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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Centro-Oeste – Goiânia - GO – 22 a 24/05/2019

A simbologia por trás de The Odyssey1

Paulo Fernando Tomaz JUNQUEIRA2 Thalita Sasse FRÓES3 Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO

Resumo

O presente artigo analisa o média-metragem The Odyssey (2016), dirigido por Vincent Haycock. Ter-se-á como principal guia a compreensão do processo de individuação, identificando os aspectos simbólicos capazes de corroborar para a construção da jornada de Florence Welch em busca de si mesma. Esses aspectos são encontrados nos arquétipos femininos, os quais servem de mediadores para a cantora finalizar sua odisseia e ascender aos palcos.

Palavras-Chave: Individuação; Florence Welch; renascimento; anima.

Introdução

Florence Welch, líder do grupo Florence + The Machine, sempre fora uma figura distinta no meio musical, em seu primeiro álbum, Lungs (2009), a cantora trouxe músicas com aspectos simbólicos que iam desde os mitos gregos até mesmo às histórias bíblicas. Dona de uma performance etérea, a cantora conseguiu um espaço dentro do cenário musical alternativo, criando para si mesma uma imagem única que mescla o cotidiano (seus enfrentamentos pessoais) com o simbólico. Em 2015, a banda lançou How Big How Blue How Beautiful, com a inserção de guitarras e notas que remetiam ao rock de garagem juntamente com gritos e uma poesia afiada. Com mais um exemplar da discografia, Florence decidiu, ao lado de Vincent Haycock, lançar como um material anexo The Odyssey (2016), um média-metragem vinculado no YouTube que narra a odisseia pessoal da líder do Florence + The Machine. O média narra o confronto da cantora com seus medos e traumas que a

1 Trabalho apresentado na IJ 4 – Comunicação Audiovisual do XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Centro-Oeste, realizado de 22 a 24 de maio de 2019.

2 Graduando do 5º semestre do Curso de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda da FIC-UFG, e-mail: [email protected]

3 Thalita Sasse Fróes. Professora do Curso de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda da FIC-UFG, e-mail: [email protected]

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atingem após o seu término amoroso. Florence os enfrenta e finaliza sua odisseia, visando superá-los para, acima de tudo, encontrar a si mesma, como conta o diretor: The Odyssey, como o épico poema de Homero, é uma jornada. É a jornada pessoal de Florence para se encontrar após um término. Como as camadas do purgatório de Dante, cada música ou capítulo representa uma batalha de Florence e uma paisagem física que incorporou cada música ou história. É uma jornada metafórica sobre se livrar de seus demônios, confrontar você mesma e retornar a Florence original, a dançarina, a performance, a amante. – Vincent Haycock (2016, tradução nossa)4

O média-metragem tem início com a protagonista em um carro com seu amante, cortando para imagens aleatórias de Florence em situações variadas. Adiante, um acidente interfere no percurso, iniciando-se a parte musical do The Odyssey (2016), que fora dividido em nove capítulos (What Kind of Man, How Big How Blue How Beautiful, St. Jude, , Queen of Peace, Long and Lost, Mother, Delilah, Third Eye), os quais mostrarão Florence enfrentando seus medos e buscando uma ascensão que será alcançada apenas no último capítulo, quando a cantora – no palco – sente que a sua odisseia fora finalizada e transformada em uma performance. Desde sua queda até sua ascensão, acompanha-se o desenrolar de uma trama na qual o principal objetivo da cantora é encontrar a si mesma. Ver-se-á, em Third Eye (Capítulo 9), que a música e os palcos foram a sua salvação. O enfrentamento de seus problemas diz respeito à externalizá-los. Para lidar com eles, a solução de Florence foi fazer destes embates temas de músicas, que quando cantadas e performadas, servem como uma espécie de livramento para a líder do Florence + The Machine. Para entender alguns aspectos simbólicos do média-metragem, recorre-se ao processo de individuação e aos arquétipos femininos desenvolvidos no decorrer da jornada, tendo como mediadora do processo a água e seus desdobramentos dentro destes conceitos que são descritos por Jung. Almejando compreender o simbolismo da água como mediadora e a ponte como passagem, a teoria de Bachelard em conjunção com a análise de símbolos de Chevalier e Gheerbrant, servirão de apoio para compreender o todo desenvolvimento do média-metragem, e assim, analisar qual resultado a cantora alcança no fim de sua odisseia.

