O comportamento agressivo em formigas não varia em resposta à disponibilidade de alimento

Ricardo Dobrovolski, Kátia Fernanda Rito Pereira, Bruno Cid Crespo Guimarães, Gláucia Maria Alves de Oliveira

Introdução sua defesa (Carpenter & MacMillen A aptidão de um é, em 1976). Se um animal encontra certa parte, baseada em sua habilidade de quantidade de recurso, será vantajoso balancear os riscos e os benefícios de para ele defendê-lo se este for escasso e suas atividades (Abrams 1991). se o retorno energético do recurso for Particularmente, no que diz respeito aos maior que o retorno caso ele seja custos do forrageio, a teoria do compartilhado. Sendo o recurso forrageamento ótimo prediz que para abundante, os indivíduos podem uma estratégia de forrageamento ser acumular muita energia, mesmo que selecionada, os benefícios trazidos por haja compartilhamento. Nesse caso, a ela devem ser maiores que os custos defesa deveria ser abandonada quando (Charnov 1976). Neste contexto, o há muito recurso (Davies & Houston comportamento territorial também pode 1984). ser visto como uma estratégia de Diferentes espécies de formigas forrageio quando envolve a defesa de consomem recursos semelhantes recursos alimentares (Adams 2001). (Davidson 1998). Conseqüentemente, a Nesta situação, os benefícios podem agressão entre diferentes espécies e o provir da aquisição de mais alimento ou comportamento de defesa durante o de alimentos de maior qualidade. Os acesso ao alimento são comuns (Wilson custos, por outro lado, podem vir do 1971). Formigas já mostraram patrulhamento e defesa da mancha de alterações na ocupação do espaço em alimento (Ostfeld 1990; Praw & Grant função da disponibilidade de recurso 1999). alimentar (McGlynn et al. 2002). O equilíbrio energético entre Portanto, formigas são capazes de custos e benefícios do comportamento perceber alterações na disponibilidade territorial é regido pela disponibilidade de alimento. Neste sentido, este trabalho do alimento e pelo custo energético de propõe-se a avaliar a hipótese de que a 1

defesa de recursos em formigas é maior quantidades de recurso de forma quando a disponibilidade de recursos é alternada. Oferecemos as iscas sobre baixa. folhas de tamanhos semelhantes de uma planta local. Essas folhas não Métodos permitiram que o recurso pudesse ser Desenvolvemos este estudo na acessado pelas formigas sob a folha, de Fazenda Dimona (2º 20’S/60º 06’O) maneira que pudemos observar todas as pertencente ao Projeto Dinâmica interações entre as formigas na face Biológica de Fragmentos Florestais superior da folha. (INPA/Smiththsonian), localizada a 90 Observamos cada ponto amostral km ao norte de Manaus (AM). A por 15 minutos depois de colocar a isca. floresta da região é caracterizada como Neste período, avaliamos a ocorrência de terra firme não sujeita a inundação. de comportamento agressivo entre as Realizamos este estudo em uma área de diferentes espécies de formigas que floresta em regeneração na formação chegavam ao local. Consideramos a caracterizada como floresta de platô que interação agressiva quando alguma foi utilizada como área de pastagem há formiga de uma espécie encostava-se a aproximadamente 20 anos. A uma formiga de uma espécie diferente precipitação anual é de 2600 mm e a sobre a folha e promovia a sua temperatura média mensal é de 26,7 °C expulsão. (Bierregaard et al. 2001). Avaliamos a diferença na Para avaliar se o comportamento freqüência de ataque entre os dois tipos agressivo das formigas é influenciado de armadilha com o teste do qui- pela disponibilidade de recursos, quadrado. Consideramos a quantidade estabelecemos 20 pontos amostrais de isca como variável independente e a distantes 10 m entre si. Em cada ponto presença de interações agressivas como amostral, colocamos iscas compostas de variável dependente. Se a nossa sardinha e farinha de mandioca em duas hipótese estiver correta, esperamos que quantidades: muito recurso a ocorrência de comportamento (aproximadamente 10 g) e pouco agressivo seja mais freqüente em iscas recurso (aproximadamente 3 g). com menos alimento. Dispusemos as iscas com diferentes

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Resultados abundância resulte em alta intensidade Registramos a presença de de competição. Nesse sentido, é formigas nos vinte pontos de possível que as formigas sejam sempre amostragem, sendo que em onze agressivas, pois historicamente a observamos mais de uma morfoespécie. disputa pelo alimento sempre foi Considerando todos os pontos, a intensa. Alternativamente, as iscas que proporção de comportamento agressivo usamos são fonte de proteína, um foi semelhante entre iscas com muita recurso de alta qualidade e menos (40%) e pouca quantidade de recurso freqüente do que carboidratos no

(30%) (χ²1 = 0,22; p = 0,639). ambiente (Omena 2009). Por ser mais Considerado apenas as amostras onde raro, é possível que a presença de ocorreram mais de uma morfoespécie, a recursos ricos em proteínas nas iscas proporção de comportamento agressivo aumentem as chances de haver defesa também foi semelhante entre iscas com do mesmo. muita (67%) e pouca quantidade de O fato de termos observado a recurso (60%) (χ²1 = 0,052; p = 0,819). ocorrência de apenas uma espécie de formiga em nove das vinte iscas indica Discussão que algumas espécies podem evitar Nossos dados indicam que o manchas de recursos que já contêm comportamento agressivo em formigas outras. Eventualmente, formigas que não se altera em resposta à dominam o recurso com grande número disponibilidade de alimento. Além de indivíduos podem liberar sinais disso, como na maioria dos pontos onde químicos que servem de pista para houve mais de uma espécie também outras espécies que evitam a houve comportamento agressivo, aproximação. De fato, existem relatos podemos concluir que, no geral, as de que formigas liberam sinais químicos formigas sempre defendem o recurso. quando encontram alimento ou quando Sabe-se que 70% da biomassa animal estão interagindo agressivamente em florestas tropicais é representada por (Buschinger & Maschwitz 1984 apud formigas (Leal 2003). Como muitas Dornhaus & Powell 2010). espécies desse grupo utilizam os Podemos concluir que o mesmos recursos, pode ser que a alta comportamento agressivo das formigas

3

não está relacionado com a Davies, N. B. & A.I. Houston. 1984. disponibilidade de recurso, mas pode Territory economics pp. 148-169. possuir relação com a competição por In: Behavioral ecology: an um recurso de maior qualidade. Sendo evolutionary approach (Krebs, R. & assim, sugerimos que outros trabalhos N.B. Davies, eds.). Sunderland: avaliem a qualidade do recurso como Sinauer associates. fator preditor do comportamento Davidson, D.W. 1998. Resource agressivo. discovery versus resource domination in ants: a functional Referências mechanism for breaking the trade- Abrams, P.A. 1991. Life history and the off. Ecological Entomology, relationship between food 23:484-490. availability and foraging effort. Dornhaus, A. & S. Powell. 2010. Ecology, 72:1242-1252. Foraging and defense strategies, pp. Adams, E.S. 2001. Approaches to the 210-230. In: Ant ecology (Lach, L., study of territory size and shape. C.L. Parr & K.L. Abbott, eds.). Annual Review of Ecology Oxford: Oxford University Press. and Systematics, 32:277-303. Leal, I.R. 2003. Diversidade de Bierregaard, R.O., C. Gascon, T.E. formigas em diferentes unidades Lovejoy & R.C.G. Mesquita. 2001. de paisagem da Caatinga. In: Lessons from Amazonia: the Ecologia e conservação da Ecology and Conservation of a Caatinga (Leal, I.R., M. Tabarelli Fragmented Forest. London: Yale & J.M.C. Silva, eds.). Recife: University Press. Editora Universitária da UFPE. Carpenter, L. & R.E. MacMillen. 1976. Omena, P.M. 2009. Amigos amigos, Threshold model of feeding negócios à parte: uso de recursos territoriality and test with a ricos em nitrogênio por duas hawaiian honeycreeper. Science, espécies de formigas parabióticas. 194:639-642. In: Livro do curso de campo Charnov, E.L. 1976. Optimal foraging: “Ecologia da Floresta Amazônia” attack strategy of a mantid. (F. Pinto, G. Machado, J.L. American Naturalist, 110:141-151.

4

Camargo & P. E. C. Peixoto, eds.). affects demography of the Costa Manaus: PDBFF/INPA. Rican ant Aphaenogaster Ostfeld, R.S. 1990. The ecology of araneoides. Journal of Tropical territoriality in small mammals. Ecology, 18:231-244. Trends in Ecology and Evolution, Praw, J.C. & J.W.A. Grant. 1999. 5:411-415. Optimal territory size in the convict McGlynn, T.P., J.R. Hoover, G.S. cichlid. Behaviour, 136:1347-1363. Jasper, M.S. Kelly, A.M. Polis. Wilson, E.O. 1971. The societies. C.M. Spangles & B.J. Watson. Cambridge: Belknap Press. 2002. Resource heterogeneity

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Os traços ecológicos podem predizer a abundância relativa de espécies em Melastomataceae?

Bruno Barçante Ladvocat, Thiago Gechel Kloss, Camila Vieira, Alêny Lopes Francisco

Introdução determinantes na raridade ou A maior parte das espécies abundância das espécies no ambiente. existentes são incomuns ou raras, fato De acordo com a Teoria de que atrai atenção especial dos cientistas Nicho (Hutchinson 1959), estratégias sobre as causas e consequências adaptativas são selecionadas por ecológicas da distribuição e abundância processos de partição de nicho que das espécies (Hubbell 2001). As teorias ocorrem em resposta à competição entre desenvolvidas na tentativa de elucidar as espécies ancestrais, fenômeno este os mecanismos que resultam em conhecido como “fantasma da raridade ou abundância das espécies são competição passada” (Connel 1980). divididas basicamente em Este fenômeno resulta na evolução de determinística e neutra. A teoria neutra diferentes traços funcionais parte do pressuposto básico de que característicos de cada espécie, que todas as espécies possuem igual estão associados a diferentes demandas capacidade de colonizar os ambientes, conflitantes presentes nos ambientes sendo limitadas apenas por eventos que ocupam. Desta forma, uma das estocásticos associados à dispersão maneiras de se elucidar questões sobre (Hubbell 2001). A teoria determinística raridade e abundância das espécies é mais antiga é a Teoria de Nicho estudando os mecanismos biológicos (Hutchinson 1959), que presume que ligados aos traços funcionais presentes espécies possuem estratégias em cada espécie, que refletem a história adaptativas especializadas relacionadas de vida e evolução das plantas (Wright a demandas conflitantes. Essas et al. 2007). demandas conflitantes serão Traços funcionais se referem a características morfológicas,

0 fisiológicas e fenológicas das espécies, filogenética está relacionada à que podem ser selecionadas em resposta similaridade de nichos. a demandas conflitantes do ambiente. A combinação dos traços funcionais das Métodos espécies representam suas estratégias Área de estudo ecológicas (Westoby 1998). Essas Desenvolvemos este estudo em estratégias variam em função das uma área de floresta de terra firme do demandas conflitantes, pois quando os “Projeto Dinâmica Biológica de recursos são limitados, organismos Fragmentos Florestais” na Amazônia devem optar por alocar recursos para Central, localizada na Fazenda Dimona reprodução, armazenamento de energia (2º20’S-60º06’O) a 90 km ao norte de e/ou crescimento (Leishman & Murray Manaus (AM). Trata-se de uma área sob 2001). Desta forma, as estratégias efeito de fragmentação experimental, ecológicas podem definir as onde ao se desmatar a floresta para a abundâncias das espécies em um criação de pastos foram deixados ambiente. fragmentos de 1, 10 e 100 ha. Desde o Nosso objetivo foi avaliar a primeiro desmatamento, a matriz que se hipótese de que o investimento em desenvolveu entre os fragmentos já foi crescimento e em vigor competitivo por retirada algumas vezes, tendo decorrido luz está relacionado com a abundância aproximadamente 10 anos desde a ou raridade das espécies no ambiente. última vez. Para avaliar essa hipótese testamos a previsão de que a área foliar relativa e a Coleta de dados altura máxima dos indivíduos estão Na borda do fragmento de 100 diretamente relacionadas com a ha, quantificamos o número de abundância relativa de cada espécie na indivíduos de cada espécie de comunidade. Para isso, utilizamos como Melastomataceae em 12 parcelas modelo de comunidade, espécies de amostrais de 4 x 10 m, distanciadas 20 Melastomataceae de uma floresta m entre si. Estabelecemos as parcelas tropical secundária, partindo do adjacente à borda do fragmento, onde o pressuposto que a proximidade número de espécie de Melastomataceae era satisfatório para análise (observação

1 pessoal). A razão do número de seguida pesamos as folhas secas e indivíduos de cada espécie em relação calculamos a média por espécie para ao número total de indivíduos obtermos a razão entre área foliar e peso corresponde à abundância relativa de seco, expressa em cm2.g-1. cada espécie. Identificamos as espécies de acordo com Ribeiro et al. (1999). Análise estatística Medimos a altura dos indivíduos Para testar se as variáveis altura com fita métrica para plantas baixas e e área foliar específica de espécies de utilizamos o método da estimativa Melastomataceae influenciam a visual para plantas altas. Na estimativa abundância relativa das espécies no visual, um pesquisador ficou ambiente, realizamos uma análise de posicionado na base da planta, para regressão múltipla. Consideramos como servir como referência de altura para variável dependente a abundância outro pesquisador, que a estimou. relativa das espécies e como variáveis Adotamos como altura da espécie o independentes a altura da planta e área maior valor encontrado nas parcelas. foliar específica. Para calcular a área foliar específica, coletamos folhas de alguns Resultados indivíduos encontrados nas parcelas e Encontramos 414 indivíduos de sorteamos cinco dessas folhas de cada Melastomataceae distribuídos em 13 espécie . Em seguida retiramos de cada espécies. Miconia nervosa foi a espécie folha uma área de 16 cm2 ou 36 cm2 e que apresentou maior abundância padronizamos os cortes apenas no relativa (Figura 1). A área foliar limbo, excluindo a nervura central. As específica e a altura máxima das diferentes áreas foram necessárias espécies não foram bons preditores da devido à variação no tamanho das abundância de Melastomataceae (R2= folhas. Secamos no forno as cinco áreas 0,31; F(2,10)= 2,26; p=0,15; Figura 2). foliares retiradas de cada espécie. Em

2

0,7

0,6

0,5

0,4

0,3

0,2 abundância relativa 0,1

0

Figura 1. Abundância relativa das espécies de Melastomataceae em uma borda de fragmento na Fazenda Dimona, Amazônia Central.

0,7 A

0,6

0,5

0,4

0,3

0,2

0,1

0,0 Resíduo da abundância relativa abundância da vs. alturaResíduo -0,1 resíduo da abundância relativa vs. altura resíduo da abundância

-0,2 0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 240 260 áreaÁrea foliar foliar específica específica (cm (cm2.g2/g)-1)

1

0,6

0,5

0,4

0,3

0,2

0,1

0,0

-0,1 Resíduoda abundância relativa vs. área foliar específica -0,2 0 200 400 600 800 1000 1200 Altura máxima (cm)

Figura 2. Regressão do resíduo da abundância relativa de 13 espécies de Melastomataceae em uma borda de fragmento na Amazônia Central com: A) área foliar específica excluindo o efeito da variável preditora altura máxima da planta B) altura máxima excluindo o efeito da variável área foliar específica (g/cm2).

Discussão hipótese inicial. Este resultado difere da Nós avaliamos traços funcionais maioria dos resultados encontrados por associados ao crescimento e competição outros autores que correlacionam traços por luz entre indivíduos de diferentes funcionais ao padrão de distribuição das espécies de Melastomataceae, como espécies no ambiente (Laughlin et al. preditores da abundância destas 2010, Westoby 1998, Wright et al. espécies. Não encontramos nenhuma 2007). evidência de que a área foliar específica A área foliar específica está e a altura máxima destas espécies associada a demandas conflitantes estejam relacionadas com sua relacionadas com a rápida aquisição de abundância relativa, refutando nossa recursos e substituição de biomassa ou

2 baixa taxa de crescimento e alta preditores da sua abundância relativa, conservação de recursos adquiridos suas populações devem ser reguladas (Wright et al. 2007). A baixa variação principalmente por fatores de dispersão deste parâmetro entre as espécies e estocasticidade ambiental. Estes traços estudadas indica que elas podem favorecer algumas espécies a se provavelmente aproveitam a luz de estabelecerem em novos ambientes, forma similar, não havendo partição de porém não são fundamentais para nicho entre elas (Leishman & Murray determinar padrões de abundância e 2001). estabelecimento de dominância de A altura representa uma espécies de Melastomataceae. demanda conflitante de que quando uma espécie investe muita energia em Agradecimentos crescimento vertical, menos energia Agradecemos ao Prof. Dr. acaba sendo alocada para defesas Marcus Cianciaruso pela orientação, à metabólicas e aquisição de outros Daniele Kasper e Júnior, pelo imenso recursos até que se atinja a altura apoio no desenvolvimento do trabalho. máxima (Westoby 1998, Wright et al. 2007). Apesar de outros autores terem Referências descrito a altura como responsável por Chu, C.J., Y.S. Wang, G.Z. Du, F.T. grande variação funcional entre espécies Maestre, Y.J. Luo & G. Wang. tropicais (Laughlin et al. 2010, Westoby 2007. On the balance between 1998, Wright et al. 2007), este padrão niche and neutral processes as não pode ser extrapolado para todas drivers of community structure elas. along a successional gradient: As espécies de Melastomataceae insights from alpine and sub-alpine estudadas neste trabalho apresentaram meadow communities. Annals of equivalência ecológica com relação à Botany, 100:807–812. utilização da luminosidade. Este Connel, J.H.1980. Diversity and the resultado indica uma relação neutra coevolution of competitors, or the entre as espécies estudadas (Chu et al. gost of competition past. Oikos, 2007, Hubbell 2001), pois se os traços 35:131-138. funcionais das espécies não são bons

1

Hubbell, S.P. 2001. The unified neutral L.H.P. Martins, L.G. Lohmann, theory of biodiversity and P.A.C.L. Assunção, E.C. Pereira, biogeography. Princeton C.F. Silva, M.R. Mesquita & L.C. Monographs in Population Biology. Procópio. 1999. Flora da reserva New Jersey: Princeton University Ducke: guia de identificação das Press. plantas vasculares de uma floresta Hutchinson, G.E. 1959. Concluding de terra‐firme na Amazônia remarks. Cold Spring Harbor Central. Manaus: INPA‐DFID. Symposium. Quantitative Biology, Westoby, M. 1998. A leaf-height-seed 22:415-427. (LHS) plant ecology strategy Laughlin, D.C., J.J. Leppert, M.M. scheme. Plant and Soil, 199:213- Moore & C.H. Sieg. 2010. A multi- 227. trait test of the leaf-heigth-seed Wright, I.J., D.A. Ackerly, F. Bongers, plant strategy scheme with 133 K.M. Harms, G. Ibarra-Manriquez, from a pine forest flora. M. Martinez-Ramos, S.J. Mazer, Functional Ecology, 24:493-501. H.C. Muller-Landau, H. Paz, Leishman, M.R. & B.R. Murray. 2001. N.C.A. Pitman, L. Poorter, M.R. The relationship between seed size Silman, C.F. Vriesendorp, C.O. and abundance in plant Webb, M. Westoby & S.J. Whright. communities: model predictions 2007. Relationships among and observed patterns. Oikos, ecologically important dimensions 94:151-161. of plant trait variation in seven Ribeiro, J.E.L.S., M.J.G. Hopkins, A. neotropical forests. Annals of Vicentini, C.A. Sothers, M.A.S. Botany, 99:1003-1015. Costa, J.M. Brito, M.A.D. Souza,

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Há efeito da temperatura sobre a co-ocorrência de espécies de formiga em uma floresta tropical?

Demétrius Martins, Laura C. Leal, Sara Lodi & André Mendonça.

Introdução espécies que co-ocorrem com as A competição interespecífica dominantes e não apresentam estas pode determinar o uso e partilhamento características são consideradas de recursos em uma comunidade subordinadas e normalmente (Schroener 1974). Normalmente, apresentam estratégias alternativas para espécies que conseguem explorar um obtenção de recursos (Andersen 1992). mesmo tipo de recurso de maneiras Um exemplo dessas estratégias é o diferentes apresentam maior comportamento de infiltração, no qual probabilidade de coexistência. Por outro alguns indivíduos de uma espécie lado,epécies semelhantes nas estratégias subordinada se infiltram entre as de uso dos recursos competirão entre si dominantes usando uma pequena fração e as que forem competitivamente dos recursos disponíveis (Parr & Gibbs superiores excluirão as menos aptas a 2010). obter o recurso. Assim, a competição A relação entre espécies interespecífica pode determinar a dominantes e subordinadas pode ser distribuição e coexistência das espécies influenciada por fatores ambientais. em comunidades (Dayan & Simberloff Esta influência pode ocorrer por um 2005). efeito fisiológico direto resultante da Espécies com respostas a tolerância de cada espécie a variações estímulos ecológicos que as permitem microclimáticas (De Bie & Hewitt obter um recurso com maior facilidade 1990). Em particular, quando espécies podem ter maior vantagem competitiva competidoras são submetidas a uma (Gotelli & MacCabe 2002; Andersen condição limitante, as espécies 1992). Animais serão competitivamente dominantes podem deixar de utilizar o superiores e considerados dominantes recurso como uma forma de reduzir o quando apresentarem características que estresse fisiológico. Em consequência, permitam o monopólio dos recursos, espécies subordinadas podem se arriscar como comportamento agressivo ou sob essa condição adversa e utilizar o recrutamento em massa. As demais

recurso (Andersen 1995; Bestelmeyer 2000). Formigas apresentam variação térmica no sub-bosque ao comportamento hierárquico em relação longo do dia devido à cobertura de ao uso de recursos, onde espécies dossel estratificado. A segunda área é dominantes monopolizam os recursos uma capoeira em regeneração há 20 enquanto espécies subordinadas anos, que apresenta maior variação desenvolvem estratégias alternativas térmica ao longo do dia, quando para ter acesso ao mesmo recurso. Entre comparada à floresta contínua. os fatore climáticos que podem afetar a Em cada tipo de floresta hierearquia de dominancia em formigas, distribuimos 10 iscas de sardinha a temperatura é um dos mais distantes pelo menos 10 m entre si, em importantes, pois a mirmecofauna é dois horários entre 07:30 h e 07:50 h e sensível ao dessecamento. Desta forma, entre 11:00 h e 11:20 h. Colocamos as temperaturas altas podem influenciar a mesmas quantidades de iscas sobre estratégia de forrageamento de formigas folhas de serrapilheira. Descartamos (Cerdá et al. 1997, 1998). Assim, temos folhas com fissuras ou furos para evitar como objetivo responder como a o acesso das formigas por baixo da temperatura influencia a co-ocorrência folhas. Após 40 minutos de exposição, de espécies de formiga em uma floresta recolhemos todas as formigas que tropical. Nossa hipótese é que a estavam sobre a isca ou folha e elevação da temperatura do ambiente contamos o número de espécies e de quebra a hierarquia de exploração dos indivíduos em cada isca. recursos pelas formigas devido à saída Classificamos a abundância total das dominantes. por isca para evitar enviesamento por valores extremos (Andersen 1995). As Métodos classes de abundância variaram de um a Desenvolvemos este estudo em seis, sendo que classe 1 contêm 1 uma área de floresta de terra firme na indíviduo, a classe 2 de 2 a 5, a classe 3 Amazônia Central, localizada na de 6 a 10, a classe 4 de 11 a 20 e a Fazenda Dimona, a 80 Km ao norte de classe 6, mais de 50 indivíduos. Manaus (2º20’S-60º06’O), em duas Analisamos a variação na riqueza e nas áreas com estruturas vegetacionais classes de abundância entre as duas distintas. A primeira compreende uma áreas e os horários de coleta usando floresta contínua que possui menor uma ANOVA fatorial. Adotamos como

variável resposta riqueza e classe de co-ocorrência de espécies de formigas abundância de formigas e como variável em 50% das iscas, e na floresta em explanatória horário de coleta e área. Se apenas 15%. Na floresta, 75% das iscas a nossa hipótese estiver correta, tiveram abundância entre as classes 5 e esperamos que na área de floresta 6, enquanto que na capoeira, 25% das contínua, a riqueza não se altere com o abundâncias estiveram entre esses horário de coleta devido à baixa valores. variação térmica, enquanto que na O número de espécies por isca e capoeira, a riqueza aumente com o a abundância foram similares nos dois aumento do horário de coleta. horários de coleta em cada área (Tabela 1, Figuras 1 e 2). No entanto, na área de floresta encontramos menor riqueza de Resultados espécies e maior abundância de Observamos de uma a três indivíduos por isca quando comparada à espécies de formigas por isca em cada área de capoeira (Tabela 1). área. Na área de capoeira observamos

Tabela 1: Resultado da ANOVA fatorial para riqueza de espécies e classe de abundância nas duas áreas amostradas e nos dois horários de coleta. (QM) significa soma de quadrados e (SQ) quadrado médio. Resposta Efeito SQ QM gl F p Horário do dia 0,400 0,400 1 0,742 0,395 Riqueza Área 0.400 2,500 1 4,649 0,048 Interação horário*área 1,600 1,600 1 2,979 0,093 Resíduo 19,400 0,539 36 Horário do dia 0,100 0,100 1 0,031 0,860 Classes de Área 28,900 28,900 1 9,063 0,005 abundância Interação horário*área 0,100 0,100 1 0,031 0,860 Resíduo 114,800 3,189 36

3

3.0

2.4

1.8

Número espécies de 1.2

0.6 Começo da manhã Final da manhã Período Figura 1: Número médio de espécies de formigas por iscas de sardinha oferecidas em dois horários do dia em áreas de floresta (quadrado) e capoeira (triângulo) na Amazônia Central. Pontos representam a média e barras indicam o erro padrão.

