Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXIV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória - ES – 03 a 05/06/2019

Venice Bitch: narrativa e experiência estética de um movimento experimental na cultura pop1

William David VIEIRA2 Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, MG

Resumo Neste trabalho, propomos uma análise do videoclipe de Venice Bitch, da cantora . Tendo como base atributos experimentais do clipe e partindo metodologicamente de imbricações entre experiência e narrativa, delineadas por Benjamin (1987), buscamos problematizar como narrativas e experiências estéticas (possíveis) mais experimentais, empregadas na cultura pop, intencionam promover um deslocamento do pop da ideia de comercial e esvaziado, sem aprofundamentos e/ou apreensões políticas, para uma lógica de produção cult (e mais próxima de experimental) ou conceituada. Paradoxalmente, tais acionamentos ainda revelam uma demanda do pop de se reinventar continuamente em função de seu lucro e status. (Obs.: Agradecimentos à UFOP e à CAPES pelo incentivo ao trabalho.)

Palavras-chave: experiência estética; narrativa; Venice Bitch.

Introdução Lançado em setembro de 2018, o videoclipe de Venice Bitch3, da cantora norte- americana Lana Del Rey, retoma esteticamente as produções do início da carreira da artista dentro da cultura pop, em 2011, com espécies de videocolagens que lembram uma junção de imagens de arquivo, trajadas de efeitos de “mofo” ou antiguidade, e alocadas em vídeos mais extensos. Quando Lana ascendia nesse cenário, seus objetos audiovisuais eram enxergados pela crítica como “bem-produzidos”, “ousados”4 e capazes de abusar conceitualmente do tempo em prol de sua narrativa e composição. Além disso, a cantora aproximava o videoclipe da narrativa cinematográfica – como visto, nos anos 1980, com as produções de Thriller e Bad, de Michael Jackson (SOARES, 2012, p. 26-27) –, promovendo experiências estéticas potentes, possíveis, que misturavam os gêneros e

1 Trabalho apresentado na DT 4 – Comunicação Audiovisual do XXIV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste, realizado de 3 a 5 de junho de 2019.

2 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Ouro Preto e Bacharel em Jornalismo pela mesma instituição. Integrante do Grupo de Pesquisa “Quintais: cultura da mídia, arte e política” (UFOP/CNPq). E-mail: [email protected].

3 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Qg3DxELVPj4.

4 Como exemplo, podemos citar o videoclipe de National Anthem, que combina os elementos apresentados nesse momento em nosso texto. Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sxDdEPED0h8.

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contribuíam para a forma de se fazer e vender videoclipes, reafirmando a força destes como “cartões de visita” de um artista. Em Venice Bitch, tem-se o mesmo processo. Advinda de uma produção caseira de videoclipes, na qual executou um papel de videocolecionadora (expondo imagens de arquivo), e seguindo para um ramo de produção em altas definições, sem preterir seus traços iniciais, a cantora apresentou clipes mais conceituais, próximos de uma ideia de concepção de arte, no sentido imagético e estético da produção e no sentido da narrativa. Não se trata de dizer que o videoclipe precise de um arranjo narrativo para ser bem- sucedido, mas Del Rey encontra nessa possibilidade argumentativa uma das forças de seus objetos audiovisuais, fomentadores de seu discurso pop. Agora, em Venice..., verificamos a mesma capacidade de manipular atributos e signos diversos a fim de atingir seus interesses. Em nossa análise do videoclipe, problematizamos como narrativas e experiências estéticas possíveis, mais experimentais e empregadas na cultura pop, intencionam promover um deslocamento do pop da ideia de comercial e esvaziado – ideia que reside numa crítica binária feita aos produtos pop –, sem aprofundamentos e/ou apreensões políticas, raso e barato, para uma ideia de produção cult (e mais próxima de experimental5, conquanto ambos não sejam sinônimos) ou conceituada, ainda que explicitem, paradoxalmente e sobretudo, uma demanda da cultura pop de se reinventar em nome de sua promoção. Partindo metodologicamente de imbricações entre experiência e narrativa, delineadas por Benjamin (1987), tensionamos aspectos da ordem do videoclipe, como presença marcante na cultura pop, buscando garantir, desde os anos 1980, a função de “cartão de visitas” na tevê, ou, recentemente, na internet. Daí a necessidade de percebermos esse ambiente como propulsor para o surgimento de outras narrativas e experiências, sobretudo em torno do videoclipe, que encontrou, no YouTube, um território fértil para essas outras produções (SOARES, 2013, p. 249). Na internet, espaço de embates culturais, travam-se disputas narrativas e discursivas, prevalecendo a sustentação

