CAMPUS JOSÉ SANTILLI SOBRINHO Coordenadoria de Jornalismo

Gleiciane de Gesso

O DIFERENCIAL NA CRÔNICA DE CARLOS HEITOR CONY

ASSIS

Novembro 2009

FICHA CATALOGRÁFICA GESSO, Gleiciane O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony / Gleiciane Gesso. Fundação Educacional do Município de Assis – Fema : Assis, 2009 74p.

Trabalho de Conclusão de Curso ( TCC ) – Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo – Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis

1.Crônica. 2. Leitura. 3. Educação. 4. Leitor

CDD: 070 Biblioteca da FEMA

CAMPUS JOSÉ SANTILLI SOBRINHO Coordenadoria de Jornalismo

O DIFERENCIAL NA CRÔNICA DE CARLOS HEITOR CONY

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis (IMESA), como requisito parcial para aprovação no curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo.

Aluna: Gleiciane de Gesso Orientadora: Professora Mestra Eliane Aparecida Galvão Ribeiro Ferreira.

ASSIS

Novembro 2009

Agradecimentos

Agradeço a Deus, primeiramente, por ter me dado saúde, paz e discernimento.

A todos os professores e mestres desta instituição que, com carinho e atenção, me passaram sabedoria. Em especial, ao Professor Eduardo Reis que aprimorou minha paixão por jornalismo literário, aperfeiçoando a minha capacidade.

À Professora Mestra e Doutoranda Eliane Galvão que despertou meu interesse em buscar os melhores resultados, o meu agradecimento especial pela dedicação, competência e amizade com que me acompanhou em todas as etapas deste trabalho.

A todos os meus colegas de curso, em especial, as amigas: Aline, Conceição e Denise, parceiras e protagonistas de incertezas e conquistas.

Aos amigos de longas datas que me apoiaram desde a escolha do curso até a conclusão dele, provando ser possível alcançar esse sonho que se torna realidade.

A todos do Programa Escola da Família que me ajudaram nessa caminhada, principalmente, a Marli e o Rafael, que serviram de ombro amigo nesta conquista.

Aos meus padrinhos que além de apoio pessoal, caminharam ao meu lado em todas as horas de alegria e ardor.

Aos meus amados e queridos pais que, na sua simplicidade, me ensinaram a importância do respeito ao próximo e me apoiaram desde o primeiro instante.

Aos meus Irmãos que me ajudaram a refletir com cautela em cada passo dado.

Às minhas avós, tias, tios e primos que não me deixaram desanimar. Em especial, ao meu avô, Augusto, que, mesmo sem estar presente, foi fundamental para minha existência, tornando-se, hoje, o meu exemplo de humildade e integridade.

E, em especial, à Gabriela, minha filha, que, na mais pura inocência de seu primeiro aninho de vida, me mostrou o real sentido de amar, aperfeiçoando a inconstante mistura de aprendizado e crescimento. E como aprendi com ela.

Dedicatória

À minha filha.

Aos meus pais e irmãos.

Aos apaixonados por Cony

Ao mundo irônico que Deus criou

Para os cronistas de plantão.

CAMPUS JOSÉ SANTILLI SOBRINHO Coordenadoria de Jornalismo

Gleiciane Gesso

O DIFERENCIAL NA CRÔNICA DE CARLOS HEITOR CONY

______

Eduardo Henrique Américo dos Reis Alcioni Galdino Vieira

______

Eliane Ap. Galvão Ribeiro Ferreira

Resumo

O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem por objetivo analisar crônicas produzidas por Carlos Heitor Cony que foram, sob a forma de coletânea, recolhidas em livros. Pretende-se observar se este tipo de texto é atraente para o jovem leitor. Para tanto, desenvolveu-se uma pesquisa de campo com jovens alunos do ensino médio, visando detectar se possuíam o hábito da leitura, sobretudo, de crônicas. Ainda objetivou- se refletir e diagnosticar o porquê desses jovens lerem esse gênero e quais elementos classificavam como mais atraentes nas narrativas.

Palavras-chave: crônica, leitura, educação, leitor.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 7

Abstract

This work of conclusion‟s course is to analyze chronicles produced by Carlos Heitor

Cony that were in the form of collection and collected in books. It is intended to observe if this type of text is attractive for the young reader. To do so, has developed a field research with students of high school, to detect the habit of reading, especially of chronic.

Although it was aimed to reflect and diagnose why these young people read this genus and which are categorized as more attractive in the narratives.

Keywords: chronic, reading, education, reader.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 8

Tenho por norma achar que a verdade é uma questão de opinião e não de informação. Pilatos perguntou a Cristo o que era a verdade – e olha que perguntava a quem se declarava a própria Verdade. Não teve resposta. Mesmo assim, tomou as providências necessárias.

Opinião X informação – Carlos Heitor Cony

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 9

Lista de tabelas

Tabela l – Idade dos entrevistados...... 41

Tabela ll – Os motivos que levam os alunos a ler...... 42

Tabela lll – O que os entrevistados mais leem...... 43

Tabela lV – Os gêneros mais interessantes...... 44

Tabela V – Leitura da Folha de São Paulo...... 45

Tabela Vl – Caderno da Folha mais lido...... 46

Tabela Vll – Conceitos de crônica...... 47

Tabela Vlll – Leitura de crônicas na Folha...... 48

Tabela lX – Escritor mais lido na Folha...... 49

Tabela X – As crônicas mais lidas de Cony...... 50

Tabela Xl – Opinião sobre as obras de Cony...... 52

Tabela Xll – A crônica mais atraente entre as mencionadas...... 53

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 10

Lista de gráficos

Gráfico l – Idade dos entrevistados...... 41

Gráfico ll – Os motivos que levam os alunos a ler...... 42

Gráfico lll – O que os entrevistados mais leem...... 43

Gráfico lV – Os gêneros mais interessantes...... 44

Gráfico V – Leitura da Folha de São Paulo...... 45

Gráfico Vl – Caderno da Folha mais lido...... 46

Gráfico Vll – Conceitos de crônica...... 48

Gráfico Vlll – Leitura de crônicas na Folha...... 49

Gráfico lX – Escritor mais lido na Folha...... 50

Gráfico X – As crônicas mais lidas de Cony...... 51

Gráfico Xl – Opinião sobre as obras de Cony...... 52

Gráfico Xll – A crônica mais atraente entre as mencionadas...... 54

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 11

SUMÁRIO

Introdução...... 14

Capitulo I

A Crônica em suas origens

1. Breve história da crônica...... 18

1.1 A crônica no Brasil ...... 19

1.2 A crônica e o jornalismo...... 20

1.3. A diferença da crônica brasileira...... 22

2. Os grandes cronistas brasileiros...... 24

3. A crônica e a formação do leitor...... 25

3.1. A importância da biblioteca...... 27

Capítulo Il

O autor em questão

1. Sua trajetória...... 30

1.1. Cony e a crônica...... 31

1.2. Cony e a política...... 33

1.3. Cony e a reflexão lírica...... 36

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 12

Capítulo lll

A pesquisa

1. Resultados da pesquisa...... 41

2. O projeto: “Crônica na sala de aula...... 56

Capítulo lV

A análise

1. Analisando a crônica “Romance da moça”...... 59

Conclusão...... 62 Referências bibliográficas...... 65 Referências Eletrônicas...... 66 Anexos...... 67

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 13

Introdução

Vinda do gênero literário, a crônica, produzida principalmente para veiculação na imprensa, tornou-se uma seção da revista ou do jornal. Esse gênero tem como finalidade própria a utilidade pré-determinada de agradar aos leitores dentro de um mesmo espaço e estabelecer uma familiaridade entre o escritor e o ledor. Publicada pela primeira vez no Jornal de Débatis, Paris, em 1799, a crônica surge na forma de literatura produzida inicialmente por poetas e ficcionistas, transformando fatos do dia-a-dia em fantasia. A palavra crônica possui inúmeros significados, “todos, porém, implicam a noção de tempo, presente no próprio termo, que procede do grego chronos.” (ARRIGUCCi, 1987, p.51). Tem a aparência de um texto curto e narrado em primeira pessoa com o propósito de afunilar o vínculo de seu autor e fazer com que o mesmo “dialogue” com seu leitor, apresentando uma visão mais pessoal do assunto, ou seja, a visão do cronista ao relatar determinado tema. No Brasil, o gênero crônica foi desenvolvido por grandes escritores como Carlos Drummond de Andrade e . Há, ainda, outros que se especializaram nessa forma de narratividade e passaram a ser conhecidos como cronistas, entre eles estão: Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Raquel de Queirós, Rubem Braga entre outros. O cronista utiliza-se de fatos e acontecimentos diários, dando-lhe um toque próprio, envolvendo fantasia, ficção e criticismo, diferenciando assim, a crônica do texto informativo dos repórteres. Sendo assim, segundo Jorge de Sá: uma crônica atinge o nível de arte literária somente quando consegue superar os limites da transitoriedade própria da notícia, colhendo o universal dentro do particular. (SÁ, 2002). O objetivo deste trabalho é abordar a crônica como arte que supera os limites de transitoriedade próprios do jornal, ou seja, a crônica recolhida em livro. Para tanto, escolhemos a produção do escritor e jornalista Carlos Heitor Cony. Justifica-se essa escolha, pois parte-se do pressuposto de que Cony atribui qualidades literárias aos seus textos, graças à sua fantástica capacidade de abordar de forma poética fatos corriqueiros do cotidiano.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 14

A crônica nasceu nos jornais, possui a mesma brevidade deste veículo, pois trata de fatos cotidianos. Contudo, vale indagar: pode este gênero narrativo sobreviver à efemeridade do jornal? Quando consegue suplantá-lo a que se deve esse feito? As crônicas de Carlos Heitor Cony sobreviveram ao jornal e foram, ao longo de vários anos, recolhidas em livros. Faz-se necessário, então, indagar sobre o porquê dessa sobrevivência. Será que ela se deve ao fato de possuírem qualidades literárias que as posicionam como capazes de se comunicarem com seus leitores mesmo depois de muito tempo que já foram publicadas? Ou apenas constituem coletâneas organizadas para a venda? O trabalho tem por objetivo analisar crônicas produzidas por Carlos Heitor Cony que foram, sob a forma de coletânea, recolhidas em livros. Durante as análises, pretendeu-se observar se este tipo de texto era atraente para o jovem leitor. Para tanto, desenvolveu-se uma pesquisa de campo com os alunos do ensino médio na Escola Estadual Maurício Milani, da cidade de Echaporã (SP), visando detectar se possuíam o hábito da leitura, sobretudo, de crônicas. Entre os que possuíam, buscou-se diagnosticar por que leem esse gênero e quais elementos classificam como atraentes nele. Mais especificamente, objetivou-se analisar as crônicas que perpetuaram no tempo e, justamente por isso, foram recolhidas em livros. Para tanto, fez-se uso de suportes teóricos sobre os elementos do discurso jornalístico e literário. As análises foram voltadas para as crônicas de Carlos Heitor Cony. Justifica-se a reflexão sobre o gênero crônica, uma vez que, próprio da área jornalística, este tipo de narrativa consegue surpreender seus leitores, levá-los à reflexão e, por isso, emancipá-los, por meio da ampliação de seus horizontes de expectativa. A crônica, enquanto narrativa, foge de categorizações, enquanto produção híbrida permite ao estudante de Comunicação Social refletir sobre as formas, por meio das quais se efetivam neste texto a dialogia entre linguagem literária e jornalística. Como trabalho em campo, foram realizadas também, com alunos do ensino médio da Escola Estadual Mauricio Milani, leituras reflexivas das crônicas de jornal. Para tanto, foram eleitas crônicas pertencentes aos livros: “Da arte de falar mal” e “O Harém das Bananeiras”, de Carlos Heitor Cony. Através de levantamentos bibliográficos, do uso de suportes teóricos sobre os elementos do discurso literário e jornalístico, analisou-se as crônicas eternizadas no tempo, apontadas pelos sujeitos da pesquisa como as mais atraentes.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 15

Para a consecução de seus objetivos, este trabalho estrutura-se em quatro capítulos. No primeiro, apresentamos a crônica, sua origem e desenvolvimento, fazendo assim, uma breve comparação do gênero com o jornalismo e seus grandes escritores. No segundo, realizamos um sucinto levantamento da vida e obra do autor em questão, Carlos Heitor Cony. No terceiro, expomos os dados referentes à pesquisa de campo realizada com os alunos da E. E. Mauricio Milani. No quarto capítulo, apresentamos a análise de uma crônica de Cony, eleita como a mais atraente pelos sujeitos da pesquisa. Enfim, todos os capítulos se completam e constituem um todo que culmina na conclusão. As referências bibliográficas dispostas ao final do trabalho evitam as recorrências contínuas às notas de rodapé.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 16

CAPÍTULO l

A Crônica em suas origens

(Fotos: Gleicy Gesso)

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 17

1. Breve história da crônica

Conforme Elaine G. Dias:

A crônica trata dos mais variados assuntos, não importando tempo, espaço ou personagem. Na efemeridade das páginas de um jornal ou na eternidade de uma página de livro, ela está sempre ensinando alguma coisa, fazendo o leitor refletir, prestar atenção naquilo que, a princípio, parecia menor; apresentando uma realidade recriada. (DIAS, 2009).

