JORNAL DO BRASIL: IDEIAS E CRISE

Túlio D’El-Rey1

Após 119 anos de história, o Jornal do Brasil, um dos mais tradicionais jornais brasileiros, deixou de ser publicado em sua versão impressa e passou a ser disponível exclusivamente em seu formato digital. Tal mudança, longe de ser vista com naturalidade pelos seus pares, evidencia uma série de questões que tem ganhado certa relevância nos últimos anos, questões tais quais: a crise do JB como instituição, as mudanças paradigmáticas promovidas pela cada vez mais presente digitalização de conteúdos e informações, e a evidência de uma crise da imprensa como um todo, que perpassa algo já evidenciado anteriormente em decorrência de uma pesquisa empreendida por mim no ano de 2006, a respeito da crítica presente no Suplemento Cultural do JB: o Idéias. Fundado no ano de 1891, o Jornal do Brasil surge como uma publicação de cunho monárquico dedicado a criticar a recém criada república brasileira. Poucos meses após sua fundação, tem como editor-chefe Joaquim Nabuco, importante figura política bastante identificada ao reinado de Dom Pedro II. Apesar da inicial situação oposicionista, já em 1894 o Jornal do Brasil mostra-se em apoio ao governo republicano. Mas de meio século depois, nos anos 1950, o JB passa por sua mudança mais significativa, alinhada às novidades e promessas de um novo Brasil advindas com o governo Juscelino Kubitschek. É nesse momento que surge o Suplemento Dominical, caderno que durou de 1956 as 1961 e àquela altura buscava trazer uma nova proposta de suplemento cultural, sabendo-se do alinhamento do caderno as idéias e estéticas do movimento concretista, que promoveu através desse espaço suas bases e seu primeiro manifesto com nomes ilustres da intelectualidade nacional, como: , Mario Faustino, e . Após o término do Suplemento Dominical, o Jornal do Brasil permaneceu em um hiato que durou até o inicio da década de 1970 com a publicação de um caderno voltado a literatura chamado Livro, o qual era totalmente dedicado à publicação de

1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Literatura e Cultura da Universidade Federal da Bahia.

ISBN: 978-85-7395-211-7

resenhas e teve sua importância como fomentador do estilo ensaístico que o Idéias viria a ter. No inicio da segunda metade dos anos 1980, surge o Idéias, que teve desde sua origem o intuito de ser um espaço dedicado à arte e à literatura, abordando também as polêmicas e os debates que começavam a surgir à época, quando o país começa a experimentar uma abertura política após o longo silêncio promovido pela ditadura militar. O primeiro editor do caderno, , que também foi o responsável por sua criação, já que foi ele quem propôs ao então editor do Jornal do Brasil, Marcos Sá Côrrea, a criação de um novo suplemento literário que viria a ser o Idéias, afirma que já no inicio o caderno enfrentou restrições, devido ao fato de que sua publicação só seria permitida com a garantia de que não haveria despesas a mais com isso, o que obrigou a criar o suplemento a partir da re-alocação das páginas de dois outros cadernos, o que no final permitiu a primeira edição do suplemento ir às bancas com dezesseis páginas em formato tablóide. Tratando da oportunidade que o momento propiciava, vale lembrar que 1985 foi um ano de suma importância no meio intelectual brasileiro, já que, após as diretas em 1984, toda a classe letrada sentia-se mais à vontade para escrever e falar, e o suplemento viria ser um meio através do qual essa classe poderia se expressar e discutir o projeto de nação que passava a ser vislumbrado com a iminente abertura democrática. Ou seja: era um novo projeto de Brasil se formando, abrindo–se o campo para o surgimento de inúmeras discussões e polêmicas, fenômenos que significavam o delineamento da efetiva democracia no país, mas que com o passar dos anos pareceu tornar-se apatia. Nos anos 1990 o caderno passa por uma importante mudança, ganhando um desdobramento e passando a ser: Idéias/Livros aos sábados e Idéias/Ensaios aos domingos, mudança que dura apenas até o ano de 1992, quando com a crise do papel haverá outra vez a junção dos cadernos em um só. De qualquer modo essa divisão foi importante a partir da sua função primordial que foi ampliar ainda mais as discussões que fervilhavam entre a intelectualidade, já que a proposta do caderno, como foi visto anteriormente, era a de mostrar-se campo fértil para o despertar da discussão e do diálogo, permeados ou não por polêmicas. O que valia era exercer plenamente a liberdade que foi ausente durante a ditadura e pôr em um mesmo patamar as mais

