Título: The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] de Wesley Duke Lee Supervisor: Marco Garaude Giannotti Proponente: Rafael Vogt Maia Rosa Universidade de São Paulo, Escola de Comunicações e Artes, Departamento de Artes plásticas

Resumo: O projeto propõe um estudo do problema da teatralidade na obra de Wesley Duke Lee com base em uma revisão crítica de sua instalação “The Birth Capsule” [A Cápsula do Nascimento], produzida pelo artista em 1969, em Los Angeles, nos EUA. A obra passou por diversas etapas de desenvolvimento, dando continuidade a pesquisas com ambientes como “The Helicóptero” (1969), mas não chegou a ser aberta ao público e debatida criticamente. Entretanto, trata-se de um trabalho que representa um ponto privilegiado no experimentalismo do artista, no qual o mesmo suprimiu processos característicos como a combinação do pictórico com objetos ready made, e sintetiza seus embates com a própria instituição artística. O objetivo é contextualizar sua relevância em meio à produção de Duke Lee, especialmente no que se refere aos dilemas apresentados pela transição de um contexto moderno para o contemporâneo e à aproximação entre linguagens no âmbito das artes plásticas. A pesquisa se propõe a investigar os antecedentes do trabalho, suas consequências imediatas na década de 1970, bem como paralelos do mesmo com outras produções da época, notadamente, de Lygia Clark, buscando avaliar em que medida representa um ponto alto em meio as linhas de desenvolvimento do experimentalismo no Brasil, em particular no campo da estética instalacional. Partindo de um levantamento do embate de Duke Lee com o problema da especificidade dos meios tradicionais como a pintura e escultura, e seu diálogo continuado com o cinema, nesse contexto, tanto do ponto de vista plástico como narrativo, tendo como respaldo entrevistas já realizadas, visitas a acervos privados, e outras previstas ao longo do projeto, a pesquisa visa demonstrar de que modo o Duke Lee buscou uma experiência artística total e multidisciplinar que demanda uma ampla revisão para uma reintegração no contexto geral da historiografia da arte brasileira.

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 1 Title: The Birth Capsule (1969) by Wesley Duke Lee Supervisor: Marco Giannotti Garaude Candidate: Rafael Vogt Maia Rosa University of São Paulo, School of Communication and Arts, Department of Fine Arts

Summary:

The project aims to study the problem of theatricality in the work of Wesley Duke Lee, based on a critical review of his installation "The Birth Capsule", produced by the artist in 1969, in Los Angeles, USA. The work went through several stages of development, continuing the research with environments such as "The Helicóptero" (1969), but was never open to the public or discussed critically. However, it is a piece that represents a high stage in the artist's experimentation, in which he suppressed characteristic processes such as the combination of pictorial resources with ready made objects, and synthesizes his clashes with the artistic institution. The goal is to contextualize its relevance amid the production Duke Lee, especially concerning his dilemmas with the transition from a modern context for a contemporary, as the approximation between languages within the visual arts. The research aims also to investigate the background of the work, its immediate consequences in the 1970s, as well as investigate its relations with other productions, notably Lygia Clark’s, seeking to understand to what extent it is a high point in the main lines of development of experimentation in , particularly in the field of installation. Departing from Duke Lee's issues with the specificity of traditional media such as and sculpture, and his continued dialogue with the movies, in this context, both from the formal and narrative point of view, with the support of interviews already conducted, visits to private collections, and other planned throughout the project, the research seeks to demonstrate how Duke Lee sought a complete and multidisciplinary artistic experience that demands a comprehensive review for reinstatement in the general context of the history of Brazilian art.

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 2 1. Enunciado do problema

Wesley Duke Lee (1931-2010) é geralmente identificado como um dos precursores da chamada Nova Figuração na arte brasileira. O olhar panorâmico sobre a diversidade de sua produção procura identificar, em suas obras da década de 1960, uma assimilação da norte-americana em uma perspectiva engajada, ou seja, projetando-a de forma crítica em meio às particularidades da sociedade local.1 Em seu caso, por outro lado, essa inserção teria ocorrido de maneira diferenciada da de seus pares. Para o crítico Paulo Sergio Duarte, por exemplo, o artista “é responsável por conduzir para o meio da Nova Figuração valores pictóricos abandonados por toda aquela geração de artistas”, de uma maneira que:

A política, quando presente na obra de Wesley, está sempre mediada por essa construção de uma obra de passagem, valorizando a conduta tradicional do oficio do pintor com as solicitações de uma conjuntura onde predominava a finalização rude de ícones da baixa cultura. (DUARTE, 1998, p. 49)

As particularidades da atuação de Duke Lee, dada a diversidade de sua formação, bem como seu percurso biográfico bastante ligado aos EUA, tornam difícil um diagnóstico dessa recorrência peculiar a valores pictóricos tradicionais e suas ressonâncias políticas. Por outro lado, pode-se considerar que, além ser um dos principais agentes de disseminação do legado duchampiano e seus desdobramentos na obra de , e Andy Warhol, entre outros, o artista foi ainda responsável por uma contribuição decisiva, no mesmo contexto da década de 1960, para o desenvolvimento da “arte ambiental” no Brasil, o que implicou investigações que questionaram justamente a manutenção da pintura como meio de expressão preferencial de investigação artística em seu processo.2 Em exposição realizada em 2009, no Centro Universitário Maria Antonia da Universidade de São Paulo, foi possível ampliar a visão do público sobre sua obra, apresentando a face “pedagógica” da atuação de Duke Lee, a partir de sua proximidade, entre 1967 a 1970, com os então jovens artistas Luiz Paulo Baravelli, Carlos Fajardo, Frederico

1 Cf. Cacilda Teixeira da Costa (Org.) Aproximações com o Espírito Pop. São Paulo, Museu de Arte Moderna, 2003, pp 16-29. 2 Cf. Marco Giannotti, Breve História da Pintura Contemporânea, São Paulo, Ed. Claridade, 2009: “A pintura contemporânea lida com uma serie de contradições: o desenho e a cor, a figura e a abstração, o futuro e o passado, o pessoal e o impessoal, a capacidade de se expressar plenamente, a liberdade, e os percalços inerentes a toda ação que pretende se superar a cada momento. Penso que as mais variadas técnicas de pintura estão sempre relacionadas a uma determinada época assim como uma experiência específica de vida. Contudo, um artista é antes de mais nada um ser que compartilha questões que transcendem a sua atividade.”

