Foto: Luana Soutos civilização ocidental em xequeasupostasuperioridade da voltar paraaflorestaamazônica, pondo Três Awá derecentecontatodecidem disputa pelosempreendimentosnãocessa” Brasil quemesmonarecessãoeconômicaa “A energiahidrelétricaétãolucrativano ENTREVISTA DorivalGonçalvesJunior: impactos, afirmapesquisador. sofreráosmaisintensosenocivos diretos. Seelesforemimplementados,povo Rio Juruena,jádeterminaseverosimpactos hidrelétricos nabaciadoTapajós, queincluio são trágicos.Oelevadonúmerodeprojetos Os cenários,tantopresentecomofuturo, Juruena eRikbaktsa afligem Hidrelétricas Páginas 9,10e11 Página 6

Página 8 Em defesa dacausaindígena Brasília-DF •Setembro 2016 Ano XXXVII •N XXXVII Ano 0 388 2

Setembro 2016 Proposta orçamentária da Porantinadas Cimi na ONU Funai é a menor em 10 anos O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) obteve, no início de agosto, status Editorial Cleber César Buzatto, Secretário Executivo mínimas necessárias para dar seguimento às suas tarefas consultivo especial no Conselho Econô- institucionais. mico e Social (Ecosoc) da ONU. Após proposta orçamentária para o ano de 2017, enviada A criação de Grupos de Trabalho (GT) para estudos de dois anos de análise de documentos e pelo governo Temer ao Congresso Nacional há alguns identificação e delimitação de terras indígenas, a indenização relatórios, o Conselho aprovou a conces- dias, estabelece um teto de R$ 110 milhões para a ocupantes de boa-fé de terras demarcadas, a proteção das são do status, afirmando que reconhece A * a competência técnica e especializada despesas discricionárias para a Fundação Nacional do Índio terras indígenas contra invasores, a presença de servidores (Funai). Trata-se do menor valor orçado para esta Fundação junto a comunidades indígenas atacadas por milícias arma- e a experiência prática da entidade na nos últimos 10 anos. das ou abandonadas à própria sorte em beiras de rodovias temática indígena. Desse modo, o Cimi Em 2007, o valor aprovado foi de R$ 120,4 milhões. e os investimento nas terras demarcadas são algumas das poderá ser requerido pelo Conselho da Considerando a inflação acumulada do período, 60,88%, a ações inviabilizadas com o estrangulamento orçamentário ONU, por suas comissões ou por um de previsão de perda orçamentária da Funai para o ano 2017, do órgão indigenista. seus Estados membro para contribuir relativamente a 2007, beira os 70%. Essa queda fica ainda A perspectiva de aprovação da Proposta de Emenda sobre assuntos e situações relacionadas mais expressiva na comparação com o orçamento aprovado Constitucional (PEC) 241/2016, enviada pelo governo aos povos indígenas no Brasil. Infelizmente, para o ano 2013, que foi de R$ 194 milhões. Temer ao Congresso Nacional, agrava ainda mais a situa- violação, violência e omissão em relação O orçamento 2017 está sendo analisado pelo Congresso ção. A referida PEC propõe o congelamento do orçamento aos direitos destes povos, também pelo Nacional, que poderá reduzir ainda mais os recursos des- de todos os poderes da União e dos órgãos federais por Estado, são crescentes por aqui. Ou seja, tinados ao órgão indigenista. A título comparativo, para o um período de 20 anos. Na prática, nas condições que o Cimi tem uma missão hercúlea à frente. ano 2016, o orçamento da Funai sofreu um corte de R$ 38 estão postas, com a aprovação desta PEC, o orçamento milhões ao tramitar no Congresso. Na ocasião, a proposta da Funai ficará estagnado num patamar extremamente Violentos e armados inicial, que era de R$ 150 milhões, foi dilapidada e aprovada baixo pelas próximas duas décadas, o que acarretará na Onze armas (dois revólveres e um com R$ 112 milhões, uma redução de 37,67% relativamente sua inexorável asfixia. rifle calibres 38, uma pistola .380 e sete ao orçamento de 2015. O valor em questão, por óbvio, é Como sabemos, o resultado de tudo isso é o agravamento espingardas), além de 310 cartuchos e insuficiente, e colocará o órgão indigenista em insolvência da situação de demandas represadas, de conflitos e de vio- dois carregadores de pistola. Este foi o financeira caso não ocorra uma suplementação nos próxi- lências contra os povos indígenas no Brasil. resultado de uma apreensão realizada pela mos períodos. A responsabilidade do governo brasileiro e do Congresso Polícia Federal no dia 22 de agosto nas Nesse contexto, desde 2015, a Comissão Parlamentar de Nacional, nesse contexto, é direta e intransferível. Aos povos propriedades dos cinco fazendeiros que Inquérito (CPI) da Funai e do Instituto Nacional de Coloniza- indígenas cabe a tarefa necessária e urgente de incidir poli- haviam sido presos preventivamente quatro ção e Reforma Agrária (Incra) tem sido usada pela bancada ticamente a fim de reverter o quadro tenebroso almejado dias antes por envolvimento no ataque ao ruralista como instrumento para “justificar” as investidas pelo golpismo ruralista contra suas futuras gerações. Aos povo Guarani e Kaiowá da comunidade que vêm dilapidando o orçamento indigenista. aliados, mesmo sendo perseguidos e criminalizados pelos Tey Kuê, em Caarapó (MS). Também foram Como fica evidente, colocar a Funai em estado vegetativo mesmos inimigos, cabe a missão de manterem-se firmes e apreendidos carregadores sem a respec- e matá-la por estrangulamento orçamentário é parte da altivos no apoio à luta dos povos em defesa de seus projetos tiva arma e armamentos registrados em estratégia governo-ruralista no ataque aos direitos indígenas de vida plena. nome dos fazendeiros presos não foram em curso no país. Apesar de tudo, a luta e a esperança continuam. Quanto localizados. Os ataques paramilitares, que Os ruralistas sabem que, com um orçamento extrema- mais luta, maior a esperança. contam com milícia privada, têm sido mente reduzido, mesmo continuando a existir oficialmente, constantes na região. o órgão indigenista do Estado brasileiro perde as condições * Não considera despesas obrigatórias com pessoal e benefícios Pode ficar pior

Ladeira abaixo Para o Ministério Público, respon- sável pela força-tarefa, o resultado da apreensão reforça as investigações em curso: “a perícia realizada no local do ataque à comunidade encontrou pro- jéteis deflagrados em calibres similares às munições apreendidas”. Em 10 meses de investigações, doze pessoas já foram denunciadas por formação de milícia privada contra os indígenas em outro caso. Da união da Bancada do Boi com a Bancada da Bala, no Congresso Nacional, surgem diversas propostas que pretendem permitir o acesso às armas praticamente sem qualquer controle. Se o genocídio dos povos indígenas já é uma realidade hoje, como será amanhã?

Publicação do Conselho Indigenista EDIÇÃO ASSESSORIA de COMUNICAÇÃO Faça sua assinatura: APOIADORES Missionário (Cimi), organismo Patrícia Bonilha – RP: 28339/SP Patrícia Bonilha, Renato Santana, [email protected] vinculado à Conferência Nacional dos [email protected] Ruy Sposati e Tiago Miotto Setor de Diversões Sul (SDS) Bispos do Brasil (CNBB). ADMINISTRAÇÃO: CONSELHO de REDAÇÃO Marline Dassoler Buzatto Ed. Venâncio III, Salas 309 a 314 ISSN 0102-0625 www.cimi.org.br Dom Roque Paloschi Antônio C. Queiroz, Benedito CEP: 70.393-902 – Brasília-DF Presidente SELEÇÃO de FOTOS: u 55 61 2106-1650 Na língua da nação indígena Prezia, Egon D. Heck, Nello Aida Cruz Sateré-Mawé, PORANTIM Emília Altini Ruffaldi, Paulo Guimarães, significa remo, arma, Vice-Presidente Paulo Suess, Marcy Picanço, EDITORAÇÃO ELETRÔNICA: Saulo Feitosa, Roberto Liebgot, Licurgo S. Botelho 61 99962-3924 memória. Cleber César Buzatto Elizabeth Amarante Rondon e IMPRESSÃO: É permitida a reprodução das matérias e artigos, desde que citada a Secretário Executivo Lúcia Helena Rangel Gráfica e Editora Qualyta 61 3012-9700 fonte. As matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores. 3

Setembro 2016 Teia dos Povos realiza II Marcha, na , em apoio aos Tupinambá Trabalhadores e trabalhadoras sem terra, quilombolas, estudantes, militantes de diversos movimentos e pastorais sociais e antropólogos participaram de série de eventos em defesa da demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença Terra é Vida Renato Santana, Assessoria de Comunicação Trechos de Agroecologia que acontecem desde 2012, no sul da Bahia. Nesse con-

acique Ramón Tupinambá cresceu Haroldo Heleno texto o que está em jogo é a defesa das na aldeia Tucum, na região litorâ- terras sagradas Tupinambá, bem como Cnea da Terra Indígena Tupinambá de outros povos originários e o enfrenta- de Olivença. “As mineradoras destroem mento à criminalização e militarização”, nosso território para a construção civil”, asseguram os organizadores da II Marcha. revela ele atrás de seus óculos com lentes A I Marcha de Solidariedade ocorreu “fundo de garrafa”. Ramón é uma jovem em março de 2014. O entendimento, liderança do seu povo e conhece bem o expresso em diversas oportunidades pelos território tradicional tão cobiçado pela Tupinambá, é que não se trata apenas iniciativa privada. da demarcação da terra indígena, mas O cacique lembra de Caboclo Mar- de todo um contexto de classe no sul celino Tupinambá: “Essas pedras, areia e da Bahia, e também no país, que nega minérios retirados da nossa terra estão direitos territoriais a trabalhadores sem servindo pra construir algumas pontes”, terra, quilombolas, demais camponeses diz. Ilhéus e os municípios incidentes e comunidades tradicionais. na terra indígena são divididos por rios, o que sempre obrigou a construção de Contra a criminalização travessias. “Marcelino foi preso e morto Na Praça central de São José, Tupinambá, Pataxó e Pataxó Hã-hã-hãe realizaram o e o racismo justamente porque era contra a cons- ritual que deu início à marcha, marcada pelos cantos e gritos de protestos Todavia, o preço pago por essa união trução dessas pontes, na década de legítima é a criminalização dos envolvidos 1940, usadas para nos retirar da terra”, diz Ramón. O fato é que a reintegração ocorreu. Ao se dirigi- pelo Estado. Um helicóptero da PM dava rasantes na Marcelino desapareceu numa prisão do Rio de rem ao local para averiguar a informação e a situação Serra do Padeiro no fim da caminhada. Os organizado- Janeiro. O Estado nunca reparou os Tupinambá por dos parentes Tupinambá, Babau e Teity foram perse- res da Teia dizem que isso começou com “o dispositivo isso, tampouco pelos fatos mais recentes de violências guidos pela PM, que por decisão judicial escoltava os Garantia da Lei e da Ordem, acionado pelo governa- envolvendo a Polícia Federal. Na XVI Caminhada dos caminhões de areia da mineradora na aldeia Gravatá. dor Jacques Wagner e assinado pela presidenta Dilma Mártires Tupinambá, ocorrida em Olivença, a memória Eles foram encaminhados à Penitenciária de Ilhéus e, Rousseff, reforçando ainda mais a ocupação militar na de Marcelino foi reavivada. Os Tupinambá caminham até posteriormente, à prisão domiciliar na aldeia Serra do terra Tupinambá”. a praia do Cururupe, onde em 1559 ocorreu a Batalha Padeiro. São acusados de porte de armas, desacato, Para quem já enfrentou uma ocupação do Exército dos Nadadores, um verdadeiro massacre comandado agressão e descumprimento de decisão judicial. Nada e afugentou batalhões da Polícia Federal sem violência, por Mem de Sá, administrador colonial português. comprovado, porém. caso dos Tupinambá da Serra do Padeiro, voos rasantes Passados mais de cinco séculos, utilizando outras Mas os Tupinambá não estão sozinhos. Além do de helicóptero parecem uma bobagem; não é. “Vamos armas e estratégias, o Estado segue os objetivos de Mem movimento indígena e demais apoiadores, caso do seguir enfrentando, mas a gente também vai continuar de Sá: uma portaria declaratória de demarcação sem Conselho Indigenista Missionário (Cimi), contam com denunciando que isso é o Estado fazendo barbaridades quaisquer impedimentos para publicação segue na gaveta a Teia dos Povos. Trabalhadores e trabalhadoras sem numa terra indígena reconhecida. Sabemos o que nossa do Ministério da Justiça. Há tempo suficiente também terra, quilombolas, estudantes, militantes de diversos luta representa”, pontua cacique Ramón. para os herdeiros dos inimigos de Marcelino agirem. movimentos e pastorais sociais da Igreja Católica e Outras atividades compuseram a II Marcha, numa Em 2013, a Associação de Pequenos Agricultores de antropólogos compõem o ativo movimento em soli- intensa troca de experiências entre os participantes. “À Ilhéus, Una e Buerarema (Aspaiub), empresários destes dariedade aos Tupinambá. noite, em volta da fogueira sagrada da Serra, houve um municípios e alguns moradores entraram no Superior Marcha, caminhada, ‘Diálogos dos Povos’, relatos de lutas, sonhos, desafios, Tribunal de Justiça (STJ) com um mandado de segurança expectativas. O cacique Babau deu as boas vindas para preventivo contra a publicação da portaria. Em abril roda e terreiro todos e todas e iniciou o encontro com uma rica e pro- deste ano, um escritório com mais de 200 advogados Em setembro, cerca de 200 pessoas participaram funda reflexão (…) iluminada pelas chamas da fogueira entrou na ação e conseguiu uma liminar no STJ impe- da II Marcha de Solidariedade da Teia dos Povos com o sagrada”, ressaltou a nota da Teia dos Povos. dindo a publicação. Povo Tupinambá. A partir do município de São José da A reunião das “Mulheres da Teia” ocorreu no dia 24, A situação se inverteu em setembro. Por dez votos Vitória até a aldeia Serra do Padeiro, em Buerarema, já com os seguintes objetivos: “Levantar as ações auto-or- a zero, os ministros da 1ª Seção do STJ derrubaram em território indígena, os 15 km foram percorridos pelo povo ganizadas pelas mulheres de cada comunidade da Teia Brasília (DF) o mandado de segurança preventivo que e por seus apoiadores em um ato espiritual e político. dos Povos, criar uma comissão das Mulheres da Teia e impedia o Ministério da Justiça de publicar o relatório Faixas e danças compuseram a sinfonia de povos construir a agenda coletiva das mulheres da Teia dos circunstanciado de demarcação da Terra Indígena Tupi- em luta por seus direitos, a partir do direito de um: os Povos”. Em paralelo foi realizado um “Terreiro Lúdico” nambá de Olivença. No julgamento do mérito, nova Tupinambá. “Em defesa do povo Tupinambá!” e “Pela com as crianças. Os jovens se reuniram para discutir vitória. Na II Marcha de Solidariedade da Teia dos Povos libertação de cacique Babau e Teity!”, defendiam os articulações entre os povos. com o Povo Tupinambá, a comemoração foi intensa manifestantes, entre outras demandas. A II Marcha da Teia seguiu no dia 25 em direção entre os dias 23 e 25 de setembro. Um outro ponto alto da marcha foi a defesa da a Olivença, onde se somaram à XVI Caminhada dos Mas a história ensinou aos Tupinambá que eles não autodemarcação Tupinambá. “Se o governo não publi- Mártires Tupinambá, “momento em que os Tupinambá podem confiar nos karaybas. No último mês de abril, por car a portaria, vamos autodemarcar. Isso significa que relembram as diversas batalhas na defesa e garantia de exemplo, o cacique Babau Tupinambá e seu irmão Teity vamos colocar os marcos nos limites da terra que está seu território ao longo destes 516 anos de resistência, em caíram em uma armadilha e foram presos pela Polícia no papel do governo e retirar os invasores de dentro”, especial a “Batalha dos Nadadores” e a luta do Caboclo Militar. Um dia antes, ambos haviam participado de explica o cacique Gildo Tupinambá. E essa luta é com- Marcelino em defesa de sua terra”. Um outro grupo da uma reunião com representantes do governo da Bahia posta também pelas mulheres e jovens indígenas, que II Marcha se dirigiu para o município de Itacaré, onde e celebrado um acordo para que a uma reintegração durante as atividades da II Marcha da Teia dos Povos participaram do XV Caruru de Ibeiji e as Pedagogin- de posse não fosse executada contra a aldeia Gravatá, se reuniram. gas. “Uma celebração cultural dedicada à infância e à explorada à exaustão por uma mineradora que retira “A Marcha é uma consequência natural de solidarie- construção de uma cultura antirracista”, definem os toneladas diárias de areia da área. dade entre os povos, pactuada a partir das Jornadas e organizadores. u 4