Considerado gênero “Menor” pela crítica literária, a crônica vem tomando seu espaço e comprovando que este título é completamente equivocado. Arrigucci (1987, p.51-2) lembra que a crônica está relacionada com o tempo, “de onde tira, como memória escrita, sua matéria principal, o que fica do vivido – uma definição que se poderia aplicar igualmente ao discurso da História, a que um dia ela deu lugar.” O gênero crônica passa, então, por diversas transformações ao longo dos séculos. Esse termo crônica, na época de Caminha, está relacionado à narrativa de acontecimentos históricos. Já na Idade Média e no Renascimento, passa a ser utilizado em toda a Europa. No século XVlll, o termo crônica começa a ser substituído por história, parte do conhecimento que registra os acontecimentos e sua interpretação. Os primeiros adeptos do gênero foram os ingleses Joseph Addison e Richard Steele, com a criação do semanário The Tatler, em 1709 (In: , 2009). As crônicas típicas da época eram os pequenos textos e artigos políticos e literários, que refletiam os gostos e costumes morais do leitor burguês. Tamanho foi o sucesso que os escritores deram continuidade a publicações da mesma espécie disseminando, assim, o gênero por vários outros países da Europa. O Journal des Débats, em Paris, deu início à sua publicação diária no ano de 1799, mas foi em 1836 que a crônica teve o seu auge na cidade com a fundação do La Presse, um jornal mais popular (por ser mais barato). Em seguida, foi a vez de Viena com a produção dos folhetins, chamados de feuilleton pelos parisienses ajudando na divulgação deste estilo de escrita.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 18

A primeira página inteira dedicada à crônica surgiu no fim do século XIX, nos jornais italianos, tendo o cronista Edoardo Scarfoglio, como um de seus principais escritores. É ainda neste século que o gênero chega ao Brasil e Portugal. Nos dias atuais, encontramos inúmeras classificações para o gênero Crônica. Dentre elas, está a Crônica geral, a Crônica local, especializada, analítica, sentimental, narrativa, metafísica, entre outras. Já Luis Fernando Veríssimo divide a crônica em: crônica, croniqueta, cronicão, cronicaço:

Crônica é qualquer crônica, ou uma crônica qualquer. Croniqueta é o nome científico da crônica curta, como pode parecer. (...) Cronicão é a crônica grande, substanciosa, com parágrafos gordos. (...) Grande crônica é o cronicaço. O cronicaço é consagrador. Seu autor sai na rua e deixa um rastro de cochichos – É ele, é ele. (Apud VERÍSSIMO, 2003, p. 159).

Seja lá qual gênero cada autor atribua à sua crônica, a sua intenção será sempre a mesma, a de fazer-se explodir e acordar as pessoas para o que acontece ao seu redor.

1.1. A crônica no Brasil

O nascimento da crônica é considerado por alguns autores sem uma data certa, Machado de Assis (apud MACHADO, 1994, p.3-15) cita que existe antes de Esdras, antes de Moisés, antes de Abraão, Isaque e Jacó, e até antes mesmo de Noé. Outros citam o fato de que a primeira crônica brasileira é a Carta de Pero Vaz de Caminha, o escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral que relata ao Rei D. Manuel os acontecimentos da descoberta do Brasil. Pode-se notar pelo relato do cotidiano, observado por Caminha, que seu relato contamina de subjetividade aquilo que descreve, rompendo, dessa forma, com o texto frio e descritivo, próprio dos relatórios e inaugurando o gênero crônica:

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 19

(...) Estavam na praia, quando chegamos, uns sessenta ou setenta, sem arcos e sem nada. Tanto que chegamos, vieram logo para nós, sem se esquivarem. E depois acudiram muitos, que seriam bem duzentos, todos sem arcos. E misturaram-se todos tanto conosco que uns nos ajudavam a acarretar lenha e metê-las nos batéis. E lutavam com os nossos, e tomavam com prazer. E enquanto fazíamos a lenha, construíam dois carpinteiros uma grande cruz de um pau que se ontem para isso cortara. Muitos deles vinham ali estar com os carpinteiros. E creio que o faziam mais para verem a ferramenta de ferro com que faziam do que para verem a cruz, porque eles não tem coisa que de ferro seja, e cortam sua madeira e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau entre duas talas, mui bem atadas e por tal maneira que andam fortes, porque lhas viram lá. Era já a conversação deles conosco tanta que quase nos estorvavam no que havíamos de fazer. (apud CAMINHA, 1963, p.19)

No Brasil e em Portugal, é a partir do século XlX que a crônica passa a ter significação como texto literário. O ano fixado na historiografia literária é de 1852 para o nascimento da crônica brasileira, no . Considerada como iniciada por na coluna “A Semana”, no Jornal do Comércio. Jorge de Sá (2002) classifica a palavra crônica, como proveniente do termo grego Kronos, “tempo”, em duas categorias: a crônica científica e a literária. A primeira divide-se em: crônica histórica (fatos arranjados conforme o tempo); crônica policial (registra a ocorrência de fatos criminosos); crônica social (coloca em evidência a vida das pessoas ilustres); crônica esportiva (comenta os esportes em geral) e a crônica de arte (critica os eventos culturais). A crônica literária, por sua vez, é produzida por poetas e ficcionistas que transformam a notícia do dia-a-dia em contos que pendem do gênero lírico ao gênero narrativo.

1.2. A crônica e o jornalismo

A principal co-relação de crônica e jornalismo se dá por conta de sua divulgação que, por excelência, vem a ser por meio dos jornais. Se na França a causa de sua propagação foram as inovações tecnológicas mais baratas, isso fez com que houvesse uma facilitação da produção em larga escala, surgindo, então, o folhetim. A função desse folhetim é a de apresentar piadas, charadas, receitas, críticas de peças teatrais e livros, enfim, histórias curtas que levassem ao entretenimento do público. Isso é que veio a transformar-se nas crônicas que conhecemos no presente.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 20

Na coluna A Semana, de Francisco Otaviano no Rio de Janeiro, o Jornal do Comércio data, em 1952, o nascimento da crônica brasileira. Os então folhetinistas da época dividiam seus feitos entre romances ou capítulos e as crônicas. Os escritores dessa época, não tinham como sustentar-se com a literatura, recorrendo, assim, à imprensa para a própria sobrevivência. Alastra-se, nesse período, então, a divulgação do gênero em jornais e revistas, já que suas tiragens são mais baratas do que nos livros. Com isso, é possível afirmar “que o jornal tem papel significativo no processo de profissionalização do escritor brasileiro”. (BIGNOTTO; JAFFE, 2004, p.33). O folhetim é impresso no espaço mais simples e mais barato do jornal, ou seja, fica na parte inferior das páginas e, por esse motivo, a crônica é considerada um gênero menor logo no seu aparecimento nos jornais. Porém, a forma com que os escritores usam para informar e comentar os assuntos mais circunstâncias do dia-a-dia, fazem um grande sucesso com o público que adora a novidade. Da França, o folhetim se espalha para o mundo todo e tem seu modelo adotado por vários paises, entre eles o Brasil. Machado de Assis em 1959 comenta a novidade na crônica O Folhetinista:

(...) o folhetim nasceu do jornal, o folhetinista por consequência do jornalista. Esta última afinidade é que desenha as saliências fisionômicas na moderna criação. O folhetinista é a fusão admirável do útil e do fútil, o parto curioso e singular do sério consorciado com o frívolo. (...) Efeito estranho é este, assim produzido pela afinidade assinalada entre o jornalista e o folhetinista. Daquele cai sobre este a luz séria e vigorosa, a reflexão calma, a observação profunda. Pelo que toca ao devaneio, á leviandade, está tudo encarnado no folhetinista mesmo; o capital próprio. O folhetinista, na sociedade, ocupa o lugar do colibri na esfera vegetal; salta, esvoaça, brinca, tremula, paira e espaneja-se sobre todos os caules suculentos, sobre todas as seivas vigorosas. Todo o mundo lhe pertence; até mesmo a política. Assim aquinhoado pode-se dizer que não há entidade mais feliz neste mundo, exceções feitas. Tem a sociedade diante de sua pena, o público para lê-lo, os ociosos para admirá-lo, e a bas-bleus para aplaudi-lo. (apud MACHADO, 1994, p.958).

O cronista herda então do jornalista toda a reflexão, a seriedade e forma aprofundada da observação do cotidiano. O folhetim-crônica do século XlX é mais longo que a crônica atual. No folhetim, há uma viagem por todo o tipo de assuntos, abrangendo assim um número de leitores muito maior.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 21

A crônica histórica é especificamente dirigida a pessoas mais nobres, enquanto a jornalística busca um público mais amplo, de classes sociais mais variadas. Essa divulgação da crônica em jornais e revistas tornou e torna mais rápido e mais fugaz o seu destino na mídia, pois o jornal produzido hoje é descartado no dia seguinte. Isso faz com que as crônicas de sucesso sejam recolhidas em livros garantindo assim, sua durabilidade. Jorge de Sá (2002) cita que a soma de jornalismo e literatura faz da crônica um relato do narrador-repórter e é divulgada conforme o interesse do proprietário do veículo.

(...) dirige-se a uma classe que tem preferência pelo jornal em que é publicada (só depois é que irá ou não integrar uma coletânea, geralmente organizada pelo próprio cronista), o que significa uma espécie de censura ou, pelo menos, de limitação: a ideologia do veículo corresponde ao interesse dos seus consumidores, direcionados pelos proprietários do periódico e /ou pelos editores- chefes de redação. (SÁ, 2002, p. 8).

Assim como o jornalista, o cronista tem que manter diariamente a qualidade de sua obra. A concorrência com a notícia de jornal é ter sempre um olhar novo para acrescentar à formalidade e à neutralidade da mesma.

1.3. A diferença da crônica brasileira

No jornalismo brasileiro, a crônica tem seu estilo próprio e um gênero inteiramente definido. É através do jeitinho brasileiro que ela evolui e transforma, não encontrando igual na produção jornalística de outros países. No jornalismo mundial, está vinculada ao relato cronológico, de narração histórica, variando de país para país. Enquanto aqui, ela tornou-se o “embrião da reportagem”:

Uma narrativa circunstanciada sobre os fatos observados pelo jornalista num determinado espaço de tempo. Muitas vezes essas matérias assumiam feição epistolar, como por exemplo, as Cartas da Inglaterra, de Eça de Queiroz, que continham a percepção do momento cultural e do país, transmitindo ao leitor de língua portuguesa a vivência daqueles acontecimentos. Mas também

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 22

correspondem ao que depois chamaríamos no Brasil de Reportagem setorial, cobertura jornalística de uma determinada instituição ou de uma esfera da sociedade – crônica legislativa, crônica judiciária, crônica policial, crônica esportiva, etc. (MELO, 2003, p. 149).

