do semiárido e, dentro dele, do chamado polígono da seca (ESTRELA, 2003, p 35).

O município de Pintadas, está localizado no semiárido baiano11. Região bastante emblemática, que durante séculos, sofreu as influências de uma ideia negativa como afirma Lourivânia Santos, ao discutir os dizeres e os prazeres da convivência com o semiárido na ressignificação do território: “A paisagem Arida, a gente sofrida, o clima hostil... tais aspectos estão de tal forma solidificados, foram naturalizados, que não costumam ser tomados como objeto de uma análise mais atenta.” (SANTOS, 2011, p. 21.) O mapa a baixo ilustra o município de Pintadas e os municípios de Pé de Serra, Ipirá, Baixa Grande, Mairí e Capela do Alto Alegre.

11O semiárido representa 18,3% do território brasileiro. A região semiárida é caracterizada pelo bioma da caatinga, que constitui o sertão. O sertão nordestino apresenta clima seco e quente, com chuvas que se concentram nas estações de verão e outono. A região sofre a influência direta de várias massas de ar que, de certa forma, interferem na formação do seu clima, pois elas se direcionam ao interior do Nordeste com pouca energia, tornando extremamente variáveis não apenas os volumes das precipitações mas, principalmente, os intervalos entre as mesmas. No semiárido chove pouco (as precipitações variam entre 500 e 800 mm, havendo, no entanto, bolsões significativos de 400 mm) e as chuvas são mal distribuídas no tempo. Portanto, o que realmente caracteriza uma seca não é o baixo volume de chuvas caídas e sim a sua distribuição no tempo (SUASSUNA, 2002). 38

FIGURA 1 - http://www.pintadas.ba.gov.br/

Por ser uma região denominada como polígono da seca podemos nos remeter a um diagnóstico do Município de Pintadas feito pelo Ministério de Minas e Energias, o qual se refere às irregularidades das chuvas e chama a atenção para as dificuldades enfrentadas no processo de desenvolvimento ao longo da história.

O polígono das secas apresenta um regime pluviométrico marcado por extrema irregularidade de chuvas, no tempo e no espaço. Nesse cenário, a escassez de água constitui um forte entrave ao desenvolvimento sócio econômico e, até mesmo, a subsistência da população. A ocorrência cíclica e seus efeitos catastróficos são por demais conhecidos e remontam aos primórdios da história (VIEIRA, 2005, p 2).

A convivência com o Semiárido em Pintadas é uma relação de aprendizado e adaptação às intemperes, estando imbuída de elementos da tradição, cujas manifestações de convivência são reeditadas e valorizadas nos programas governamentais e não governamentais. Assim, tecnologias vem sendo desenvolvidas de forma apropriadas às especificidades da região como armazenamento de água com cisternas, barragens, poços artesianos, entre outros. Além de desenvolver tecnologias adaptadas de irrigação, armazenamento de ração, reflorestamento, plantio de palmas. Com características semelhantes o município de Pintadas é parte dos 14 municípios do Território de Identidade da Bacia do Jacuipe. Essa divisão territorial facilita na articulação e defesas de políticas publicas que versam o desenvolvimento local e regional, conforme ilustra mapa abaixo: 39

Nota-se que os principais problemas enfrentados pelos municípios da Bacia do Jacuípe se assemelham, bem como, suas formas de organização, articulação, e planejamento para entender a realidade. O Plano Territorial de Desenvolvimento Social, é uma ferramenta importante que aborda diversas temáticas que são destaques em cada grupo de trabalho com base em eixos temáticos estruturantes para a política territorial a exemplo da equidade de gênero, agricultura familiar, segurança pública, saúde, educação, entre outros. É com esse espírito articulação e participação que Pintadas carrega a marca da esperança, através das representações e vivências no seu cotidiano embebida de uma expressiva mobilização social. Caracteriza-se pela força dos movimentos organizados, representados pelos anseios populares, o que tem sido a alavanca para o crescimento e desenvolvimento local no qual será analisado nos capítulos seguintes. Assim, é possível definir as marcas daquela gente ao longo dos anos, nas diversas lutas travadas em defesas dos direitos essenciais a terra, a água, a moradia, ao saber ser e ao saber fazer. Ao longo desse texto será apresentado os diversos traços desse povo que teima em escrever uma outra história, sobretudo com a participação efetiva das mulheres. 40

1.4 A presença das mulheres na educação de Pintadas

Durante séculos, a mulher foi vista como sexo frágil, incapaz de se proteger e em função disso deveria estar subordinada a figura masculina, ao pai, ao irmão ao marido, ao patrão, etc. Era vista como um objeto sexual do homem colonizador, proprietário ou melhor “dono”. Dentro de casa as mulheres eram educadas pelas mães, escravas, tias, avós para aprenderem a bordar, costurar, pintar, tecer, fazer crochê e tricô, renda, além dos cuidados domésticos e da saúde de familiares. Na sociedade convencional, o que identificava como espaço da mulher era o privado. Diversas realidades são construídas a partir do gênero por estarem diretamente relacionadas ao biológico, envolvidas com as questões da reprodução e manutenção da vida, sendo o feminino associado à natureza e as necessidades ligadas à vida (VANIN, 2008, p. 21). Ainda sobre esse lugar da mulher, de acordo com a Revista do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero, “se as mulheres avançam na ocupação do espaço público, continuam atadas à exclusividade das responsabilidades domésticas e familiares”. Essa naturalização da cuidadora e da facilidade de levar para o ambiente escolar o aprendizado da maternidade. Essa vivência, tem sido a principal causa do ingresso maciço das mulheres, partindo do princípio de que seguia uma construção ideológica para que desempenhassem tais papéis na sociedade. Tendo em vista tal realidade, a contextualização deveria ser consequentemente de uma professora padrão, tomando como base papéis notórios como boa mãe, boa dona de casa, boa esposa, boa tia. A educação em Pintadas, no início da sua povoação, não era diferente dessa cultura que impõe padrões e define as desigualdades sociais através do sexo, conforme descrito ao longo desse texto. As primeiras educadoras eram mulheres leigas que ensinavam dentro das suas próprias casas, juntavam os filhos e primos que moravam no entorno para iniciar o processo de alfabetização. Muitas crianças tinham que dar conta das tarefas da roça e só iriam para a escola quando terminassem de fazer o que lhe foi dado como tarefa, fato que limitou o acesso à educação.

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Segundo professora Ana Mendes12, naquela época não existia em Pintadas ninguém com o nível de escolaridade de ensino médio e, segundo a história, durante as décadas de 1940, 1950 e 1960 passaram 5 professoras, todas mulheres e já diplomadas, para assumirem a educação formal, contribuindo assim com uma educação diferenciada, despertando naquela comunidade um sentimento de pertencimento e de envolvimento com as causas sociais e coletivas. No final da década de 1940 chegou em Pintadas a professora Zádia, vinda do povoado Pau Ferro, município de Ipirá, que permaneceu por pouco tempo por não se adaptar aquela realidade. Em seguida, chegou a professora Antonina Fernandes Leite, que veio de Salvador para morar em Pintadas, era formada, não tinha casa, morava dentro da escola que existe até hoje, a atual Escola Santo Antônio, solteira e não tinha filhos. Depois de alguns anos morando ali, aconteceu um incêndio dentro da escola, em seus aposentos e ela foi queimada, morrendo asfixiada no ano de 1960, permanecendo a sua memória viva na história da educação da cidade, sendo o exemplo de uma mulher que doou a sua vida em prol da educação das inúmeras crianças de Pintadas (Ana Mendes, 2015). A professora Antonina Leite teve destaque e foi uma mulher carismática, com um espírito de fé, compromisso com a comunidade, despertando nas pessoas a vontade de lutar para melhorar a vida daquele lugar. Ela abraçou a árdua missão de educar para além das paredes físicas da escola e se comprometeu em, nos dias livres, organizar aulas de música, dança, diversas atividades culturais e datas comemorativas. Era uma mulher decidida, não se curvava diante das opressões masculinas e chamava a comunidade para assumirem os direitos civis e o destino da política local. “Antonina era professora formada, veio de Salvador, falava seis idiomas, mas no dia 9 de março de 1960 ela faleceu” (Ana Mendes 2015) A professora Antonina Leite seguia a tradição da cultura da época de exercer o papel de uma mulher de respeito. Postura que se repetia em outras cidades do interior conforme Vasconselos (2006): Ainda nos anos 70 ainda era muito recorrente a imagem da professora associada à mãe, exigindo-se das mulheres um comportamento baseado na mulher pura: se solteira, virgem e de

12 Ana Mendes, foi vereadora no município de Ipirá na década de 70 quando Pintadas ainda era distrito, professora e líder comunitária.

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“família” e se casada, fiel e um exemplo de virtude.(VASCONSELOS 2006 p. 126)

Além das professoras vindas de outras regiões, tivemos Anatália Mendes Lobo, Maninha, Irani entre tantas outras, todas leigas, que moravam no povoado e ou na zona rural, e davam aulas com alunos em todos os níveis de aprendizagem. Existiam alunos que já havia passado por todas as fazes ou aprendido todas as lições, mas continuavam estudando, pois não havia escola de 5ª a 8ª série na época e os pais não tinham condições para sustentar os filhos em cidades vizinhas. O método utilizado na época era baseado na catequese e adaptado por cada professor, tinha que decorar a tabuada e as lições da alfabetização, quando a criança aprendia o básico ela já era considerada alfabetizada e tinha que aprender sozinha. Os pais, na sua maioria, entendiam que deixar os filhos livres para ir à escola era perda de tempo, além de perder o controle e a autoridade sobre eles. Em função disso, poucos foram alfabetizados até final dos anos 70. Segundo Mota

os pais obrigavam os filhos obedecerem a professora. Era necessário decorar as lições e acabava sendo um processo de repetições contínuas, quem não conseguisse ficava de castigo e recebia palmatória na mão. Era uma prática bastante humilhante para aqueles alunos com dificuldade de aprender e outros chegavam a ficar de joelhos em frente ao quadro por não conseguir cumprir as tarefas.

Ainda segundo Ana Mendes, em meados da década de 1960, quando o padre Moisés Rodrigues Pereira chegou para Pintadas, o Brasil enfrentava o período da Ditadura Militar. Ele sofreu muitas perseguições, pois assumia a missão profética, denunciava as injustiças e falava da importância da educação. Havia uma preocupação em relação ao analfabetismo. Na época já tinham as professoras Anatalia, que ensinava na Santana, Mira de Cizeca, Lucia de Antonio Pixane, que ensinava no Mamote e eram professoras leigas. Em 1962, chegou a Pintadas a professora Eliete, da Cidade de , para ensinar na Escola Rural de Pintadas e por ela ser devota de Santo Antônio a referida Escola passou a ser chamada Escola Estadual de 1º Grau Santo Antônio, não se 43

adaptando, por alguns fatores, voltou para sua terra. Em 1963 chegaram as professoras Joanice Guimarães da Silva e Zilda Dias da Silva13, também de Campo Formoso, para dar continuidade ao trabalho já iniciado. Até final da década de 60 só existiam escola de alfabetização e de primeira à quarta série em Pintadas. Tanto Zilda quanto Joanice chegaram bastante jovens após conclusão do curso normal. Com o passar do tempo foram se inserindo na vida social, cultural, política e religiosa, envolvendo as pessoas na luta em defesa dos direitos básicos. Constituíram famílias com o passar dos anos, tiveram filhos e netos. Foram duas jovens que chegaram com os mesmos objetivos de educadoras, embora no que se refere ao envolvimento político, Zilda sempre se destacou por ser bastante determinada, audaciosa, inquieta. Já a professora Joanice sempre teve uma personalidade mais tranquila e assumia o papel de conselheira e mediadora de conflitos, mulher bastante religiosa e que trazia na sua vida a espiritualidade como o equilíbrio da sua ação concreta. Ambas tiveram um ato de muita coragem ao deixar as suas famílias e vir morar num lugarejo pobre e com poucas opções da vida moderna. As suas presenças foram bastante relevantes pelo dinamismo, coragem e luta, em defesa de uma educação de qualidade e equitativa para todos. No início dos anos 1970, foi construída a primeira escola de quinta a oitava série. O Centro Educacional Cenecista14 (CNEC) foi uma experiência pioneira no

13 A professora Zilda Dias da Silva nasceu em Campo Formoso, Bahia, em 03 de setembro de 1940. Oriunda de uma família sertaneja, negra, pobre e agricultora. A mais nova de uma família de seis filhos e a única a ter a oportunidade de estudar. Realizou seus estudos no Ginásio Augusto Galvão em Campo Formoso, onde se formou professora de nível primário em 1963. Neste mesmo ano aceitou o convite do Sr. Angelino Cedraz para lecionar em Pintadas. A partir de então se dedicou intensivamente ao magistério por 30 anos, até a sua morte em 1992. Casou-se em 1964 com o Sr. Daniel Nepomuceno da Silva. Tornou-se uma líder política expressiva e carismática. De seu casamento nasceram oito filhos, dos quais quatro atuam no magistério, as professoras Zildene Dias, Nara Lucia, Denise Dias e Lessyvânia Dias. Daniel Junior e Lecivaldo que atuam em uma empresa de consultoria de contabilidade (História da Escola Zilda Dias da Silva). 14 Fundada em 1943, na cidade de Recife/PE, como Campanha do Ginasiano Pobre, a CNEC nasceu do ideal de um grupo de estudantes universitários que, liderados pelo professor Felipe Tiago Gomes, resolveu contrariar a situação instalada – a escola como privilégio de poucos – oferecendo ensino gratuito a jovens carentes. Nasceu desse ideal a primeira unidade da CNEC – o Ginásio Castro Alves. O trabalho voluntário de seus idealizadores se propagou pelo Brasil, comemorando adesões e compromissos e transformando a Campanha do Ginasiano Pobre, que inicialmente abrigava pedidos de ajuda e orientações para a criação de unidades escolares, na Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC), reconhecida como o mais expressivo movimento de educação comunitária existente na América Latina. Fonte: http://correadearaujo.cnec.br/institucional/historia/.

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processo de organização da comunidade local para oferecer as crianças e jovens uma educação de qualidade inspirada em uma experiência em Recife na década de 1940, idealizada por um jovem e que foi se espalhando por todo o Brasil. As famílias pagavam a mensalidade para manter seus filhos na escola, fato que limitou o acesso de muitos jovens na época, por serem filhos de famílias carentes. Com esse mesmo objetivo, a comunidade buscou a criação e regulamentação de uma escola de 2º Grau, pois até então, as pessoas que desejassem estudar teriam que residir em cidades próximas como Mairi e Ipirá, uma vez que essa escola não existia em Pintadas. Só em 1982 começou a funcionar a Escola Normal de Pintadas e assim as primeiras turmas se formaram na década de 1980 apoiadas pela presença de professores que estudaram fora e voltaram para lecionar em Pintadas. Não era fácil sair para estudar fora, principalmente em se tratando de uma mãe solteira, com filhos pequenos, pobre sem parentes em Ipirá como relata a professora Ana Mendes. A mesma, com a sua determinação e ousadia, teve que romper dentro dela mesma os limites de uma sociedade conservadora para dar o passo seguinte e quebrar os preconceitos da época. Segundo ela, deixou seus filhos pequenos com a sua mãe e os dois mais velhos foram estudar fora. Quando vim estudar em Ipirá, eu fiz o seguinte foi eu e Marilda, Plorinho já estava lá na casa de padre Alcides Cardoso. Eu pensava Meu Deus eu só posso crescer na vida se eu estudar, mas eu não tinha coragem de falar desse grande sonho, eu tinha vergonha, de dizer ao povo que ia estudar. Mas eu tinha esse desejo bem forte, até que chegou um dia e eu decidi. A minha viagem foi assim: eu pensei a noite, arrumei a mala, conversei com mamãe, ninguém soube disso em Pintadas. Quando cheguei em Ipirá, era o último dia da matrícula no Polivalente, eu cheguei no bar de Afonso tirei a mala botei no chão e sentei em cima, e disse: pra onde eu vou?” (Ana Mendes de Lima, 2015).

O testemunho da professora Ana Mendes reflete a batalha traçada pelas diversas mulheres pintadenses que despertou o sentimento de coragem e o espírito de liderança desde muito cedo e não se limitou aos padrões estabelecidos da Igreja e da sociedade da época mas foram a luta em busca das suas metas e ideais. Havia, então, um sentimento de muita responsabilidade com a defesa das causas sociais da comunidade. A presença da mulher e da juventude na educação em Pintadas é bastante intensa e relevante uma vez que chegaram professoras jovens para morar e se juntaram às mobilizações locais da juventude e que, em sua maioria, eram mulheres. Já na década

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de 1970 aparecem diversos sinais de organização e de participação comunitária, tanto para defender os direitos de uma educação de qualidade quanto para lutar para agilizar o processo de emancipação política (Julita Trindade, 2015)

1.5 Migração e participação da mulher no contexto econômico

“[...] em cima de um caminhão bem cedinho ele vai, sem nenhuma garantia o seu pão de cada dia ele vai tentar ganhar”.

(Autor desconhecido)

A visão predominante e hegemônica da economia é androcêntrica e patriarcal e está fundamentada nos princípios da economia capitalista, da propriedade privada dos meios de produção, com o trabalho mal pago, o lucro, alienação e exploração do trabalho e dos corpos das mulheres. É convencionado e agregado valor ao trabalho que gera lucro. Assim, não valoriza nem visibiliza o trabalho doméstico e reprodutivo, responsável pelo cuidado com as pessoas e a reprodução da vida. A participação da mulher na renda familiar deu um grande salto nos últimos anos. Apesar dessa relevante inserção feminina no mercado de trabalho não teve diminuído o seu papel de cuidadora, mãe, esposa e responsável pela administração da casa, justamente devido aos diversos papéis desempenhados na sociedade pela mulher, a decisão de participar do mercado de trabalho, sendo mais complexa que a masculina. Os principiais determinantes da crescente presença da mulher no mercado de trabalho tem intensificado a partir da queda da fecundidade, aumento de mulheres enquanto chefes de famílias. No entanto, uma vez inseridas no mercado de trabalho, a mulher apresenta uma média salarial inferior à masculina, apesar de ter um nível médio de instrução maior. Mesmo com a redução da diferença salarial entre homens e mulheres observada nos últimos anos, os homens ganham em média 60% a mais que as mulheres. Fato que se aplica em diversas realidades, inclusive no meio rural, a exemplo de Pintadas como afirma Nereide Segalla: Quando cheguei em Pintadas me estranhou muito quando vi que era comum as pessoas pagarem um dia de serviço para o marido e a mulher desenvolver o mesmo trabalho na roça e quando pagava a mulher recebia a metade do valor da diária em relação ao homem. Fato que me chamou a atenção e comecei questionar na época e as pessoas diziam pra mim que era assim desde o 46

tempo dos seus avós que as pessoas já estavam acostumadas assim.