Setembro 2016 Bem Viver: um rompimento essencial

Egon Heck, do Secretariado Nacional

“O Bem Viver é eminentemente subversivo. Glass Verena Propõe saídas descolonizadoras em todos os âmbitos da vida Humana. O Bem Viver não é um simples conceito. É uma vivência”. Alberto Acosta

economista equatoriano Alberto Acosta consi- dera o Bem Viver como um ponto de partida, O um caminho, um horizonte para desconstruir a matriz colonial hegemônica, eurocêntrica e patriar-

O Passado Presente cal, a subjetividade moderna que ignora a diversidade cultural, ecológica e política dos diversos povos. Seu livro O Bem Viver – um novo horizonte, publicado pela Fundação Rosa Luxemburgo em 2015, inspira-se na resistência dos povos originários para propor alternativas anticapitalistas à ideologia do desenvolvimento. Nele, Acosta sistematiza a longa e histórica caminhada que vem sendo realizada por estes povos, especialmente nos países andinos. O termo Buen Vivir remete a idiomas originá- rios: Sumak Kawsay (em Quéchua), Suma Gamaña (em Aimará), além de aparecer também como Nhande- reko e Teko Porã (em Guarani), Ubuntu (nas línguas bantu do grupo Ngúni), faladas pelos povos da África Subsaariana, e Svadeshi, na Índia. Acosta acrescenta que “existem noções similares ainda entre os Mapuche no Chile, os Kuna no Panamá, os Shuar e os Achuar da Amazônia equatoriana, assim como nas tradições A partir dos povos originários longa busca de alternativas forjadas no calor das lutas Maia, da Guatemala, e de Chiapas, no México”. Os indígenas e populares. São propostas invisibilizadas vocábulos, entretanto, não são facilmente traduzíveis “Vamos emergir da longa noite colonial por muito tempo, que agora convidam a romper e nem suas traduções isentas de controvérsias. Que teima em se projetar até os dias atuais, radicalmente com conceitos assumidos como indis- Segundo o antropólogo espanhol Xavier Albó, seria Romper o neodesenvolvimentismo, cutíveis. São ideias surgidas de grupos marginalizados, melhor adotar a concepção de “bons viveres”. Ou seja, excluídos, explorados e até mesmo dizimados. O Bem bons conviveres dos seres humanos nas comunidades, Juntar nossas lutas e esperanças Viver se opõe ao desenvolvimento. Mais do que nunca bons conviveres das comunidades com outras comu- Para pintar o nosso horizonte é imprescindível construir modos de vida baseados nidades, bons conviveres de indivíduos e comunidades nos Direitos Humanos e nos Direitos da Natureza, na e com a Natureza. Com as múltiplas cores que não sejam pautados pela acumulação do capital”. A reflexão sobre este outro paradigma está se Da história, da memória Cabe ressaltar que, como mencionado acima, o Bem embrenhando cada vez mais nas agendas de diversos Viver não é uma proposição recente. Ela é milenar e setores populares, movimentos sociais e populações Espiritualidade, originária e atual. vem sendo praticada pelas populações originárias nas tradicionais, tanto no campo como nas cidades, ques- Do silêncio do Bem Viver, mais diversas regiões do planeta. Portanto, o “outro tionando o atual modelo de sociedade e propondo Do ventre da Mãe Terra mundo possível” não é uma utopia impraticável. Muitos processos de construção de outros padrões e patamares outros mundos fundamentados em valores e práticas nas lutas de transformação social e política, ou seja, Vamos reencantar nossos totalmente dissonantes do atual padrão são reais e um outro mundo. Um exemplo dessa apropriação Arcos e flechas na luta diária, concretos, vivenciados diariamente por milhares de é o lema da Marcha Nacional das Mulheres Negras, povos e comunidades em todo o mundo. realizada em novembro de 2015, em Brasília: “Mulheres Nos caminhos plurais Negras contra o racismo, a violência e pelo Bem Viver”. Dos projetos de Bem Viver Os quereres dos povos O material de divulgação do livro de Acosta traz Nesta perspectiva, inseriu-se o “Encontro Nacio- a seguinte reflexão: “O mundo precisa de mudanças Egon Heck” nal sobre o Bem Viver e os Quereres nos Territórios”, radicais. Necessitamos outras formas de organização em Salvador, na Bahia, no final de julho. O encontro social e práticas políticas. O Bem Viver é parte de uma reuniu mais de 40 integrantes dos povos indígenas

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Setembro 2016

(Tupinambá e Pataxó, da Bahia, e , do Pará), A inexistência de uma trilha pre- quilombolas, de pescadores, de fundo e fecho de pasto, determinada não é um problema. atingidas pela siderurgia e de ocupações urbanas, além de Glass Verena Pelo contrário: liberta-nos de visões militantes e assessores de organizações sociais. Também dogmáticas, de dicotomias, como participaram três integrantes da Red de la Diversidad, da desenvolvido-subdesenvolvido, Bolívia. Organizado pela Fundação Rosa Luxemburgo, em pobre-rico, avançado-atrasado, civi- parceria com o Movimento Sem Teto da Bahia (MSTB) e lizado-selvagem, centro-periferia, a Fase, o evento contou com a participação de diversas rural-urbano. Porém, exige maior organizações, como o Movimento dos Trabalhadores clareza de onde queremos chegar. Sem Teto (MTST), o Conselho Indigenista Missionário O Bem Viver, enquanto soma de (Cimi), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Comissão práticas de resistência ao colonialismo Pastoral da Pesca (CPP) e o Movimento Quilombola do e suas sequelas, evidencia a vida e a Maranhão (Moquibom), dentre outras. cosmovisão nas comunidades indí- Os participantes compartilharam reflexões, experiências genas, originárias e tradicionais que e projetos de presente e futuro estimulados por temas ainda não foram totalmente absorvi- como: território, violência e resistências; autonomia, das pela Modernidade capitalista ou soberania e relação com o Estado; dominação, colonia- O Bem Viver se fundamenta em ideias surgidas de grupos marginalizados, que resolveram manter-se à margem lidade e a negação do outro; Bem Viver como horizonte excluídos, explorados e até mesmo dizimados do que se denomina “civilização”, fun- civilizatório do hoje; e Bem Viver nas cidades; além de damentada em um sistema desigual, estratégias de luta e modos de aproximação do Bem tismo, o neoextrativismo e o próprio capitalismo e predatório e explorador. Afinal, com velhos conceitos e Viver e reconfiguração de novos horizontes. sua perspectiva de crescimento ilimitado e de pro- práticas não se constrói o novo. O assessor teológico do Cimi, Paulo Sues, ministrou dutivismo e consumismo, desenfreados e fúteis que, Para libertar a natureza da condição de mero objeto o tema “Os projetos de Bem viver como crítica radical inevitavelmente, levarão a humanidade ao colapso de propriedade dos seres humanos é necessário um ao Capitalismo”, que integrou o cronograma do ​Curso civilizatório. grande esforço político para reconhecê-la como sujeito de Extensão em Histórias e Culturas Indígenas, também • Romper com a lógica antropocêntrica e buscar a de direitos - os direitos da Pacha Mama. É preciso aceitar realizado no final de julho, em Luziânia, no Goiás. Ele sociobiocêntricas – neste sentido, o Bem Viver recolhe que todos os seres têm o mesmo valor ontológico. Não aprofundou a reflexão sobre o Bem Viver como um o melhor das práticas, sabedorias, experiências e dos importa apenas o destino, mas também o caminho, ou paradigma que emergiu das Constituições da Bolívia e conhecimentos dos povos indígenas. os caminhos, para se viver e garantir uma vida digna, a do Equador num intuito amplo de descolonização; o • Repensar o Estado em termos de plurinacionalidade todos os seres, humanos e não humanos. Bem Viver como um processo histórico e permanente de e interculturalidade - a própria democracia repre- Nesse sentido, o Bem Viver exige necessárias tran- transformação do Estado do Bem Estar­ para um Estado sentativa, em crise, terá que ser repensada e apro- sições como a redistribuição da renda e da riqueza, a do Bem Viver. fundada. O outro mudo será possível se for pensado autodependência comunitária, o reordenamento ter- “Estamos num momento da história em que preci- organizado comunitariamente a partir dos Direitos ritorial no campo e na cidade, a valorização de outras samos urgentemente construir um novo horizonte civi- Humanos- políticos, econômicos, sociais, culturais e tecnologias, uma outra relação com o tempo, as pessoas lizatório a partir da sabedoria milenar dos povos, num ambientais dos indivíduos e dos povos, e dos Direitos e a vida e, enfim, uma outra concepção de nação, Estado processo de desconstrução da colonialidade, em que da Natureza. e sociedade. u nos encontramos envolvidos. Não é tempo de titubear. Estamos convocados a dar a nossa contribuição no e a partir do espaço em que estamos inseridos. Insisto em que se trata de um processo no qual todos estejamos desde já convocados, a partir do espaço e da vida em que No centro, a comunidade nos encontramos”, afirmou Paulo Suess durante o curso. Bem Viver não é uma utopia aonde chegar. Não é o ponto de chegada. O fantasma do Na construção do pensamento moderno, na construção da subjetivi- des-envolvimento O dade moderna, na construção da modernidade, o sujeito é de um jeito e aspira a ser um alguém mais perfeito, melhor, maior, ao qual vai acrescen- Não há fórmulas prontas ou receitas para definir o tar tudo: o conhecimento, a riqueza etc. Acrescentar é muito importante na Bem Viver, mas alguns elementos essenciais que emergem construção da subjetividade moderna, e devo construir o caminho que vai me nos diversos momentos de partilha e debate, são: levar ao sujeito desejado. • Compreender-se como parte da natureza e conviver O desejado fica muito distante da minha vida. A ética cristã ajudou nisso: em comunidade – é preciso reatar a comunhão entre a a perfeição fica em um outro que não eu, e do qual tento me aproximar para humanidade e a natureza; é preciso fazer uma ruptura ser alguém mais perfeito. A esquerda também trabalhou muito o discurso dos civilizatória. O Bem Viver recupera essa sabedoria heróis, como o perfeito a ser alcançado. Isso gera angústia e desencanto, porque Verena Glass Verena ancestral, rompendo com o alienante processo de nunca se consegue chegar ali. Você nunca vai se tornar Che ou Jesus, você acumulação capitalista que transforma tudo e todos sempre vai ser imperfeito, vai ficar no meio do caminho. O mesmo com as em coisa, em mercadoria. O Bem Viver se afirma no comunidades: a comunidade que você idealizou não vai se fazer pre- equilíbrio, na harmonia e na convivência entre os sente no cotidiano das pessoas. (...). E há a disposição de sacrificar o seres. Na harmonia entre o indivíduo com ele mesmo, presente em nome de um ideal perfeito que vai ser conquistado. entre o indivíduo e a sociedade e entre a sociedade Não se pode substituir esse ideal, mudar o nome, por e o planeta com todos os seus seres. exemplo, de socialismo para Bem Viver. É preciso • Reinventar a vida nos seus caminhos plurais - o Bem colocar em discussão toda a construção de moder- Viver também se expressa na articulação política da nidade; ter claros os sentidos da transformação, vida, no fortalecimento das relações comunitárias e não o ponto de chegada. O Bem Viver não pode solidárias, assembleias circulares, espaços comuns existir se não dialogar o tempo todo com outras de sociabilidade, parques, jardins e hortas humanas, propostas emancipatórias. Todas as pessoas cooperativas para produção e consumo consciente, e todos os projetos são totais, participam a comércio justo, trabalho colaborativo e nas diversas totalidade da vida; são totais, mas incompletos. formas de viver coletivo, com diversidade e respeito Somos incompletos e precisamos do encontro ao próximo. Nestes processos, é indispensável o diá- com outros e outras para nos complementar. Você logo com a diversidade e a pluralidade de caminhos precisa ser par para ser unidade. Há quebra da subjetividade e culturas, na reciprocidade e complementariedade, do indivíduo, o coloca em outra situação relacional. No centro não está diversidade de olhares, lutas e experiências de resis- um sujeito, mas uma comunidade. tência e descolonização. Mario Rodríguez, da Wayna Tambo, • Superar o neocolonialismo, o neodesenvolvimen- organização que integra a Red de la Diversidad 6

Setembro 2016 Um retorno que nos desafia A decisão de três indígenas Awá de recente contato de retornarem para a floresta, em pleno século XXI, põe em xeque a suposta superioridade da civilização ocidental. O indigenista Saulo Feitosa considera que “os povos livres são a esperança de libertação e de recuperação dos ‘fundamentos esquecidos do humano’”