5 Por esse movimento experimental na cultura pop, estamos compreendendo uma empreitada que fura ditames massivos ou puramente mercadológicos, no intuito do esvaziamento ou da falta de aprofundamento. Trata-se de um conjunto de técnicas e efeitos mais elaborados, que requerem do espectador um tensionamento político e estético mais dispendioso, no sentido da articulação de referências acionadas e rompimento de uma camada superficial de interpretação de textos, para consequente imersão em seus emaranhados de sentido. Poderíamos chamar esse movimento de um convite a um desvendamento ou tradução intersemiótica que se pauta pela não linearidade, pelo rompimento com o que definimos ao longo deste texto como padronização imposta por uma narrativa burguesa da modernidade – uma narrativa acomodada, rasa e aparentemente “fácil” (ou de densidade pouco significativa).

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de um discurso pelo exercício do poder (FOUCAULT, 1996). E, na apropriação do on- line pela cultura pop e pelos videoclipes, têm-se as mesmas práticas: artistas competem entre si por público e lucro e ofertam opções de consumo, mais ou menos experimentais, mais ou menos massivas, procurando manter um poder sobre outros. Por isso, também buscamos perceber interferências do YouTube em nossa análise, que se dá a partir do processo de assistir ao videoclipe por sua postagem na conta da artista no site, quando poderíamos assistir em outras plataformas – como o serviço de streaming Apple Music – e perceber experiências discrepantes.

Procuram-se experiências e narrativas Em Venice Bitch, com a presumida distância de uma lógica de produção e até mesmo consumo, Lana emerge na retórica da refundação de experiências e narrativas pela cultura pop e se reconecta com o início de sua carreira, como dissemos, quando, ascendendo numa “indústria cultural”, ela produzia audiovisuais também experimentais, nos quais executava seu papel de videocolecionadora, explorando um acervo videográfico pessoal, como vemos nos clipes de Video Games e Carmen. A artista unia elementos advindos de uma experiência própria (não só na videografia) a visões narrativas e estéticas menos mastigadas, prontas e cerradas, o que ocorreu em momentos esparsos de sua carreira, como em National Anthem (2012) e Freak (2016); este último, a mais experimental produção do álbum Honeymoon (2015), ao qual pertence. Ao mesmo tempo em que tal experimentalismo ocorre, não podemos desconsiderar a presença do caráter tempestivo do pop (SANTIAGO, 2004, p. 121), de se fazer ver e vender. Com isso, não podemos nos esquivar de reconhecer a possibilidade de agenciamento de uma estética mais experimental pela cultura pop. Se se trata de um experimentalismo como aversão a um “pop burguês” – falaremos à frente –, se estamos defronte a mais um ato de cooptação praticado pelo mercado, ou ainda, se nos pusemos diante de uma desavisada crítica à obsoleta retórica de que o pop não é capaz de estimular representatividades e assim fugir da pecha do esvaziamento cultural, ou outras possibilidades, a essa ontologia do produto Venice Bitch não chegaremos. Entretanto, somos, por meio do debate traçado, capazes de perceber que, a todo momento, a cultura pop busca refundar e reinventar narrativas e experiências, de estrelas a objetos de consumo (MORIN, 1989), valendo-se ou não de reciclagens, colagens, pastiches, mesclas e plasticidades (SARLO, 1997, p. 33-35; SOARES, 2015, p. 19-20), atravessando e

