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Violent Behavior During Sleep Violência Durante O Sono

Violent Behavior During Sleep Violência Durante O Sono

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Violência durante o sono Violent behavior during

Dalva Poyares,1 Carlos Maurício Oliveira de Almeida,2 Rogerio Santos da Silva,3 Agostinho Rosa,4 Christian Guilleminault5

Resumo Casos de comportamento violento (CV) durante o sono são relatados na literatura. A incidência de comportamento violento durante o sono não é muito conhecida. Um estudo epidemiológico mostra que cerca de 2% da população geral apresentava comportamento violento dormindo e eram predominantemente homens. Neste artigo, os autores descrevem aspectos clínicos e médico-legais envolvidos na investigação do comportamento violento. O comportamento violento se refere a ferimentos auto- infligidos ou infligidos a um terceiro durante o sono. Ocorre, muito freqüentemente, seguindo um despertar parcial no contexto de um transtorno de despertar (parassonias). Os transtornos do sono predominantes diagnosticados são: transtorno de compor- tamento REM e sonambulismo. O comportamento violento poderia ser precipitado pelo estresse, uso de álcool e drogas, privação do sono ou febre.

Descritores: Violência; Transtorno do sono; Transtornos mentais; Sonambulismo; Confusão; Terror noturno; Polissonografia

Abstract Cases of violent behavior during sleep have been reported in the literature. However, the incidence of violent behavior during sleep is not known. One epidemiological study showed that approximately 2% of the general population, predominantly males, presented violent behavior while asleep. In the present study, the authors describe clinical and medico-legal aspects involved in violent behavior investigation. Violent behavior refers to self- or injury to another during sleep. It happens most frequently following partial awakening in the context of arousal disorders (). The most frequently diagnosed sleep disorders are REM behavior disorder and somnambulism. Violent behavior might be precipitated by , use of alcohol or drugs, or .

Keywordseywords: Violence, Sleep disorders; Mental disorders; Somnambulism; Confusion; Night terrors;

1 Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) 2 Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) - Especializando da Disciplina de Medicina e Biologia do Sono 3 Instituto do Sono - Associação Fundo Incentivo à Psicofarmacologia (AFIP) 4 Universidade Técnica de Lisboa 5 Universidade de Stanford, Califórnia, EUA

Correspondência Dalva Poyares Rua Napoleão de Barros, 925 - Vila Clementino 04024-002 São Paulo, SP Phone: (55 11) 5539-0155 Fax: (55 11) 5572-5092 E-mail: [email protected]