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variadas vozes, a fim de promover para o leitor uma visão mais ampla do que estava sendo abordado, para que ele, a partir da leitura de cada artigo, pudesse tirar suas próprias conclusões. Com o passar do tempo esse espaço de discussão foi sendo cada vez mais reduzido, fato que contribuiu com uma crise que veio abalar o Caderno Idéias como esse espaço democrático. Essa perda da função como espaço democrático e de discussão, ultrapassou os limites do suplemento, fato que ficou evidenciado com mais clareza quando divulgada a demissão do Jornalista Alberto Dines do jornal, devido a um artigo que o mesmo escreveu no site do Observatório da imprensa, criticando o descaso dos grandes jornais do Rio de Janeiro para com a cobertura de uma chacina ocorrida numa casa de custódia, e dentre esses, o principal alvo não deixou de ser o Jornal do Brasil, publicação da qual o próprio Dines fazia parte escrevendo uma coluna semanal aos sábados. Uma das afirmações mais fortes contra o Jornal foi a seguinte:

O JB abdicou de fazer jornalismo. Parece jornal, tem periodicidade de jornal, tem os atributos formais de um jornal, tem uma história incorporada ao jornalismo brasileiro, mas neste momento é movido por dinâmica e prioridades diferentes das de um jornal. Pode até estar reinventando o jornalismo, mas este não é o jornalismo do qual foi um dos expoentes e continua sendo praticado pela maioria dos seus concorrentes.i

A acusação de Dines, a respeito do abalo sofrido pelo JB como espaço democrático, pode ser relacionada à crise sofrida pelo jornal como instituição no inicio dos anos 2000, quando o JB, em estado pré-falimentar, foi arrendado ao empresário Nelson Tanure, o mesmo responsável pela completa transposição do Jornal do Brasil para o suporte digital. Envolto em dívidas, o JB foi arrendado por Tanure a fim de ser reestruturado, mas aparentemente, ao menos é o que evidenciam as críticas decorrentes da mudança mais recente no jornal, os esforços do empresário a frente da publicação não têm se mostrado eficientes, daí os críticos acreditarem que a decisão de tornar o Jornal do Brasil o primeiro grande jornal brasileiro 100% digital, seja simplesmente o último alento da publicação, como evidencia Mauro Ventura, jornalista de O Globo, ao comentar em seu blog sob o título de Vanguardista, a respeito da declaração de Tanure sobre o motivo da mudança no Jornal:

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Nelson Tanure justificou assim a decisão de acabar com o "JB" impresso, ficando somente na versão online: - Provavelmente, seremos o primeiro jornal a estar apenas na internet. É algo que está acontecendo no mundo todo. Isso é que é inverter as coisas. Ele transformou falência em vanguarda.ii

Não foram raros os comentários que vieram sob o viés do luto, como se o fato de abandonar a versão impressa acabasse imediatamente com o jornal, sob a alegação de que haveria aí uma perda da qualidade do conteúdo jornalístico presente no Jornal do Brasil ante a perda de inúmeros colaboradores importantes e certa resistência com mudanças tão radicais para uma publicação da importância e do tamanho do JB, que durante seus 119 anos confundiu-se com a própria história da imprensa nacional. Daí não raros foram os comentários do tipo: “o fim do melhor jornal do país”, como o publicado no blog de Luís Nassif no dia 31 de Agosto de 2010, ou “O adeus do Jornal do Brasil”, cabendo nesse segundo artigo uma declaração bastante sucinta de Alberto Dines, a respeito do moco como ele resume a trajetória do JB: “Eu resumo a história do JB em dois períodos. Um século de glória e duas décadas de agonia.” iii. Ancelmo Góis, outro jornalista presente no Jornal do Brasil, comenta:

O JB acabou faz tempo. Era um cadáver insepulto. Digo isso com tristeza. É difícil dizer quando exatamente o jornal acabou, mas, certamente, não foi agora. Em que pese o esforço quase heróico dos coleguinhas que estavam lá, o jornal já tinha perdido a alma.iv

Enquanto a imprensa como um todo comenta em tom quase fúnebre as mudanças do JB, este, por sua vez, parece comemorar a fase digital como um passo além do que diz respeito aos alinhamentos com as principais mudanças advindas com o suporte digital dos conteúdos. Desse modo, o tom de luto da imprensa em geral, é substituído pelo entusiasmo no site do Jornal do Brasil, como é possível evidenciar pelo artigo de boas-vindas à era digital, enumerando uma série de argumentos favoráveis à era digital da publicação, podendo ser resumido em: “Qualidade. Interatividade. Respeito à Ecologia. Alinhamento com o futuro. Inovação. Estes, e não quaisquer crises reais ou fabricadas, foram os critérios que presidiram a decisão do Jornal do Brasil.” v No mesmo texto, o JB chama de mal intencionados aqueles que atribuem a transposição para o formato de digital à crise sofrida pelo jornal nos últimos anos. Dias depois ainda

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coube publicar uma resposta ao jornalista Luiz Garcia, que utilizou-se de seu espaço no Globo para comentar a respeito da nova fase do Jornal do Brasil, comentário esse que não foi visto com bons olhos pelo JB, cabendo a resposta devidamente publicada na primeira página do site do jornal. Essa querela com Luiz Garcia, e consequentemente com O Globo, mostra-se como mais uma faceta das divergências a respeito dos motivos que levaram a nova conjuntura do Jornal do Brasil:

Nos últimos dias, grandes jornalistas, como Miriam Leitão, analisaram profundamente a trajetória do Jornal do Brasil na TV Globo e no Globo. Outros, em vez de examinar a dinâmica tecnológica que fez o JB tornar-se o primeiro 100% digital do País, optaram por rememorar com nostalgia o JB dos anos 1950, 60 e 70. Garcia, no entanto, em vez de analisar a evolução de técnicas e costumes, arroga-se ministrar lições de moral.vi

Ao abordar a dinâmica tecnológica frente à rememoração nostálgica, o JB permite uma aproximação com a pesquisa feita com o caderno Idéias. Ao analisar o suplemento entre os anos de 1997 e 2007, pôde-se perceber a diminuição do espaço não simplesmente da crítica em si, mas sobretudo de um espaço para discussão da crítica em torno de si mesma, daí a alegação da existência de uma crise da crítica. Apesar da aparente gravidade do termo crise, e talvez seja coerente utilizar a mesma acepção ao caso do JB, esta não indica pura e simplesmente uma ausência ou uma perda, mas pode ser entendida, e é desse modo que entende-se aqui uma crise da crítica, como uma mudança nos paradigmas do espaço, uma reestruturação das dinâmicas que o sustentam. Daí aludir que a crítica, em crise, vem encontrando na Internet seu espaço fértil de discussão, sobretudo ante a criação de nichos cada vez mais reduzidos, que não dão conta da produção massiva dos grandes periódicos, e a mudança no modo como as discussões se processam contemporaneamente, tendo cada vez menos o suporte de uma mediação para que seja necessária a discussão, a exemplo do que encontra-se no formato clássico do jornal. Sendo assim, tal como a crítica, o JB está em crise, e justamente por encontrar-se em crise busca a transcendência de sua própria tradição a fim de buscar novas alternativas de estruturação dentro de um espaço cada vez mais segmentado e sujeito às novas maneiras de relacionar-se com o conteúdo, tendo em vista que o formato impresso tradicional dos jornais não dá conta do dinamismo informacional da Internet,

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onde as mudanças tornam-se essenciais e constantes, e o trânsito dos conteúdos, promovidos pelos novos suportes, tais como: Ipads, Ipods, Celulares, Smartphones, Notebooks, etc. faz necessária a fluidez do texto jornalístico, alternativa, talvez a última e/ou única, encontrada pelo Jornal do Brasil para continuar a exercer-se como tal.

NOTAS ______i Dines, 2004 ii Ventura, 2010 iii Mello, 2010 iv Mello, 2010 v JB Online, ago. 2010 vi JB Online, set. 2010

RESUMO

Ante o anúncio da extinção do Jornal do Brasil em seu tradicional formato impresso, cabe-nos discutir a relação entre a tão difundida “crise da crítica” e as transformações que vêm sendo operadas nos jornais brasileiros, tomando como ponto de partida o levantamento bibliográfico realizado, a partir do final da década de 1990, de entrevistas e artigos de caráter metacrítico do caderno Idéias do JB. Na observação dos textos encontrados no suplemento durante o período estudado, foi possível evidenciar a perda de espaço para os estudos literários nesse veículo de comunicação massiva, principalmente no que se refere às reflexões sobre o seu campo de atuação: a própria crítica. Ressalte-se, entretanto, que a noção de crise alude, nesse contexto, a uma reorganização do campo crítico e, aqui, pretende-se apontar para a criação de espaços alternativos e novas maneiras de se pensar e veicular a crítica. No momento atual, é possível fazer um contraponto entre a crise da crítica observada na pesquisa do Suplemento Cultural do Jornal do Brasil e o destino do próprio jornal, com a migração de seu conteúdo para a Internet.

PALAVRAS-CHAVE: Metacrítica. Jornal do Brasil. Suplemento Cultural.

ABSTRACT

Faced with the announcement of extinction of the Jornal do Brasil in its traditional printed format, it’s our job discuss the relation between the largely spread “crisis of critique” and the transformations that are occurring in the Brazilians newspapers, taking as the starting point the bibliographic survey made, from the late 90’s, with interviews and metacritiques articles in the JB's cultural supplement: Ideias. Observing the texts found in the supplement during the study period, it was possible to identify the loss of the space for the literary studies in this mass communication vehicle, mainly in reference to reflexions about its playing field: the critique itself. It’s necessary to

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explain that the notion of crisis, in this context, refer to a rearrangement of the critique field, and here, the objective it’s point the creation of alternative spaces and new ways to think and promote the critique. At this moment, it’s possible to make a counterpoint between the “crisis of critique” observed in the survey of the Jornal do Brasil’s cultural supplement and the destiny of the newspaper itself, with the migration of its content to the internet.

KEYWORDS: Metacritique. Jornal do Brasil. Cultural Supplement.

REFERÊNCIAS

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NACIF, Luiz. O fim do melhor jornal do país. Luiz Nacif Online, 31 ago. 2010. Disponível em: < http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-fim-do-melhor-jornal-do- pais > Acesso em: 31 out. 2010.

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