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representando a vida cotidiana (CRUZ, 2003, p. 46), ditando tais possibilidades de experienciação para serem consumidas, comunicando-se com o imaginário de sujeitos e atendendo a interesses, e promovendo, em torno dessas possibilidades, experiências estéticas de ordens distintas. A cultura pop sempre buscou fomentar tal discursividade e muito se questiona a validade com que ela o faz, ou seja: se essas experiências são totalmente mediadas e esvaziadas ou se há a possibilidade de uma produção de sentidos (desejosamente conceitual e aprofundada) menos limitada e afetada dentro disso, com qual efetividade e assim por diante. Entretanto, essa mesma crítica desavisada desconsidera que todas essas possibilidades de concepção de um fenômeno pop podem andar juntas e misturadas. Salientamos que essas manifestações se imbricam, pois há um corrente atravessamento nas formas culturais, de modo que as tensões próprias desses embates e processos interacionais nunca estão apaziguadas – ainda que a cultura pop intencione tal prática sob várias maneiras (falaremos de algumas), em prol de sobrevivência – e frequentemente dão sinais de seus hibridismos, sobretudo no mundo moderno, quando justamente se pretendia atingir uma utópica separação e delimitação de processos culturais (LATOUR, 1994, p. 7-8) – o referido apaziguamento das tensões. Todavia, reconhecemos que há formações e blocos culturais mais ensimesmados, assim como não abolimos nossa crítica à busca frenética por lucro a que se lança a cultura pop, fabricando nomes vendáveis a cada esquina. Entretanto, isso se dá também por demanda de um público que anseia por novas estrelas: novos corpos e objetos consumíveis, experienciáveis e, especialmente, idolatráveis. Como salienta Morin (1989), “heroicizadas, divinizadas, as estrelas são mais do que objetos de admiração. São também motivo de culto. Constitui-se ao seu redor um embrião de religião. Essa religião se ramifica pelo mundo” (MORIN, 1989, p. 50), sendo, cada qual, adepta de um modelo específico de sedução, o que leva um público órfão ou desejoso dessa sedução a buscá- la, a correr atrás de uma seita e performar seus dogmas, da religião dos rebeldes como James Dean ou River Phoenix à dos melancólicos, introvertidos e antissociais como Renato Russo ou Cássia Eller, cujas seduções são supostamente únicas e fechadas em si. Essa busca é, ao mesmo tempo, uma busca por novas experiências, ainda que mediadas e minimamente guiadas, ao menos em seu processo inicial de consumo, por um manual de uso. Falamos, assim, da crítica feita por Benjamin (1987) às experiências esvaziadas nas narrativas burguesas da modernidade – o que as torna palatáveis a sua própria classe; e

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burguesas no sentido do consumo, da adoção a ele – e da ausência de um processo de reflexão advindo dessas experiências consumíveis, “engarrafadas” e postas numa vitrine narrativa. Para o autor, em nossas relações diárias, estaríamos substituindo nossas experiências por opções limitantes, mediadas e “encerradas”, dadas como prontas, impulsionadas para serem vividas de forma automática, vazia e hermética, por meio de fórmulas e paradigmas. Desse modo, nós estaríamos nos esquecendo de nossa capacidade de priorizar as experiências e o derivado processo reflexivo: “[...] as ações da experiência estão em baixa, e tudo indica que continuarão caindo até que seu valor desapareça de todo” (BENJAMIN, 1987, p. 198). As afetações do mundo, nossas relações com ele e essas afetações não priorizariam as experiências, mas denunciariam uma incomunicabilidade entre nós mesmos e nossas experiências. Afinal, o mundo seria um “campo de forças de torrentes e explosões”, como as próprias guerras, e nós estaríamos – e estamos – perante esse mundo munidos de nosso “frágil e minúsculo corpo humano” (BENJAMIN, 1987, p. 198), carregado de obsessões e assombrado por nossos próprios fantasmas, como também aponta Morin (1989). Arriscamos, nesse sentido, a propor um diálogo entre Morin e Benjamin, posto que os dois nos abrem margens para pensar que as experiências vividas pelo outro habitam também dentro de nós, podendo vir a nós e nos iludir como sendo falsamente ou desejosamente nossas. O culto a uma estrela (midiática) e a embriaguez provocada por sua sedução pode ser, nessa perspectiva, a alimentação de um sonho inconsciente de ser também uma estrela, ainda que tal possibilidade não venha a ocorrer ou aconteça justamente por conta dessa incapacidade. Mais do que Benjamin, é Morin que esclarece essa condição ao dizer que:

A estrela conserva e modela ilusões, ou seja, identificações imaginárias. Nas palavras de uma jovem inglesa: “Eu sonho com Rita Hayworth e represento os seus papéis em meus sonhos”. A estrela de cinema se torna assim alimento dos sonhos. O sonho, ao contrário da tragédia ideal de Aristóteles, não nos purifica de fato de nossos fantasmas, mas, por outro lado, atrai obsessivamente a sua presença. Só parcialmente as estrelas provocam catarses e conservam fantasmas dos quais queriam mas não podem libertar-se através de ações. O papel da estrela se torna aqui “psicótico”: polariza e fixa obsessões. (MORIN, 1989, p. 96-97; grifos no original)