Renato Santana, Assessoria de Comunicação zada e visibilizada pelo Estado. Para

Survival este, apenas interessam as identida- akarewyj, Amakaria e Irahoa deixaram a floresta ama- des individualizadas, desprovidas de zônica no dia 27 de dezembro de 2014. Integrantes do coletividade, as identidades daqueles Jpovo Awá-Guajá, os três indígenas viviam em situação Madalena Borges/Cimi-MA indivíduos dos quais já foram usur- de isolamento voluntário no oeste do Maranhão, quando padas as suas coletividades, as suas foram avistados por outros Awá, que caçavam na cabe- experiências de vida em comunidade. ceira do igarapé Presídio. Jakarewyj e Amakaria estavam Porantim - Conforme relatos, doentes quando foram levados à aldeia Tiracambu, na ambas estavam nervosas com o fato Terra Indígena Caru, também Awá-Guajá. Irahoa, filho de que poderiam morrer longe da de Jakarewyj, acompanhava as duas indígenas na decisão floresta, de seus familiares que lá per- Sabedorias Originárias inevitável do contato. maneceram. Que mensagem podemos Frágeis e à beira da morte, as Awá não conseguiam extrair desse “morrer” indígena? mais fugir de madeireiros e fazendeiros que há tempos Saulo Feitosa - Temos que enxer- fazem com que o grupo a qual pertencem tenha que se gar a morte dentro da trajetória his- esconder constantemente para sobreviver. Atrasariam tórica de cada ser humano enquanto os demais no ciclo interminável de fugas, portanto pessoa, que compreende o nascer, o precisavam de uma outra estratégia. Em janeiro do ano viver e o morrer. É durante essa tra- passado chegaram à Tiracambu e foram bem recebidas jetória que as concepções vão sendo pelos Awá aldeados. Uma pneumonia e a falta de preparo do Estado para lidar com indígenas construídas, consensuadas, validadas Atendidas pela Fundação Nacional do Índio (Funai), isolados quase levou Jakarewyj à morte, poucos meses após o contato e assimiladas culturalmente. Mas para depois de piorarem de saúde pela demora do órgão em tanto haverá sempre o topos (o lugar) prestar o atendimento necessário, ambas permaneceram Saulo Feitosa - Fica muito difícil para alguém que em que a territorialização da vida acontece. Dessa forma, na capital São Luís até que, recuperadas, retornaram vive em outra realidade totalmente diversa, como no o ciclo nascer/viver/morrer estará sempre vinculado para a aldeia Tiracambu. Contaram histórias; Amakaria nosso caso, conseguir imaginar todas os valores, critérios a um território específico. Naquele lugar específico a lembrou das anteriores tentativas do governo fede- e variáveis considerados pelas irmãs Jakarewyj, Ama- vida ganha importância, significado. Por essa razão, é ral de retirar o povo do isolamento voluntário, dos karia e Irahoa, o filho de Jakarewyj, para essa tomada um desejo nascer, viver e morrer dentro do território assassinatos de Awá cometidos por madeireiros, das de decisão. Há por trás dessa iniciativa corajosa uma originário, e este território é prenhe de significados, de fugas, das doenças e da vida nômade em um território filosofia que determina um modo próprio de existir, representações, de valores filosóficos que justificam sitiado. uma maneira de viver e morrer. Certamente para os uma trajetória histórica particular e coletiva. No livro Em agosto deste ano, Jakarewyj, Amakaria e Irahoa seus parentes contatados décadas atrás essa atitude sagrado dos cristãos, no antigo Testamento, há um surpreenderam os parentes Awá, servidores da Funai e seja mais compreensível, uma vez que são conhecedores texto muito interessante, o Salmo 137, que relata indigenistas: sem se despedir ou avisar, retornaram à de sua concepção de vida e poderão comparar o antes a condição do povo de Israel vivendo no cativeiro floresta e à vida livre e nômade permeada de perigos e o depois do contato. Para nós, salta-nos aos olhos babilônico. Quando ali se encontravam os israelitas, e desafios contra a própria existência do grupo. Antes o grau de autonomia por elas manifesto, a invejável seus opressores pediram que cantassem cânticos de de ir, afirmaram que a comida fora da floresta era ruim bravura e a convicção de que conseguem viver em seu sua terra, ao que responderam: “Como cantar em e o clima muito quente. “próprio mundo” sem depender dos pseudo benefícios terra estranha?”. Seus cânticos e danças não fariam O que é possível aprender e refletir com tal decisão? da supostamente superior “Civilização Ocidental”. É por sentido algum naquele lugar. A vida não tinha sentido Em pleno século XXI, Jakarewyj, Amakaria e Irahoa pre- demais surpreendente que mesmo vivendo sob ataques ali, assim como o nascimento não tinha sentido e a feriram o próprio modo de vida ao da sociedade que os constantes dos ensandecidos sanguinários madeireiros, morte também não. Creio que essa passagem bíblica envolve - além de toda assistência por parte do Estado, que simbolicamente traduzem uma das características pode nos ajudar a entender um pouco o que acontece que mesmo com todas as falhas garante aos indígenas perversas do conjunto da sociedade capitalista consu- com os indígenas que são submetidos a situações tratamento diferenciado. Teriam terra demarcada, a mista, insistem em resistir. Em que ancoram tamanha parecidas, arrancados de seus territórios originários. possibilidade de abrir uma aldeia, de abandonar as resistência? De onde vem toda essa força? Poderemos Para além disso, há ainda toda uma questão maior correrias e a morte os espreitando. nos indagar. Mais impressionante ainda é que estamos sobre as representações da morte que não temos como No Brasil, a Funai tem elementos para afirmar que nos referindo ao protagonismo de duas mulheres, exa- comentá-las, pois não temos acesso a elas. Careceriam existem 104 povos em isolamento voluntário, livres. tamente o gênero subalternizado dentro da estrutura de estudos etnográficos. Desse total, cerca de 25 são monitorados diariamente de poder da sociedade branca, ocidental, capitalista, Porantim - Como a volta delas para a situação de pelo órgão indigenista - inclusive pelas Frentes de Pro- heterossexual, masculina, monocultural e cristã. Como isolamento voluntário pode ajudar os povos indígenas teção Etnoambiental, estruturas nas fronteiras das áreas não temos muitas respostas, torna-se imprescindível que em suas lutas? de perambulação dos isolados. Antes dos Awá, desde nos deixemos interpelar e aprofundemos nossas análises. Saulo Feitosa - Uma forma de contestação ao sistema, junho de 2014, cerca de 30 Sapanahua fizeram contato Porantim - O que a sociedade que as envolve pode uma recusa ao modo de vida ocidental capitalista. O na Terra Indígena Kampa/Isolados, no , na fronteira aprender com essa decisão, dada uma conjuntura de pouco que essas pessoas conheceram da dita “civilização com o Peru. Os Sapanahua fugiam de pistoleiros. grande investida contra as formas plurais de vida dos branca” já lhes foi suficiente para recusá-la. Mas alguém Numa tentativa de refletir sobre a decisão de Jakare- povos indígenas? poderia argumentar diferentemente, alegando que por wyj, Amakaria e Irahoa, tanto para a sociedade branca Saulo Feitosa - Pode perceber e, se quiser, apreender terem conhecido muito pouco, não puderam adquirir quanto para como esta sociedade olha para os indígenas, que existe vida para além dos projetos de morte do maiores conhecimentos que lhes favorecesse melhor o jornal Porantim entrevistou o professor de Bioética sistema capitalista branco. Se os povos indígenas, de juízo, o que não acredito. Nesse caso, o que poderia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal maneira geral, se apresentam como um problema para o de fato acontecer é que estariam mais expostas e por de (UFPE) Saulo Feitosa, integrante do capitalismo, visto que esse não consegue capturá-los por um maior espaço de tempo, às perigosas armadilhas de Conselho Indigenista Missionário (Cimi) desde os anos inteiro, os povos livres são a esperança de libertação e de captura estabelecidas pelo Estado branco colonizador. 1980 e com atuação junto aos povos indígenas há pouco recuperação dos “fundamentos esquecidos do humano”, Saindo mais depressa, protegeram-se mais. Ideologi- mais de 30 anos. Leia abaixo as reflexões dele sobre este fazendo uso da expressão de Humberto Maturana. camente falando, essa negação do “mundo branco” peculiar acontecimento. Por isso, não cabem dentro do Estado, razão pela qual concomitantemente significa também a reafirmação de Porantim - Qual a leitura que você faz dessa decisão estão condenados à invisibilidade. As suas diversidades seus próprios projetos de vida, de suas formas próprias de ambas viver aldeadas como seus parentes Awá, perto refletem uma profunda identidade comunitária, coletiva de existir e de se colocar no mundo. O simbolismo da de medicamentos e mais longe da violência de madeireiros? e libertadora. Não é essa a diversidade desejada, valori- decisão tomada nos questiona profundamente. u 7

Setembro 2016 Decisão histórica condena jornal de Chapecó por discriminação Pela veiculação de materiais racistas e de incitação ao crime, periódico deverá pagar cursos de graduação e pós-graduação e ceder espaço de publicação para os por cinco anos

Tiago Miotto, Assessoria de Comunicação

pós ser condenado por danos morais coletivos Arquivo Cimi Sul contra a comunidade Kaingang da Terra Indí- gena (TI) Toldo Chimbangue, em Chapecó (SC), Direitos Indígenas A pela veiculação de materiais racistas e de incitação ao crime, o jornal O Diário do Iguaçu deverá pagar cursos de graduação e pós-graduação aos indígenas e deverá ceder, pelo período de cinco anos, espaço quinzenal para a comunidade indígena na publicação. A importante e incomum decisão é, na verdade, fruto de um acordo firmado entre o jornal e os Kaingang, com o acompanhamento do Ministério Público Federal (MPF), após a condenação do veículo de imprensa, de um chargista e de um vereador pela Justiça Federal. O processo teve origem numa ação civil pública ingressada pelo MPF em 2002, em função de uma reportagem e de uma charge discriminatórias publicadas pelo diário Durante a luta pela demarcação de seu território tradicional, os Kaingang foram criminalizados e alvos de preconceito. contra os indígenas. Oito lideranças chegaram a ser presas em 2005, pouco antes da regularização da área Julgado improcedente na primeira instância, o pro- cesso teve a decisão reformada pelo Tribunal Regional encaminhada pelo cacique Idalino. O MPF ressalta que afirmou que a liberdade expressão não é um direito Federal (TRF) da 4ª Região, que condenou os réus ao não poderão ser veiculadas no jornal publicações que absoluto e nem assegura a impunidade da imprensa. pagamento de R$ 100 mil para a comunidade indígena configurem crime ou ofensa a pessoas ou grupos, ou “O direito do indivíduo de dizer o que pensa não o como compensação pelos danos morais. Transcorridos que incitem a prática de violência, de crimes ou de exime de ser responsabilizado pelas ofensas irrogadas doze anos desde a sentença, nenhum dos recursos quaisquer outros atos ilícitos – exatamente os pontos a outrem de forma desarrazoada”, afirma o MPF na interpostos pelos réus no Superior Tribunal de Justiça pelos quais o jornal foi condenado. peça que resultou na condenação. (STJ) ao longo deste período foi admitido e o caso Durante a luta pela demarcação de seu território transitou em julgado. “Sete palmos embaixo da terra” tradicional, os Kaingang foram criminalizados e alvos Em abril de 2016, com a condenação definitiva, Além do Diário do Iguaçu, foram réus na ação do de preconceito. Oito lideranças, incluindo o cacique o MPF ajuizou uma ação para que os condenados MPF o ex-vereador de Chapecó pelo PFL e candidato Idalino, chegaram a ser presas em 2005, pouco antes pagassem a indenização – que, em valores atualizados, pelo PSB na última eleição, Amarildo Sperandio de da regularização da área. incluindo juros, honorários e multas legais, chegou a Bairro, e o chargista Alex Carlos Tiburski dos Santos. Acordo positivo em um mais de R$ 850 mil. Com a terra demarcada pela metade em 1985, os Como o jornal alegou falta de recursos financeiros Kaingang reivindicavam, à época da publicação do cenário desfavorável para o pagamento do total da dívida, os indígenas fize- jornal, a demarcação da totalidade de seu território O acordo judicial oferece uma oportunidade de ram uma proposta alternativa para quitar a obrigação, – concluída somente em 2006 – e vivenciavam uma combater o preconceito contra os indígenas na região que acabou sendo aceita pela empresa. situação conflituosa com os não-indígenas que viviam Sul do Brasil, marcada pela segregação e pelo racismo “Eles disseram que se fossem pagar em dinheiro, em propriedades sobrepostas à área. contra os povos originários, conforme apontou recente teriam que fechar o jornal. Eu disse que nós não que- Em entrevista veiculada em janeiro de 2001, o então relatório do Conselho Nacional de Direitos Humanos remos dinheiro. ‘Queremos que vocês contribuam com vereador Amarildo Sperandio afirmou: “é um absurdo os (CNDH). Segundo o estudo, a imprensa local e os a comunidade, quero informar as pessoas para que índios quererem ainda mais terra, se não produzem [...] políticos que lucram votos com os conflitos são os elas saibam os absurdos que vocês falaram’. Também muitos que estão hoje na reserva de Toldo Chimbangue principais responsáveis pela disseminação do pre- precisamos de pessoas formadas em áreas como Direito não são indígenas autênticos. Todos nós sabemos disso, conceito contra os indígenas. Uma das motivações e de formação melhor para nossos professores. Isso é quando vemos índios louros, olhos claros”. para o estudo foi o assassinato de Vitor Pinto, criança mais importante que dinheiro”, relatou o cacique da A charge de Alex Carlos, veiculada na mesma edição, Kaingang de apenas dois anos natural da Aldeia Kondá, TI Toldo Chimbangue, Idalino Fernandes. mostrava um homem com um machado, pronto para outra comunidade indígena de Chapecó, morto no Pelo acordo firmado, o jornal irá custear vagas agredir um indígena e exclamando: “Já que índio quer colo de sua mãe quando ela vendia artesanato no para estudantes indígenas nos cursos de Agronomia, terra, vô dá sete palmos de terra pro índio”. Em fuga, o litoral catarinense. Direito, e Enfermagem da UnoChapecó, além de um indígena retratado deixa cair um celular – elemento que Para o Procurador da República de Chapecó (SC), curso de pós-graduação – uma especialização lato atestaria a “falsa identidade” dos Kaingang da região. Carlos Humberto Prola Júnior, o acordo é importante, sensu em Educação Intercultural: Metodologias de Na avaliação do MPF, a negação da identidade dos especialmente pela autonomia que os indígenas terão Ensino na Educação Básica – para uma turma de 20 a 30 indígenas de Toldo Chimbangue servia para, assim, na gestão do espaço no jornal. “A empresa não reco- professores indígenas na mesma instituição de ensino. deslegitimar a demanda do povo pela demarcação de nhece o equívoco, mas buscou uma forma de cumprir O pagamento do jornal à UnoChapecó será reali- suas terras. Além disso, a discriminação e a incitação aquela obrigação, que é pesada para uma publicação zado por meio de permuta, com a cessão de espaço à prática de homicídio “foram publicadas em jornal pequena. Também foi bom para os indígenas, que saem no diário para as veiculações da universidade. Em de grande circulação no Oeste de Santa Catarina, satisfeitos com essa reparação”, afirma Prola. todas as vagas, a preferência é para os Kaingang de propalando as matérias tendenciosas a um grande Na avaliação do Procurador, houve um recrudesci- Toldo Chimbangue. número de leitores, fomentando o repúdio às comu- mento em relação às demandas dos povos indígenas Os cerca de R$ 390 mil restantes da dívida serão nidades indígenas”. no Poder Judiciário. “Infelizmente, houve um retro- pagos por meio da cessão de espaço no jornal, pelo Em sua defesa, o jornal e o chargista alegaram estar cesso nessa área. O Judiciário está pouco sensível a período de cinco anos, para a veiculação de informa- exercendo seus direitos à livre expressão, à crítica artística essa temática, em relação às demarcações e a todas tivos, artigos, notas e quaisquer outras publicações e à liberdade de imprensa, e o vereador ainda invocou as demandas indígenas. Essa decisão pode trazer isso de interesse dos indígenas, conforme a solicitação sua imunidade parlamentar. Em contrapartida, o MPF à tona novamente”, complementa. u Reportagem Rafael Tsakdk evidenciam diver Rafael 64anos, de Rikbaktsa, diante olhos. dos Brasil originários do povos território... dos pelo a saga disputas igreja, violentas da aintervenção isolados, que dizimaram milhares até índios de entãoDoenças marcado, viveram oque ele esua família ali.sotaque respeito. ummerecido garantiu Rikbaktsa aos afirmam, povo, do hidrovias território no já demarcado. Oespírito guerreiro relação investidas às aconstrução para e rodovias de eoutras vitórias eJapuíra), com Escondido (Erikpaktsa, três aconquista de demarcação cultura, pela territórios asobrevivência emanutenção datiram Rikbaktsa aos garan nem sempre armadas, guerras, As características. pau”, entre destaca demais se as povo abravura desse querios banham aregião em que vivem, “orelhas ou de como “canoeiros”,também com os intensa pela ligação reencontrar. de esperança a tem oindígena ainda depois, 50anos quase internato.do Essa, queimaduras sofrer em um incidente;após aoutra fugiu Um caminho. morreu pelo ficaram irmãos Os Curva. da aAldeia junto Rikbaktsa, origem povo, efundou, com seu de olocal 1960,ele voltou para de década da final no “esquecer” Com a odesativação passado. internato do oUtiariti, apara interno obrigados foram colégio onde contato com habitantes os belecido região, da levou os que Evangelista, já haviaO padre missionário João esta que algum resgate conta história, asua que agora viesse. margens às duranteesperaram em rio mesmo dias, do Tsakdk pequenos, também irmãos, e os Ele era uma criança. aquelesminadas por que avançavam sobre suas terras, Matoestado de Grosso. noroeste“homem branco” do na Brasnorte, região de “parentes” primeiros os estabeleceram contatos com o contexto Foi nesse caminho. no que Tsakdk eoutros madeira atropelaramda tudo que estavam etodos monocultura de e a exploraçãoterras a produção para projetos ferrovias de eadistribuição erodovias de interior território do nacional. Em nome “progresso”, do inteiras que o ocupavam extermíniode populações de processo do salvar se 1940,ele conseguiu de década governo Getúlio pelo Vargas iniciado expansão, de na chamado do período influência sob Ainda dignidade. respeito epor por vida, momentos pela luta de sos À Luana Soutos irreversíveis. são diretos, severos, imensuráveis e peixes, nafaunaefloranosindígenas nos Juruenaosimpactos No Rio sobrisco. e físicadosRikbaktsa coloca asobrevivência cultural hidrelétricas nabaciadoRio Tapajós de A construçãodeumasérie na mira Rikbaktsa que mata: O “progresso” Num misto de palavras orgulho as de etristeza, Rikbaktsa significa “povo guerreiro”. significa Rikbaktsa Conhecidos disse doenças vítimas das perdeu pais, os Quando grisalhos e voz macia, fala, num português com numportuguês fala, evoz macia, grisalhos cabelos centenárias. estatura de Um senhor baixa, s margens relatos Juruena, Rio do histórias de , Colaboradora