A desigualdade de gênero está imbricada nos diversos contextos sociais e de forma específica em Pintadas, onde mais da metade das mulheres têm origem rural. Portanto, com base no depoimento de Nereide não é necessário sair para as grandes indústrias para perceber as diferenças salariais, fato que tem sido um desafio para essa luta e sinaliza para a necessidade de superação do machismo que oprime e reproduz essa cultura simbólica que forma e ou deforma os seres humanos. Como já mencionei, Pintadas sofre com grandes estiagens criando uma instabilidade no que se refere à permanência do homem e da mulher no campo. A principal base econômica do município desde a sua origem até os dias atuais é a agropecuária e, majoritariamente, a agricultura familiar. Não está na pauta da economia de grandes centros, foi e é referência de organização social e política aplicando práticas pedagógicas de troca de saberes comunitários, associativos e cooperativos por trazer em seu contexto uma rica experiência de articulação, de cooperação com ideias comuns para romper a hegemonia conservadora e opressora do capitalismo. Foi no início da década de 1980, que se iniciou o fluxo migratório nos períodos de safra da cana de açúcar, normalmente entre março e dezembro de cada ano. A “migração” é definida como o “fenômeno demográfico caracterizado pelo deslocamento de um indivíduo do seu local de residência para um novo local”, segundo Fernandes, D. & Vasconcellos, I. R. P. (2005). Há diversos estudos que indicam que os motivos que levam as populações a migrarem estariam relacionados com a busca por trabalho, por melhores oportunidades e por melhores salários. Assim, o fenômeno da migração seria resultado de características regionais, cuja base estaria na falta de oportunidades de trabalho e de formação escolar. A migração inicia principalmente com jovens do sexo masculino, a partir dos dezoito anos de idade. A migração sazonal e temporária, para muitos pode durar a vida toda, pois o migrante percebe no trabalho assalariado um ganho mais seguro do que na sua região de origem. Martins (1988), colabora com novas visões a respeito do impacto da migração ao migrante, ao afirmar que: A migração temporária tem um efeito devastador sobre sua vida: rompe laços familiares, expressa a miséria e a impossibilidade da

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sobrevivência econômica no pequeno lote agrícola, próprio ou arrendado, denuncia a exploração que inviabiliza a vida sedentária e lhe impõe a vida nômade que desmoraliza, empobrece sua vida social. (MARTINS 1988)

Muitos homens e algumas famílias viajavam em busca de uma vida melhor, como afirma o Senhor Daniel Mendes15 em entrevista, que vivenciou a rotina de ser um pião16: “Muitos eram analfabetos ou mal sabia escrever o nome”. Levavam as marcas de um regime de exaustivo trabalho em busca de oportunidade nas lavouras do interior do estado de São Paulo que sofriam as mais terríveis discriminações por serem pobres, analfabetos, nordestinos, ter sotaque estranho. Eram vistos como “matutos” além de tantos outros marcadores que ao longo da história foram estereotipados e caricaturados criando um imaginário negativo desses trabalhadores “invisíveis ao progresso industrial”, como afirma a Eli Estrela (2003). O meio de transporte para os primeiros viajantes era o pau de arara (caminhão). A comunicação era bastante limitada, muitos chegavam em São Paulo apenas com um endereço de um parente que mal se conheceram quando ainda crianças. Sem uma comunicação mais rápida muitos ficavam semanas perdidos sem encontrar ninguém conhecido, às vezes se desencontravam e muitos se submetiam a qualquer proposta para não passar fome. O principal meio de comunicação era carta, que, às vezes, passava meses até ir e voltar. Muitas mulheres ficavam grávidas e o marido só sabia quando voltava. “Era um tempo difícil” diz Daniel Mendes com lágrima nos olhos. Continuando o seu depoimento ele diz: Os que sabiam escrever, as vezes passava uma tarde no dia de folga escrevendo carta para os amigos que eram analfabetos para enviarem para as suas famílias, eu me lembro que tinha uns homens carrascos que dizia que nunca dava ousadia para dizer que amava a mulher e eu escrevia as cartas e colocava várias frases de amor e a mulher respondia toda emocionada e aos poucos eles iam gostando das declarações de amor”. (MENDES, 2014)

15 Daniel Mendes, Liderança comunitária de Pintadas, foi vereador na década de 70 do município de Pintadas, candidato a prefeito na primeira eleição após a emancipação política.

16 Pião - Nome dado aos homens que trabalhavam no pesado como “boia fria” que levava a comida para o serviço ou “queimando lata” quando eles mesmos preparavam a sua alimentação. Diz Daniel Mendes.

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Assim, a saga do migrante se resumia entre os muitos meses distantes de sua família, ausente de sua comunidade, enfrentando a brutalidade de uma cultura opressora e desigual. Nesse contexto, quem viajava em sua maioria eram os homens; já as mulheres ficavam com a dupla e ou tripla responsabilidade de administrar a propriedade, cuidar dos filhos e participar da vida social, política e religiosa na comunidade. Conforme pesquisa realizada por Raymundo e Asano (2006) da Fundação Getúlio Vargas ao estudar sobre noções de participação sobre a sustentabilidade da Rede Pintadas afirmam:

A cultura de migração sempre esteve presente na região, já que quase não se pensava na possibilidade de desenvolvimento do semiárido. Os homens migravam e a administração das propriedades rurais recaia na mão das mulheres que passaram a ter um papel importante nos movimentos sociais. Essa participação foi posteriormente potencializada com incentivo da igreja católica e a participação das próprias mulheres de sua força e capacidade de decisão, isto tudo contribuiu significativamente para uma maior participação política, econômica e social das mulheres em Pintadas, situação atípica no Nordeste (RAUMUNDO & ASANO, 2006, p. 6).

A realidade da migração nas décadas de 1970 e 1980 foi bastante intensa, uma vez que havia uma escassez de oportunidades de novos empregos no município e na região. Daí a razão de centenas de jovens deixarem de estudar para ir em busca de emprego no Sul e Sudeste brasileiro, principalmente para as regiões do cultivo da cana- de-açúcar no estado de São Paulo. Cerca de 3000 trabalhadores e trabalhadoras iam no início da safra e voltavam no final da colheita, fazendo um ciclo sazonal, segundo afirma Julita Trindade. Quando o homem viaja, há uma mudança de papéis, mesmo que no período de alguns meses ao ano. Isto não significa, contudo, um rompimento total com a estrutura de poder predominante na família e características das relações de gênero, pois segundo Joan Scott (1990), “gênero é o primeiro campo – mas, não o único – no seio do qual, ou por meio do qual, o poder é articulado. Há, de certa forma, uma influência nas relações de poder...”. Assim as mulheres têm um pouco mais de autonomia e iniciativa para tomar decisões com a ausência do esposo, embora, mesmo distante em muitos casos a presença masculina ainda é muito forte. A autoridade familiar, e o poder patriarcal tem

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se reproduzido ao longo da história nas práticas cotidianas principalmente nas atividades domésticas e ou nos trabalho de produção. A monografia Pintadas e sua Trajetória de Fé e Luta: A contribuição das CEBs para as organizações sociais de autoria de ALMEIDA et al (2004), no que se refere a história das mulheres registra que:

[...] muitas dessas guerreiras foram vítimas da migração que as prejudicava muito, pois quando os esposos saíam para migrar sua jornada de trabalho se multiplicava, além de cuidar dos afazeres domésticos e dos filhos tinham que cuidar da lavoura e dos animais, dentre outras atividades até então consideradas masculinas. Mas mesmo assim estas mulheres não se acomodaram e foram fortalecendo a organização, conquistando seu espaço na sociedade, buscando ter voz e vez e fazendo valer seus direitos (ALMEIDA et al, 2004, p. 3).

Nos meses em que os maridos trabalhavam nas lavouras paulistas, havia uma ideia de que eram “viúvas de maridos vivos”. Essas se reconheciam viúvas quando tinha que assumir a dupla jornada de trabalho, tentavam em grupos discutir os problemas sociais e o que fazer para melhorar a realidade local, como afirma Julita Trindade. Preocupada com essa situação de migração, grupos comunitários que uniam fé e vida e inspirados na concepção da Teologia da Libertação, buscavam soluções para os problemas cotidianos e partilhavam ações de interesse comum, era um grito coletivo para combater a situação de desemprego e diminuir a migração. Com o passar dos anos foram sendo desenvolvidos projetos estruturantes que tinha como objetivo central a permanência do homem e da mulher no campo, para garantir educação de qualidade para a juventude. Para fazer valer essa luta a década de 1990 em Pintadas foi marcada pelo fortalecimento do associativismo e cooperativismo que, de forma estratégica, pensou de forma integrada o desenvolvimento local sustentável.

1.6 Contexto de Fé e organização social

A representação da fé na história de Pintadas tem sido eixo basilar no que se refere ao empoderamento das mulheres. Diversas lideranças ao longo do tempo, passavam pelo laboratório de fé e vida, prática de ação-reflexão-ação. Muitas mulheres

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se revelavam nas atividades desenvolvidas pelas CEBs, Pastoral da Juventude do Meio Popular17 (PJMP) com grupos de jovens organizados. As rodas de conversas eram uma pedagogia aplicada nos vários grupos para compreender melhor o seu papel social e político naquela comunidade. Essa prática da chamada igreja progressista vai de encontro aos métodos tradicionais, que tinham seus rituais, tais como, os acompanhamentos, pagamento de promessas, fidelidade ao santo da sua devoção, orações repetidas como o teço, as ladainhas, ofício de nossa senhora, novenário, rosário, entre outras. A catequese trazia reflexões de fatos da vida da comunidade, além de chamar para a ação concreta no sentido de assumirem o compromisso cristão. A Teologia da Libertação18 é um movimento que busca articular em sua práxis fé e vida numa perspectiva libertadora, contribui para sensibilizar as pessoas a construir nova visão de mundo, com um novo jeito de ser Igreja. O termo libertação reflete a realidade cultural, social, econômica e política sob a qual se encontrava a América Latina, a partir das décadas de 1960 e 1970. A efervescência do movimento social desta época foi inspiradora para a organização social de Pintadas, marcada pela experiência do trabalho solidário, pela organização em mutirões ou baleias19, a Igreja Católica encontrou, nas CEBs um terreno fértil para ampliar e fortalecer práticas de solidariedade e partilha de saberes. Para tanto acontecia a cada mês a reunião do Conselho Paroquial de Pastoral para planejamento das atividades da igreja, mas também para discutir alternativas para melhorar a qualidade de vida das famílias de Pintadas. A ata do Conselho, de 05 de

17 PASTORAL DA JUVENTUDE DO MEIO POPULAR, a PJMP quer destacar o lugar de missão. Por isso falar de MEIO POPULAR é falar de meio social. Implica dizer que temos que compreender que a sociedade não é harmônica, mas contraditória, conflitiva, violenta e dividida em classes sociais. Não há como negar essa realidade que o neoliberalismo tem aprofundado cada vez mais. Falar de MEIO POPULAR significa reconhecer a existência da situação de apartheid social que a sociedade capitalista produz e reproduz cotidianamente em nível local, regional, nacional e mundial. Ao mesmo tempo, significa reconhecer a necessidade da superação deste modelo de sociedade e de uma ação pastoral especifica neste meio social (http://pjmprecife.blogspot.com.br/p/o-que-e-pjmp.html).

18 Teologia da Libertação - é uma corrente teológica cristã nascida na América Latina, depois do Concílio Vaticano II e da Conferência de Medellín, que parte da premissa de que o Evangelho exige a opção preferencial pelos pobres e especifica.

19 Baleia era termo utilizado nos trabalhos coletivos de atividades rurais, onde as famílias convidavam os amigos, parentes e vizinhos para bata de feijão, milho, capinar, roçar, arrancar mandioca, fazer farinha entre outras, com o passar dos anos passasse a ser denominado de mutirão.

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julho de 1979, traz para a reflexão a necessidade de desenvolver ações para a diminuição da migração dos jovens. Como encaminhamento para esse problema foi sugerido pensar em lutar para trazer o ensino médio para Pintadas por entender que a educação de qualidade pode mudar a realidade de Pintadas. Foi sugerido a construção de algumas cisternas comunitárias na sede e comunidades rurais para melhorar a qualidade da água de consumo humano. E, por fim, foi pensado o que fazer para a situação da prostituição de adolescentes em bares reservados20. Dessas reuniões, quem participava eram, em sua maioria, mulheres que assumiam a liderança e coordenação de diversos trabalhos definidos como prioridade da comunidade local. Como resultado da articulação social a comunidade abraçou com muita garra, em 1985, a construção de um grande elo de solidariedade popular, quando a comunidade se uniu a 16 famílias de uma fazenda para lutar contra um fazendeiro pela reintegração da posse de terras. Fato que motivou uma forte solidariedade dos agricultores e agricultoras do município. A luta do Lameiro contou com o decisivo apoio da Igreja Católica e do recém criado Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pintadas (STR) naquela época. Depois de dois anos, onde aconteceram inúmeros mutirões, negociações políticas, debates, manifestações populares e confrontos, o governo federal desapropriou 250 hectares de terras. Para muitos, a Luta do Lameiro foi um momento crucial para o fortalecimento dos movimentos sociais de Pintadas, tendo em vista o acúmulo político e social que se deu no processo. A conquista da terra do Lameiro21 fortaleceu e intensificou as ações da organização popular, uma vez que os impactos se constituíram como elementos para a formação das pessoas engajadas no movimento e solidificação do grupo. O processo de mobilização e de negociação, as manifestações, a solidariedade, os mutirões realizados, foram determinantes para a reconquista das terras.

20 Bares reservados eram espaços reservados com pouca luz e quarto secreto nos fundos, onde haviam encontros de relacionamentos escondidos. Espaço de prostituição nos anos 1970 e 1980. Foram desativados após a mobilização das comunidades para interditá-los.

21 Entre 1985 e 1987, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e a Igreja mobilizaram a comunidade para, juntos, recuperarem uma terra em que 16 famílias de posseiros estavam sendo expulsas por um caso de grilagem praticado por um delegado de polícia na localidade de Lameiro. Mediante mutirões na terra em litígio e espaços de debate sobre a conjuntura, conseguiram que o Programa de Reforma Agrária do Governo Federal desapropriasse 250 hectares de terra. Esta luta converteu-se em um “marco na história da participação popular. Através dela, cresceu a consciência sobre cidadania e direitos. (LORDELO 2002)

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Simbolicamente, a terra do Lameiro agregou valor a luta e a organização de Pintadas, saindo de um ponto geográfico do município, sendo um marco importante para potencializar diversas ações capazes de promover o desenvolvimento local. Foi a partir desse processo que lideranças comunitárias se encorajaram e inspiraram a entender a importância do seu papel na concretização da equidade de direitos. Com o passar dos anos foi possível entender o poder da união e da organização das pessoas. A conquista da terra foi uma oportunidade de encorajar as lideranças comunitárias a extrapolarem as fronteiras do Lameiro e buscar alternativas que se adaptassem ao semiárido, tentando construir mecanismos que contribuísse com a erradicação da migração para São Paulo e outras regiões em busca da subsistência. A comunidade compreendeu que a problemática das famílias do Lameiro também era a de grande parte da população. Essa percepção possibilitou que, com o apoio de técnicos da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional da Bahia – CAR, fosse criado um projeto de desenvolvimento local que garantisse a permanência do homem e da mulher no campo. (FISCHER, 2002, p. 7) A partir daí foi desenvolvido o projeto Pintadas, como uma importante ferramenta para o desenvolvimento da consciência social e comunitária com a formalização de uma Associação para representar essa luta juridicamente. O Centro Comunitário de Serviços de Pintadas - CCSP foi constituído com a solidez e estrutura para os diversos pensamentos de organização no que se refere a captação de recursos para responder aos anseios de luta encravada pela organização das comunidades num processo emancipatório com uma visão de desenvolvimento local pautado na organização social. Destaca-se um importante projeto pioneiro que junto à comunidade criou 27 grupos comunitários com uma média de 7 a 10 famílias todas participantes diretos, que ganhavam uma cisterna para consumo humano (primeira água). Cada família disponibilizava parte das suas terras para o trabalho comunitário, os grupos tinha uma infraestrutura de motor para fabricação de ração, uma represa para criação de peixe e irrigação, além de receber a assistência técnica para a aplicação de técnicas de convivência com o semiárido. Foi construído o espaço físico do Centro Comunitário de Serviços de Pintadas, (CCSP) além da aquisição de um trator e um caminhão para servir nas principais ações do projeto.

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Ainda nos anos 80 a comunidade sentiu a necessidade de organizar a classe trabalhadora para melhorar a situação da garantia de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais, fundado em 1983, foi um importante instrumento de articulação que, através de reuniões em parceria com as CEBs, assumia o processo de formação continuada com a “escola sindical de formação política” para lideranças comunitárias. Foi um importante espaço de sensibilização da comunidade local e, principalmente, fortalecimento da organização das mulheres motivando-as a saírem do espaço privado e, coletivamente, ir em busca de uma vida melhor. A presença da mulher na Igreja era intensa e para surpresa da comunidade local em uma reunião do conselho paroquial, que acontecia mensalmente, foi anunciado, em 1984, a chegada das Missionárias Irmã Velzi Stolf, Irmã Edite Mota e a auxiliar de enfermagem Neusa Cadore, através do projeto Igrejas Irmãs, assinado entre a Diocese de Feira de Santana, Bahia e a de Joinville, Santa Catarina. Com a chegada das missionárias, que sabiamente foram entendendo os costumes da população, as mesmas foram se inserindo na conjuntura local, abraçando os principais desafios e buscando as saídas. Também se inseriram no processo de formação de comunidades rurais, respeitando a realidade local e assumindo o compromisso missionário de motivadoras e fomentadoras de ações que melhorassem a vida da comunidade através do incentivo a organização da juventude, da catequese, formação de comunidades de base, além de se apropriarem das organizações já existentes respeitando a cultura local. A comunidade Canto22 foi o celeiro de organização das comunidades, era lá que aconteciam apresentação de várias datas comemorativas com dramatizações, reflexões, cantos, almoço comunitário, além das tradições, a exemplo da devoção a Maria e ao Sagrado Coração de Jesus. A devoção ao Apostolado da Oração tem mais de 70 anos e foi sendo assumida pelas novas gerações ao passo que manteve viva até os dias atuais.

22 A Comunidade Canto foi considerada a primeira na área rural que se preocupava em formar lideranças comunitárias para assumir os trabalhos dentro e fora da sua localidade. Situa-se a 8km da sede do município de Pintadas, apesar de pertencer geograficamente ao município de Mairi, toda a participação e negócios eram feitos prioritariamente em Pintadas. Muitas moças de lá se casaram e foram morar em outras regiões do município e com a experiência iam colocando em prática a experiência vivida na sua comunidade de origem e foi assim que as CEBs foi se espalhando.