Em meados do século passado, os próprios jornalistas é que nomeavam as notícias como crônicas, entusiasmados pelo gênero histórico-literário. Em alguns países, como a França, Espanha e Itália, segundo José Marques de Melo, o gênero crônica “assume caráter tipicamente informativo, mesclado porém de elementos valorativos que revelam a percepção pessoal do redator.” Cita ainda, que se trata de uma “narração direta e imediata de uma notícia com certos elementos valorativos que sempre devem ser secundários a respeito da narração do fato de si. Procura refletir o acontecimento entre duas datas.” (MELO, 2003, p. 150). Esses países dão ênfase à importância dada pelo jornalista-repórter a certos fatos ocorridos, utilizando-se da crônica como forma mais rápida e eficaz de chegar até o leitor. Assim sendo, Jose Marques (2003, p.151) explica que “na Itália a crônica aproxima-se mais do sentido que, no Brasil, atribuímos à reportagem. Na frança, oscila entre reportagem setorial e nosso colunismo. Na Espanha, combina a notícia e o comentário.” Já nos países hispano-americanos o jornalismo deixa de lado o estilo original da crônica e copia a reportagem, segundo os padrões norte-americanos. O mais próximo do jornalismo brasileiro é o português, no qual os fatos são somente pretextos para o escritor da crônica, fazendo dela a “associação de ideias, o jogo de palavras e conceitos, as contraposições”, misturando “o real e o imaginário como forma de fazer realçar o primeiro” (MELO, p.152). Outros gêneros parecidos com a crônica brasileira são os chamados action stories e personal essay (Inglaterra), o primeiro equivale à forma de expressão e o segundo é um relato poético do real. Na Alemanha tem a glosa, definida como um breve comentário de fatos do cotidiano. Nos Estados unidos, embora seja uma compreensão muito ampla, possuem uma familiaridade em alguns tipos de feature stories: a human story ou a color story. Convém ainda, mencionar uma última comparação que demonstra paridade com a brasileira. Trata-se de uma espécie espanhola que é um relato jornalístico, uma crônica da vida diária, sendo também chamada de folhetim.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 23

Contudo, é no Brasil e exclusivamente que a crônica tem seu sentido mais amplo e se consolidou como um gênero “bem nosso, cultivado por um número crescente de escritores e jornalistas, com os seus rotineiros e os seus mestres.” (MELO, 2003, p. 153- 154).

2. Os grandes cronistas brasileiros

Para Machado de Assis:

Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e La glace est rompue; está começada a crônica. (apud MACHADO, 1994, p.3).

Como se pode ver, Machado alerta para o fato de que a origem de uma crônica pode ser trivial, mas o trabalho do escritor, ao contrário, profícuo, inteligente, e muitas vezes irônico. Entre os cronistas mais citados do século XIX, podemos destacar: Machado de Assis, José de Alencar, Joaquim Manoel de Macedo e (considerados Folhetinistas). Os autores da época do folhetim traziam à tona um estilo marcado pelo romantismo, fazendo dele a graça e o modo de falar de tudo, mas deixando sempre algo às escondidas numa linguagem mais lúdica. Nesse primeiro momento, a crônica tem um ar de novidade, um aprendizado que misturava história do passado, a influência da burguesia europeia e a observação própria do autor.

Os jovens escritores aprendiam a tratar com eventos de todo tipo: convulsões de ministério e fofocas de alcova, a grande e a pequena historia, tudo de cambulhada, como se costumava dizer. E logo essa matéria mista e palpitante reaparecia trabalhada numa forma nova, sem cânon preciso, dada à paródia e à autocrítica, posta em contínuo contato com o presente e flexível a toda sorte de

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 24

transformações – uma forma agora nitidamente ficcional, capaz de ressurgir muitas vezes na própria imprensa, metamorfoseada em romance de folhetim. (ARRIGUCCI, 1987, p. 58).

Devemos lembrar também os grandes cronistas ligados à literatura como , Mário e Oswald Andrade, Manoel Bandeira, Alcântara Machado, Carlos Drummond, Vinícius de Moraes e as mulheres Eneida e Raquel de Queiroz que realizaram produções no gênero. Como se vê, são autores completamente diferentes, porém ligados ao mundo expressivo da crônica. Segundo Arrigucci (1987), Machado de Assis é o escritor que “corta” esse estilo romancista e passa a enxergar a crônica brasileira mais voltada para as minúcias do habitual. Ele vê uma graça natural no povo, sua exposição da vida social, seus perfis psicológicos, e seus costumes de cada dia. No século XX e XXI, temos também excelentes cronistas que se destacaram, tais como: Clarice Lispector, Mário de Andrade, Ledo Ivo, , Rubem Braga, Inácio de Loyola, Mário Prata, Carlos Heitor Cony, Paulo Mendes Campos e muitos outros. Esses tornaram o dia-a-dia mais informativo, já que estão mais próximos ainda de cada assunto, de cada notícia ligada aos jornais. São esses que fazem do noticiário um gostinho de piada e descontração, um ar mais sério ou mais natural, aproximando o leitor do tema desejado.

3. A crônica e a formação do leitor

Na afirmação: “Chegamos ao ponto em que temos de educar as pessoas naquilo que ninguém sabia ontem, e prepará-las para aquilo que ninguém sabe ainda, mas que alguns terão que saber amanhã. (apud COELHO, 2004, p.9), pode-se notar que Margaret Mead mostra que a formação do leitor representa um desafio, mesmo para os educadores. Assim, justifica-se que neste tópico, tratemos da educação do leitor nas escolas. Segundo Juvenal Zanchetta (2001, p.92), a tendência é tornar o incentivo da leitura mais fácil, levando em conta o interesse do próprio aluno, criando uma nova vida com o ato da leitura. Zanchetta cita ainda que:

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 25

Leitura da literatura, na melhor das hipóteses, passou a ser sinônimo de comprar livros e enviar os alunos à biblioteca da escola. Em outro extremo, a leitura fruitiva exige limites complexos para condução, também devido à falta de referencial de análise mais concreto para a avaliação da leitura: ler em quantidade ou com qualidade? Ler clássicos ou literatura de consumo, quando e como efetuar a passagem de uns para outros? Desencadear a leitura prazerosa ou investir na análise estética e histórica? (ZANCHETTA, 2001, p. 93)

Como se pode perceber, o autor retrata a realidade de que a escola tem como compromisso para a formação de bons ledores. Ele destaca ainda, que a leitura é uma experiência individual do aluno, mas pode encontrar no professor um auxílio para a sua compreensão e expansão sobre o texto. Tendo, então, como princípio a formação na escola, o aluno passa a ser um observador da leitura, adquirindo assim, uma característica de leitura mais específica, melhorando os hábitos, gostos e gêneros diversos. É ainda na escola, que o aluno passa a conhecer a crônica e pode, então, tornar-se um apaixonado pelo gênero. Nessa fase, o leitor pode virar um exímio conhecedor dessa linguagem informal e direta. Acostumado a ler a Folha de São Paulo, o leitor de Carlos Heitor Cony já se habituou a encontrá-lo na página dois do primeiro caderno do jornal. Ciente da estrutura da Folha, ele já sabe que encontrará, nos textos de Cony, uma informação rápida, uma linguagem figurada, um jogo de palavras e uma boa pitada de ironia. Essa forma de escrita atrai o ledor que, em inúmeras circunstâncias, busca na crônica o diferencial para o dia-a-dia da notícia. O papel de Cony no mundo da crônica é exatamente situar um diálogo direto com o seu leitor, postando suas ideias e reflexões.

Conforme Maria L. C. V. O. Andrade:

A partir dos comentários do cronista, o leitor passa a refletir também sobre o papel da imprensa e dos meios de comunicação de modo geral: O que é informar? Qual a pertinência de certas informações? Qual o interesse do público em relação às informações pessoais? (ANDRADE, 2009).)

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 26

Em síntese, a crônica auxilia o leitor a se indagar sobre a própria produção literária, refletindo sobre a forma como determinada informação, permeada de subjetividade do escritor-cronista, chega até as suas mãos. Assim, ele desenvolve sua capacidade crítica. Amplia, ainda, sua visão de mundo e o ajuda a encontrar possíveis saídas para os problemas habituais (diferente do jornalismo meramente informativo, que só apresenta um determinado problema).

3.1. A importância da biblioteca

A leitura tem inimigos como a televisão, histórias em quadrinho e até mesmo a música, destaca-se a importância primordial de atividades que a façam mais dinâmica e diferenciada. Saber que o gosto pelos livros pode ser conquistado através de práticas de leitura, pode ajudar ao professor ou responsável a promover visitas constantes à biblioteca da escola. Segundo Regina Zilberman (1990, p. 102), para que o aluno possa se interessar pelos livros é necessário que ele tenha uma repetição do hábito, um “procedimento automatizado e impessoal como requer a norma industrial”, pois a criança não se posiciona apenas em face do objeto (livro) que está a sua frente, mas diante do mundo que ele lhe revela. A implantação de visitas à biblioteca torna a prática, muitas vezes, automática, ao invés de uma realidade mais agradável. Zilberman destaca que:

A noção de ruptura é particularmente nevrálgica no que diz respeito à literatura infantil. Instaura o tipo de vanguarda que ela pode ser, assim como consolida e reafirma a natureza de seu estatuto singular. Pois, se à criação para a infância compete contrariar normas em vigor como vem sucedendo às obras de inclinação modernista, ela só pode fazê-lo se se solidarizar com seu leitor, endossando a perspectiva deste e dialogando com a percepção que ele tem do mundo. (ZILBERMAN, 1990, p. 104).

Nesse trecho, percebe-se que é por intervenção da leitura que o seu ledor pode libertar-se explorando sua visão de mundo, conciliando-a com o que lê.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 27

Temos, então, que o principal fator para a rejeição à leitura é de fato a carência de um método mais democrático em sala de aula, impedindo até o diálogo entre pessoas e a reflexão sobre obras. Eliane A. G. R. Ferreira (2009, p.72) aponta que é necessário o conhecimento dos professores e profissionais da biblioteca de todas as obras e saber “indicá-las de acordo com a faixa etária do leitor e com seus interesses.” Cita também a importância de um repertório cultural amplo e diversificado:

A interação com textos diversos permite ao leitor perceber que a leitura é uma prática social que remete a outros textos e a outras leituras, ou seja, dialógica (...). A necessidade de desenvolvimento das negociações de leitura, em sala de aula e na biblioteca, advém da detecção de que a razão de ser da escola e dos efeitos sociais não pode se reduzir na vontade de um indivíduo, o professor e/ ou o profissional da biblioteca, ou na vontade dos alunos. (FERREIRA, 2009, p. 73-74).

Fica claro, no entanto, que no trabalho diário com a leitura o medianeiro deve propor reflexão acerca de relações entre diversas obras, apresentando assim, outras leituras subsequentes na ampliação do mundo literário dos alunos. Faz-se, desse modo, necessário o uso devido da biblioteca intermediado por um responsável para que o leitor crie o hábito da leitura e crie sua própria visão de mundo refletida em variados estilos e autores.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 28

CAPÍTULO Il

O autor em questão

(Fonte 1 In: , 2009) (Fonte 2 In: ,2009) (Fonte 3 In: , 2009) (Fonte 4 In: http://www.objetiva.com.br/objetiva/cs/files/images/Cony_web_0.jpg, 2009) (Fonte 5 In: , 2009) Fonte 6 In: , 2009)

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 29

1. Sua trajetória

Entre as crônicas contemporâneas, elegeu-se para objeto de estudo a produção de Carlos Heitor Cony. Membro da Academia Brasileira de Letras, desde 31 de maio de 2000, Cony ocupa a cadeira de número três, na sucessão de Herberto Sales. Nasceu em 14 de março de 1926, em Lins de Vasconcelos, Rio de Janeiro. É o terceiro de quatro filhos do jornalista Ernesto Cony Filho e Julieta de Moraes. Até seus cinco anos de idade era considerado mudo, tendo sua fala descoberta num grito de pavor ao ver um hidroavião. A primeira experiência como orador o fez descobrir o quanto era bom com a escrita, já que tinha uma disfunção que o fazia trocar algumas consoantes, como por exemplo, o “g” pelo “d”, fazendo-o passar por chacotas dos amigos. Evitando constrangimentos na escola, seus pais o ensinam a ler e escrever em casa. Foi assim então, que Cony descobriu-se desenhista das letras.