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Trata-se de conceber algo próximo à ideia de que idolatrar uma estrela pode ser entendido como querer sê-la e tomar seu lugar, suas experiências, ser como ela, viver suas experiências em sua pele, mas que viessem a ser chamadas de minhas ou nossas. No caso do videoclipe e da estrutura deste enquanto dispositivo midiático, a narrativa e o ambiente em seu entorno propõem discussão com um experimentalismo, explorando potencialidades comunicacionais de ambos – narrativa e experimentalismo –, no intuito de explicitar as consequências advindas desse processo experiencial para o sujeito que também, inconscientemente ou não, sonha com e/ou anseia por mudanças em si a serem provocadas por um conjunto infindável de experiências, de quereres depositados no videoclipe. E, aqui, não experiências do dia a dia, mas “novas” experiências estéticas (isto é, diferentes das frequentemente ofertadas nos produtos pop), não obstante ainda embaladas para consumo, com validade ou efetividade questionadas por habitarem a cultura pop. E, conquanto, em nossas percepções, exista um diálogo de Venice com outras produções da cantora, de outros momentos de sua carreira – de fato isso ocorre, dada a arquitetura do videoclipe –, a experiência em torno do clipe é única (enquanto obra “acabada”, mas não cerrada e isolada; e para cada sujeito que do vídeo se embebe) e diz respeito apenas a ela mesma, o que se aproxima do entendimento de Benjamin (1987, p. 198-199) acerca do valor único e simbólico de cada experiência, que deve promover uma reflexão no sujeito e ser capaz, apesar de seu caráter subjetivo – contudo não individualista –, de rodar o mundo e ser contada.

YouTube como lugar de disputa: narrativa e experiência pelos atributos de Venice As experiências propostas como objeto de reflexão em Venice Bitch começam afixadas numa cena repetida à exaustão no videoclipe: carros percorrendo uma estrada em um azul-frio utilizado como filtro nas imagens aceleradas da sequência inicial do clipe. Esse conjunto é o primeiro atributo experimental do trabalho de Lana – que assim se configura desde sua duração (nove minutos e 41 segundos), tempo excedente ao dito como “usual” para produções mainstream – que nos permite propor a descrição de uma possível experiência estética em torno do videoclipe, como faremos a partir daqui. O enredo traz o cotidiano de uma jovem de Venice, distrito de Los Angeles, retratando seu relacionamento com amigas, um amor e discorrendo também sobre seu uso de drogas.

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Na sequência do clipe, aparentemente perdida – e buscando explorar atributos ainda experimentais –, Lana (ou sua personagem) surge falando ao telefone, enquadrada por uma câmera polaroide munida de um efeito cinza suave, que depois dá lugar a uma nova cena de carros na estrada, já coloridos com um efeito de mofo e antiguidade (tais recortes remontam às imagens gravadas por Lana em sua época de videocolecionadora e inseridas em seus videoclipes iniciais), atribuído, na sequência, à paisagem de uma praia, levando-nos aos anos 1960 – não por um efeito vintage ou retrô, mas pela exibição de uma cena nostálgica, responsável por nos guiar ao passado. Essa nostalgia se rompe em seguida, quando Lana aparece deitada ao chão de um lugar qualquer, com um smartphone e sua lanterna acesa, objeto não pertencente à temporalidade da cena anterior. Os atributos mais experimentais desse recorte se completam com a falta de foco da câmera e a sensação de sufocamento que isso nos provoca, o que não é maior porque a tela do YouTube, que exibe o clipe e interfere na experiência, impede-nos, até aqui, de alcançar uma experienciação mais aprofundada. Quando entramos em fruição com uma composição dessa natureza, somos levados a compreender pragmático-performativamente o objeto que nos é apresentado – como pondera Guimarães (2016, p. 14) –, encaminhamo-nos à percepção de uma experiência estética e a encaramos como tal, posto que se trata de um processo revelador de convenções nada ortodoxas sobre uma forma de se apreender um sensível, sabendo que essa forma pode dar-se em contextos e temporalidades diferentes, diz Cardoso Filho (2016). Isso porque “[...] a própria sensibilidade se configura numa articulação com os processos comunicacionais”, permitindo-nos, por cada articulação sui generis, questionar hegemonias ou cristalizações de sensíveis em seus próprios e respectivos contextos. Aqui, falamos de outra noção de experiência, uma ideia de experiência plural, em um mesmo objeto e para além dele, configurada como um portal entre universos separados, mas acessíveis, visto que, segundo Ricœur (1994),

Qualquer experiência possui ao mesmo tempo um contorno que a cerca e discerne e ergue-se sobre um horizonte de potencialidades que constituem seu horizonte interno e externo: interno, no sentido de que é sempre possível detalhar e precisar a coisa considerada no interior de um contorno estável; externo, no sentido de que a coisa visada mantém relações potenciais com uma coisa totalmente diversa, no horizonte de um mundo total, o qual nunca figura como objeto do discurso. (RICŒUR, 1994, p. 119)