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 3 Nasser e José Resende.3 O resultado da interação entre esses artistas, particularmente em retratos feitos “a duas mãos” por Duke Lee com cada um deles, mostrou-se ilustrativo não apenas de uma estética ou estilo de assimilação de tendências internacionais, nem de um engajamento peculiar nesse sentido.4 Diferentemente, os pressupostos metodológicos no ensino do desenho adotados pelo artista envolviam uma teatralidade, aí sim, bastante específica, que valorizava o processo e a experiência em relação aos resultados formais, e abarcava o cinema como uma máquina formal de grande interesse para o raciocínio plástico.

(Imagem I)

3 João Bandeira e Rafael Vogt Maia Roa, A Zona: Duke Lee, Baravelli, Fajardo, Nasser, Resende, São Paulo, Centro Universitário Mariantonia USP, 2009, não paginado: (...) “Num contexto como esse, tanto os papeis de professor e aluno quanto a ideia de grupo são flexibilizados, assim como a concepção do que seja um curso de desenho, no caso, espécie de pretexto para que se detonasse um processo individual que poderia, inclusive, partir do contraponto à produção do próprio Wesley – cuja amplitude no campo bidimensional já estava posta na época, paralelamente às incursões que o fizeram um dos pioneiros da arte ambiental brasileira., conforme ressaltou Hélio Oiticica , em seu Esquema geral da nova objetividade, em 1967. Assim, embora haja afinidades formais entre muitas das obras apresentadas nesta exposição, a ênfase recaiu – com limites cronológicos definidos e atendo-se sobretudo a obras bidimensionais – na confirmação de uma atitude vital, nessas peças de algumas séries de Wesley, bem como em exemplos do aparecimento de identidades artísticas precoces, por terem logo estabelecido tendências variadas como desconstruções narrativas e aproximações entre desenho e montagem cinematográfica, uma prática anti- estilística de caráter anedótico, reflexões singulares sobre a questão do corpo e a serialização ou uma perspectiva de representação mais lírica ligada à arquitetura à iconografia urbana. Enfim, uma zona franca em que quase nada se pode sumarizar. 4 Cf. Yanet Aguilera e Cláudia Valladão de Mattos (orgs.), Entre Quadros e Esculturas: Wesley e os Fundadores da Escola Brasil:, São Paulo, Discurso Editorial, 1997.

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 4 Mesmo que de um modo assistemático, evidenciou-se com a exposição, além de outros aspectos como uma ligação com o universo da fotografia e modos de pintar alternativos, uma “propensão nas artes visuais por um trabalho que se revele na mente do observador algo diferente daquilo que é empiricamente conhecido”, tal como proposto por Howard N. Fox.5 Veja-se o depoimento de José Resende a respeito:

(...) acho que há um mal-entendido, nem tanto em relação ao Wesley, que era um desenhista de grande habilidade, mas ao processo dessa forma de experimentar o risco e a produção gráfica que dele resulta. Porque a razão dessa prática não é pelo que você faz, mas pelo que você se surpreende de que seu olho seja capaz de ver. Ou seja, é o contrário: não é pelo efeito do que é desenhado, mas pelo fato de que você, olhando lá e trançando aqui, de repente traz uma profundidade que se estiver tentando “copiar” você tem menos. Assim, é uma possibilidade, um artifício não para desenhar, mas para você ver que seu olho vê. Então a técnica que o Wesley de alguma forma aplicava não era para você desenhar, era para você ver arte, para você ver o mundo, você acreditar mais no seu próprio olho. (ROSA, 2013, não paginado)

Posto isso, pelo que se pode verificar até o momento, Duke Lee manteve, na realidade, ao longo de toda a sua trajetória, uma relação complexa com o problema da especificidade dos meios tradicionais como a pintura e a escultura. Em sua própria formação, aos 28 anos, ao acompanhar como assistente o pintor Karl Plattner, em viagem à Europa, procura assimilar o prognóstico daquele que foi seu único ‘mestre’: “Eu acho que você deveria mesmo levar a serio a questão do cinema. Em arte, pintura, eu não sei o que acontece. Você tem facilidade, métier, até demais, grande fantasia, mas não é quadro.”6 Ao que, em carta à noiva, Lydia Chamis, Duke Lee pondera: “É verdade e eu sempre soube, os meus traços nunca são, como eu consigo ser... (...) O cinema como realidade pra para mim é a maneira mais rápida de me expressar, onde até o respiração conta como som. As minhas visões têm até cheiro.”7 Mais do que um anedotário envolvendo a disputa entre o mestre conservador e o aluno rebelde, a questão de fundo envolvendo a possibilidade de ampliação do campo de desenvolvimento estético para além do quadro tradicional antecipa impasses gerais no desenvolvimento das artes do período tal como sintetizados por Michael Fried em seu famoso

5 Citado por Marjorie Perloff em O Momento Futurista. Trad. Sebastião Uchoa Leite. São Paulo, EDUSP, 1993, p. 373. 6 Thomas Souto Corrêa “Para Lydia Chamis, de Wesley Duke Lee”, em Wesley Duke Lee, Rio de Janeiro, Pinakotheke, p. 83. 7 idem.