4 The Odyssey, like the epic poem by Homer, is a journey. It’s Florence’s personal journey to find herself again after the emotional storm of a heartbreak. Like the layers of Dante’s purgatory, each song or chapter represents a battle that Florence traversed and physical landscape that embodied each song or story. It’s a metaphorical journey about escaping your demons, confronting yourself and returning to the original Florence, the dancer, the performer, the lover.” – Vincent Haycock (2016)

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O processo de individuação O pensamento de Carl G. Jung (1875 – 1961) explica o processo de individuação que o ser humano enfrenta no decorrer de sua vida. Para o autor, esse processo “significa tornar-se um ser único, na medida em que por “individualidade” entendermos nossa singularidade mais íntima (...) nos tornamos o nosso próprio si-mesmo.” (2017, p 63). Em The Odyssey (2016), a personagem de Florence enfrenta seu passado, suas características mais sombrias (incluindo ela mesma) e, a partir disso, busca compreender melhor suas singularidades. Para evitar que o conceito de individuação seja confundido com o de individualismo, Jung (2017) nos traz a seguinte diferenciação: Individualismo significa acentuar e dar ênfase deliberada a supostas peculiaridades, em oposição a considerações e obrigações coletivas. A individuação, no entanto, significa precisamente a realização melhor e mais completa das qualidades coletivas do ser humano; é a consideração adequada e não o esquecimento das peculiaridades individuais. (JUNG, 2017, p.63)

Entende-se que Florence adentra em um processo de individuação e não de individualismo. A partir do média-metragem, três pontos dentro do processo de individuação são colocados para melhor entendê-lo na personagem: o processo de irrupção, a purificação e o inconsciente coletivo maior que o “eu”. Segundo Jung (2017), o processo de irrupção se dá através de um momento repentino o qual o indivíduo é inundado com conteúdos de seu inconsciente, contudo, como o autor complementa, que este processo – na realidade – vem sendo preparado, possivelmente, desde a infância. É possível perceber o momento repentino presente logo no início de The Odyssey (2016). No capítulo 1 – What Kind of Man, a protagonista se acidenta com seu amante, tendo o carro o qual os transportava, capotado. Posteriormente, no capítulo 6 – Queen of Peace, depara-se com um regresso de Florence à sua infância, dando-nos um vislumbre de como fora esta época de sua vida. Pode-se concluir que o momento repentino da jornada da cantora fora o acidente de carro, mas que o seu processo de irrupção – na verdade – teve início na sua infância, mostrada em Queen of Peace. Esta conclusão pode ser vista através do que é apresentado no capítulo 6 (Queen of Peace): um amor conturbado de sua infância, sequenciado para sua vida adulta, afetando-a diretamente na sua forma de expressar sentimentos, o qual é explicado pelo gesto que a cantora continuamente faz durante o média e que se traduz com a mesma

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colocando dois dedos em sua boca e os direcionando para o amante. Em uma entrevista, Florence explica o gesto dizendo: “É como as coisas que você quer dizer para alguém, mas que não pode, então você as coloca em sua boca – como um sacramento” 5 Na narrativa do sexto capítulo, os amantes vivem de forma caótica, Florence é tida como a rainha da paz que não é ouvida. O seu principal objetivo é afastar o amado de brigas e fazer com que o mesmo seja aceito por sua família. Já o amante está em constante envolvimento com a violência e faz da mesma uma forma de comunicação, construindo assim, um relacionamento difícil desde sua gênese. Jung (2017) entende que o inconsciente é – na maioria das vezes – uma resposta ao consciente. Vê-se isto traduzido na trama logo no diálogo inicial, o qual, em resumo, conclui que o relacionamento dos dois faz do sofrimento um pivô para a relação. De modo que, o gesto de Florence com seus dedos para expressar algo que não há como ser dito, está em ressonância com o relacionamento conturbado até então existente. No seu processo de irrupção, mais precisamente no momento repentino, essa relação é quebrada e, consequentemente, representa a queda da personagem e o início de sua jornada. A figura da ponte é de suma importância para ser entendida no contexto inicial do média, visto que como colocado no Dicionário de Símbolos de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, o simbolismo desse elemento é, dentre muitos, a tradução de uma passagem, ou seja, sair de um estado para o outro. No caso de Florence, é a saída de um estado de decadência com o amante para investir na busca de si mesma. Simultaneamente a esta passagem, ocorre um processo de purificação, retratado pelo mergulho em águas calmas de um oceano, assemelhando-se a um batismo. Outra etapa selecionada para entender o processo de individuação como um todo é a sua etapa de purificação. Esta etapa pode ser encontrada no capítulo 2 – How Big How Blue How Beautiful, o qual retrata a personagem após o acidente seguindo por uma ponte e em simultaneidade, sendo purificada pela figura de três mulheres em águas calmas banhadas por um crepúsculo, preparando-a para o fim de um estado e o início de outro.