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A vivência em comunidade foi se solidificando e os mais jovens foram assumindo um jeito novo de participar da Igreja, indo de encontro as formas mais tradicionais de ler e seguir um catecismo distante da vida do povo. A partir daí, as pessoas começaram a entender que o evangelho da vida devia estar ligado a ações concretas e era a razão mais forte para lutar. Para Genauto França Filho e Gildásio Santana Júnior23: “a história do Município de Pintadas pode ser lembrada a partir de três vetores: a mística religiosa, a prática político-partidária e a construção/exercício de atividades”. Fatores que podem ser visualizados ao observar a mística religiosa que se fundamenta nos princípios da Teologia da Libertação que contribuiu para a formação das CEBs e das Pastorais, solidificando o sentido de comunidade e alimentando a esperança de construir um mundo melhor. As lideranças inseridas nas CEBs utilizavam os cantos populares como uma importante ferramenta pedagógica que tinha o papel de animar e motivar as pessoas a lutarem para defender os seus direitos e garantir uma vida com justiça social e liberdade. Conforme canto popular composto por um artista desconhecido:

Amadurece a cada instante uma esperança de um mundo novo povoado de irmãos, se você pode acreditar comece agora, não tenha medo de ser livre até o fim, não tenhas medo de ser livre até o fim.” (Autor desconhecido).

Foram embebidos dessa esperança que as pessoas iam encontrando as principais razões para lutar e entendendo o sentido de uma teologia e uma fé encarnada na luta e na força motivadora da organização. Ainda para Genalto, um outro importante vetor era a prática político – partidária, fato bastante emblemático pois havia um processo de consciência política numa perspectiva de esquerda que na época era rotulada como os “comunistas” que queriam tomar as terras dos pobres. Essa prática político-partidária foi se consolidando a partir das necessidades de criar uma base sólida para tratar dos problemas da localidade com a devida responsabilidade pública e buscar a solução deles de forma coletiva, através de iniciativas concretas que visava o bem comum. No tocante ao vetor da construção/exercício de atividades, observa-se que sempre se teve uma atividade concreta como resposta a uma dificuldade, fazendo com

23 Genauto França Filho e Gildásio Santana Júnior

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que as tentativas e erros fossem direcionadas ao desenvolvimento de ações práticas, a exemplo dos mutirões, dos dijuntorios, das baleias, das tarefadas, das batas de milho e feijão, ou seja, atividades que sempre foram desenvolvidas em grupo e, na sua maioria, assumidas pelas mulheres. Estes elementos foram determinantes para motivar uma geração de jovens a querer mudar o destino de suas vidas e de sua localidade e, a partir daí, criou a organização do Jovens a Procura da Libertação (JPL). A organização do JPL tinha definido em sua missão a permanência do homem e da mulher no campo com a força da organização buscando alternativas para oportunizar aos jovens a permanência no campo, reduzindo o fluxo migratório, buscando tecnologias apropriadas para o semiárido, além de fortalecer a força da união vivendo em comunidade. Freitas (1999), em pesquisa sobre gestão social, ao analisar os diversos tipos de organização social de Pintadas em 1999 afirma:

Outro agrupamento organizado em Pintadas refere-se aos jovens. Um trabalho que formou muitas lideranças e fez surgir um movimento, Jovem em Luta Pela Libertação – JPL, sob a orientação da igreja e uma organização, a Associação de Jovens Pintadenses – AJUP. Também tiveram participação na luta pela posse da terra e atuam no movimento sindical, nas pastorais da igreja, na direção do Centro Comunitário de Serviços de Pintadas, junto as comunidades rurais, desenvolvendo atividades múltiplas, inclusive de esporte e lazer. Eles desenvolvem uma espécie de projeto comunitário em um assentamento coletivo (FREITAS, 1999, p. 18).

No final da década de 1980 esse grupo de jovens surgiu com força, motivação e vontade de lutar por justiça social, direito a terra, e buscar uma vida digna e livre dos patrões. Experiência exitosa que além da vida comunitária, tudo que produzia era para garantir o sustento do grupo e fazer daquela experiência um laboratório de alternativas apropriadas para a sobrevivência do campo e no campo. A iniciativa de organização da juventude deu respostas concretas acerca da viabilidade e permanência do homem e da mulher no campo com a aplicação de tecnologias apropriadas. Foi um modelo de viver e conviver em grupo sendo referência de organização social e política, aplicando práticas pedagógicas de troca de saberes comunitários e cooperativos por trazer em seu contexto uma rica experiência de articulação, de cooperação com ideias comuns para romper com o conservadorismo e opressão exercidos pelo capital. 56

Pintadas tem características eminentemente rurais, haja vista que a maior parte da população (55%) vive no campo, a agropecuária. Embora oficialmente tenha peso igual às atividades industriais na formação do PIB, tem preponderância, considerando que uma parcela significativa de tudo que é produzido na região a exemplo do feijão, milho, farinha, carne, leite, hortaliças etc., são destinados ao autoconsumo e não aparecem na contabilidade oficial. Por outro lado, é raro encontrar alguém, mesmo vivendo nas cidades, que não tenha nenhum vínculo com o meio rural. Há registros que na década de 1970 já despontavam as primeiras ações concretas que mostravam a força da organização daquele povo. Os cantos de luta alimentava a fé e a esperança do povo e davam sentido do trabalho coletivo e da vivência em comunidade, a exemplo do canto entoado nas CEBs.

Caminhando levo apenas a esperança, de algum dia a liberdade encontrar, é a esperança que dá força ao caminheiro, de ir seguindo pela vida a caminhar. A liberdade é só certeza na esperança, e a encontra quem na vida se arriscar. E no risco posso ser crucificado, mais cantando a liberdade vou viver. Caminhando eu vou, arriscando eu vou, na esperança eu vou...” (Autor Desconhecido).

Cantos como esse faziam parte dos encontros e das reuniões de grupos das CEBs e foi assim que as estas foram ganhando corpo e definindo ideias mais progressistas e transformadoras. As pessoas começaram a entender que a fé sem ação era uma fé morta e, portanto, tornava cada vez mais necessário a organização das comunidade em defesa da liberdade, garantindo a vida e a justiça social. Palavras de ordem como esperança, liberdade, fé, caminhada, arriscar, certeza, viver, estavam entrelaçadas no dia a dia da organização das comunidades que aprenderam muito cedo a refletir fé e vida como um instrumento de mobilização e mudança da realidade das pessoas. A organização das mulheres brota dessas forças ocultas de luta pela justiça social e a garantia de direitos, rompendo barreiras tradicionais dentro dos espaços religiosos que em muitas regiões se preocupavam unicamente com os rituais e a oração, distantes da realidade e dos problemas sociais que reforçavam a ideia do sofrimento como natural e necessário e sendo da vontade de Deus.

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Capítulo II

FIOS EM MOVIMENTO QUE TECEM A VIDA DAS MULHERES:

O segundo capítulo trata de uma discussão acerca do processo de diálogo e articulação da Rede Pintadas, como um instrumento balizador da organização das mulheres, a partir de uma análise contextualizada dessa experiência de mobilização, traçando a história como uma referência regional de participação, articulação e promoção do desenvolvimento sustentável. Busca ainda elementos simbólicos que identificam os principais espaços de participação efetiva das mulheres, além de questionar como e onde se consolida essa inserção no processo de transformação social a partir do Movimento de Mulheres organizado, tomando como base o diálogo com a história do feminismo no Brasil e as suas intervenções no processo de emancipação das mulheres.

2.1 Interfaces do empoderamento trançados em Rede

Contar a história de Pintadas trazendo um olhar focado no processo de empoderamento das mulheres ao longo do desenvolvimento local e a participação destas na Rede Pintadas é analisar a sua importância para a mudança da realidade em que vivem. Tornar público tais experiências simples, embora marcantes, fazem a diferença na história de um povo; é registrar o processo de empoderamento das Pintadenses. Para Sardenberg, o empoderamento das mulheres, perpassa por um processo de conquista da autonomia e autodeterminação dando a estas o verdadeiro sentido da sua participação e da conquista de espaços na sociedade contemporânea. Dessa forma, o empoderamento das mulheres implica, na libertação e rompimento das amarras da opressão de gênero e da opressão patriarcal. O objetivo principal do feminismo latino- americano, em especial, é questionar, desestabilizar e, por fim, acabar com a ordem patriarcal que sustenta a opressão de gênero. Assim, o principal objetivo do “empoderamento” é destruir a ordem patriarcal vigente nas sociedades contemporâneas, além de assumir um maior controle sobre “os seus corpos e as suas vidas”. Dessa forma, o empoderamento das mulheres de Pintadas, si dá com a inserção às diversas lutas cotidianas com foco na conquista da autonomia, liberdade tendo os

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movimentos sociais como eixo balizador que se articulam em rede de desenvolvimento local. Assim a participação destas mulheres em grupos vai encontrando força e solidez para as lutas permanentes na busca de escrever uma outra história possível conforme é cantada nas reuniões e assembleias de mulheres em Pintadas: “por isso vem, entra na roda com a gente, também você é muito importante, vem” (autor desconhecido). Em vista disso, o desenvolvimento local e a organização em rede em Pintadas tem o rosto feminino por ter a presença efetiva de tantas mulheres cada uma com suas peculiaridades e jeito próprio de ser. Do mesmo modo, o empoderamento das mulheres se dá num processo contínuo servindo como uma ferramenta pedagógica para o fortalecimento dos movimentos sociais que apontam para novos paradigmas das organizações, Alberto Melucci (2001) tem uma importante contribuição no que se refere a delimitação dos movimentos sociais contemporâneos:

Os movimentos contemporâneos se apresentam como redes de solidariedade com fortes conotações culturais e, precisamente estas características, os diferenciam sempre mais claramente dos atores políticos ou das organizações formais [...] São sistemas de ações, redes complexas de relações entre níveis e significados diversos da ação social (MELUCCI, 2001, p 23).

Nessa direção, portanto, os movimentos sociais, nas últimas décadas, têm contribuído com a definição dos seus papéis e da sua identidade coletiva, pois, ainda segundo Melucci (2001), não é um dado ou essência, “mas um produto de trocas, negociações, decisões, conflitos entre os atores” (2001, p 23). Estes atores sociais não são sujeitos sem história, eles estão imersos no campo social onde desenvolvem ações concretas e se tornam visíveis. É exatamente a partir dessa acepção que se dá a inserção das mulheres no movimento social, nos contextos materiais e simbólicos. Em Pintadas, é relevante a participação feminina que se materializa com as lutas em prol do acesso à terra, água, moradia, saúde, educação, tecnologias apropriadas para o semiárido, trabalho, entre outros, como já descrito no capítulo anterior. Vale, portanto, enfatizar o quanto o poder simbólico está arraigado dentro do contexto de vida e de luta das mulheres onde elas têm que articular demandas de suas vidas privadas com as exigências do trabalho, de militância e do exercício da sua profissão numa interação constante com aspectos socioculturais e ideológicos.

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Na visão de Bourdieu (1989), o poder simbólico é “o poder invisível, o qual pode ser exercido com cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 1989, p. 8). O autor reconhece que os sistemas simbólicos – a exemplo da arte, religião e língua – só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados. Essa estrutura a qual ele se refere diz respeito à símbolos capazes de efetivar maior integração social e de contribuir para a formação de um consenso sobre a realidade, facilitando, assim, a reprodução da ordem social. (BOURDIEU, 1989). Em relação às ideologias o autor sugere que se evite tratar a ideologia como mito, silenciando tudo que se relaciona ao seu campo de produção, pois as ideologias “devem sua estrutura e suas funções mais específicas as condições sociais da sua produção e da sua circulação” (BOURDIEU, 1989, p. 13). Bourdieu (1989) observa que o efeito ideológico existente nos discursos dominantes “consiste precisamente na imposição de sistemas de classificação políticos sob a aparência legítima de taxinomias filosóficas, religiosas, jurídicas, entre outras.” (BOURDIEU, 1989, p. 14) Assim, o poder simbólico se mostra como “poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão de mundo, e deste modo, a ação sobre o mundo” (BOURDIEU, 1989, p. 14). O que significa que o poder simbólico não reside em algum sistema simbólico e sim na relação entre aqueles “que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos” (BOURDIEU, 1989, p. 14). Dessa forma, o poder simbólico, está impregnado nas relações e na cultura de forma que define as concepções de mundo. Na perspectiva de desconstruir as forças dominantes do poder, uma das principais ferramentas de formação se dava através das reflexões acerca da realidade vivida nos espaços das CEBs em Pintadas, como definidor das relações de organização e de luta, quebrando paradigmas da submissão das mulheres do sertão, a exemplo de cantos como o que segue:

Nossos direitos vêm, nossos direitos vêm! Se não vierem nossos direitos, o Brasil perde também! Quem negar nossos direitos será negado também; já chega de mil promessas sem cumprir para ninguém. Mas com os irmãos unidos o mundo muda de sentido e nossos direitos vêm! (ZÉ RUFINO, 1980).

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Os direitos cantados na poesia citada, são direitos essenciais para a organização da vida em grupo. Compromete as pessoas para uma experiência de vida coletiva e o exercício da cidadania. Também traz para o cerne do debate a força da união como um vetor simbólico importante para a transformação social e a consciência política. Dessa forma, é visível a ampla presença de mulheres na militância dos movimentos sociais em Pintadas. Assim, vale pensar uma história de participação social e política dessas mulheres, como sujeitos inscritos em experiências históricas distintas, compondo grupos com suas próprias especificidades, com saberes e práticas políticas que as distinguem radicalmente da prática masculina. Em outras palavras, essa relação histórica das mulheres com o poder sempre foi marcada pela ideia da exclusão, dominação e opressão. Em se tratando das relações de poder, Ana Alice Costa (2000) defende a ideia que o poder opera em todos os níveis da sociedade, tanto nas relações interpessoais quanto nos níveis estatais. Ainda para a autora as instituições e estruturas do Estado são elementos dentro de certas esferas de poder, cujas concepções se fundem na complexa rede de relações de forças. Nesse sentido, o poder pode ser visto como um aspecto inerente a todas as relações econômicas, sociais e pessoais. Pode-se afirmar que o poder está presente do leito conjugal de um casal a sala presidencial do Palácio do Planalto. Estas relações de poder que operam em distintos níveis estão em constante conflito de interesses. Sendo assim, as lideranças inseridas no movimento social, tem a oportunidade de passar por várias instâncias organizativas, a exemplo da experiência de coordenação, facilitação de oficinas temáticas, formação de grupos e ou outras experiências sociais relevantes. Isto possibilita a prática de uma cultura cooperativista, melhorando o desempenho e os resultados nas atividades desenvolvidas nos diversos setores de atuação. É possível destacar também, os movimentos sociais enquanto espaços de trocas de saberes e práticas de resistência à desigualdades contidas nas relações de gênero. A liderança de mulheres nos movimentos sociais ocasionaria transformações nas relações de poder no interior da comunidade. Estas deixam de atuar no espaço privado provocando novas situações no interior da família e nas relações informais de vizinhança e amizade, além disso, a mulher articula, no interior dos movimentos, lutas diferenciadas em relação aos homens e por fim, as mulheres organizadas em torno de

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questões tradicionalmente femininas, passam a questionar sua própria condição de mulher.

Desse modo, tem sido desenvolvido ao longo dos anos entre os grupos de mulheres de Pintadas a partir do seu lugar de fala, o sentimento da importância de desempenhar tarefas em espaços de poder. Com isso elas contribuem com o seu amadurecimento enquanto militante, pois, ao assumir diversas atividades, as torna aptas a lidar com as diversas situações. Apesar desse envolvimento direto em diversos espaços, ainda são poucas as mulheres que estão a frente de espaços efetivos de poder afirma Rejane: A mulher ainda está em cargos secundários, ela assume toda a gestão mais no final quem toma as principais decisões são os homens, acho que falta a gente se impor mais, concorrer mais aos cargos, falta iniciativa, se organizar mais e melhor. A gente já conseguiu muito, mais tem muito a conquistar ainda, acredito que a mulher pode gerir o que ela se propuser, pode transformar o mundo. Acredito profundamente nisso, pra mim não há diferença na capacidade técnica entre uma mulher e um homem.

A luz dessa realidade, Scott (1992) nos fala sobre a ênfase dada a esfera privada para análises sobre a condição feminina. Nesse sentido, temos visto que se formam importantes redes de apoio e informação mútua, o que traz implicações políticas para a comunidade, na medida em que tal apoio em nível político indica formas de identidade coletiva, exercício de influência ou apoio nas decisões umas das outras. É possível identificar o movimento social de Pintadas como um laboratório que incentiva à participação da mulher em espaços públicos, embora ainda na sua maioria em se tratando de poder e decisão ainda aparecem em espaços secundários. Desta forma, essa realidade não estar fora do contexto nacional onde quanto maior o poder de decisão, menor é a participação feminina. Para ilustrar melhor essa realidade é possível observar a ocupação desses espaços dentro das entidades da Rede Pintadas conforme gráfico:

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Nota-se aqui, no gráfico acima pesquisado em 2016 que os cargos de presidências e finanças os homens aparecem no topo da pirâmide, dentro das entidades integrantes da rede Pintadas. As mulheres aparecem no topo das representações para o cargo de secretária que confirma o lugar da mulher da rotina, da cuidadora, capacidade de organização, letras padronizadas enfim, ainda há muito o que fazer no que se refere ao empoderamento efetivo da mulher. Para Ana Alice Costa (2006), o empoderamento é a ação social coletiva de participar de debates que visam potencializar a conscientização sobre os direitos sociais e civis. Esta consciência possibilita a aquisição da emancipação individual e, também, da consciência coletiva necessária para a superação da dependência social e dominação política. O empoderamento devolve poder e dignidade a quem desejar a cidadania e, principalmente, a liberdade de decidir e controlar seu próprio destino, com responsabilidade e respeito ao outro. Ainda na visão de (Costa 2006), o empoderamento da mulher deve ultrapassar barreiras e modificar a subordinação por questões simplesmente de gênero. O avanço culmina em cinco níveis de igualdade: conscientização, bem estar, acesso aos recursos,

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participação e controle que gera um agenciamento de maior igualdade e alcança maior empoderamento. Assim, empoderamento social dá autonomia à uma comunidade, democratiza os serviços, garante a população a liberdade de expressão, dá voz e vez na tomada de decisões. O empoderamento social deve ser entendido como um processo pelo qual podem acontecer transformações nas relações sociais, políticas, culturais, econômicas e de poder. Em se tratando dos desafios para com o empoderamento da mulher:

O empoderamento das mulheres representa um desafio às relações patriarcais, em especial dentro da família, ao poder dominante do homem e a manutenção dos seus privilégios de gênero. Significa uma mudança na dominação tradicional dos homens sobre as mulheres, garantindo-lhes a autonomia no que se refere ao controle dos seus corpos, da sua sexualidade, do seu direito de ir e vir, bem como um rechaço ao abuso físico e a violação sem castigo, o abandono e as decisões unilaterais masculinas que afetam a toda a família. (CCOSTA, 2006 p. 9)

Igualmente, empoderamento das mulheres ao longo da história tem sido uma forma de exigir equidade de gênero nos variados tipos de atividades sociais, de modo democrático e responsável. Ainda na visão de Analice Costra, este tem sido um desafio às relações patriarcais, em relação ao poder dominante do homem e a manutenção dos seus privilégios de gênero. Este conceito luta por uma mudança na dominação tradicional dos homens sobre as mulheres, garantindo-lhes a autonomia no que se refere ao controle dos seus corpos, da sua sexualidade, da sua liberdade, entre outras. Há uma luta constante em romper preconceitos, quebrar paradigmas, dentro do processo histórico do movimento de mulheres de Pintadas através da ampliação de suas experiências sociais, nas comunidades, nas cooperativas, nos grupos organizados, no sindicato nas igrejas. Essa participação é um vetor determinante para o estímulo e participação delas nos movimentos sociais. Ainda assim faz-se necessário introduzir novas práxis, para contribui diretamente com a ressignificação do sujeito e colaborar na compreensão da pluralidade da história política das mulheres no contexto local.