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 5 texto Art and Objecthood (1967). No caso, o crítico alerta sobre a necessidade da artes plásticas reagirem à teatralidade própria a experiências que as aproximavam de uma temporalidade mundana e teatral, particularizando ainda o lugar excepcional do cinema nessa equação – uma linguagem que escaparia naturalmente a essa problemática, sem no entanto supera-la.8 A hipótese principal para a realização dessa pesquisa é a de que esse debate, no percurso de Duke Lee, irá culminar em seu projeto The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento], instalação desenvolvida durante onze meses em Los Angeles, nos EUA, no ano de 1969. Nesse período, o artista foi residente do Hall of Cirurgical Sistems, onde projetou e desenvolveu um dispositivo complexo formado por um cubo de acrílico de grandes dimensões (três metros), sistema de ar comprimido com mobilidade do solo, operado por um indivíduo com roupas especiais. A obra não deixava de ser um desdobramento de propostas ambientais anteriores como “Trapézio ou uma Confissão”, de 1966, “A Zona: considerações (Retrato de Assis Chateaubriand)”, de 1968 (ver imagens II e III), e de uma de suas peças possivelmente mais conhecidas, finalizada em 1969, “The Helicóptero”.9 Caberá, durante o desenvolvimento da pesquisa, estudar pormenorizadamente as relações e as características de cada um de seus ambientes até chegar à “Cápsula”. Adianta-se, porém, que, em todos esses antecedentes, o artista se utiliza de elementos pictóricos conjugando-os com outros advindos de sua proximidade com o universo da publicidade -- tais como componentes mecânicos e sonoros. Mas, nessas mesmas condições, a “Cápsula” diferencia-se sobretudo por ter suprimido completamente a tela e os processos estritamente pictóricos ou gráficos presentes em outras series de trabalhos e nos ambientes anteriores citados, propondo então uma

8 Cf. Michael Fried, “Art and Objecthood”, em Art and Objecthood, Chicago, Chicago University Press, 1998, (trad. instrumental para este projeto): “É na superação do teatro que a sensibilidade modernista se acha mais exaltante e que experimenta a marca da mais alta arte no nosso tempo. Há, todavia, uma arte que, por sua própria natureza, escapa completamente ao teatro: o cinema. Isso ajuda a entender porque filmes em geral, incluindo alguns francamente ruins, são aceitáveis para a sensibilidade modernista, enquanto apenas as mais bem sucedidas pinturas, esculturas, músicas e poesias também o são. Porque o cinema escapa ao teatro – automaticamente, como se fosse –, ele fornece um refúgio envolvente e bem vindo às sensibilidades em guerra com o teatro e com a teatralidade. Ao mesmo tempo, o caráter automático e garantido deste refúgio – mais exatamente, o fato de que o que é fornecido como um refúgio ao teatro e não como um triunfo sobre ele, envolvimento e não condenação – significa que o cinema, mesmo o mais experimental, não é uma arte modernista.

9 Entrevista com Carlos Fajardo concedida em fevereiro de 2016, Anexo a esse projeto, (inédita): "São trabalhos instalados. São relações que não dizem respeito ao espaço externo, que seria uma característica instalada de um trabalho, mas de um espaço interno. Então, aí sim você pode pensar de novo na cápsula, no útero, na coisa que o Wesley tinha, mas tem a pessoa dentro do trabalho. Tem você lá dentro, compartilhando aquela relação masculino x feminino, ou você lá dentro vendo aquele maluco no “Helicóptero”, girando em um turbilhão...enfim, um trabalho muito radical, muito interessante. Eu acho que o Wesley, o melhor do Wesley, se você for pensar em termos de cinema, está aí. Está aí, está nesse lugar...”

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 6 aproximação de um público “participador” com um universo pseudo-tecnológico que tange o discurso cinematográfico e seu impacto psicológico no imaginário do espectador. Em raro texto publicado sobre a instalação, Cacilda Teixeira da Costa comenta:

Em fevereiro de 1969, é convidado pelo Los Angeles County Museum odf Art a participar do projeto Art & Technology. Sua proposta é “A Cápsula do Nascimento”, ambiente que dá continuidade ao “Helicóptero”, aprofundando a ideia de viagem à procura da origem, rompimento da barreira do mistério da vida, tomada de consciência de si mesmo e de seu tempo. Na Cápsula, não há pinturas e as imagens formam-se com o movimento de líquidos coloridos entre paredes duplas. Faces aluminizadas funcionam como espelhos, cheiros se espalham por bombas de aerossol e a pessoa que entrar nela se verá mergulhada em sons, imagens e sensações. Por outro lado, com humor, incorpora o espírito de Jarry, no sentido de ironia à própria Art & Tecnology. O artista faz uma paródia às máquinas endeusadas pelo projeto, discurso que se desenvolve subliminarmente pela consciência de quem sabe diferenciar arte de comunicação e marketing cultural... (COSTA, 1993, p. 24)

A Cápsula do Nascimento não chegou a ser aberta ao público por problemas com os responsáveis pelo projeto Art & Technology, que envolveu, diga-se de passagem, nomes importantes como os de Claes Oldenburg, Richard Chamberlain, Andy Warhol, Robert Morris e Richard Serra, entre diversos outros. Considera-se aqui que um melhor entendimento das dificuldades no diálogo estabelecido entre Duke Lee e a instituição estrangeira, sobretudo a partir do viés paródico da peça, é de grande interesse para uma compreensão do papel do artista brasileiro no contexto internacional, quanto ao desenvolvimento das novas mídias. Em todos os seus aspectos, portanto, inclusive em relação aos entraves em sua finalização, o projeto é uma ocasião privilegiada para se verificar como o artista enfrentou a transição dos parâmetros modernos para a contemporaneidade através de, entre outras estratégias, uma visada crítica e distanciada das difíceis relações entre arte e tecnologia endossadas pelo programa, adotando, entre outras estratégias, uma assunção do kitsch como componente a ser desdobrado no interior da obra e não isolado em uma perspectiva de depuração ultra-modernista.10

10 Cf. Clement Greenberg, “Vanguarda e kitsch”, em Arte e Cultura. Trad. Otacílio Nunes. São Paulo: Ática, 1996. pp 22-39.