- - - - do distrito de Fontanillas, que também será atingido. será distritodo que também Fontanillas, de vizinhos moradores(EPE), eaos entregue Rikbaktsa aos Pesquisa Energética de Empresa pela elaborada Integrada outros. Tudo na Avaliação escrito está isso Ambiental comprometimento dentre produtividade da terra, da eo local irreparáveis eflora fauna da modificações solo, do acontaminação doenças, de a disseminação território, do que parte incluem oalagamento boa de com impactos Juruena, mais hidrelétricas Rio de no duas já estiveram na região informar para aconstrução sobre federal governo do Representantes reafirmado. ser de terá construção mais de Juruena. hidrelétricas Rio no Fontanillas não moradores e os de queremRikbaktsa a apostura éincisiva: maisopovo aprofundadas, discussões oficiais informações de munidos e depois, Cinco meses realmente se era saber havia algum projeto sentido. nesse chão”,nosso anecessidade dizia odocumento. Na ocasião, costumes natural lugar,nossos eariqueza nosso do do dos adispersão história, prejuízo,o nosso nossa aperda de lugar, o nosso que nada pagará vidas, sabemos pois nossas conhecer rostos os que daqueles querem as tirar nós de exigindo informaçõescarta sobre o processo. “Queremos elaborou uma fato implementadas, de sejam outras obras caso atingida, ser que poderá apopulação últimada década, como neste ano. recuou orio acordo tanto com indígenas, os margem da de agravar vão asituação.rio, eque outras só Nunca, Juruenano alterações intervenções que no as já causam Zeihamy, Jaime Curva, da Aldeia da cacique sinalizando arealidade seco”, éorio aquilo, ou mas isso reclama o indígena. causa e Myky, Manoki povos dos estudiosos e militantes da demarcados, moradores Fontanillas, de representantes O encontro três dos territórios reuniu Rikbaktsa o povo vinte em que quase abriga Brasnorte. aldeias Erikpaktsa, na Terrates ocorreram Curva, na da Aldeia Indígena das criançasaosanciãos,todosvalorizamoriotantocomoaprópriavida Rituais ancestraiseoprópriomododevidadosRikbaktsadependemriosquelimitamoucortamosterritóriosindígenas; sionário (Cimi) para dar apoio técnico aos Rikbaktsa (leia Rikbaktsa técnico aos apoio dar sionário (Cimi) para causar. pode que aambição do como exemplo Gerais, em Minas Mariana, tragédia de Ateata. Ela utilizou a Gertrudes mais antigas aldeia, da perdervamos nós tudo”,truída, moradoras uma das disse Gonçalves, foi convidado pelo Conselho foi convidado Indigenista pelo Mis Gonçalves, Mato (UFMT), de Universidade Grosso Federal da Dorival não enganam.mas Oengenheiro eletricista eprofessor Luana Soutos Por esse motivo, no final de agosto de Por motivo, intensos final no esse deba orespeito historicamente agora, conquistadoMas, “Branco não está preocupado. Se a usina for ausina cons Se “Branco preocupado. não está especulações Em março, e pelas incertezas por movidos “O governo aqui, quer chega bonito, não é falar As 529 páginas de linguagem confundem, de técnica 529 páginas As Compreendendo oinconcebível Setembro 2016 8 - - - constatação foi de que tanto foi de constatação indígenas os quanto mora os entrevista com ele nas páginas primeira 9,10e11).Sua Agora é a vez dos jovens”, dos éavez Agora garante. terra efacão. com artesanato, arco,essa pintura, flecha defendemos nós Mas ganância. com tudo por acabar Paulo Skiripi ilustram osentimento: bem “branco quer de palavras As ancestrais, tem uma agora etapa. nova pelos penas eque conquistado foi cultura, da aduras que garanteritório osustento sagrado, eamanutenção proteger de Amissão oter batalha. nova bravura essa o potencial guerreiro enfrentando com povo, seu de consigo trazem que demonstrarem jovens dos momento daquele povo. margens guardadas às rias Juruena a vida Rio do são tempo. do irreversíveisas consequências projetos desses ao longo sofrerindígenas que vivem na extensão poderão rio do Rikbaktsa os entrevista sobre as outras hidrelétricas que impactarão que outras quatro éde posta construídas sejam (leia na problemaestudar direto”, esse sugeriu Gonçalves. Pode gerar umprograma para na comunidade. escolas, espécie. reprodução exige da peixe para de tipo que cada dinâmica da reações apartir de cadeia uma exemplo, provoca por águas, das velocidade de Amudança bacias. aextensão das toda modifica usinas d’água, de asequência afio reservatórios dos é ocaso hidrelétricas de tipos como trazem prejuízos reduzidos, eAraguaia. Uruguai,rio, Jamanxim, Aripuanã, a rios exemplo dos hidrelétricas do de longo a construção ao sequências de questão ainda mais comprometedora: os projetos visam estrutura há uma alagamentos uma epelos obra, de d’águas”, oengenheiro. explicou etransformando-o curso, o seu em ummonte caixas de em um novo comportamento todo600 km, provocando emo rio afogariam mais construídas, de Se Juruena. no seriamdiretamente delas Seis parte. qualdo oJuruena faz Tapajós, do a bacia 102 hidrelétricas para “São propostas acontecero que pode com a construção hidrelétricas. das muito estão sobredores Fontanillas informados de bem água saudável para consumo e banho, além das histó consumo saudávelágua além para das ebanho, centenas que alimentam e frutoscuram, de ae ervas amanhecer entardecer. ao aterra que oferece peixes, Os Para os anciãos da aldeia da Curva, é chegado o échegado Curva, da Para aldeia anciãos da os Já existem e a pro hidrelétricas Juruena, duas Rio no umtema ser deve recorrente“Esse debate de nas Mesmo que os interessados aleguem que alguns Para além impactos dos negativos pela provocados As crianças Rikbaktsa brincam e pescam no rio do rio no epescam brincam Rikbaktsa crianças As Confiança nos jovens guerreiros ). Todos vinte eos 27municípios os povos u

- - - - Entrevista | Dorival Gonçalves Júnior hoje no Brasil? Equantas estão previstas para os próxi país. Convém que estespaís. mais destacar 95.000MW de MW hidrelétricas em potência instalada de usinas no mos dezanos? bastante preocupante.dúvida, Uma já mas eles. realidade presente, futura, por sem Tapajós Rio do bacia indígenas ameaçados povos edos detalhamentoum minucioso empreendimentos dos na eapresenta d´água afio Hidrelétricas usinas (PCHs) edas Pequenasdesmitifica das benefícios pseudo Centrais sobre a hidrelétrica, cadeiada produção interesses, seus ao entrevista vivências culturais, espirituais Nesta e até mesmo físicas. em sobre estes risco suas Impactos que colocam vidas. em suas causam tanto como pequenos, os mega os que empreendimentos, os eseveros impactos diversos indígenas que contra lutam povos eos os assentados, e camponeses movimentos como ribeirinhos, sociais, ele éuma referêncialetricidade, integrantes para dos D Patrícia Bonilha hidrelétricos nãocessa”,Gonçalves Júnior.Dorival oengenheiro afirma eletricista seencontraemretração,por eletricidade comoocorre naatualidadebrasileira,adisputapelospotenciais eempreendimentos A venda de energia hidrelétrica étãolucrativanoBrasilque “mesmo derecessão emumperíodo econômica,quandoademanda Um diagnóstico real dahidreletricidade Luana Soutos Engenharia Elétrica UFMT. da hidre da Pesquisador Paulo (USP) São departamentode de do eprofessor Existem 1.225 instalações, totalizando mais 95.000 de totalizando Existem 1.225instalações, Porantim Mestre em eDoutor Energia Universidade pela Universidade Mato Federal do (UFMT), Grosso éengenheiro Junior orival Gonçalves eletricista pela Porantim, , Assessoria deComunicação, Assessoria -

Quantas hidrelétricas há em operação Dorival dá uma dá verdadeiraDorival aula - - - conjunto empreendimentos de com com reservatórios aindústriarios eletricidade de programa construir um potenciais já devidamente Nestes identificados. dois Juruena tem oRio além disso, mais uma centena de de eSinop; Manoel São construção de adiantada -UHEs Telesconstruídos -UHEs em ou Pires fase eColider; principais empreendimentos Teles Rio do Pires já estão Tapajós que lembrar os Basta viabilizados. não serão certamente, que projetos não os indica do a bacia para ambiental hidrelétrica Luiz da Tapajós, do São de arquivar de Ibama do olicenciamento Adecisão zônia. umnúmero situadotricos, está na Ama significativo 30%na atual. potênciade instalada em projetos hidrelétricos, isto um aumento é, cerca de próximos os 28.000MWprevisão para supera 10anos concentram nacional. potência instalada 94,4%da A 219empreendimentos seja, ou hidrelétricas, usinas grandes as observa Como se potência instalada. de menorigual ou a1MW,talada 450MW totalizando (Centrais Hidrelétricas), com potência ins Geradoras 4.800MW;de CGHs designadas e565instalações 1 MW emenorigual ou a30MW, que volta têm por Hidrelétricas), que têm potência acima instalada de chamadas (Pequenas PCHs 441 instalações Centrais a30MW, superior talada com cerca 90.400MW; de UHEs (Usinas Hidrelétricas), (Usinas que têm as potência insUHEs distribuídosestão em: denominadas 219 instalações Em relação à localização dos futuros dos projetosEm relação à localização hidrelé Porantim -