7,0

5,5 a ci ân d n u b A4,0 e d e s la C 2,5

1,0

Começo da manhã Final da manhã

Período

Figura 2: Média das classes de abundância de formigas por iscas de sardinha oferecidas em dois horários do dia em áreas de floresta (quadrado) e capoeira (triângulo) na Amazônia Central. Pontos representam a média e barras indicam o erro padrão. 3

Discussão uma condição adversas e, assim, o Nossos resultados indicam que a comportamento hierárquico é mantido. temperatura isoladamente não é um Nossos resultados indicam que a fator importante para a co-ocorrência de co-ocorrência de espécies de formigas é espécies de formigas que visitam iscas maior em áreas de capoeira em florestas contínuas e capoeiras. O independente de variações térmicas. aumento do número de espécies de Áreas com menor cobertura vegetal, formigas por isca mediado pela como a capoeira, apresentam menor amplitude térmica foi observado no riqueza e abundância de formigas (Leal Mediterrâneo, onde temperaturas 2003). Isto faz com que a competição extremas podem limitar a ocorrência de por recursos entre essas espécies seja algumas espécies (Cerdá et al. 1997, menor. Desta forma, formigas 1998). No nosso sistema de estudo, esse dominantes e subordinadas podem padrão não foi encontrado competir menos pelos recursos em áreas possivelmente porque a variação com menor cobertura vegetal e as térmica em florestas é menor que a dominantes podem reduzir a defesa dos observada no Mediterrâneo. recursos nessas áreas. A pressão competitiva pode ser A manutenção do outro fator responsável pela manutenção comportamento hierárquico entre do comportamento hierárquico de formigas na utilização de recursos em formigas na utilização de recursos florestas pode ser especialmente mesmo sob condições adversas. Durante importante para espécies subordinadas. a exploração de um recurso, formigas A redução da atividade de formigas dominantes encontram uma demanda dominantes em condições conflitante entre obter o recurso e se fisiologicamente limitantes cria uma proteger de uma condição limitante que janela de oportunidade para exploração pode reduzir suas chances de de recursos pelas subordinadas. No sobrevivência. Na floresta amazônica, entanto, se a hierarquia é sempre formigas representam 70% da biomassa mantida, formigas subordinadas podem viva acima do solo. Por isso é provável sofrer maior pressão seletiva em que a intensidade de competição entre habitats de florestas tropicais. Desta elas seja alta. Desta forma, pode ser forma, é importante compreender quais mais vantajoso investir na defesa e uso estratégias adotadas por esse grupo para do recurso, do que na proteção contra maximizar a exploração de recursos

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monopolizados por formigas community. Journal of Animal dominantes em florestas. Ecology, 69:998-1009. Cerdá, X., J. Retana & S. Cross. 1997. Thermal disruption of transitive Agradecimentos hierarchies of Mediterranean ant Agradecemos inicialmente ao communities. Journal of Animal PDBFF, pela infraestrutura fornecida. Ecology, 66:363-374. Ao Fabrício (vulgo Mr. Pra que?!) Cerdá X., J. Retana & A. Manzaneda. agradecemos pela orientação no projeto, 1998. The role of competition by e por nos mostrar que a floresta dominants and temperature in the amazônica pode ser realmente quente ao foraging of subordinate species in meio dia. Ao Paulo Enrique (nosso Mediterranean ant communities. Rainbow Master), somos gratos pelos Oecologia, 117:404-412. auxílios com a discussão e pelos Dayan, T. & D. Simberloff. 2005. momentos “ partoba”. Ecological community-wide character displacement: the next Referências Bibliográficas generation. Ecology Letters, 8:875- Andersen, A.N. 1992. Regulation of 894. ‘momentary’ diversity by dominant De Bie, G. & P.H. Hewitt. 1990. species in exceptionally rich ant Thermal responses of the semi-arid communities of Australian seasonal zone ants Ocymyrmex weitzeckerii tropics. American Naturalist, (Emery) and Anoplolepis 140:401-420. custodiens (Smith). Journal of Andersen, A.N. 1995. A classification Entomological Society of South of Australian ant communities Africa, 53:65-73. based on functional groups which Gotelli, N.J. & D.J. MacCabe. 2002. parallel plant life forms in relation Species co-occurrence: a meta- to stress in disturbance. Journal of analysis of J. M. Diamond’s Biogeography, 22:15-29. assembly rules model. Ecology, Bestelmeyer, B.T. 2000. The trade-off 83:2091-2096. between thermal tolerance and Leal. I.R. 2003. Diversidade de behavioral dominance in a formigas em diferentes unidades de subtropical South American ant paisagem na Caatinga. In: Ecologia e conservação da Caatinga (I.R.

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Leal, M. Tabarelli & J.M.C., Silva ecology (L. Lach, C.L. Parr & K.L. eds.). Recife: Editora Universitária Abbott, eds.). Oxford: Oxford da UFPE. University Press. Parr, C.L. & H. Gibbs. 2010. Schroener, T.W. 1974. Resource Competition and the role of partitioning in ecological dominant ants, pp. 96-115. In: Ant communities, Science, 185:27-39.

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Formigas defendem Psychotria brachybotrya (Rubiaceae) contra o ataque de herbívoros?

Rodrigo Marciente; Gabriela Arcoverde; Thallita de Grande e Thiago Amorim

Introdução 2008). Interações mirmecofílicas Cerca de 50% das espécies de ocorrem em pelo menos 130 espécies insetos das florestas tropicais são vegetais nas regiões tropicais. Os herbívoros (Almeida-Cortez et al. principais aspectos estudados são a 2004). O impacto do ataque dos especificidade da mirmecofilia, os herbívoros favorece a coexistência de efeitos sobre a planta e a variação espécies vegetais por controlar temporal do comportamento de defesa populações de espécies generalistas e das formigas em função da impedir que elas dominem a disponibilização dos recursos por parte comunidade (Wright 2002). Dessa da planta (Holldobler & Wilson 1990). forma, em resposta a pressão de Há evidência da presença de herbivoria exercida pelos herbívoros, as formigas em infrutescências de plantas podem adotar diversas Psychotria brachybotrya (Rubiaceae). estratégias de defesa (Almeida-Cortez et Esta espécie é um arbusto de al. 2004). Por exemplo, o crescimento aproximadamente 1,5 m de altura com rápido de folhas novas, a produção de distribuição agregada. Ocorre compostos secundários (defesa direta) principalmente em platôs e vertentes da ou a associação com formigas (defesa bacia Amazônica. Possui folhas glabras indireta), denominada mimercofilia com nervuras salientes em ambas as (Coley & Barone 1996). faces, inflorescências e infrutescências Na mimercofilia as colônias de de aproximadamente 10 cm de formigas se beneficiam com a comprimento, dotadas de brácteas e disponibilidade de abrigo ou recurso inseridas em ramos terminais do arbusto alimentar proporcionados pela planta, (Ribeiro et al. 1999). Apesar da enquanto a planta se beneficia da defesa presença de formigas em suas que as formigas exercem sobre ela infrutescências, não há evidências se (Oliveira & Freitas 2004; Schaller esta ocorrência caracteriza-se como um 2

mecanismo de defesa indireta mais alta. Selecionamos 15 indivíduos desencadeada pela oferta de recurso por cujas infrutescências estivessem com parte da planta ou se as formigas formigas (tratamento) e 15 indivíduos transitam pelos indivíduos cujas infrutescências estivessem sem ocasionalmente. Nesse sentido, formigas (controle). Estabelecemos as pretendemos identificar qual é o efeito infrutescências controle visando da presença de formigas nas identificar se formigas patrulham a infrutescências de P. brachybotrya. planta ou se outros fatores (como Nossa hipótese é que as formigas predadores) podem causar a remoção do defendem esta espécie contra o ataque modelo de herbívoro. Nas de herbívoros. Sendo assim, esperamos infrutescências do tratamento, contamos que formigas ataquem modelos de o número inicial de formigas e herbívoros invasores e que o tempo até coletamos pelo menos um indivíduo o ataque seja negativamente relacionado para identificação posterior. com o número de formigas presentes. Posteriormente, colocamos sobre cada uma das 30 infrutescências um modelo Métodos de herbívoro representado por um Realizamos o estudo em uma cupim vivo (Insecta: Isoptera). área do Projeto Dinâmica Biológica de Após a colocação do cupim, Fragmentos Florestais (PBBFF) – observamos a infrutescência por um INPA, localizada na Fazenda Dimona tempo limite de 180 segundos ou até (02° 20’ N, 60° 05’ O) Manaus, Brasil. que ocorresse ataque das formigas, A área é composta por fragmentos de registrando o tempo decorrido até o floresta primária imersos em uma ataque. Definimos como ataque o ato da matriz de floresta secundária (capoeira) formiga morder ou remover o cupim da com cerca de 20 anos de regeneração. infrutescência. Para avaliar se Selecionamos 30 indivíduos de infrutescências com formigas P. brachybotrya ao longo de uma trilha apresentam maior freqüência de ataque no interior de uma capoeira, distantes aos modelos de herbívoros, realizamos no mínimo 10 m entre si. Em cada um teste qui-quadrado. Utilizamos uma indivíduo escolhemos uma regressão linear simples para determinar infrutescência localizada na ramificação se o tempo decorrido até o ataque é 3

negativamente relacionado ao número limata, C. brasiliensis, C. nigropilosa, de formigas nas infrutescências. Ectatomma tuberculatum e Azteca sp. Crematogaster limata e Azteca sp. Resultados foram as espécies com os maiores Nas infrutescências que valores de ocorrência e frequência de continham formigas, registramos um ataque (Tabela 1). total de cinco espécies: Crematogaster

Tabela 1. Espécies de formigas encontradas nas infrutescências de P. brachybotrya e suas respectivas frequências de ocorrência e de ataque ao modelo de herbívoro.

Espécie Ocorrência (%) Ataque (%) Crematogaster limata 60 28,6 C. brasiliensis 13,3 14,3 C. nigropilosa 6,7 14,3 Ectatomma tuberculatum 6,7 14,3 Azteca sp. 13,3 28,6

Houve uma frequência de 40% nas infrutescências com formigas (X2 = de ataque ao modelo de herbívoro em 4,65; gl = 1; p = 0,03). Não houve infrutescências onde haviam formigas e relação entre tempo de ataque e número 2 6,7% nas infrutescências sem formigas, de formigas (F(1,5) = 2,57; p=0,17; r = o que representa 6 vezes mais ataques 0,34; Figura 1).

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200

180

160

140

120

100

80 Tempo (s) 60

40

20

0

024681012 Número de formigas Figura 1. Relação entre o tempo decorrido até o ataque ao modelo de herbívoro e o número de formigas presentes nas infrutescências de P. brachybotrya.

Discussão proporcionam a dispersão das sementes Uma vez que as infrutescências (Falcão 2001). Como as formigas foram com formigas apresentaram maior registradas principalmente nas remoção de cupins que as plantas infrutescências, sugerimos que isso controle, é possível que a presença de pode estar relacionado com a presença formigas em P. brachybotrya representa de estruturas nas infrutescências que um benefício para a planta. No entanto, secretem néctar. Portanto, há a este benefício não é espécie-específico, possibilidade das formigas também uma vez que mais de uma espécie de serem beneficiadas nesse sistema. formiga estava presente nas O fato do número de formigas não infrutescências avaliadas. aumentar a eficiência da resposta contra O benefício de defesa gerado pelas o modelo de herbívoro mostra que a formigas poderia aumentar a eficiência planta se beneficia da defesa reprodutiva da planta, uma vez que a independente da abundância desses presença de formigas diminuiria a ação insetos nas infrutescências. Se levarmos de predadores de frutos que não em conta o pequeno tamanho das 5

infrutescências, é possível que poucas Referências formigas já sejam suficientes para Almeida-Cortez, J.S., B. Shipley & J.T. patrulhar eficientemente tais estruturas. Arnason 2004. Growth and Contudo, como houve uma maior chemical defense in relation to variação no tempo de ataque quando resource availability: tradeoffs or havia poucas formigas, é possível que common responses to nessas condições estejam mais sujeitas a environmental stress? Brazilian herbivoria por conta dessa variação. Journal of Biology, 64:187-194. Embora formigas tenham sido Coley, P.D. & J.A. Barone 1996. observadas em P. brachybotrya, é Herbivory and plant defenses in necessário investigar se o mecanismo de tropical forests. Annual Review of defesa indireta confere maior aptidão Ecology and Systematics, 27:305- aos indivíduos associados às formigas. 335. Para tal seria importante entender quais Falcão, P.F., G.F. Melo-de-Pinna, I.R. características presentes na planta Leal, & J.S. Almeida-Cortez 2003. atraem as formigas e se o custo- Morphology and anatomy of benefício entre a produção de atrativos e extrafloral nectaries in Solanum proteção contra herbívoros é vantajoso stramonifolium (Solanaceae). em termos energéticos. Canadian Journal of Botany, 81:859–864. Agradecimentos Holldobler, B. & E.O. Wilson 1990. Agradecemos à Dra. Viviane The ants. Cambridge: Harvard Layme por sua orientação e ajuda na University Press. elaboração do projeto. Agradecemos Oliveira, P.S. & A.V.L. Freitas 2004. também ao Dr. Paulo Enrique Cardoso Ant-plant-herbivory interaction in Peixoto, pelo acompanhamento nas neotropical cerrado savana. coletas de dados e nas discussões sobre Naturwissenschaften, 91:557-570. os resultados, e ao Msc. Fabrício B. Baccaro pela identificação das formigas coletadas.

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Ribeiro, J.E.L.S., M.J.G. Hopkins, A. Schaller, A. 2008. Induced plant Vicentini, C.A. Sothers, M.A. resitence to herbivory. Berlin: Costa, J.M. Brito, M.A.D. Souza, Springer. L.H.P. Martins, L.G. Lohmann, Wright, S.J. 2002. Plant diversity in P.A.C.L. Assunção, E.C. Pereira, tropical forests: a review of C.F.D. Silva, M.R. Mesquita & mechanisms of species coexistence. L.C. Procópio 1999. Flora da Oecologia, 130:1-14. reserva Ducke: guia de identificação das plantas vasculares de uma floresta de terra-firma na Amazônia Central. Manaus: INPA. Competição, filtros ambientais ou acaso? Estruturação de uma comunidade de plantas na Amazônia Central

Pedro R. Vieira, Fernanda C. G. Cardoso, João Marcos G. Capurucho e Mônica A. Mamão

Introdução 2007). Estes atributos representam Um dos desafios da ecologia informações de como os organismos se vegetal é entender quais processos relacionam com as condições bióticas e determinam a distribuição das espécies abióticas do meio. Por exemplo, plantas nas florestas tropicais. A coexistência que apresentam folhas com área foliar entre espécies vegetais pode ser maior podem interceptar maior explicada por diferentes processos, quantidade de luz, o que lhes conferiria baseados na teoria do nicho ou na teoria maior vantagem adaptativa em neutra (Tilman 1988; Hubbell 2001). A determinados ambientes. A abordagem teoria do nicho considera que as focada nos atributos funcionais tem sido espécies possuem características muito utilizada para entender os particulares que determinam sua processos determinantes na estruturação capacidade para utilizar determinados das comunidades (McGill et al. 2006), recursos (Hutchinson 1957). Por outro como filtros ambientais ou competição. lado, a teoria neutra considera que todas Os filtros ambientais podem as espécies possuem a mesma selecionar as espécies que irão ocorrer capacidade de utilizar os recursos, e que em um determinado local devido a a ocorrência das espécies depende de condições ambientais limitantes como processos estocásticos (Hubbell 2001). luminosidade, temperatura e umidade A variação dos atributos (Keddy 1992). Assim, apenas as funcionais das plantas pode ser espécies que possuem atributos que lhes explicada por processos neutros e de conferem capacidade de suportar tais nicho (McGill et al. 2007; Kraft et al. condições estarão aptas a sobreviver em 2008). Atributos funcionais são um determinado local. Essas adaptações quaisquer características morfológicas, às características do meio devem levar a fisiológicas ou fenológicas que afetam o uma convergência de determinados desempenho dos indivíduos em um atributos funcionais dentro da determinado ambiente (Violle et al. comunidade. Por outro lado, espécies

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que utilizam um recurso de forma composta por floresta de terra firme e similar não devem coexistir com muita pertence ao “Projeto Dinâmica frequência, já que aquela que for Biológica de Fragmentos Florestais” competitivamente superior irá excluir a (INPA/Smithsonian). Selecionamos 12 inferior quando os recursos estiverem pontos de amostragem,em diversas limitados no ambiente (Weiher 1998). condições de luminosidade e distantes Assim, a competição implica em uma no mínimo 30 m entre si. Em cada um limitação de similaridade no uso de desses pontos amostramos as 12 recursos por espécies co-ocorrentes morfoespécies de plantas mais próximas (MacArthur & Levins 1967). Como ao ponto, coletando uma folha madura resultado, em ambientes com recursos de cada planta. Limitamos a coleta a limitantes, espera-se encontrar uma indivíduos de 1 a 3 m de altura das divergência de atributos funcionais formas de vida herbácea, arbustiva e entre as espécies de uma comunidade. arbórea e excluímos as morfoespécies Procuramos com este estudo com folhas compostas ou digitadas. responder qual é o processo que atua na Após a coleta, medimos o estruturação de uma comunidade de comprimento e a largura de cada folha. plantas. Para tal, formulamos as A partir dessas medidas, calculamos a seguintes hipóteses: (i) as espécies serão área da folha utilizando a fórmula da mais semelhantes em seus atributos área da elipse (2*π*raio do funcionais se a comunidade for comprimento*raio da largura) e o índice estruturada por filtros ambientais, e (ii) de forma foliar, determinado pela razão haverá maior diversidade de atributos entre comprimento e largura da lâmina funcionais entre as espécies se a foliar. Para cada unidade amostral comunidade for estruturada pela construímos gráficos de dispersão com competição. os valores do índice de forma foliar e da área foliar, e calculamos a área do Métodos menor polígono convexo delimitado Desenvolvemos este estudo na pelos pontos no gráfico de dispersão Fazenda Dimona (2º20’S-60º06’O), (Cornwell et al. 2006). Para tal, localizada a 90 km ao norte de Manaus utilizamos a proporção que cada (AM), na Amazônia Central. A área é polígono ocupava dentro de um

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retângulo definido pelos valores Resultados máximos e mínimos do índice de forma Identificamos no total 79 foliar e da área foliar. Repetimos esse morfoespécies de plantas. O valor procedimento para cada uma das 12 médio do índice de forma foliar das unidades amostrais, calculamos a média folhas coletadas foi 2,61 (desvio padrão desses resultados e a utilizamos como = 1,08) e a média da área foliar foi 204 medida de diversidade funcional a ser cm2 (desvio padrão = 296,82). A média testada em comparação com um modelo da proporção da área ocupada pelos 12 nulo (Gotelli & Graves 1996). Para o polígonos foi de 0,201. Comparando modelo nulo, repetimos o mesmo esse valor com o modelo nulo, procedimento 1000 vezes, aleatorizando observamos que não houve cada morfoespécie dentro das unidades convergência nem divergência de amostrais. Fixamos o número de vezes atributos funcionais no sistema que as morfoespécies ocorriam em cada estudado (p = 0,094; Figura 1). amostra para manter os valores de riqueza similares à riqueza observada.

Figura 1 – Número de observações para cada valor médio da área do polígono convexo das unidades amostrais aleatorizadas. A linha vertical indica o valor médio observado das áreas dos polígonos convexos das 12 unidades amostrais.

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Discussão convergência ou divergência de A divergência de atributos atributos, pois é estruturada funcionais tem sido atribuída ao efeito estocasticamente. da competição devido à limitação de Neste trabalho buscamos similaridade (MacArthur & Levins observar se ocorria um padrão de 1967), enquanto que a convergência é convergência ou divergência de atribuída à ação dos filtros ambientais, atributos funcionais na comunidade, devido a condições ambientais considerada em uma escala ampla de limitantes (Keddy 1992). Neste estudo variação de luminosidade. É possível não encontramos padrão de divergência que em condições ambientais ou convergência de atributos na específicas, como em ambientes de comunidade de plantas, diferentemente borda ou interior de florestas, a de outros trabalhos, que explicam a competição ou os filtros ambientais coexistência entre espécies pela possam atuar na estruturação da competição ou pelos filtros ambientais comunidade. Estudos futuros devem (Stubbs & Wilson 2004; Cornwell et al. testar se, nas condições citadas acima, 2006; Kraft et al. 2008). seriam encontrados processos como Um dos mecanismos que pode competição ou filtros ambientais, ou se estruturar a comunidade estudada é a a estruturação da comunidade seria equivalência funcional proposta por aleatória. Em clareiras e bordas, por Hubbell (2001, 2005). Essa teoria prevê exemplo, é possível que o efeito de que todos os organismos são filtros ambientais seja determinante na ecologicamente similares, de tal forma estruturação da comunidade, pois as que não existiria nenhum condições de temperatura e umidade direcionamento na estruturação da poderiam limitar o estabelecimento de comunidade. A estruturação das algumas espécies. Por outro lado, no comunidades biológicas dependeria interior de florestas o processo apenas do acaso na ocorrência de direcionador da comunidade pode ser a eventos de dispersão, extinção e competição por luminosidade, um colonização. Sendo assim, podemos recurso limitante nesses ambientes. interpretar que a comunidade estudada Agradecimentos não apresenta um padrão de

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Agradecemos o professor niche-based tree community Adriano Melo pela orientação e Claudia assembly in an Amazonian forest. Paz e Fabrício Baccaro pela ajuda e Science, 322:580–582. discussões. MacArthur, R. & R. Levins. 1967. The Referências limiting similarity, convergence, Cornwell, W.K., D.W. Schwilk & D.D. and divergence of coexisting Ackerly. 2006. Trait-based test for species. American Naturalist, habitat filtering: Convex hull 101:377–385. volume. Ecology, 87:1465–1471. McGill, B.J., B.J. Enquist, E. Weiher & Gotelli, N.J. & G.R. Graves. 1996. Null M. Westoby. 2006. Rebuilding models in ecology. Washington: community ecology from Smithsonian Institution Press. functional traits. Trends in Ecology Hubbell, S.P. 2001. The unified neutral & Evolution, 21:178-185. theory of biodiversity and Stubbs, W.J. & J.B. Wilson. 2004. biogeography. New Jersey: Evidence for limiting similarity in a Princeton University Press. sand dune community. Journal of Hubbell, S.P. 2005. Neutral theory in Ecology, 92:557-567. community ecology and the Tilman, D.T. 1988. Plant strategies and hypothesis of functional the dynamics and structure of plant equivalence. Functional Ecology, communities. New Jersey: 19:166-172. Princeton University Press. Hutchinson, G.E. 1957. Concluding Violle C., M.L. Navas, D. Vile, E. remarks. Cold Spring Harbor Kazakou, C. Fortunel, I. Hummel Symposium of Quantitative & E. Garnier. 2007. Let the concept Biology, 22: 415-427. of trait be functional! Oikos, Keddy, P.A. 1992. Assembly and 116:882-892. response rules - 2 goals for Weiher, E., G.D.P. Clarke & P.A. Keddy. predictive community ecology. 1998. Community assembly rules, Journal of Vegetation Science, morphological dispersion, and the 3:157–164. coexistence of plant species. Oikos, Kraft, N.J.B., R. Valencia & D.D. 81:309–322 Ackerly. 2008. Functional traits and

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Lar doce lar: formigas não abandonam domáceas em áreas de bordas florestais

Thiago Gechel Kloss, Laura Carolina Leal, Alêny Lopes Francisco, Camila Vieira

A modificação de habitat é um processo que afeta as interações entre espécies. Plantas com domáceas e formigas apresentam um mutualismo obrigatório que pode sofrer alteração em paisagens fragmentadas. Nestas áreas, a riqueza e abundância de formigas mutualistas são menores. Para avaliar a hipotése que interações mutalísticas são modificadas em paisagens alteradas, testamos a previsão que mirmecófitas localizadas em áreas de borda florestal apresentam maior frequência de domáceas não ocupadas quando comparadas com áreas de interior de fragmento. Amostramos plantas mirmecófitas em áreas de borda e interior de um fragmento de floresta Amazônica de de 100 ha circundado por capoeira. Em cada habitat, inspecionamos 15 indivíduos com domáceas, pertencentes a quatro espécies. Em cada planta observamos a ocorrência ou não de formigas em cinco domáceas. Consideramos que a planta não estava colonizada por formigas quando observamos a ausência de ninhos em todas as domáceas amostradas. Encontramos 6,7% e 33,3% das mirmecófitas não ocupadas em áreas de interior e borda de fragmento, respectivamente. Mirmecófitas em área de borda não apresentaram maior frequência de domáceas não ocupadas (Χ2 = 3,33; p = 0,068). Nossos resultados sugerem que interações entre domáceas e formigas podem persistir em paisagens fragmentadas. A manutenção de mutualismos em paisagens fragmentadas está relacionada a permanência dos parceiros de interação na paisagem. A criação de áreas de borda circundada por matriz de floresta em regeneração não limita a colonização dos sítios de nidificação, provavelmente porque rainhas de formigas que interagem com domáceas conseguem permanecer no habitat de borda. “Essa folha é pequena demais para nós dois”: evitação de competidores entre galhas e herbívoros

Mônica Mamão, Ricardo Dobrovolski, Rodrigo Marciente, Bruno Barçante

Um fenômeno decorrente da competição é a evitação entre espécies que compartilham o mesmo recurso. Insetos galhadores podem compartilhar com outros insetos herbívoros a mesma espécie de planta. Assim, é possível que a competição pela folha gere um padrão de evitação. Consequentemente, folhas com galhas devem apresentar menor proporção de área foliar consumida em comparação a folhas sem galha. Para testar essa previsão, coletamos duas folhas adjacentes, uma com galhas e outra sem galhas, em 18 indivíduos de espécies diferentes de plantas em áreas de floresta e capoeira na Amazônia central. Estimamos a área total e a perda proporcional de área foliar em cada folha por análise de fotografias quando essa proporção foi menor que 50%. Nos demais casos, estimamos esses valores visualmente. Categorizamos a proporção de perda foliar em 0 (sem perda), 1 (1-10%), 2 (11-35%) e 3 (> 35%). Utilizamos um modelo linear generalizado, ajustado pela distribuição de Poisson. Consideramos a proporção de consumo foliar como variável resposta, a presença de galhas como variável preditora e o indivíduo como bloco. A presença de galhas foi associada à menor proporção de perda foliar 2 (χ (1,17)=6,7; p=0,009), indicando que há evitação de competidores entre insetos herbívoros. É possível que herbívoros evitem folhas com galhas, insetos galhadores evitem folhas consumidas ou ambos. Resta avaliar qual desses processos é preponderante na determinação do padrão encontrado, e compreender os mecanismos cognitivos envolvidos nessa evitação.