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Trazemos Ricœur para a discussão, embora seus tensionamentos sejam de outra ordem, porque enxergamos uma aproximação entre o que propõem o autor e demais nomes aqui elencados. As potencialidades de percepção dessa experiência de que falamos – que, na mesma linha de raciocínio, Guimarães, Cardoso Filho e Ricœur relatam – são encontradas nas cenas seguintes de Venice, quando o que vemos extrapola sua produção de sentidos literal e abre margem para entendimentos múltiplos, a depender do contexto (interior ou exterior) das imagens referidas e de outros elementos que a percorrem (como a letra da canção): se antes Lana parecia ser um sujeito perdido, a vagar sem direção, agora, ao lado de duas amigas (suas backing vocals), somos levados a pensar que são corpos errantes, possuidores apenas de suas relações de amizade. Perseguidas pela polícia, as três, na carroceria de uma caminhonete, questionam e iludem nossa capacidade de entendimento ao pensarmos que elas podem ser uma gangue ou apenas amigas bêbadas ou drogadas – como indicam estar, por conta de uma imagem turva, cambaleante, simulando o próprio efeito de uso de entorpecentes. Sobreposta à imagem, a letra da canção diz, nesse momento: “Oh God, I miss you on my lips / It’s me, your little Venice bitch / On the stoop, with the neighborhood kids / Callin’ out, bang bang, kiss kiss”6. Em seguida, a primeira cena dos carros na estrada reaparece. E, mais uma vez, rápida e quase assustadora. Essas imagens também remontam ao papel de videocolecionadora da artista. Tingidas de mofo e funcionando como uma espécie de ruminação sobre as experiências, convidam-nos, enquanto atributos experimentais, a pensar como Lana constrói narrativas nelas calcadas ou embasadas em torno de suas percepções de mundo, também convidadas a se tornarem nossas experiências naquele momento, seduzindo-nos – e questionamos, valendo-nos de Morin (1989) e Benjamin (1987): falsamente ou desejosamente nossas experiências? Os olhos da câmera, frenéticos e, agora sim, assustadores, já são os olhos de Lana, e não mais os simples olhares da tela segregadora do YouTube, já transposta no processo imersivo do clipe. Todas as imagens até aqui apresentadas seguem se intercalando, sendo cortadas apenas por três rápidas cenas: o rosto de Lana iluminado por luzes de emergência da viatura, com a diva pop sentada no chão de outro lugar ermo, visivelmente drogada e fazendo caretas; um novo recorte das três amigas juntas; e árvores em filtro preto e branco contra a luz do sol,

6 Tradução livre: “Ó, Deus, meus lábios sentem sua falta / Sou eu, sua ‘vadiazinha’ de Venice / Na varanda, com as crianças do bairro / Chamando, bang, bang, beijo, beijo”.

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recortada em forma de ostensório, lembrando um diamante ou um trevo-de-quatro-folhas e simulando uma mistura entre sagrado e profano. Tudo isso é suscitado em: “Back in the Garden / We’re getting high now, because we’re older / Me, myself, I like Diamonds / My baby, ”7. Na segunda metade do videoclipe, a cena dos carros na estrada também se repete – ao som, em alguns momentos, de um arranjo musical que simula um disco arranhado, que sempre volta ao mesmo lugar – e parece estar cada vez mais rápida. Minutos depois (a cena dura cerca de cinco minutos e já havia sido exibida intercaladamente boa parte do tempo antes disso), ocorre um processo paradoxal, de suavidade e aparente lentidão, ainda que a rapidez permaneça. Isso porque, em nosso espetáculo de assistir ao videoclipe, servindo-nos de variados atributos, acostumamo-nos com o que vemos e aceitamos docemente, como se estivéssemos deitados em um tapete de veludo e ficássemos a acariciá-lo. Em seguida, docilizados pelo videoclipe, Lana surge outra vez sentada no chão de um lugar ermo, iluminada pela viatura e ainda drogada. O que a artista propõe é que aceitemos um pouco mais o que vemos para conseguirmos imergir mais densamente em sua vibe, em seu processo experiencial com a droga, tentando proporcionar-nos condição semelhante. Antes disso, vale lembrar que Lana e suas amigas eram seguidas por essa viatura numa cena que trazia os personagens em círculo no mesmo espaço, o que evoca uma sensação de loop infinito em quem vê o videoclipe – o loop se confirma em outras cenas, como o recorrente trecho dos carros na estrada, que parece não ter fim exatamente pelos carros andarem em círculo (um sensível que se articula num processo comunicacional dado entre os carros e o disco arranhado, ambos exemplos desse loop, a aritmética de uma junção de atributos experimentais). Também firmam tal perspectiva os versos finais, “Crimson and clover, honey / Over and over, honey / Over and over”8, repetidos, em sequência, onze vezes, numa estética também de loop. À medida que afunilamos o que vemos, verificamos que são inúmeros os elementos a promoverem essa “volta”, esse movimento circular, na perspectiva do loop. Em tons de azul-frio, cinza e preto e branco, atributos experimentais utilizados na paleta de cores e cada qual buscando sua finalidade no clipe, a artista faz escorrer sobre a tela do YouTube – entranhada nos olhos, e que, já há algum tempo, não se faz mais capaz