Em que regiões elas seconcentram? Setembro 2016 9 - - - - consumidores cativos, têm o valor da eletricidade regu eletricidade a preços reduzidos. écomum ter geradores águas, vendendo das períodos sistemado hidrelétrico geração de brasileiro, que nos atributo do tirar partido consumidoresgrandes podem empresas de comercialização de empresas eletricidade. de consu Os distribuição; transmissão; de e de empresas empresas em quatro geração; de empresas negócio: de ramos o sistema deeletricidade no Brasil? ção) o preço médio do serviço prestado referenciado prestado serviço do opreço médio ção) transmissão distribui de geração, ede de (empresas agentes produção os de atodos cadeia da assegura “preçominada teto”. metodologia esta modo, Grosso éadeno atarifa Agência definir pela empregada para quantidade eletricidade de A metodologia comprada. pela uma determinada Aneel epagam pela tarifa lado [ Aneel pela arbitradas distribuidoras às pagas tarifas transmissão eas de empresas às pagas tarifas as adicionadas são dade, território no receber para a eletrici localizados estão onde de dependendo e, preço ao geração compram de 3MW.acima de consumidores que grandes Em geral, são aqueles que têm são dores livres, uma potência instalada chamados consumi comercializadoras, empresas de ou distribuidoras empresas quee os das compram que diretamente compram Os geradoras empresas das midores estão divididos em dois consumidores. tipos de construção, etc, Brasil. no real indústria da dimensão hidrelétrica em em operação, representadas uma território no nacional, possibilitando setor Elétrico]: recorrer Sigel ao [Sistema deInformações do Geográficas e Sudeste. os pequenos potenciais remanescentes nas regiões Sul sobretudo,potenciais existentes brasileiras, bacias nas normaEsta torna atrativos economicamente muitos incentivar odesenvolvimento indústria da hidrelétrica. encaminhamentos de uma série normativos que procura traz de Conversão] 29-2016,entre modificações, muitas [ institucional. eeconômica técnica AMPa viabilização licenciamento de oprocesso “simplificar” ambiental e legislativas visando providenciadas, que sendo estão alterações nas verificado ser futura hidrelétricas das pode Tapajós. do Tapajós, Rio no Luiz Chacorão, Jatobá eSão UHEs as futurosdos projetos hidrelétricos a serem construídos regularizarageração especialmente, e, hidrelétricas, das acumular eregularizar aprodução de capacidade Nele, é possível verificar onde Medida Provisória] 735convertida PLV no [ Projeto deLei especialmente, àprodução deeletricidade como pelaregulação emlei,são destinadas, Os que compram das distribuidoras, denominados distribuidoras, que das compram Os A indústria organizada está eletricidade de brasileira Os queOs compram diretamente geradoras empresas das Porantim Para ter que uma estou do dimensão dizendo sugiro Outro este que corrobora cenário dado expansão de “ produz muitos socioambientais impactos hidrográficas brasileiras, tanto naprática Uma questãonãodebatida nopaísque diz respeito aofato dequeasbacias Agência Nacional deEnergia Elétrica]. -

http://sigel.aneel.gov.br/siph/sigel.html O senhor pode explicarO senhor como pode funciona

as hidrelétricasas estão Estes Estes ” ------. 10

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em preços internacionais. Mais de 70% da eletricidade de regularizar a vazão na cascata de modo a permitir dois empreendimentos estão situados na extensão do Rio comercializada no Brasil é vendida pelas distribuidoras, - após a construção - a coordenação da operação das Madeira, compreendida, entre a área urbana da cidade portanto, a preços internacionais. hidrelétricas nos rios e na totalidade da bacia hidro- de Porto Velho até a fronteira com a Bolívia, totalizando Aqui, está parte da razão que fez da indústria de gráfica. Para compreender este cenário é importante mais de 250 Km de reservatórios sucessivos. A hidrelétrica eletricidade brasileira uma cadeia produtiva muito acessar ao diagrama do Operador Nacional do Sistema Santo Antônio, cuja potência instalada é de 3.558 MW, disputada. O preço internacional da eletricidade está Elétrico (ONS), com as principais hidrelétricas nas bacias está localizada praticamente na área urbana da cidade de referenciado na matriz mundial, isto é, o predomínio brasileiras: http://www.ons.org.br/conheca_sistema/ Porto Velho com a sua barragem, vertedouros e casa de da produção de eletricidade no mundo a partir de tec- pop_diagrama_esquemat_usinas.aspx. Na bacia do Rio máquinas distante cerca de 7 Km do centro da cidade. O nologias termoelétricas (nucleares, carvão, gás natural, Paraná, por exemplo, desde os seus formadores nos rios seu reservatório se estende por cerca de 130 Km a montante etc). Como o combustível das hidrelétricas é a água, o Paranaíba e Grande e depois os seus afluentes Tietê até a hidrelétrica Jirau e inunda neste trecho uma área seu custo de operação e a manutenção é muito redu- e Paranapanema, constata-se a maneira como estão de cerca de 28.000 hectares. A hidrelétrica de Jirau, com zido quando comparado ao das termoelétricas. Por dispostas as hidrelétricas - combinando usinas a fio potência instalada de 3.750 MW, tem um reservatório com isso, vender eletricidade a partir de d’água com reservatórios de acumu- cerca de 26.000 hectares que se estende a montante até a hidrelétrica ao preço de termoelétrica, Na bacia do Rio Juruena lação - ao longo de toda a bacia, de fronteira com a Bolívia. Os dois reservatórios sucessivos isto é, ao preço internacional, implica a modo que, possibilita afirmar que as são a fio d’água e se estendem por parte da área rural produção de elevadas somas de lucros os“ cenários, tanto presente bacias hidrográficas são vistas pela de Porto Velho, passando pelos distritos de Jaci-Paraná, extraordinários, as quais são disputadas como futuro, são trágicos. indústria de eletricidade exclusiva- Mutum-Paraná e Abunã. entre os vários agentes econômicos que mente pelos seus aspectos físicos, A estimativa é de que a população moradora nesta participam direta ou indiretamente da O elevado número de isto é, como a melhor combinação região no início das obras, em 2008, era por volta de cadeia de produção de eletricidade projetos hidrelétricos já de queda e vazão regularizada para 40.000 habitantes, e que cerca de 50% desta população no Brasil. determina muitos impactos maximizar a produção de eletricidade. dependia diretamente da pesca, de atividades extrati- Porantim - Há, de fato, demanda Esta compreensão de “aproveita- vistas e do cultivo nas várzeas. Após a construção das para o incessante aumento da produção diretos aos povos indígenas, mento ótimo” das bacias com a par- hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, esta população elétrica hoje no Brasil? camponeses e pescadores tição de quedas determinadas pelos formada por pescadores, coletores de castanha, madei- Mesmo em um período de recessão que habitam esta bacia barramentos sucessivos produz muitos reiros, garimpeiros e agricultores teve suas atividades e econômica, quando a demanda por impactos físicos, mas dentre estes, três seu modo de vida completamente desestruturados, com eletricidade se encontra em retração, se destacam. O primeiro diz respeito aos a maioria sendo expulsa. A minoria que ainda resiste e como na atualidade brasileira, a disputa pelos potenciais reservatórios” que, independente dos arranjos das usinas permanece na região luta com os empreendedores e e empreendimentos hidrelétricos não cessa. Este é o serem a fio d’água ou com reservatório de acumulação, as instituições do Estado brasileiro para resgatar pelo momento em que os agentes econômicos desta cadeia determinam extensas áreas de inundação. O segundo menos parte das condições de existência que tinham produtiva procuram agir nos ambientes institucionais, impacto transforma os rios em um conjunto contínuo antes da construção dos empreendimentos.

Entrevista | Dorival Gonçalves Júnior especialmente, do Estado. E, neste momento a situa- de sucessivos reservatórios que põe fim à declividade Outro grave impacto produzido por estes empreen- ção para a viabilização dos interesses da indústria de natural dos rios. E o terceiro, refere-se às usinas com dimentos aconteceu, entre fevereiro e abril de 2014, com eletricidade tem se mostrado muito favorável, pois o reservatório de acumulação que, ao armazenarem as águas a cheia sem precedentes no Rio Madeira, desalojando governo golpista posicionou à frente do Ministério de de cheias para uso nos períodos de seca, determinam milhares de pessoas na área urbana de Porto Velho e Minas e Energia e de outras instituições organizadoras um novo regime hidrológico na totalidade da bacia. A nos distritos de Jaci-Paraná, Mutum-Paraná e Abunã. da indústria, os prepostos diretos deste setor empre- combinação destes impactos físicos resulta em: extensas Esta cheia nunca foi reconhecida pelos empreendedores sarial. Estes, além de agilizar medidas institucionais áreas de inundação; redução da velocidade das águas como um impacto decorrente das hidrelétricas, mas o para a apropriação do patrimônio estatal detido pela dos rios; e na mudança do regime hidrológico do rio, processo erosivo permanente nas margens da capital de Eletrobras, também estão viabilizando encaminhamentos, impondo profundas transformações no meio biótico e Rondônia não deixa dúvidas sobre os impactos propor- cujas manifestações públicas - tais como: “... temos que no meio socioeconômico e, ainda, a interação cumulativa cionados pelo aumento substantivo da velocidade das retomar o realismo tarifário”; “... estamos avaliando a e sinérgica destas transformações determinam intensos águas do Madeira pela hidrelétrica de Santo Antônio, possibilidade de oferecer contratos de geração de ener- impactos físicos, bióticos, sociais, culturais e ambientais cujos vertedouros e casas de máquinas estão voltados gia elétrica no país com receita atrelada à variação do na bacia como um todo. para a cidade de Porto Velho. dólar”; “... precisamos integrar as ações dos órgãos de Porantim - As PCHs e as hidrelétricas a fio d´água Durante a implantação de grandes empreendimentos planejamento e ambiental do Estado visando a retomada causam menos impactos, como o governo e as empresas é comum ocorrer uma pressão também sobre os servi- da construção de usinas hidrelétricas com reservatórios”; afirmam? ços de saúde, educação, moradia, lazer, etc, existentes, “... é necessário fortalecer a independência da Aneel para A partir da compreensão do conceito de “aprovei- pois os empreendedores e o Estado não executam os que ela atue exclusivamente sob a égide do mercado” tamento ótimo” da construção das programas de compensação, previstos -, entre outros pronunciamentos, não deixam dúvidas hidrelétricas nas bacias é oportuno no Eia-Rima [Estudo e Relatório de sobre o alinhamento ideológico destes dirigentes. Além por fim ao mito da pequena geração Durante a implantação de Impacto Ambiental, respectivamente], disso, revelam as intenções de institucionalizar e ampliar hidrelétrica (PCH) e ao falso debate grandes empreendimentos para expansão da oferta desses serviços as taxas de exploração impostas pela cadeia produtiva relacionado às usinas a fio d’água (usinas “ em acordo com o aumento populacio- de eletricidade às populações nativas e à classe traba- que não alteram o regime hidroló- é comum ocorrer uma nal decorrente da intensa mobilização lhadora brasileira. gico do rio) como empreendimentos pressão também sobre de trabalhadores para estes locais. Porantim - Quais são os principais impactos socioam- hidrelétricos de reduzidos impactos Esta situação também esteve presente bientais da política hidroenergética brasileira? socioambientais. Pois, como verificado os serviços de saúde, durante a construção das hidrelétricas Uma questão não debatida no país que produz na prática dos empreendimentos em educação, moradia, lazer, do Madeira, fato que determinou gra- muitos impactos socioambientais diz respeito ao fato operação/construção e na legislação etc, existentes, pois os ves conflitos e consequências sociais e de que as bacias hidrográficas brasileiras, tanto na brasileira, as hidrelétricas são cons- econômicas, tanto para a população prática como pela regulação em lei, são destinadas, truídas utilizando todos os potenciais empreendedores e o Estado da região quanto para a população especialmente, à produção de eletricidade. A lei 9.074 da bacia hidrográfica, em escalas de não executam os programas atraída pelas atividades econômicas de 1995, que estabelece as regras para as concessões potência (pequenas ou grandes centrais de compensação resultantes dos empreendimentos. Vale de hidrelétricas, define no artigo 5º, parágrafos 3º e hidrelétricas) e em arranjos construtivos observar que a baixa qualidade desses 4º, que nenhuma hidrelétrica pode ser licitada sem (a fio d’água ou com reservatório de serviços continua, especialmente, os a definição do “aproveitamento ótimo”. Sendo que a acumulação), com a finalidade de atingir a maior pro- serviços” públicos, pois após a conclusão das obras, parte situação denominada “aproveitamento ótimo”, refere-se dução de eletricidade na bacia, em acordo com a lei se da significativa população não apresenta as condições ao conjunto de potenciais hidrelétricos, cujos arranjos obtém o “aproveitamento ótimo” da bacia. econômicas que tinham anteriormente, provocando combinam altura de queda e regularização do regime Porantim - O senhor pode dar alguns exemplos de maior demanda sobre os serviços públicos. No caso hidrológico capaz de maximizar a produção de eletrici- recentes hidrelétricas mal sucedidas? de Porto Velho o crescimento da população não foi dade no interior de uma dada bacia hidrográfica. Este No Brasil, não faltam situações que demonstram as compensado pelos investimentos públicos. Desse modo, é o modo como são construídos os empreendimentos, graves consequências causadas pelo império da concepção os problemas sociais aumentaram e a qualidade dos independente da escala de potência. Os potenciais do “aproveitamento ótimo” da bacia para a produção serviços públicos degradaram. hidrelétricos são identificados em cada rio selecionando de eletricidade. A construção das hidrelétricas de Jirau e Porantim - Em relação, à bacia do Tapajós, quais a partição de quedas e reservatórios com a finalidade Santo Antônio, em Rondônia é um caso exemplar. Estes as terras indígenas serão impactadas e de que modo? 11

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UHE Foz do Buriti. Todos estes empreendimentos plane- jados estão localizados dentro das áreas do povo Paresi,