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 7 (Imagem II)

Como se pretende demonstrar ao longo dessa pesquisa, nessa sua obra emblemática, Duke Lee volta-se com todas as energias para uma aproximação entre “arte e vida”, arcando com as vicissitudes de uma teatralidade que abdica da autonomia da obra de arte tradicional para apostar em uma dinâmica francamente experimental. Com isso, contribui para a afirmação da categoria da instalação, entendida aqui como o espaço em que, paralelamente, o juízo crítico passa a estar posto em cheque, à medida em que permite uma conjunção entre alta e baixa cultura no campo da experiência contemporânea:

O poder de suscitar as marcas e sinais da história (não mais um tema, mas um procedimento). É essa, em última análise, a arte da instalação, situada entre a esfera da arte (o alto) e a sociedade do espetáculo (o baixo). Contudo, ambas as instâncias, longe de se discriminarem idealmente, são interferidas, fragmentadas e recombinadas, aleatória e infinitamente, conforme a lógica do calembur, que procura estabelecer entre esses elementos disparatados ou out of joint, novas diferenças de potencialidade. Desse modo, a imagem compacta e a imagem ausente tornam-se bífidas e indecidíveis. Como nenhuma delas pode, a rigor, funcionar na clausura de sua própria lógica, conclui-se

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 8 que cada uma delas encontra, em sua própria performance, um ponto de indecibilidade que a obriga a apoiar-se, por sua vez, na outra para melhor renovar a aisthesis como uma alegoria dúplice, de gênero e de origem. (ANTELO, 2010 p. 261)

Outra consequência fundamental do trabalho é uma aproximação de Duke Lee com a produção de artistas que se diferenciam dos integrantes da Nova Figuração, e que são responsáveis por matrizes do experimentalismo no Brasil por trabalharem com pesquisas em que prevalece a teatralidade dos processos de descoberta do corpo no contexto da arte contemporânea.11 Para essa pesquisa, considera-se que as coincidências entre o trabalho de Duke Lee e experiências realizadas por Lygia Clark, na mesma época -- a despeito de diferenças conceituais e propositivas que caberá avaliar criteriosamente -- são dados que permitem uma recontextualização significativa da poética de ambos. Nota-se já, por exemplo, o recurso análogo a um mesmo viés “clínico” ou terapêutico presente na “Cápsula do Nascimento” e em obras de Clark do período. Veja-se que, em setembro de 1969, Duke Lee registra em seu diário que sua instalação seria um dispositivo para “a travessia de um trecho da memória para a liberação do mito do nascimento (mal compreendido como trauma do nascimento)”.12 Naquele ponto do desenvolvimento de sua obra, essa afirmação parece advir de uma relação intensa e comum com a psicanálise, que se intensificará em sua poética. Paralelamente, parece notável também a recorrência mesma a recursos pontuais como vestimentas, capacetes, componentes olfativos e sonoros: No processo de trabalho, o projeto se modifica e, além do cubo de acrílico, desenvolve o conceito de uma roupa sensorial, um macacão de plástico (roupa = placenta, como a denomina ) com um capacete onde entram cheiros e sons. O macacão é inflável para comprimir o nascedouro e a pessoa dentro dele passa por sensações de compressão, descompressão, frio e calor.

11 Tunga, em entrevista inédita, em março de 2016: “uma das coisas que ele perguntou quando ele viu o trabalho que eu estava desenvolvendo, que era um trabalho a partir de uma lata de sardinha, e um martelo, exatamente, com que eu “agredia”, digamos assim, a lata de sardinha, eu metia pressão sobre a lata de sardinha fechada sob marteladas e depois rompia essa pressão com uma longa agulha, e o óleo se expandia... enfim, era toda uma alquimia em torno dessa lata e dessa situação dessa sardinha ali, compactada, onde as palavras estavam tão em jogo quanto as matérias, quanto os cheiros, quanto a performance... era uma performance. E para minha surpresa com aquele tipo de atividade, ele aludiu a essa coisa: “ah, isso é que nem jogar, que nem derreter um soldadinho de chumbo... que idade você tem, meu filho?” (risos)... Eu disse, “eu tenho 16 anos”. Eu não tinha 16 anos, eu tinha 23 (risos).”

12 Costa, Cacilda Teixeira da. Wesley Duke Lee. São Paulo, EDUSP, 2005, p. 151.

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 9 O cubo é o útero e a roupa a placenta, o que remete à ideia do “homem de terno envolto na placenta!” Visualizada na primeira prancha do projeto da Cápsula de 3 de junho de 1969. Nesse processo é possível perceber que as preocupações de base do artista não estão relacionadas à tecnologia, mas ao sentimento do corpo e a uma memória ancestral no que sua obra se aproxima muito mais da de Lygia Clark, por exemplo, do que de obras mecanicistas como as de Tinguely. Wesley realiza Trapézio, The Helicóptero e Cápsula do Nascimento no mesmo período em que Lygia executa A Casa e o Corpo (1968) e Caminhos Paralelos, cada um de acordo com sua formação e percurso artístico, mas manifestando um sentido semelhante no que se refere à exploração dos caminhos que levam o ser humano a descobrir suas emoções mais profundas, fontes de choques permanentes com o mundo. A aspiração de integrar a vivência erótica à obra de arte, é comum. (COSTA, 2005, p. 152)