Existe efeito da reprodução sobre o dano foliar em Psychotria brachybotrya (Rubiaceae)?

Thallita Grande, Kátia Rito, Pedro R. Vieira & Sara Lodi

Vegetais podem alocar recursos de maneira diferencial para as suas funções básicas como reprodução, crescimento e defesa. Espera-se que durante a frutificação, outras funções sejam prejudicadas devido ao alto custo energético envolvido com a reprodução. Hipotetizamos que há uma demanda conflitante entre reprodução e defesa foliar, influenciando a herbivoria sofrida pelas folhas próximas às estruturas reprodutivas. Esperamos que em um mesmo indivíduo o dano foliar em ramos com frutos será maior do que em ramos sem frutos. Para testar nossa previsão, amostramos dois ramos em 20 indivíduos de Psychotria brachybotrya (Rubiaceae): um com frutos e outro sem frutos. Controlamos a idade amostrando folhas terminais de ramos da mesma altura. Estimamos visualmente a porcentagem de danos foliares por folha de cada ramo. Categorizamo-las em cinco classes (1%, 2-6%, 7-12%, 13-25%, 26-50% e 50-100%) e calculamos uma categoria média por ramo. Analisamos a diferença de herbivoria entre ramos de cada planta utilizando um teste-t pareado. Não houve diferença no dano foliar sofrido por ramos com frutos e sem frutos (média da diferença = 0,4; desvio padrão =

1,59; F(1,19) = 1,26; p = 0,27), indicando que a frutificação não altera a herbivoria sofrida pelos ramos. De maneira geral, a herbivoria foi baixa (aproximadamente 6%), o que pode significar que esta espécie é naturalmente pouco predada. É possível que essa baixa predação ocorra em função do nível de defesa existente quando as folhas são formadas. Isso seria suficiente para a planta se proteger contra herbivoria sem haver uma demanda conflitante durante a frutificação. Borda de fragmentos florestais não selecionam estratégias de fixação das lianas

Thiago de A. Amorim, André de A. Mendonça, Bruno C. C. Guimarães, Gláucia M. A. de Oliveira, Fernanda C. G. Cardoso

Bordas de fragmentos florestais apresentam maior incidência de ventos do que o interior dos fragmentos. O vento pode influenciar a composição das comunidades vegetais ao derrubar indivíduos mais suscetíveis ao tombamento. Em particular, as lianas são um grupo suscetível a ação dos ventos por necessitarem de suporte mecânico para manter sua sustentação vertical. Em algumas espécies essa sustentação é garantida pela presença de estruturas preênseis. Nesse sentido, hipotetizamos que lianas são selecionadas em fragmentos florestais quanto à estratégia de fixação. Esperamos que a proporção de lianas com estruturas preênseis nas bordas de fragmentos florestais seja maior do que no interior. Para testar essa previsão, estabelecemos 18 pontos amostrais em um fragmento de 100 ha na Amazônia Central: nove pontos na borda e nove no interior (com distância mínima de 300 m das bordas). Os pontos de cada área amostrada distavam entre si 50 m. Amostramos as 10 lianas mais próximas por ponto, registrando ocorrência de estrutura preênsil no indivíduo. Calculamos a proporção de lianas com estruturas em cada ponto e comparamos a média dessas proporções entre as duas áreas usando teste t. A proporção de lianas com estruturas preênseis na borda (3,78 ± 1,79%) foi semelhante à proporção encontrada no interior do fragmento (3,67 ± 1,8%; t16=0,131; p=0,449). A ausência de estruturas apreensoras não limita a ocorrência de lianas na borda. Talvez o enrolamento seja uma estratégia suficiente para fixação. Nesse sentido o surgimento de estruturas preênseis pode estar mais relacionado à ascensão do que a fixação. Densidade de aranhas aumenta com a distância do igarapé

João M.G. Capurucho, Gabriela B. Arcoverde e Demétrius L. Martins

A abundância e diversidade de espécies está intimamente relacionada à disponibilidade de recursos. Áreas próximas a um igarapé podem apresentar muitos recursos para espécies insetívoras, pois possuem insetos aquáticos e terrestres. Porém, em áreas mais distantes haverá apenas insetos terrestres, o que poderia diminuir a quantidade de recurso. Assim, aranhas, por serem predadoras, devem se estabelecer preferencialmente onde há uma maior probabilidade de captura de presas. Dessa forma, esperamos uma maior densidade de teias de aranhas em áreas próximas a igarapés do que em áreas distantes. Para testar essa previsão, montamos 10 parcelas de 10 x 5 m uma floresta na Amazônia Central. Dispusemos cinco parcelas margeando o igarapé e cinco distando 100 m do curso d´água. Contamos o número de teias que havia em cada parcela e comparamos as médias das duas áreas amostradas. Encontramos uma densidade média de 23,5 (EP=0,016) teias por parcela nas áreas próximas ao igarapé e 34,5 (EP=0,051) teias por paarcela nas áreas distantes do igarapé. As áreas mais distantes tiveram 1,5 vezes mais teias que as áreas próximas ao igarapé (F(1,8)= 16,530; p= 0,04). Assim, refutamos a hipótese de que as aranhas têm maior abundância em um ambiente onde provavelmente existem mais recursos alimentares. Muitos predadores que forrageiam nessas áreas com muito recurso podem predar aranhas com grande frequência. Portanto, o menor número de teias nas áreas próximas ao igarapé pode ser resultado da pressão por predação, que reduziria a densidade de aranhas. A dissimilaridade de macrófitas afeta a diversidade beta da ictiofauna?

Fernanda Cardoso, Bruno Barçante, Mônica Mamão, Ricardo Dobrovolski, Rodrigo Marciente

Introdução heterogeneidade do hábitat A ocorrência de diferentes proporcionada pelas macrófitas são espécies no tempo e no espaço responsáveis pela alta riqueza de determina os chamados padrões de espécies animais nesses ambientes diversidade. Esses padrões têm sido (Padial et al. 2009, Petry et al. 2003, comumente decompostos em três níveis: Thomaz et al. 2008). Com relação a diversidade local (alfa), diversidade peixes, muitas espécies utilizam bancos entre locais (beta) e diversidade de macrófitas como locais de abrigo e regional (gama) (Whittaker 1960). Em reprodução (Sanchéz-Botero et al. particular, a diversidade beta representa 2003), pois os indivíduos juvenis ou a variação na composição de espécies espécies de pequeno porte são menos entre locais em uma determinada área suscetíveis a predação nos emaranhados geográfica. Esta variação pode ser de raízes (Padial et al. 2009). conseqüência de processos estocásticos Uma vez que peixes dependem de distribuição dos organismos (Hubbell das macrófitas para reprodução e 2001). Alternativamente, ela pode ser alimentação, é possível que variações resultado de variações ambientais que nos bancos de macrófitas afetem as determinam a composição local devido comunidades de peixes. Nesse sentido, ao requerimento ambiental de cada nossa hipótese é que a heterogeneidade espécie (Harrison et al. 1992). ambiental proporcionada pela mudança Em rios e lagos, agregações de na estrutura dos bancos de macrófitas é herbáceas aquáticas que ocorrem nas determinante da diversidade beta de margens (daqui em diante chamadas de peixes associados. Assim, prevemos que bancos de macrófitas) são ocupadas por a dissimilaridade entre as assembléias diversos organismos, dentre os quais de peixes está correlacionada com a invertebrados, peixes e anfíbios (Junk dissimilaridade entre bancos de 1973). A estrutura das raízes e a

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macrófitas nos quais cada assembléia de pontos de cada banco, e posteriormente, peixes ocorre. somamos os valores de abundância das plantas nas três medidas para Métodos calcularmos a cobertura relativa de cada Realizamos este estudo na região espécie para cada um dos locais. Para a do lago Catalão (3º09' S - 59º54' O), no amostragem de peixes, utilizamos uma município de Iranduba, próximo a rede de cerco (15 m x 4 m, malha 0,5 Manaus, AM, Brasil. O lago situa-se na cm entre nós opostos) para circundar a região de confluência dos rios Solimões área do banco de macrófitas avaliado e e Negro. Nesse local há influência de capturar os peixes associados conforme águas com alta concentração de Schiesari et al. (2003). Morfotipamos os nutrientes devido à grande quantidade indivíduos capturados que não pudemos de sedimentos em suspensão presentes identificar até o nível de espécie. no rio Solimões e de águas ácidas e Para avaliar a dissimilaridade pouco nutritivas, características do rio entre as áreas avaliadas em termos da Negro. composição de macrófitas e de peixes, Amostramos peixes em sete construímos duas matrizes de distância, áreas cobertas por bancos de macrófitas sendo uma para cada grupo de distantes pelo menos 100 m entre si. organismos. Para a matriz das Como as macrófitas formavam bancos macrófitas, utilizamos a proporção extensos ao longo das margens, relativa de cada táxon em relação à escolhemos pequenas áreas dentro cobertura total de cada banco e desses locais para determinar os bancos calculamos a dissimilaridade entre os a serem amostrados. Em cada área bancos utilizando distância euclidiana. amostrada, utilizamos um quadrado de Para a matriz de peixes, padronizamos 50 cm x 50 cm (dividido em 100 os dados em cada banco amostrado ao quadrados iguais) para estimar a dividir a abundância de cada espécie proporção de cobertura de cada espécie pela abundância total de cada amostra. de macrófita. Para essa estimativa, Calculamos a dissimilaridade entre os contamos o número de quadrados bancos utilizando a distância de Bray- ocupados por cada espécie de macrófita. Curtis. Em seguida, testamos a Repetimos esse procedimento em três correlação entre as duas matrizes de

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dissimilaridade com um teste de Mantel encontramos 27 taxa (293 indivíduos). usando 1000 aleatorizações. Os mais abundantes foram Pygocentrus nattereri (27%), Mesonauta festivus Resultados (23%) e Hyphessobrycon sp. (18%). Encontramos 17 taxa de Não houve correlação entre a macrófitas. As mais comuns foram dissimilaridade entre pares de bancos de Salvinia auriculata (31%), Nepluria macrófitas e pares de assembléias de oleraceae (21%) e Paspalum repens peixes associados aos bancos (r =- (15%). Em relação aos peixes, 0,013; p=0,49; Figura 1).

Figura 1. Correlação entre a dissimilaridade de macrófitas e dissimilaridade de peixes na região do lago Catalão, AM, Brasil. Cada ponto representa o valor de dissimilaridade entre um par de banco de macrófitas (distância euclidiana) e um par de assembléia de peixes (distância de Bray-Curtis) coletados nos bancos.

Discussão mudança no ambiente (banco de Como cada espécie de macrófita macrófitas) não determinou uma maior apresenta uma estrutura característica, a mudança nos organismos associados mudança na abundância relativa das (assembléias de peixes). Assim, a espécies que formam os bancos de diversidade beta de peixes associados macrófitas reflete uma mudança na aos bancos de macrófitas não responde estrutura do ambiente. Nossos à estrutura do hábitat. resultados indicam que uma maior

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Processos de fragmentação dos distribuição das espécies de peixe bancos de macrófitas podem contribuir associados a macrófitas. para o entendimento de nossos resultados. Nesse ambientes, quando Referências ocorrem eventos de tempestade e Harrison, S., S.J. Ross & J.H. Lawton. inundação, partes dos bancos de 1992. Beta diversity on geographic macrófitas se destacam das margens e gradients in Britain. Journal of carregam consigo a fauna associada Animal Ecology, 61:151-158. (Schiesari et al. 2003). Como os peixes Hubbell, S.H. 2001. The unified neutral presentes nos bancos são de tamanho theory of biodivesity and pequeno ou jovens, devem possuir biogeography. Princeton: Princeton capacidade limitada de dispersão. Além Univesity Press. disso, por serem pequenos, são mais Junk, W.J. 1973. Investigations on the suscetíveis à predação, especialmente ecology and production-biology of quando estão fora dos bancos de the “floating meadows” (Paspalo- macrófitas (Padial et al. 2009). Dessa Echinochloetum) on the Middle maneira, a dispersão passiva dos peixes Amazon. Part II – The aquatic pode ter um importante papel na fauna in the root zone of floating organização das assembléias de peixes. vegetation. Amazoniana, 4:9-102. Por fim, como os peixes Padial, A.A.; S.M. Thomaz & A.A. associados aos bancos de macrófitas Agostinho. 2009. Effects of apresentam características que os structural heterogeneity provide by tornam mais sujeitos à predação, a floating macrophyte Eichhornia presença de predadores consiste no azurea on the predation efficiency melhor candidato a cumprir um papel and habitat use of the small determinístico na organização dessas Neotropical fish Moenkhausia comunidades. Nesse sentido, para que sanctaefilomenae. Hydrobiologia, processos estocásticos sejam 624:161-170. efetivamente testados é necessário Petry, P., P.B. Bayley & D.F. Markle. excluirmos primeiro o eventual papel da 2003. Relationships between fish presença de predadores sobre a assemblages, macrophytes and environmental gradients in the

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Amazon River floodplain. Journal Thomaz, S.M., E.D. Bibble, L.R. of Fish Biology, 63:547-579. Evangelista, J. Higuti & L.M. Bini. Sanchéz-Botero, J.I., M.L. Farias, M.T. 2008. Influence of aquatic Piedade & D.S. Garcez. 2003. macrophyte habitat complexity on Ictiofauna associada às macrófitas invertebrate abundance and aquáticas Eichhornia azurea (SW.) richness in tropical lagoons. Kunth. e Eichhornia crassipes Freshwater Biology, 53:358-367. (Mart.) Solms. no lago Camaleão, Whittaker, R.H. 1960. Vegetation of the Amazônia Central, Brasil. Acta Siskiyou Mountains, Oregon and Scientiarum, 25:369-375. California. Ecological Schiesari, L., J. Zuanon, C. Azevedo- Monographs, 30:279-338. Ramos, M. Garcia, M. Gordo, M. Messias & E.M. Vieira. 2003. Macrophyte rafts as dispersal vectors for fishes and amphibians in the Lower Solimões River, Central Amazon. Journal of Tropical Ecology, 19: 333-336.

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Tudo que sobe, desce: estômatos de plântulas submersas de várzea permanecem abertos na vazante do rio

Camila Vieira, Bruno Cid, João Capurucho, Laura Carolina Leal & Thallita Grande

Introdução conseguem sobreviver em planícies A inundação permanente ou alagadas. Para sobreviver às planícies temporária de planícies alagáveis por alagáveis os vegetais apresentam duas água doce ocorre como resultado da estratégias contrastantes. Essas elevação do nível de rios em diversas estratégias são a tolerância ao regiões no mundo (Tockner et al. 2000). alagamento, caracterizada pela Este alagamento é comum em regiões dormência e redução da atividade que apresentam elevados índices metabólica e a evitação ao alagamento, pluviométricos, onde as planícies caracterizada pelo alongamento dos passam por ciclos de enchente e vazante ramos para garantir o contato aéreo com em resposta às variações na a atmosfera (Lambers et al. 2008). pluviosidade (Parolin 2009). Estas Em planícies com rápida planícies apresentam elevado vazante, ajustes fisiológicos rápidos endemismo de espécies e são ricas em permitem que plantas respondam árvores que conseguem sobreviver a prontamente a variação no nível dos longos períodos sob completa rios, podendo retomar suas taxas ótimas submersão (Whittman et al. 2006). de crescimento. A rápida retomada do As plantas submersas crescimento é fundamental para a experimentam uma redução de oxigênio aptidão das espécies, uma vez que na disponível para raízes e folhas e de maioria das planícies alagáveis, a carbono e radiação, que são recursos inundação ocorre no período cujas essenciais para a realização da condições microclimáticas, como fotossíntese. Essas condições limitantes temperatura e incidência luminosa, são podem afetar negativamente o ideais para o crescimento (Parolin desempenho desses vegetais (Parolin 2009). 2009, Parolin & Wittmann 2010). A manutenção de folhas verdes Assim, apenas espécies que têm em plantas totalmente submersas é uma adaptações morfológicas e fisiológicas à estratégia energeticamente custosa. Isto inundação são selecionadas e porque o ganho líquido de carbono 1

proveniente da fotossíntese é exposição das plântulas a atmosfera relativamente baixo comparado ao gasto com a vazante do rio. Esperamos que de carbono pela respiração quando a plântulas reduzam a resistência plântula está alagada. Contudo, o custo estomática e aumentem a transpiração dessa manutenção pode ser compensado foliar à medida que o nível emersão pelos benefícios de uma rápida aumenta. retomada do metabolismo foliar quando ocorre redução do nível de alagamento Métodos (Mommer & Visser 2005, Parolin Realizamos o trabalho no lago 2009). A regulação estomática é a do Catalão (3º9’47”S, 59º 54’29”O), primeira e mais rápida resposta das uma região sob regime de água mista, folhas à redução do alagamento, pois é formada pela mistura de água preta do o que permite à planta realizar trocas rio Negro com água branca do rio gasosas com a atmosfera e retomar sua Solimões. Apesar dessa mistura, a produção de biomassa (Taiz & Zeiger vegetação e condições químicas e 2002). físicas (como pH e salinidade) são Na Amazônia, várzeas são características de várzea. Escolhemos planícies que sofrem pulsos de uma área de floresta de várzea inundada inundação unimodal por rios de água e com presença de plântulas de espécies branca, que são ricos em nutrientes e arbóreas com folhas submersas. sólidos em suspensão (Sioli 1985). Este Selecionamos nove plântulas tipo de habitat possui a maior completamente submersas e três diversidade dentre todas as florestas plântulas completamente emersas alagáveis do mundo e possui elevada (controle) de uma espécie de Rubiaceae. riqueza de espécies de árvores que Removemos as plântulas com solo, mantêm suas folhas verdes mesmo colocamos as nove totalmente quando submersas (Parolin & Whittman submersas em baldes plásticos contendo 2010). Nosso objetivo foi verificar água e protegidas contra entrada de luz. como plântulas submersas de várzea Mantivemos as três plântulas emersas respondem ecofisiologicamente a em baldes sem adição de água, mas diferentes níveis de emersão. Nossa também protegidas contra incidência hipótese é que as trocas gasosas das luminosa para que todas estivessem na plântulas aumentam com o grau de

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mesma condição de radiação no início folhas completamente expandidas e sob do experimento. luz plena. Usamos o teste de Kruskal- Submetemos as nove plântulas Wallis para analisar o efeito dos submersas a três tratamentos distintos, tratamentos de inundação na resistência com três plântulas cada: plântulas estomática e transpiração foliar. submersas, parcialmente submersas e Consideramos como variáveis resposta completamente emersas. Utilizamos a resistência estomática e a transpiração estes níveis de emersão para simular o foliar e como variável explanatória os alagamento das folhas e raízes diferentes níveis de alagamento. separadamente, uma vez a submersão destas estruturas influenciam as trocas Resultados gasosas nos vegetais. No primeiro Resistência estomática (R) e tratamento mantivemos as plântulas transpiração foliar (E) foram totalmente submersas. No segundo semelhantes entre os três tratamentos e tratamento (parcialmente submersas) o controle (Z(3) = 4,51; p = 0,21 e Z(3) = apenas as raízes ficaram submersas. No 5,15; p = 0,16, respectivamente; Figura último, removemos toda a água, 1). Apesar da ausência de influência do deixando a plântula totalmente emersa. nível de alagamento na resistência Usamos as plântulas emersas coletadas estomática e na transpiração foliar, em campo como grupo controle que observamos grande semelhança entre as permitiu a comparação das atividades medidas de R e E do controle e o fisiológicas foliares das plântulas tratamento emerso e do tratamento recentemente expostas à atmosfera com parcialmente submerso e o submerso. as atividades de plântulas que estão Baseados neste padrão, formulamos a livres da inundação por mais tempo. hipótese a posteriori que o alagamento Expusemos concomitantemente da raiz seria o fator que mais as plântulas de todos os tratamentos à influenciaria a resistência estomática e a incidência solar. Após vinte minutos de transpiração foliar. Para testar essa nova exposição solar, medimos os valores de hipótese, unimos o controle com o resistência estomática (R) e transpiração tratamento emerso (plantas sem parte (E) das folhas usando um porômetro de alguma alagada) e os tratamentos equilíbrio dinâmico Li 1600 (Licor, NE, parcialmente submerso e submerso USA). Realizamos as medidas em

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(plantas com pelo menos a raiz alagada) 0,07; Figura 2A). Contudo, folhas de e comparamos as médias desses grupos. plântulas não alagadas transpiraram

Plântulas alagadas e não mais que as de plântulas alagadas (t(10) = alagadas apresentaram resistência 3,23; p < 0,01; Figura 2B). estomática similar (t(10) = 2,03; p =

4 ) (A) -1 3

2

1

Resistência estomática (s.cm estomática Resistência 0

) 30 -1 (B)

.seg -2

g.cm 20 μ

10

Transpiração foliar ( 0 le as te s tro rs en s rsa on e lm sa e C m a r bm E rci e u a bm S P su Tratamento

Figura 1. Resistência estomática (A) e transpiração foliar (B) de plântulas de uma espécie de Rubiaceae submetidas a diferentes níveis de alagamento. O controle refere-se às plântulas encontradas totalmente emersas no ambiente. Os pontos representam as medianas e as barras representam os quartis inferior e superior.

4

) 4 (A) -1

3

2

1

(s.cm estomática Resistência 0

) 30 -1 (B) seg -²

g.cm 20 μ

10

Transpiração foliar ( Transpiração 0 Não alagadas Alagadas Tratamento

Figura 2. Resistência estomática (A) e transpiração foliar (B) de plântulas de uma espécie de Rubiaceae com e sem alagamento total da raiz. Os pontos representam as médias e as barras representam os erros padrão.