Luana Soutos impactando-os, diretamente. A Terra Indígena Manoki, com área de 250.539 hec- tares, é interceptada pelo Rio Cravari e o Rio do Sangue - afluente do Rio Juruena – e tem três empreendimentos planejados para serem construídos dentro desta área, que é do povo Irantxe. Sendo duas UHEs no Rio do Sangue, UHE Roncador e UHE Parecis, e uma PCH no Rio Cravari. Esta área indígena já sofre as consequências de alguns empreendimentos em operação construídos nas imediações da reserva, especialmente a PCH Bocaiúva, no Rio Cravari, e as PCHs Baruíto, Inxu e Garganta da Jararaca, localizadas no Rio do Sangue a montante da Terra Indígena Manoki. A Terra Indígena Apiaká/Kayabi, com 109.245 hecta- res, será diretamente atingida por dois empreendimentos hidrelétricos. Esta terra indígena é dividida ao meio pelo Rio dos Peixes, que é afluente do Rio Arinos. Neste rio, na Terra Indígena Japuíra, do povo Rikbaktsa, está planejada a UHE ARN-026, cujo reservatório avança no Rio dos Peixes até a UHE Juara, planejada para ser construída nas terras do povo Apiaká, que vive na margem direita, e do povo Kayabi, que mora na margem esquerda. Portanto, estas duas UHEs atingirão diretamente estes dois povos. Porantim - Como o senhor avalia os impactos nas terras dos povos Rikbaktsa e Munduruku? O povo Rikbaktsa, certamente, será o povo que sofrerá os mais intensos e nocivos impactos, considerando o que está planejado pela indústria de eletricidade para a bacia do Tapajós. Duas de suas três áreas estão localizadas na margem direita do Rio Juruena e de modo contíguo denominadas: A totalidade das terras indígenas contidas na bacia do muitos mais graves, caso os projetos planejados sejam Erikpatsa (79.935 hectares) e Japuíra (152.509 hectares). A Tapajós será diretamente impactada com a maioria das construídos. Já existem 17 PCHs em operação - localizadas área Erikpatsa tem seus limites definidos pelo Rio Juruena áreas contendo as estruturas componentes das hidrelétricas na região do Alto Juruena -, mais de 80 PCHs inventariadas e pelo Rio do Sangue que, quando se aproxima da sua foz instaladas dentro das terras indígenas. e 24 UHEs planejadas. Todas estas hidrelétricas foram pla- no Rio Juruena, faz limites com a área da Japuíra. No Rio No caso do Rio Teles Pires, são cinco grandes empreen- nejadas segundo a concepção de “aproveitamento ótimo”, do Sangue, na área Erikpatsa, estão planejadas a construção dimentos. Destes, dois já estão em operação, as UHEs situadas nas extensões de todos os rios que formam a de três hidrelétricas, UHE Kabiara, UHE SAN-020 e UHE Colider e Teles Pires; dois em construção, as UHEs Sinop bacia do Rio Juruena. , sendo que esta última atinge diretamente, e São Manoel; e a UHE Magessi, que é uma hidrelétrica Na extensão do Rio Juína, que delimita a área indígena também, a área Japuíra. planejada. Portanto, estas cinco hidrelétricas, além de até a foz com o Rio Juruena, estão planejadas Do outro lado da área Erikpatsa, no Rio Juruena, mais determinarem uma série de obstáculos, com suas bar- a construção de três PCHs e uma hidrelétrica denominada duas hidrelétricas estão planejadas, a UHE Erikpatsa e a ragens localizadas na extensão do rio, definirão um UHE Jacaré, com impactos diretos sobre o povo Nam- UHE JRN-577. Na Terra Indígena Japuíra, que tem seus novo regime hidrológico no Teles Pires. Estes impactos bikwara. No trecho do Rio Juruena que limites definidos pelos rios Juruena, ocasionarão graves consequências, principalmente, para atravessa as áreas indígenas Nambikwara, Arinos e do Sangue, existem mais duas as terras indígenas localizadas entre a UHE São Manoel na margem esquerda, e Enawenê-Nawê, O povo Rikbaktsa, grandes hidrelétricas, a UHE ARN-026, até a foz do Rio Teles Pires no Rio Tapajós. Por volta de na margem direita, está planejada a UHE certamente,“ será o povo no Rio Arinos e a UHE Tucumã, no Rio 10 Km a jusante de São Manoel, começa a reserva indí- JRN-720, com o barramento localizado que sofrerá os mais intensos Juruena. Deste modo, nestas duas áreas gena Kayabi, do povo Kayabi, com área de 1.053.257,6 logo abaixo da foz do Rio 12 de Outubro do povo Rikbaktsa estão planejadas a hectares, situada parte na margem direita, no Pará, e no Rio Juruena, impactando diretamente e nocivos impactos, construção de sete grandes hidrelétri- parte na margem esquerda, em . Depois da as terras dos Enawenê-Nawê. considerando o que está cas. A terceira área do povo Rikbaktsa, área Kayabi, na margem direita do Teles Pires, no Pará, Vale ressaltar que estas áreas já estão chamada Escondido (168.938 hectares), começa a área do povo Munduruku, com 2.381.995 bastante impactadas, pois a montante do planejado pela indústria de está situada na margem esquerda do Rio hectares, que se estende até o Rio Tapajós. E, na margem trecho que o Juruena intercepta as terras eletricidade para a bacia do Juruena, aproximadamente a 120 Km da esquerda, após as terras do povo Kayabi, até a foz com o dos Nambikawara e dos Enawenê-Nawê Tapajós Terra Indígena Japuíra, descendo o Rio Tapajós, os impactos são sobre a área indígena do povo existem onze PCHs em operação. No caso Juruena. Na extremidade norte da TI Apiaká, isolados. Ainda, na cabeceira do Rio Teles Pires, dos Enawenê-Nawê, a situação é muito Escondido está planejada uma UHE, a na margem direita, encontra-se a terra do povo Bakairi, grave pois este povo não consegue sequer obter os peixes Escondido.” Esta hidrelétrica é de grande porte e inundará com 61.405 hectares. Os Bakairi estão aproximadamente do Juruena para a realização de seus rituais tradicionais. uma extensa área, a ponto do remanso do reservatório a apenas 70 Km da planejada UHE Magessi. Recentemente, a Funai [Fundação Nacional do Índio] teve atingir a TI Japuíra. Os impactos na ictiofauna, na fauna, na Na bacia do Teles Pires, além dos povos indígenas, que providenciar a compra de peixes produzidos comercial- flora e diretamente nas aldeias, se construídos os empreen- serão impactados diretamente projetos de assentamentos mente, que foram transportados em caminhões frigoríficos, dimentos planejados, são imensuráveis. com famílias camponesas, caso da UHE Magessi, que será para a celebração de um de seus ritos ancestrais. Outro povo, que também sofrerá danosos impactos construída dentro da área do projeto de assentamento Na extensão dos rios Sacre, Buriti e Papagaio - este em toda a extensão de suas terras, é o povo Munduruku, Santa Rosa II e do projeto de assentamento Piratininga. A último, afluente do Rio Juruena -, estão as terras indíge- cuja terras indígenas, além de serem impactadas pelas UHE Sinop, em construção, inundará dois grandes assen- nas Paresi, Utiariti e Tirecatinga, do povo Paresi. No Rio hidrelétricas do Teles Pires, sofrerão os impactos das gran- tamentos, o Gleba Mercedes e o 12 de Outubro. Além Sacre já existe uma PCH em operação, denominada Sacre des hidrelétricas localizadas no Rio Tapajós, denominadas disso, inúmeras colônias de pescadores serão diretamente 2, que foi construída dentro da reserva Tirecatinga, junto UHE São Luiz do Tapajós, UHE Jatobá e UHE Chacorão. impactadas pelos empreendimentos hidrelétricos da bacia ao Salto Belo. Para o Rio Sacre estão planejadas ainda a Todos estes empreendimentos planejados, se cons- do Rio Teles Pires. UHE Foz do Sacre e a UHE Sacre 1 e mais 3 PCHs, respec- truídos, vão produzir uma sequência de barramentos Porantim - E em relação aos rios Juruena e Juína? tivamente, Sacre 3, 4 e 5. No Rio Papagaio, junto a uma com reservatórios sucessivos, nos rios Tapajós, Juruena e Na bacia do Rio Juruena os cenários, tanto presente das quedas mais belas do país, dentro das terras do povo Teles Pires, alterando profundamente a natureza de toda como futuro, são trágicos. O elevado número de projetos Paresi, está planejada a UHE Salto Utiarití. Na extensão do a bacia e intensificando o cenário de incerteza proporcio- hidrelétricos já determina muitos impactos diretos aos Rio Buriti, que limita a reserva Tirecatinga até a sua foz no nado pela indústria de eletricidade brasileira, em relação povos indígenas, camponeses e pescadores que habitam Rio Papagaio, estão planejadas 8 PCHs e uma hidrelétrica à reprodução dos povos indígenas, dos ribeirinhos e dos esta bacia e, inevitavelmente, as condições serão ainda no encontro do Rio Buriti com o Papagaio, denominada camponeses que habitam a bacia do Tapajós. u 12

Setembro 2016 PEC 215: mobiliza o país, mais uma vez

Assessoria de Comunicação

s informações davam conta de que a bancada ruralista confabulava, com o início do mandato de ARodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara

Federal, pela votação entre os parlamentares da Proposta Foto cedida pela povo Tupinambá de Emenda à Constituição (PEC) 215. Ela poderia ocorrer no início de agosto e até mesmo no Dia Internacional dos Povos Indígenas (9). A resposta aos ruralistas, no entanto, foi imediata. Agosto Indígena Mobilizações país afora no dia 10 demonstraram o poder que a PEC 215 possui de unir os povos indígenas em um objetivo comum: a defesa do território tradicional e do seu modo de viver ancestral, o seu Bem Viver. No mesmo espírito, cerca de 200 lideranças de povos indígenas, quilombolas e pescadores e pescadoras artesa- nais, após reunião com Rodrigo Maia, haviam ocupado o auditório Nereu Ramos, no anexo II da Câmara, na noite No sul da Bahia, os Tupinambá também denunciaram uma série de violências cometidas contra as comunidades indígenas do dia 9, ao término da audiência em homenagem ao Dia Internacional dos Povos Indígenas. Para que desocupassem o auditório, o presidente Rodrigo Mais prometeu que não colocaria a PEC 215 em votação, Com lei, sem lei, apesar da lei e contra a lei, ao menos até fevereiro de 2017, e que não iria prorrogar os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que os povos indígenas sempre estarão na luta investiga as demarcações de terras indígenas e quilombolas feitas pela Funai e pelo Incra. Assessoria de Comunicação Carta Aberta do encontro. Outro tema discutido Mesmo com a promessa de Maia, os povos realizaram pelos jovens foi a afirmação dos costumes e das atos e protestos nas cinco regiões do país no dia seguinte. “ encontro reforçou aquilo que de mais precioso crenças diante do Estado e da sociedade que a todo “Na prática nós já enfrentamos a paralisação das demarcações O os povos indígenas possuem: seus jovens, que momento os interpela negando a eles tais direitos. há alguns anos. Sem a PEC 215 já está ruim, imagine com ela. continuarão a luta dos mais velhos pela Terra Sem “Atualmente, estamos sofrendo violências e vio- A Funai está sucateada, e a CPI da Funai/Incra ainda tenta Males. Também foi um momento de intercâmbio: se lações de nossos direitos constitucionais. Buscamos desfazer o pouco que o órgão fez”, Oziel Jacinto Kaingang, nas décadas de 1970 e 1980 ocorriam as Assembleias justiça pela vida, fortalecendo nossos costumes, da Aldeia Nova, município de Iraí, Rio Grande do Sul. Indígenas, onde os povos se conheciam e trocavam crenças e tradições protegendo nossas terras e ter- Das terras indígenas Aldeia Nova, Iraí, Rio dos Índios experiências, hoje a juventude faz algo semelhante”. ritórios”, afirmaram. e Rio da Várzea vieram os cerca de 600 Kaingang que As palavras de Ângelo Bueno, missionário do Unir para lutar e unificar bloquearam durante o dia, o trecho da BR-386, entre os Conselho Indigenista Missionário (Cimi), resumem o para vencer estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. “Também Encontro da Juventude Indígena do Acre, Amazonas, exigimos a demarcação de nossos territórios. Rio dos Índios, Rondônia, , Pará e Amapá ocorrido entre os Entre os dias 23 e 28 de agosto, em Luziânia (GO), em Vicente Dutra, está com portaria declaratória desde dias 11 e 14 de agosto, em Manaus (AM). Às voltas ocorreu o Seminário Nacional da Juventude Indígena, 2005, mas os governos se omitem e não finalizam o reco- com problemas dos mais variados na Amazônia, os que reuniu jovens que participaram de vários encon- nhecimento da nossa ocupação ancestral há onze anos. jovens se debruçaram sobre discussões envolvendo tros regionais realizados em diversas regiões do país Por isso estamos agora em processo de autodemarcação”, “grandes projetos de morte”, caso do Redd, dos mega durante 2016. Diante do complexo e iníquo cenário explica Oziel Kaingang. empreendimentos, da grilagem de terras, da invasão em que se pretende a todo custo suprimir direitos Se todas as terras indígenas do Rio Grande do Sul fos- madeireira nos territórios, do agronegócio e da explo- indígenas, os jovens de dezenas de povos assumiram sem demarcadas, aponta o coordenador do Cimi Regional ração petrolífera. o comprometimento com a árdua luta da resistência e Sul, Roberto Liebgott, ocupariam apenas cerca de 0,5% do “Projetos estes que afetam diretamente o modo a afirmação de seus direitos e projetos de Bem Viver. território total do estado. de vida de nossos povos, violando nossos direitos, Nesse sentido, elas e eles reafirmaram o respeito com No Nordeste, mais de 500 indígenas das aldeias Tupi- através das criações das PEC 215/00, PEC 409/01, as anciãs e os anciãos e com todo o conhecimento nambá de Olivença se manifestaram em diversos pontos PEC 2540/06, PL 1610/96, PL 4059/12, PL 490/07, PL ancestral sagrado que lhes foi e continua sendo passado. do município de Ilhéus, no sul da Bahia. Eles incluíram 2057/91, PL 4750/12 e o Marco Temporal, que vem Os documentos finais dos dois encontros podem ser acessados entre suas demandas a extinção do Projeto de Lei 4059, nos atacando nesses últimos tempos”, diz trecho da em: goo.gl/PqaEml e goo.gl/faKp7K que abre ainda mais as portas para o capital estrangeiro na aquisição de terras. “Não só nas terras indígenas, mas em todas as terras, é a porta aberta para mais invasões. Estamos alertando para algo grave não só para os povos indígenas, “A terra é nossa mãe, por isso cuidamos dela” mas para toda a sociedade brasileira”, destacou Jamapoty. eunidas em Araguaína nos dias 10 e 11 de agosto, ameaças que seus territórios vêm sofrendo. “Fora Temer!” em várias línguas Ras mulheres indígenas dos povos Apinajé, Krahô, As mulheres denunciam as danosas consequências , Kanela do Tocantins, Karajá de Xambioá, junto da expansão do agronegócio no estado do Tocantins Em Roraima os povos indígenas se mobilizaram na com quilombolas do Quilombo Dona Jucelina, do muni- e exigem, como garantia mínima para a sobrevivência capital Boa Vista. O protesto foi contra a PEC 215, a CPI da cípio de Muricilândia, debateram sobre os ataques e as de seus povos e comunidades, a mudança do modelo Funai/Incra e pelas demarcações das terras indígenas, além de desenvolvimento agressivo contra a natureza e os de reivindicarem proteção pelo Estado nacional. Também povos e comunidades tradicionais, a reforma agrária e a houve povos indígenas que pediram o “Fora Temer!”, por demarcação e titulação de seus territórios tradicionais. exemplo na língua Macuxi. Apesar do Norte ser a região Sara Sanchez “Os projetos de plantio de soja, cana-de-açúcar, do país com mais terras indígenas demarcadas, os povos eucalipto e de outras monoculturas, que destroem a são constantemente acossados por madeireiros, grileiros, natureza e matam as nascentes, diminuem as águas em caçadores, grandes empreendimentos estatais e expansão nossas aldeias, acabam com os nossos peixes, e matam das fronteiras agropecuárias. as nossas caças... Nós, mulheres, estamos sofrendo todos A única postura truculenta contra os protestos ocorreu os efeitos negativos do agronegócio. Nossas crianças no Amazonas. O povo Mura bloqueou um trecho da AM-254 estão ficando doentes e não estamos sabendo como que liga o município de Autazes a Manaus e, sem esperar cuidar delas”. o término das negociações, a Polícia Militar desocupou a via à força. Leia o documento final do encontro em: goo.gl/yinIU3 13

Setembro 2016 A contínua agonia e morte dos Pauta Indígena 1/8 u Cimi obtém status consultivo na ONU: Guarani nas margens das rodovias “Denúncia das violências contra os indígenas se qualifica”