2.2 A Articulação em Rede como vetor de participação

Ao longo dos anos, o processo histórico do movimento organizado de mulheres Pintadenses conta com importantes pilares estruturantes que são a promoção, 64

articulação e compartilhamento das ações que se dá através da Rede Pintadas. Entidade que tem um espaço democrático constituído por pessoas jurídicas com valores comuns e interligados que cooperam entre si em prol de objetivos e visões afins. Em Fischer e Nascimento (2002), a Rede Pintadas é citada como produto de uma ação coletiva decorrente de fatores culturais locais. Como afirma os autores:

[...] a Rede não constitui um projeto nos moldes tradicionais a que estamos acostumados. Trata-se mais de um desdobramento natural que emanou da comunidade como uma necessidade lógica de um grupo de instituições e pessoas com uma visão convergente: o desenvolvimento local. (FISCHER E NASCIMENTO, 2002)

O conceito de Redes vem sendo definido por diversos autores como um conjunto de agentes autônomos interligados de pessoas físicas e jurídicas com objetivos comuns, realizando trabalho coletivo e cooperando entre si. É um sistema de relações e de contatos que vinculam os atores entre si, cujo conteúdo está relacionado a bens materiais, informação ou tecnologia (MARTELETO, 2001, p. 73). Ainda conceituando Rede, é possível notar que esta não é uma terminologia nova, a estrutura de Redes é um tecido integrado a diversos ‘nós’ com a capacidade de compartilhar os mesmos códigos de comunicação bem como, valores, objetivos e princípios. É uma estrutura social que está embasada em um sistema aberto, dinâmico e inovador (CASTELLS, 2000). A organização e experiência da Rede Pintadas, utiliza métodos de participação social possibilitando a ampliação do campo de visão de mundo dos diversos sujeitos integrantes dessa estrutura, potencializando o desenvolvimento local sustentável. A Rede está inserida no contexto de organização de pessoas e tem objetivos de trabalhar em conjunto, estabelecendo diretrizes que norteiam a vida das pessoas envolvidas direta ou indiretamente. É ainda representada por pessoas e suas respectivas interações, possuindo infindáveis relações que se estabelecem de diferentes maneiras o tempo todo, sem nunca se repetirem. Para Genalto24, a rede se configura como um movimento contínuo de interesses comuns, preservando suas identidades e diferenças, mas agindo coletivamente para

24 Genalto - Professor da Universidade Federal da Bahia no Departamento de Administração. Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Estudos Organizacionais, atuando principalmente nos seguintes temas: economia solidária, associativismo, terceiro setor, economia popular e novas 65

concretizar os objetivos. Com isso uma Rede não pode ser uma entidade isolada pois, não conseguem responder as necessidades dos grupos. Assim, a atuação em rede é uma oportunidade de analisar a problemática dos grupos sociais e buscar estratégias maiores. Dessa forma, a Rede Pintadas é ponto de partida que promove uma nova cultura da participação e transformação social. A figura a seguir apresenta a estrutura orgânica da Rede Pintadas, trazendo no centro os quatro eixos balizadores para a organização e desenvolvimento do trabalho com mulheres, economia solidária, meio ambiente e água. Traz em sua missão a cooperação e a participação como método de significação da sua prática. As três entidades constituídas ainda na década de oitenta do século XX e que compõe a Rede são:

formas de solidariedade. Possui mestrado em Administração pela Universidade Federal da Bahia e doutorado em Sociologia – Universite de Paris VII. Suas linhas de pesquisa são voltadas para Economia Solidária, Gestão Social e Terceiro Setor.

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O Centro Comunitário de Serviços de Pintadas – CCSP25 foi a entidade que desencadeou as diversas ações em prol do desenvolvimento sustentável do município tendo como pilar o modelo de convivência com o Semiárido. Considerada a entidade precursora das demais organizações sociais, pois serviu de abrigo às dezenas de entidades e grupos formados após o Projeto Pintadas26, “a organização desse projeto junto ao BNDES, permitiu um acúmulo de capital social que atualmente se reflete no dinamismo da Rede Pintadas e no desenvolvimento local em parceria com o município” (FISCHER, 2002, p. 9). Com base na figura anterior, a Rede Pintadas é composta por 14 instituições não governamentais: Companhia de Artes Cênicas Rheluz, Cooperativa de Crédito Rural Pintadas (SICOOB SERTÃO), Cooperativa Agroindustrial Pintadas (COOAP), Centro Comunitário de Serviços de Pintadas (CCSP), Associação Cultural e Beneficente Padre Ricardo (RENASCER), Associação Mantenedora Escola Família Agrícola (EFAP), Paróquia Nossa Senhora da Conceição, Associação das Mulheres Pintadenses, Associação dos Apicultores de Pintadas (ASA), Associação Comunitária Rural Boa Sorte, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pintadas, Cooperativa de Transportes, Sindicato do Servidores Públicos e Associação , todas estas entidades participam de forma coletiva do processo de desenvolvimento local de Pintadas. Além das entidades locais a Rede tem dialogado com organizações externas como a Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Estadual da Bahia, Centro Ecumênico de Serviços - CESE, Il Canale e Cominita Montana, Itália, DED, Alemanha, DISOP, Bélgica, Peuples Solidaire, da França, Fundação Clemente Mariani na Bahia, Redeh, Rio de Janeiro, entre outros parceiros.

25 CCSP – Centro Comunitário de Serviços de Pintadas, foi fundado em 1988, uma organização social sem fins lucrativos que visa o desenvolvimento local sustentável de Pintadas.

26 Projeto Pintadas - projeto produtivo financiado pelo BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que atendeu a 240 famílias em 32 comunidades rurais de base. Esse projeto foi considerado um dos mais bem sucedidos entre os financiados por aquela instituição em todo o Brasil na área de recursos hídricos e tecnologias de convivência sustentável no Semi-Árido.

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A Rede foi premiada em diversos momentos e por práticas diferentes. Dentre os prêmios destacam-se: Prêmio Gestão Pública e Cidadania27, concedido em 2002 pela Fundação Getúlio Vargas, Prêmio de Melhores Práticas28, em 2003, concedido pela Caixa Econômica Federal e o prêmio SEED Internacional29 pelo projeto Adapta Sertão, 2008. A prática de participação observada no município de Pintadas é fruto da organização da sociedade civil em prol do desenvolvimento. Em parceria com o poder público, as entidades articuladas em rede contribuem para a democratização e descentralização dos serviços, proporcionando discussão, organização e planejamento a nível local, com foco em diferentes aspectos, social, econômico, político, religioso e cultural. Esta atitude fortaleceu de forma significativa o desenvolvimento local sustentável. Carlos Milani (2005), em pesquisa sobre o papel da cultura no desenvolvimento local a partir da experiência da Rede Pintadas, aponta:

[...] o exemplo de Pintadas convida-nos a levar em conta a estreita relação entre fé cristã e transformação social: as noções de cidadania e compromisso cívico, em Pintadas, passam quase sistematicamente pela relação com a Igreja [...] a identidade coletiva é estreitamente relacionada com o movimento social de Pintadas. A prática do mutirão e a luta cotidiana marcam essa identidade. O compromisso público tem origem, entre outros fatores, na luta histórica pela sobrevivência e no combate contra as desigualdades no acesso a terra e água (MILANI, 2005, p. 6).

As mulheres em Pintadas, desde muito cedo, têm sido protagonistas e gestoras das suas próprias vidas, uma vez que foi comum aos maridos saírem em busca de oportunidades em outras regiões. Este fenômeno faz com que elas adquirissem autonomia e habilidade para gerir, além das atividades domésticas, as questões econômicas, a administração dos bens e o gerenciamento da família. Tais ações são abordadas no informativo (ano 01, n.02, 2002) que conta a história das personalidades integrantes da Rede Pintadas.

27 Prêmio concedido a prefeituras, governos estaduais e organizações próprias dos povos indígenas por experiências inovadoras relacionadas às políticas públicas. 28 O Prêmio Caixa - Melhores Práticas em Gestão Local seleciona, premia e divulga projetos urbanos ou rurais realizados com financiamento ou apoio técnico da Caixa. 29 Prêmio concebido para premiar os empreendedores sociais e ambientais locais em início de atividade mais promissores e inovadores, em países com economias emergentes e em desenvolvimento. 68

Pintadas conta com a mobilidade e o dinamismo do movimento de mulher organizado que já a mais de duas décadas vem promovendo o debate acerca das políticas públicas, a importância da inserção das mulheres nos espaços de poder, a luta pela conquista da igualdade de direitos, geração de emprego e renda, autonomia para decidir, e principalmente a tomada de consciência do seu efetivo papel de emancipação na sociedade (INFORMATIVO, ano 01, n. 2, 2002).

Pintadas, ao longo do seu processo histórico, sempre contou com a participação efetiva das mulheres, o que contribuiu para a definição dos papéis femininos enquanto responsáveis pelas conquistas e a garantia de direitos nas diversas esferas.

Fazendo uma análise acerca da experiência da Rede Pintadas o professor Genalto conclui que é um processo de auto-organização político-associativo de cidadãos no seu território capaz de gerar efeitos muito consequentes sobre a dinâmica do desenvolvimento local. Continua afirmando que a força da rede é à força do próprio associativismo local. Ou seja, da capacidade que tem a comunidade de reunir-se, discutir seus problemas comuns, e ir pouco a pouco construindo as soluções na forma de iniciativas locais e empreendimentos que vão atuando em diferentes âmbitos, entre projetos mais socioeconômicos, socioculturais e socioambientais. Ainda para Genalto a Rede é um coletivo concreto e institucionalizado, que aponta diretrizes. Esta, busca autossuficiência hídrica num primeiro momento de total ausência do poder público local, a rede consegue em seguida a própria tomada do poder político local. Novas demandas e problemáticas aparecem, exigindo novos projetos e processos de reorientação permanente. A força desse projeto é sua capacidade sócio- política de ler a realidade e pensar soluções. E é em busca de encontrar soluções que nasce a história de luta e organização das mulheres de Pintadas, vem se consolidando e fortalecendo junto a de tantas outras mulheres que lutam por um mundo melhor e outras tantas lutas instaladas nos diversos cantos do mundo, tanto no campo quanto na cidade. A participação efetiva das mulheres em Pintadas nasce com uma identificação de pertencimento como afirma Julita Trindade.

A militância das mulheres em Pintadas brota como uma semente jogada em um terreno fértil, eu conheço muitas mulheres que já se

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destacavam como lideranças desde adolescentes participando da comunidade, como catequista, coordenando grupo de jovens e assim vão pegando gosto pela luta para em defesa de um mundo melhor e a construção de novas relações, valores e princípios apontando, para a vivência de novas práticas cotidianas.

Desta forma, a militância das mulheres tem sido ponte que vai na direção dos movimentos sociais e que se mistura com a Rede Pintadas que está no centro das discursões em Pintadas. Em Fischer e Nascimento (2002), a Rede é citada como um produto de uma ação coletiva decorrente de fatores culturais locais. Como afirma os autores, a organização não constitui um projeto nos moldes tradicionais a que estamos acostumados, trata-se mais de um desdobramento natural que emanou da comunidade como uma necessidade lógica de um grupo de instituições e pessoas com uma visão convergente: o desenvolvimento local de Pintadas. Ao longo dessas duas décadas, a Rede Pintadas tem sido um movimento contínuo de interesses comuns, preservando suas identidades e diferenças mas agindo coletivamente para concretizar os objetivos por entender que entidades isoladas não conseguem responder as necessidades dos grupos. Desta forma, a Rede vem para desenvolver ações articuladas e compartilhadas. Atuar em Rede é uma oportunidade de analisar a problemática dos grupos sociais e buscar estratégias macro. Sendo assim, a Rede Pintadas é portanto, o ponto de partida para outras abordagens e correlações tendo como parâmetro a cultura da participação como vetor da transformação social. Assim, a partir da economia solidária e feminista há a reafirmação de questões importantes na organização das mulheres com destaque para estratégias da emancipação das mulheres e conquista da autonomia, rompendo um ciclo de opressão destas nos espaços que atuam. As reflexões estão pautadas nas concepções da economia feminista e solidária a partir de uma perspectiva de gênero, visibilizando os elementos de transformação e resistência adotados pelas mulheres, dentro de suas organizações e fora delas, no acesso efetivo às políticas públicas.

2.3 Mulheres Engendradas no Cotidiano de Pintadas

O processo de emancipação das mulheres em Pintadas não se sabe ao certo quando começou, pois, se mistura as diversas iniciativas de organizações de grupos, trabalhos comunitários, formação social e política envolvendo algumas mulheres que a 70

mais de quatro décadas foram se inserindo e se revelando lideranças. Ao longo dos anos, é notório ações diferenciadas de envolvimento coletivo das mulheres no que se refere a quebra de paradigmas culturais, rompendo as barreiras das diversas formas de violência, tanto no espaço privado de suas casas quanto no espaço público das lutas sociais, comunitárias e políticas. A luta das mulheres ao longo desses 40 anos em Pintadas, garantiu um acúmulo necessário de conhecimento adquirido pela experiência prática do enfrentamento ao modelo neoliberal que produz a opressão de gênero e a exploração de classe ferindo a dignidade de mulheres, homens, crianças, jovens, idosos, negros, brancos, etc. Desde muito cedo nas formações de grupos de jovens, aglomerações sindicais já exigiam justiça, igualdade e liberdade. Motivadas por diversas bandeiras de lutas em defesa da garantia de direitos, inserção no mercado de trabalho, ocupação dos espaços de poder e decisão, acesso as políticas públicas, etc., foi que, ao longo dos anos, as mulheres foram tecendo o processo histórico em Pintadas, trazendo consigo vivências dos diversos movimentos surgidos a partir de lutas concretas para resolver problemas imediatos como, por exemplo, educação, saúde, água, saneamento básico, reforma agrária, migração, microcrédito. Foi através de decisões práticas que historicamente as mulheres foram se inserindo nesse contexto de emancipação política, reafirmando as suas lutas nas questões específicas de relações de gênero e desencadeando os seus processos de empoderamento. Aos poucos, as mulheres foram se fortalecendo nas organizações de base, na formação de lideranças e na compreensão do momento histórico. A partir desta leitura e movidas pelo sentimento de fortalecer a luta, o movimento de mulheres se consolida, como afirma Neusa Cadore em sua entrevista.

Fazer parte do processo de criação do movimento das mulheres de Pintadas é uma oportunidade de trocar experiências e me dá a certeza de que a libertação da mulher é resultado do compromisso da própria mulher que acredita na força da organização e da luta coletiva.

Em suma, as mulheres, em seu processo de tomada de consciência, transformam os problemas pessoais e individuais em assuntos políticos. Com a participação em grupos começam a examinar a própria vida, analisar e questionar as estruturas sociais 71

que as oprimem. A partir do momento que elas passam a entender essas estruturas, começam a organizar ações com o objetivo de neutralizar as diversas formas de opressões. Nesse processo de questionamento, começaram a desmitificar as estruturas patriarcais e a enfrentar o machismo e todas as desigualdades existentes nos espaços em que estão inseridas conforme salienta Neusa Cadore.

As Lideranças comunitárias de Pintadas trazem uma rica capacidade de articulação através de entidades e movimentos que lutam, acreditam e possuem identidade com o Projeto Popular bebendo da fonte de educadores como Paulo Freire que acredita na construção coletiva de ação, reflexão, ação. Eu aprendi que a mudança de um povo acontece com a participação em grupo, assim somos mais fortes.

Assim, história de Pintadas não pode separar ou neutralizar o papel que as mulheres sempre desempenharam em todos os aspectos sociais, econômicos, ambientais, culturais, contribuindo com um importante legado na questão de gênero, sobretudo em um semiárido marcado pelos resquícios de uma cultura machista e patriarcal. É notório que essa realidade nas organizações sociais tem sido menos antagônica em Pintadas, uma vez que a figura masculina sempre foi ausente da família durante a maior parte do tempo, tendo em vista que os problemas relacionados à seca e a ausência de postos de trabalho como afirma Julita Trindade:

As grandes estiagens e a falta de oportunidade de trabalho na região, aumentava a migração de cerca de 3 mil homens anualmente e reservava às mulheres do campo a responsabilidade pela casa, filhos, animais e o cultivo da terra. Foi nesse ambiente que floresceu a liderança das mulheres, extrapolando os limites da administração das propriedades e dos trabalhos domésticos, para a linha de frente do movimento social.

Em função desse contexto local, é possível definir as CEBs como o marco da participação das mulheres, mas é aproximadamente no ano de 1993 que as lideranças começam a se articular de forma mais orgânica e efetiva, buscando conquistar espaços através do diálogo, da participação na comunidade e na sociedade, passando a se identificar como Movimento de Mulheres de Pintadas e iniciando com a realização da primeira assembleia de mulheres em comemoração ao oito de março.

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Na perspectiva de consolidar essa história das mulheres a AMP teve a sua fundação em 1999, se tornando pessoa jurídica conquistando um importante espaço dentro das organizações sociais. A AMP foi parte integrante da organização e constituição da Rede Pintadas já na sua fundação. Motivar-se para a fundação da Associação de Mulheres Pintadenses era exatamente o objetivo e a partir da necessidade ter uma pessoa jurídica que as representasse na defesa de direitos e na promoção e desenvolvimentos de políticas públicas. A AMP é parte integrante da estrutura orgânica da Rede Pintadas e assume o papel de incentivadora do empreendedorismo com foco na autonomia econômica das mulheres. Com o passar dos anos, as mulheres perceberam a importância de criar instrumentos de geração de emprego e renda e a busca pela autonomia financeira. Para atender a essa meta foi construído o espaço do restaurante, padaria e lanchonete “Delicias do Sertão” A partir das habilidades reveladas com a produção da mulher, a associação objetiva garantir a geração de emprego e renda, enfrentamento a todas as formas de violência contra a mulher, além de incentivar a participação política e social com vista no empoderamento, a luta em defesa da equidade de gênero e acesso ao microcrédito. A experiência da economia feminista e solidária30 tem sido para a organização das mulheres de Pintadas, através dos grupos de produção, uma alternativa que vai de encontro à organização capitalista. Uma vez que através da cooperação recebe-se o atendimento sistemático da equipe multidisciplinar do Centro Público de Economia Solidária do Território Bacia do Jacuípe (CESOL/BJ)31, com apoio para melhorar o gerenciamento, produção e comercialização, além da comunicação interna e relações interpessoais entre as sócias e as colaboradoras.