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Introdução do caso, tais como: realizar uma avaliação criteriosa do paci- Cabe a questão: serão os relatos abaixo verdadeiros casos ente; ser imparcial; permitir que seu parecer seja submetido de assassinatos ou constituem um problema de saúde? Nesse a processo de revisão; disponibilizar seu testemunho para os artigo serão descritos os aspectos que estão envolvidos em advogados de ambas as partes.3 casos de comportamentos violentos durante o sono. Tais com- portamentos referem-se à auto-injúria ou a terceiros durante A anamnese o período do sono. Eles ocorrem freqüentemente durante um A anamnese deve incluir: avaliação detalhada do evento e despertar incompleto ou parcial, no contexto de um distúrbio do grau de amnésia; história familiar de distúrbios do sono; do despertar. Violência não é um diagnóstico, mas um com- relato de registro médico anterior; hábitos sociais; uso de dro- portamento, que requer descrição minuciosa e rigorosa, além gas, medicação ou álcool; registro de dificuldades profissio- de quantificação precisa. nais por transtornos do sono; determinação da freqüência e A prevalência de violência durante o sono não é muito co- da natureza estereotipada da violência. A história deve incluir nhecida. Foi relatada em 2% da população, com predomínio entrevista com o(a) parceiro(a) ou membros da família. O even- em homens.1 to atual e os possíveis eventos anteriores devem ser investiga- Violência pode também ser definida como: 1) inata ou de dos, incluindo o período da noite, a freqüência e o grau de comportamento territorial ou predatório; 2) defensiva, reação amnésia associado. Além disso, a idade de início do transtor- à restrição ou à ameaça; 3) aprendida, em indivíduos que no e a associação temporal a eventos traumáticos podem tam- apresentam manifestações violentas ou agressivas durante a bém ser dados úteis no diagnóstico diferencial. Durante a vigília, conscientes; e 4) outras formas. Entretanto, atos de entrevista, o especialista deve observar a atitude e a reação do violência cometidos durante o sono costumam isentar o indi- indivíduo sobre o evento, quando completamente consciente. víduo de responsabilidade. É necessário, portanto, a determi- Se possível, deve-se avaliar, sobre o evento atual e anteriores, nação do grau e da natureza da consciência e do grau de a associação do comportamento anormal com fatos diurnos, percepção da realidade durante o ato violento. Para ser res- como estresse, privação de sono, ingestão de álcool e/ou dro- ponsabilizado legalmente, o indivíduo deve ter consciência de gas, febre ou ocorrência de outros eventos anormais.4-12 seus atos e controle sobre eles.2 "Consciência" ocorre em um contínuo. Um indivíduo pode estar inconsciente, parcialmen- Avaliação clínico-laboratorial te consciente, desperto ou totalmente desperto e consciente. Exame clínico completo e avaliação neurológica e psiquiá- trica deverão ser primariamente realizados em todos os casos Apresentação dos casos de violência durante o sono. Para esse fim, questionários pa- Caso Clínico 1 dronizados para transtornos do sono e para sonolência exces- RC, 26 anos, hispânico, recentemente casado e pai de siva diurna podem ser utilizados.13-14 Recomenda-se, ainda, um bebê de três meses. Foi preso quando jogou seu filho avaliação completa para transtornos do sono, avaliação pela janela do 3º andar de um prédio. Imediatamente após o laboratorial e outros testes para confirmar possível uso de dro- evento, ele correu para fora do apartamento murmurando gas e medicações. A polissonografia pode ajudar a registrar a sons, desceu as escadas e foi parar na rua. Os gritos de sua ocorrência de fenômeno anormal durante o sono. Entretanto, esposa, do 3º andar, atraíram a atenção dos vizinhos e dos em muitos casos, são necessários alguns dias de registro, passantes que agarraram RC e o imobilizaram ao solo. A pois o comportamento anormal pode não se manifestar de polícia chegou rapidamente e prendeu RC. O bebê teve ape- maneira diária. A polissonografia deve ser realizada com re- nas injúrias leves, pois caiu em um toldo e, em seguida, em gistro mínimo das seguintes variáveis: quatro canais de um jardim. A esposa foi impedida de ver o marido desde o eletroencefalograma (EEG) - C3/A2, C4/A1, O1/A2, O2/A1; dia da prisão. O defensor público contatou o centro de sono, eletromiograma (EMG) da região mentoniana/submentoniana; pois o "réu" não tinha memória do evento e afirmava que eletrooculograma (EOG); eletrocardiograma (ECG) - derivação acordou do sono quando foi imobilizado e espancado na rua. V1 modificada; parâmetros respiratórios (fluxo aéreo do nariz RC ficou tão perturbado pelos eventos que parou de comer e e da boca, esforço respiratório torácico e abdominal, oximetria entrou em depressão profunda. de pulso); EMG do músculo tibial anterior; e sensor de posi- ção corporal. Quando disponível, a actigrafia, que mede a Caso Clínico 2 atividade e repouso, inferindo o ciclo sono-vigília com preci- GP, 57 anos, caucasiano, foi encaminhado à clínica do são relativa,15-16 pode detectar a presença de comportamentos sono pelo clínico geral, acompanhado pela esposa. Na sema- anormais. Sugere-se a utilização do actígrafo por, pelo me- na anterior, sua esposa foi abruptamente acordada durante a nos, sete dias consecutivos. Por fim, dependendo do transtor- noite, sendo estrangulada e atacada por GP. Ela somente ou- no do sono, testes adicionais podem ser necessários, particu- viu os gritos de seu esposo dizendo: "Eu vou te matar, seu...", larmente o Teste das Latências Múltiplas do Sono,17 que mede enquanto chutava a cama. Ela conseguiu escapar. GP conti- a tendência ao sono durante o dia. Pode ser necessária a nuou exibindo o mesmo comportamento, parecendo não ou- repetição do registro do EEG noturno, em casa, para vir os apelos da esposa. Minutos após ele se virou e voltou a complementação diagnóstica. dormir. Quando ela o despertou, ele negou tudo. A esposa referiu ao médico do sono que não havia chamado a polícia, Avaliação dos testes pois achava que o marido estava doente. Ela concordou em No registro polissonográfico observa-se a eventual pre- dormir em outro dormitório e manter a porta trancada. sença de atividade epileptiforme no EEG, de distúrbio res- piratório do sono, de narcolepsia (alterações de sono REM A avaliação geral precoce), doenças neurológicas, de distúrbio Sugere-se que alguns aspectos legais devam ser cumpridos comportamental do sono REM e de parassonias do sono por parte do especialista requerido para avaliar um determina- não-REM (NREM).