7 Tradução livre: “De volta ao jardim / Estamos ficando chapados agora, porque somos mais velhos / Eu, eu mesma, eu gosto de diamantes / Meu amor, carmesim e trevo-de-quatro-folhas”. 8 Tradução livre: “Carmesim e trevo-de-quatro-folhas, querido / De novo e de novo, querido / De novo e de novo”.

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de separar o espectador do videoclipe – uma pintura de ordem semelhante ao jogo semântico estabelecido por Foucault (2000) na análise do personagem pintor, do quadro Las Meninas, de Diego Velázquez, cujo olhar salta para fora do quadro:

O pintor só dirige os olhos para nós na medida em que nos encontramos no lugar do seu motivo... Acolhidos sob esse olhar, somos por ele expulsos, substituídos por aquilo que desde sempre se encontrava lá, antes de nós: o próprio modelo. Mas, inversamente, o olhar do pintor, dirigido para fora do quadro, [...] aceita tantos modelos quanto espectadores lhe apareçam; nesse lugar preciso mas indiferente, o que olha e o que é olhado permutam-se incessantemente. (FOUCAULT, 2000, p. 5)

Se, na obra de Velázquez, o personagem pintor insere o espectador como parte integrante daquilo que se permite ser visto (após ser desvelado) ao enlaçar o sujeito a seu motivo (o modelo), e também expulsa o espectador quando este se dá conta de que não somente olha para o pintor, mas de que o pintor devolve o olhar, munido de um quê contemplativo para fora do quadro, então somos convidados a compor a narrativa de Venice Bitch, por sua vez, ao atingirmos o mesmo status de experienciação que Lana diante de sua vibe. Isto é, quando trocarmos “olhares” com ela, com o que sua mente vê. Como propõe Didi-Huberman (1998, p. 29), “o que vemos só vale – só vive – em nossos olhos pelo que nos olha”, de modo que o ato de ver é, paradoxalmente, uma via de mão dupla, abre-se em dois cursos. Com isso, é preciso que entremos na psicodelia de Lana, personificada no videoclipe por meio da composição imagética das cenas, cores e efeitos – o que a mente “chapada” de Lana vê –, e mergulhemos na viagem transcrita no videoclipe, a viagem da mente da personagem. Assim a narrativa experimental de Venice é construída para nós, de modo que escapa de si mesma. Uma narrativa possível em Velázquez é a construção sobre o que Foucault indica como o modelo, objeto do pintor – em primeiro lugar, o suposto objeto inicial; depois, todos nós. Em Venice, as referências, experiências e vibes da artista são os modelos iniciais, pintados no videoclipe (a pintura é a construção da narrativa), que fazem com que o discurso nele contido e proposto se complete apenas no “leitor” (mesmo caminho seguido pela experiência estética). Os modelos tornamo-nos nós quando assumimos as referências pintadas no clipe como voltadas para nós, como sustenta Didi-Huberman (1998) sobre a cumplicidade e duplicidade do olhar. Ao mesmo tempo, somos arremessados para fora quando ocorre o impacto final, quando as referências se encerram: o azul-triste e outras cores e filtros se esvaem perante o