30 Economia Solidária é um modo de organizar a vida econômica, social e política de uma sociedade, a partir dos princípios da cooperação, solidariedade, e justiça social. Tem como centro a valorização do ser humano, nas relações de trabalho, produção, comercialização e consumo. É, portanto, a valorização das relações sociais, considerando a sustentabilidade ambiental, igualdade, justiça de gênero, raça, e o reconhecimento e valorização do trabalho reprodutivo, como fundamental para a humanidade (Nalu Faria). 31 O CESOL/BJ é uma política de inclusão socioprodutiva, com o objetivo de apoiar as iniciativas econômicas e sociais que conduzem a formação de cidadãos integrados ao mundo pelo trabalho decente. É formado por profissionais de especialidades diversas que acompanham os empreendimentos, como um núcleo da economia popular e solidária que permite que os próprios atores locais desenvolvam ações estratégicas para resolução dos problemas vinculados à produção e a comercialização de forma justa e sustentável. Fonte: http://cesolbj.blogspot.com.br/p/bacia-do-jacupe.html. 73

É com essa nova práxis, que ao longo do processo de formação e convivência em grupos, a AMP e o movimento de mulheres organizado trazem para o centro das discussões questões acerca das relações de gênero, sobretudo no que se refere a autonomia econômica e o empoderamento. As experiências vividas em rede, gradativamente passam a ser incorporadas nas ações efetivas que ampliam a participação das mulheres, potencializando e dando visibilidade aos diversos empreendimentos organizados e geridos por elas. A AMP caminha dando continuidade ao seu processo permanente de desenvolvimento local32, mas, tem como desafio a tarefa de animar as novas gerações para dar prosseguimento a sua história de luta, de participação, de solidariedade e de esperança, fazendo com que as forças sociais se renovem e que mulheres e homens do semiárido continuem acreditando que é possível construir um mundo cada vez mais justo, igual, sustentável e solidário. Com a AMP, evidencia-se o compromisso com o desenvolvimento econômico e social, a articulação dos diversos grupos de mulheres em prol de projetos de interesse ao desenvolvimento local sustentável de Pintadas, ação que hoje tem sido compartilhada com os municípios vizinhos a partir da participação no Coletivo de Mulheres do Território da Bacia do Jacuípe33. A associação tem como missão promover a melhoria da qualidade de vida, através de um processo de formação e resgate dos valores e

32 Principais realizações e conquistas da Associação de Mulheres Pintadenses: Realização de 20 assembleias em comemoração ao 8 de Março; Mobilização para a Eliminação da Taxa de Iluminação pública – TIP; Luta para garantir água potável para todas as famílias através de cisternas; Mobilização educação ambiental da cidade para o cuidado com o lixo; Mobilização para a garantia de médico ginecologista; Reuniões e oficinas para formação e valorização da identidade da mulher, conhecimento sobre direitos e deveres, ocupação dos espaços de poder, enfrentamento a todas as formas de violência, Lei Maria da Penha, entre outros temas; Microcréditos; Autonomia econômica; Gestão de uma padaria, restaurante e lanchonete DELÍCIAS DO SERTÃO; Organização de grupos de produção da agricultura familiar e artesanato (Agro-arte e Arte da mulher) e exposição e comercialização dos produtos no Mercado Municipal; Gestão de um Telecentro Digital com 20 computadores e acesso à internet; Coordenação do GT de mulheres (Grupo de Trabalho) do Território de Identidade Bacia do Jacuípe; Participação efetiva da elaboração do Plano Territorial de Mulheres; Participação efetiva na mobilização e organização da segunda Conferência Municipal de Políticas para as Mulheres em 2011 e a primeira Conferência Territorial; Integrante da Rede Pintadas; Representante efetiva dos conselhos Municipal de Saúde, Educação, Desenvolvimento Social, Criança e Adolescente; Representação no Conselho Estadual de Política para mulheres; estando ainda inserida no Fórum de Mulheres do Semiárido e nas marchas mundial de mulheres e das margaridas. (Jornal da Rede Pintadas. (Histórico da Associação de mulheres 2007)

33 O coletivo de mulheres do território Bacia do Jacuípe foi criado em 2011 e tem o objetivo de fomentar as políticas públicas para as mulheres, bem como as a criação dos organismos, equipamentos nos municípios e promoção das trocas de experiências entre as cidades através das feiras de economia solidária, seminários, fóruns, conferências e reuniões periódicas com o grupo de trabalho. Plano de Desenvolvimento Territorial (2001) 74

cidadania das mulheres, buscando a igualdade nas relações de gênero e uma maior participação nas tomadas de decisões na sociedade. Um exemplo é o otimismo na definição de prioridades para a efetivação das políticas na gestão da prefeita Neusa Cadore, conforme a mesma afirma em entrevista:

As mulheres tiveram papel decisivo para eleger a água como um eixo prioritário, deixando de ser esta uma ação isolada da sociedade civil para se tornar política pública, na qual a Rede Pintadas e a prefeitura municipal somaram esforços para garantir a sustentabilidade das famílias, com água potável para o consumo humano em cem por cento das casas da zona rural.

Assim, o movimento de mulheres promoveu vários debates acerca da igualdade de direitos, do acesso às políticas públicas, a importância da inserção nos espaços de poder e decisão, geração de emprego e renda, autonomia para decidir, e principalmente a tomada de consciência do seu efetivo papel na sociedade. Eram elas que mais lutavam e reivindicam, junto ao poder público, soluções para o problema do acesso a água.

2.4 Feminismo e suas bandeiras: avanço nas lutas das mulheres

O Movimento de Mulheres de Pintadas bem como das cidades da região, utiliza- se das teorias feministas para intensificar a luta e a organização em defesa da garantia de direitos. Desde a década de 1970 o movimento feminista vem se fortalecendo na América Latina e no Brasil, defendendo bandeiras de luta das mulheres que ao longo da história lhes foram negadas. O feminismo brotou do clamor de vozes sufocadas durante séculos, portanto, esse movimento surge como algo fora da lei e é visto como um movimento de subversão, entretanto, ao longo dos anos vai ganhando corpo e fundamentação histórica para a sua afirmação e resistência. No Brasil, o feminismo a partir dos anos 70 assumiu uma plataforma de reivindicação para mudar a situação da mulher, na perspectiva de romper todas as formas de desigualdades sociais, pois foi e é um importante provocador para definir políticas públicas para as mulheres, conforme destaca a revista do Centro Feminista de Estudos e Assessorias.

Ao olharmos para trás, fica evidente o quanto a ação política do movimento de mulheres orientada pelo pensamento feminista

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conseguiu avançar nas duas últimas décadas sobre o terreno das políticas públicas. Mas a persistência das desigualdades de gênero, notadamente quando considerada em seu caráter multidimensional, articulada com as desigualdades racial, étnica e de classe, não deixa dúvidas sobre o quanto ainda falta (CFEMEA, p. 129).

É possível analisar aqui o quanto o processo de opressão e exploração sofridas no cotidiano das mulheres desencadeia em lutas que possibilitam a conquista da liberdade e garantia de direitos. Para Freire (1989) os oprimidos precisam se levantar contra a opressão e essa tem sido uma constante no cotidiano da luta dos movimentos de mulheres e feministas quando de forma organizada trava lutas políticas em defesa da moradia, do acesso à educação, ao trabalho descente, a equidade de gênero e o respeito a diversidade, entre outas. Encontramos muitas mulheres que tiveram a sua base de formação comunitária numa visão mais socialista e libertadora através da formação bíblica pautada na Teologia da Libertação. Teixeira (2006) afirma sua inspiração no socialismo:

A reflexão da Teologia da Libertação estará intimamente articulada com a afirmação e crescimento dos movimentos sociais e populares de libertação dos anos 60, de majoritária inspiração socialista. A título de exemplificação podem ser lembradas as fecundas experiências relacionadas ao trabalho de educação popular (vinculadas a Paulo Freire), a experiência das CEBs (comunidades eclesiais de base), do MEB (Movimento de Educação de Base) e da Ação Católica especializada, em particular a JUC (Juventude Universitária Católica), JEC (Juventude Estudantil Católica) e JOC (Juventude Operária Católica) (TEIXEIRA, 2006, p 29).

Teixeira (2006), em suas pesquisas sobre a Teologia da Libertação, pontua o quanto ainda são tímidos os estudos acerca das questões específicas da mulher e faz um elo de ligação da mulher na Bíblia pensando numa teologia com rosto de mulher. A discussão sobre a teologia e a questão da mulher começou a se irradiar no Brasil e na América Latina a partir da década de 1970. Num primeiro momento deu-se a descoberta da mulher como sujeito histórico oprimido; em seguida veio o trabalho teológico com forte ênfase na Bíblia, delineando uma teologia “com rosto de mulher”, com desdobramentos posteriores de um forte questionamento do discurso patriarcal e racionalista presente na reflexão teológica, também latino-americana (TEIXEIRA, 2006, p. 32).

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Conceituando a teologia feminista (GEBARA, 2007) traz como marco à musica de Pepeu Gomes em 1982, Deus é menina e menino. Simbolicamente a música brasileira abre uma brecha para uma cultura que entende e aceita um rosto feminino em Deus. Com isso, provoca o respeito às diferenças e traz para o centro dos debates questões que estão arraigadas nos preconceitos, papéis e estereótipos que aparecem como marcadores definindo o feminino/masculino presentes em algumas crenças, corpos, mentalidades e origem. O século XX desabrocha com um olhar diferenciado para a diversidade através do fortalecimento do feminismo no Brasil e este provocou significativas mudanças no cotidiano das lutas das mulheres. Para Costa (2005), em seu texto O Movimento Feminista no Brasil,

O feminismo brasileiro, e também o mundial, de fato mudou, e não mudou somente em relação àquele movimento sufragista, emancipacionista do século XIX, mudou também em relação aos anos 60, 70, até mesmo 80 e 90. Na verdade, vem mudando cotidianamente, a cada enfrentamento, a cada conquista, a cada nova demanda, em uma dinâmica impossível de ser acompanhada por quem não vivencia suas entranhas. No movimento feminista a dialética viaja na velocidade da luz (COSTA, 2005, p 1).

Ainda para Ana Alice o feminismo, está refletido a partir de uma dialética histórica e está enraizado num processo de conquista e empoderamento. Entretanto, com a ascensão da mulher no mercado de trabalho, apontam-se novos desafios de sua profissionalização, através do acúmulo de funções dentro e fora de casa. Ao longo da história, prevaleceu uma ideia de que homens e mulheres eram diferentes entre si, diferenças essas que a sociedade gradativamente tentou naturalizar. Para superar o sentimento de naturalização e inferiorização do ser mulher, faz-se necessário encorajar para conquistar dignamente o direito à cidadania plena. É nesse contexto que Andreza Andrade em seu artigo “Gênero e História das Mulheres: Diálogos Conceituais” escreve:

[...] a prática de uma história das mulheres que se queira constituir representações cada vez mais próximas da “realidade” vivida pelos seus sujeitos/objetos precisa se constituir articulada com as dimensões das relações de gênero. E estas são dimensões que abrigam complexidades inscritas para além do âmbito do tradicional binarismo que opõe homens e mulheres encerrando-os no reducionismo homem dominador versus mulher oprimida (ANDRADE, 2008, p.14). 77

Dessa forma, só será possível romper o ciclo de opressão do homem para com as mulheres, quando estas entenderem a importância da sua emancipação. Assim, para descrever o perfil de uma mulher empoderada ela precisa estar revestida das seguintes características: autonomia, consciência da sua plena cidadania, o conhecimento dos seus direitos, a inclusão social, formação, qualificação profissional, autoestima, entre outras. Outro fator que tem limitado a ascensão das mulheres nos espaços públicos são os padrões preestabelecidos pela instituição familiar que barrava a participação feminina na vida pública, tinha como justificativa a necessidade de que as mulheres se reservassem à esfera privada para garantir o cuidado dos filhos ou da casa. Ao longo do processo histórico, as mulheres foram impedidas do direito de exercer a cidadania quando, por exemplo, não lhes era permitido frequentar a escola, votar e ser votada, ter propriedades, trabalhar sem autorização do marido ou pai. Utilizavam-se também das diferenças biológicas, para afirmar que elas eram inferiores e/ou incapazes, tanto quanto crianças. Segundo Piscitelli (2002):

[...] em termos políticos, consideram que as mulheres ocupam lugares sociais subordinados em relação aos mundos masculinos. A subordinação feminina é pensada como algo que varia em função da época histórica e do lugar do mundo que se estude. No entanto, ela é pensada como universal, na medida em que parece ocorrer em todas as partes e em todos os períodos históricos conhecidos (PISCITELLI 2002).

Há no processo de formação dos sujeitos uma constante pressão da família e da sociedade quanto ao comportamento da criança em função da definição do sexo. Essas expectativas norteiam o caminho que a mulher percorrerá em toda a sua história de vida. A mulher vive dentro de um contexto que demarca, a todo instante, estereótipos de gênero. Algumas expressões do masculino e do feminino são dominantes e servem como marca, embora, não signifique que devam ser tomadas como paradigmas, partindo do pressuposto que o conceito de gênero também não se refere mais ao estudo apenas do ser mulher, mas que procura enfatizar a construção relacional e a organização social das diferenças entre os sexos. O termo gênero começou a ser utilizado justamente para definir as diferenças entre homens e mulheres. Estudar as relações de gênero é estudar as características atribuídas ao sexo pela sociedade e pela cultura. A diferenciação biológica é apenas o

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ponto de partida para a construção social do que é ser homem ou ser mulher. A representação do sexo é atributo biológico, enquanto gênero é uma construção social e histórica. Para Scott (1995), a conceituação do termo "gênero" enquanto categoria de análise se estabelece a partir da relação fundamental entre duas proposições: “o gênero é um elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos e o gênero, é uma forma primeira de representar as relações de poder”. (SCOTT, 1995) Ainda para Scott (1995), se o novo modelo de sociedade que se almeja construir não for capaz de inserir as mulheres como sujeitos ativos de sua história, o feminismo não dará conta de provocar a mudança a partir das relações de gênero e de classe social. Partindo do pressuposto que a história define valores pontuais na organização e vivência do presente é que evidenciamos e entendemos o conhecimento histórico como fator determinante dos rumos da sociedade, construído a partir de sonhos, lutas e resistências de um povo que acreditou e acredita na importância do “fazer histórico”. Ao observar a contribuição das CEBs para as organizações sociais de Pintadas, revela-se que muitas das mulheres foram vítimas da migração que as prejudicava muito, pois quando os esposos iam em busca de trabalho em outras cidades sua jornada de trabalho se multiplicava, além de cuidar dos afazeres domésticos e dos filhos, tinham que cuidar da lavoura e dos animais, dentre outras atividades até então consideradas masculinas. Mas, mesmo assim, estas mulheres não se acomodaram e foram fortalecendo a organização, conquistando seu espaço na sociedade, buscando ter voz e vez e fazendo valer seus direitos (ALMEIDA & SANTOS, 2004, p. 3). Em virtude dessa experiência de vida, o movimento de mulheres foi ganhando força ao vivenciar experiências exitosas, a exemplo da Economia Solidaria como alternativa prática para mudar a vida das mulheres numa perspectiva da autonomia econômica. Nobre (2007) utiliza-se da seguinte argumentação: “A economia feminista surge a partir do estudo e crítica à economia dominante, através do viés da desigualdade de gênero existente dentro desse modelo”. Ainda para ela,

[...] é um pensamento econômico a partir da invisibilidade das mulheres e questiona a sociedade de mercado, na qual o padrão de relação entre as pessoas se dá a partir da mercantilização de seus corpos e da vida. Faz uma crítica à sociedade capitalista e tem como elemento central a compreensão de como e porque a divisão sexual do

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trabalho é base material da opressão contra as mulheres (NOBRE, 2007).