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Transtornos do sono associados a "automatismos" Episódios de sonambulismo podem ser facilitados por outras 1. Transtornos do despertar causas de fragmentação ou superficialização do sono, tais Os transtornos do despertar, que são incluídos nas como: distúrbios respiratórios do sono; movimentos periódi- parassonias do sono NREM, parecem estar mais comumente cos dos membros; refluxo gastroesofágico; entre outras. Além associados a comportamentos violentos. disso, podem ocorrer mais frequentemente associados a 1) Despertar confusional ou "embriaguês do sono": estresse durante o dia; ansiedade, febre e transtorno de estresse ocorre comumente durante o sono de ondas lentas (estágios 3 pós-traumático.12,21-27 Guilleminault et al28 encontraram maior e 4 do sono NREM), podendo, mais raramente, ocorrer duran- incidência de comportamentos violentos durante o sono em te o estágio 2. É caracterizado por confusão mental durante e pacientes com sonambulismo, enquanto que Mahowald, após o despertar, lentidão de pensamento e desorientação Schenck29 relataram principalmente em pacientes com dis- têmporo-espacial. O paciente pode apresentar movimentação túrbio comportamental do sono REM. lentificada e responsividade incompleta a estímulos externos.5,18 3) Distúrbio comportamental do sono REM: é carac- Falas incompreensíveis e gemidos podem ocorrer, além de com- terizado pelo desaparecimento da atonia da musculatura portamentos automáticos, como tocar as roupas, beliscar ou esquelética, fisiológica durante essa fase do sono, e pela as- puxar a pele, "atirar-se" da cama, e dar chutes violentos, por sociação entre sonho e sono REM. Existe, portanto, um exemplo. O despertar confusional pode estar associado a outras desequilíbrio entre a atividade mental do sonho e a ausência parassonias. Amnésia retrógrada para o evento pode ocorrer, da inibição motora relacionada ao conteúdo onírico, fazendo sendo mais comum em pessoas que dormem mais profunda- com que o indivíduo "realize" o sonho. Além disso, esses pa- mente. Durante a crise, o EEG mostra ritmo alfa lento ou ativi- cientes costumam relatar sonhos intensos e vívidos, frequen- dade teta mais rápida (7 a 9 Hz), e ocorre pouca reatividade à temente com conteúdo agressivo, podendo estar associados luz. Podem ser observados os seguintes fatores associados: dis- com movimentos semi-intencionais, relativamente coordena- túrbios respiratórios do sono; movimentos periódicos de mem- dos, incluindo atividades como correr, por exemplo. A atividade bros; refluxo gastroesofágico; presença de estresse durante o motora pode atingir a(o) companheira(o) e resultar em equimoses, dia; e ansiedade. Pode ser precipitado por febre ou após ingestão laceração, fraturas e traumatismos diretos. Na anamnese, ob- de álcool ou hipnóticos.19 serva-se história de sono agitado, que pode ocorrer todos os dias, 2) Sonambulismo: é caracterizado por episódios recorren- freqüentemente no final da noite, quando predomina o sono tes de comportamentos anormais complexos durante um des- REM. Algumas condições neurológicas podem estar associadas, pertar parcial do sono de ondas lentas. O paciente pode sair da como degeneração olivo-ponto-cerebelar, doença de Parkinson, cama e mover-se em um estado de confusão e desorientação, atrofia multissistêmica, paralisia supranuclear progressiva e causando, muitas vezes, auto-injúrias. O episódio pode ser pre- narcolepsia. Pode ser precipitado pelo uso de inibidores da cedido por um grito ou por um episódio de terror noturno, com recaptação da noradrenalina, o que é corrigido com a retirada hiperatividade autonômica importante, como aumento da fre- do medicamento, uma vez que esse neurotransmissor está en- qüência cardíaca e respiratória. Nesse caso, os movimentos volvido na regulação do tônus muscular durante o sono REM. É podem ser muito mais bruscos. Eventualmente, o paciente pode mais freqüente em homens e idosos, sendo sua prevalência es- correr e bater nas paredes ou nas janelas, ou, até mesmo, sair timada em 0,5% da população. O diagnóstico é bem demonstra- da casa. A responsividade está reduzida, apesar de poder falar do com a polissonografia associada ao vídeo-monitoramento do ou gritar. Raramente ocorrem comportamentos mais elabora- comportamento anormal. A fase do sono REM é observada com dos, como dirigir. Não raro, pode haver reação de fuga ou de aumento excessivo da atividade muscular, podendo estar associ- defesa a uma ameaça. Tentar restringir o paciente geralmente ada a freqüentes e breves abalos musculares dos membros ou leva a comportamento violento de reação e ataque, usando as de todo o corpo, além de movimentos complexos ou violentos. mãos ou qualquer objeto disponível. Embora haja amnésia para 4) Síndrome "Overlap": caracteriza-se pela associação en- o ataque, o paciente pode lembrar de um perigo iminente ou tre parassonia do sono NREM (despertar confusional, sonambu- de ameaças contra ele, sua família ou sua propriedade. lismo ou terror noturno) e distúrbio comportamental do sono 20 Moldofsky et al investigaram as diferenças entre sonâm- REM. O comportamento anormal pode ocorrer no sono de ondas bulos que apresentavam ou não comportamentos violentos lentas e no sono REM na mesma noite ou em noites alternadas. durante o sono e observaram que as seguintes características 5) Crises parciais complexas noturnas: podem ter são mais freqüentes em pacientes com comportamentos vio- origem no lobo frontal e mais raramente meso-temporal. Po- lentos: sexo masculino; problemas familiares de origem; his- dem estar associadas à herança autossômica dominante. Du- tória de abuso sexual; escala de Hamilton > 24; história fa- rante as crises do lobo frontal podem ocorrer comportamen- miliar de caminhar à noite ou terror noturno; presença de tos motores complexos. "" noturno episódico foi desorganização da agenda do sono, com ciclos vigília-sono mais caóticos; história de abuso de substâncias. Ser homem, ter hábitos de sono e vigília desorganizados e ter história de abuso de substâncias tiveram sensibilidade de 18% e especificidade de 100% em predizer comportamentos violen- tos nos sonâmbulos estudados. Além disso, esses pacientes apresentaram redução do estágio 4 do sono NREM, redução dos períodos de atividade alfa e história de episódios recorren- tes de sonambulismo ou terror noturno. As alterações mais freqüentes no EEG durante o registro polissonográfico são: menor atividade delta (ondas lentas); maior índice de frag- mentação do sono; taquicardia ou taquipnéia. Além disso, Figura 1 - Exemplo de estágio 4 do sono NREM (ondas delta): pre- também é observada fraca reatividade à luz e ausência de sença de movimentos com persistência de atividade delta, embora atividade epileptiforme durante a vigília ou sono (Figura 1). comportamentalmente "desperto".28