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surgimento da tela preta do YouTube (novamente com poder segregador) e o fim do videoclipe. Se a pintura (de Velázquez ou Lana) é uma forma de narrar, que se comporta como artifício e decisão, e nos insere nela, então, por essa perspectiva, uma experiência estética potencial como a de Venice possibilita nossa capacidade de viver sua experiência narrada, inserindo-nos também nela e reinventando experiências a cada visada, a cada assistir de videoclipe, a cada troca de olhares nessas pinturas. O YouTube, que tem papel definido na experiência de Venice como dispositivo, lugar de disputa e instrumento da cultura pop, agindo como uma espécie de compêndio de pinturas, também atua na reinvenção de experiências ou dos formatos e fenômenos midiáticos que comportam essas experiências (SOARES, 2013, p. 249). Se pudermos localizar o ethos do experimentalismo de uma cultura pop dos anos 2010 que se mostra pautada pelo YouTube, esse ethos estará centrado na refundação/reinvenção de uma pluralidade de experiências nessa plataforma, com videoclipes “inovadores” e cada vez mais híbridos, quase a simular uma pirotecnia audiovisual pintada na tela, enquanto bastiões das disputas na fonografia por seu status de “cartão de visitas”, como Venice Bitch (um gif videoclipado9, exemplo dessa hibridação de gêneros) e, no ramo das produções nacionais, a gravação e exibição ao vivo pelo YouTube do videoclipe da música Indecente, de Anitta, feitas da própria casa da artista. Temos ambos os produtos referentes a um mesmo ethos, mas cada qual a seu modus operandi. E transversalmente cortados pela retórica da inovação de experiências (estéticas e narrativas, com certa dose de experimentalismo), apesar de apoiados em um mercado sedutor de pinturas e sujeitos.

O experimentalismo como aversão a um “pop burguês”? Assumindo a proposição de que o “leitor” é parte fundamental do discurso, a fim de que este arranjo que disputa por poder assuma sua completude, somos levados a pensar, neste momento, que as narrativas da cultura pop visam oferecer discursos fechados e prontos para consumo, nas lógicas mercantis mais exploratórias de que falamos. Esses são exemplos da narrativa burguesa que Benjamin (1987) condena. Os discursos de um “pop burguês” nada mais são que as narrativas rejeitadas pelo filósofo

9 Ao longo dos quase dez minutos de Venice, há uma exploração repetida de imagens, o que relembra a estética de um gif, posto em ação dentro de um videoclipe – um gif videoclipado.

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alemão por esvaziarem experiências potentes de reflexão e fornecerem, em substituição, simulacros experienciais. Essas lógicas mercantis de um “pop burguês” podem ser estendidas ao videoclipe, ao qual também são impingidas, por conseguinte, estratégias discursivas a fim de que se mantenha sua sobrevivência em um embate entre inúmeros convites e ofertas de consumo de um pop mais do mesmo. Conforme se investe no pragmatismo mais predatório e antropofágico de sobrevivência, em que um videoclipe se encontra a ponto de engolir outro, também se esvaziam tensões, posto que a disputa ovaciona sujeitos vencedores de seu próprio embate (privilegiados desde o início em dominação de espaço, poder monetário) e silencia outros, ou os pretere de um espaço dominante, incitando, assim, de modo paradoxal, novas possibilidades de tensão. Também se apaziguam (e incitam) tensões no momento em que artistas executam parcerias com outros (o featuring), embora essas “pseudoanulações” de cargas opostas revelem atritos entre outros artistas, videoclipes ou cargas de força distintas, haja vista que, nas bases do que Foucault (1996) destaca acerca de empreitadas de domínio discursivo, essas ações pressupõem desejos de apoderação que tendem a ser controlados pelos mais fortes. É como pensar, por essa lógica, que a produção discursiva pode ser “[...] ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade” (FOUCAULT, 1996, p. 9) – excitar e apaziguar tensões. Se o videoclipe parte de uma noção de completude em si, de obra encerrada, desejosamente legitimada e capaz de abarcar um discurso que a represente, mas projetado para ser enviado a disputas, então, ao sobreviver a um embate discursivo e conquistar um status de apaziguamento com sua suposta legitimação pós-embate, retornar à condição inicial de si é preparar-se para novos confrontos de cargas ou excitamentos de tensões e experiências. As contradições e complexidades em torno disso entram mais fortemente em cena quando somos tentados a separar experiências tomadas como vazias das supostamente aprofundadas. Isto porque chegamos a pensar que a cultura pop esvazia, via de regra, narrativas e as experiências nela fomentadas. A dúvida surge quando somos arremessados nessas tramas midiáticas que se fazem nas disputas entre os produtos do pop, caso de Lana. A artista sempre se colocou como um produto, como uma personagem fabricada para ser vendida, mas, ao longo de sua obra, seu comportamento fugiu de tal acepção da