O que se quer sublinhar aqui é que a radicalidade de Clark quanto à participação do público aproxima-se inegavelmente das soluções buscadas por Duke Lee na tentativa de finalização da “Cápsula do Nascimento”. Por outro lado, ela permite compreender melhor, a partir de uma comparação criteriosa, de que modo esses artistas operavam com intencionalidades bastante precisas no lugar de uma inclinação genérica a rupturas com os padrões de recepção já estabelecidos conformando linhas paralelas no desenvolvimento da arte ambiental e experimental. A esse respeito, cabe verificar os níveis de representação envolvidos nas propostas, em outras palavras, o tipo de teatralidade implicada em cada caso. Em um trabalho como Cesariana (1967), de Clark, por exemplo, a figura masculina pode experimentar o que Deleuze e Guattari chamam de “micro-feminilidade”, ao manipular uma bolsa plástica com zíper e associada a uma vestimenta anódina que tudo integra de modo relativamente independente e abstrato.13 Não há nada de tecnológico ou mecânico nessa experiência -- nesse sentido muito mais teatral do que associada ao discurso cinematográfico – e há a indicação de que o participante deve lidar de forma livre com esses dispositivos. A artificialidade dos elementos é superada pela entrega ao processo de uma maneira aparentemente semelhante à proposta em “A Cápsula do Nascimento” contando que, no segundo caso, parece haver uma aposta narrativa por meio da experiência de uma “viagem” introspectiva, algo conduzido (o projeto original contava, inclusive com um técnico operando a máquina). Ou seja, quando o artista fala em se “superar o trauma do nascimento” através da

13 Cf. Giles Deleuze e Felix Guattari, Mil Platos, Trad. Aurelio Guerra Neto et Alii. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1996.

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 10 experiência com seu trabalho, projeta também componentes que representam fatos naturais e uma condição primordial que não corresponde absolutamente à realidade de sua presença física ainda como “espectador”, no interior da obra. São como imagens em um filme que enreda o espectador em uma experiência psicológica transformadora. O fato de se encontrar no centro e no interior do ambiente, o “vorticismo” que se vê em outros trabalhos como o “The Helicóptero” ou “A Zona: Considerações”, de 1968 (ver imagem em anexo), pode ser considerado uma estratégia narrativa por si. Aqui residiria, então, uma diferença entre Clark e Duke Lee que deve ser melhor explorada: como as proposições se assemelham em suas estruturas mais básicas e ao mesmo tempo implicam diferenças em termos de sua intencionalidade e teor narrativo apresentado ao fruidor.

(Imagem III)

Paralelamente, a ligação com a psicanálise e a terapia levou Clark, como se sabe, ao abandono definitivo da arte e incorporação do “outro” como a finalidade última de suas propostas.14 No caso de Duke Lee, ela se tornará uma presença literal, inclusive nos retratos

14 Cf. Paulo Herkenhoff, A aventura planar de Lygia Clark: de caracóis, escadas e caminhando. In: CLARK, Lygia. Lygia Clark. São Paulo: MAM, 1999. p. 7-57.

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 11 que inicia ao retornar ao Brasil, como do próprio Freud e em outras obras importantes diretamente ligadas ao universo da psicologia e, em casos pontuais, ao próprio nascimento, como Retrato de Lydia ou A Respeito do Filho, de 1970, em que combina componentes mecânicos, apropriação e pintura. A serie de retratos e objetos realizados por Duke Lee nessa época também é de fundamental importância para uma avaliação das consequências mais gerais do projeto a “Cápsula do Nascimento” para sua poética, contando ainda com a forma como ele elaborou e reconduziu sua carreira no país a partir do que teria sido um “fracasso” de sua experiência nos EUA. Será dada, na pesquisa, uma ênfase, nesse caso, à dissolução, através de uma ligação do artista com a psicanálise e com a filosofia zen, a um vetor “afetivo” de sua obra, algo que o permitiu superar o vetor “competitivo” com o qual tomou contato e que o contrariou notadamente na experiência com a dinâmica da instituição norte-americana.15 Essa questão foi deduzida aqui menos pela descrição de componentes e estruturação da obra, do que por um depoimento do artista que constitui hoje um dos principais documentos referentes à instalação, a rigor, uma peça literária confessional publicada pelo próprio artista em 1980, subintitulada, Suma Tecnológica. Veja-se um trecho:

(...) A ideia não foi dele, veio de um problema que apareceu na NASA quando se deram conta que precisavam de outros tipos de cabeça, para introduzir ideias no que estavam fazendo, pois se sentiam girando em falso. Queriam alguém que chegasse como um beato e, com a sua ingenuidade, os ajudasse a ver de novo. Ocorreu então a estes cavalheiros que, quem sabe, poderia haver um diálogo entre tecnólogos e artistas. (A descoberta que fiz é que, nos onze meses que estive lá, conheci muitos tecnocratas, mas tecnólogos um só e já estava de saída). (...) Então eu fui pra lá e comecei a minha máquina. Se fosse para fazer em São Paulo, teria terminado em dois meses, mas do jeito que eles queriam, levou um ano e pifou. Fantasiando um pouco, diria que, à medida que a cápsula foi ficando pronta, tornou-se nítido que ela não interessava, pois violava o canto glorioso da tecnologia. Na verdade, ela fazia uma piada daquilo tudo: inteligente, bem feita, engraçada e acho até que as pessoas iam se divertir com ela. Mas da tecnologia só gozava, e anarquizava também o tal relacionamento, que não existe. (...) A peça estava correta, mas os tecnocratas e donos da indústria sacaram no meio do processo e: ‘NO, não pode, isso aqui é coisa séria, não venha com maluquices’. (COSTA, 1980, pp 39-40)

Essa atitude, que diz respeito também a uma reação particular a um ideário modernista em torno das teorias de Michael Fried, entre outros, quanto a uma rejeição à teatralidade, aproxima o pensamento de Duke Lee de outro artista fundamentalmente ligado a Marcel Duchamp, que é John Cage. Aqui, a influência da filosofia oriental envolve uma aproximação

15 Cf. Suzuki, D. T., Fromm, Erich e Martino, Richard de. Zen-Budismo e Psicanálise. Trad. Otávio Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix, 1976, pp. 19-35.