A passagem para o renascimento

5 “It’s like the things you want to say to someone but can’t, so you place it into their mouths — like a sacrament.”

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A passagem por uma ponte, segundo Chevalier & Gheerbrant (2017), apresenta inúmeras associações no decorrer da história, contudo, é possível perceber aspectos que se tornam recorrentes: a maioria das travessias tende a conduzir um caráter de grande superação e mudanças de estado. Florence, em sua jornada, ao ultrapassar os limites da ponte, sai de seu estado de desastres internos criados em conjunto com o amante para adentrar numa busca por si e, através de um renascimento, o qual é retratado como uma espécie de batismo, a mesma inicia a sua odisseia. Jung (2017) conceitua cinco formas de renascimento: metempsicose, reencarnação, ressureição (resurrectio), renascimento (renovatio), renascimento indireto (ou participação no processo da transformação). A metempsicose “trata-se da ideia de uma vida que se estende no tempo, passando por vários corpos, ou da sequência de uma vida interrompida por diversas reencarnações” (JUNG, 2017, p. 117). A reencarnação, conceito mais palpável para os indivíduos, é, em termos resumidos, a continuidade de uma vida (alma) renascendo em outros corpos humanos. A ressureição (resurrectio) é, segundo Jung, “o ressurgir da existência humana, após a morte” (2017, p. 117). O renascimento renovatio, o qual se equivale ao rebirth do inglês, é, segundo Jung (2017), um renascimento o qual a essência do ser costuma permanecer, mas algumas funções da personalidade passam a ser curadas. Ao se vincular com o renascimento por participação no processo, que segundo Jung se dá “indiretamente pela participação em um processo de transformação como se este se desse fora do indivíduo” (2017, p. 118), tem-se um aparato do que fora o renascimento de Florence em The Odyssey (2016). O renascimento indireto é colocado por Jung (2017) como um renascimento que é mediado por um rito sagrado, este rito é retratado através de um batismo realizado em águas calmas em um fim de tarde. No média-metragem, o renascimento de Florence é entendido como uma mescla do renascimento renovatio com o renascimento indireto, pois entende-se que a cantora não visa se livrar de toda a sua essência, mas sim, se conectar com ela para melhorar aspectos de sua personalidade que estavam em decadência (sua forma de expressão, de se relacionar etc). Conclui-se então que Florence passa por um renascimento renovatio através de um renascimento indireto. Há de se ponderar que o seu processo de renascimento é mediado pela água e pela presença de três figuras femininas que realizam o rito sagrado do batismo. Segundo Chevalier & Gheerbrant (2017), a água carrega consigo três significações simbólicas

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que são: fonte de vida, meio de purificação e centro de regenerescência. Dentro destas significações, entende-se que, mais do que uma purificação, a protagonista também passa por um processo de regenerescência, explicado por Chevalier & Gheerbrant como uma forma de “retornar às origens, carregar-se de novo num imenso reservatório de energia e nele beber uma força nova” (2017,p. 15). No caso de Florence, ao mergulhar nas águas, a cantora entra em contato consigo mesma, visando se purificar para continuar sua caminhada em busca de si, coligando-se diretamente com o renascimento renovatio.

A água e as figuras femininas A água, segundo a maioria dos autores, é coligada com os seguintes elementos: fertilidade, cura e maternidade. Em The Odyssey (2016), os três aspectos se farão presentes. A cura, como já discorrido, se faz através do renascimento da cantora (o seu batismo), que almeja se desvincular das feridas feitas por ela mesma durante a relação com seu amante e do acidente sofrido no começo da trama. O aspecto da fertilidade colocado é entendido de maneira metafórica. Entender-se-á a fertilidade como um fator mental, tendo em vista que a protagonista é uma artista. Portanto, pode-se presumir que, quando banhada pelas águas, a mesma busca se alimentar de criatividade e sensibilidade para performar. Bachelard (1998), em seu livro “A água e os sonhos”, discorre sobre o aspecto leitoso que este elemento traz consigo quando é embalado pelo crepúsculo. Observa-se que no média-metragem, o batismo de Florence é realizado no fim de tarde. As águas estão calmas e similares ao leite materno, carregando consigo uma carga simbólica de nutrientes que a mesma tem a oferecer para os que se alimentam e se banham nela. Faz- se então presente o aspecto materno da água, sendo este um fator agregado de todo o aspecto simbólico atrelado ao feminino desenvolvido no média. Em How Big How Blue How Beautiful (capítulo dois) existe um reforço da figura feminina encontrado na água e na presença das três mulheres que realizam o batismo em Florence. Para Bachelard (1998), as águas que embalam o oceano, abraçam e reforçam o aspecto uterino da mãe, sendo a presença feminina das três mulheres associadas com o que Jung (2017) chama de arquétipo materno. Segundo Jung (2017), o arquétipo materno, no estudo de The Odyssey (2016) se manifesta através da