Discussão completo dos estômatos, é uma O nível de alagamento não estratégia que garante a rápida retomada interferiu nas respostas fisiológicas das do crescimento durante o período de plântulas de várzea. A ocorrência de emersão. abertura estomática e transpiração nas A manutenção das funções plântulas submersas indicam que estas fisiológicas sob condições de inundação continuam ativas metabolicamente não é uma resposta usualmente mesmo quando completamente observada em plantas submetidas a submersas. Desta forma, manter as condições limitantes/estressantes. Sob folhas verdes e ativas durante o estas condições, as plantas normalmente alagamento, sem o fechamento entram em dormência, perdem suas

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folhas e retomam o crescimento quando O alagamento das raízes parece as condições se tornam favoráveis ser um dos fatores que regula a abertura (Parolin & Wittmann 2010, Taiz & estomática dessa espécie. Este fato pôde Zeiger 2002). No entanto, observamos ser evidenciado pela diferença na uma diferente estratégia em plantas da transpiração entre plântulas com raízes família Rubiaceae em que as folhas se alagadas e emersas. Plantas com raízes mantém ativas mesmo quando submersas enfrentam resistência submersas. Desta forma, pulsos de hidráulica à absorção de água, inundação podem não ser uma fonte de reduzindo suas trocas gasosas com o estresse para esses vegetais que estão meio (Larcher 1986). adaptados aos regimes de inundação. Concluímos que as plântulas em É importante ressaltar que a áreas de várzea apresentam elevada altura da coluna d’água na área estudada plasticidade aos pulsos de inundação. A pode ter influenciado as respostas espécie de Rubiaceae estudada mantém fisiológicas das plantas frente aos níveis suas folhas verdes, com estômatos de alagamento adotados no abertos no final do período de experimento. As folhas dos indivíduos submersão. Isso permite à planta uma coletados estavam próximas à superfície rápida retomada do crescimento com a da lâmina d`água, onde a penetração de redução no nível dos rios. luz é maior comparado a regiões mais profundas. Algumas espécies de plantas Referências apresentam taxas de crescimento Lambers, H., F.S. Chapin III & T.L. positivas no início e fim dos períodos de Pons 2008. Plant physiological alagamento por terem acesso à luz ecology. New York: Springer. quando a coluna d’água é inferior a um Larcher, W. 1986. Ecofisiologia metro (Parolin 2009). No entanto, em vegetal. São Paulo: Editora período de cheia, a altura da coluna Pedagógica e Universitária LTDA. d’água é maior, reduzindo a penetração Mommer, L. & E.J.W. Visser. 2005. de luz. Assim, as diferenças fisiológicas Underwater photosynthesis in entre plântulas alagadas e não alagadas flooded terrestrial plants: a matter devem ser mais acentuadas no auge da of leaf plasticity. Annals of Botany, cheia. 96:581-589.

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Parolin, P. 2009. Submerged in Taiz, L. & E. Zeiger. 2002. Fisiologia darkness: adaptations to prolonged vegetal. Porto Alegre: Artmed. submergence by woody species of Tockner, K., F. Malard & J.V. Ward. the Amazonian floodplains. Annals 2000. An extension of the flood of Botany, 103:359-376. pulse concept. Hydrological Parolin, P. & F. Wittmann. 2010. Processes, 14:2861-2883. Struggle in the flood: tree responses Wittmann, F., J. Schongart & J.C. to flooding stress in four Montero. 2006. Tree species tropical floodplain systems. AoB composition and diversity gradients Plants, plq003, doi: 10.1093 / in white-water forests across the aobpla /plq003. Amazon Basin. Journal of Sioli, H. 1985. Amazônia: fundamentos Biogeography, 33:1334–1347. da ecologia da maior região de florestas tropicais. Petrópolis: Editora Vozes.

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O tempo de inundação não influencia o investimento em produção de lenticelas em Pseudobombax munguba (Malvaceae)

Alêny Lopes Francisco, Kátia Fernanda Rito Pereira, Thiago Azevedo Amorim, Sara Lodi de Carvalho e Thiago Gechel Kloss

Introdução condições de alagamento (Parolin O pulso de inundação é um 2001). fenômeno natural no ciclo hidrológico Pseudobombax munguba (Mart. de alguns rios. Na região amazônica, o & Zucc.) Dugand., é uma espécie fenômeno consiste na variação sazonal arbórea comum nas planícies alagáveis na altura da coluna d’água (Junk et al. da região amazônica (Gribel & Gibbs 1989) que pode atingir uma amplitude 2002) e apresenta no seu caule de até 10 m de altura (Parolin et al. estruturas especializadas em trocas 2004). Essa variação determina o gasosas conhecidas como lenticelas. As movimento lateral de transgressão e lenticelas são descontinuidades no regressão das águas e é um dos tecido de revestimento suberificado que principais fatores determinantes da facilitam a difusão de gases (Ribeiro et variação morfológica e da composição al. 1999). Em P. munguba, as lenticelas de espécies da biota associada às áreas se apresentam na forma de pequenos alagáveis. pontos arredondados ou grandes faixas As espécies vegetais associadas verticais de coloração esverdeada e se às áreas sujeitas à inundação encontram dispostas ao longo do tronco apresentam uma série de adaptações e galhos. Essas lenticelas verticais além anatômicas, morfológicas, fisiológicas e de realizarem trocas gasosas também ecológicas que as permite viver e se são fotossintetizantes. reproduzir nessa condição de Diante deste contexto, avaliamos inundação. A condição de anoxia na como o investimento em produção de rizosfera é frequente e, portanto lenticelas em P. munguba varia em estruturas que maximizam as trocas relação à inundação. A nossa hipótese gasosas devem ter um significado foi que o investimento em produção de adaptativo e podem ser favorecidas em lenticelas aumenta com o tempo de inundação. A altura total da coluna de subdividida em quadrículas de 2 cm2. água está relacionada ao tempo de Posicionamos a grade sobre o tronco a inundação ao qual cada indivíduo é 1,3 m acima da lâmina de água, e submetido, sendo que quanto maior a contamos a proporção de quadrículas coluna de água maior o tempo de preenchidas com lenticelas. Essa inundação. Dessa forma, esperamos que medição foi feita três vezes em cada quanto maior a altura total da coluna de tronco, e calculamos a média de área do água, maior será o percentual de área do tronco coberta por lenticelas para cada tronco coberta por lenticelas em P. indivíduo. Amostramos apenas as munguba. lenticelas fotossintetizantes, que são facilmente reconhecidas pela sua Métodos coloração verde. Realizamos este estudo no Lago Realizamos a medição da coluna do Catalão (3° 9’ 47’’ S-59° 54’29’’O), de água através de dois procedimentos: Manaus – AM, localizado próximo à primeiro, medimos a profundidade junto confluência dos rios Negro e Solimões. ao tronco da planta utilizando uma A vegetação é característica de corda com marcações de 10 em 10 cm, ambientes de várzea, embora a e um peso fixo em uma das suas proximidade do rio Negro favoreça extremidades. O peso foi imerso na também a ocorrência de espécies de água, próximo ao tronco da planta, até igapó. atingir o fundo do lago. Posteriormente Amostramos 20 indivíduos medimos a altura máxima alcançada adultos de Pseudobombax munguba pela água na última cheia, aferindo a (Malvaceae) nas margens do lago de altura entre a superfície da água e a maneira não sistemática. Medimos a marca da água visível no tronco dos proporção da área coberta por lenticelas indivíduos. Medimos o diâmetro dos nos troncos dos indivíduos, a altura da indivíduos a aproximadamente 10 cm coluna de água e o diâmetro do tronco de altura acima do nível da água. O de cada indivíduo. diâmetro foi medido para controlar um Calculamos a proporção da área possível efeito do tamanho da planta na do tronco coberta por lenticelas com quantidade de lenticelas no tronco. uma grade quadrada de 20 cm2, Para testar se a área do tronco altura da coluna de água e o diâmetro do coberta por lenticelas está relacionada à tronco, sendo que este foi considerado altura da coluna de água, realizamos uma co-variável. uma análise de regressão múltipla. As variáveis foram transformadas para Resultados atender a pressupostos da análise. Os A altura da coluna de água valores de porcentagem de lenticelas variou de 170 a 670 centímetros e o foram transformados pelo arco-seno da diâmetro dos troncos variou de 20,7 a raiz quadrada, dividido por 100 (Sokal 143,2 centímetros. Não houve relação & Rohlf 1981). Dados de diâmetro e entre a altura da coluna de água e a profundidade da coluna de água foram proporção de lenticelas (figura 1; transformados em escala logarítmica. F(2,17)=0,36; p=0,39). Durante a coleta Consideramos como variável resposta a de dados observamos haver lenticelas proporção da área do tronco coberta por também nos ramos da copa. lenticelas e como variáveis preditoras a

0,60.6

0,20.2

-0.2-0,2 da raiz)da vs. diâmetro (log) resíduos da porcentagem de lenticelas (Arcoseno lenticelas porcentagem de da resíduos -0,6-0.6 5.05,0 5,4 5.4 5.85,8 6,2 6.26,6 6.6 R R alturaAltura da da coluna coluna d'águade (log) água

Figura 1: Relação entre os resíduos da regressão entre porcentagem de lenticelas e o diâmetro do tronco com a altura da coluna de água em indivíduos de P.munguba. Discussão devido à diversidade genética entre os Nossos resultados mostraram indivíduos dessa espécie. que o tempo de inundação não A presença de lenticelas pode influencia o investimento em produção ser também uma característica mantida de lenticelas em P. munguba. É possível por inércia filogenética. Possivelmente que a variação na quantidade de indivíduos desta espécie não dependem lenticelas, esteja relacionada à luz, uma tanto dessas estruturas para resistir ao vez que em P. munguba essas estruturas alagamento, uma vez que possuem também estão envolvidas na outras adaptações como a perda de fotossíntese. Nós observamos que as folhas e a redução do metabolismo, que lenticelas ocorriam aparentemente em permitem tolerar essas condições. Desta maior quantidade nos ramos do que no forma, julgamos importante o tronco. Como luz é um fator ambiental desenvolvimento de estudos que essencial para realização da fotossíntese investiguem se o investimento na (Larcher 1986), o investimento na produção de lenticelas está relacionado produção destas estruturas em áreas com respostas fisiológicas à com maior incidência luminosa (e.g. disponibilidade de luz ou se é somente nos ramos da copa) pode ser mais uma característica mantida por inércia vantajoso para a planta. filogenética. Outra possibilidade é que a produção de lenticelas não seja uma Referências resposta proporcional à variação na Gribel, R. & P.E. Gibbs. 2002. High coluna de água. A condição de outbreeding as a consequence of alagamento das raízes dificulta o selfed ovule mortality and single processo de troca de gases neste órgão vector bat pollination in the (Parolin 2001). Desta forma, a simples amazonian tree Pseudobombax presença da inundação desencadearia munguba (Bombacaceae). um sinal para a produção de lenticelas, International Journal of Plant cuja abundância não dependeria do Scienc,163(6):1035-1043. tempo de inundação. Ainda que existam Junk, W.J., P.B. Bayley & R.E. diferenças entre os indivíduos quanto à Sparcks. 1989. The flood pulse quantidade de lenticelas, isso seria concept in river-flood plain systems. Canadian Species Pulse floodplain forests. The Botanical Fish Aquatic Scienc, 106:110-127. Review, 70(3):357–380. Larcher, W. 1986. Ecofisiologia Ribeiro, J.E.L.S., M.J.G. Hopkins, A. vegetal. São Paulo: Editora Vicentini, C.A. Sothers, M.A.S. Pedagógica Universitária. Costa, J.M. Brito, M.A.D. Moiana, D., A.F. Mortati, M.M. Souza, L.H.P. Martins, L.G. Pezzato, M. Farria-Corrêa & S. Lohmann, P.A.C.L. Assunção, Matte. 2003. A disponibilidade de E.C. Pereira, C.F. Silva, M.R. luz e a altura da coluna de água Mesquita & L.C. Procópio. durante a fase de inundação podem 1999. Flora da Reserva Ducke: influenciar a quantidade de Guia de Identificação das lenticelas em Pseudobombax Plantas Vasculares de uma munguba (Malvaceae)? pp.46-47. Floresta de Terra‐Firme na In: Ecologia da Floresta Amazônica Amazônia Central. Manaus: - Curso de Campo (Eduardo INPA‐DFID. Venticinque & Jansen Zuanon, Sokal, R.R. & F.J. Rohlf. 1981. eds). Projeto Dinâmica Biológica Biometry–the principles and de Fragmentos Florestais – PDBFF. practice of statistics in biological Instituto Nacional de Pesquisas da research, 2nd edn. New York: W.H. Amazônia – INPA. Freeman & Co. Parolin, P. 2001. Morphological and physiological adjustments to waterlogging and drought in seedlings of Amazonian floodplain trees. Oecologia, 128: 326–335. Parolin, P., O. De Simone, K. Haase, D. Waldhoff, S. Rottenberger, U. Kuhn, J. Kesselmeier, B. Kleiss, W. Schmidt, M.T.F. Piedade & W.J. Junk. 2004. Central Amazonian Floodplain Forests: Tree adaptations in amazonian A disponibilidade de recursos nutricionais influencia a diversidade funcional de macrófitas?

André de A. Mendonça; Demétrius L. Martins; Gabriela Arcoverde; Gláucia Oliveira; Pedro Vieira

Introdução Assim, ambientes com maior A diversidade funcional é um disponibilidade de recursos apresentam uma componente da biodiversidade que tem sido maior possibilidade de variação entre as utilizado para explicar processos espécies (Begon et al. 2006). A ecossistêmicos e de comunidades (Díaz & disponibilidade de nutrientes para os Cabido 2001). Ela prioriza a compreensão organismos de uma comunidade vegetal da função dos organismos nas comunidades pode atuar como um filtro ambiental e ecossistemas mais do que sua história selecionando plantas mais eficientes na evolutiva (Petchey & Gaston 2006). A utilização deste recurso em um determinado diversidade funcional é uma medida da ambiente. Ambientes com baixa variação dos atributos funcionais dos disponibilidade de nutrientes podem organismos. Atributos funcionais são restringir o estabelecimento de plantas com quaisquer características morfo-fisiológicas alta exigência nutricional. Já ambientes ricos que afetam a aptidão do organismo (Violle em nutrientes podem manter plantas com et al. 2007). Quanto menor a amplitude de diversos níveis de exigências. Este filtro variação dos valores de um atributo, menor é menos seletivo em ambientes ricos em a diversidade funcional dentro de uma nutrientes determina a formação de comunidade. Assim, variações ambientais, comunidades com espécies que possuem como por exemplo, variação na diferentes características para a utilização disponibilidade de recursos, podem afetar a dos recursos disponíveis. Tais diferenças de variação dos atributos funcionais em uma estratégia de uso do recurso determinam comunidade. uma maior diversidade funcional na Em ambientes com limitações quanto comunidade. à disponibilidade de recursos, essas Na bacia Amazônica, os rios Negro e limitações atuam como filtros ambientais, Solimões, são muito diferentes entre si restringindo a variação nos atributos capazes quanto a disponibilidade de recursos. O rio de conferir maior aptidão aos organismos. Solimões carrega uma grande quantidade de nutrientes dissolvidos, enquanto que o rio do rio Solimões, caracterizada por possuir Negro possui menor quantidade de água branca, rica em nutrientes, com alto nutrientes (Costa et al. 1995). Em ambos os conteúdo de minerais sólidos suspensos e rios podemos encontrar comunidades pH variando entre 6,7 e 6,9. A outra área é vegetais formadas por espécies herbáceas um ambiente de igapó no rio Negro, que aquáticas chamadas de macrófitas. Como os possui água preta, pobre em nutrientes, com bancos de macrófitas também estão sujeitos alto conteúdo de substâncias húmicas a variações em sua composição de espécies a dissolvidas e mais ácida, com pH entre 4,8 e variação da disponibilidade de recursos 5,1 (Junk 1997). poderia também levar a uma maior variação Coleta de dados nos atributos funcionais. A baixa quantidade Percorremos uma faixa de cerca de de nutrientes no rio Negro poderia atuar dois quilômetros nos rios Negro e Solimões como um filtro que limita a ocorrência de onde amostramos bancos de macrófitas espécies que não estão adaptadas a essa aquáticas localizados junto às margens condição. desses rios. Em cada um deles distribuímos Diante deste cenário, investigamos ao acaso cinco quadrados de 0,5 x 0,5 m como a disponibilidade de nutrientes afeta a sobre bancos de macrófitas. Em cada diversidade funcional de macrófitas. Nossa quadrado, coletamos de dois a oito hipótese é que em áreas com mais nutrientes indivíduos de cada espécie de planta para as macrófitas possuem maior diversidade medir o valor dos atributos funcionais. Os funcional. Sendo assim, bancos de atributos mensurados foram comprimento e macrófitas no rio Solimões devem largura da raiz, comprimento e largura da apresentar maior índice de diversidade maior folha, altura da planta, número de funcional que os bancos presentes no rio folhas, tipo de fixação no substrato Negro. (flutuante ou fixa ao solo) e estratégia de Métodos fixação de carbono (plantas C3 e C4). Área de estudo Análise de dados Realizamos o estudo em duas áreas Fizemos uma matriz de distância dos na Amazônia Central próximas à valores médios dos atributos medidos para confluência dos rios Negro e Solimões cada espécie utilizando o índice de Gower (3°14'S; 59°57'O). Uma das áreas é a várzea como medida de distância entre as espécies.

A partir disso, realizamos uma análise de espécie apresentasse alta variação nos agrupamento pelo método UPGMA diferentes rios ela se agruparia de forma (Unweighted Pair – Group Methods Using diferenciada. A partir do dendrograma Arithmetic Average) para calcular a resultante do agrupamento calculamos o diversidade funcional das espécies. Assim, comprimento de todas as ramificações os grupos foram formados de acordo com a necessárias para ligar todas as espécies em semelhança entre as espécies quanto aos uma unidade. Por exemplo, devemos somar atributos mensurados. Como resultado os ramos I, II, IV, VI, VII e VIII (Figura 1) temos um dendrograma que relaciona as em uma comunidade representada pelas espécies que são funcionalmente mais espécies A, B e C, e este somatório é o similares (Figura 1). As espécies que índice de diversidade funcional da ocorreram nas duas áreas foram comunidade (Petchey & Gaston 2002). consideradas independentemente em cada Finalmente, utilizamos estes valores para um dos rios (ex.: espécie A no rio Negro e comparar a diversidade funcional das A’ no rio Solimões; Figura 1). Dessa comunidades de macrófitas dos dois rios maneira, conseguimos incorporar a variação através de um teste-t. intra-específica na análise, pois se a mesma

Figura 1: Dendrograma hipotético gerado com os atributos funcionais das espécies A, B e C. Espécies que ocorreram em dois ambientes são distintas pelas aspas (ex.: A e A’).

Resultados bancos de macrófitas entre os dois rios. No Encontramos um total de 11 espécies entanto, ao avaliarmos a diversidade de macrófitas, sendo que quatro delas foram funcional das áreas, separando os valores de dominantes nas duas áreas, que são a atributos para indivíduos da mesma espécie Eichornea crassipes, Canarana sp., Salvinia que ocorreram em áreas diferentes, não sp. 1 e Poaceae sp.1. Isso resultou em uma observamos diferença entre os rios [F(1,8)= semelhança na composição de espécies dos 0,463; p= 0,515; Figura 2].

Figura 2. Comparação entre os Rios Negros e Solimões quanto ao índice de diversidade funcional dos bancos de macrófitas aquáticas (F(1,8)= 0,463; p= 0,515).

Discussão dois rios (Junk & Piedade, 1993). O que A semelhança na diversidade sugere se tratarem de especies generalistas, funcional encontrada entre os bancos de capazes de tolerar amplas variações macrófitas nos rios Negro e Solimões ambientais. Estas espécies, portanto, estão poderia ser explicada por dois fatores. O menos propicias a alterarem seus atributos primeiro refere-se à elevada semelhança na funcionais frente às diferenças de aporte composição de espécies entre as áreas. nutricional do que espécies mais Indivíduos da mesma espécie assemelham- especialistas, que não toleram grandes se mais entre si do que com indivíduos de variações ambientais. Desta forma, o fato outras espécies, logo comunidades com das espécies amostradas serem generalistas composição similar tendem a apresentar pode explicar a similaridade entre os bancos diversidade funcional semelhante. No de macrófitas dos dois ambientes quanto à entanto, indivíduos da mesma espécie diversidade funcional. podem variar quanto às suas características A baixa necessidade nutricional funcionais em diferentes ambientes e, exigida pelas espécies deste estudo deve ser portanto, mesmo comunidades com suprida pela pequena quantidade de composiçao similar podem apresentar nutrientes disponíveis no rio Negro, diversidade funcional diferente. Assim, o tornando desnecessárias alterações segundo fator que explica a semelhança na morfológicas para otimizar o diversidade funcional é que indivíduos da aproveitamento dos nutrientes. Nossos mesma espécie apresentam atributos resultados indicam que as macrófitas morfológicos similares em ambientes com encontradas em cada rio influenciam o diferentes quantidades de nutrientes. A funcionamento ecológico de suas composição semelhante e abaixa comunidades de forma similar, pois não plasticidade das espécies, em conjunto, apresentam diferença na diversidade sugerem que essas espécies respondem funcional de características relacionadas ao funcionalmente de maneira similar às uso de recursos nutricionais. variações entre os ambientes quanto à quantidade de nutrientes. Agradecimentos As espécies amostradas são Ao professor Marcus Cianciaruso, encontradas com elevada dominância nos pela orientação. Ao Ricardo, colega do EFA

2010, por ter cedido parte material Junk, J.W. 1997. The Central Amazon necessário a nossa coleta de dados. À floodplain: ecology of a pulsing system. Claudinha, monitora do EFA 2010, pela Berlin: Springer. ajuda em campo. Ao professor André Junk, J.W. & M.T.S. Piedade. 1993. Junqueira, por toda sua ajuda na correção do Herbaceous plants of the Amazon relatório. floodplain near Manaus: species diversity and adaptations to the flood Referências pulse. Amazoniana, 12:467-484. Begon, M., C.R. Townsend & J.L. Harper. Petchey, M.L. & K. Gaston. 2002. 2006. Ecology: from individuals to Functional diversity (FD), species ecosystems. Oxford: Blackwell richness and community composition. Publishing. Ecology, 5:402–411. Costa, A.C.M., C.M. Vera, C. Sanchez, F. Petchey, M.L. & K. Gaston. 2002. R. C.Costa, L.A.C. Moreno. 1995. Fauna Functional diversity: back to basics and associada a duas espécies de macrófitas looking forward. Ecology Letters, aquáticas na várzea do lago Janauari, 9:741–758. Manaus, AM, pp. 203-206. In: III Curso Violle, C., M.L. Navas, D. Vile, E. Kazakou, de campo de ecologia da Floresta C. Fortunel, I. Hummel & E. Garnier. Amazônica (R. Cintra, eds.). 2007. Let the concept of trait be INPA/Smithsonian/Unicamp/OTS. functional! Oikos, 116:882–892. Manaus, AM. Díaz, S., & M. Cabido. 2001. Vive la différence: plant functional diversity matters to ecosystem processes. Trends in Ecology and Evolution, 16:646-655.

Swartzia grandiflora (Fabaceae) depende da produção de folhas novas após o pulso de inundação para florescer?

Mônica Mamão, Bruno Barçante, Ricardo Dobrovolski, Fernanda Cardoso, Rodrigo Marciente

Introdução disponibilidade de dióxido de carbono e A fenologia é o estudo da nutrientes minerais, bem como privação ocorrência e das causas de eventos de luz e de água (Parolin 2009). Em vegetativos e reprodutivos periódicos. resposta a esses estresses, as plantas No caso das plantas, os padrões reduzem o crescimento e as atividades fenológicos são primariamente metabólicas, podendo entrar em definidos por fatores bióticos, como completa dormência nos períodos fisiologia e pela relação com inundados (Parolin & Wittmann 2010). polinizadores e dispersores (Frankie et No período de vazante, quando a al. 1974, Van Dulmen 2001). Além dos copa da planta começa a emergir, fatores bióticos, fatores abióticos como iniciam-se alguns eventos fenológicos a temperatura, fotoperíodo, precipitação (Ferreira & Parolin 2007, Parolin 2009). e regime hídrico também são A produção de folhas nessa fase pode importantes controladores da fenologia ser especialmente importante, pois após das espécies de plantas (Ferraz et al. um longo período de baixo 1999, Borchert & Rivera 2001). metabolismo, a planta precisa das folhas Em ambientes alagáveis, a para retomar a produção de energia com fenologia das árvores está diretamente a fotossíntese (Parolin 2001). Além das relacionada com o pulso de inundação folhas, a produção de flores também se (Schöngart et al. 2002). Em regiões inicia com a vazante (Ferreira & Parolin alagáveis da Amazônia Central, a 2007), consumindo grande quantidade flutuação do nível da água pode chegar de energia para formar tecido não- a 12 m ao longo do ano, causando fotossintetizante e néctar (Ashmam & inundações sobre extensas áreas por até Schoen 1997). Desta forma, após um sete meses (Oliveira & Daly 2001). As longo período de baixo metabolismo, a inundações periódicas causam estresses energia necessária para a subsequente às plantas como mudanças na produção e manutenção das flores pode

1 ser originária da energia produzida margens das ilhas do arquipélago. pelas novas folhas. Selecionamos apenas árvores que Nesse estudo nos propomos a estavam com a copa parcialmente avaliar como pulso de inundação inundada, sendo oito com presença de influencia a floração de Swartzia flores e oito sem flores. Medimos as grandiflora em floresta alagável. Nossa alturas emersa e submersa de cada hipótese considera que é necessário um árvore. Para estimar a altura emersa nível mínino de exposição da copa (altura entre a lâmina d’água e o topo da associado à produção de folhas novas árvore), medimos a distância da árvore para desencadear a floração. Nossa até o observador e utilizamos um expectativa é de que exista uma clinômetro para medir o ângulo do proporção mínima de copa emersa que observador até o topo da árvore. determine a presença de flores. Obtivemos a medida da altura emersa pela equação da tangente do ângulo Métodos obtido, considerando um triangulo Realizamos o estudo no Parque retângulo cujos catetos são Nacional de Anavilhanas, banhado pelo representados pela distancia da copa até rio Negro e localizado a o observador e pela altura da copa aproximadamente 80 km de Manaus, emersa. Para a altura submersa, AM, Brasil (3o5’ S - 59o59’ O). O nível utilizamos uma corda graduada com um das águas do rio Negro nessa região peso na extremidade para medir a varia sazonalmente devido à profundidade junto ao tronco da árvore. distribuição de precipitação e da Com a soma destas duas alturas, influência da cheia do rio Solimões- obtivemos a altura total da planta. Amazonas. O aumento anual das águas Calculamos a proporção da árvore que varia de 9 a 12 m (com pico em junho), estava emersa usando a razão entre causando inundações na vegetação às altura emersa e altura total. Para avaliar suas margens, formando as florestas de se a floração ocorria em resposta a uma igapó (Oliveira & Daly 2001). proporção mínima de copa emersa, Para coleta dos dados, realizamos uma regressão logística entre selecionamos 16 indivíduos de Swartzia a proporção de copa emersa de cada grandiflora (Fabaceae), localizados nas

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árvore e a presença ou ausência de exposição da copa em relação à altura floração. total das plantas variou de 10 a 51% para as plantas sem flores e de 20 a 47% Resultados para as plantas com flores (Figura 1). A Todas as plantas amostradas de proporção mínima de exposição da copa Swartzia grandiflora continham folhas não se relacionou com a presença de novas em desenvolvimento e não flores (χ2= 0,42; gl=1; p=0,431, Figura apresentavam frutos. A proporção de 1).