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 12 com componentes “anedóticos” que acabam fazendo parte da concepção artística e de modos de agencia-la em um regime em que o conceito de obra se desdobra de modo inequívoco em processos biográficos.16 Ou seja, será importante considerar o viés paródico da “Cápsula” no que se refere ao âmbito geral da proposta, levando em conta parâmetros como “sucesso e fracasso” da empreitada em termos de uma alternativa menos dicotômica para a produção artística em geral.17

(Imagem IV)

No mais, a ideia de paródia relacionada à arte ambiental nos parece uma contribuição única e ao mesmo tempo de difícil caracterização. Lembrando a conceituação de paródia por Propp, temos:

16 Cf. John Cage, “O Futuro da Música”, em Escritos de Artistas Anos 60/70. Gloria Ferreira e Cecília Cotrim (Org.) Ed. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2006, pp. 330-347. 17 Cf. Calvin Tomkins, The Bride and the Bachelors. New York: The Viking Press, 1968, pp 69-144.

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 13 A paródia consiste na imitação das características exteriores de um fenômeno qualquer de vida (das maneiras de uma pessoa, dos procedimentos artístico etc.), de modo a ocultar ou nega o sentido interior daquilo que é submetido a parodização. É possível, a rigor, parodiar tudo: os movimentos e as ações de uma pessoa, seu gestos, o andar, a mímica, a fala, os hábitos de sua profissão e o jargão profissional; é possível parodiar não só uma pessoa, mas também o que é criado por ela no campo do mundo material. A paródia tende a demonstrar que, por trás das formas exteriores de uma manifestação espiritual, não há nada, que por trás delas, existe o vazio. (PROPP, 1992, pp 84-85)

De acordo com o depoimento de Duke Lee, seria possível inferir que o que ele estaria “negando” ou mostrando como “vazio” através de um procedimento paródico em sua instalação seria a própria ligação produtiva entre arte e tecnologia, em última análise, o objetivo do programa Art & Technology. De todo modo, isso não parece transparecer tanto na sintaxe da obra e no seu desenvolvimento material quanto nos questionamentos pessoais e éticos que levaram-no a utilizar inclusive um vocabulário de cunho “religioso” ao julgar sua própria ambição final com a peça: “Cometi um pecado... Primeiro, contra mim mesmo... desviando-me de meus meios mais naturais e melhores de expressão... Segundo, contra a natureza, pois não se constrói um útero mecânico, da mesma forma que não se toma o céu de assalto. [...]”18 É do interesse dessa proposta verificar finalmente esses questionamentos em relação às reflexões de Giorgio Agamben em seu primeiro livro, de 1970. Nele, o filósofo italiano pensa pontualmente o problema da separação entre natureza e cultura a partir da crise do juízo estético, precisamente no contexto da arte contemporânea:

Se por um lado , de fato, não somos mais capazes de julgar esteticamente a obra de arte, por outro, a nossa inteligência da natureza se ofuscou da tal modo e , além disso, a presença nela do elemento humano se potencializou de tal modo que, diante de uma paisagem, nos ocorre espontaneamente compara-la à sua sombra, perguntando-nos se ela é esteticamente bela ou feia, e conseguimos cada vez com maior dificuldade distinguir de uma obra de arte um precipitado mineral ou um pedaço de lenha corroído e deformado pela ação química do tempo. (AGAMBEN, 2012, p. 89)

A repercussão da experiência com a “Cápsula do Nascimento” na obra de Duke Lee a

18 Citado por Cacilda Teixeira da Costa, Op. Cit. p. 153.

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 14 partir de 1970, após seu retorno ao Brasil, e da serie de retratos que inicia então parece, assim, um complemento necessário para a boa conclusão desse estudo em um outro aspecto ainda. Primeiramente, nota-se que o artista só veio a trabalhar novamente com a instalação na década de 1990. Nesse meio tempo, mesmo que de forma indireta – através do uso de dispositivos de processamento de imagens --, retomou os processos pictóricos e gráficos de modo sistemático. Destaca-se, nesse panorama, a serie de telas que realizou em 1976, expostas em sua mostra As Sombra Ações. A despeito de serem pintadas “indiretamente”, todas as remetem ao cinema por terem sido feitas por meio de um dispositivo que o artista chamou de “lanterna mágica”. Nelas a questão da teatralidade talvez tenha sido abordada por ele através da premissa de que a partir de então envolveria uma técnica que não extrapolasse o artesanato pictórico para a criação de imagens que remetiam em grande parte à própria natureza.

2. Resultados esperados

Os principais resultados esperados a partir da realização dessa pesquisa são:

- Produção de um ensaio crítico que dê conta de restaurar a instalação “A Cápsula do Nascimento” do ponto de vista de suas principais características poéticas.

- Uma ampla contextualização da “Capsula do Nascimento” em relação à produção de Wesley Duke Lee, a partir de uma reavaliação da relação entre pintura e reprodutibilidade técnica bem como entre arte e tecnologia em sua trajetória anterior e posterior.

- Uma reavaliação do legado de Wesley Duke Lee no que se refere tanto a chamada Nova Figuração, quanto à arte ambiental e experimental no Brasil.

- Comparação componentes específicos da poética de Duke Lee utilizados na época com os de Lygia Clark.