É importante perceber o quanto a economia feminista viabiliza as experiências das mulheres e sua contribuição para a economia, além de mostrar como a produção mercantil não está desvinculada da reprodução, a produção das pessoas e da vida, incluindo nesse processo a gravidez, o parto, o cuidado às crianças. A divisão sexual do trabalho, que atribui aos homens o trabalho produtivo no espaço público e às mulheres o trabalho reprodutivo no espaço doméstico, ainda estabelece uma hierarquia na qual o trabalho produtivo é considerado mais importante que o reprodutivo. A economia dominante considera o trabalho produtivo, aquele gerido pelos chefes de família. Portanto, é posto que os homens, livres das obrigações relacionados ao cuidado da vida doméstica se dedicam à produção mercantil, colocam seu tempo à disposição da empresa. Já as mulheres, donas-de-casa permanecem ocupando seu tempo invisível e desvalorizado com o trabalho reprodutivo, privado34, além de assumirem a dupla jornada fora de casa, ocupam espaços públicos ou no setor privado nos trabalhos com vinte, trinta, quarenta ou sessenta horas semanais. Trabalho esse que se acumula a todas as suas outras tarefas invisíveis que estão imbricadas ao cotidiano das mulheres. Para desconstruir e contrapor aos paradigmas da economia dominante e patriarcal destaca-se a importância da economia feminista e solidária na vida das mulheres em Pintadas uma vez que, muito cedo, se revelaram lideranças nas comunidades. A participação da mulher na vida econômica se deu, pois quando seus maridos viajavam elas assumiam a chefia da família e do trabalho coletivo. O cooperativismo e o associativismo são exemplos concretos dessa solidariedade e vivência em grupos através da articulação em rede. Faria (2009) afirma que, houve uma crescente participação feminina no mercado de trabalho nas últimas décadas, portanto as mulheres passaram a realizar também o processo produtivo, mas, sem deixar o reprodutivo, assumindo uma dupla jornada de trabalho. Em contrapartida, não foi visto um crescimento expressivo de homens que passaram a realizar o trabalho reprodutivo. Isso demonstra que esse modelo familiar tem

34 Entende-se por trabalho reprodutivo toda atividade de apoio, tal como os cuidados com as crianças, adultos dependentes, pessoas doentes e com serviços domésticos - que são prestadas de forma não remunerada e realizadas na esfera privada e familiar. Trabalho produtivo é o resultante do processo de produção, elucidado anteriormente, que atende às demandas do mercado (Faria, 2009). 80

permanecido intacto ainda após a grande inserção de mulheres no mercado de trabalho. Dessa forma talvez seria necessário se alcançar a igualdade entre os gêneros. Dito isto, vê-se que as atividades realizadas por homens e mulheres no mercado de trabalho e no âmbito doméstico são marcadas por desigualdades baseadas no sexo. Essas duas esferas, trabalho produtivo e reprodutivo, se retroalimentam e suas hierarquias contribuem para a manutenção do sistema opressor do gênero feminino (FREITAS, 2007). O movimento feminista, dentro da economia, denuncia essa separação dentro do mercado de trabalho, posto que não representa o destino natural de cada sexo, mas é resultado de um condicionamento social. É importante ressaltar que a Convenção 100 da Organização Internacional do Trabalho sobre a igualdade de remuneração de homens e mulheres por trabalho de igual valor é de 1951, tendo entrado em vigor em 1953. Já a Convenção 111 sobre discriminação em matéria de emprego e profissão é de 1958, tendo entrado em vigor em 1960, o que comprova as dificuldades das atoras femininas em superar as questões de gênero, ou seja, as relações de poder que privilegiam os homens em detrimento das mulheres. Nota-se que a inserção da mulher no mercado de trabalho não trouxe consigo a igualdade entre os sexos. As condições de inferioridade das mulheres são evidenciadas no contexto social: é alta a taxa de desemprego ou de emprego em trabalho precário, onde recebem salários mais baixos que os dos homens, mesmo com níveis de escolaridade mais elevados (IBGE). Dessa forma, a economia feminista e solidária se insere na vida das mulheres do semiárido, como uma importante alternativa para o fortalecimento das lutas de organizações das mulheres por se utilizar de métodos organizacionais que visam novas práxis, que buscam uma outra economia possível com foco na igualdade como um princípio. Assim, as mulheres se organizam para alterar a lógica do mercado que esconde a quantidade de trabalho doméstico e de cuidado necessário para que a vida se reproduza a cada dia. O feminismo propõe ampliar a noção do que é trabalho, além de dar visibilidade é realizado todos os dias pelas mulheres na produção da vida, seja em casa de forma remunerada ou não. Para encontrar respostas para as desigualdades entre os sexos, a solidariedade tem se revestido com um caráter emancipador no sentido de organizar igualitariamente, potencializando o associativismo e o cooperativismo para produzir, comercializar,

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consumir ou poupar de forma colaborativa e consciente. A questão central é a associação entre iguais e não um contrato entre desiguais. Em um sistema cooperativista, as pessoas inseridas no processo, têm os mesmos acessos e poderes, direito ao voto e as decisões (SINGER, 2003). Esses são os princípios básicos desejados, mas é importante fazer um contraponto com os princípios dominantes nas sociedades que alimentam e estruturam as desigualdades sociais, culturais e econômicas e que se fundamentam no patriarcado, no racismo e no capitalismo. Esses três sistemas de organização social, político e econômico, estruturam a base das desigualdades principalmente em se tratando das questões de gênero, raça e classe. Há uma tentativa em conseguir transformar as relações econômicas da sociedade como um todo, tanto com relação as mulheres quanto a sociedade em geral, conforme o lema da Marcha Mundial de Mulheres, podendo ser um horizonte para uma outra forma de organizar a sociedade fundamentados nos princípios da Economia Solidária. Atualmente, as experiências voltadas para esse tipo de economia são de grande relevância, pois contribuem para a construção de novas formas de gestão capazes de serem alternativas para a economia de mercado. Em se tratando do empoderamento sobretudo da mulher rural Maria de Lurdes Schefler (2013): Os movimentos sociais rurais, indistintamente, a autonomia econômica das mulheres constitui o primeiro passo para o seu empoderamento. A precariedade das condições de reprodução na agricultura familiar está na base da justificação deste argumento e da crescente pressão dos movimentos por serviços e investimentos públicos. Já os estudos feministas que relacionam gênero e pobreza argumentam que as transformações no campo brasileiro envolvem tanto mudanças nas situações engendradas pela crescente penetração do capital na agricultura – restrições à terra, às condições de produção, de mercados e de maiores rendimentos para seus produtos –, como outras dimensões na vida das mulheres que se sobrepõem às relações especificamente econômicas e que questionam sua identidade e posição social. (SCHEFLER 2013 p. 16)

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CAPÍTULO III Mulheres que marcaram a história

Elas estão chegando, pelas portas e janelas, avenidas e vielas, elas estão chegando, chegando como um vento forte, chegando com vida e morte, chegando para encantar, chegando para mudar. Chegando pra sarar as juntas, chegando pra juntar as forças, chegando para construir, chegando para prosseguir [...]

(Autor desconhecido)

O terceiro capítulo trata de uma sistematização da história de vida de quatro mulheres que participaram efetivamente do processo histórico de Pintadas em períodos diferentes com experiências na política local, organização social, empreendedorismo, cooperativismo, educação, organização da juventude, presença nas CEBs. Será realizada uma análise da trajetória delas dentro do processo de desenvolvimento local sustentável de Pintadas e como se deu a ocupação em espaços de poder e decisão e ou de destaque. Além de avaliar qual a importância das organizações e movimentos sociais no fortalecimento e inserção destas mulheres para o seu empoderamento e emancipação ao longo da história, e como elas superaram os desafios postos pelo contexto das desigualdades de gênero, percebendo ainda a importância da Rede Pintadas e a gestão democrática através da administração pública participativa coordenada pela primeira mulher prefeita da cidade e que contribuiu com a participação e o fortalecimento das mulheres. Os movimentos feministas e de mulheres tem assumido um compromisso político e estruturante para dar visibilidade as suas lutas e organizações. Com base na poesia que é cantada pelas mulheres de Pintadas “chegar” significa dar passos e fazer as rupturas necessárias. Quebrar as barreiras de uma cultura engendrada nos princípios machistas, patriarcais, luta que sempre foi uma constante no dia-a-dia das mulheres que se descobriram lideranças em Pintadas por entender a necessidade de buscar a liberdade de tantas mulheres que vivem ainda hoje encarceradas nas prisões de um sistema massificador, coisificador e opressor que se fundamenta em princípios que marginalizam pessoas. Na busca de quebrar preconceitos e construir uma nova ótica, a AMP reafirma as bandeiras de lutas erguidas pelas mulheres se utilizando de estratégias relevantes através 83

dos encontros de formação, reuniões e assembleias. O canto que já se materializou no hino das mulheres em Pintadas, “Elas estão chegando”, é também uma ferramenta pedagógica que traz para o cerne dos debates palavras de ordem como mudar, questionar, transformar, sarar as juntas, juntar as forças, construir, prosseguir, dentre outras. É uma oportunidade de sensibilização, encorajamento e descoberta das lideranças representadas e ou reveladas em grupo. As diversas portas e janelas que se abrem ainda hoje com base nas tragetórias de vida apresentadas nesse capítulo reafirmam o espírito de cooperação e a consciência da importância da militância social e política dentro do processo de organização. Ao ouvir cada uma das entrevistadas e analisar os diversos documentos, busco observar os elementos das relações de poder, utopias, ações concretas, conflitos, conquistas, ideias para compreender o nível de engajamento na vida política e nos movimentos sociais que cada uma representa como militante ao longo das suas vidas. Compartilhar da experiência de vida dessas mulheres, acompanhando seus itinerários e ações é observar o quanto é possível ser e fazer a diferença construindo uma outra história. A participação social, política e econômica, seja na esfera pública seja no espaço privado, foi e é para essas mulheres a força motriz que retroalimenta a caminhada de forma dinâmica e compartilhada numa interação com a fé a luta e o compromisso com a causa.

3.1 Anas, Neusas, Julitas, Rejanes: mulheres em Pintadas e suas histórias

ANA MENDES DE LIMA

Oh! que saudades que tenho, da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais! Que amor, que sonhos, que flores... (Casimiro de Abreu).

Ana Mendes de Lima, professora tem 72 anos, foi a primeira entrevistada e o motivo para qual ela foi escolhida para a entrevista foi por ter tido uma trajetória diferente do modelo convencional da sociedade em que cresceu e ter sido a primeira mulher a ser representante política de Pintadas. Por ser de família pobre, se casou aos dezessete anos, mãe de seis filhos, foi educadora ainda sem concluir o ensino médio, decidiu se separar do marido, por

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entender que este não contribuía com a formação dos seus filhos nem a conquista dos seus sonhos. Sonhos estes que lhe perseguiam constantemente, até que um dia ela pensou em sair para estudar e envergonhada, temia o pensamento dos outros. Em conversa com a sua mãe decidiu deixar quatro dos seis filhos com a avó e os dois mais velhos lhe acompanharam, partindo para cidade de Ipirá onde concluiu o ensino médio. Em relato diz:

Fui estudar, eu e meus dois filhos mais velhos, fui fazer aquele curso que chamávamos de madureza conhecido como supletivo. Passei um ano estudando, depois fomos a Feira de Santana, fazer essas provas, que equivalia ao ginásio, nós fomos aprovados e ingressei no segundo grau em 1973. Depois trouxe todos os filhos para estudar em Ipirá. Eu conclui o ensino médio em 1975. Às vezes eu me pergunto onde eu achei tanta força? Eu sei que não foi minha foi a graça de Deus, e o espírito santo que me encorajou. Eu nunca me senti cansada, enfadada e nunca reclamei. Eu sempre pensava quanto mais a vida era difícil, mais eu tinha coragem de enfrentar.

Era com essa coragem, força e determinação que trazia consigo o espírito de liderança nato, nas atividades da Igreja Católica, participava ativamente dos cursos de formação na Diocese de Ruy Barbosa. Envolvida com a religiosidade, tinha várias funções na coordenação de festas religiosas, novenários, datas comemorativas, mês de Maria, encontros de jovens e não se conformar com a situação de pobreza, analfabetismo e descaso com o desenvolvimento de Pintadas, que, até então, era distrito de Ipirá. Outra característica bastante peculiar era a sensibilidade artística e cultural, desde sua juventude. Por ser bastante audaciosa e inquieta, rompia as paredes das escolas promovendo atividades comemorativas em diversas datas no ano, buscava revitalizar a cultura popular com as cantigas de roda, reisado de moça, festejos juninos, atividades diversificadas do folclore brasileiro, lavagem da igreja, alvorada, queima de Judas, entre outras. Organizava nas escolas recitais de poesias, se emocionava, cantava, vivia a intensidade das emoções. Foi com esse jeito de interação com a comunidade e por fazer parte de um grupo político em Ipirá que foi se inserindo na política através da mobilização das pessoas, em diversos espaços.

A minha vida política começou em Pintadas, eu tinha uma participação muito grande na comunidade, para lhe dizer a verdade

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desde criança, eu organizei vários reisados, a gente chamava reisado de moça e era coordenado por mim, eu não era professora ainda. Toda festa do dia das mães, a gente comemorava muito na igreja, eu era muito religiosa, pertencia a igreja católica.

Comprometida com as causas específicas da comunidade, foi se destacando como representante da comunidade e foi identificada com perfil para se inserir na política local. Em 1971 candidatou-se a vereadora e foi eleita em plena ditadura militar e, o mais interessante, é que disputou com diversos fazendeiros de famílias tradicionais na época e, tanto ela quanto outra mulher do povoado de Ipiraí, Odete Rios, quebraram os preconceitos e os tabus da sociedade dando um testemunho de coragem, sendo as duas únicas eleitas na região de Pintadas. A professora Ana Mendes escreveu o primeiro histórico de Pintadas, que serviu de base para as principais pesquisas durante anos e está, ainda hoje, disponibilizado na biblioteca municipal. Também compositora do hino municipal de Pintadas, que segundo ela foi inspirado na cultura religiosa, na base da economia local, na história de luta do seu povo, nas marcas próprias do semiárido que lhe deu inspiração para traduzir de forma poética e contextualizada a história de Pintadas. Era cordelista e se utilizava da criatividade e astúcia para marcar a identidade e a cultura local. Por onde passou deixou suas pegadas, registradas em diversas árias que tinha como fonte de inspiração na sua vida. Decidir participar da política na década de 1970, era viver muito à frente do seu tempo, indo além do lugar convencionado para mulher em Pintadas naquele período. Ela quebrou tabus, preconceitos e com a sua determinação assumiu o desafio. Como vereadora não se envaideceu, utilizou-se desse privilégio político para defender os interesses da comunidade de Pintadas e lutou para garantir a emancipação política do município. Pode-se dizer que teve uma trajetória de sucesso, tendo em vista tantos desafios que permearam seu caminho, como a separação do marido, ir para Ipirá terminar os

 O Reisado é patrimônio imaterial da humanidade, é uma importante manifestação cultural. Aparecendo na Europa e no Oriente, desde a Idade Média, assim como no continente americano a partir da sua descoberta por navegantes europeus. No Brasil, principalmente na região nordeste se mistura as festas tradicionais da religiosidade popular, bem como, nas manifestações folclóricas. Se incorpora na cultura e traduz as peculiaridades e as características locais, refletindo um universo multicultural em suas manifestações. Até início do século XX o reisado era uma festa tradicionalmente lideradas pelos homens. E com a ascensão da mulher na sociedade mulheres de Pintadas criaram o Reisado de moça surge com uma nova roupagem, inserindo a figura da mulher como protagonista, com um figurino característico, as mulheres entoam as suas cantigas, versos e rimas, inserindo danças que expressavam um valor simbólico na cultura local e na organização das mulheres. 86

estudos, colocar-se dentro da política de esquerda e contra a ditadura, ser vereadora, educar os filhos sozinha. Descrever a história de uma mulher que venceu os medos, mãe solteira há quarenta anos atrás, viajava sozinha, pegava carona com desconhecidos, educadora, artista, inserida na política, participava de várias atividades sociais e religiosa, me leva a crer que a mulher pode transformar os espaços o qual representa.

JULITA TRINDADE

Na vida uma coisa nasce da outra, nós podemos ser como a água, que vai se infiltrando, abrindo caminhos, rompendo todas as barreiras e seguindo em frente (Julita Trindade).

Julita Trindade tem 52 anos, casada, mãe de três filhos, teve a sua origem na zona rural, viveu até a sua adolescência, na comunidade Azedinha. Considera a participação, a cooperação e as lutas como vetores importantes que nortearam e norteiam a sua vida. Participou efetivamente na luta para trazer o ensino médio para Pintadas e fundar a casa do estudante em Salvador. Teve o espaço das CEBs e pastoral da Juventude do Meio Popular como formação de vida. Foi migrante, viajou para São Paulo e trabalhou em uma fábrica de brinquedos, o dinheiro que ganhava mal pagavam os estudos. Voltou para Pintadas e, depois, decidiu ir morar em Santa Catarina, na casa de Padre Bertulino, para concluir o ensino médio. Tentou fazer faculdade em Salvador, mas não conseguiu se adaptar e não gostou da experiência. Com 22 anos de idade, vendeu a terra que tinha recebido de herança do seu pai e comprou uma farmácia em 1985. Como empresária, dona de uma farmácia, assumia um papel de médica, enfermeira e psicóloga, pois muitas pessoas a procuravam para desabafar e pedir conselhos por não haver médico com frequência na cidade. Por sua trajetória de vida assumiu grandes responsabilidade muito cedo. Sempre trouxe a inquietude ao longo da sua caminhada, revestida com o compromisso social e político de organização de pessoas. Participou da luta em defesa da terra das famílias do Lameiro, contribuiu com a organização Juventude a Procura da Liberdade- JPL e participou da experiência de vida comunitária com mais de trinta jovens, construindo alternativas viáveis para convivência com a seca, na época, a ideia era desenvolver tecnologias apropriadas para o semiárido.

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Junto a luta para diminuir a migração em parceria com as CEBs, CCSP e STR, conheceu a experiência das Escolas Famílias Agrícolas e ajudou na construção do projeto para trazer para Pintadas uma experiência de pedagogia da alternância com o intuito de identificar lideranças para a construção de alternativas viáveis e apropriadas para garantir a permanência do homem e da mulher no campo. Também fez parte do projeto Renascer que cuidava de famílias carentes, pois sempre esteve do lado dos mais pobres na luta por justiça social, nunca se conformou com a pobreza e a fome, razão que alicerçou a sua luta. Formada em História pela Universidade do Estado da Bahia – Campus IV de Jacobina-BA, desde a juventude compreende a importância da participação política e seu papel transformador na sociedade, convicção que a levou a integrar o Partido dos Trabalhadores desde a sua fundação, onde atualmente está assumindo a presidência. Colocou o seu nome à disposição para ser candidata a vice prefeita junto com Neusa Cadore, retirando depois de alguns meses para ceder para a base aliada da época. Mesmo não estando com o seu nome na chapa como candidata, visitou com Neusa 100% das casas do interior do município, num processo de formação e apresentação de um outro modelo de ser e de fazer política. Julita possui uma sólida formação humanística e social decorrente da sua participação nas CEBs. Entre 1999 e 2004, exerceu a função de secretária de Saúde de Pintadas fomentando a discussão do uso racional da água, tendo em vista o seu impacto na qualidade de vida e na saúde da população. Durante sua gestão estruturou a secretaria, sobretudo na área de saúde da família. Coordenou uma grande ação de educação ambiental, com apoio da Faculdade de Engenharia Sanitária da UFBA, ação que resultou no Projeto Pintadas Viva, ganhador do prêmio Caixa Melhores Práticas em Gestão Local, em 2003. Foi coordenadora da Rede Pintadas, composta por organizações sociais que atuam coletivamente no desenvolvimento do município, premiado por órgãos nacionais e internacionais. Julita integra diversos movimentos ligados aos setores do cooperativismo, associativismo, agricultura familiar, mulheres e educação. Sócia fundadora da cooperativa de crédito SICOOB Sertão, assumiu a vice-presidência e foi membro da diretoria da União Nacional das Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia Solidária – UNICAFES. Participa do movimento de mulheres de Pintadas e da

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GROOTS, uma rede internacional que discute o papel da mulher no enfrentamento das catástrofes e elabora propostas para ações coletivas. Julita mulher negra, órfã de pai aos 11 anos, que saiu da zona rural para estudar e trabalhar. Liberdade em casa, sempre teve dinheiro trabalhando nas feiras, na farmácia que adquiriu. Sua característica mais marcante é ser sonhadora, além da sensibilidade e bravura que a acompanham, a sua força e confiança contagia positivamente a luta em Pintadas. É mãe, mulher, amiga, cheia de fé, ação, atitude, que aprendeu e ensina que cada um tem força para modificar o que está em sua volta.