Figura 1. Presença (1) e ausência (0) de flores em relação à proporção da planta que se encontrava emersa nos 16 indivíduos de Swartzia grandiflora no Arquipélago das Anavilhanas.

Discussão demonstrado como um importante fator Nosso resultado indicou que a para renovação de folhas, floração e existência de uma proporção mínima de frutificação (Schöngart et al. 2002). tecido fotossinteticamente ativo emerso Nesse sentido, talvez as reservas não foi condição necessária para o armazenadas pela planta durante a início da fenofase reprodutiva. O estação seca anterior seja determinante armazenamento de reservas em tecidos para que a floração ocorra, mesmo com de parênquima do tronco já foi apenas pequena porção da planta

3 emersa e consequentemente baixa intensificação da radiação solar produção de energia por fotossíntese. incidente (Saleska et al. 2007). O Além disso, como o padrão de floração aumento da radiação permite maior foi extremamente variável em relação à produção de energia por fotossíntese proporção de copa emersa, é possível pela planta e, portanto, mais energia que indivíduos que conseguiram disponível para floração. Além desse armazenar mais reservas antes da cheia fator, a variação do fotoperíodo entre as podem florescer mais rápido. No estações do ano, mesmo que reduzida entanto, o fato de que não houve nas áreas próximas ao equador, também nenhum indivíduo com menos do que pode ser suficiente para atuar como um 20% da copa emersa entre as plantas aspecto indutor da floração (Wright & que apresentaram flores pode indicar Schaik 1994, Borchert & Rivera 2001). um processo secundário associado à A emersão da copa durante o floração. Eventualmente, o sinal de período de vazante do rio não foi floração dos indivíduos pode ser suficiente para explicar padrões de determinado por outro fatores como a floração em S. grandiflora. Outros idade das plantas ou a quantidade de fatores ambientais tais como o energia armazenada em outros períodos fotoperíodo e o aumento da radiação de seca. pela diminuição de nuvens na estação Em muitas espécies de plantas, o seca podem influenciar a floração desta sinal de floração é fortemente espécie. Além disso, a quantidade de dependente de fatores ambientais energia armazenada durante períodos de (Ferraz et al. 1999, Borchert & Rivera seca pode determinar o tempo de 2001). No entanto, o nível de água nem resposta de cada indivíduo aos sempre é o único fator responsável estímulos ambientais. Uma vez que pelos padrões fenológicos das espécies. mais de um fator ambiental pode ser Para muitas plantas de igapós, determinante do padrão fenológico, condições climáticas são fatores torna-se importante estimar o efeito importantes para desencadear a floração relativo de cada um deles para ser (Ferreira & Parolin 2007). Durante a possível prever os padrões de floração estação seca a quantidade de nuvens de populações de plantas em ambientes diminui e como consequência, há uma de inundação sazonal.

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Parolin P. 2001. Morphological and Referências physiological adjustments to Ashman, T.L. & D.J. Schoen. 1997. The waterlogging and drought in cost of floral longevity in Clarkia seedlings of Amazonian floodplain tembloriensis: an experimental trees. Oecologia, 128:326–335. investigation. Evolutionary Parolin, P. & F. Wittmann. 2010. Ecology, 11:289–300. Struggle in the flood: tree responses Borchert, R. & G. Rivera. 2001. to flooding stress in four tropical Photoperiodic control of seasonal floodplain systems. AoB Plants, development and dormancy in doi:10.1093/aobpla/plq003. tropical stem-succulent trees. Tree Parolin, P. 2009. Submerged in Physiology, 21:201–212. darkness: adaptations to prolonged Ferraz, K.D., R. Artes, W. Mantovani & submergence by woody species of L.M. Magalhães. 1999. Fenologia the Amazonian floodplains. Annals de árvores em fragmento de mata of Botany, 103:359–376. em São Paulo, SP. Revista Saleska, S.R., K. Didan, A.R. Huet & Brasileira Biologia, 59:305-315. H.R. da Rocha. 2007. Amazon Ferreira, L.V. & P. Parolin. 2007. Tree forest green-up during the drought phenology in central Amazonian of 2005. Science, 318:612. floodplain forests: effects of water Schöngart, J., M.T.F. Piedade, S. level fluctuation and precipitation Ludwigshausen, V.Horna & at community and population level. M.Worbes. 2002. Phenology and Pesquisas Botânica, 58:139-156. stem-growth periodicity of tree Frankie, G.W., G. Baker, P.A. Opler. species in Amazonian floodplain 1974. Comparative phenological forests. Journal of Tropical studies of trees in tropical wet and Ecology, 18:581-597. dry forest in the lowland of Costa Wright S.J. & C.P.V. Schaik. 1994. Rica. Journal of Ecology, 62:881– Light and the phenology of tropical 919. trees. The American Naturalist, Oliveira, A.A. & D.C. Daly. 2001. 143:193-199. Florestas do Rio Negro. São Paulo: Cia das Letras.

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A deposição de material particulado diminui as trocas gasosas em folhas inundáveis de Abarema sp. (Fabaceae)

Kátia Fernanda Rito Pereira, Sara Lodi de Carvalho, Alêny Lopes Francisco, Thiago Gechel Kloss e Thiago de Azevedo Amorim

Introdução custo. Assim, as plantas que vivem Florestas inundáveis são nestas áreas normalmente possuem caracterizadas por regimes anuais de pouco incremento de biomassa na fase inundação que fazem com que as de inundação. Esse baixo incremento espécies vegetais presentes nestas áreas pode ser devido à perda de carboidratos fiquem total ou parcialmente submersas durante a respiração, de estruturas pela por longos períodos (Parolin et al. decomposição e pela redução na 2004). A pressão ambiental exercida atividade fotossintética. Entretanto, pelos ciclos de inundação pode estudos mostram que em algumas favorecer ou até mesmo permitir o espécies amazônicas o crescimento estabelecimento de plantas com pode ser favorecido pela inundação características morfológicas (e.g. (Parolin 2001). Isso ocorre porque a lenticelas e desenvolvimento de novas época de cheia é um período onde a folhas) e fisiológicas (e.g. alteração na disponibilidade de luz e a temperatura atividade fotossintética) capazes de podem ser considerados ideais para o mitigar os efeitos da imersão (Larcher crescimento de algumas espécies. 1986). Para que ocorra o crescimento, é A anoxia resultante do fundamental que a planta realize trocas alagamento é uma das condições a gasosas. Além da anoxia, um efeito serem enfrentadas pelas plantas que direto do alagamento, podem haver ocupam os ambientes inundáveis efeitos indiretos que influenciam estas (Lambers et al. 2008). Porém a trocas. Em geral os trabalhos manutenção normal das atividades desconsideram os efeitos indiretos fisiológicas em ambientes de baixa (Parolin & Wittmann 2010), que podem oxigenação podem representar um alto ter uma influência significativa na

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atividade fotossintética das plantas. A produtividade baixa e condição ácida. A deposição de material particulado sobre produtividade baixa é decorrente do tipo folhas é um efeito indireto do de solo pobre em nutrientes da bacia alagamento (Larcher 1986, Parolin et al. hidrográfica que forma o rio Negro. 2004). Esta sedimentação pode Essa bacia está sujeita a inundação influenciar a realização de fotossíntese anual que pode durar até 270 dias (Junk por constituir uma barreira mecânica 2000). O nível da água apresenta uma que reduz a incidência luminosa sobre oscilação média de 8 m entre os as folhas e a eficiência das trocas períodos de cheia e seca (Walker 1995), gasosas. gerando um pulso de inundação, que Em uma planície alagável, caracteriza essa floresta como alagável. observamos que em Abarema sp. As florestas alagadas por água preta são (Fabaceae) as folhas recém-emersas no caracterizadas como igapó. E no período da vazante apresentam-se período de cheia do rio, as árvores cobertas por material particulado. Dessa localizadas próximo à margem do rio maneira, hipotetizamos que a deposição ficam total ou parcialmente submersas. de material particulado sobre as folhas Na vazante, as folhas dessas árvores, dessa espécie limite as trocas gasosas. anteriormente submersas, apresentam Esperamos que a presença de material uma deposição de material particulado particulado nas folhas de Abarema sp. em sua superfície. aumente a resistência estomática e reduza a transpiração. Coleta de dados Nós selecionamos uma mancha Métodos de arbustos de Abarema sp. (Fabaceae) na margem de uma das ilhas. Área de estudo Identificamos nessa mancha 11 folhas Desenvolvemos o estudo no emersas, que estavam a cerca de 20 cm arquipélago de Anavilhanas, localizadas da lâmina d’água e apresentavam no rio Negro, na Amazônia brasileira material particulado sedimentado; e 11 (02º47’ S-60º48’ O). As águas do rio folhas maduras que não foram Negro são classificadas como água submersas na cheia desse ano. Em cada preta (Sioli 1985) e apresentam folha, nós medimos a resistência

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estomática e a transpiração foliar com Para avaliar se a presença do um porômetro de equilíbrio dinâmico Li material particulado nas folhas 1600 (Licor, NE, USA). Nós influencia a resistência estomática e a consideramos como par uma folha com transpiração foliar, realizamos um teste material particulado e uma sem material t pareado. Consideramos como particulado, e realizamos as medições variáveis dependentes a resistência de forma consecutiva, iniciando sempre estomática e a transpiração foliar e pela folha com material particulado. como variável independente a presença Desta forma, realizamos 11 amostras de material particulado nas folhas. pareadas em horários ligeiramente distintos. Nós adotamos esse protocolo Resultados para controlar o efeito do horário do dia Como esperávamos, a presença nos pares avaliados (folhas com e sem de sedimento em folhas de Abarema sp. material particulado), pois as funções influenciou a transpiração foliar e a fisiológicas das folhas geralmente resistência estomática. A transpiração -2 -1 variam no decorrer do dia. Isto é foliar foi 5,47 µg.cm .seg maior na conseqüência da oscilação de variáveis ausência de material particulado do que básicas para o desenvolvimento da na presença de material particulado planta (intensidade luminosa, (t(10)=-2,45; p=0,03; Figura 1a). Já a disponibilidade de gás carbônico, resistência estomática foi 0,98 seg.cm-1 temperatura e umidade relativa do ar) menor na ausência do que na presença

de sedimento na folha (t(10)=3,06; Análise estatística p=0,01; Figura 1b).

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a

b

Figura 1: Transpiração foliar (a) e resistência estomática (b) em relação à presença e ausência de material particulado sedimentado em folha de Abarema sp em uma floresta inundada na Amazônia.

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Discussão durante a fase de alagamento são Os nossos resultados indicam favoráveis ao crescimento de algumas que a deposição de material particulado espécies na região amazônica (Parolin limita as trocas gasosas nas folhas de 2001). Indivíduos de Abarema sp. , por Abarema sp. Este achado representa exemplo, poderiam apresentar uma uma nova evidência sobre os efeitos grande produção de folhas no período indiretos dos pulsos de inundação em de vazante mesmo com a limitação de ambientes alagáveis e suas implicações luz e gás carbônico decorrente do na limitação da atividade fotossintética. material particulado depositado sobre as Revisões recentes sobre este tema não folhas. Poderíamos esperar também que se referem a esse mecanismo que pode as folhas com material particulado ser freqüente nas áreas inundadas da fossem perdidas pela planta devido à Amazônia. sua baixa atividade fotossintética. A limitação das trocas gasosas Contudo, a produção de novos órgãos documentadas neste estudo pode demanda gasto de energia. Do ponto de decorrer do fato que a camada de vista energético, a deciduidade não é material particulado impõe uma barreira um processo econômico em ambientes mecânica reduzindo a difusão de gás de baixa disponibilidade de recursos carbônico e atenuando a incidência como os igapós (De Simone et al. luminosa sobre a folha (Taiz & Zeiger 2002). Dessa maneira, pode ser menos 2002). O gás carbônico é fonte essencial custoso para a planta investir na para a produção de carboidratos, por manutenção das folhas com material isso a limitação dele compromete o particulado sedimentado e compensar as crescimento. Por outro lado, a luz é perdas fotossintéticas através da fundamental para a ocorrência das produção de folhas novas. trocas gasosas, pois estimula a abertura Além disso, as folhas com estomática e promove a excitação material particulado sedimentado eletrônica nos fotossistemas, o que permanecem com aspectos normais de desencadeia o processo da fotossíntese coloração e turgidez, e por isso é (Larcher 1986, Taiz & Zeiger 2002). provável que retomem os níveis de Tem sido proposto que a atividade fotossintética normais se a condição de luminosidade e temperatura camada de sedimento particulado for

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retirada. Em síntese não há evidências Parolin, P., O. De Simone, K. Haase, D. de que a redução de fotossíntese Waldhoff, S. Rottenberger, U. experimentada pelas folhas cobertas por Kuhn, J. Kesselmeier, B. Kleiss, W. material sedimentado seja Schmidt, M.T.F. Piedade & W.J. suficientemente grande para afetar Junk. 2004. Central Amazonian negativamente a aptidão do indivíduo e floodplain forests: tree adaptations da população, todavia estudos devem in a pulsing system. The Botanical investigar outras possibilidades. Review, 70(3):357–380. Parolin, P. & F. Wittmann. 2010. Referências Struggle in the flood: tree responses De Simone, O., E. Müller, W.J. Junk & to flooding stress in four tropical W. Schmidt. 2002. Adaptations of floodplain systems. AoB Plants, Central Amazon tree species to 2010:1-19. prolonged flooding: morphology Peel, M.C., B.L. Finlayson & T.A. and leaf longevity. Plant Biology, McMahon. 2007. Updated world 4:515-522. map of the Köppen-Geiger climate Junk, W.J. 2000. Fish communities in classification. Hydrology and Earth central Amazonian white and System Science, 11:1633-1644. black water floodplains. Sioli, H. 1985. Amazônia: fundamentos Environmental Biology of da ecologia da maior região de Fishes, 57:235-250. florestas tropicais. Petrópolis: Lambers, H., F.S. Chapin III & T.L Editora Vozes. Pons. 2008. Plant Physiological Taiz, L. & E. Zeiger. 2002. Fisiologia Ecology. New York: Springer Vegetal. Porto Alegre: Artmed. Larcher, W. 1986. Ecofisiologia Walker, I. 1995. Amazonian stream and vegetal. São Paulo: Editora small rivers, pp. 167-193. In: Pedagógica Universitária. Limnology in Brazil (J.G. Tundisi; Parolin, P. 2001. Morphological and C.E.M. Bicudo & T. Matsumura physiological adjustments to Tundisi, eds.). São Carlos: waterlogging and drought in Brazilian Academy of Science – seedlings of Amazonian floodplain Brazilian Limnological Society. trees. Oecologia, 128:326–335.

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Branco no negro: decomposição de folhiço é similar em águas mistas e pretas na Amazônia

Laura C. Leal, Bruno Cid, Camila Vieira, João Capurucho, Thallita Grande

Introdução A composição e atividade dos A ciclagem de nutrientes é um decompositores podem ser processo fundamental para o influenciadas por características do funcionamento dos ecossistemas ambiente (Dangles et al. 2004). Por este terrestres e aquáticos e inicia na motivo, diferentes ambientes podem decomposição da matéria orgânica apresentar guildas distintas de (Resco & Ferrero-Serrano 2007). Com a decompositores, as quais se decomposição, nutrientes que estavam especializaram no consumo de matéria retidos na biomassa vegetal ou animal orgânica sob condições particulares de retornam ao ambiente físico e ficam cada habitat (Berg & McClaugherty disponíveis para outros organismos 2008). Este fato pode ser observado em (Begon et al. 2006). Os organismos habitats sujeitos à inundação, como em decompositores comumente presentes planícies alagáveis. Estas planícies no substrato são os responsáveis pela passam por longos períodos de conversão da biomassa morta em alagamento e os decompositores destes compostos que podem ser prontamente locais são especializados no consumo assimilados pelos produtores primários da matéria orgânica sob baixa (Allan 1995). Os decompositores se disponibilidade de oxigênio (Lampert & substituem no consumo da matéria Sommer 2007). A acidez é uma das orgânica ao longo de um gradiente de principais características da água que decomposição na maioria dos afetam a ocorrência dos decompositores ecossistemas tropicais. Artrópodes são (Dangles et al. 2004). Por esse motivo, os principais agentes fragmentadores águas mais ácidas podem apresentar que iniciam a quebra das partículas menor taxa de decomposição, havendo orgânicas, enquanto fungos e bactérias grande acúmulo de necromassa no são os principais agentes envolvidos na substrato (Berg & McClaugherty 2008, decomposição química subsequente Melillo 1982). (Resco & Ferrero-Serrano 2007). Na bacia Amazônica, rios de água preta são mais ácidos em

1 comparação a rios de água branca fúlvicos. Próximo à foz do Rio Branco, (Mendonça et al. 2008). Rios de água as águas pretas sofrem a influência das preta ocorrem em bacias com solos águas brancas deste rio, deixando a arenosos, que permitem a percolação de margem esquerda do Rio Negro com grandes quantidades de ácidos húmicos características intermediárias aos dois e fúlvicos oriundos da matéria orgânica tipos de água (Sioli 1985). decomposta no solo das florestas. Por se Nós selecionamos dez pontos localizarem em bacias com solos amostrais em ilhas sob influência de argilosos, rios de água branca água mista e de água preta, cinco em apresentam menor concentração destes cada tipo de água. Escolhemos os ácidos, que ficam retidos no solo (Sioli pontos ao longo da margem das ilhas, 1985). Rios de água preta e branca em locais com acesso às áreas não podem se encontrar e formar rios de alagadas. Em cada ponto, nós águas mistas, que apresentam registramos o pH da água com o auxílio características intermediárias de acidez de uma fita medidora de pH. Nós (Sioli 1985). Assim, a decomposição de coletamos aproximadamente 300 g do matéria orgânica pode variar entre folhiço submerso, em áreas com 1 m de locais sob influência destes diferentes profundidade e com ausência de luz. rios. Concomitantemente, em um raio de Nosso objetivo é analisar como é cinco metros no entorno do ponto da a decomposição do folhiço submerso coleta do folhiço, coletamos uma folha sob águas com diferentes valores de pH. viva de cada espécie vegetal. Nós Nós investigamos a hipótese de que a lavamos o folhiço e as amostras de decomposição do folhiço é menor em vegetação viva coletadas, para remoção águas mais ácidas. dos sedimentos. Nós cortamos 40 discos com 23,75 mm² de cada folha tanto do Métodos folhiço, como das espécies vegetais Nós realizamos o trabalho no vivas. Usamos os discos para padronizar arquipélago de Anavilhanas, localizado o efeito das diferentes áreas das folhas no rio Negro, próximo ao município de na medição da biomassa. Novo Airão, AM, Brasil (03°05' S, Após secar e pesar os discos nós 59°59' O). As ilhas do arquipélago são calculamos um índice de decomposição banhadas por águas pretas, pobres em que consiste na razão entre a massa seca nutrientes e ricas em ácidos húmicos e do folhiço e a massa seca da vegetação.

2 Nós incluímos a massa seca da pareado não pode ser adotado. Desta vegetação do entorno com o objetivo de forma, nós utilizamos um teste t para controlar possíveis diferenças na testar nossa previsão de que o índice de composição das folhas de plantas do rio decomposição da folhiço será maior em de água preta e mista que interferissem águas pretas que em águas mistas. na velocidade de decomposição do folhiço de cada local (Coleman et al. Resultados 2004). Em águas pretas e mistas a Nós estamos cientes que um biomassa média dos discos da delineamento experimental pareado vegetação foi de 0,06g ± 0,008 (média ± seria o mais adequado para este erro padrão) e 0,06g ± 0,01, trabalho. A seleção de pontos de coleta respectivamente. Já para o folhiço, a próximos, que tivessem características biomassa média dos discos em águas ambientais similares, mas estivessem pretas e mistas foi de 0,08g ± 0,01 e distribuídos em ambientes de água 0,07 ± 0,008, respectivamente. O índice mista e preta, reduziria a influência de de decomposição foi semelhante entre outros fatores que podem afetar a água preta e mista (t(8) = 0,99; p = 0,35; decomposição da serrapilheira, mas que Figura 1) e apresentou valores não fazem parte do escopo deste superiores a um em todas as amostras. trabalho. Contudo, nós não encontramos Águas mistas e pretas apresentaram locais próximos banhados por água valores médios de pH de 6 e 5,2, preta e mista e assim o delineamento respectivamente.

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2,0

1,5 osição do folhiço p

1,0 Índice de decom

0,5 Mista Preta Tipo de água

Figura 1. Índice de decomposição do folhiço (média ± erro padrão) em locais de água mista e preta no Arquipélago de Anavilhanas, Manaus.

Discussão a água branca termina por se diluir e seu A decomposição do folhiço em efeito no igapó deve não se estender áreas de igapó sob influência de água sobre os processos ecossistêmicos, mista e preta ocorre de forma similar, como é o caso da decomposição de sugerindo que a mistura de água preta e matéria orgânica. Desta forma, no igapó branca não altera a decomposição da os processos ecossistêmicos devem, matéria orgânica. Este resultado vai de então, ser influenciados pelas condições encontro ao padrão vigente na literatura impostas pelas águas pretas, que são de que a decomposição da matéria dominantes no sistema (Sioli 1985). orgânica é diferente em águas com A similaridade na decomposição características distintas (Sioli 1985). do folhiço ainda pode ser resultado da A semelhança de decomposição influência de outros fatores que não encontrada em rios de água preta e somente o tipo de água. A grande mista pode ser explicada pelo variação que encontramos no índice de predomínio das águas pretas sobre as decomposição do folhiço em águas brancas. O rio Negro apresenta pontos pretas e mistas apóia essa evidência. de entrada de águas brancas. Por mais Características como temperatura, que esta entrada promova modificações incidência solar e velocidade da locais nas características da água preta, correnteza também podem afetar a

4 decomposição de matéria orgânica em Berg, B. & C. McClaugherty. 2008. planícies alagáveis e devem ser Plant litter: decomposition, humus controladas para testar o efeito apenas formation, carbon sequestration. da acidez da água sobre a decomposição Berlin: Springer-Verlag. (Danglers et al. 2009). Coleman, D.C., D.A. Crossley Jr. & Assim, a influência da entrada P.F. Hendrix. 2004. Fundamentals de água branca em rios de água preta of soil ecology. London: Elsevier parece não modificar a padrão de Academic Press. decomposição de matéria orgânica no Dangles, O., M.O. Gessner, F. Guerold igapó. Nós sugerimos que outros fatores & E.Chauvet. 2004. Impacts of ambientais e suas interações sejam stream acidification on litter incorporados em futuros estudos para breakdown: implications for elucidar qual conjunto de atributos assessing ecosystems functioning. ambientais melhor predizem as Journal of Applied Ecology, variações na decomposição de matéria 41:365-378. orgânica em planícies alagadas. Lambers, H., F.S. Chapin III & T.L. Pons 2008. Plant physiological Referências ecology. New York: Springer. Allan, J.D. 1995. Stream ecology: Lampert, W. & U. Sommer. 2007. structure and function of running Limnoecology. Oxford: Oxford waters. London: Chapman & Hall. press. Adl, S.M. 2003. The ecology of soil Melillo, J.M., J.D. Aber & J.F. decomposition. Londres: CABI Muratore. 1982. Nitrogen and Publishig. lignin control of hardwood leaf Begon, M., C.R. Townsend & J.L. litter decomposition dynamics. Harper. 2006. Ecology: from Ecology, 63:621-626. individual to ecosystems. Oxford: Mendonça, F., V. Pazin, H. Espírito- Blackwell publishing. Santo, J. Zuanon & W. Magnusson. Berg, B. 1986. The influence of 2008. Peixes, pp. 63-75. In: experimental acidification on Reserva Ducke: a biodiversidade nutrient release and decomposition amazônica através de uma grade rates of needles and root litter in the (M.L. Oliveira, F.B. Baccaro, R. forest floor. Forest Ecology and Braga-Neto & W. Magnusson, Management, 15:195-213.