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 15 3. Metodologia

A intuição inicial para esse trabalho surgiu durante estágio pós-doutoral na Yale University, em que estudou-se as relações entre arte contemporânea, mídias técnicas e teatro, no departamento de estudos teatrais da universidade estrangeira. Grande parte do trabalho feito durante o estágio pós-doutoral se baseou na realização de entrevistas e propostas práticas envolvendo produção de roteiro, experiências teatrais e relatórios realizados a partir das mesmas. Ao retornar ao Brasil, em 2015, questões levantadas no estágio, pontualmente em entrevistas com Robert Storr, K.J. Holmes e Tunga, ressoaram num questionamento mais específico das relações entre arte contemporânea e teatralidade no contexto da arte brasileira, em meio a qual, Duke Lee se destacava absolutamente como um artista pouquíssimo estudado e cuja obra concentrava uma problemática evidente e com grande repercussão nas gerações que o sucederam. Essa pesquisa tem como base o mesmo processo investigativo que norteou o estágio pós-doutoral, tendo na entrevista, apoiada por levantamento bibliográfico, pesquisa de documentos compatíveis e na elaboração de relatórios, seu principal instrumental metodológico. Dentre seus principais desafios científicos, está, em primeira instância, a recuperação de dados relativos à principal obra estudada, posto que se trata, como foi dito, de uma instalação não concluída pelo artista. Sabe-se, a priori, da existência de materiais importantes como pranchas originais, esboços, e diversos escritos em correspondências e diários que precisam ser devidamente compilados e avaliados. Essa prospecção, em todos os casos, será feita com o apoio da realização de uma nova serie de entrevistas e visitas a acervos públicos e privados. Para exemplificar a importância dessa pesquisa documental, mencionamos que em visita ao acervo da galerista Luisa Strina, nos foi cedida uma matriz fotográfica de um retrato de Duke Lee realizado em 1970 que representou um insight valioso para a elaboração de hipóteses relacionadas à reprodutibilidade técnica em sua obra. Essa matriz foi produzida a partir de um efeito de espelhamento bastante característico que o artista acabou por vetorizar e singularizar na produção de seu retrato “final”, uma pintura combinada com um objeto. Esse tipo de processo, e o ano em que foi empreendido, conta muito sobre o pensamento estético de Duke Lee não só em relação à mencionada retomada da pintura por ele na década de 1970, quando de seu retorno ao Brasil, mas também sobre questões semânticas e éticas

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 16 relacionadas à reprodutibilidade técnica no âmbito das artes em geral. Ela se relaciona diretamente às questões éticas mencionadas em relação à “Cápsula do Nascimento” e, como documento inédito, representa já uma descoberta que justifica a iniciativa e relevância de uma pesquisa como essa.

(Imagem V)

Além disso, em se tratando de uma instalação, considera-se que a parte de projetual e todos os elementos textuais que a acompanharam, tais como reflexões do artista bem como materiais fotográficos a seu respeito são de fundamental importância para uma análise consistente da principal obra estudada. Para tanto, pretende-se realizar também, oportunamente: a. Visitas a acervos; realização de pesquisa em documentos do Wesley Duke Lee Art Institute, em São Paulo, e nos arquivos do Los Angeles County Museum of Art LACMA, em Los Angeles, a respeito do projeto Art & Technology; visitas a coleções privadas e públicas como

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 17 o Museu de Arte Moderna de São Paulo, Museu de Arte de São Paulo e Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. b. Edição de uma série de entrevistas já iniciadas sobre Duke Lee, com especialistas, artistas e amigos, tais como com o ex-governador Paulo Egydio Martins – a respeito da relação entre arte e tecnologia, no contexto 1960 e 70 --, e com os artistas Carlos Fajardo e Tunga – a respeito do projeto da instalação “Cápsula do Nascimento” e do contexto e influência da produção do artista na década de 60 e 70. c. Realização de novas entrevistas com a crítica e historiadora Cacilda Teixeira da Costa -- uma das poucas intelectuais que mantiveram um diálogo estreito com o artista, em vida, com o colecionador Augusto Lívio Malzoni -- um dos grandes colecionadores da obra de Duke Lee e responsável pela montagem e desenho da única retrospectiva do artista, com o artista José Resende que acompanhou de perto a produção da “Cápsula do Nascimento”, entre outras que possam surgir ao longo da realização da pesquisa.

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 18 4. Cronograma de execução do projeto

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 19 5. Disseminação e avaliação

O candidato apresenta desde 2001 um ciclo de palestras a respeito de arte brasileira contemporânea em instituições públicas e privadas como o Museu de Arte Moderna de São Paulo, SESC, Instituto Tomie Ohtake, entre outros, ao qual os conteúdos resultantes dessa pesquisa podem ser acrescentados. Pretende-se também disseminar os conteúdos em seminários, congressos e encontros especializados nacionais e internacionais. Essas ocasiões são consideradas paralelamente momentos oportunos para a troca de ideias a respeito do andamento da pesquisa com pesquisadores de áreas afins como artes plásticas e cinema. Nos últimos anos, o foram realizadas também curadorias e elaborados roteiros para produtos audiovisuais sobre arte brasileira na década de 60, a respeito de artistas como Marcelo Nitsche, Helio Oiticica e sobre o próprio Duke Lee, atividade que possivelmente acompanhará e permitirá desdobramentos da pesquisa. Os resultados parciais obtidos durante a pesquisa serão também disseminados e avaliados através da publicação de capítulos e entrevistas em periódicos acadêmicos, publicações especializadas nas áreas de artes visuais e cultura.