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personificação nas deusas do destino (as Parcas, Greias, Nornas), figuras femininas que batizam Florence. Elas apresentam, segundo ele, atributos como “a mágica autoridade do feminino; a sabedoria e a elevação espiritual além da razão; o bondoso, o que cuida, o que sustenta, o que proporciona as condições de crescimento (...) o lugar de transformação mágica, do renascimento.” (JUNG, 2017, p. 88). As deusas do destino, assim como a água e a mãe, que segundo Chevalier & Gheerbrant, é “segurança do abrigo, do calor, da ternura, da alimentação” (2017, p. 580) proporcionam as condições para o crescimento de Florence. Este amadurecimento é resultado inicialmente da escolha feita pela personagem em iniciar a sua odisseia, visando, acima de tudo, conectar-se consigo mesma. O processo é simbolizado através de um renascimento realizado por um batismo feito por três figuras femininas, estas, representações do arquétipo materno que, em conjunção com o elemento da água, constroem um aparato simbólico voltado para o feminino e capacitam a protagonista a continuar a sua caminhada em busca de sua ascensão, o fim de seu processo de individuação.

A anima e o fim do processo de individuação Nota-se que a escolha de aspectos simbólicos em The Odyssey (2016) relacionam-se e, juntos, remetem diretamente ao aspecto feminino (a água e o arquétipo materno). Em What Kind of Man (capítulo um), Florence nega todos os homens que a cercam, lutando contra eles para, no final, se desvincular dessas figuras, sendo assim, uma forma de conferir menor ênfase ao seu aspecto masculino. Em contrapartida, a cantora busca em referenciais femininos a sua purificação, nota-se que o ritual sagrado do batismo é realizado nas águas e feito por mulheres que representam o arquétipo materno. Para Jung (2017), todo indivíduo apresenta dentro de si um aspecto feminino e um aspecto masculino, o qual o autor chama, respectivamente, de anima e animus. Esses arquétipos da essência feminina e masculina carregam consigo caracterizações. A anima costuma ser mais artística, sensitiva e delicada, enquanto o animus é mais voltado para o mundo prático, estratégico e com menor ênfase em sentimentos. Entende-se que Florence está em busca de seu poder feminino (anima) em duas etapas, a primeira como mostrado em What Kind of Man, quando a cantora nega a

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figura masculina que a cerca, sendo uma forma de conferir menor ênfase ao seu animus, e a segunda, em How Big How Blue How Beautiful, quando batizada pelas figuras femininas nas águas de um oceano. O acidente, nesta perspectiva, serve também com uma quebra com este aspecto masculino que se torna hostil na vida da cantora. Na escolha de focar em si mesma, a personagem acaba por excluir o seu amante, negando, simultaneamente, seu animus. Na perspectiva do processo de individuação, Jung (2017) apresenta que este só se torna eficaz quando se equilibra a anima com o animus. O que se analisa em The Odyssey (2016) é que a personagem de Florence não o finaliza por completo, visto o notável foco em sua anima através dos elementos simbólicos que remetem ao feminino. Contudo, isto era esperado por Jung (2017), quando o mesmo diz que o inconsciente coletivo, uma espécie de camada mais profunda da psique que é constituída por arquétipos comuns a todos os seres humanos, é maior que o “eu”. O processo de individuação seria concluído se a cantora estabelecesse um equilíbrio entre sua anima e animus para elevar sua consciência acima do que a mesma entende sobre si, entrando em contato com o todo. Ao final de The Odyssey (2016) nota-se que este foco em sua anima não fora proposital. No capítulo 8 (Delilah), a cantora faz as pazes com o seu passado, revendo situações problemáticas e entendendo sua culpa e para se desvincular deles, quando, numa espécie de luta contra várias figuras que podem ser entendidas como seus problemas antigos, a mesma não só vence, como ascende após sua vitória, completando a mudança de estado iniciada quando ela ultrapassou a ponte no capítulo 2 (How Big How Blue How Beautiful). No primeiro capítulo (What Kind Of Man), a cantora sofre um acidente de carro, em Delilah e Third Eye, oitavo e último capítulo, respectivamente, Florence encontra-se em cima de um carro em movimento, sugerindo o seu desprendimento com seus traumas para seguir em frente. Third Eye se inicia com a protagonista sendo levada – no colo – por uma figura masculina, que a coloca no chão quando eles chegam a determinado ponto no meio de uma rua qualquer. Esta figura pode ser entendida como uma metáfora para o momento de repentino, causado principalmente pelo seu amante, sendo ele – indiretamente – o estopim do início de sua odisseia. Depois de deixada na rua, Florence o repreende, como fez com todas as figuras masculinas que estavam presentes no média-metragem, reforçando o seu afastamento do