Compreendeu assim que ali estava o seu destino. Se a língua (presa, dura) transformava sua fala (falha, frágil) em motivo de chacota, a Língua (culta, bela) desenhada sobre uma página em branco (signo, símbolo) era capaz de abrigá-lo da crueza do mundo.(SANT‟ ANNA et al., 2001, p.5).

No ano de 1938 decide tornar-se padre e vai para o Seminário Arquidiocesano de São José, em Rio Comprido, no Rio de Janeiro. Três anos depois, passa por uma cirurgia e resolve seu problema de fala e, em 1945, abandona o seminário. (SANT‟ ANNA et al., 2001, p.8-9). Em 1946, ingressou na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, e no ano seguinte estreou no Jornal do Brasil, cobrindo as férias de seu pai. Nesse momento, iniciou a profissão de jornalista e escritor. Casou-se com Maria Zélia Machado Velho, em 1949, e teve duas filhas: Regina Celi e Maria Verônica. Tornou-se redator da Rádio Jornal do Brasil em 1952. Lançou o seu primeiro livro, em 1956: O ventre. Este concorreu ao Prêmio “Manuel Antônio de Almeida”, mas não

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 30 ganhou com o discurso de a obra ser forte demais para vencer um concurso oficial. Um ano depois, escreveu em apenas nove dias: A verdade de cada dia, e venceu o concurso tão almejado. Cony escreveu romances, contos, crônicas, ensaios bibliográficos, adaptações de várias obras em parceria com outros autores. Suas crônicas foram recolhidas nos seguintes livros: Da arte de falar mal (1963); O ato e o fato (1964); Posto seis (1965); Os anos mais antigos do passado (1998), O Harém das bananeiras (1999), O suor e a lágrima (2002) e, por fim, O tudo e o nada (2004). Conforme Bueno, “Carlos Heitor Cony, que publica ficção desde o final da década dos 50, é um escritor da modernidade, herdeiro de Machado.” (SANT‟ ANNA et al., 2001, p.114). O jornalista e escritor classifica o amigo como muitos Conys em um só:

Há, como todo mundo sabe, o Cony escritor, o Cony jornalista e o Cony cronista. Mas há também o Cony seminarista, (...) o Cony casto, o hippie e o careta, o Cony das seis esposas e de um grande amor, o da sua Beatriz, o crente e o descrente que lamenta ter perdido a graça de crer, o militante político e o de saco cheio da política, o recluso e o exposto. O reflexivo e o ativista, o provocador e o quieto. O blasé e o indignado. O cheio de vida e o cheio de melancolia. Se alguns não existem mais, já existiram. (SANT‟ ANNA et al., 2001, p.26).

Fica claro que a produção de Cony sofre grande influência familiar, seja em livros ou nas crônicas, o autor utiliza-se de acontecimentos rotineiros da própria vida como sua inspiração.

1.1. Cony e a crônica

Sob o título de “Da arte de falar mal”, foi no ano de 1962 que Cony principiou a escrever crônicas três vezes por semana no segundo caderno do Correio da Manhã, revezando com Octavio de Faria. Os dois escreviam assuntos do momento, na maioria das vezes temas culturais. Ruy Castro descreve Octavio nesse período, como um homem sincero, compenetrado, mas opaco, enquanto “Cony era brilhante, engraçado, de um deboche permanente, sem fazer o menor esforço para isso, e sua visão cética, irônica, iria

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 31 marcar muitos garotos predispostos ao ceticismo e à ironia – como eu.” (SANT‟ ANNA et al., 2001, p.15). Percebe-se, no entanto, que Cony já iniciou sua carreira de cronista com o pé direito. Castro afirma, ainda, que o autor até aquele momento era apolítico, pois preferia falar sobre ciclistas, São Cipriano, num país, segundo ele “politicamente tumultuado”. Sua primeira crítica mais próxima da política foi à sua maneira quando falou abertamente sobre o filme Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos. Declarou que largara o filme aos vinte minutos porque a visão de uma vaca lhe dava tédio. Essa crônica lhe rendeu muitas críticas, e recebeu o título de “alienado”. Considerado rápido por muitos, o autor confessa ter medo de deixar um trabalho para depois por não saber se irá terminá-lo. No caso das crônicas, Cony as escreve em cinco minutos, segundo ele próprio o “negócio é o seguinte: ou eu faço rápido, ou não faço nunca.” (SANT‟ ANNA et al., 2001, p.50). Nos anos de 1990, mais precisamente em 1993, iniciou sua crônica substituindo Otto Lara Rezende na Folha de São Paulo. Cercada por expediente, colunistas e charges, as crônicas do autor tornaram-se reconhecidas. No site oficial do autor, há uma publicação da Edição número 100 da Revista Cult, onde Carlos Haag afirma que o leitor inicia a leitura do jornal de baixo para cima. Classifica o gênero “meio literatura, meio verdade, que é a crônica, antes de entrarmos no mundo real das noticias, que não tem o mesmo sabor e nos fazem pensar bem menos” (In: , 2009). O autor em questão se diz ser um escritor sem contexto, diz que a “crônica é um gênero tipicamente brasileiro. Em outros países, ela também existe, mas não tem as nossas características, esse cronista sem assunto, como eu.” (2006 CARLOS HEITOR CONY, 2009). Cony completa comparando o gênero a um passageiro de trem, “um passageiro aleatório que entra porque não tem nem opinião nem informação. O cronista não é obrigado a ter nem uma nem outra. Desde que escreva bem, ele pode falar sobre o que quiser”. (2006 CARLOS HEITOR CONY, 2009). Bem se vê que a ironia e as comparações do dia-a-dia vêm realmente de suas experiências vividas, tal qual se usa para a elaboração de uma boa crônica.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 32

1.2. Cony e a política

Muitos cronistas começaram a tratar de política e encontraram no gênero uma maneira de refletir sobre as questões nacionais. Transformaram a crônica em escolta para expressar-se. No texto A Arte de Conversar, de José de Alencar, encontramos elementos que nos levam a uma cogitação do sério, mas com boa pitada de humor.

Aqui vejo-me obrigado a abrir um parêntese, e a trocar a minha pena de folhetinista por uma pena qualquer de escritor de artigos de fundo. Não brinquem, o negócio é muito sério. Vou escrever uma tirada política... (apud ALENCAR, 1995, p.95).

O cronista manifesta-se sobre política ora de caráter mais contundente, ora mais sutil, mas sempre de modo oblíquo, pois o tema, dada a sua seriedade, já não tem mais a função de somente entreter o leitor, antes levá-lo à reflexão também. Passamos, então, “das alfinetadas discretas de Machado e dos parênteses de Alencar [no século XIX] às furiosas e viscerais manifestações dos cronistas brasileiros que vivem o período da ditadura militar instaurada em 1964” (BIGNOTTO, JAFFE, 2004, p.37). A estreia de Cony na política foi justamente em 1964, em meio ao regime militar. O colunista saiu às ruas para ver a revolução de perto e escreveu uma crônica cujo título era “Da salvação da pátria”. A partir daí, o escritor faz da coluna uma arma contra o novo regime, defendendo jornalistas e intelectuais, que ele julgava serem perseguidos. Fez crônicas memoráveis neste tempo, uma intitulada “Cipós para todos”, faz comparação das disputas por cargos militares, outra questiona o que restaria do futuro “Além da farda, que as traças roem”, pondo à prova o então ministro da Guerra: General Costa e Silva. Diferentemente dos escritores do século XlX, ele informa fatos importantes, como as prisões das pessoas sem usar tom de conversa fiada. Um exemplo disso vê-se na crônica “Herança”, publicada em maio de 1964:

Do 1º de abril até ontem, foram presas milhares de pessoas. Não sabemos os nomes, as profissões e os pensamentos dessas pessoas. Sabemos apenas que estão presas em algum lugar – ou em qualquer lugar. Pelas cartas que nos chegam, pelas informações que subitamente colhemos numa entrelinha de noticiário, sabemos que a maioria desses presos nem sequer foi interrogada

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 33

ainda. Estão presos há mais de 30 dias e nem sabem por que estão presos. (apud CONY, 1964, p.51).

Revela-se aqui uma preocupação com pessoas comuns, o que fez com que Cony as apresentasse recorrendo à ficção e criasse um João de Tal imaginário.

João de Tal, pardo, 35 anos, metalúrgico, na manhã do dia 10 de abril chegou a seu local de trabalho e foi preso. (apud CONY, 1964, p.52).

Deduzimos, por meio desses trechos, que a crônica, quando trata de assuntos sérios em lugar do fútil, pode não perder suas principais características: “a leveza de linguagem, o foco no cotidiano e no homem comum, a subjetividade e o recurso à ficção que indicam, em última instância, a natureza literária do texto” (BIGNOTTO; JAFFE, 2004, p.38). O autor encontra-se sozinho nessa caminhada contra o regime, pois nem mesmo o Correio se manifesta a seu favor, mas ganha a credibilidade de muitos. Castro defende:

Enquanto Cony dava essa demonstração de bravura, muitos dos que, antes, o acusavam de „alienado‟ estavam se escondendo em armários, incinerando livros „suspeitos‟ (como A capital, de Eça, e O vermelho e o negro, de Stendhal) e retirando seus nomes de manifestos publicados em tempos mais festivos. A direita passou a ver nele um homem de esquerda. Mas só quem conhecia Cony sabia que sua revolta não tinha nada de politica nem ideológica – era apenas humana. (SANT‟ ANNA et al., 2001, p.16).

Inocente ou não, o fato é que neste meio tempo Cony foi preso várias vezes, ficando outras várias escondido em casa de amigos. Passa um período na Europa e em Cuba. Numa das prisões teve como companheiros Flávio Rangel, Glauber Rocha, Antonio Callado, Mário Carneiro, Jayme Azevedo Rodrigues, Márcio Moreira Alves, Thiago de Mello e Joaquim Pedro de Andrade. Essa prisão se deu por uma manifestação de intelectuais em frente ao Hotel Gloria e foi um grande motivo para a concretização de grandes amizades. O grupo ficou conhecido como os „Oito do Glória‟ e marcou para sempre o afeto entre eles, especialmente na história de Marcio Moreira Alves.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 34

Foi na cadeia que estreitei a amizade com Cony. O convívio forçado, 24 horas por dia, ou torna os prisioneiros amigos íntimos ou inimigos pela vida toda. No nosso grupo não houve desavenças e todos nos mantivemos amigos enquanto duraram nossas vidas. (SANT‟ ANNA et al., 2001, p.22).

Os jornais passam a ser impressos em escala industrial nos anos 1960, o que torna Cony mais lido que Machado e Alencar. Seu posicionamento nessa política é marcante e cria um espaço definitivo na crônica para a “militância e o exercício da cidadania”, enfrentando com bravura a censura, a perseguição, os processos e a prisão. Foi na política e por conta dela que Cony conquistou muitos de seus leitores, incluindo outros escritores. Não se pode deixar de mencionar Luis Fernando Veríssimo que visualizou no cronista um entrincheiramento da moralidade nos tempos do regime que era então chamado provisório:

Lembro que naqueles tristes dias ler o Cony no Correio da Manhã era, ao mesmo tempo, um ato de rebeldia seguro, pois era o que todos estavam fazendo, e um tônico contra o sentimento generalizado de impotência. O Cony dizia o que queríamos dizer. O Cony era nossa barricada moral. Foi através do Cony que não ficamos quietos. (SANT‟ ANNA et al., 2001, p.30).