Roberto Liebgott, Coordenador do Cimi Regional Sul 4/8 u Ibama arquiva licenciamento da hidrelétrica em a demarcação de suas terras, as comunidades Guarani Carlos Latuff São Luiz do Tapajós, que alagaria território Munduruku SMbya vivem sob as lonas e sob as rodas dos caminhões nas margens das rodovias, estaduais e federais, no Sul do país. 5/8 u “Direito não se negocia, direito se cumpre”, Cotidianamente repetem-se nos acampamentos indíge- afirma liderança Kaingang da TI Rio dos Índios nas as situações de dor, sofrimento e morte. Desta vez foi 8/8 vitimado, pelas rodas de um caminhão, Lucas Fernandes, de u Cimi Regional MT reflete sobre os povos apenas 36 anos de idade. Homem que lutava, juntamente indígenas em contextos urbanos durante 42ª com sua comunidade, pela possibilidade de ter uma vida Assembleia longe do asfalto e da morte prematura. 10/8 O acidente ocorreu no Km 299 da BR-290, no município u Como se diz Fora Temer! em Macuxi?: V Marcha de Caçapava do Sul, no acampamento que recebe o nome da dos Povos Indígenas de Roraima Terra Indígena Irapuá. Palco de inúmeras injustiças, ameaças, 11/8 u Morte anunciada no Tocantins: CPT denuncia expulsões, abandono e exclusão. As terras tradicionais dos Guarani Mbya foram doadas mais um caso de assassinato no campo Na tarde de 30 de julho, quando Lucas atravessava a pelo Estado aos fazendeiros rodovia com o objetivo de tomar um ônibus para visitar u Indígenas, quilombolas e pescadores pedem à Alemanha que não importe produtos de quem seus parentes, que habitam outro acampamento do povo as vidas indígenas sejam expostas às mais variadas formas agride suas vidas e territórios Guarani, a 30 quilômetros do Irapuá, acabou sendo atingido de violências. 12/8 por um caminhão que trafegava em alta velocidade. Lucas morreu sobre o asfalto da rodovia e à margem u Incêndio na TI Arariboia começou há mais de 30 A vida de Lucas foi ceifada antes mesmo dele ter tido a do direito – não apenas da estrada. O excluíram de tudo e, dias e apenas 18 o combatem possibilidade de pisar dentro da pequena área demarcada apesar de ser filho da terra, não há sequer uma cova para u Depois de prisão arbitrária no Pará, indígena pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e reconhecida pelo enterrar seu corpo, levado para uma distância de trezentos Poró Borari responde a processo em liberdade Ministério da Justiça como sendo terra tradicional de seu quilômetros, na área Guarani do Cantagalo, no município de 15/8 povo, os Guarani Mbya. Viamão, uma pequenina terra onde há um cemitério para as u Gamela retomam fazenda usada para retirar Lucas morreu porque a única opção que o Estado lhe vidas que são brutalmente arrancadas pela violência de um barro do Rio Piraí (MA), sagrado para o povo ofereceu foi a de viver na exclusão. Exclusão da assistência sistema e uma sociedade excludente e marcada pela ganância. u “Nós, mulheres, somos mães e cuidamos dos nossos filhos; a terra é nossa mãe, por isso que em saúde, da educação, do saneamento básico, da possibi- No Rio Grande do Sul, as terras indígenas, menos de 90, cuidamos dela” lidade de poder beber um copo de água potável. Exclusão estão com os procedimentos de demarcação paralisados. 16/8 da terra mãe. Essa determinação foi do governo federal com o propósito u 1 mil fecha Seduc de PE por criação da categoria Os fazendeiros, que em sua maioria são grileiros, recebe- de beneficiar os políticos da bancada ruralista, além de não de professor indígena e contra municipalização ram do Estado o direito à propriedade de áreas dentro de querer enfrentar a judicialização de seus atos administrativos. da educação terras indígenas. Eles não aceitam a existência dos Guarani, São ínfimos os hectares de terras regularizados no estado 17/8 não admitem a possibilidade de que estes têm direitos e mas, apesar disso, a oposição a esse direito constitucional u Relatório revela alto grau de insegurança obrigam, através das artimanhas políticas e jurídicas, que é intensa. u alimentar e nutricional entre Guarani e Kaiowá u Povo Mura mobiliza-se por direitos no Amazonas Povo Madiha (Kulina) enfrenta aumento 18/8 u Conselho Terena se prepara para a 9ª Grande Assembleia do povo de suicídios, violência e alcoolismo 23/8 Regional Amazônia Ocidental do Conselho Indige- u Armas e munições são apreendidas com nista Missionário (Cimi) vem a público manifestar sua fazendeiros presos por ataque a Guarani e O Kaiowá em Caarapó (MS) preocupação frente ao aumento dos casos de violência e u Mobilização histórica dos povos indígenas de PE suicídios que estão ocorrendo nas aldeias Madiha (Kulina) impede retrocessos e avança pauta da educação do alto Purus. u Indígenas e quilombolas protestam no TRF-4 Desde o dia 1º de dezembro de 2015 até o dia 14 de julho Amazônia Ocidental Equipe Cimi (RS) contra o Marco Temporal e são recebidos de 2016 já foram registrados dez casos de suicídio ao longo por desembargadora das diversas aldeias nos rios Purus e Chandless. 24/8 Afora os casos de suicídio, recentemente, os Madiha u Povo Pataxó da TI Comexatibá sofre atentado e (Kulina) enfrentaram outras situações de violência, como ameaças de despejo forçado da aldeia Cahy o afogamento de um indígena (Bernoni Kulina), no porto 25/8 da cidade de Manoel Urbano, e o assassinato de Francisco u “Em luta pela Amazônia Viva”: povos da floresta reúnem-se para discutir ameaças da economia Kulina; cometido também em Manoel Urbano, este crime verde permanece impune e o assassino continua solto. É preciso que o Estado implemente políticas públicas voltadas à 26/8 valorização da vida do povo Madiha (Kulina), no Acre Para piorar esta dolorosa e violenta realidade, ocorre uma u Requerimento para nova CPI da Funai e do Incra crescente onda de consumo de gasolina, seja por inalação mira demarcações que somam mais de 52 mil ou ingestão, pelos jovens Madiha (Kulina) e até mesmo por até o momento não tomamos conhecimento de nenhuma indígenas alguns adultos, além do alto consumo de bebidas alcoólicas iniciativa neste sentido. u Relatório evidencia situações de confinamento e facilmente encontradas nos bares das cidades ou nas áreas Manifestamos ainda nossa preocupação com o crescente segregação racial de indígenas na região Sul vizinhas à terra indígena. aumento do número de casos e com o impedimento de nossa 29/8 Em 19 de abril de 2016, o Cimi formalizou uma denúncia equipe entrar nas aldeias para contribuir e apoiar o povo na u Guardas florestais Ka’apor sofrem emboscada e mais um ramal madeireiro é descoberto na TI junto ao Ministério Público Federal (MPF) solicitanto que busca de soluções. Desde o início nos colocamos à disposição, Alto Turiaçu a Fundação Nacional do Índio (Funai), a Secretaria Especial inclusive, fornecendo o auxílio de profissionais e, por isso, repu- 31/8 de Saúde Indígena (Sesai) e outros órgãos competentes se diamos toda e qualquer tentativa de impedir nossa atuação e u Impunidade marca um ano do assassinato de inteirassem dessa situação e propusessem políticas públicas ocultar a verdade sobre o que vem ocorrendo. Simião Vilhalva Guarani e Kaiowá voltadas à valorização da vida do povo Madiha (Kulina), Rio Branco, 29 de julho de 2016 u Em paralelo à votação do impeachment, CPI da de acordo com sua cultura e espiritualidade. Infelizmente, Regional Amazônia Ocidental do Cimi Funai e do Incra é recriada na Câmara 14

Setembro 2016 Relatório do Cimi revela que violência contra indígenas permanece acentuada no Brasil “Não é justo que as empresas possam ser cada vez mais construídas nos territórios indígenas e os verdadeiros e originais desta terra estão sendo expulsos, estão sendo exterminados. Isso não é justo pra nós. E não vamos aceitar”. Elson Canteiro Guarani Kaiowá.

Assessoria de Comunicação De acordo com a Constituição Fede- ral, todas as terras tradicionais indíge-

omissão dos poderes públicos em nas deveriam ter sido demarcadas até Diego Pellizari relação aos direitos dos povos 1993, cinco anos após a promulgação A indígenas permanece acentuada da Constituição. No entanto, de acordo no Brasil. Sistematizados pelo Conselho com o levantamento do Cimi, em 31 de Indigenista Missionário (Cimi) no relatório agosto de 2016, 654 terras indígenas no Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil aguardavam atos administrativos Brasil, os dados de 2015 apontam 654 do Estado para terem seus processos casos registrados de omissão apenas em demarcatórios finalizados. Esse número relação ao direito à terra, o que impacta corresponde a 58,7% do total das 1.113 drasticamente no direito deles viverem terras indígenas do país. Violência Contra os Povos de acordo com o seu modo tradicional, Observa-se que, do total dessas 654 ambos reconhecidos e garantidos pela terras indígenas com pendências admi- Constituição Federal. Os registros das nistrativas para terem finalizados os situações de violência contra os povos seus procedimentos demarcatórios, 348 originários também permaneceram bas- terras - ou seja, pouco mais da metade tante elevados. O relatório foi lançado (53%) - não tiveram quaisquer provi- no dia 15 de setembro, na sede da Con- dências administrativas tomadas pelos ferência Nacional dos Bispos do Brasil órgãos do Estado até hoje. O maior (CNBB), em Brasília. número de terras nessa etapa Sem Pro- Em 2015, verificou-se a continuidade vidências concentra-se no Amazonas DEPOIMENTO dos casos de invasão e devastação das (130), seguido pelo Mato Grosso do terras demarcadas (53 registros); assim Sul (68) e pelos estados de Rio Grande “Estamos tentando voltar a viver o nosso como se manteve a realidade de agressões do Sul (24) e Rondônia (22). futuro, o futuro das nossas crianças” às pessoas que lutam por seus legítimos Outras 175 terras, ou 26%, encontra- direitos, com um alto registro de assassina- vam-se na fase A Identificar. Em muitos eu nome é Elson Guarani e Kaiowá, do Mato Grosso tos de indígenas (54 casos, de acordo com casos, verifica-se intensa morosidade Mdo Sul. No momento a gente tá na luta sobre o nosso o Cimi; e 137, de acordo com os órgãos nesta etapa. Este é o caso da Terra Indí- território Guarani Kaiowá, Dourados Amambaipeguá. oficiais); tentativas de assassinato (31 gena (TI) São Gabriel/São Salvador, do Recentemente, a portaria dele foi publicada. A partir de casos); homicídios culposos (18); amea- povo Kokama, localizada no município 12 de dezembro de 2014, nós, Guarani Kaiowá, da área ças de morte (12), dentre outros. Um de Santo Antônio do Içá, no Amazonas, Como as terras de Caarapó, basicamente uma população indígena de assustador número de morte de crianças que teve seu Grupo Técnico criado em seis mil pessoas, retomamos nosso tekoha tradicional, até 5 anos foi registrado (599 casos), em 25 de abril de 2003 mas, doze anos “indígenas não conhecido como Tey’i Jusu. A partir de Tey’i Jusu, a muitos casos por doenças facilmente tra- depois, seus trabalhos ainda não foram são demarcadas, minha luta de experiência é pouca, mas é suficiente táveis. O número de suicídios (87), sendo concluídos. também é para que eu possa entender o tamanho da violência que a maioria deles registrados no estado do Nas análises publicadas no relatório, vem acontecendo com os Guarani Kaiowá, no estado do e referentes ao povo o Cimi avalia que a ofensiva sobre os genocídio. O Mato Grosso do Sul. Durante a minha luta, nas áreas de Guarani e Kaiowá (45), também é consi- direitos indígenas realizada pelos Três governo brasileiro retomadas, participei de várias reuniões, das assembleias dos Guarani Kaiowá, Aty Guasu, e também da luta pelo derado bastante elevado e preocupante. Poderes, e protagonizada especialmente também é parte do Chamou atenção em 2015 o agrava- pela bancada ruralista no Congresso território tradicional do nosso povo. Depois da retomada de Tey’i Jusu, a gente sofreu os ataques dos fazendeiros mento do número de perversos ataques Nacional, assim como pelo Executivo genocídio Guarani que, basicamente com mais ou menos 80 caminhonetes, milicianos contra os frágeis acampa- em relação à omissão nas demarcações e Kaiowá e deve ser todas eram Hilux, nos atacaram e destruíram as nossas mentos das comunidades Guarani e de terras, é diretamente responsável denunciado fora casas. Uma menina foi desaparecida e até o momento Kaiowá, também no Mato Grosso do pela permanência do quadro de severa não foi investigado o que aconteceu. Ela nunca mais violência e violações aos povos indígenas deste país porque Sul (leia depoimento da liderança Elson apareceu na comunidade. Canteiro Guarani Kaiowá nesta página). no Brasil. o Brasil tem o Então, hoje vivemos em um momento muito triste. Até mesmo inaceitáveis práticas de tor- Nesse contexto, o secretário exe- compromisso com No caso de nós, que vivemos em uma área de retomada, tura com requintes de crueldade, como cutivo do Cimi, Cleber César Buzatto, outros países de estamos sofrendo diariamente violações graves. Por a quebra de tornozelos de anciãos, foram ressaltou a agudez da criminalização exemplo, ataques paramilitares, ataques de venenos realizadas. Neste caso específico, em em 2015. “A tentativa de criminalizar punir os assassinos. agrotóxicos dentro da área de retomada e também o outubro, no tekoha Mbaracay, município lideranças indígenas, profissionais de O genocídio não despejo desse veneno, que vem poluindo as águas que de Amambai, após um desproporcional antropologia, organizações e pessoas está se dando a gente utiliza também pra fazer alimentos e tudo mais. ataque com armas de fogo. da sociedade civil que atuam em defesa Primeiramente, gostaria de dizer o que significa uma Como em anos anteriores, em 2015 dos projetos de vida dos povos indíge- somente com tiros, área de retomada. O que é retomada? A retomada é pouco se avançou nos processos de nas no Brasil também foi intensificada está se dando de quando estamos voltando, tentando ocupar aquilo que regularização das terras indígenas. Sete pelos ruralistas em 2015”, avalia Buzatto, é nosso, aquilo que pertence ao nosso povo por direito homologações foram assinadas pela referindo-se, por exemplo, às Comissões diversas formas há milhares de anos. Não é que a gente está invadindo e presidenta Dilma Rousseff, enquanto o Parlamentares de Inquérito (CPI) contra o tomando uma propriedade que não é nossa. Não é isso. Ministério da Justiça publicou apenas Cimi, instalada na Assembleia Legislativa ” Estamos retornando e recuperando o nosso modo de três Portarias Declaratórias e a Presi- do Mato Grosso do Sul, e a da Funai e vida, de viver como povo Guarani Kaiowá, como sempre dência da Fundação Nacional do Índio do Instituto Nacional de Colonização vivemos. A gente, a partir do momento que retomamos (Funai) identificou somente quatro terras e Reforma Agrária (Incra), instalada na nosso tekoha, o que acaba acontecendo? Sempre o nosso indígenas. Câmara dos Deputados. parente acaba perdendo a vida por lutar pelos seus 15