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animus. Com uma mensagem positiva na letra de Third Eye (Ei, olhe para cima, não faça uma sombra de si mesmo, sempre tampando a luz 6), a cantora inicia uma caminhada que a levará até os palcos, onde ela se reencontrará como performance, dançarina e amante, mas desta vez, da música. Entende-se que a sua busca não era, necessariamente, pelo equilíbrio entre o animus e a anima, mas sim o reencontro com a sua essência feminina que retoma todo o seu aspecto artista. Essa identidade artística é carregada pela anima e alcançada por Florence ao final de sua jornada, onde o sensível para performar e retomar seu amor pela música é feito a partir do afastamento do animus, projetado na figura masculina durante a sua odisseia. No entanto, para chegar neste resultado, Florence travou caminhos que se assemelham com o processo de individuação, o qual, não fora concluído conforme o exposto por Jung, mas que, para a cantora, em The Odyssey (2016), gerou o resultado esperado: transformar sua odisseia em arte nos palcos.

Considerações Finais Como disse Vincent Haycock, diretor e co-escritor de The Odyssey (2016), o média-metragem é “uma jornada metafórica para se livrar de seus demônios, confrontar você mesmo” e voltar ao seu “eu” original, ou seja, entrar em contato com sua essência. Para Jung (2017), todo ser humano está ou entrará no processo de individuação, o qual, em tese tem como objetivo adentrar o inconsciente coletivo se desvinculando do seu “eu”. Florence, nesta jornada, optou por – através do processo de individuação – dar maior ênfase na sua anima, essência relacionada com o seu lado artístico e feminino, sendo este apenas um dos meios para se conseguir este resultado, mas que fora escolhido pela cantora. Percebe-se que, através da busca por si mesma, Florence também supera o seu término amoroso, colocando-se como resposta para suas dores e enfrentamentos. Isto é visível quando, como exposto por Jung (2017), ao ter o inconsciente inundando o consciente com determinados pensamentos, a cantora começa a apresentar dificuldades para se expressar, justificando o gesto dos dois dedos. Ao final de The Odyssey (2016), a líder do Florence + The Machine, ascende aos palcos como uma performance e cantora, expressando-se como tal. Sugerindo que a sua nova forma de comunicação é a música e não mais o gesto dos dois dedos que representavam a cantora no início de sua

6Hey, look up, don’t make a shadow of yourself, always shutting out the light

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odisseia, mas não a representam no final dela, porque Florence descobriu sua voz no seu processo de se descobrir. The Odyssey (2016) é uma jornada de um ser humano em busca de si mesmo, apresentando os desdobramentos, enfrentamentos e a ascensão da cantora alcançada nos palcos. Este artigo teve como objetivo principal mostrar uma das possíveis interpretações aspectos simbólicos apresentados no média-metragem, através do entendimento do processo de individuação tendo a água e os arquétipos femininos (sendo o materno o mais latente) como mediadores da odisseia da protagonista.

Referências bibliográficas

BACHELARD, G. (1998). A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo: Martins Fontes.

CHEVALIER, J. & GHEERBRANT, A. - Dicionário de símbolos. 30ª ed. Rio de Janeiro: Ed. José Olympio, 2017.

JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 2017.

JUNG, C. G. O eu e o inconsciente. Petrópolis: Vozes, 2017.

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