5 eds.). Manaus: Áttema Design progress (S.I. Muñoz, ed.). Nova Editorial. York: Nova Science Publishers. Resco, V. & A. Ferrero-Serrano. 2007. Sioli, H. 1985. Amazônia: fundamentos Responses of microbial populations da ecologia da maior região de and process to pulses of florestas tropicais. Petrópolis: precipitation in semiarid forest Editora Vozes. ecosystems. In: Ecology research

6 A altura das copas de árvores submetidas a pulsos de inundações influencia a riqueza e a estrutura de uma metacomunidade de aranhas?

Gabriela B. Arcoverde; André de A. Mendonça; Demétrius L. Martins; Gláucia Oliveira; Pedro Vieira

Introdução como as comunidades se organizam em diferentes escalas. Um dos desafios da ecologia de A sazonalidade é um fenômeno que comunidades é entender quais fatores afetam pode ter importantes efeitos na dinâmica de a dinâmica das comunidades em diferentes metacomunidades (Leibold et al. 2004). A escalas espaciais (Wiens 1989). No entanto, sazonalidade altera de maneira periódica as apenas recentemente têm sido desenvolvidas condições abióticas do ambiente, como proposições teóricas que integram dinâmicas pluviosidade e temperatura. Alterações em escala local e regional para entender os sazonais podem gerar perturbações no processos que determinam a coexistência de ambiente, ocasionando extinções locais nas espécies. Uma dessas propostas é a teoria de metacomunidades. Quando o ambiente se metacomunidades, a qual considera uma torna favorável novamente, ele pode ser metacomunidade como “um conjunto de recolonizado. Neste caso, a dinâmica das comunidades interligadas por dispersão” metacomunidades deve ser influenciada, (Leibold et al. 2004). A abordagem no nível sobretudo, pela capacidade de colonização e de metacomunidades busca entender como persistência das espécies em uma processos locais podem influenciar a comunidade perturbada. coexistência de espécies no nível regional e Alterações sazonais no fluxo de água como os processos que dirigem as nos rios amazônicos determinam a comunidades regionalmente afetam a ocorrência de inundações regulares, coexistência de espécies localmente conhecidas como pulsos de inundações (Leibold et al 2004). Assim, a teoria de (Junk 1989). O aumento do fluxo de água metacomunidades congrega processos que leva ao aumento do nível dos rios, alagando antes eram considerados separadamente, parcialmente árvores anteriormente emersas. como competição e migração, para entender Algumas destas árvores ocorrem 1

isoladamente ao longo das áreas inundadas, de distribuição de espécies de uma formando pequenas ilhas que são habitadas metacomunidade de aranhas. Nós por várias espécies de aranhas que migram hipotetizamos que: (i) comunidades de ilhas verticalmente com o aumento do nível da sujeitas a maiores níveis de inundação água (Gonçalves et al. 2008, Höfer 1997, apresentarão menor diversidade de aranhas e Pacífico et al. 2009). Assim, cada ilha (ii) comunidades de ilhas sujeitas a maiores possui uma comunidade de aranhas, e o níveis de inundação possuirão subconjuntos conjunto de comunidades presentes nas de espécies das menos inundadas. Para diferentes ilhas pode ser considerado uma primeira hipótese esperamos que as copas metacomunidade (Gonçalves et al. 2008, das árvores mais baixas possuam menor Pacífico et al. 2009). Com a cheia, algumas riqueza de aranhas. Com relação à segunda árvores ficam totalmente submersas e as hipótese, esperamos que exista um padrão comunidades de aranhas presentes nelas são aninhado de ocorrência de espécies, de extintas. Outras copas ficam parcialmente maneira que as espécies que ocorrerem nas emersas e o impacto da inundação na copas de árvores mais baixas sejam um comunidade deve ser maior à medida que a subconjunto das árvores de copa mais altas. parte emersa reduz. Na vazante, as áreas das árvores previamente alagadas ficam Métodos disponíveis, permitindo que as aranhas Realizamos o estudo no Parque recolonizem o espaço perdido durante a Nacional de Anavilhanas (03°05’ S - 59°59’ cheia. Ilhas mais baixas teriam apenas os O) localizado no rio Negro a novos colonizadores, enquanto que ilhas aproximadamente 80 km ao norte de mais altas teriam espécies que ocupam os Manaus, Amazonas, Brasil. O nível de água novos espaços, além das espécies que do rio possui uma variação média anual de sobreviveram ao alagamento. Assim, é 10 m, submergindo grandes áreas do possível que ilhas mais baixas contenham arquipélago de Anavilhanas no período de subconjuntos de espécies de aranhas cheia (Nessimian et al. 1988). provenientes das ilhas mais altas. Utilizamos as copas de Eschweilera Neste estudo buscamos responder tenuifolia (Berg.) Miers (Lecythidaceae), como o pulso de inundação afeta o padrão como modelos de ilhas. Usamos apenas uma

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espécie de planta no estudo para minimizar Posteriormente, separamos as aranhas em variações entre as arquiteturas das árvores. morfoespécies e calculamos a riqueza para Escolhemos oito copas de árvores ao longo cada ilha. Para testar se a riqueza é maior em do curso do rio, incluindo o máximo de copas mais altas, realizamos uma regressão variação na altura da copa emersa possível múltipla relacionando riqueza (variável (baseado em estimativas visuais de altura resposta), altura (variável preditora) e área das copas em relação ao nível da água). da copa (covariável). Para testarmos se Amostramos as árvores localizadas a uma copas mais baixas eram subconjuntos das distância mínima de 40 m das margens para copas mais altas, construímos uma matriz de garantir que elas possuíssem a mesma presença e ausência das morfoespécies nas capacidade de colonização pelas aranhas, ilhas e fizemos uma análise de aninhamento. uma vez que a partir dessa distância a Essa análise gera um valor de temperatura riqueza não se altera em relação à margem que é uma medida do grau de aninhamento (Gonçalves et al. 2008). Em cada árvore, das comunidades. Para avaliar a chance do medimos o perímetro da copa, a altura da valor da temperatura encontrado ocorrer ao árvore exposta sobre a lâmina d’água e a acaso, realizamos 1000 aleatorizações com altura máxima atingida pela água nos reposição da ocorrência das aranhas entre as troncos das árvores para obter a altura da diferentes copas. copa das árvores que ficaram expostas Resultados durante o pico de inundação. Obtivemos a As alturas das copas das árvores altura emersa a partir da altura acima da variaram entre 0,4 m abaixo e 5,8 m acima lâmina da água menos a altura máxima na da altura máxima atingida pela água no pico última cheia. da cheia. Encontramos 30 morfoespécies de Para padronizar o esforço amostral aranhas, com variação de 3 a 15 proporcionalmente ao tamanho da unidade morfoespécies por copa. Não encontramos amostral, fizemos um evento de coleta a relação da riqueza de espécies de aranhas cada seis metros de perímetro da árvore. Em com a altura das copas (F =8,06; p=0,37; cada evento, chacoalhamos manualmente 30 (2,5) figura 1). Também não observamos um vezes os galhos e coletamos as aranhas com padrão de distribuição aninhado na uma bandeja de 50 cm x 35 cm. comunidade (temp=38,9 ºC; p=0,42) 3

6

4

2

0

-2

-4

-6

Resíduosda regressão entre riqueza da e área copa -101234567 Resíduosregressãoda linear entre riqueza área e copada AlturaAltura (m) (m)

Figura 1. Relação entre a altura da copa de Eschweileria tenuifolia emersa no pico da cheia e os resíduos da regressão linear entre riqueza de aranhas e área da copa no arquipélago de Anavilhanas, Brasil.

Discussão permaneceram nas ilhas parcialmente Não encontramos evidências de que emersas. o pulso de inundação afeta a riqueza de Talvez a predação entre as espécies aranhas em ilhas com diferentes alturas de de aranhas nas copas seja responsável pela inundação, nem que as comunidades de similaridade de riqueza de espécies. Como árvores mais inundadas sejam subconjuntos as espécies de aranhas migram verticalmente das comunidades de árvores menos para as regiões mais altas à medida que o inundadas. Isso sugere que existem nível da água sobe (Höfer 1997), é possível mecanismos mantendo a riqueza de aranhas que haja um adensamento de espécies e de de forma similar em ilhas sujeitas a indivíduos nesses locais. Conseqüentemente, diferentes níveis de inundação e que as a intensidade de predação entre as aranhas recolonizações não são realizadas nas comunidades deve aumentar, uma vez exclusivamente por espécies que que o aumento da densidade populacional aumenta a chance de encontros entre 4

predador e presa. Neste contexto, esperamos estabelecimento de novas espécies devido a que as aranhas com maior tamanho corporal predação das aranhas pequenas que atinjam sejam predadoras de aranhas menores (Wise essas ilhas. A partir desse momento, as 1993). colonizações podem deixar de ser aleatórias A ausência de um padrão aninhado e passam a ser determinísticas. Sugerimos também pode ocorrer em resposta à que estudos futuros investiguem se copas predação entre aranhas. As aranhas maiores mais altas apresentam uma proporção maior podem predar as aranhas menores de aranhas predadoras do que aranhas impedindo seu estabelecimento nas copas presas. Como aranhas maiores podem ser maiores. Assim, os únicos sítios que predadoras mais eficientes (Wise 1993), estariam disponíveis para a colonização das espera-se que em copas menos sujeitas ao aranhas menores seriam as copas recém nível da inundação as aranhas apresentem emersas que estão desabitadas. Portanto, é um tamanho médio do corpo maior quando possível que a metacomunidade esteja comparadas com aranhas presentes em copas compartimentalizada. As copas maiores de árvores mais sujeitas ao pulso de seriam habitadas por aranhas maiores e as inundação. copas menores por aranhas de ambos os tamanhos que eventualmente cheguem a Agradecimentos esses locais. Agradecemos ao professor André Se a predação dependente de Junqueira pela orientação e ajuda em campo, adensamento é realmente responsável pela ao Murilo Dias pela ajuda nas análises e ao estruturação das comunidades de aranhas Paulo Henrique Peixoto e Gustavo Romero nesse sistema, é possível que os padrões de pelas contribuições no aperfeiçoamento riqueza sejam determinados por dois deste trabalho. Aos amigos do EFA 2010 processos em momentos diferentes. pela amizade e momentos felizes. Primeiro, a colonização deve ocorrer de maneira aleatória nas copas recém emersas. Referências Em seguida, o número de espécies dessas Gonçalves, F., H.D. Brum, L. Soares, C. copas pode aumentar a tal ponto que a Rosa & S. Outeda-Jorge. 2008. Riqueza predação entre as aranhas passa a restringir o e distribuição de aranhas em linhas

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formadas por copas de árvore em Igapó. Pacífico, E., G.G. Mazzochini, J. Domingos, In: Livros do Curso de Campo M. Silva & M.C.M. Chelini. 2009. “Ecologia da Floresta Amazônica” (J.L. Tamanho é documento: riqueza e Camargo & G.Machado, eds). Manaus: distribuição de aranhas em ilhas com Editora do INPA. diferentes áreas. In: Livros do Curso de Höfer, H. 1997. The spider communities, pp. Campo “Ecologia da Floresta 373-384. In: The Central Amazon Amazônica” (J.L. Camargo, G. Floodplain (W.J. Junk ed.). Berlin: Machado, F. Pinto & P. E. Peixoto, Springer. eds.). Manaus: Editora do INPA. Junk, J.W., P.B. Bayley & R.E. Sparks. Wiens, J.A. 1989. Spatial scaling in ecology. 1989. The flood pulse concept in river- Functional Ecology, 3:385-397. floodplain systems. Canadian Species Cambridge: Cambridge University Publish Fish Aquatic Science, 106:110- Press. 127. Wise, D.H. 1993. Spiders in ecological Leibold, M.A., M. Holyoak, N. Mouquet, P. webs. Amarasekare, J.M. Chase, M.F. Hoopes, R.D. Holt, J.B. Shurin, J.B. Law, D. Tilman, M. Loreau & A. Gonzalez. 2004. The metacommunity concept: a framework for multi-scale community ecology. Ecology Letters, 7:601-613. Nessimian, J.L., L.F.M. Dorvillé, A.M. Sanseverino & D.F. Batista. 1998. Relation between flood pulse and functional composition of the macroinvertebrate benthic fauna in the lower Rio Negro, Amazonas, Brazil. Amazoniana, 15:35-5.

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Árvores de sub-bosque de floresta alagável investem mais em crescimento em altura do que em diâmetro?

Sara Lodi, Bruno Cid, Fernanda Cardoso, Gabriela Arcoverde & João Capurucho

Plantas que ocupam diferentes estratos na floresta possuem diferentes estratégias de crescimento. Estudos mostram que árvores de dossel investem mais em crescimento em altura do que árvores de sub-bosque. Isto possivelmente ocorre porque árvores de dossel não são tolerantes à sombra e precisam atingir rapidamente o dossel para ter acesso à luz. Todavia, árvores de sub-bosque são tolerantes à sombra e podem investir mais em crescimento em diâmetro. Porém, em ambientes sujeitos a inundação é vantajoso para todas as plantas investirem mais em crescimento em altura. Assim, podem manter as copas emersas por mais tempo e sustentar a atividade metabólica das folhas mesmo quando inundadas. Prevemos que a relação entre crescimento em diâmetro e em altura (RDA) seja semelhante entre espécies de sub-bosque e de dossel em áreas alagáveis. Amostramos 30 árvores de diferentes espécies (15 de dossel e 15 de sub-bosque) no Arquipélago de Anavilhanas na Amazônia Central. Medimos a altura e o diâmetro à altura do peito de cada indivíduo. Realizamos uma regressão entre altura e diâmetro e extraímos os resíduos. Reamostramos com reposição os resíduos de cada estrato e retiramos as médias e os intervalos de confiança (95%). As distribuições foram diferentes devido à não sobreposição dos intervalos de cada estrato com a média do outro. Plantas de dossel investiram mais em crescimento em altura do que plantas de sub-bosque. A RDA pode ser determinada pelas características de cada espécie. Assim, árvores de igapó parecem já terem sido selecionadas para ambientes alagáveis, fazendo com que o crescimento diferencial não seja limitante para elas.

Sobrevivendo no deserto alagado: ramos foliares absorvem água em resposta ao estresse hídrico?

Gláucia M. A. de Oliveira, André de A. Mendonça, Pedro Rates Vieira, Ricardo Dobrovolski e Rodrigo Marciente

Em florestas alagadas, a anoxia causa redução funcional e morte das raízes, levando à diminuição da absorção de água pelas plantas. Assim, possivelmente as plantas obtêm água por vias alternativas, como os órgãos aéreos. Nossa hipótese é que Swartzia grandiflora diminui o estresse hídrico absorvendo água pelos ramos quando suas raízes estão submersas. Amostramos sete indivíduos em floresta de igapó e em cada um coletamos três ramos. Deixamos os ramos desidratando por uma hora para simular uma situação de estresse hídrico. Submetemos os ramos a três tratamentos: sem oferta de água (controles), submersão por uma hora (submersos), simulando a imersão no rio, e submersão por 30 segundos (umedecidos), simulando eventos de precipitação. Todos os ramos foram cobertos por um saco preto. Como a absorção de água deve resultar em aumento na transpiração e maior abertura estomática, medimos essas variáveis antes e uma hora após os tratamentos. A resistência estomática manteve-se elevada não diferindo entre os tratamentos

(F(2,18) = 0,55; p = 0,58). Entretanto, ramos umedecidos tiveram maior transpiração que os demais

(F(2,18) = 4,64; p = 0,02). Na condição submersa os ramos não absorvem água, uma vez que ela é absorvida pelas plantas na forma gasosa. A condição umedecida, porém, aumentou a umidade do ar e favoreceu a absorção de vapor d’água pelos ramos. Concluímos que S. grandiflora apresenta uma via alternativa de absorção de água e sugerimos trabalhos que investiguem se o processo é recorrente na comunidade do igapó e sua influência no ciclo hidrológico das florestas alagáveis.

A assimetria floral influencia a atração de visitantes?

Kátia Fernanda Rito Pereira, Demétrius Lira Martins, Bruno Barçante Ladvocat Cintra, Mônica Alves Mamão, Thiago de Azevedo Amorim

Ataque de herbívoros e patógenos e deficiência na disponibilidade de recursos levam à assimetria de estruturas florais. Essas modificações nas flores indicam aos visitantes florais visualmente orientados uma diminuição na qualidade de recursos como néctar e pólen. Neste sentido nós testamos a influência da simetria floral na atração de visitantes, esperando que flores com pétalas cortadas (assimétricas) não sejam visitadas. Observamos durante 2 horas a ocorrência de visitas em 36 flores de um indivíduo de Clitoria amazonum (Fabaceae) em uma floresta de igapó na Amazônia Central. Em 18 flores nós retiramos um pedaço de uma das pétalas (tratamento flor assimétrica) e em 18 flores fizemos uma pequena incisão em uma das pétalas sem comprometer sua simetria (tratamento controle). Dessa forma, o possível efeito do odor exalado em função do corte ou incisão foi padronizado para os dois tratamentos. Registramos três e seis ocorrências de visita de abelhas nas flores assimétricas e simétricas, respectivamente. Não encontramos diferença entre as ocorrências de visitas em flores simétricas e assimétricas (X2 = 1,33; gl = 1, p = 0,24). Nosso resultado indicou que a simetria floral não determinou a atração dos visitantes florais em C. amazonum, possivelmente pelas abelhas serem orientadas por outros fatores tais como a coloração das pétalas e odores. Tamanho não é documento: pernas maiores não conferem maior deslocamento em Trepobates sp. (Hemiptera: Gerridae)

Thiago Gechel Kloss, Alêny Lopes Francisco, Camila Vieira, Laura Carolina Leal e Thallita Oliveira de Grande

Gerrídeos se movimentam sobre a lâmina d’água por movimentos de propulsão das pernas anteriores. Indivíduos com pernas desproporcionalmente maiores podem se deslocar mais rapidamente e serem favorecidos no forrageio ou escape de predadores. Dessa forma, esperamos que indivíduos com pernas anteriores desproporcionalmente mais longas em relação ao corpo se desloquem a distâncias maiores. Para testar essa previsão, coletamos 30 indivíduos de gerrídeos em áreas de remanso no arquipélago de Anavilhanas, Brasil. Estimulamos o deslocamento de cada indivíduo em uma bandeja com água ao submergir um bastão próximo à região posterior do corpo do hemíptero. Medimos a distância percorrida pelo indivíduo em seu primeiro deslocamento após o estímulo. Aferimos o comprimento médio das patas anteriores e a área do corpo dos gerrídeos. Usamos os resíduos de uma regressão linear entre o comprimento da perna e área do corpo como medida da relação perna-corpo. Não observamos relação entre os resíduos da regressão perna-corpo com deslocamento dos gerrídeos (r2=0,03;

F(1,28)=0,85; p =0,36). Para o aumento de 1 cm na área do corpo houve aumento de 1,16 2 cm (95% IC=0,97-1,32) no comprimento da perna (r =0,35; F(1,28)=16,6; p<0,001). A inclinação da reta relacionando comprimento de perna e área corporal não foi diferente de 1. Assim, como a distância de deslocamento não foi afetada pelo tamanho das pernas anteriores em relação ao tamanho do corpo, é provável que não exista uma pressão seletiva que favoreça essa relação alométrica. Plântulas em murunduns de Atta spp. em uma borda de floresta amazônica: recrutamento facilitado ou impedido?

Bruno Cid, Bruno Barçante Ladvocat, Fernanda C. G. Cardoso, Sara Lodi de Carvalho, Thiago Gechel Kloss

Introdução de seu ninho que servem de alimento O comportamento de alguns para a colônia. Para este cultivo, animais pode provocar alterações na carregam grande quantidade de material distribuição e disponibilidade dos vegetal para dentro do ninho, recursos no ambiente. Quando essas depositando os resíduos orgânicos da alterações provocam mudanças na colônia fora do ninho ou em câmaras abundância das populações de outras (Farji-Brener & Iles 2000). Para espécies, esses animais são construir e manter o ninho, as formigas considerados engenheiros de habitat transportam solo de camadas inferiores (Flecker 1996). Exemplos de para a superfície, promovendo a mistura engenheiros variam de peixes e de horizontes e a formação do mamíferos (Flecker 1996, James & murundum. Estima-se que a cada 200 Eldridge 2007) até invertebrados ou 300 anos, o solo de florestas (Corrêa et al. 2010, Lill & Marquis tropicais na Costa Rica possa ser todo 2003). Dentre os engenheiros de habitat modificado pela atividade de Atta mais conhecidos, as formigas cephalotes (Perfecto & Vandermeer cortadeiras são um grupo dominante em 1993). Desta forma a construção destes ambientes terrestres tropicais (Folgarait ninhos, que podem atingir até 160 m2 na 1998). superfície (Farji-Brener & Silva 1995), Formigas cortadeiras são mobiliza uma grande quantidade de solo consideradas engenheiras por e acelera a ciclagem de nutrientes modificarem o ambiente no entorno do (Farji-Brener & Iles 2000). ninho e provocarem alterações nas O transporte de solo e material assembléias de plantas em decorrência orgânico de dentro do ninho para a de seu comportamento de superfície resulta em redistribuição de forrageamento (Corrêa et al. 2010). nutrientes. Essas modificações nas Estas formigas cultivam fungos dentro propriedades do solo podem facilitar o

1 estabelecimento de plantas nessas áreas Métodos (Farji-Brener 2005, Farji-Brener & Iles Realizamos esse estudo na 2000) por aumentar a aeração e reserva do km 41 (02°24’S-58°52’O), disponibilizar uma maior quantidade de localizada a aproximadamente 80 km ao nutrientes localmente, principalmente N norte de Manaus, AM, Brasil. A reserva e P. Adicionalmente às alterações já é uma área contínua de floresta tropical mencionadas, a construção dos ninhos e úmida de terra firme com temperatura sua manutenção (retirada de média anual de 26o C e precipitação serrapilheira e vegetação do entorno) anual variando entre 1900 e 2300 mm. também podem aumentar a incidência Ao longo da estrada e borda de mata luminosa local. Esta maior incidência de selecionamos 11 murunduns de luz nos ninhos, quando comparados às formigas Atta spp. (saúvas) com pelo áreas adjacentes, produz efeitos menos 1 m2. Consideramos apenas similares aos de uma clareira. Esse murundus onde os ninhos estavam ambiente distinto em termos de ativos, o que determinamos pela disponibilidade de luz e atributos do presença de entradas para o interior do solo pode facilitar o estabelecimento de ninho (olheiros). Colocamos uma algumas plantas (Farji-Brener & Iles parcela de 1 m2 sobre cada murundum e 2000). uma parcela controle de mesma área, Dentro do contexto exposto localizada a aproximadamente 1 m da acima, questionamos se sobre ninhos de margem de cada murundum. Em cada formigas do gênero Atta (murunduns) parcela, contamos e classificamos as existe um maior estabelecimento de plântulas menores do que 1 m plantas quando comparados ao seu (excluindo as gramíneas) em entorno. Nesse estudo, nós examinamos morfoespécies. A partir disso, contamos a hipótese de que o recrutamento de o número e calculamos a densidade de plantas é maior em locais sob influencia morfoespécies no interior de cada das formigas engenheiras do que fora parcela. Utilizamos um teste-t pareado deles. Desta forma esperamos que o para comparação entre os pares de número de espécies e a densidade de parcelas (murundum e controle). plântulas em murunduns seja maior do que fora destes locais.

2 Resultados (9,1 ± 4,8) quando comparadas aos O número de morfoespécies de murunduns (3,4 ± 3,3) plântulas foi 2,5 vezes maior nas áreas (t(10)=-4,195; p=0,002; Figura 1b). Não controle (média ± desvio-padrão) (5,4 ± observamos a presença de dejetos 1,8) quando comparadas aos murunduns trazidos de dentro do ninho sobre

(2,2 ± 1,8) (t(10)=-3,99; p=0,003; Figura murunduns. Também notamos haver 1a). A densidade de plântulas também uma pequena quantidade de foi 2,5 vezes maior nas áreas controle serrapilheira sobre os ninhos.