6. Referências bibliográficas

AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Tradução Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó: Argos, 2010 ______. O Homem sem Conteúdo. Trad. Claudio Oliveira. São Paulo: Autêntica, 2012. AGUILERA, Yanet e MATTOS, Cláudia Valladão de (orgs.), Entre Quadros e Esculturas: Wesley e os Fundadores da Escola Brasil:, São Paulo, Discurso Editorial, 1997. ANTELO, Raúl. Maria com Marcel: Duchamp nos Trópicos. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. ARTAUD, Antonin. Linguagem e vida. Vários Tradutores. São Paulo: Perspectiva, 2008 ASHBERY, John. Reported sightings - art chronicles 1957-1987. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1991 AUMONT, Jacques. O Olho Interminável. Tradução Eloísa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac e Naify, 2004

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 20 BANDEIRA, João e ROSA, Rafael Vogt Maia (curadores), A Zona: Duke Lee, Baravelli, Fajardo, Nasser e Resende. Centro Universitário Mariantonia USP, São Paulo, 2009. BURGER, Peter. Teoria da Vanguarda, Tradução José Pedro Antunes. São Paulo: Cosacnaify, 2008 CLARK, Lygia, “Da Suspensão do Objeto”, In: FERREIRA, Gloria e COTRIM, Cecilia (orgs.), Escritos de Artistas Anos 60/70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. COSTA, Cacilda Teixeira da Costa. Wesley Duke Lee: um salmão na corrente taciturna. São Paulo: EDUSP, 2005. ______. Aproximações com o Espírito Pop. São Paulo, Museu de Arte Moderna, 2003. ______. Retrospectiva Wesley Duke Lee. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 1992. ______. (Org.) Antologia Crítica sobre Wesley Duke Lee, São Paulo, Galeria Paulo Figueiredo, 1981. ______. Wesley Duke Lee. Rio de Janeiro: MEC/FUNARTE, 1980. ______et al. Wesley Duke Lee. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke, 2010. ______. Wesley Duke Lee. MEC/FUNARTE Arte Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro, 1980. DELEUZE, Gilles. Crítica e Clínica. Tradução de Peter Pál Pelbart, São Pulo, Ed. 34, 2001. DIDI-HUBERMAN, Georges. O Que Vemos, o Que nos Olha, Tradução Paulo Neves, São Paulo: Editora 34, 1998 DUARTE, Paulo Sergio. Anos 60 Transformações na Arte do Brasil. Rio de Janeiro: Campos Gerais, 1998. ______. A Trilha da Trama e outros textos sobre Arte. Luisa Duarte (Org.). Rio de Janeiro: Funarte, 2004. FAVARETTO, Celso. A Invenção de Hélio Oiticica. São Paulo: Edusp, 1992. FLUSSER, Vilém. A filosofia da caixa preta. Rio de Janeiro; Relume Dumará, 2002 FOSTER, Hal. The Return of the Real. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 1996 FRIED, Michael. Absorption and Theatricality. Chicago: The University Of Chicago Press, 1986. ______. Tracking Specificity: the Fluctuations of Cinema. Um Simpósio na Whitney Humanities Center, Yale University. New Haven, 2014.

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 21 GIANNOTTI, Marco. Breve História da Pintura Contemporânea. São Paulo, Ed. Claridade, 2009 GREENBERG, Clement. “Vanguarda e kitsch”, em Arte e Cultura. Trad. Otacílio Nunes. São Paulo: Ática, 1996. HERKENHOFF, Paulo. “A Aventura Planar de Lygia Clark: de caracóis, escadas e caminhando”. In: CLARK, Lygia. Lygia Clark. São Paulo: Museu de Arte Moderna, 1999. JAMESON, Fredric. As Marcas do Visível. Vários Tradutores, Rio De Janeiro: Graal, 1995 KRAUSS, Rosalind. The Originality of the Avant-Garde and other Modernist Myths. Cambridge, The MIT Press, 1986 ______. Caminhos da escultura moderna. Tradução Julio Fisher. São Paulo: Martins Fontes, 2001. LOPES, Fernanda. A Experiência Rex: Éramos o Tímido Rei. São Paulo, 2009. MESQUISTA, Ivo e SALZSTEIN, Sonia. Imaginários Singulares. 19º Bienal Internacional de São Paulo, A Fundação, São Paulo, 1987. MOLES, Abraham Antoine. O Kitsch: A arte da felicidade. Tradução Sergio Miceli. São Paulo: Perspectiva, 1972 PERLOFF, Marjorie. O momento futurista. Tradução Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: Edusp, 1993. PROPP, Vladimir. Comicidade e Riso, Trad. Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade, São Paulo: Ática, 1992, pp. 84e 85. ROSA, Rafael Vogt Maia. O Resto Era Risco: entrevista com José Resende. In: CELEUMA, 2013, não paginado. SUZUKI, D. T., FROMM, Erich e MARTINO, Richard de. Zen-Budismo e Psicanálise. Trad. Otávio Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix, 1976 TOMKINS, The Bride and the Bachelors. New York: The Viking Press, 1968. ZANINI, Walter (org.). História geral da arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983.

Anexos (inéditos) - Entrevista com o ex-governador Paulo Egydio Martins a respeito das relações entre arte e tecnologia na obra de Wesley Duke Lee (novembro de 2015) - Entrevista com o artista plástico Carlos Fajardo a respeito da Cápsula do Nascimento (fevereiro de 2016) - Entrevista com o artista plástico Tunga a respeito da influência de Wesley Duke Lee (março de 2016)

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 22

Legenda das imagens

Imagem I : A Zona: Rembrandt (Retrato a duas mãos), 1968, Luiz Paulo Baravelli e Wesley Duke Lee. Óleo sobre tela, 200 x 178 cm col. particular Imagem II : Trapézio ou uma Confissão (1966) ambiente suspenso, quatro óleos s/ tela e dois painéis de acrílico, parte superior de alumínio em parafuso Archimedes e ruído branco eletrônico, 9m2, cada painel 200 x 200 cm Coleção particular, São Paulo. Imagem III : A Zona: Considerações (Retrato de Assis Chateaubriand), 1968, ambiente, óleo sobre tela, acrílico e peçs móveis de metal. 200 x 200 x 200 cm. Coleção do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Imagem IV : Retrato de Sigmund Freud ou a respeito de papai (1970) tinta acrílica sobre tela e montagem de acrílico, moldura de cano de latão, 190 x 92 cm de circunferência cm Imagem V : Retrato de Luiza ou a respeito do Futuro (1970) fotografia;

São Paulo, 21 de junho de 2016.

The Birth Capsule [A Cápsula do Nascimento] (Rafael Vogt Maia Rosa, junho de 2016) - 23