Setembro 2016

Elson Guarani Kaiowá, jovem professor e liderança, explica

didaticamente porque seu Ana Mendes povo não desiste do território tradicional e denuncia a violência que sofrem como consequência dessa resistência

direitos. A retomada não é somente do nosso Uma convenção internacional indígena território tradicional, é a retomada da nossa no Artigo 2, diz: “Na presente Convenção, terra, retomada do nosso alimento tradicional, entende-se por genocídio qualquer dos a retomada da nossa cultura, do nosso modo seguintes atos cometidos com a intenção de vida. Isso é que é retomada. Então, pra nós, de destruir, no todo ou em parte, um grupo não é somente uma retomada do nosso terri- nacional, étnico, racial ou religioso, tal tório. É a retomada do nosso modo de viver, como: matar membros do grupo; causar do Bem Viver do povo Guarani Kaiowá, que lesão grave à integridade física e mental de na nossa língua significa Teko Porã. Porque a membros do grupo. Artigo 3: Serão punidos retomada tem uma significativa muito forte: os seguintes atos: o genocídio; associação é quando a gente retoma o que é nosso, nosso de pessoas para cometer genocídio; inci- conhecimento, aquilo que foi tirado de nós. tação, direta e pública, para cometer o Quero dizer aqui que a nossa vida não está genocídio; tentativa de genocídio”. na reserva porque a reserva já criou muitos Então, como as terras indígenas não danos pro nosso povo. Muitos estão morrendo são demarcadas, também é genocídio. na reserva, sem condição de plantar, sem O governo brasileiro também é parte do condições de viver o nosso modo de vida, sem genocídio Guarani e Kaiowá e deve ser condições de viver a nossa liberdade. Quando denunciado fora deste país porque o Brasil retomamos a nossa terra, lá está a nossa vida, tem o compromisso com outros países lá está a nossa liberdade, lá está a liberdade das de punir os assassinos. O genocídio não nossas crianças, de circular, de ser feliz. Então, está se dando somente com tiros, está é uma grande honra para nós lutar por nosso território. se dando de diversas formas. As áreas de E o que significa território pra nós, Guarani Kaiowá? Nós retomadas são criminalizadas de diversas vivemos de um modo muito diferente. O nosso pensamento formas porque não pode ter atendimento é diferente dos não indígenas. Tekoha Guasu significa o médico porque a terra não está regula- grande território, que também hoje está correndo risco rizada. A educação escolar indígena não de não ser demarcado. Este grande território que a gente pode funcionar porque a terra não está tanto precisa pra continuar vivendo e sobrevivendo. Um regularizada. Desta forma, a retomada lugar onde se reproduz uma comunidade do povo do jeito está sendo criminalizada, sim. Por que que seja o povo Guarani Kaiowá. não prestar uma política pública para Qual é a nossa preocupação, dos Guarani Kaiowá, no quem se encontra nesta área? As crianças momento? A decisão política do governo que, no Legisla- que estão lá estão morrendo por falta de tivo, cria um projeto de lei que visa mudar a Constituição atendimento médico. que garante o nosso direito; no poder Executivo, que Dizer aqui também que em Caarapó, paralisou a demarcação; e no Judiciário, que está revi- Pra conquistar No Mato Grosso do Sul, quando no ataque em que morreu Clodiodi... hoje isso não está sando as terras demarcadas. Isso, pra nós, é genocídio. você visita, o que você vai observar sendo em vão. A gente está disposto, a partir de hoje, o Isso, pra nós, está tirando o nosso direito de viver como “o direito que a mais lá? É cana, é soja, é o milho. E povo Guarani Kaiowá vai brigar com a Polícia Federal, com povo no nosso tekoha. gente tem na o que as bancadas ruralistas defen- o governo, com qualquer um. A gente não vai sair do local, Então, nós, enquanto Guarani Kaiowá, no nosso terri- Constituição, dem? Que eles produzem alimento a gente vai garantir porque aconteceu uma morte, teve o tório tradicional, estamos tentando voltar a viver o nosso para a mesa do brasileiro. Mas a ataque, com vários tipos de armamentos, foi muito pesado... futuro, o futuro das nossas crianças. É por isso que eu muitas lideranças verdade é que eles não produzem. Acabei fazendo uma oração para Nhanderu, que me me orgulho de estar aqui hoje. Nós sabemos que temos não estão mais Eu deixo uma pergunta: na mesa de fortaleceu pra fazer esta fala porque depois destas imagens direitos garantidos na Constituição. Hoje nós falamos isso vocês, vai a cana, a soja, o milho? [referindo-se ao vídeo sobre o Massacre de Caarapó exibido para nossa comunidade. A cada dia estamos conversando aqui, deram suas Não, isso não está na mesa de todos. minutos antes], talvez, eu não conseguiria falar, porque foi mais sobre a conjuntura política e econômica que cada vez vidas pra garantir Esta soja, o milho e a cana, têm muito peso para mim. A partir disso, meu povo nunca mais mais é contra a demarcação das terras indígenas. Então, este direito. E sangue Guarani Kaiowá. vai esquecer aquele ataque em Caarapó, este massacre. nós também, cada vez mais, estamos firmes na luta. Pra Este país Brasil está manchado Muitos foram feridos. conquistar o direito que a gente tem na Constituição, nós temos que com o sangue do povo indígena, Até o MPF não acreditou; no momento, chegou pedindo muitas lideranças não estão mais aqui, deram suas vidas lutar hoje para que é dono desta terra. Esta terra desculpa. Muitas vezes a gente não acreditava que isso tava pra garantir este direito. E nós temos que lutar hoje para que esta lei seja é nossa, esta terra tem dono: o acontecendo. Desde às 7h até às 9h, os carros se ajuntaram que esta lei seja cumprida. Até o momento nenhum fazen- povo indígena brasileiro, que é e se agruparam. Às 9h da manhã na terça feira, se dividiram deiro foi morto. Sempre nós, indígenas, somos mortos na cumprida originário desta terra. em dois grandes grupos e eles começaram a atacar. Diante retomada de nossas terras. Quero dizer aqui, como Marçal deste massacre e diante da morte de Clodiodi, a gente Para nós é uma honra ser guerreiro, morrer para defender ” de Souza e outros líderes que tam- não poderia abrir mão do nosso tekoha. A gente tem que uma vida ou morrer para garantir que alguém tenha vida. bém defendem a causa indígena, denunciar este governo golpista que tenta acabar com o A nossa organização social também é garantida por lei. que não tiveram medo de defender a denúncia, a grave nosso direito. Guarani Kaiowá é um povo que não desiste Nós nos organizamos do jeito que nós bem entendemos. violação que tava acontecendo com nosso povo. Por isso porque a gente conseguiu resistir mais de 500 anos até Então, não precisa alguém falar para nós “vai, entra lá, calaram a boca deles. Mas isso que eles fizeram não acabou agora. Então, não é por isso que a gente vai desistir. aquele território pertence a vocês”. Nós mesmos tomamos na nossa memória, está sempre plantado aqui na nossa Quero deixar aqui uma mensagem sobre ameaça. Mui- a nossa decisão e partimos. cabeça. Ele foi um grande líder e não teve medo. A gente tas vezes sou ameaçado de morte. Se me matarem, com O que a gente precisa é de apoio e solidariedade aos também não tem medo. Porque se a gente mostrar que tem certeza, eu renascerei na memória do meu povo Guarani Guarani Kaiowá. Não é justo que as empresas possam ser medo, o ameaçador já vai se sentir vitorioso porque a gente Kaiowá. Que meu sangue seja a semente da liberdade, que cada vez mais construídas nos territórios indígenas e os mostrou que tem medo. A gente não vai mostrar que tem em breve será realidade. O povo Guarani Kaiowá morrerá. verdadeiros e originais desta terra estão sendo expulsos, medo pra esta bancada ruralista e pra este setor político Outras lideranças morrerão. Mas a nossa organização, o estão sendo exterminados. Isso não é justo pra nós. E não econômico que está tentando acabar com a demarcação vínculo com a terra, a forma como lutamos, a luta pelo vamos aceitar. de nossas terras. nosso direito, isso nunca vai morrer. u 16

Setembro 2016 A Rebelião de Ajuricaba

Benedito Prezia, Historiador Santo Ângelo de Cumaru, Nossa Senhora da Conceição que estavam em poder dos portugueses. Ajuricaba se de Mariuá (futura Barcelos) e Nossa Senhora do Carmo comprometeu também em tirar a bandeira holandesa ntre os muitos povos do médio Amazonas que de Caboquena. que tremulava em sua canoa, que para ele não passava resistiram à conquista portuguesa destaca-se o Huiuebene não imaginava que poderia ser vítima de um enfeite sem muito valor. Epovo Manao1. Pouco se sabe sobre esta nação também do esquema escravista que apoiava. Desen- O tratado de paz durou pouco, pois logo chegaram que vivia próximo à foz do Rio Negro. Seu nome prova- tendendo-se com os comerciantes quanto ao preço a Belém notícias de que o conflito recomeçara. O gover- velmente está relacionado aos moradores da legendária dos cativos, foi morto por eles. Ao saber da morte do nador mandou um pequeno exército equipado com cidade do ouro, chamada Manoá, que era o El Dorado pai, Ajurucaba retornou à aldeia para devolver a antiga canhão. Depois de um cerco de vários dias, a fortaleza dos espanhóis. Esses indígenas, de língua Aruak, eram altivez a seu povo e reorganizar a comunidade. indígena caiu sob o poderio das armas de fogo. Ajuricaba grandes guerreiros e foram acusados de antropofagia, Articulando-se com os Mayapena, habitantes de e mais trezentos guerreiros foram presos e deveriam ser embora tal prática nunca tivesse sido comprovada. cachoeiras do alto Rio Negro, fez uma frente de resistên- conduzidos a Belém. Era o ano de 1727. Entre os poucos registros que deles se guardam, cia, desencadeando, em 1723, uma guerra que duraria Na viagem, esse líder e os outros prisioneiros se há um pequeno relato do padre Samuel Fritz, jesuíta quatro anos. rebelaram, conforme o registrado numa carta que o

Resistência Histórica alemão que, em 1689, teve contato com eles no médio Com um grupo de guerreiros, passou a atacar a governador enviou ao rei de Portugal: Solimões. Ele assim os descreveu: fortaleza de São José do Rio Negro e as várias missões Quando Ajuricaba estava vindo como prisioneiro Enquanto estava em minha choça, veio comerciar da região. Com armas de fogo que os holandeses lhes para a cidade de Belém, e ainda estava navegando no com os Jurimaguas, em umas dez canoas, uma tropa de passavam e com outras armas obtidas em confronto rio, ele e outros homens levantaram-se na canoa, onde Manaves [Manao], índios gentios [não cristãos]. Eu, à sua com os portugueses, os Manao se mostravam cada vez estavam sendo conduzidos, agrilhoados, e tentaram matar chegada, saí para recebê-los... Vieram e, muito contentes, mais afoitos. Como escreveu o governador do Pará, os soldados. Estes sacaram suas armas e feriram alguns estiveram comigo, chamando-me em sua língua “Abbá- Maia da Gama, além de armas de fogo, “se fortificaram deles e mataram outros. Então, Ajuricaba saltou da canoa -Abbá”, que significa “padre”. São esses índios Manaves em paliçadas de tronco e barro, e até com torres para para a água, com outro chefe, e jamais apareceu vivo ou muito valentes e temidos dos gentios vizinhos e fizeram observação e defesa. Por esse motivo nenhuma tropa morto. Deixando de lado o sentimento pela perdição de frente, há anos, a uma tropa portuguesa2. lhes atacou até agora pelo temor de suas armas e cora- sua alma, ele nos fez uma grande gentileza, libertando-nos Embora a conquista da Amazônia tenha se iniciado gem. E por essa dissimulação estão eles transformados dos temores de sermos obrigados a guardá-lo4. após a expulsão dos franceses do Maranhão, em 1615, a em orgulhosos a se arrogarem em cometer todos os Ajuricaba, atirando-se nas águas do Amazonas, perdeu grande disputa territorial travava-se com os espanhóis, excessos e matanças”3. a vida, mas entrou para a memória de seu povo como que ainda se sentiam donos da metade do continente. O governador do Pará queria uma ação mais radical, o grande libertador, e que voltaria um dia a resgatá-lo Essa contenda tomou corpo e causou espanto, quando a ser realizada por uma expedição punitiva, embora não do poder dos portugueses. Pedro Teixeira, em meados de 1637, subiu o Rio Amazonas, tivesse certeza de vitória. Essa insegurança possibilitou O ouvidor Francisco Ribeiro de Sampaio, ao visitar o conseguindo chegar até Quito, no atual Equador, uma uma negociação entre as partes, sugerida pelo jesuíta Rio Negro no final do século XVIII, ficou surpreso com das mais importantes cidades do Vice-Reinado do Peru. José de Souza, numa tentativa de ganhar tempo e buscar esse episódio de luta indígena: A aproximação dos lusitanos com o povo Manao uma saída menos violenta. O que é mais célebre na história de Ajuricaba, é que ocorreu bem mais tarde, em 1675. Percebendo a dificul- Indo à região, o missionário conseguiu selar um todos os seus vassalos e os da sua nação, que lhe tribu- dade na conquista desse imenso território, cortado por tratado de paz: cinquenta prisioneiros indígenas das tavam o mais fiel amor e obediência, (...) parecendo-lhe inúmeros rios, o sargento Guilherme Valente, comandante missões seriam trocados por cinquenta guerreiros Manao, quase impossível que ele morresse, pelo desejo que conser- da recém-construída fortaleza de São José do Rio Negro, vavam da sua vida, esperavam por ele, como pela vinda decidiu fazer aliança com esse povo, casando-se com de El Rei D. Sebastião esperam os nossos sebastianistas5. a filha de Kaboquena, importante cacique Manao. Tal Ele não voltou, mas sua figura está presente até união, que parecia ser uma vantagem para esse povo, hoje na história regional como um dos heróis mais mostrou-se desastrosa, pois levou não somente à dis- importantes da resistência indígena da Amazônia e seminação de doenças, mas, sobretudo, ao aumento do do Brasil. u tráfico de escravos. Foram presos não somente indíge- nas inimigos, como também muitos guerreiros Manao, vítimas da prepotência lusitana. Com a morte de Kaboquena, no início do século XVIII, seu filho mais velho Huiuebene, assumiu a chefia do povo. Manteve a prática escravista do pai, provocando mais descontentamento das lideranças. Até seu próprio filho, Ajuricaba, decidiu retirar-se para o interior com seu grupo familiar. Percebendo que a pacificação indígena não seria tarefa fácil, o rei de Portugal pediu aos carmelitas para estabelecerem missões ao longo do Rio Negro. Nessa época foram criadas as missões de Santa Rita da Pedreira,

1 Aparecem na documentação várias grafias para este povo; opta- mos por essa registrada nos documentos oficiais no século XVIII, assim como no único texto nesse idioma, que é um catecismo católico, cuja versão foi feita por um indígena cristão Manao desse mesmo século. 2 Diário, Revista do Instituto Histórico Geographico Brazileiro, vol. 81, [1917], p. 381. 3 GAMA, Maia da. Relatório ao rei de Portugal, 1727. Apud SOUZA, Márcio, Ajuricaba, herói de um povo sem memória? In: Teatro indígena do Amazonas, 1979, p. 14. 4 Id., ib., p. 16. 5 O ouvidor faz referência à lenda que afirma que Dom Sebastião, jovem rei português morto numa batalha no norte da África, em 1580, retornaria em 74 dias para implantar um novo império português, mais poderoso que o anterior. In: SAMPAIO, Fran- cisco, Diário da viagem que em visita e correção das povoações da capitania de S. Jozé do Rio Negro fez o ouvidor e intendente geral da mesma, Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio no anno de 1774 e 1775. Lisboa, 1825, p. 112.