NEUSA CADORE

Pintadas tem muito entusiasmo, a sua história nos encanta. Muitos me perguntam: você moraria em Pintadas? Eu sinto que as pessoas não entendem o significado e a grandeza de um lugar pequeno com tanta gente sonhando. E é numa pequena cidade que podemos fazer esses modelos de participação e organização serem replicados (Neusa Cadore)

Nascida em Santa Catarina, na cidade de Itajaí, tem 60 anos, é solteira e mãe adotiva de uma filha. Conheceu o projeto Igrejas Irmãs, desenvolvido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, que enviava jovens para desenvolver um trabalho pastoral e missionário no Nordeste, além de participar de ações desenvolvidas pela Pastoral da Juventude do Meio Popular-PJMP em sua cidade. Encantada com a ideia aceitou o desafio para morar no período de dois anos, chegando à Bahia há 31 anos para desenvolver um trabalho missionário no semiárido e onde permanece até hoje. Técnica em enfermagem, concluiu o curso em 1973. Desde fevereiro de 1984 quando chegou a Pintadas, se envolveu na luta em defesa dos mais pobres e na organização das CEBs. Em Pintadas, com o intuito de ajudar a comunidade, realizava atendimento a pessoas doentes com os primeiros socorros, aplicação de injeção, aferição de preção, curativos. Por falta de professor na cidade e para complementar a renda, dava aula de psicologia, para alunos do ensino médio. Se deparou com a seca nos primeiros dias que chegou em Pintadas, período de grande seca na região. Na época, uma seca significava morte de crianças, animais, momento de muita tristeza e sofrimento.

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Desde o primeiro momento eu senti o outro lado da seca, pobreza, povo com pouca instrução, mais um povo muito mobilizado e querendo mudar essa realidade de seca e de falta de água.

Foi inserida nesse contexto e alimentando-se da esperança daquele povo em construir um mundo melhor, mais justo, fraterno e solidário, que Neusa resolveu fazer da pequena localidade sua moradia. Em relato, Neusa Cadore afirma que o que mais lhe sensibilizou foi o trabalho organizado que já existia em trinta comunidades rurais com a presença de homens e mulheres sugerindo, questionando, buscando saídas. Notava ali a importância da participação das pessoas no Conselho Pastoral, espaço de encontro, debates, encaminhamentos, articulações, evangelização, ações concretas, pois o conselho debatia questões inerentes a comunidade. Neusa assumiu várias frentes de organização em Pintadas. Com a ajuda de Padre Sérgio Giacomelli35, Julita Trindade e outras lideranças da cidade, criaram o projeto Renascer e, posteriormente, a Associação Padre Riccardo para atender famílias carentes, recebendo ainda a ajuda de famílias italianas que adotavam, à distância, crianças, enviando mensalmente ajuda para reforço alimentar, educação e melhoria da qualidade de vida daquelas crianças, atendendo cerca de 300 famílias. Em 1996 concorreu às eleições municipais, sendo eleita como prefeita e governando Pintadas por dois mandatos (1997 a 2004). Assumiu a secretaria Municipal de Agricultura e desenvolvimento econômico no período de janeiro de 2005 a março de 2006. Pela vasta experiência adquirida a frente da gestão municipal, participou de diversas mesas de debates nas cidades da região, nas universidades, igrejas, tornando-se conhecida em todo o estado baiano. Se candidatou e foi eleita deputada estadual em 2006, sendo reeleita em 2010 e 2014. Sua atuação se destaca pela defesa dos direitos das mulheres, dos trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, da juventude e da cultura, da agricultura familiar,

35 Padre Sérgio Giacomelli foi o primeiro pároco que assumiu a paróquia de Pintadas em 1992. Tinha uma atenção a evangelização inserida e encarnada na vida e se tornou uma referência na defesa dos direitos humanos, sociais e políticos, na luta por moradia, igualdade e por uma comunidade comprometida com as causas dos mais pobres. Com o projeto Renascer desenvolveu um trabalho de formação para adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade com a escola de marcenaria, artesanato de madeira, artesanato em tecido, fabricação de produtos de limpeza, aula de música, percussão e capoeira. Organizou um trabalho de formação e acompanhamento das mães das crianças assistidas pelo projeto, distribuindo cesta básica, leite e cuidados com a saúde das crianças. 90

da educação, economia solidária, associativismo, cooperativismo e de políticas públicas estruturantes. Em toda a sua trajetória, acesso à água, a educação, a defesa da vida na sua integridade sempre foram pautas importantes. Através da organização de congressos populares definiu a água como prioridade e assumiu incansavelmente esse desafio. Participou efetivamente das ações que transformaram o município de Pintadas no primeiro do nordeste a efetivar a cobertura de 100% de estruturas hídricas na zona rural, tanto barragens para o consumo animal quanto cisternas para o consumo humano, levando cidadania à população do campo, sobretudo à mulher. Neusa se destaca ainda pela sua liderança na atuação na defesa dos direitos das mulheres e no fomento à participação feminina nos espaços de poder e decisão, pela busca por mais autonomia das mulheres com ações de geração de emprego e renda, pelo fim da pobreza, pela luta em prol da erradicação da violência doméstica e familiar e pela organização popular. Neusa foi relatora de importantes leis como a do Cooperativismo, das Escolas Famílias Agrícolas e da Economia Solidária. Está na luta pela implantação das Universidades Federais do Nordeste da Bahia e da Chapada, dentre outras ações, principalmente como multiplicadora da formação de novas mulheres capazes de disputarem com equidade os espaços de poder e decisão. Estudante de Serviço Social, tem assumido o debate sobre a importância da valorização profissional, defesa da inserção dos profissionais na educação formal, implementação do piso salarial, além de articular uma Frente Parlamentar. A autoria da lei 13.445 sancionada em 06 de outubro de 2015 foi mais uma importante conquista na defesa dos direitos das mulheres, tornando obrigatório a fixação de placas informativas dos serviços da Central de Atendimento à Mulher (Disque 180) e do Disque Denúncia de Violações aos Direitos Humanos (Disque 100) nos estabelecimentos de acesso público, como hotéis, motéis, bares, restaurantes, casas de show, etc. A medida de combate à violência ampliará a divulgação dessas ferramentas, contribuindo para romper o ciclo da violência e para a garantia dos direitos humanos. Ela tem uma trajetória de vida de muita doação, dedicação e compromisso com as causas sociais. Estar na política foi uma oportunidade de intensificar a sua prática, sendo porta voz das lutas em defesa das mulheres, agricultores e agricultoras, jovens,

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pessoas com necessidades especiais, movimentos sociais organizados, sindicatos, associações, cooperativas, entre outras. Compreende a importância do direito a água para a vida no semiárido, tendo sua base de formação de vida a teologia da libertação e a pedagogia do oprimido, destacando-se por seu carisma diferenciado. Por seu engajamento e inserção na realidade da comunidade entente que a política tem como premissa cuidar da vida das pessoas, do bem comum, cuidar do ser humano de forma integral.

REJANE FERNANDES

Pintadas sempre teve uma cultura de solidariedade e participação; acreditou que a união faz a força. Eu, você e outro, conseguimos e somos mais (Rejane Fernandes).

Rejane Fernandes, 34 anos, casada, mãe de duas filhas, natural de Pintadas, estudou em escola pública, graduada em Administração de Empresas pela UNITINS – Fundação Universidade de Tocantins. Desde a infância foi iniciada na vida cristã através da Igreja Católica, da qual participa até hoje. Faz parte da equipe que coordena a pastoral familiar, ajuda na formação de coroinhas, participa da liturgia e entende o quanto o trabalho filantrópico é importante para se tornar mais humana, solidária e manter o equilíbrio da sua vida espiritual. Trabalha no SICOOB Sertão há 17 anos, tendo atuado em diversas áreas, como atendente abrindo contas, tirando dúvida das pessoas, ainda no período da fundação em 1998. Com o passar dos anos foi galgando novos espaços, compensação de cheques, caixa, vendas de serviços e produtos e aos poucos foi crescendo internamente revelando o seu perfil de liderança, chegando ao cargo de gerência, resultado da sua dedicação e a vontade de aprender. Iniciou sua vida profissional aos 16 anos de idade dentro do Sicoob, aprendeu com a prática a ter responsabilidade, dedicação, consciência do seu papel, determinação, vontade, foco, e entendeu muito cedo que as coisas podem ser conquistadas. A formação da equipe do Sicoob Sertão se dá pautada na visão estratégica do desenvolvimento sustentável e nos princípios da cooperação. Rejane é destaque como gerente da Cooperativa de Crédito, atendendo uma carteira de clientes que representam

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15 milhões de reais, 12 milhões em depósitos, e por seguidas vezes ganhou prêmios por superar metas, concorrendo a nível de Brasil. Coordena uma equipe formada por pessoas que não tinham nenhuma experiência financeira e bancária, algumas tendo começado como porteiro, carregador de malote, serviços gerais, crescendo internamente e conseguindo ocupar novos espaços como caixas, agentes de vendas, atendente, etc. Segundo Rejane, a maior dificuldade enfrentada quando assumiu a gerência foi em função da idade e o fato de ser uma mulher na função.

Os funcionários orientavam o cliente: vá até a gerencia para resolver isso e muitos ficavam perguntando quem é o gerente? E alguém mostrava, é aquela menina lá. As pessoas olhavam desconfiadas, será que aquela menina vai saber resolver essas coisas? Então eu passei alguns anos tentando mostrar para as pessoas que a idade e o fato de ser mulher não influenciava no resultado.

Já são 17 anos, mais da metade da vida trabalhando naquele espaço, e para a gerente as vezes estar ali negociando as atividades financeiras do dia a dia das pessoas, constrói-se uma relação de confiança. Com base em sua experiência diz: “a mulher tem esse diferencial, o cuidado e a capacidade de ouvir as pessoas, já o homem é menos atento aos detalhes, mais racional e objetivo isso é resultado do sucesso do empoderamento da mulher”. Ainda para Rejane, o sucesso das coisas e dos negócios está no bom relacionamento entre as pessoas, por isso oferece aos cooperados esse atendimento humanitário. Dos onze postos de atendimentos do Sicoob Sertão cinco são gerenciados por mulheres, de Pintadas, Baixa Grande, , Várzea da Roça e Ruy Barbosa, é um avanço dentro de um espaço hegemonicamente gerido por homens. Além de estar no Sicoob é empresária, tem uma farmácia onde aplica uma prática de gestão descentralizada dando aos funcionários a formação necessária para o sucesso no atendimento e nas vendas. Objetiva a continuação dos estudos para qualificar-se e ampliar a sua visão empreendedora. Desenvolve técnicas de bom relacionamento para com o atendimento aos clientes e nas horas vagas assume a gestão e pesquisa para conhecer mais sobre o assunto.

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Rejane apesar de ser a mais jovem das entrevistadas, conhece com afinco a história de organização social e política de Pintadas e é considera uma base importante do Sicoob Sertão. Para ela é uma experiência de vida acumulada dentro do movimento social no gerenciamento da segunda maior cooperativa de crédito da Bahia. Ela entende que a prática da solidariedade e o compartilhamento das ações tem sido uma grande escola com objetivos comuns em prol do desenvolvimento local através da organização do cooperativismo e associativismo dentro de uma só rede. Acredita que a mulher pode e deve ocupar espaços sociais, além disso traz uma diferença diante da sensibilidade que tem. Para ela falta organização mais intensa das mulheres para se encorajarem e disputar em pé de igualdade os cargos, tentar equilibrar essa vida de mulher mãe, esposa, profissional e encarar os desafios. As mulheres precisam estar preparadas e organizadas para correrem atrás dos seus sonhos.

3.2 Analisando as vivências

A trajetória de vida dessas mulheres percorre o caminho de uma história de muito esforço, persistência, astúcia e sabedoria. São perfis que poderiam ser comparados com os de tantas outras mulheres que estão invisíveis mesmo estando inseridas nos diversos processos de lutas e transformações. Neusa, por exemplo, destaca-se pois, quando chegou em Pintadas impressionou as freiras pelo instinto de liderança, percebendo a mesma característica em tantas outras mulheres direcionando e coordenando as comunidades, a exemplo de Nercí (Comunidade Mateus), Nenésia, Noêmia, (Coração de Jesus) Maria Santiago (Santana), Zenaide (Raspador), Miraci e Raquel (Caldeirão), Noêmia (Baixa das Flores), Maura (Campo São João), Izete (Laginha), Francisca (Taboa) e várias outras que se destacavam na condução da família, da economia local e da comunidade. Com a experiência de organização e vida em comunidade há mais de 20 anos, surgiu a organização das mulheres através da assembleia em comemoração ao dia internacional das mulheres. Nas reflexões e depoimentos, elas tomavam consciência e se davam conta da sua árdua tarefa de assumir tudo. Foi um encontro de gerações, mulheres idosas, falando das tradições, do machismo. É possível perceber aquelas mulheres construindo seus espaços de fala, resignificando o cotidiano, quebrando o silencio da violência doméstica, conquistando a

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liberdade de expressão dentro e fora de casa. Com a organização, definiam prioridades focadas no empoderamento e partir do momento em que a mulher se posiciona, se revela líder, assumindo seu lado político e saindo da neutralidade ao defender as causas sociais, lutar e buscar políticas públicas, ocupação do espaço de poder, lutar pela água, saneamento, saúde, educação trabalho, igualdade de direitos afirma a bandeiras através das ações estruturantes.

A força mobilizadora e associativista da comunidade de Pintadas ficou evidenciada quando, em 1996, delineou um projeto político de poder local. Este projeto indica e elege como prefeita do município uma líder comunitária, Neusa Cadore, representante da Pastoral da Terra que se candidatou pelo PT (Partido dos Trabalhadores). As mulheres, habitantes permanentes majoritárias do município, foram protagonistas decisivas do processo eleitoral. De fato, elas têm ocupado um papel essencial no processo organizativo de Pintadas. Desde o início, exercem a liderança no planejamento e desenvolvimento das atividades educativas e nos mutirões. Desse modo, elas aprofundam as raízes na terra de onde surgiram, a terra onde nasceram, apesar da seca e do poder patriarcal e patrimonialista. As mulheres de Pintadas desafiaram a separação entre a esfera pública e privada, ousando gerir sua comunidade como sabem gerir o lar e acreditando que outra mulher, como elas, sabe gerir o município. A questão de gênero permeia todas as lutas associativistas de Pintadas (Maria Suzana Moura e outros 2002 p. 618).

A eleição da prefeita Neusa Cadore em 1996 foi um marco histórico no que se refere à ruptura de uma cultura patriarcal hegemônica, sobretudo no interior baiano. Para Cadore, foi um momento marcante na história daquele povo que demonstrou para a Bahia que é possível acreditar em si mesmos com a força da união, da organização em rede e aplicar a melhor estratégia na arte da guerra para vencer os coronéis da política baiana”. Segundo Julita Trindade, presidente do Partido dos Trabalhadores:

Em 1996 foi uma referência que marcou a história daquela região por ter sido uma experiência da luta política através da organização social, que pode ser considerada como um divisor de águas no processo de desenvolvimento histórico da cidade.

Como afirma Costa (2000) e tomando como exemplo as mulheres de Pintadas, pode-se dizer que as mesmas tomaram para si a responsabilidade e o poder de tomar decisões transformadoras, tanto em suas vidas individuais quanto coletivas ao passo que

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foram indo de encontro às formas tradicionais de distribuição e utilização do poder em várias instâncias. O relato da trajetória de cada uma delas leva a percepção de que em determinados momentos conseguiram enfrentar e promover a superação do poder patriarcal. Vale ressaltar que não se pode afirmar que na política ou em questões sociais do município haja uma prevalência de mulheres ou que as questões de gênero foram superadas, no entanto, a participação das mulheres é expressiva e aponta para uma diferenciação com relação às localidades mais próximas e ao quadro geral do país. Ao falar sobre uma faceta importante sobre o já debatido empoderamento, Costa (2000) percebe uma discussão sobre poder e relações de gênero, chegando a destacar termos como “condição” e “posição” referindo-se ao papel feminino tanto nas esferas políticas e sociais quanto no seio familiar, etc. A autora aponta que a primeira expressão refere-se às condições materiais e a segunda a colocação política, econômica e social que as mulheres ocupam em sociedade. Dito isto, podemos dizer que a experiências das mulheres relatadas têm algumas características muito semelhantes como a postura de desafiar as adversidades da vida e sempre terem uma postura de liderança em situações desafiadoras. Sobre isso Costa (2000) assevera a necessidade de compreensão das relações de poder para a incorporação das mulheres e, mais importante, para a equidade de gênero. Marcadas culturalmente pelas ações discriminatórias da cultura patriarcal ocidental, foram muitos os momentos em que as mulheres se rebelaram, empoderando-se e decidindo o rumo de suas vidas. Ainda assim, se manifesta com uma força gigantesca a inequidade de gêneros, que está presente em todos os setores da sociedade por meio das mais variadas formas. Esse tipo de comportamento acaba por legitimar a criação de estereótipos e marcar certos grupos, no caso o feminino, por características englobantes e discriminatórias, geralmente baseadas por falsas suposições biológicas e/ou comportamentais. Sendo divulgados pela sociedade de várias formas, inclusive pela mídia, essas visões negativas acabam tornando esse grupo vítima de todo tipo de discriminação e violência. Durante muito tempo foi negado às mulheres o direito de estudarem, mesmo a simples alfabetização. Difundia-se a ideia de que a mulher havia nascido para o casamento e para o cuidado do lar e dos filhos, restando ao homem o provimento do lar, o trabalho intelectual, o envolvimento político, etc. Até recentemente, o número de

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mulheres na educação era muito inferior ao de homens, situação que vem se modificando com políticas públicas e o engajamento social feminino, demonstrando que o Brasil, apesar da qualidade da educação, está superando esse descompasso nos níveis de escolaridade de homens e mulheres. Ponto positivo que não se observa, por exemplo, no mercado de trabalho que, por mais que tenha recebido muitas mulheres ao longo dos anos, não conseguiu eliminar o hiato que há entre os salários, pois o homem ainda é mais bem remunerado que a mulher, mesmo que desempenhem o mesmo cargo (ALVES e CAVENAGHI, 2012). Dentro da sociedade contemporânea, os indivíduos economicamente ativos é que contam e estão presentes nas pesquisas, ainda que essa realidade venha se modificando. Quando se trata da categoria trabalho comparando homens e mulheres, não se debate muito sobre a ocupação do tempo feminino. Se as mulheres não estão assim tão presentes no mercado de trabalho formal, onde elas se encontram? Estão ocupadas com os afazeres domésticos e no chamado trabalho de reprodução, pois são irrefutáveis os números que apontam a maior presença de mulheres nos trabalhos domésticos. Assim, a dupla ou tripla jornada feminina é um dos elementos centrais da desigualdade de gênero entre atividades produtivas e reprodutivas. Essas estatísticas nos servem também como descortinadoras de uma realidade alarmante: a disseminação da cultura do machismo e da inferioridade das mulheres, que é a mais pujante característica da relação dos gêneros. Pode-se observar também, quando temos acesso à trajetória das mulheres analisadas, que todas buscaram aperfeiçoamento da escolaridade e não ficaram inertes quando as dificuldades surgiram e quando tinham que cumprir um papel que a sociedade lhes havia imposto como o da maternidade ou de ser dona de casa. Se nos dias atuais as mulheres ainda encontram barreiras com relação ao desempenho de algumas atividades ou do ingresso em cursos superiores, no período em que as observadas resolverem dar um rumo diferente em suas vidas as dificuldades eram infinitamente maiores. Não se pode afirmar, entretanto, que a educação por si só seja uma porta de entrada para o sucesso profissional e financeiro, no entanto, possui um significado diferente para o gênero feminino na medida em que representa a assunção de um lugar que lhes foi negado por muito tempo. Sobre os rumos desse sentimento de pertencimento e reconhecimento do papel feminino na sociedade, Costa (2005) salienta a importância do movimento feminista no

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Brasil que assumiu caráter diferenciado a partir das demandas sociais, se outrora surgiu como um movimento sufragista no século XIX foi desenvolvendo-se levando em consideração as necessidades femininas a partir não simplesmente da condição biológica, mas levando em consideração toda uma conformação social que não deixava espaço para o desenvolvimento das mulheres em pé de igualdade com os homens. A partir dos escritos de Scott (1989, p. 21) que define gênero em duas partes ligadas entre si, mas que deveriam ser analiticamente distintas, a autora aponta:

O gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder. (SCOTT, 1989 P. 21)

Desse modo, salienta ainda que as mudanças na organização das relações sociais sempre satisfazem a transformação nas relações de poder, mas essas transformações não adotam necessariamente um sentido único (SCOTT, 1989). Essa dimensão das relações de poder é corroborada por Costa (2000) quando a autora salienta que o mesmo está disseminado na sociedade nos mínimos detalhes, desde as relações interpessoais até a nível estatal, existindo pois tanto dominantes quanto dominados aceitam a situação e negam a existência de desigualdades, ressaltando evidentemente que essa aceitação nem sempre ocorre de forma pacífica e a coerção sempre está presente. No caso de Pintadas, vemos uma forte presença das mulheres na política, espaço em que o poder se manifesta com bastante força. Lugar tradicionalmente reservado aos homens, a política durante muito tempo não admitia a presença de mulheres, sequer dando a elas possibilidade de voto. No município em estudo, não sem muita luta, as mulheres têm uma participação que merece destaque, como a eleição de Neusa Cadore como prefeita e com mais força ainda em movimentos sociais e causas que faziam referência ao espaço da mulher, ao seu empoderamento. O relato das experiências nos mostra que para elas não era suficiente criar associações ou espaços de auxílio às questões sociais, mas viam a necessidade de estar inseridas nas tomadas de decisão, como vereadoras ou prefeitas, para que houvesse uma efetiva contribuição e desenvolvimento das propostas.