Veríssimo vai além do regime militar que viera para ficar espalhando a censura e proibindo as críticas, inclusive as de Cony:

Afinal, ele não era um homem de esquerda. Sua posição, enquanto pôde mantê-la, fora a de um intelectual revoltado com a burrice prepotente, ou com a prepotência burra, e, embora parecesse que se escrevia e dava pau nos militares por nós, sua insurgência ia só até o ponto final dos seus artigos. (SANT‟ ANNA et al., 2001, p.31).

As crônicas de Cony produzidas no período da ditadura estão reunidas no livro O Ato e o Fato, publicado em junho do mesmo ano do golpe militar. É na política que o cronista revela o seu lado mais humano, relatando o homem comum, da situação de toda uma população diante da exceção:

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 35

Os textos cronísticos podem iniciar aparentando tematizar algo menor, quem sabe a vida de um indivíduo ordinário; mas quando o cronista é bom, transcende a aparente (e questionável) pequenez anunciada. Seja usando de recursos comuns à ficção, seja apelando a recursos típicos da poesia, ele termina por tocar o que há de mais alto e sublime para a vida humana: temas como a liberdade, a solidariedade, a redenção, a ética. (BIGNOTTO, JAFFE, 2004, p.42).

1.3. Cony e a reflexão lírica

Jorge de Sá aponta:

Em todos os cronistas há um certo lirismo, pois é através dos seus estados de alma que eles observam o que se passa nas ruas. Entretanto já vimos que a aparência de leveza da crônica revela, quase sempre, o acontecimento captado sob a forma de uma reflexão, mesmo quando se trata de alguma coisa afetivamente ligada só ao escritor. (SÁ, 2002)

É o caso de Carlos Heitor Cony que tem nos acontecimentos caseiros o ponto de partida para seus textos, sem preocupar-se com o intimismo. O sentimentalismo está presente em seus livros, contos e crônicas. Ao narrar duas mortes consideráveis em sua vida, a de seu pai e de sua cachorra, Cony nos dá a impressão de angústia, mas ao mesmo tempo, é apaixonante. Zuenir Ventura expõe intensamente:

Se não é sentimentalismo, eu não sei o que é o espetáculo de padecimento afetivo que ele ofereceu ao país quando sua cadela Mila morreu. O obituário que lhe dedicou numa crônica que comoveu até desafetos políticos foi tão pungente, tão sentido quanto o que dedicou a seu pai. (...) Nos dois réquiens, dois Cony aparentemente inconciliáveis convivem no sentimento e na sua expressão literária. Na crônica ao pai, a contenção, o pudor e a economia de emoções. (SANT‟ ANNA et al., 2001, p.27).

Nesta crônica dedicada ao pai, Cony usa um texto em terceira pessoa, buscando, como narrador um distanciamento de alguém que acaba de morrer: “Ele contempla as mãos do homem. (...) Mãos que começaram a ficar mais brancas e mais quietas: dentro

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 36 delas, o nada cheio de tudo o que ele fora. Mãos que, antes que se apagassem definitivamente, foram beijadas pelo filho.” (apud SANT‟ ANNA et al., 2001, p.27). O lirismo e a reflexão de cada detalhe estão presentes em crônicas que falam do trivial e se transformam em poesia para aqueles que se deixam levar pelas palavras. Esse teor lírico acrescenta ao texto uma grande carga emocional. Tem que haver um mergulho interior do artista/escritor para o resultado final. Certa vez, Paulo Mendes Campos disse: “São seis os elementos: ar, terra, fogo, água, sexo e morte. Não, são sete: e lirismo”. (apud CAMPOS, 2001, p.9). O gênero literário aparece nas crônicas ora empregando recursos poéticos, ora misturando recursos comuns à ficção. Essa aproximação dos gêneros estabelece uma semelhança entre a crônica, o conto e o poema. Essa proximidade com o corriqueiro presente nos texto de Cony é sua particularidade. Aí está o lirismo, transformar o banal em algo que o leitor podia ter pensado, mas só quando lê se dá conta de tal importância. Em “O crime sem cadáver”, o autor consegue expor-se e fala da fragilidade do adulto que se transformou ao narrar a proximidade do dia dos pais, no qual descobre o presente das filhas Regina Celi e Maria Verônica:

Cruel será manter a cara enxuta, os olhos apenas sonolentos, ásperos, sem direito às lágrimas. E o peito encouraçado, sem pretexto para o soluço. E doloroso será abraçá-las sem poder revelar a fragilidade do adulto escuro e medonho em que me transformei e com o qual, aos poucos, estou me habituando. (1973 CONY, Quinze anos apud SÁ, 2002, p.58).

O trecho mostra a fragilidade de um pai que separado da esposa tem que fazer a dupla função de pai e mãe. Nessa fragilidade da convivência própria, o lirismo crítico vai existindo, tornando, assim, sua condição básica. Uma estratégia, não só de Cony, mas de muitos outros, é confrontar o passado com que são hoje, “outro procedimento - este puramente ficcional – é transformar aquilo que nos aconteceu em fato relacionado com outras pessoas” (SÁ, 2002, p.59). A diferença dos dois procedimentos se dá pela forma de narração, quando o autor se mostra, ele usa a primeira pessoa, e na tática de fugir do seu eu, prefere usar a

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 37 terceira pessoa, alcançando o sentimento de mais pessoas que possam ter passado pelo mesmo drama. Transformar a infância em situação corriqueira é talvez a melhor atitude para confrontar as épocas. O texto Dos infusórios, mostra o amargor e a ameaça dos remédios caseiros e os compara com o atual:

Hoje, os tempos são outros. Minhas filhas tomam remédios com sabor de groselha, de morango, de pêssego, os laboratórios servem à vontade e ao paladar do doente. Mas elas temem que o mundo acabe sob o impacto de uma bomba atômica, dessas que a televisão mostra periodicamente. (1973 CONY, Quinze anos apud SÁ, 2002, p.58).

Assim, Cony segue muitas de suas crônicas, umas comparando com o anterior, outras refletindo a coexistência, deixando o leitor mais próximo de cada detalhe. Jorge de Sá define:

Como o lirismo reflexivo é predominante nas crônicas de Cony, ele se mantém fiel à visão crítica do mundo, sempre buscando o necessário distanciamento para melhor avaliar determinado aspecto. A ficcionalidade de pessoas e fatos é sua estratégia mais constante, mudando o foco narrativo da primeira pessoa para a terceira e acrescentando um tom de paródia. (SÁ, 2002, p. 62)

Tema predileto de autores e leitores, não poderia faltar aqui o amor. Cony relata muitas mortes marcantes em sua vida: a de seu pai, a de sua cachorra Mila, a de um menino atropelado e a sua, que define como “morto” o menino de infância que foi cedendo espaço para o adulto pessimista citado em Chorinho para o menino morto. Mas o amor prevalece e contra tudo está presente até nessas narrativas dramáticas já citadas. A narrativa mais marcante faz um retorno às dificuldades amorosas através de preconceitos sociais e desigualdades econômicas. O texto, considerado longo demais para ser crônica é O amor, outra vez, no qual Cony escreve para sua ex-esposa, contrária ao namoro da filha.

Nada disso importa. Deixarei este bilhete junto de tua cama. Quando despertares, saberás toda a fragilidade de um homem que conseguiu ser na vida

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 38

somente aquilo que o amor obteve dele e nele gerou esta felicidade, esta fortaleza e – agora sim – esta humildade feita de vitoria, de ternura e de sofrimento. (1973 CONY, Quinze anos apud SÁ, 2002, p.58).

Esse é Carlos Heitor Cony, um só revestido em muitos outros, Cony jornalista, Cony escritor, Cony marido, Cony pai, Cony filho, Cony amigo e Cony cronista. Para finalizar este capítulo nada melhor do que uma citação de Jorge de Sá, pois deixa claro o “eu lírico” reflexivo do autor em questão:

Portanto, seja na primeira ou na terceira pessoa, fale de suas filhas ou de personagens meramente ficcionais, Carlos Heitor Cony aproveita a leveza da crônica para buscar a leveza do espírito, na imagem do amor eternamente retornando ao homem e lhe devolvendo o sentido pleno da humanidade. (SÁ, 2002, p.64)

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 39

CAPÍTULO lll

A Pesquisa

(Fotos: Gleicy Gesso e Rafael Franco Lobo )

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 40

1. Resultados da Pesquisa

Neste capítulo apresenta-se o resultado de uma pesquisa aplicada por meio de um questionário, contendo nove questões. Entre elas, quatro são fechadas, objetivas, e cinco abertas, dissertativas (vide anexo 1). Este questionário foi aplicado a 25 alunos do ensino médio, da Escola Estadual Maurício Milani, em Echaporã (SP), no ano de 2009. Considerando que 32 alunos são da 7ª série e 21 da 8ª, num total de 53, o número de entrevistados corresponde a uma amostragem de 47%. Especificamente, entrevistou-se 20 alunos da primeira sala e 05 da segunda. Desses, 44% (11) dos entrevistados são meninas e 56% (14) meninos. As idades variam de 13 a 16 anos, sendo 72%, de 13 e 14 anos; e 28% de 15 e 16 anos. Seguem tabela e gráfico que comprovam os dados:

Tabela l – Idade dos entrevistados Idade dos entrevistados fi % de 13 e 14 18 72 de 15 e 16 7 28 total de entrevistados 25 100

Gráfico l – Idade dos entrevistados

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 41

A primeira questão tratou de saber quais os motivos que levam os alunos à leitura. As respostas foram várias e mais de uma resposta por entrevistado. Numa frequência de resposta (28), predominaram as seguintes: 48% (12) leem para obter conhecimento e cultura, 32% (8) para manter-se informados, 20% (5) pretendem prazer e entretenimento com a leitura e 12% (3) não responderam. Veja esses dados na tabela e gráfico subseqüentes:

Tabela ll – Os motivos que levam os alunos a ler motivos que levam à leitura fi % Obter conhecimento e cultura 12 48 Manter-se informado 8 32 Prazer e entretenimento 5 20 Em branco 3 12 Frequência de respostas 28 112

Gráfico Il – Os motivos que levam os alunos a ler

Neste ponto, vale refletir sobre os três alunos que não responderam, pois certamente não têm o hábito ou não encontram motivos para procurar objetos de leitura.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 42

Para sabermos que objeto/produto os alunos mais leem, fizemos uma lista diversificada e num total de 62 respostas prevaleceram: as revistas e os livros empatados com 72% (18) dos votos; seguidos dos jornais com 44% (11); os gibis com 40% (10) dos votos e, por último, 20% (5) gostam dos blogs na internet.

Tabela lll – O que os entrevistados mais leem Produtos fi % Revista 18 72 Livro 18 72 Jornal 11 44 Gibis 10 40 Blogs na internet 5 20 Frequência de respostas 62 248

Gráfico Ill – O que os entrevistados mais leem

Pudemos notar que os livros e as revistas ainda predominam entre os leitores, mesmo sendo os meios de leitura mais tradicionais. Vale lembrar que Cony é um dos escritores mais completo e capaz de tramar excelentes histórias e publica em diferentes gêneros: além das crônicas, possui vários livros publicados, aborda diferentes temas

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 43 como: romance, conto, adaptação e livros infanto-juvenis como: Luciana Saudade, O laço cor-de-rosa, Uma história de amor, etc. Em seguida, questionou-se na pesquisa quais os gêneros de leitura os alunos acham mais interessante. Os gêneros apresentados foram muitos e entre os preferidos com mais de uma resposta por aluno, sobressaíram na freqüência de citações (total de 85): 80% (20) histórias em quadrinhos; 68% (17) romances; 60% (15) poesias; 48% (12) contos; 40% (10) as crônicas ficaram em quinto lugar dos votos sendo seguidas pelos livros de aventura, com 36% (9) e os de terror, com 8% (2).