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considerado uma manifestação de crise desde sua descrição família estiveram no epicentro de um terremoto. Seu aparta- inicial, mais freqüente em homens,30 apesar da ausência de mento foi demolido e a família dormiu em uma tenda por ictus durante o comportamento anormal. Atividade duas semanas; a continuação dos tremores foi assustadora e epileptiforme interictal pode ser vista no EEG. O comporta- RC teve um aumento na freqüência de sua parassonia, apre- mento complexo pode ser observado a qualquer hora da noi- sentando vários despertares confusionais por noite, além de te, mas é levemente mais freqüente durante a primeira me- estar privado de sono. Após se mudar para o outro aparta- tade e no estágio 2 do sono NREM. Além disso, o comporta- mento, a esposa de RC notou seu esposo mais ansioso e mento pode ser muito estereotipado. Geralmente, a amnésia notou que os eventos de sonambulismo se tornaram diários. para o evento é completa. Confusão e desorientação ocor- Quando descreveram o ocorrido a RC, ele teve uma vaga rem com freqüência.31-34 memória de que seu filho estivesse em perigo e necessitava 6) Agressão sexual durante o sono tem sido proposta ser socorrido. A avaliação clínica por EEG e CT de crânio como uma forma especial de violência durante o sono. Os não acrescentou evidências. A avaliação psiquiátrica indi- pacientes sentem-se envergonhados e relutam em admitir cou presença de uma ansiedade moderada. A polissonografia tal comportamento. Além disso, o(a) companheiro(a) tam- demonstrou latência para o sono prolongada e fragmentação bém pode ser relutante em discutir o problema, que perma- do sono não explicada por outro transtorno do sono. Houve necerá sem diagnóstico se não for investigado de maneira um período do sono de ondas lentas que foi abruptamente adequada. Essa parassonia pode ter implicações médico-le- interrompido. Essa interrupção foi acompanhada de com- gais:3 num estudo de Guilleminault et al, 11 casos foram portamento motor, como sair da cama, associado à confusão documentados (4 mulheres e 8 homens). Os comportamen- e a murmúrios. O paciente não respondeu ao chamado do tos sexuais agressivos incluíram: tirar a roupa; molestar o técnico ao interfone, mas voltou para a cama quando o téc- parceiro; tentar tirar a roupa do(a) parceiro(a); tentar o coito nico entrou no quarto e o encaminhou de volta ao leito. O forçado. O comportamento apresentou-se de forma variada, paciente imediatamente entrou em estágio 2 do sono NREM. desde imposição e violência, dependendo do indivíduo e da Ele foi acordado 10 minutos após para avaliar sua memória situação particular, podendo levar a equimoses e outras evi- do episódio. O paciente apresentou amnésia completa para dências de agressão. A tentativa pode ser interrompida de o evento quando completamente desperto. A justiça aceitou forma abrupta, sem coito, ou pode levar à penetração força- o evento como um caso de sonambulismo e que o tratamen- da, com ou sem ejaculação do homem. Já nas mulheres, to médico seria necessário. As queixas foram retiradas. Mas observou-se sinais de auto-estimulação. Amnésia para o even- RC esteve preso por três meses antes desse parecer. to também pode ser observada e, se despertado no momen- to, o paciente pode se recusar a concluir tal tipo de prática. Caso clínico 2: Esse paciente apresentava, nos últi- Os diagnósticos documentados foram: sonambulismo, dis- mos cinco anos, história