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GRÁFICO 1: Mandatos de prefeitos desde a emancipação até os dias atuais:

MANDATOS DE PREFEITO EM OITO ELEIÇÕES JÁ REALIZADAS EM

PINTADAS ENTRE 1985 E 2012 2 Mulheres MULHERES 7% HOMENS 93%

6 Homens

Das oito administrações apenas duas foram geridas por mulher. isso mostra o quanto ainda precisa ser feito para equiparar essa desigualdade histórica.

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GRÁFICO 2:

CARGOS OCUPADOS NA CÂMARA DE VEREADORES DE PINTADAS EM

OITO ELEIÇÕES ENTRE 1985 E 2012

5 Mulheres MULHERES 7% HOMENS 93%

67 Homens

Das 72 cadeiras na câmara de vereadores apenas 5 foram assumidas por mulheres nesses trinta anos. Esse tem sido um lugar ocupado pelos homens, poucas mulheres tem disputado o pleito para a ocupação desse lugar. Como estamos falando de um município do interior da Bahia, a força da tradição falava muito mais alto e a cultura patriarcal era pujante na época em que a maioria das entrevistadas iniciou suas atividades de militância. Algumas, inclusive, que desenvolviam uma política intitulada de esquerda, se depararam com os desmandos do período conhecido como Ditadura Militar enfrentando tanto a repressão às suas práticas quanto ao fato de ser mulher. Como assegura Costa (2005), o fato de as mulheres estarem relegadas ao espaço doméstico e das atribuições que essa colocação trazia, terminou por ser um importante bandeira de luta para o movimento feminista que pretendia inserir as mulheres na política, ao passo que trazia uma reflexão sobre o real significado desse status de mão e esposa, de questionamento sobre a forma como as “leis” do espaço privado são orientadas por fatores políticos que envolvem a sociedade como um todo, como divisão sexual do trabalho, leis sobre aborto, etc.

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Segundo Priore (2009), no final do século XIX, a sociedade brasileira passou por uma série de mudanças como a consolidação do capitalismo, uma vida urbana que oferecia modernas alternativas de convivência social e uma nova mentalidade burguesa. Surgia, assim, uma nova mulher que deveria ter um sólido ambiente familiar, filhos educados e ser uma esposa dedicada ao marido e companheira na vida social sempre tendo sua vida decidida pelos homens e procurando ser perfeita para a ascensão do cônjuge socialmente (PRIORE, 2009). Levando-se em consideração as mudanças no curso da história, essa situação modificou-se plenamente durante a Segunda Guerra Mundial, pois enquanto os homens foram para as trincheiras as mulheres ocuparam seus lugares nas fábricas, nos escritórios, nas universidades. Em nome do progresso técnico e econômico veio à decadência dos valores tradicionais que ainda não tinham alcançado a essência da família empobrecida, mas resistia na sua soberba. Foi então que em 1960, no Brasil, ganhou força o movimento feminista que chegara timidamente, com pautas como a luta pelo acesso das mulheres ao mercado de trabalho, às universidades, à política, igualdade salarial aos dos homens, etc. (PRIORE, 2009). Em 1968 outras bandeiras foram levantadas como o direito ao próprio corpo, o fim da violência doméstica e da violência sexual e o direito de frequentar todos os lugares públicos, pois um dos fundamentos do feminismo era a luta política. No contexto da Ditadura Militar, muitas brasileiras optaram por engajar-se em organizações de resistência ao regime, mesmo que fossem movimentos que pregavam a luta armada e que propunham uma revolução socialista. A identidade feminina e a militância nos anos de 1960 no Brasil estavam submetidas a uma diferenciação de gênero, as mulheres estavam submetidas a um processo de socialização desigual e hierárquico. As que militaram contra a ditadura brasileira alteraram sua atitude em relação a sua posição de gênero dentro do sistema sociocultural, reconstruíram seu papel como atores políticos, em oposição ao código de poder imposto naquele período (PINSKY. 2013). É importante ressaltar a relevância do feminismo para os estudos de gênero e da mulher, pois surgiram desse movimento, além do empoderamento e tomada de consciência de gênero, mulheres cujas histórias compõem as páginas desse texto. Além disso, sua presença constante em momentos decisivos para cidade e para a população passou a despertar em outras mulheres essa necessidade de lutar por melhores condições, inclusive no que se refere às questões de gênero.

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A participação em movimentos sociais, desse modo, também é uma característica comum a todas essas mulheres, que procuraram estar inseridas em algo que de fato trouxesse a modificação de uma realidade opressora, assim, muitas delas estão atreladas a grupos como da Igreja tentando auxiliar aos jovens, aos mais necessidades, mulheres, etc., sempre com um intuito filantrópico e demonstrando um desejo real de que a mudança ocorra independente do ganho individual, mas centrando em um bem coletivo e que não seja uma conquista passageira. Pensando na presença das mulheres na Rede Pintadas, pode-se afirmar que tensões sociais e contextos de dominação e desigualdade são solo fértil para o surgimento de mobilizações que têm como plano de fundo de suas reivindicações a igualdade de direitos por meio de embate político e do questionamento das realidades postas. Assim, ao levar em consideração os variados períodos históricos, cada sociedade, cultura e conformação política, podemos dizer que os movimentos sociais são muito importantes na dinâmica social da sociedade capitalista, por conta da necessidade da existência de manifestações e reivindicações. Desse modo, a organização em rede que se destaca pela forte presença das mulheres, apesar do caráter diferenciado que possui, é um grande movimento em prol de um município com mais oportunidades para os que ali vivem. Além da participação da Associação de Mulheres, ainda tem-se a presença feminina na cooperativa de crédito do Sicoob, no Centro Comunitário, na Associação Rural e outros espaços, ou seja, além de querer fazer parte, elas estão inevitavelmente presentes como mães, esposas e filhas que compõem os grupos e como membros possuem opinião ativa e merecem ser ouvidas e atendidas em igualdade aos homens, por exemplo. É importante ressaltar, nesse ínterim, a noção de luta por mudança de realidades opressoras, muito identificados em grupos classificados como minorias. Apesar de os estados aparentarem uma vontade de solucionar tais problemas com a criação de políticas sociais, mais paliativas que preventivas, ainda se faz necessária uma pressão popular para que cada vez mais avanços sociais positivos ocorram e, o mais importante, que abarque não apenas uma parcela da população, mas que todas sejam comtemplados.

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GRÁFICO 3 – Número de associados do STR de Pintadas.

O Gráfico 3 retrata esse desequilíbrio na ocupação dos espaços de poder e decisão na diretoria do STR dos 3.602 sócios sessenta e oito por cento são mulheres embora todos os cargos eletivos da diretoria com base na ata de fundação são homens. O STR tem mais de três décadas funcionando e nunca teve uma mulher na presidência. A realidade em Pintadas tem mostrado que apesar da participação das mulheres nos diversos espaços ainda há muitos passos a serem dados, pois ainda não avançamos no que se refere a espaços de poder e decisão. Muito embora as tentativas de calar as mulheres ao longo das transformações históricas ou ainda de não permitir nenhum tipo de participação, o que se percebe na peculiar história desse município é que ali se conta uma história diferente, onde o grupo feminino está inserido no processo de desenvolvimento local e, mais que isso, foi fundamental para que boa parte das mudanças positivas corressem. Não se pretende afirmar que em Pintadas não haja inequidade de gênero ou o machismo e seus desdobramentos tiveram fim, no entanto, é interessante refletir como ali muitas mulheres superaram essa noção imposta de superioridade e inferioridade na relação de

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gênero e além de agirem como militantes da causa feminista, ainda vivem o desenvolvimento local como seres pertencentes a um grupo e que tem por obrigação contribuir para seu melhoramento. Como aponta Costa (2005), as mulheres que compunham e/ou compõem os movimentos feministas tem como característica uma identificação coletiva, uma tomada de consciência da necessidade de ações conjuntas. Costa (2000) assevera, em outro texto que, “o processo de empoderamento da mulher traz à tona uma nova concepção de poder, assumindo formas democráticas, construindo novos mecanismos de responsabilidades coletivas, de tomada de decisões e responsabilidades compartidas” (p. 9). O sentimento de pertença ao espaço em que sempre viveram, o instinto de liderança e a vontade de ver o progresso é que levou essas mulheres a desenvolverem o trabalho com a comunidade. Mesmo Neusa Cadore, que veio de uma realidade totalmente diferente da vivida no semiárido baiano, sentiu-se impelida a realizar mudanças, independente da sua condição biológica ou dos cargos que viesse a ocupar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao refletir sobre visão das ações coletivas, as mulheres de Pintadas desenvolvem um pertencimento de si e do lugar. O sentir-se parte, ou seja, a concepção de pertencimento, emerge nas mulheres um princípio de identificação, uma “estética do nós” e faz a relação com o espaço tornar-se afetuoso, suscitando uma nova concepção às fronteiras desse território, demarcado por aquilo que é compartilhado, pelos moldes do simbólico e pelas linhas estabelecidas pelo cotidiano. As relações sociais nesse cotidiano pulsante são dinâmicas e as ações coletivas das mulheres são ressignificadas de acordo com a ordem social instituída internamente pela dinâmica de vida dos sujeitos, ou seja, a mulher se apropria de uma forma de organização que é ressignificada de acordo com sua práxis e necessidades. Nesse contexto, a organização coletiva nascida de decisão interna entre as mulheres envolvidas no grupo é baseada na solidariedade, na reciprocidade e na luta, uma organização instituída para efetivar territórios de resistência.

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As mulheres passam a estar mais presentes nas decisões, saindo da invisibilidade e passando a participar de programas de capacitação e de organização social, atuando na transformação da economia, na valorização do seu trabalho e no reconhecimento do seu papel de protagonista para o desenvolvimento social, econômico, ambiental e político da comunidade. Essas histórias das mulheres de Pintadas são cristalizadas capazes de mirar, reconhecer e projetar as suas vidas para um futuro, como cidadãs a serem respeitadas nas diferenças e na luta pela conquista da igualdade de gênero na sociedade como um todo. Estas características podem ser consideradas como viabilizadoras da promoção do desenvolvimento local, onde se compartilha com a comunidade a construção de projetos coletivos. Ao final, é a população que conhece bem o local onde vive, as necessidades e anseios de melhorar as condições de vida na sua localidade. Nesse sentido, uma das formas de promover o desenvolvimento local é por via de experiências de gestão participativa da sociedade. Isto não significa que o Estado ou a sociedade tenha que mostrar ou dizer qual o caminho, mas criar a interação que priorizem as possibilidades de construções com os participantes. A interação ocorre prevendo a participação dos membros da sociedade como mediadores do um processo de construção de projetos de desenvolvimento local. Seria através desses processos de construção que a sociedade apreenderia coletivamente, como salienta Paulo Freire (1987, 1989, 1992), cuja contribuição metodológica marca há décadas os processos de organização social populares, no sentido de que entre os saberes populares e os saberes socialmente constituídos haja um processo de interação, rupturas e avanços. Desse modo, uma pedagogia embutida nos movimentos sociais e no processo de construção coletiva de uma sociedade mais justa, ao passo que o aprendizado dos direitos vem das lutas, da inserção e através da humanização. Os movimentos sociais são educativos não só por conta da propagação de discursos e lições de conscientização, mas pelo fato de agregar e mobilizar em torno das lutas pela sobrevivência, pela terra ou pela inserção na cidade. Além disso, indicam à teoria e ao fazer pedagógicos a centralidade que tem as lutas pela humanização das condições de vida nos processos de formação, evidenciando o quanto são determinantes na formação dos seres humanos. Há quem levante a bandeira da não necessidade de um movimento feminista e que o mesmo já foi superado. Muito ao contrário, se pode afirmar que os feminismos, as

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diversas facetas desse movimento de contestação, estão, cada vez mais, presentes e são absolutamente necessários no momento atual. Se levarmos em consideração a dificuldade de comunicação e de interação entre os diversos “braços” do feminismo no período em que a maioria das entrevistadas começaram sua militância, o avanço tecnológico, os recursos de comunicação e a própria internet são fortes aliados para que a luta não se acabe e possa ser de conhecimento de mais e mais pessoas. Muitos afirmam que não se pode dizer mais que as mulheres estão sem espaço ou que lhes é negada uma participação efetiva na sociedade, no entanto, os números e estatísticas que servem para mascarar muitas realidades, também descortinam questões como a forte presença do machismo no mercado de trabalho, no ambiente doméstico e até pelo grande número de assédios variados dos quais as mulheres são vítimas pelo simples fato de andarem nas ruas. Ou seja, não há como ausentar essa discussão dos espaços políticos, sociais e culturais, pois é de onde saem as determinações da dinâmica de uma sociedade e é onde as mudanças devem ocorrer. A cultura do machismo está tão impregnada nos indivíduos que mesmo as mulheres têm atitudes machistas e uma postura de manter-se neutras frente aos debates sobre esse tema. Como dito ao longo do texto, o papel de mulheres como Ana Mendes, Neusa Cadore, Julita Trindade e Rejane Fernandes merecem destaque, por estarem indo de encontro a uma realidade opressora e desigual, sob diversos aspectos, e esfacelando cada vez mais a cultura patriarcal na qual está alicerçada as sociedades ocidentais e de onde herdamos e tiramos inspirações e para conduzir nossa práxis social. Tantas outras mulheres poderiam ocupar estas páginas, ali mesmo da região em estudo, no entanto, o que se pode verificar é que muitas delas foram pioneiras em deixar os lares para estudar, em terem participação ativa na política como candidatas ou ainda despontando-se com cargos que outrora eram destinados aos homens. A própria organização em rede favorece a inserção feminina, ao passo que abre espaços para diálogos dos mais diversos, permitindo que todos sejam ouvidos e que tenham suas demandas atendidas. O fato de haver espaço para várias discussões e sem que haja privilégio de uma em detrimento de outra, trouxe para o município uma questão bastante peculiar que é a discussão sobre uma série de problemas e não só os considerados mais relevantes, assim, problemas com jovens sem ocupação, violência doméstica e questões do cotidiano são tratados como questões políticas passíveis de serem resolvidas em comunhão.

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Outra questão fundamental e que merece destaque na forma como as mulheres da localidade se alçaram enquanto agentes de transformação de realidades é o fato de que seus maridos ou os socialmente responsáveis pela manutenção do lar, tiveram que se ausentar em momentos importantes por conta da migração em busca de melhores condições de sobrevivência, tanto para cidades maiores da região quanto para outros estados. A história das mulheres de Pintadas se confunde com a de tantas outras mulheres que, apartadas de seus maridos por diversas questões tiveram que acumular não somente as obrigações domésticas e de cuidado com os filhos, mas também enfrentar o mercado de trabalho e participar dos espaços políticos para alcançar mudanças. Outra impressão a ser ressaltada com a análise do trabalho é a forma como passa a ser a relação entre homens e mulheres em um espaço tão interessante, pois na medida em que as desigualdades entre homens e mulheres vão sendo combatidas e os direitos das mulheres são defendidos, vai-se engendrando uma ação coletiva, em grupo, onde todos estão unidos por um ideal. Por exemplo, a conscientização da necessidade de extinção da violência doméstica enquanto mecanismo que pretende sobrepor os homens às mulheres vai sendo inserida não só no consciente destas, mas de seus companheiros que compreendem a negatividade de suas ações, seja qual for a estratégia utilizada pelos movimentos e pela organização em rede. Com esse sentimento de pertencimento tanto à comunidade quanto aos movimentos feministas, as mulheres entrevistadas e tantas outras que foram identificados ao longo da pesquisa ainda estão em suas lutas diárias, realizando ações como as que descrevemos e que abarcam não só demandas feministas, mas a melhoria da comunidade como um todo. Além disso, desempenham um papel importante de permitirem às mulheres o empoderamento, questão primordial no que diz respeito a busca pelos direitos que se quer conquistar. Dessa forma, essas mulheres são capazes, além de tudo o que fazem, de empoderar outras e torná-las peças fundamentais da mudança. Em Pintadas, estando presentes tanto no ambiente doméstico quanto nas mais variadas esferas sociais, essas mulheres serão capazes de deixar um legado importante, tanto quanto o de tantas outras que lutaram por igualdade.

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