Tabela lV – Os gêneros mais interessantes Gêneros fi % Histórias em quadrinhos 20 80 Romances 17 68 Poesias 15 60 Contos 12 48 Crônicas 10 40 Aventura 9 36 Terror 2 8 Frequência de respostas 85 340

Gráfico lV – Os gêneros mais interessantes

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 44

Nesse caso, a crônica não foi bem votada, apesar de ter obtido 40% do resultado. Isso mostra que o gênero perde por ter um número maior de meninos, ficando, em primeiro lugar, as histórias em quadrinhos já que eles somam 56% da pesquisa. Visando detectar a leitura em jornal no âmbito da escola, perguntarmos aos entrevistados se liam o jornal Folha de São Paulo. Verificamos que 60% (15) não liam e somente 40% (10) afirmaram ler esse jornal. Talvez, seja por falta de acesso ao meio, já que não é muito comum a prática de leitura com esse tipo de veículo em sala de aula. Esses dados surpreendem, tendo em vista que a escola tem a assinatura, não só deste jornal, como também do Estadão e de revistas em geral.

Tabela V – Leitura da Folha de São Paulo Respostas fi % Não 15 60 Sim 10 40 Frequência de respostas 25 100

Gráfico V – Leitura da Folha de São Paulo

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 45

Aproveitamos, então, para saber dos dez alunos que afirmaram ler esse jornal, quais cadernos os atraíam. Lembrando que dos 40% (10), todos afirmaram ter visto mais de um. No total de 24 respostas, destacam-se: Esporte, com 80% (8); Ilustrada, com 60% (6); Folhateen, com 50%; Caderno 1 e economia, com 20% (2) cada um e, por último, um aluno admitiu ler cotidiano, ficando com 10%.

Tabela Vl – Caderno da Folha mais lido Caderno da Folha fi % Esporte 8 80 Ilustrada 6 60 Folhateen 5 50 Caderno 1 2 20 Economia 2 20 Cotidiano 1 10 Frequência de respostas 24 240

Gráfico Vl – Caderno da Folha mais lido

Nesse ponto, faz-se necessário refletir sobre a urgência do trabalho de leitura em salas de aula e biblioteca, principalmente, com os alunos de escola pública, já que não têm acesso aos meios de comunicação impressos em suas casas.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 46

A pesquisa revelou que, entre os meninos, os interesses de leitura referentes ao jornal dirigem-se para os cadernos de esportes e ilustrada. Justifica-se o interesse pelo Folhateen, por conta da idade desse público entrevistado. Indagamos o que esses alunos entendem por crônica e surpreendentemente, apenas uma aluna respondeu a mais de uma alternativa. As respostas totalizaram uma freqüência de 26 itens e entre eles, apareceram como definição de crônica: Reflexão do cotidiano, com 24% (6); Temas do dia-a-dia, com 20% (5); Texto engraçado, com 16% (4); Pequenos contos reais, com 16% (4); Texto criativo, com 12% (3); Texto triste, com 8% (2); e duas pessoas confessaram que não se lembravam do que se tratava. Pode-se notar que, se a escola não incentiva a leitura de jornal, consequentemente, não trabalha com crônica. É comum entre os alunos da 7ª série o convívio com esse gênero, já que a escola trabalha com crônicas desde a 5ª série do ensino médio, fazendo com que os alunos leiam e produzam este estilo de texto, no entanto, o trabalho deixa a desejar, pois não se fixa na memória dos alunos. Pode ser também que esses dois alunos não se lembrem, pois não são leitores, nem têm motivação para ler, fazendo-o somente por obrigação em sala de aula.

Tabela Vll – Conceitos de crônica Conceitos de crônica fi % Reflexão do cotidiano 6 24 Temas do dia-a-dia 5 20 Texto engraçado 4 16 Pequenos contos reais 4 16 Texto criativo 3 12 Texto triste 2 8 Não se lembram 2 8 Frequência de respostas 26 104

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 47

Gráfico Vll – Conceitos de crônica

Vale enfatizar que os conceitos citados não estão equivocados. Talvez até falte uma melhor especificação de cada aluno, mas no geral, as definições não fogem à regra do gênero crônica, já que o mesmo assume as características presentes nas respostas. Cony, por exemplo, consegue unir todas essas em seu estilo, transformando um tema diário em reflexão criativa, podendo assumir graça ou tristeza em pequenos contos reais. Questionados quanto à leitura de crônicas na Folha, o resultado não surpreendeu já que 60% (15) dos entrevistados já haviam mencionado o fato de não ler jornal. Sendo assim, a resposta foi igualmente negativa por 60% (15) dos entrevistados e afirmativa por 40% (10). Assim, pode-se deduzir que não se pode obter um resultado positivo em relação à leitura de crônica, se a maioria dos entrevistados não costuma ler jornais.

Tabela Vlll – Leitura de crônicas na Folha Leitura de crônicas na Folha fi % Não 15 60 Sim 10 40 Frequência de respostas 25 100

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 48

Gráfico Vlll – Leitura de crônicas na Folha

Pediu-se, a partir daí, que os alunos, com respostas positivas, citassem um escritor que possivelmente tivessem lido na Folha e, mais uma vez, o resultado foi surpreendente: 50% (5) dizem ter lido, mas não se lembram do autor; 40% (4) citou Carlos Heitor Cony e apenas 10% (1) lembrou de Luís Fernando Veríssimo. Esses dados mostram que, na nossa cultura, os autores normalmente ficam em segundo plano, ou seja, fica mais fácil lembrar da obra do que do autor.

Tabela lX – Escritor mais lido na Folha Escritor mais lido fi % Não se lembram 5 50 Carlos Heitor Cony 4 40 Luis Fernando Veríssimo 1 10 Frequência de respostas 10 100

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 49

Gráfico lX – Escritor mais lido na Folha

Cony foi bem citado, ficando com 40% dos votos lembrados pelos alunos. Dando sequência a isso, questionamos quem já havia lido alguma obra do jornalista e nas respostas obteve-se duas crônicas e, por incrível que pareça, nenhuma tirada do jornal e, sim, da internet. Mesmo os entrevistados que não se lembraram do nome do autor anteriormente, confirmaram já ter lido ou ouvido as duas histórias que se seguem: “O Menino das meias vermelhas”, com 32% (8); “Romance da moça”, com 20% (5) e em branco, com 48% (12).

Tabela X – As crônicas mais lidas de Cony Crônicas lidas de Cony fi % O menino das meias vermelhas 8 32 Romance da Moça 5 20 Em branco 12 48 Frequência de respostas 25 100

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 50

Gráfico X – As crônicas mais lidas de Cony

A quantidade de votos deixados em branco confirma a tese de que o autor fica esquecido em meio as suas obras, pois exatamente neste ponto da pesquisa apresentamos aos alunos quatro crônicas do autor: “O menino das meias vermelhas”, “A mãe e o pêssego”, “Romance da Moça” e “Sou Contra”. As duas primeiras foram encontradas apenas na internet (In: , 2009), a terceira está no livro “O Harém das Bananeiras” (1999) e a quarta no livro “Da arte de falar mal” (1963). Após ler os quatro textos, alguns alunos se lembraram de tê-los lido anteriormente, mas não sabiam o nome do autor, enquanto outros, as leram pela primeira vez. De posse desses dados, segue-se a opinião de cada aluno sobre os textos. Lembrando que cada aluno escreveu apenas uma ideia sobre a leitura, ficando a seguinte decorrência: a narrativa de Cony é inteligente e interessante, com 32% (8); sua obra faz refletir, com 24% (6); de fácil compreensão, com 20% (5); apresenta um texto criativo, com 12% (3); seu enredo é triste, mas bonito, com 8% (2); e suas histórias são engraçadas 4% (1).

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 51

Tabela Xl – Opinião sobre as obras de Cony Opiniões fi % Inteligente/ interessante 8 32 Fazem refletir 6 24 Fácil compreensão 5 20 Texto criativo 3 12 Triste/ bonita 2 8 Engraçada 1 4 Frequência de respostas 25 100

Gráfico Xl – Opinião sobre as obras de Cony

Lembrando que o intuito é fazer uma análise após a pesquisa, pediu-se então, que os entrevistados mencionassem a crônica mais atraente entre as quatro que foram lidas. A eleita foi uma das crônicas recolhidas no livro O Harém das Bananeiras em meio às publicadas na Folha de São Paulo e em outros jornais, e revistas dos anos de 1997 a 1999. Para os vinte e cinco entrevistados, a crônica “Romance da moça” foi a escolhida como a mais atraente, com 80% (20) dos votos, porque mostra sensibilidade do autor, possui título cativante e retrata um momento vivido pela maior parte dos alunos, já que é a idade do romance, do namorico adolescente.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 52

Em segundo lugar, a obra “O menino das meias vermelhas” obteve 60% (15) dos votos, pois além da linguagem poética, o autor mostra uma realidade acompanhada por alguns dos alunos (o fato de o pai ou a mãe ter abandonado o lar), tornando-se um estilo atraente e cativante. Em terceiro, ficou o texto “A mãe e o pêssego” com 16% (4) que também cativa pela sensibilidade da mãe em lidar com os problemas do dia-a-dia e o carinho que ela demonstra ao realizar um desejo do filho. E em quarto e último colocado, está a crítica “Sou contra”, com 12% (3) dos votos, que impressiona pelo estilo diferente, no qual o autor utiliza-se de paradoxos para analisar a atual situação política. Pelos depoimentos, pode se notar que os leitores agem mais pela emoção do que razão. Lembrando que todos os textos são baseados em fatos reais, os adolescentes preferem o que mais se parecem com sua própria situação atual, seja ela o romance, o fato de ter sido abandonado pelo pai/mãe ou, simplesmente, pela história bonita e atraente. Entretanto, é válido destacar que Cony prende seu leitor de forma ardilosa, usando a realidade como principal fonte de referência. Enfim, ele captura o leitor pela fantasia em apreciar detalhes que se parecem com sua própria identidade.

Tabela Xll – A crônica mais atraente entre as mencionadas Crônica mais atraente fi % Romance da moça 20 80 O menino das meias vermelhas 15 60 A mãe e o pêssego 4 16 Sou contra 3 12 Frequencia de respostas 42 168

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 53

Gráfico Xll – A crônica mais atraente entre as mencionadas

Diante dos resultados, pode-se notar que há necessidade e urgência de um trabalho constante a longo prazo com leitura nas escolas que privilegie textos diversos, sobretudo, os literários e jornalísticos. Essa constatação motivou-nos a desenvolver um projeto de trabalho com a leitura, embora este não fosse o objetivo desta monografia (vide em anexo).