Figura 1: Número de morfoespécies de plântulas por parcela (a) e número de plântulas por metro quadrado (b), nas parcelas controle e nas parcelas com murundum em uma floresta tropical Amazônica.

3 Discussão formar sua colônia nem sempre pode Ao contrário das nossas favorecer o estabelecimento das expectativas, nossos resultados sugerem plântulas (Corrêa et al. 2010). Dessa que murunduns de saúva não são sítios forma, O comportamento de descarte favoráveis para o desenvolvimento de dos rejeitos para fora ou plântulas. Estes não suportaram uma armazenamento destes dentro do ninho comunidade de plântulas mais rica e é dependente do contexto. Este densa quando comparados a áreas comportamento pode variar de acordo adjacentes. Este resultado contraria com o ambiente, entre diferentes evidências de que murunduns de espécies de Atta e, até, dentro da mesma formigas favorecem o estabelecimento colônia. Sendo assim, dependendo de plântulas por serem ricos em dessas condições, os murunduns podem nutrientes (Farji-Brener 2005, Farji- funcionar como ilhas de fertilidade, Brener & Iles 2000). Em florestas caso o descarte seja externo, ou como tropicais, por exemplo, estudos mostram substratos pouco favoráveis ao que alguns ninhos podem ser um bom estabelecimento de plantas se o descarte substrato para certas espécies de plantas for interno (Corrêa et al. 2010). (Farji-Brener & Iles 2000). Além da acessibilidade de Nosso resultado pode ser nutrientes, outros fatores podem afetar o conseqüência da forma como é estabelecimento de plântulas nos descartado o material orgânico não mais murunduns. Mesmo após o abandono, utilizado pelas formigas. O descarte dos quando as formigas não fazem mais a resíduos orgânicos pode ser feito de manutenção do ninho, o número de duas formas: acima do ninho ou dentro plantas estabelecidas sobre murunduns das câmaras. Quando é feito acima do pode ser inferior ao encontrado em ninho, resulta na formação de outros locais (Bieber et al. 2010). Essa murunduns ricos em nutrientes. Quando menor ocorrência de plantas pode é feito dentro de câmaras, parte dos ocorrer devido às alterações na nutrientes pode ficar retida nos ninhos porosidade do solo, decorrente da maior ao invés de ser disponibilizada para as incidência solar e impacto de chuvas plantas na superfície do solo. Portanto, existente nas clareiras formadas pela o efeito da engenharia das saúvas ao ação das formigas (Farji-Brener & Iles

4 2000). Assim, o solo se tornaria mais “bottom-up” gaps in neotropical compacto e dificultaria o rain forests?: a critical review of the estabelecimento de plântulas. evidence. Ecology Letters, 3:219- Em síntese, parece não haver um 227. consenso acerca do estabelecimento de Farji-Brener, A.G & J.F. Silva. 1995. plantas em murunduns de formigas. Leaf-cutting ants and forest growth Existe a necessidade de se identificar o in a tropical parkland savanna of efeito dos murunduns sobre o Venezuela: facilitated succession? recrutamento de plântulas em diferentes Journal of Tropical Ecology, contextos. 11:651-669. Folgarait, P.J. 1998. Ant biodiversity Agradecimentos and its relationship to ecosystem Agradecemos a Marcelo Tabarelli pela functioning: a review. Biodiversity orientação. and Conservation, 7:1221–1244. James, A.I. & Eldridge, D.J. 2007. Referências Reintroduction of fossorial native Bieber, A.G.D., M.A. Oliveira, R. mammals and potential impacts on Wirth, M. Tabarelli, I.R. Leal. ecosystem processes in an 2010. Do abandoned nests of leaf- Australian desert landscape. cutting ants enhance plant Biological Conservation, 138:351- recruitment in the Atlantic Forest? 359. Austral Ecology, no prelo. Lill, J.T. & Marquis, R.J. 2003. Flecker, A.S. 1996. Ecosystem Ecosystem engineering by engineering by a dominant caterpillars increases insect detritivore in a diverse tropical herbivore diversity on white-oak. stream. Ecology, 77:1845-1854. Ecology, 84:682-690. Farji-Brener, A.G. 2005. The effect of Perfecto, I & J. Vandermeer. 1993. abandoned leaf-cutting ant nests on Distribution and turnover rate of a plant assemblage composition in a population of Atta cephalotes in a tropical rainforest of Costa Rica. tropical rain forest in Costa Rica. Écoscience, 12:554-560. Biotropica, 25:316-332. Farji-Brener, A.G. & A.E. Illes. 2000. Do leaf-cutting ant nests make

5 Recrutamento de Allomerus octoarticulatus (Myrmicinae) é afetado pela intensidade da herbivoria em Hirtella myrmecophila (Chrysobalanaceae)?

João Capurucho, Glaúcia M. A. de Oliveira, Laura C. Leal, Pedro R. Vieira & Rodrigo Marciente

Introdução (sítio de nidificação e/ou alimento), As plantas desenvolveram diversas consiste em um dos mais bem estratégias de defesa contra herbivoria conhecidos exemplos de defesa indireta ao longo do processo evolutivo. Essas contra herbivoria em ecossistemas estratégias são classificadas em defesas tropicais (Hölldobler & Wilson 1990, diretas e indiretas. Defesas diretas Heil & McKey 2003). Muitas destas representam barreiras físicas contra o interações entre mirmecófilas e consumo das folhas, como tricomas, formigas parecem ser ocasionais e não espinhos e compostos do metabolismo especializadas (Beattie 1985). Contudo, secundário (Schaller 2008). Em em plantas mirmecófitas, i.e., aquelas contraste, defesas indiretas são que oferecem abrigos (domáceas) às caracterizadas pela interação com formigas (Huxley & Cutler 1991), as organismos do terceiro nível trófico, interações formigas-plantas são mais que ao consumir herbívoros, reduzem a especializadas (Benson 1985). Muitas pressão de herbivoria sobre a planta espécies de mirmecófitas ainda (Bruinsma & Dicke 2008). Estas apresentam nectários extra-florais ou interações animais-plantas geralmente produzem corpos alimentares ricos em são mediadas por estruturas específicas lipídios ou glicogênio usados como como domáceas, nectários extra-florais alimento pelas formigas (Heil & McKey e tricomas glandulares. A atração de 2003). predadores e parasitóides ocorre pela Estudos sobre interações entre indução de compostos voláteis após Cecropia spp. e formigas Azteca spp. danos causados por herbívoros (Schaller foram os pioneiros em demostrar 2008). indução de defesas bióticas em A associação entre formigas e mimercófitas (Agrawal 1998). Nesses plantas mirmecófilas, i.e., aquelas que sitemas formigas mutualistas possuem a possuem estruturas atrativas às formigas capacidade de detectar compostos 1

secundários voláteis liberados pelos maior o recrutamento de formigas tecidos lesionados da planta hospedeira. Allomerus octoarticulatus em Hirtella Essa detecção permite uma rápida mymercophilla e que (2) a eficiência da resposta de defesa pelas formigas. Vale resposta das formigas ao estímulo é destacar que em Cecropia spp. o dependente do tamanho da colônia comportamento de formigas Azteca spp. associada a planta. Sendo assim, ocorre em defesa do recurso alimentar esperamos que o número de formigas oferecido pela planta. Este mesmo Allomerus octoarticulatus recrutadas mecanismo de indução de formigas foi seja maior ao longo do tempo de observado em mirmecófitas que não observação em folhas que receberam disponibilizam recurso alimentar para as extratos aquosos mais concentrados de formigas mutualísticas (Romero & Izzo folhas de Hirtella myrmecophyla e que 2004). Neste caso, os compostos mais formigas sejam recrutadas em voláteis sinalizam às formigas a plantas com maior número de disponibilidade de recurso alimentar. domáceas. Então, em reposta ao sinal químico, operárias são recrutadas para o consumo Métodos do herbívoro indutor da volatilização Realizamos este trabalho na dos compostos voláteis. reserva do Km 41, pertencente ao Tendo em vista que a atração de Projeto Dinâmica Biológica de predadores é mediada pela liberação dos Fragmentos Florestais (PDBFF/STRI), compostos voláteis pelos tecidos localizada a 70 Km ao norte de Manaus, vegetais lesionados (Schaller 2008), o AM, Brasil (02º 24’ S, 59º 52’ O). presente estudo simulou a liberação Utilizamos como sistema de estudo a desses compostos com a utilização de mirmecófita Hirtella myrmecophila extratos foliares. Utilizamos as (Chrysobalanaceae), uma espécie informações obtidas para investigar arbustivo-arbórea do sub-bosque de como a intensidade da herbivoria, florestas de terra firme da Amazônia representada pela concentração dos Central. Esta espécie possui um par de extratos, influencia a indução de defesa domáceas totalmente integradas na biótica por formigas. Nossas hipóteses base das folhas que são colonizadas por são que (1) quanto maior a intensidade formigas da espécie Allomerus do estimulo causado pelo herbívoro, octoarticulatus (Myrmicinae) (Fonseca

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1999). Hyrtella myrmecophila não aos estímulos voláteis está relacionado produz estruturas alimentares às com o número inicial de formigas formigas A. octoarticulatus. Estas presentes nas folhas. Usamos três formigas se alimentam principalmente tratamentos que simularam a liberação dos insetos que pousam sobre as folhas de compostos voláteis (estímulos) em (Izzo & Vasconcelos 2002). resposta a diferentes intensidades de Para testar o efeito da danos foliares: (i) maior intensidade de intensidade de estímulos de herbivoria estímulo, (ii) menor intensidade de em H. myrmecophila sobre o estímulo (iii) ausência de estímulo. Para recrutamento de A. octoarticulatus, simular o estímulo usamos extratos utilizamos dez plantas de H. aquosos de folhas de H. myrmecophila mymecophila e selecionamos uma folha em concentrações de 0,075 g.mL-1 recém expandida no ápice de três ramos (maior intensidade) e 0,0125 g.mL-1 diferentes em cada planta. (menor intensidade), respectivamente. Selecionamos folhas jovens pois Como controle, usamos água. formigas apresentam maior atividade de Aplicamos quatro gotas de cada patrulhamento e defesa destas folhas em tratamento, sendo duas gotas em cada comparações com as mais velhas. Isso lado da nervura central da folha. Após ocorre porque cada folha jovem consiste aplicação, nós contamos o número de em um sítio novo para a expansão da formigas recrutadas em intervalos de colônia. Quando a folha envelhece, as dois minutos durante 10 minutos. Em domáceas ressecam e caem e as cada planta, contamos o número de formigas migram para as domáceas de folhas com domáceas e usamos essa folhas mais novas. medida como estimativa do tamanho da Determinamos qual folha colônia de A. octoarticulatus. receberia cada tratamento através de Usamos modelos lineares gerais sorteio e contamos o número de (GLM) para testar se o número de formigas presentes em cada folha antes formigas recrutadas variou ao longo de da aplicação do tratamento. Medimos o cada tempo de observação em função da número de formigas presentes nas intensidade do estímulo de dano foliar. folhas antes da aplicação dos Para esse teste usamos o número de tratamentos com o objetivo de inferir se formigas em cada tempo de observação o incremento de formigas em resposta como varíavel resposta, os diferentes

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tratamentos como variável preditora concentração recrutaram em média 3,1 categórica, cada planta como bloco e o ± 3,38 (média±erro padrão) e 4,1 ± 6,27 número de formigas patrulhando as formigas por folha, respectivamente, folhas antes do experimento como enquanto o controle recrutou em média covariável. Para testar a influência do 0,6 ± 1,38 indivíduos por folha. tamanho da colônia sobre o O número de formigas recrutamento das formigas, usamos recrutadas ao final do experimento foi modelos lineares gerais. Usamos o positivamente relacionado com o número de formigas recrutadas ao final número de formigas patrulhando as do período de observação como variável folhas no início do experimento resposta, o número de domáceas em (F(1,17)=170,08; p<0,001; Figura 2). cada planta como variável preditora Antes da aplicação dos estímulos, não contínua e o número de formigas observamos formigas antes da aplicação presentes nas folhas antes do dos estímulos em 37% das folhas experimento como covariável. selecionadas. Nessas folhas, o recrutamento de formigas ao término Resultados das observação foi em média 4,8 vezes O número de formigas menor que nas folhas onde as formigas recrutadas ao longo do tempo não estavam patrulhando antes da aplicação variou em função das diferentes dos tratamentos. Esse recrutamento não concentrações dos extratos das folhas foi afetado pelo número de domáceas na

(F(8,68)=1,715; p=0,089; Figura 1). Os planta (F(1,27)=1,56; p=0,22). extratos com menor e maior

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18 Água (controle) 16 Baixa concentração (0,012 g/ml) Alta concentração (0,075 g/ml) 14 12

10 8

6

4 2

Número de formigas recrutadas 0 -2

-4 0246810

Tempo (min)

Figura 1. Número médio de formigas Allomerus octoarticulatus em folhas jovens de Hirtella myrmecophila que receberam diferentes concentrações de extrato de folhas de H. myrmecophila e água (controle). Pontos representam médias e as barras verticais o intervalo de confiança (±95%).

35

30

25

20

15

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do experimento final ao Formigas 5

0 0 5 10 15 20 25 30 Formigas antes do experimento Figura 2. Número de formigas Allomerus octoarticulatus em folhas jovens de Hirtella myrmecophila antes e depois de receberem extrato de folhas de H. myrmecophila em diferentes concentrações e água (controle).

Discussão intensidades de estímulos causados por Nossos resultados indicam que herbívoros. Em contraste, Romero & Allomerus octoarticullatus não Izzo (2004) estudaram esse mesmo respondem a simulações de diferentes sistema e mostraram que estas formigas 5

recrutam após aplicação de solução que esse mecanismo ocorre em nosso aquosa com extratos foliares de H. sistema, já que em folhas onde houve myrmecophilla em concentração de mais formigas antes do tratamento 0,062 g/mL. No nosso experimento a experimental o recrutamento tendeu a variação na indução de defesa biótica ser mais rápido. O gotejamento do pode ser dependente da condição extrato e da água (estímulo) pode ter atmosférica durante a coleta de dados sido percebido pelas formigas como em campo. Durante a execução do sinal da presença de um herbívoro e por experimento a iminência de chuva pode isso, as formigas responderam de forma ter reduzido a atividade de A. similar aos tratamentos com extrato octoarticulatus, resultando na foliar. diminuição do patrulhamento das folhas Não encontramos relação entre de H. mymercophilla. De fato, A. recrutamento e tamanho da colônia. octoarticulatus abriga-se no interior das Possivelmente cada par de domáceas na domáceas antes da chuva (G.Q. base das folhas abriga as formigas que Romero, comunicação pessoal). A são responsáveis pelo patrulhamento da redução da atividade das formigas mesma. Assim, cada folha pode ser frente às alterações de umidade, patrulhada por operárias que atuam temperatura e chuva é bem independentemente do tamanho da documentada na literatura (Hölldobler colônia. & Wilson 1990). O número inicial de formigas O recrutamento ocorreu somente patrulhando a folha foi mais eficiente após a formiga ter o contato físico para o recrutamento que a concentração (mandíbulas ou antenas) com o extrato e natureza do extrato utilizado no de folhas ou água. Portanto, é possível experimento. Sendo assim, a integridade que as formigas possam ter outros da colônia pode estar relacionada ao meios para identificar a presença de comportamento de patrulhamento e herbívoros independentemente da forrageio de A. octoarticulatus. intensidade da sinalização. Um possível Sugerimos estudos que incluam a mecanismo é a identificação dos presença de herbívoros juntamente com herbívoros pelo contato seguido pelo a utilização de extratos foliares para a recrutamento do resto da colônia. elucidação dos mecanismos de defesa Nossos resultados fornecem índicios indireta em Hirtella myrmecophilla.

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Referências Romero, G.Q. 2002. Danos foliares Agrawal, A.A. 1998. Leaf damage and induzem recrutamento de formigas associated cues induce aggressive habitantes de domáceas em Hirtella ant recruitment in a neotropical ant- myrmecophylla (Chrysobalanaceae) plant. Ecology, 79:2100-2112. na Amazônia central, pp.81-84. In: Beattie, A. J. 1985. The evolutionary Ecologia da Floresta Amazônica: ecology of ant-plant interactions. curso de campo 2002. (E. Cambridge: University Press. 182 Venticinque & J. Zuanon, eds.). pp. Manaus: Projeto Dinâmica Benson, W. W. 1985. Amazon ant Biológica de Fragmentos Florestais. plants, pp. 239–266. In: Amazonia Romero, G.Q. & T.J. Izzo. 2004 Leaf (Prance G. T. & T. E. Lovejoy, damage induces ant recruitment in eds.). Pergamon Press, Oxford. the Amazonian ant-plant. Journal of Bruinsma, M & Dicke, M. 2008. Tropical Ecology, 20:675–682. Herbivore-induced indirect Schaller, A. 2008. Induced plant defense: from induction resitence to herbivory. Berlim: mechanisms to community ecology, Springer. pp. 31-60. In: Induced plant Fonseca, C.R. 1999. Amazonian ant- resistence to herbivory (Schaller, plant interactions and the nesting A., ed.). Berlim: Springer. space limitation hypothesis. Hölldobler, B. & E.O. Wilson 1990. Journal of Tropical Ecology, 15: The ants. Cambridge: Harvard 807-825. University Press. Izzo, T.J. & H.L. Vasconcelos. 2002. Huxley, C.R. & D.F. Cutler. 1991. Ant- Cheating the cheater: domatia loss Plant Interactions. Oxford: Oxford minimizes the effects of ant University Press. castration in an Amazonian ant- Heil, M. & D. Mckey. 2003. Protective plant. Oecologia, 133: 200-205. ant-plant interactions as model systems in ecological and evolutionary research. Annual Review of Ecology and Systematics 34:425–453.

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Pulsos de inundação afetam a distribuição vertical da formiga Pheidole minutula em Maieta spp. (Melastomataceae)?

Ricardo Dobrovolski, Alêny Lopes Francisco, André de Almeida Mendonça, Kátia Fernanda Rito Pereira & Mônica Alves Mamão

Introdução forma, organismos que vivem nas áreas O pulso de inundação é a alagáveis geralmente apresentam principal força responsável pela estratégias limitadas (Junk et al. 1989), existência, produtividade e interações como migração, distribuição em áreas de grande parte da biota associada a periféricas ou tolerância à inundação. sistemas amazônicos localizados Em florestas da Amazônia, os próximos a corpos d’água (Junk et al. igarapés representam os rios de pequena 1989). O pulso de inundação pode ser ordem mais sujeitos a pulsos definido de acordo com sua imprevisíveis de inundação. O nível da previsibilidade. Pulsos previsíveis são água nestes igarapés pode variar aqueles que possuem uma baixa abruptamente de acordo com as fortes frequência de eventos de inundação, chuvas em sua área de drenagem, mas sua duração e previsibilidade são interferindo, portanto, na biota que altas (Junk et al. 1989). Em geral, tais ocorre próxima à sua calha de pulsos estão relacionados com rios drenagem. largos, de grande ordem, e uma planície As espécies de de inundação grande. Já nos rios de melatomatáceas, Maieta guianensis e pequena ordem, ocorrem eventos Maieta poeppigii, são especialmente imprevisíveis de inundação que são abundantes próximas aos igarapés. mais freqüentes e de curta duração Essas espécies apresentam interação (Junk et al. 1989). mutualística obrigatória com a formiga Nos rios de pequena ordem, os Pheidole minutula e são chamadas de pulsos imprevisíveis determinam o ciclo mimercófitas. Essas plantas possuem de vida da biota associada (Salo et al. domáceas na base da lâmina foliar com 1986). Para Cummins (1977 apud Junk abertura abaxial que oferecem abrigo e et al. 1989), esses pulsos podem proteção (Dejean et al. 2006). As representar inundações catastróficas que formigas, por sua vez, protegem a alteram as características físicas do planta contra herbívoros (Ribeiro et al. ambiente e reiniciam o sistema. Dessa 1999). Devido ao mutualismo Essas áreas podem ser afetadas pelos obrigatório entre as espécies de Maieta pulsos de inundação apenas em eventos e Pheidole e a possibilidade de entrada de grande magnitude. Já os baixios são de água nas domáceas durante o período planícies aluviais ao longo de igarapés, de inundação, P. minutula deve possuir e portanto, são fortemente afetadas estratégias para lidar com essa variação pelos pulsos de inundanção. Os solos ambiental. Neste sentido, procuramos dos baixios em geral são encharcados entender como o pulso de inundação por chuvas e com acúmulo de dos igarapés afeta a distribuição das sedimentos (Ribeiro et al. 1999). A formigas em plantas mirmecófitas. precipitação anual é de 2.100 mm, com Dessa maneira, nós hipotetizamos que a a estação chuvosa entre março e maio e distribuição vertical e ocupação das os meses mais secos são de julho a formigas P. minutula em duas espécies outubro (RADAM BRASIL 1978). de Maieta é influenciada negativamente pelos pulsos de inundação do igarapé. Coleta e análise de dados Amostramos os indivíduos de Métodos Maieta spp. à medida que os encontramos nas áreas de baixio e Área de estudo vertente. Selecionamos um total de 100 Nós realizamos este estudo na indivíduos, sendo 50 em área de baixio Reserva Florestal do Km 41 (2°24’ S- e 50 em área de vertente. Em cada 59°44’ O) pertencente ao Projeto planta, determinamos a ocorrência de Dinâmica Biológica de Fragmentos ocupação das domáceas por P. minutula Florestais (PDBFF-INPA) e localizada a ao observar se havia formigas cerca de 80 Km ao norte de Manaus, caminhando sobre a folha. Quando não AM, Brasil. A vegetação da área é de havia formigas caminhando, abrimos a floresta terra firme e possui formações domácea para confirmar a ausência de de relevo definidas como platô, vertente formigas. Para cada planta, medimos a e baixio. As áreas de platô são altas com altura total e a altura da folha mais solos argilosos e bem drenados. As baixa que apresentasse domácea vertentes são áreas de transição, ocupada por formigas. inclinadas, com solos argilosos nas Avaliamos se a altura de partes altas e arenosos nas partes baixas. ocupação das formigas diferiu entre os

1

dois ambientes usando uma ANCOVA. As plantas de baixio tiveram Consideramos a altura da folha mais 53±29 cm (média±desvio padrão) de baixa com domácea ocupada como altura total e as de vertente 52±29 cm. A variável resposta, o tipo de ambiente altura média da primeira domácea como variável preditora e a altura total ocupada por P. minutula em Maieta da planta como co-variável. Esperamos spp. foi de 29±21 cm para baixio e que a ocorrência das formigas nas 24±17 cm para vertente. De todas as plantas seja menor no baixio e que as plantas amostradas, apenas em três não domáceas ocupadas sejam mais foi observada colonização por P. distantes do chão em plantas do baixio minutula, duas em ambiente de baixio e quando comparadas a plantas da uma em vertente. Não houve diferença vertente. na altura mínima de ocupação de Maieta spp. em ambiente de baixio em Resultados relação a ambiente de vertente

(F(1,94)=2,21; p=0,14; Figura 1).