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imagem de si proferida pela própria Lana. A cantora se serviu e continua a se valer de referências ditas como pertencentes a uma ideia de “nobreza” ou “elitismo” da produção cultural para fundamentar e ilustrar sua obra. Referências que não necessariamente se vendem como resultado de um processo de agenciamento, cooptação ou furto, mas que sinalizam serem adquiridas de processos experienciais e reflexivos de Lana ao longo de sua vida, como sua presença na cultura rock – dentro ou fora da indústria cultural, Lana sempre transitou por essa cultura, do rock mais contracultural e underground ao mais “massivo” ou mainstream. E a artista executa tal ação de diálogo entre cenas diversas sem deixar de permanecer na cultura pop, associada ora a um “pop burguês” (vulgo “Nutella”), ora a um “pop barroco” (sem e com referências ao gênero musical; vulgo “raiz”, no sentido do “indie” [alternativo e até conceitual] ou engajado, mas ainda pop, comercial, com todas as contradições que tais associações puderem apontar). Lana reivindica essa mistura entre produções culturais presumidamente isoladas, mas que se atravessam, a fim de incitar a construção e legitimação de seu discurso – como faz em Venice Bitch. Sobressaem de Venice a tática e o discurso de conciliar produções culturais adjetivadas como díspares e, por meio dessa outra forma, apaziguar tensões entre ambientações no intuito de legitimar seu discurso, não obstante o atiçamento de tensões que sempre emerge nesses embates fronteiriços entre tais produções “discrepantes”, um exato território de arena das produções culturais, como o YouTube. Por trás disso, está presente também o questionamento de uma construção de verdade sobre a “personagem” Lana Del Rey: ela é ou não uma personagem? Ao servir-se de referências fora da cultura pop – como o rock cult ou a estética experimental que compõe Venice – e de experiências em torno dessas referências, Lana põe em dubiedade verdades construídas sobre si, seleciona e chancela opções de verdade, dando também possibilidade para a construção e interpretação de outras verdades. O processo de aceitação de uma verdade em detrimento de outra surge da adesão a um pacto entre artista e público que a experiencia. Se Venice é a exposição de um relato10 de experiências da artista, deve-se, portanto, aceitar que, apenas pelo fato de se expor esse relato justamente na cultura pop, o objeto que o corporifica demanda ser invalidado e tido como sem aprofundamento e puramente comercial?

10 Fazemos uma livre ressignificação dessa terminologia nos moldes do que pondera Butler (2017, p. 23): pensar o relato não no sentido de contar uma história sobre si, mas sim no intuito de instituir e defender uma narrativa de verdades de si com vistas à figura da autoridade, sabendo que esse relato será posto em xeque e confrontado ao ser “convidado” para um jogo de persuasão dado no social.

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Considerações finais Lana não se esquiva de receber o galardão de produtora “autoral” de videoclipes. O desejo por autoria é um desejo por autoridade. Contudo, a condição de “autor” de uma produção, até mesmo na consolidação e defesa de verdades sobre si, está entranhada em um pensamento moderno e burguês. Sendo mais burguês ou menos, o pop de Lana e a narrativa experimental em seus videoclipes, com a promoção de uma experiência estética possível de um movimento experimental na cultura pop – como Venice Bitch –, demonstram uma necessidade do pop de se reinventar e uma espécie de fuga desse pop, que pode retornar a si no decorrer das operacionalidades. A complexidade extrapola qualquer possibilidade de entendimento quando pensamos que essa fuga de um aburguesamento pode ser um agenciamento da cultura pop, que passa por cooptação de estéticas mais autorais e “inovadoras” ou simbolicamente outsiders. Processos experimentais de linguagens e de dispositivos midiáticos assumem proporções astronômicas, no sentido do conflito e da complexidade, quando pensamos que um experimentalismo, dentro do pop, pode nunca se esquivar totalmente dele. Além disso, são inúmeros os insights ou percepções de complexidades de vertentes sobressalentes desses processos interacionais, passando por concessões à cultura pop e por flertes com um experimentalismo desejado tanto pelo pop quanto pelo anseio de originalidade de “experienciar experiências” e narrativas por elas fomentadas. Reinventar, recriar ou inovar (ainda que não completamente) potenciais experiências estéticas, narrativas e também formas de construir o videoclipe: opções que surgem como demanda do pop, ao passo que podem ou não fugir da indústria do audiovisual que segue a fonografia. As complexidades não nos permitem dizer com totalidade a que vem o trabalho de Lana e tampouco temos tal pretensão. Os meandros tecidos nos aparatos musicais e audiovisuais da cantora não se fazem desvelar justamente por conta de suas turvas tessituras. Destacamos que, mais que isso, é importante abordar a presença de moldes variados de experiência estética no currículo de um artista, no sentido de se colocar esta “estrela” como capaz de questionar cânones e de se recriar, de oferecer outras possibilidades de experienciação de sua obra entre tantos produtos, de tantos artistas, por intencionalidades diversas.

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