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 54

O Projeto

(Fotos: Rafael Franco Lobo)

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 55

2. O projeto: “Crônica na sala de aula”

Este projeto teve o propósito de esclarecer, aos alunos envolvidos na pesquisa, o real significado da importância de leituras, seja ela cômica ou triste, conto ou poesia, ou simplesmente um e-mail ou blogs na internet. Que não importa idade, preferência ou estilo para fazê-la e que para aprender é preciso criar o hábito de procurar qualquer que seja o seu objeto de estudo: jornais, revistas, gibis e livros. Visando à melhor compreensão desses dados impactantes da pesquisa, desenvolvemos algumas tarefas de ordem prática com duração de seis semanas, na qual obedeceram as seguintes etapas: a) O primeiro passo foi discutir e avaliar o conhecimento de cada aluno. Para isso conversamos e trocamos informações com o intuito de uma proximidade mais humanizada, criando assim, uma confiança de aluno e pesquisador. b) Apresentação da crônica: sua origem, significado, os principais cronistas brasileiros e sua seriedade em meio aos gêneros de literatura existentes. c) Apresentação do principal objeto desse trabalho, Carlos Heitor Cony: Sua vida, suas obras e seu estilo de escrita. Havendo aqui uma descoberta de que alguns alunos já conheciam alguns de seus livros, porém, como confirmado nos dados anteriores, não se recordavam de seu nome. d) Analisamos e discutimos as crônicas referentes na pesquisa (vide anexo ll). Aqui foi o momento de reafirmação dos variados gostos por um tipo de assunto, prevalecendo o romance e a semelhança de casos parecidos com que cada aluno vive no seu dia-a-dia, fazendo-os a se identificarem com as histórias contadas por Cony. e) Apresentação e leitura de crônicas do escritor na Folha de São Paulo, desmistificando o medo de abrir esse veículo tão necessário para a formação de alunos em todas as etapas de suas vidas. f) Por último, fizemos uma visita à biblioteca da escola e identificamos inúmeros livros do autor como: O piano e a orquestra, A casa do poeta trágico, O Ventre, Quinze anos, O irmão que tu me deste, O mistério das aranhas verdes, etc. Finalizando essa pequena amostragem do que pode ser feito para que os alunos se interessem pela leitura, fica evidente a falta de incentivo para com os mesmos. O projeto

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 56 mostrou que não é imprescindível um local específico para isso e, sim, força de vontade. A escola tem todos os meios físicos para que se faça uma boa qualificação de seus alunos, pois deixa à disposição uma biblioteca muito bem equipada, com livros das mais variadas espécies, revistas de todas as épocas e até enciclopédias como suportes de apoio ao professor. Nesse curto intervalo de tempo, junto das salas de 7ª e 8ª série, foi extremamente compensador saber que ainda há como salvar a nossa educação e encaminhar os jovens para uma viagem no mundo da leitura, basta educá-los para isso.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 57

CAPÍTULO lV

A análise

(Fotos: Gleicy Gesso)

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 58

1. Analisando a crônica “Romance da Moça”

Tendo como base a crônica mais votada “Romance da moça”, esta pesquisadora propôs-se a analisar esta obra de Cony, por ser então, uma das melhores na opinião de nossos jovens entrevistados e por estar dentro de uma das propostas estabelecidas para este trabalho, o de analisar as obras recolhidas em livros e que comprovam perpetuarem no tempo e sobreviveram além dos jornais, sendo este o diferencial do autor em questão: Carlos Heitor Cony. O texto “Romance da moça” foi divulgado no livro O Harém das Bananeiras, em 1999. Nesse livro, Carlos Heitor Cony reuniu crônicas publicadas na Folha de São Paulo e em outros jornais e revistas, nos anos de 1997, 98 e 99. Por se tratar de uma leitura fácil e gostosa, essa crônica foi a escolhida pela maioria dos jovens entrevistados na pesquisa. Mas foi a identificação com o “eu” que chamou a atenção. O enredo traz um misto de suspense, curiosidade e romance, em fim, tudo que apela para os sentimentos da adolescência. A impressão de que o enredo principal seja ou não real fica exclusivamente, por conta de deduções do leitor, pois o autor faz aqui, uso de uma história que nos deixa com a sensação de ter acontecido com ele próprio, lembrando que é uma das características mais marcante de Cony. Isso fica implícito já no prefácio do livro onde há a indicação de memória do autor: “Em O Harém das Bananeiras, a prosa de Carlos Heitor Cony reúne lembranças, diálogos silenciosos, tramas, viagens ao encontro do mundo e de volta para casa.“ (PREFÁCIO, s/a, 1999, p.1). Por se tratar de uma crônica, mantém todas as características necessárias para a sua identificação. Trata-se de um texto híbrido, no qual Cony conta um breve episódio, mantendo o texto curto, leve e abordando algo que parece de seu convívio diário. Narra um fato que vem acontecendo há alguns dias até o seu desfecho, no qual deixa-nos a desejar saber um pouco mais da história e questionarmos de quem realmente se trata, já que demonstra conhecer a mãe da moça. Porém, Cony não deixa clara a verdadeira identidade das duas, não revela o nome da moça e deixa-nos a imaginar se Martha fora sua esposa, sua namorada ou somente um caso amoroso, tomando por base o título que revela ser de um romance. Assim, a narrativa possui um narrador

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 59 protagonista/personagem, pois narra uma história que pertence a ele próprio, posicionando seu discurso em primeira pessoa. Inicia o episódio contando que, por alguns dias, a moça estava sempre na garagem do prédio, à espera de alguém sem fazer nenhuma narração de características físicas ou roupas que ela usa. Esse fato faz com que não haja pistas para a imaginação do leitor constituir como possa ser, tanto a moça, quanto ele. Em parte alguma da escrita Cony faz menção de narrar detalhes dos episódios, mas apresenta os dois espaços onde ocorrem as cenas. O primeiro na garagem do prédio, onde conhece a moça e o segundo na sala do apartamento dele. Também não há uma clareza de fatos que levem o autor à identificar o tempo preciso em que se passa o ocorrido, mas aceita uma assimilação do tempo presente, ou seja, a qualquer que seja o momento da leitura, nos faz idealizar que seja hoje. No entanto, faz-se achar que o encontro com a filha de alguém conhecida se revele anos mais tarde da data em que se passou o romance do escritor com a mãe que já se encontra morta. Isso é revelado quando a moça se apresenta: “Sou filha de Martha. Você deixou este original com ela. Antes de morrer, pediu-me que o entregasse.” (O Harém das Bananeiras, CONY, 1999, p.29). O tempo na narrativa é cronológico e está ligado ao enredo linear. Mesmo não declarando, exatamente, a quantidade de dias em que os acontecimentos da trama ocorrem, o autor cita uma falha em sua memória quanto a essa lembrança: “Não sei se na mesma semana, ou na seguinte, ela entrou na minha sala.” (O Harém das Bananeiras, CONY, 1999, p.28). Cony menciona de forma primorosa o dia em que a filha dessa suposta Martha lhe procura para devolver o rascunho de um romance que tentara, em tempos remotos, escrever e não chegara ao fim. Depois de dias o esperando, ou até, o espiando, talvez para ter certeza de que era o homem que deveria procurar ou simplesmente sem saber como chegar e se anunciar, deixando o leitor intrigado do porque dessa espera. Nesse caso, a descrição remete-nos a uma imprecisão na caracterização do ambiente, tornando-o incógnito. Mas vale lembrar que se trata de dois personagens que não se conhecem pessoalmente, mas que tem uma relação forte um com o outro, sendo o ponto chave a terceira personagem já falecida. Tendo por base que o tema da história é o romance (não o do autor com Martha), mas o romance que a moça o entrega e que ele vem a descobrir que se tratava de um

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 60 escrito seu. Podemos diagnosticar como assunto o encontro da moça com o autor. E fica como forte apelo à mensagem subentendida no roteiro: O importante é tudo o que cativamos na vida, as amizades, o carinho e o amor, podendo perpetuar nas pessoas que estão ao nosso redor, mesmo depois de mortos, fazendo valer uma boa recordação do ente querido. Cony realiza um fascinante desfecho que pode ser interpretado como uma possível aproximação dele com a suposta moça, provavelmente até conhecida de outros tempos, já que ele enfatiza a aceitação da carona que havia lhe oferecido dias antes da descoberta de sua existência: “Naquele dia, a moça aceitou a carona.”

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 61

CONCLUSÃO

(Fotos: Gleicy Gesso)

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 62

Conclusão

Ao cabo de tudo, pergunta-se de que é que o cronista fala mal. Ai de nós, só das flores e dos pássaros! (Da arte de falar mal – Fausto Cunha – Prefácio)

A crônica não foi escrita por profissionais específicos desse gênero, mas ganhou escritores que se tornaram especialistas no assunto. Sabe-se que seus primeiros adeptos foram os ingleses Joseph Addison e Richard Steele. Feita inicialmente só para a burguesia, a crônica conquistou seu espaço e ganhou o mundo. No Brasil, ela chegou com o Folhetim e com o mesmo intuito dos ingleses de produzir textos voltados para o entretenimento. Em 1952, a crônica ocupa seu espaço na coluna A Semana, de Francisco Otaviano no Rio de Janeiro e passa a ser dividida com os romances e as notícias dos jornais. Possui a mesma concisão deste veículo, tratando de fatos cotidianos. Seu maior precursor foi Machado de Assis que transformou e renovou o gênero literário e as formas irônicas e engraçadas de se contar algo corriqueiro do dia a dia. Seus sucessores foram muitos e entre eles, o escritor e jornalista Carlos Heitor Cony. Com tantos autores, Cony se destaca por ser um escritor de vários gêneros, vários estilos e muitas publicações. Pode-se notar que as crônicas desse escritor sobreviveram ao jornal e foram, ao longo de vários anos, recolhidas em livros, tornando-se referência para os estudantes de jornalismo. O gênero sobrevive, portanto, à efemeridade do jornal, tornando-se contemporâneo quando atinge o estatuto de texto literário, pois, desse modo, consegue transcender no tempo e permitir que o leitor reflita sobre seus temas e ideias em qualquer época. A razão dessa sobrevivência está na forma da escrita, a simplicidade das falas, a semelhança da história contada com que o leitor está vivenciando. Isso se deve ao fato de possuírem qualidades literárias que as posicionam como capazes de se comunicarem com seus leitores mesmo depois de muito tempo que já foram publicadas. Constituem, ainda, coletâneas organizadas para a venda, assim, como os livros que a mídia lança, deixando-os mais acessíveis ao público.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 63

Analisando as crônicas produzidas por Carlos Heitor Cony, observou-se que este tipo de texto é atraente para o jovem leitor. Mesmo, após a descoberta, por meio de pesquisa, de que há restrição de leitura entre os jovens, diagnosticou-se que o gênero possui elementos que os atraem, tais como: a linguagem, o estilo e a sensibilidade com que escreve. Usando suportes teóricos sobre os elementos do discurso jornalístico e literário. As análises voltadas para as crônicas de Carlos Heitor Cony, levam-nos à reflexão sobre o gênero, uma vez que, próprio da área jornalística, este tipo de narrativa consegue surpreender seus leitores, levá-los a indagações e, por isso, emancipá-los, por meio da ampliação de seus horizontes e expectativa. A crônica, enquanto narrativa, foge de categorizações, enquanto produção híbrida permite ao estudante de Comunicação Social refletir sobre as formas, por meio das quais se efetivam neste texto a dialogia entre linguagem literária e jornalística. O fato de o autor ser jornalista e usar uma linguagem rápida e de fácil entendimento o torna admirado, demonstrando a preferência por suas obras. O que reforça na técnica utilizada por ele em narrar, na maioria das vezes, casos ocorridos na sua própria vida, deixando o leitor mais próximo de sua produção, pois sente-se como que um cúmplice de segredos revelados.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 64

Referências bibliográficas

ARRIGUCCI, Davi Jr. Enigma e comentário: ensaios sobre literatura e experiência. São Paulo: Companhia das letras, 1987. BIGNOTTO, Cilza; JAFFE, Noemi. Crônica na sala de aula: material de apoio ao professor. Apresentação Marisa Lajolo. 2. ed. São Paulo: Itaú Cultural, 2004. COELHO, Nelly Novaes. Apresentação. In: SOUZA, Renata Junqueira (org.). Caminhos para a formação do leitor. São Paulo: DCL, 2004, p.9-10. CONY, Carlos Heitor. O Harém das Bananeiras. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva LTDA, 1999. ______. Da arte de falar mal. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira S. A., 1963. FERREIRA, Eliane Aparecida Galvão Ribeiro. A leitura dialógica como elemento de articulação no interior de uma biblioteca vivida. In: SOUZA, Renata Junqueira (org.). Biblioteca escolar e práticas educativas: o mediador em formação. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2009, p. 69-90. GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. 4ª. Ed. São Paulo: Ática, 1997. MACHADO, Irene A. Literatura e redação. Conteúdo e metodologia da língua portuguesa. São Paulo: Scipione, 1994. MELO, José Marques de. Jornalismo opinativo: gêneros opinativos no jornalismo brasileiro. 3. Ed. Ver. E ampl. – Campos do Jordão: Mantiqueira, 2003. MOISÉS, Massaud. A criação literária: prosa – II. 19.ed. São Paulo: Cultrix, 2005. RAMALHO, Alzimar Rodrigues. A crônica como ferramenta de incentivo à criatividade no processo de construção do discurso jornalístico. Revista Vale, n. 05, 2007, p. 37-42. RIBEIRO, Anna Carolina de Oliveira Villela. O atraente na obra de Carlos Heitor Cony. 2007. MONOGRAFIA (Trabalho de conclusão de curso de Comunicação Social com habilitação em jornalismo) – Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis, Assis. SÁ, Jorge de. A crônica. 6.ed., 4.reimpr. São Paulo: Ática, 2002. SANT‟ ANNA et al. Cadernos de Literatura brasileira. São Paulo: Instituto Moreira Salles. n.12, dez. 2001. SILVA, Viviane Alessandra de Gênova. Reflexões sobre o discurso humorístico em crônicas. Revista Vale, n. 05, 2007, p.31-35. SOARES, Angélica. Gêneros literários. 6.ed., 2.impr. São Paulo: Ática, 2000.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 65

SOUZA, Renata Junqueira de (org.). Caminhos para a formação do leitor. 1. Ed. São Paulo: DCL, 2004. ______.Biblioteca escolar e práticas educativas: o mediador em formação. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2009. ZANCHETA, Juvenal. Leitura de narrativas juvenis na escola. In: SOUZA, Renata Junqueira (org.). Caminhos para a formação do leitor. São Paulo: DCL, 2004, p.91-110. ZILBERMAN, Regina (org.). A produção cultural para a criança. 4.ed. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1990.