de comportamentos anormais du- túrbio comportamental do sono REM e crises do lobo frontal. rante o sono. Sua esposa relatava que, tipicamente na se- gunda metade da noite, ele emitia vocalizações ou garga- Medidas terapêuticas lhadas e por vezes sentenças completas. Em outras ocasi- Primariamente, medidas de segurança são indicadas5,11,35 ões, o paciente se movia na cama de maneira irregular visando a proteção do paciente e companheiro(a). Para tal, durante a noite, com movimentos de membros superiores pode-se recomendar a separação de camas ou de quarto; ou inferiores que causaram alguns hematomas em sua es- dormir no andar térreo, em quarto amplo; proteger as jane- posa. O paciente lembrava estar sonhando com jogos de las ou fechá-las; retirar espelhos e mobília do quarto; retirar golfe (ele era um jogador freqüente de golfe), durante o objetos pérfuro-cortantes ou contundentes. Em casos mais qual ele poderia fazer uma grande jogada, e falava entusi- acentuados, colocar o paciente para dormir em um saco asticamente com os amigos sobre o jogo. Em noites em com zíper. Deve-se tratar os fatores de piora, tais como estresse que ingeria bebidas alcoólicas, o comportamento se exa- cotidiano, ansiedade e hábitos de sono inadequados, preve- cerbava. Apesar dos hematomas e do sono agitado, nenhum nindo a privação do sono. Podem ser indicados ansiolíticos, dos dois mencionou o problema ao médico. Sua avaliação psicoterapia, relaxamento e medidas para melhorar a higie- clínica mostrou uma obesidade leve (IMC de 26,6 kg/m2), ne do sono. Além disso, tratar as condições clínicas associ- hipertensão arterial e dislipidemia, roncos freqüentes, sem adas, como: ciclo vigília-sono irregular, depressão, distúrbi- relato de apnéia do sono. O paciente negava presença de os respiratórios do sono, narcolepsia, movimentos periódi- qualquer outro sintoma de transtornos do sono. O EEG foi cos de membros e doenças neurológicas.36-42 O tratamento normal. A polissonografia mostrou distúrbio comportamental medicamentoso sintomático pode ser necessário. Nesse caso, do sono REM, com aumento característico de amplitude na recomenda-se o uso do em doses baixas, que atividade muscular durante essa fase do sono. A fita de podem ser aumentadas a partir da resposta terapêutica. Mais vídeo mostrou movimentos amplos dos membros superio- raramente, outros benzodiazepínicos podem ser indicados. res. Uma vez desperto, o paciente relatou estar empurran- Nos casos de crises comprovadas, são utilizados do sua neta num balanço. Na época da agressão contra a antiepiléticos. esposa, houve um roubo no seu bairro e o paciente esteve muito preocupado com sua casa e sua família. Ele teve Discussão vários sonhos em que enfrentava os ladrões. Esse sonho Caso clínico 1: RC teve sonambulismo desde os 6 anos. recorreu na noite da agressão; o paciente estava lutando. As crises se tornavam mais freqüentes em épocas de estresse, O longo intervalo entre a primeira ocorrência dos sintomas melhorando em épocas mais calmas. Seus episódios eram relatados e o seu eventual relato não é raro, pois comporta- tipicamente limitados, compreendendo comportamentos cal- mentos não violentos anormais durante o sono não são re- mos e simples, voltando para a cama ao comando da espo- latados. Além disso, a violência pode ser negada pelo paci- sa. Durante o período que precedeu o evento, RC e sua ente que tem amnésia para os eventos.

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