Referências eletrônicas

ANDRADE, Maria Lucia da Cunha Victório de Oliveira. As crônicas de Carlos Heitor Cony e a manutenção de um diálogo com o leitor. Disponível em: . Acesso em: 20 maio 2009. DIAS, Elaine Gonçalves. Crônica, apenas um bate-papo. Trabalho de Conclusão de Curso em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2009. E4W Solutions. Academia Brasileira de Letras. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2009. MADEIRA, Ana Maria Gini. Da Produção à recepção: Uma análise discursiva das crônicas de Luis Fernando Veríssimo. Dissertação de mestrado de Pós-graduação em Letras. Disponível em: Acesso em: 05 abr. 2009. SPINOLA, Patrícia. Carlos Heitor Cony. Disponível em: . Acesso em: 22 mar. 2009.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 66

ANEXOS

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 67

ANEXO l - PESQUISA

NOME: (não é obrigatório preencher) ______SÉRIE: ______IDADE:______SEXO: ( ) M ( )F

1. Você gosta de ler? ( ) sim ( ) não Por quê? ______

2. O que você costuma ler? ( ) livro ( ) revista ( ) jornal ( ) outros:______

3. Quais são os gêneros que você acha mais interessante? ( ) contos ( ) poesias ( ) histórias em quadrinhos ( ) crônicas ( ) romances ( ) outros:______

4. Você já leu o jornal Folha de São Paulo? ( ) sim ( ) não Se respondeu afirmativamente, qual caderno? ______

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 68

5. O que você entende por crônica? ______

6. Você já leu alguma crônica na Folha? ( ) sim ( ) não Se respondeu afirmativamente, qual e/ou de qual escritor? ______

7. Você já leu alguma crônica do jornalista e escritor Carlos Heitor Cony? ( ) sim ( ) não Se respondeu afirmativamente, qual(s)? ______

8. O que achou da(s) crônicas de Cony? Por quê? ______

9. Das crônicas de Cony qual o atraiu mais? ______Por quê? ( ) era engraçada ( ) demonstrava sensibilidade do escritor ( ) possuía assunto de meu interesse, como:______( ) a linguagem é poética ( ) o estilo do escritor é atraente, porque______( ) outros motivos:______

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 69

ANEXO ll – CRÔNICAS

1. Romance da moça

Pensei que fosse coincidência. Sempre que descia à garagem, ela estava por ali, aparentemente à espera de alguém. Com o tempo, passei a cumprimentá-la. Num dia de chuva, ofereci carona. Ela recusou. Um amigo viria buscá-la. Em sinal de gratidão, avisou-me que um dos pneus do meu carro estava baixo. Aí fui eu que agradeci. Não sei se na mesma semana, ou na seguinte, ela entrou na minha sala. Anunciou-se à secretária de forma estranha: "É a moça da garagem." Sim, era ela, com uma pequena pasta à mostra. Resumindo: fizera um romance. Não conhecia ninguém na área editorial ou literária. Perguntou se podia deixar os originais, não tinha pressa, queria uma opinião. Com pequenas variantes, isso já aconteceu outras vezes e acontece com todos nós, que de alguma forma fazemos parte da tribo que se dedica a esse tipo de ofício. Ofereci-lhe um café e abri o original. Não havia indicação de autor ou autora. O título era uma charada "S.O.S". Havia uma epígrafe de São João da Cruz, falando da escura noite da alma, e uma estrofe de Bandeira: "Mas para quê/ tanto sofrimento/ se lá fora o lento/ deslizar da noite". Elogiei as epígrafes e abri a primeira página. Começava assim: "Salve a minha alma!". Levei um susto. Como início de romance, era péssimo. Mesmo assim, senti alguma coisa de íntimo naquele grito ou naquele desespero. Fora esse o início de um romance que não cheguei a terminar. Ia perguntar onde ela encontrara aquele original tão perdido que nunca mais me lembrara dele. Não foi preciso. Ela se identificou: "Sou filha de Martha. Você deixou este original com ela. Antes de morrer, pediu-me que o entregasse." Naquele dia a moça aceitou a carona.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 70

2. O menino das meias vermelhas

Todos os dias, ele ia para o colégio com meias vermelhas.

Era um garoto triste, procurava estudar muito mas na hora do recreio ficava afastado dos colegas, como se estivesse procurando alguma coisa. Os outros guris zombavam dele, implicavam com as meias vermelhas que ele usava.

Um dia, perguntaram porque o menino das meias vermelhas só usava meias vermelhas. Ele contou com simplicidade:

- “No ano passado, quando fiz aniversário, minha mãe me levou ao circo. Botou em mim essas meias vermelhas. Eu reclamei, comecei a chorar, disse que todo mundo ia zombar de mim por causa das meias vermelhas. Mas ela disse que se me perdesse, bastaria olhar para o chão e quando visse um menino de meias vermelhas saberia que o filho era dela”.

Os garotos retrucaram:

- “Você não está num circo! Porque não tira essas meias vermelhas e joga fora?”

Mas o menino das meias vermelhas explicou:

- “É que a minha mãe abandonou a nossa casa e foi embora. Por isso eu continuo usando essas meias vermelhas. Quando ela passar por mim vai me encontrar e me levará com ela”.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 71

3. A mãe e o pêssego

“O pai reuniu a mulher, os dois filhos e comunicou:

“Perdi o emprego. A partir de amanhã, nossa vida será diferente. Para manter o essencial, teremos de cortar o supérfluo”.

O filho mais moço perguntou o que era “supérfluo”. O pai deu um exemplo: “Você gosta de pêssegos. Pois cortaremos os pêssegos. Sobremesa, agora, é goibada e pronto!”

O garoto ficou pensando que todos os dias comeria goiabada, e ele não gostava de goiabada. Para azar dele, era tempo dos pêssegos, aveludados, doces como mel.

Passou a primeira semana sem sobremesa. Preferia morrer a comer a goiabada que parecia eterna: quando acabava uma, logo aparecia outra. Até que um dia a mãe voltou da feira com o carrinho quase vazio. Mesmo assim, em lugar de destaque, por cima de todas as compras, lá estava a lata de goibada. O menino teve um engulho.

Mas, logo que o pai saiu para procurar emprego, a mãe chamou o guri. Para não despertar suspeita no filho mais velho, falou com autoridade: “Venha cá!”. O menino pensou que fizera alguma coisa errada e que ia levar uma bronca. A mãe levou-o para o banheiro e fechou a porta.

Mostrou um enorme pêssego, vermelho e amarelo, a penugem aveludada, doce como o mel: “Olha o que eu trouxe para você!”. O menino nem gostou do pêssego. Preferiu gostar mais daquela mãe.”

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 72

4. Sou contra

Sou contra as reformas de base e contra a erradicação da malária. Contra o fomento da agricultura e contra a conjuntura nacional. Contra a livre determinação dos povos e contra as injunções de ordem político-social. Contra as reivindicações do proletariado e contra os sagrados postulados de nossa civilização cristã. Contra os imperativos de justiça social e contra as inalienáveis prerrogativas da pessoa humana.

Sou contra os simpósios de agricultura e contra a recuperação de nossa lavoura. Contra as objurgatórias indeclináveis e contra as mais legítimas tradições do povo brasileiro. Contra as ofensivas contra o câncer e contra as campanhas de orientação vocacional. Contra os lídimos representantes das classes produtoras e contra os autênticos interesses de nossa soberania.

Sou contra o impostergável dever de consciência e contra a exata compreensão dos meus deveres de cidadão. Contra os sadios princípios que norteiam as nossas Forças Armadas e contra as pressões de cúpula com que se procura oprimir o operariado. Contra a voz do dever, contra o tato político, contra o gosto da glória, contra o cheiro de santidade e contra os pagamentos à vista.

Sou contra a ampla pesquisa ao eleitorado e contra o desenvolvimento de nosso parque industrial. Contra o ruidoso sucesso e contra o festejado autor. Contra o lúcido ensaísta e contra o rigoroso critico teatral. Contra o promissor poeta e contra o fino humorista. Contra o competente historiador e contra o agudo filósofo. Contra o hábil cronista e contra o paciente pesquisador. Sobretudo, contra o vibrante jornalista.

Sou contra a arregimentação das consciências e contra arbítrio das decisões apressadas. Contra os pontos de estrangulamento de nossa economia e contra as infra-estruturas superadas. Contra a evasão de nossas divisas e contra a inversão de capitais opressores. Contra a livre-tramitação das emendas e contra o esgotamento dos prazos legais. Contra o aumento de nossa dívida externa e contra os males intestinos de nossa política interna. Contra a descentralização administrativa e contra os males da burocracia. Contra a recuperação dos delinquentes e contra as fontes produtoras de riquezas.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 73

Sou contra a integração do vale amazônico e contra a mecanização da lavoura. Contra a sangria em nossas finanças e contra o imediato socorro às regiões desamparadas. Contra a vacinação em massa e contra os óbices que entravam o nosso progresso. Contra as decisões de cúpula e contra os alicerces de nossa nacionalidade.

Sou contra o mais fino ornamento da sociedade e contra o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Contra o decreto das urnas e contra o quadro de nossas importações. Contra os estudos afro-asiáticos e contra os distúrbios do vago-simpático. Contra a subversão das massas e contra o esvaziamento de nossas tradições. Contra a hierarquia de valores contra a perquirição sociológica. Contra as ideologias insólitas e contra o transplante de idéias alienígenas. Contra a flora intestinal, contra a eclosão de entusiasmo, contra a equipe magiar, contra a preservação de nossas reservas florestais, contra o colóquio de física nuclear, contra o abastardamento de nossas instituições, contra a política cafeeira, contra a etapa de desenvolvimento e, sobretudo, contra as mulheres que fazem os poetas sofrerem, os governantes roubarem, os comerciantes falirem, os filósofos meditarem e os pecadores pecarem.

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 74

FICHA CATALOGRÁFICA GESSO, Gleiciane O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony / Gleiciane Gesso. Fundação Educacional do Município de Assis – Fema : Assis, 2009 74p.

Trabalho de Conclusão de Curso ( TCC ) – Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo – Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis

1.Crônica. 2. Leitura. 3. Educação. 4. Leitor

CDD: 070 Biblioteca da FEMA

O diferencial na crônica de Carlos Heitor Cony 75