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4

2

0

-2 em relação à altura total da planta -4

Resíduos da altura da primeira domácea colonizada Resíduos da altura da primeira domácea Vertente Baixio Local

Figura 1. Média dos resíduos de uma regressão linear entre altura da domácea mais baixa de Maieta spp. colonizada por Pheidole minutula e altura total da planta em áreas de vertente e baixio na Reserva Florestal do Km 41, Amazônia, Brasil. As barras indicam o erro padrão. 2

Discussão chance de encontrar uma planta desocupada é baixa. O fato de não haver influência No caso de permanência das do tipo de ambiente (baixio e vertente) colônias na planta, a reduzida sobre a frequência de ocorrência de abundância de formigas nas domáceas Pheidole minutula nas domáceas de de folhas inferiores (Sá 1998) pode Maieta spp., sugere que os pulsos de atuar como um mecanismo de defesa inundação não afetam a distribuição contra inundações. Além disso, a rainha vertical dessas formigas. Nesse sentido, e a prole habitam preferencialmente as é possível que as colônias de formigas domáceas de folhas superiores (Sá permaneçam nas domáceas de Maieta 1998). Portanto, a manutenção da spp. ou que o padrão encontrado seja colônia pode ser garantida mesmo que resultado de recolonizações que as folhas mais baixas sejam atingidas ocorreram após os pulsos de inundação. pela inundação já que essas folhas Caso as formigas permaneçam nas podem ser recolonizadas. Assim, plantas, é possível que as colônias quando ocorre a inundação, pode haver apresentem estratégias que as permitam a perda dos indivíduos que ocupam as tolerar a inundação. folhas inferiores. No entanto, essa perda As formigas possuem diversos não afetaria a permanência da colônia mecanismos de resposta a inundação uma vez que a rainha se reproduz que podem ser diferenciados entre: (1) durante toda a vida da colônia e a perda os que levam a colônia a migrar e (2) os de indivíduos pode ser pouco que permitem a permanência das significativa (Hölldobler & Wilson colônias no mesmo local (Hölldobler & 1990). Wilson 1990). No entanto, para P. Em plântulas muito pequenas, a minutula a migração da colônia diferença de distribuição vertical das dificilmente representaria uma formigas pode não garantir a estratégia mais vantajosa. A baixa sobrevivência da colônia, já que a freqüência de plantas desocupadas planta toda pode ficar submersa durante sugere que a planta é um recurso pouco os pulsos de inundação. Uma explicação disponível no ambiente. Portanto, o alternativa para a permanência das abandono da planta pode ser muito formigas é que elas não são diretamente custoso para essas formigas, pois a afetadas pelas inundações. A entrada da domácea consiste em uma abertura pequena e está localizada na região the ecology and conservation of a abaxial da folha. Devido ao tamanho da fragmented forest. (G.T. Prance & abertura, possivelmente a tensão T.E. Lovejoy, eds.) Nova York: superficial da água não permite que as Pergamon Press. domáceas sejam invadidas pela água. Cummins K.W. 1977. From headwater Assim, as formigas ficam protegidas no streams to river. American Biology interior da estrutura. Considerando a Teachers, 39:305-312. curta duração dos pulsos de inundação Dejean, A., J.H.C. Delabie, P. Cerdan & nos igarapés, é possível que a M. Giberau. 2006. Are quantidade de ar armazenada dentro das myrmecophytes always better domáceas seja suficiente para a protected against herbivores than sobrevivência dos indivíduos presentes. other plants? Biological Journal of Uma vez que as formigas não the Linnean Society, 89:91–98. apresentaram padrão de distribuição Hölldobler, B. & E.O. Wilson. 1990. relacionado com os pulsos de The ants. Oxford: Haward inundações imprevisíveis, respostas University Press. adaptativas de resistência a tais Junk, W.J., P.B. Bayley & R.E. Sparks. variações podem representar os 1989. The flood pulse concept in processos dominantes nesse sistema. river-floodplain systems. Canadian Plantas mirmecófitas que possuem Species Publish Fish Aquatic associações obrigatórias com formigas Science, 106:110-127. são extremamente abundantes no RADAM BRASIL. 1978. Folha SA20 sistema amazônico (Benson 1985). Manaus, pp. 261, Rio de Janeiro, Portanto, é possível que esse padrão de Ministério das Minas e Energia, resposta, associada à presença constante Departamento Nacional de das formigas nas plantas, tenha evoluído Produção Mineral. independentemente várias vezes nas Ribeiro, J.E.L.S., J.G. Hopkins, C.A. associações obrigatórias entre plantas e Sothers, M.A.S. Costa, J.M. Brito, formigas. M.A.D. Sousa, L.H.P. Martins, L.G. Lohmann, P.A.C.L. Assunção, Referências E.C. Pereira, C.F. Silva, M.R. Benson, W.W. 1985. Amazon ant- Mesquita & L.C. Procópio. 1999. plants. In: Lessons from Amazonia: Flora da Reserva Ducke: guia de

1

identificação das plantas vasculares Salo, J., R. Kalliola, I. Hakkinen, Y. de uma floresta de terra firme na Makinen, P. Niemela, M. Puhakka Amazônia Central. Manaus: INPA & P.D. Coley. 1986. River – DFID. dynamics and the diversity in Sá, F.N. 1998. Estrutura da colônia de Amazon lowland forest. Nature, Pheidole minutula (Formicidae: 322:254-258. Myrmicinae) em Maieta guianensis (Melastomataceae) na Amazônia Central. In: Livro do Curso de Campo “Ecologia da Floresta Amazônica” (A. Scariot & E. Venticinque, eds.). Manaus: INPA.

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O dano foliar afeta a fotossíntese de indivíduos de Vismia japurensis (Hypericaceae)?

Demetrius Martins, Camila Vieira, Gabriela Arcoverde, Thallita Grande e Thiago Amorim

Introdução pode ser uma medida indireta da A fotossíntese é um processo atividade fotossintética da planta. vital para o crescimento e sobrevivência A maior parte da fotossíntese das plantas durante todo o seu ciclo de realizada pelas plantas ocorre nas folhas vida (Lambers et al. 2008). A (Larcher 1986). Danos causados nessas fotossíntese é definida como o processo estruturas reduzem sua área e pelo qual as plantas conseguem fixar o consequentemente a capacidade dióxido de carbono (CO2) atmosférico fotossintética, representando uma em moléculas orgânicas utilizando a barreira ao desenvolvimento vegetativo energia solar e a água do solo. Em e reprodutivo. Os principais agentes decorrência deste processo a planta causadores de danos foliares são obtém a energia utilizada em todas suas patógenos e herbívoros. Os patógenos funções fisiológicas (Taiz & Zeiger são representados principalmente por 2002). O dióxido de carbono utilizado fungos, bactérias e vírus, agindo de para a fotossíntese é assimilado pela forma a reduzir a área fotossintetizante planta através de estruturas ocupada por eles (Trigiano et al. 2006). especializadas conhecidas como Os herbívoros são representados estômatos (Gibson et al. 2006). principalmente por formigas, lagartas e Enquanto essas estruturas estão abertas besouros (Begon et al. 2006) que para captação de CO2 ocorre a perda de consomem as folhas. vapor de água pela folha. Esse processo Diante deste cenário, o objetivo de transpiração estomática pode ser do estudo foi avaliar como o dano foliar responsável por 80 a 98% da perda de afeta a fotossíntese de Vismia água pela planta (Vaadia et al. 1961; japurensis (Hypericaceae), medida pela Sack & Holbrook 2006). Como a quantidade de água transpirada. Para tal, fotossíntese e a abertura estomática são hipotetizamos que o dano foliar afeta processos relacionados, a transpiração negativamente a fotossíntese desta espécie. Esperamos que quanto maior for a área foliar removida, menor será a os sacos plásticos mantidos nas folhas quantidade de água transpirada pelas por duas horas e subtraímos pelo valor folhas. do peso do saco antes do experimento. Utilizamos uma análise de covariância Métodos (ANCOVA) para testar o efeito dos Conduzimos o estudo em uma tratamentos de corte foliar, incluindo o área de floresta de terra firme contínua controle (variável explanatória), sobre a localizada na Reserva do Km 41 quantidade de água transpirada pelas (02°24’S e 59°44’O) criada pelo folhas (variável resposta). Medimos a PDBFF/STRI, localizada cerca de 80 largura e o comprimento das folhas e km ao norte de Manaus, Amazonas. calculamos a área foliar com se esta Para o estudo utilizamos a espécie fosse uma elipse. A área foliar foi pioneira Vismia japurensis utilizada como covariável na análise (Hypericaceae), dominante em áreas para excluir o efeito do tamanho da onde houve corte da floresta seguido folha na transpiração, pois mesmo pela queima. Selecionamos 14 usando folhas apicais o seu tamanho indivíduos de V. japurensis espaçados pode ser muito variado entre ramos e no mínimo 5 metros entre si, ao longo indivíduos. da borda de uma estrada. Como V. japurensis possui reprodução clonal, Resultados adotamos este espaçamento para evitar As folhas de V. japurensis a amostragem de indivíduos irmãos. Em mostraram valores semelhantes de cada planta, escolhemos quatro folhas transpiração entre os quatro tratamentos apicais e cortamos nas proporções 25, de danos foliares (F(1,3) = 1,33; p = 0,27; 50 e 75%, além de incluir folhas Figura 1). A quantidade de água intactas (controle). transpirada por folha variou de 0 a 0,89 Após cortarmos as folhas, g para o tratamento controle (0,392 ± aguardamos uma hora para cessar a 0,086) (média ± Erro Padrão), de 0,05 a perda de água pelo corte. Em seguida, 0,70 g para 25% de dano foliar (0,37 ± ensacamos as folhas por cerca de duas 0,056), de 0 a 0,98 g para 50% de dano horas com sacos plásticos transparentes foliar (0,257 ± 0,071) e de 0 a 0,63 g e previamente pesados, para reter a água para 75% de dano foliar (0,220 ± transpirada. Para medir a quantidade de 0,049). água transpirada pelas folhas, pesamos

Figura 1. Valores médios dos resíduos da regressão linear entre transpiração e área foliar em relação à área foliar removida removida em V. japurensis. Barras verticais indicam o intervalo de confiança.

Discussão Quando o dano foliar é Os diferentes níveis de dano projetado para a escala de indivíduo, a foliar não afetaram a fotossíntese de V. abertura prolongada dos estômatos pode japurensis, medida pela transpiração. desencadear o fenômeno denominado Tendo em vista que a redução da área ponto de murcha permanente da planta foliar está positivamente relacionada (Lambers et al. 2008). Nesse fenômeno, com a redução da área fotossintética, os valores de transpiração ultrapassam esta espécie pode ter adotado um os de absorção de água, de forma que a mecanismo de compensação fisiológica planta não consegue manter suas para manter a taxa fotossintética atividades metabólicas normais. Uma normal. Esse mecanismo de alternativa para evitar o ponto de compensação pode agir aumentando a murcha permanente é a redução do atividade fotossintética por unidade de tempo de vida útil das folhas área foliar. Esse aumento pode ocorrer danificadas por meio de abscisão foliar, devido a uma maior abertura do poro uma estratégia comum em plantas estomático ou de uma maior duração da pioneiras. abertura dos estômatos da área foliar Algumas espécies de pioneiras, remanescente. como V. japurensis, possuem flexibilidade metabólica em condições adversas, tornando-as capazes de Gibson, J.P. & T.R. Gibson. 2006. The manter a atividade fotossintética da green world: plant ecology. folha danificada similar a da folha Chelsa: Infobase Publishing. intacta (Gavloski & Lamb 2000; Lambers, H., F.S. Chapin III & T.L. Ribeiro et al. 2005). Embora a espécie Pons. 2008. Plant physiological mantenha a mesma capacidade ecology. New York: Springer. fotossintética com uma área foliar Larcher, W. 1986. Ecofisiologia reduzida, a folha do tamanho original vegetal. São Paulo: Editora continua sendo importante, pois uma Pedagógica Universitária. maior superfície foliar possibilita uma Ribeiro, R.V., G.M. Souza, R. F. maior captação de luz. Oliveira & E.C. Machado. 2005. Diante da resposta de V. Photosynthetic responses of japurensis, observamos que suas folhas tropical tree species from mantêm a transpiração sob altos níveis different successional groups de dano foliar. Detectamos este padrão under contrasting irradiance nas primeiras horas após o dano. Assim, conditions. Revista Brasileira de estudos futuros podem avaliar os efeitos Botânica, 28:149-161. dos danos foliares sobre a fotossítese até Sack, L. & N.M. Holbrook. 2006. Leaf a abscisão da folha. Hydraulics. Annual Review of Plant Biology, 57:361-381. Referências Taiz, L. & E. Zeiger. 2002. Fisiologia Begon, M., C.R. Townsend & J.L. vegetal. Porto Alegre: Artmed. Harper. 2006. Ecology: from Trigiano, R.N., M.T. Widhan & A.S. individual to ecosystems. Widhan. 2006. Plant pathology: Oxford: Blackwell publishing. concepts and laboratory Gavloski, J.E & R.J. Lamb. 2000. exercises. Florida: CRC Press. Compensation for herbivory in Vaadia, Y., F.C. Raney & R.M. Hagan. cruciferous plants: specific 1961. Plant water deficits and responses in tree defoliation physiological processes. Annual . Environmental Review of Plant Physiology, Entomology, 29:1258-1267. 12:265-292.

É dos pequenos que elas gostam mais? As maiores fêmeas de Micrathena sp. (Araneae:Araneidae) estão associadas aos machos menores

Alêny Lopes Francisco

Introdução com a fêmea fertiliza a maior parte de O sucesso reprodutivo seus ovos (Eberhard et al. 1993). Em diferencial entre indivíduos do mesmo grupos no qual o tamanho dos machos é sexo é um dos fatores que determina a variável, os machos maiores seleção sexual, devido às diferentes provavelmente terão maior sucesso de formas de acesso aos parceiros sexuais cópula (Shuster & Wade 2003 apud (Andersson 1994). A seleção sexual Chelini 2009). pode ocorrer através de dois A qualidade desses machos mecanismos. Na seleção inter-sexual, os como parceiros sexuais geralmente está indivíduos de um sexo selecionam associada a fatores como idade, parceiros com um caráter específico. Na condição física, tamanho corporal, seleção intra-sexual, a seleção do comportamento de corte e velocidade de caráter é baseada em diferenças na maturação sexual (Andersson 1994, habilidade de indivíduos de um mesmo Clark & Morjan 2001, Vanacker et al. sexo em competir diretamente por 2004). Machos mais fortes e com indivíduos do sexo oposto (Shuster & estruturas como pedipalpos e quelíceras Wade 2003 apud Chelini 2009). mais desenvolvidos terão melhor Na maioria dos animais, os condições de lutar e vencer uma disputa machos são responsáveis pela seleção pela fêmea (Clark & Morjan 2001, intra-sexual e as fêmeas pelo Vanacker et al. 2004). Já as fêmeas são comportamento de seleção inter-sexual ornamentadas para atrair os machos. (Berglund et al. 1996). Esse Esse é o caso de Micrathena sp., em que comportamento de seleção de machos e as fêmeas possuem abdômen grande, fêmeas ocorre em várias espécies de com coloração preta e laranja e os aranhas. Os machos lutam pela guarda machos são consideravelmente menores das parceiras reprodutivas, que as fêmeas e de cor marrom, sem principalmente nas espécies em que o nenhuma ornamentação. esperma do primeiro macho a copular Por causa dessas características precipitação anual média é de 2.100 mm diferentes entre machos e fêmeas de (RADAM BRASIL 1978). Micrathena sp. eu investiguei como Realizei a procura das teias na esses casais são selecionados. Em vegetação do baixio, seguindo o curso situações de disputa pela fêmea, é de um igarapé à procura de fêmeas com esperado que o macho maior vença e o macho em sua teia. As fêmeas de escolha a fêmea maior (Andersson Micrathena sp. constroem teias 1994). Por outro lado, se as fêmeas orbiculares com três pontos de fixação, selecionam os machos, é esperado que sendo dois laterais e um inferior. Todos elas copulem com os indivíduos os machos encontrados estavam na maiores por ser um indicativo de melhor região periférica da teia. Quando não qualidade (Andersson 1994). Portanto, estavam em um dos pontos de fixação independentemente do processo de laterais, encontrei os machos em um fio seleção, minha hipótese é que o acima da teia da fêmea. Coletei o macho tamanho corporal é o fator de seleção e a fêmea em recipientes de plástico entre os machos e as fêmeas em com álcool. Posteriormente, tirei foto de Micrathena sp. Uma vez que o sucesso cada indivíduo na lupa e, com o reprodutivo selecione os melhores programa Image Tool 3.0, mensurei o parceiros, espero que quanto maior for o comprimento do cefalotórax dos comprimento do cefalotórax da fêmea, indivíduos coletados e adotei essa maior será o comprimento do medida como tamanho corporal. Para cefalotórax do macho de Micrathena sp. avaliar a associação entre fêmeas maiores com machos maiores, analisei Métodos os dados usando uma correlação de Realizei o estudo na Reserva Spearman entre o tamanho do Florestal do Km 41 (2°24’ S-59°44’ O) cefalotórax das fêmeas e dos machos. pertencente ao Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais Resultados (PDBFF-INPA), localizada a 80 Km ao Coletei um total de 28 casais norte de Manaus, AM, Brasil. A de Micrathena sp., cujo comprimento vegetação da região é caracterizada do cefalotórax das fêmeas foi de como Floresta Ombrófila Densa, cujo 2,20±0,18 mm (média±desvio padrão) e dossel varia de 30 a 37 m de altura e a dos machos 1,46±0,13 mm. O comprimento do cefalotórax dos casais

1

de Micrathena sp. tiveram uma forte tamanho corporal estão associadas aos

correlação negativa (RS=-0,48; machos de menor tamanho corporal p=0,009) no qual as fêmeas com maior (Figura 1).

1,9

1,8

1,7

1,6

1,5

1,4

1,3

Comprimento do cefalotórax dos machos (mm) machos dos do cefalotórax Comprimento 1,2

1,1 1,8 2,0 2,2 2,4 2,6 2,8 Comprimento do cefalotórax das fêmeas (mm)

Figura 1: Relação entre o comprimento do cefalotórax de machos e fêmeas de Micrathena sp.em uma floresta de terra firme na Amazônia Central. A linha representa a reta estimada da correlação.

Discussão as estratégias reprodutivas A associação esperada de provavelmente estão ocorrendo machos maiores de Micrathena sp. com diferente do padrão esperado, em que as fêmeas maiores não foi confirmada. machos maiores têm maior sucesso Os machos menores foram encontrados reprodutivo. na teia das fêmeas maiores, indicando Uma estratégia que explique tal que machos grandes nem sempre são relação pode ser o comportamento favorecidos na reprodução (Gribbin & furtivo de aproximação do macho para Thompson 1991). Para Micrathena sp. não ser percebido pela fêmea,

2 diminuindo o risco de ser predado por eventualmente indivíduos menores ela e aumentando a chance de podem ter vantagens na reprodução acasalamento (Gonzaga 2007). Machos quando conseguem evitar o confronto menores podem provocar uma menor com machos maiores. vibração na teia ao se aproximar da fêmea. Com essa estratégia eles podem Agradecimentos conseguir fêmeas maiores e garantir Agradeço primeiramente a maior vigor de sua prole. Deus por permitir essa experiência Outra estratégia reprodutiva que maravilhosa para minha vida pessoal e os machos de Micrathena sp. podem profissional. Aos amigos da UFMS e utilizar é a protandria, onde alguns orientador Erich que me incentivaram a machos nascem mais cedo (Braby & inscrever para o EFA. Aos New 1988). Esses machos atingem a organizadores do EFA 2010, ao Zé que maturidade primeiro comparado aos não pôde estar conosco, mas sua machos que nascem depois (Alcock et dedicação ao organizar o curso foi al. 1978, Braby & New 1988). A muito importante para nós. Ao Paulinho estratégia da protandria será vantajosa Estefano que nos enriqueceu com seus quando não houver machos de outra conhecimentos e correções, obrigada geração competindo com os recém pela dedicação. Às monitoras super maduros ou quando a fêmea não é um carinhosas e atenciosas, Claudinha e recurso limitado. Os machos menores Dani, que pacientemente nos auxiliou de Micrathena sp. que encontrei nas em árduas coletas e construções de teias, podem ter nascido mais cedo e relatórios com discussões quase tiveram a chance de procurar por infindáveis. À minha mais nova fêmeas maiores sem a necessidade de amigona Camila, mais conhecida como disputá-las com os machos maiores. Oferenda, que esteve ao meu lado desde Estratégias reprodutivas de o aeroporto, sempre foi minha vizinha indivíduos que podem ser menos de rede e me cativou com seu jeitinho favorecidos por seleção sexual são carinhoso e meigo, além do auxílio com importantes para o entendimento dos seus conhecimentos em diversos mecanismos que interferem na seleção assuntos científicos. Ao trio de parceiros. O fato de machos menores pernambucano, que agora são minhas de Micrathena sp. estarem associados a best friends, Gabi, Kátia e Laura, as fêmeas maiores indicou que pessoas mais “arrétadas”, carinhosas e

1 dengosas. Sem elas o EFA não teria típico gaúcho. Báh! Você é muito graça, amo muito vocês, vici!? Ah! inteligente tchê! Aos professores que Laura e Kátia muito obrigada por me passaram bons momentos conosco, desatolar do igarapé! Ao Thiago transmitindo conhecimentos e Branco, grande amigo, que me aturou detectando nossas intrusões demoníacas em quase todas as fases de projetos nas correções dos relatórios, em orientados (e nos livres nós escolhíamos especial aqueles que nos ensinaram a ficar no mesmo grupo!). Ao Thiago enxergar o lado “fofuxo” da Amazônia Preto com seu jeito carinhoso e formal e a conhecer a noite do igapó de cima que nos cativou rapidamente. Jamais do barco. Agradeço imensamente aos vou esquecer sua risada de menino corretores Paulinho Estefano e Manoela levado. À Moniquinha, mais conhecida que corrigiram este trabalho e me como Selvagem, que me ajudou muito ensinaram muito. Agradeço também a nas correções. Sentirei falta dos nossos toda a equipe de apoio, Dona Eduarda, momentos de confidências e banhos no João, Júnior e os motoristas, pois sem igarapé! À galera do IgaraFest que vocês o nosso EFA não seria o mesmo. sempre animou muito bem as últimas 15 Agradeço ainda, a todos que estão noites do curso. Fernanda (confidente distante, rezando e torcendo por mim: de festas), Gláucia (jeitinho meigo e Família, Diego e todos os amigos e cativante), Bruno Cid “Mr. Amblypigi” parentes. Hum... será que estou (sempre de bom humor), Bruno “Cueca esquecendo de alguém? Não! O mais Suja” (com teorias inteligentíssimas), especial fica para o final! Paulinho Demétrius (cantor revelação de rock), (Enrique), muitíssimo obrigada por essa João (mineirinho simpático), Rodrigo oportunidade maravilhosa. Agora posso (fora do normal) e Amazon Charming dizer que mais um objetivo profissional (não precisa nem falar nada né, foi alcançado. Obrigada por me ensinar Ricardo?), vocês são maravilhosos. a enfrentar meus monstros, expor Ótimas companhias para momentos minhas idéias e buscar o que quero. sérios e, principalmente, momentos Você conseguiu em muito pouco tempo relax. Agradeço à Sara “Flor”, pelo conquistar o coração dessa goiana sul- carinho e confiança. Á Thalita que me matogrossense. Isso não é muito fácil! ensinou que “ou é ou não é”, não tem Mais difícil ainda é sair daqui de “pode ser”. Ao Deco, baiano nato e dentro... acho que... jamais! Obrigada polêmico nas discussões. Ao Pedro, por tudo! Confesso que será difícil sair

2 do “País da Amazonha” para voltar a Floresta Amazônica” (J.L. viver no mundo real, mas valeu a pena! Camargo, F. Pinto, G. Machado & P.E.C. Peixoto, eds.). Manaus: Referências INPA. Alcock, J., E.M. Barrows, G. Gordh, Clark, D.L. & C.L. Morjan. 2001. L.J. Hubbard, L. Kirkendall, Attracting female attention: the D.W. Pyle, T.L. Ponder & F.G. evolution of dimorphic courtship Zalom. 1978. The ecology and displays in the jumping spider evolution of male reproductive Maevia inclemens (Araneae: behaviour in the bees and wasps. Salticidae). Proceedings of the Zoology Journal of the Linnean Royal Society of London, Series Sociology. 64:293-326. B, 268:2461-2465. Andersson, M. 1994. Sexual selection. Eberhard, W.G., S. Guzmàn-Gòmez & Princeton: Princeton University K.M. Catley. 1993. Correlation Press. between spermathecal Berglund, A., A. Bisazza & A. Pilastro. morphology and mating systems 1996. Armaments and in spiders. Biological Journal of ornaments: an evolutionary the Linnean Society, 50:197-209. explanation of traits of dual Gribbin, S.D. & D.J. Thompson. 1991. utility. Biological Journal of the The effects of size and residency Linnean Society, 58:385-399. on territorial disputes and short- Braby, M.F. & T.R. New. 1988. term mating success in the Population biology of adult damselfly Pyrrhosoma nymphula Geitoneura klugii and G. (Sulzer) (Zygoptera: acantha (: ) Coenagrionidae). Animal near Melbourne, Australia. Behaviour, 41:689-695. Australian Journal of Zoology. Gonzaga, M.O. 2007. Socialidade e 6:141-157. cuidado parental, pp. 185-208. Chelini, M.C. 2009. Tamanho não é In: Ecologia e comportamento document: tamanho dos machos de aranhas. (M.O. Gonzaga, e acesso às fêmeas na aranha A.J. Santos & H.F. Japyassú, colonial Leucauge sp. (Araneae: eds.) Rio de Janeiro: Tetragnathidae). In: Livro do Interciência. Curso de Campo “Ecologia da

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RADAM BRASIL. 1978. Folha SA20 Vanacker, D., F. Hendrickx, L. Maes, P. Manaus, pp. 261, Rio de Janeiro, Verraes & J.P. Maelfait. 2004. Ministério das Minas e Energia, Can multiple mating compensate Departamento Nacional de for slower development and Produção Mineral. shorter adult life in a male Shuster, S.M. & M.J. Wade. 2003. dimorphic dwarf spider? Mating systems and strategies. Biological Journal of the New Jersey: Princeton Linnean Society, 82:269-273. University Press.

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Efeito do tempo de inundação sobre a entrada de água nas domáceas das plantas Maieta sp. e Hyrtella mymercophila

André de Almeida Mendonça

Introdução (Agrawal 1997, Gullan 2005, A seleção de hábitat ocorre Hölldobler & Wilson 1990). Em troca, quando os animais usam um tipo as formigas podem prover a planta particular de habitat mais do que nós proteção contra mamíferos pastadores, esperaríamos com base na remover insetos herbívoros, fornecer disponibilidade do habitat (Arthur et al. nutrientes a sua planta hospedeira ou 1996). Esta seleção normalmente retirar plantas epífitas que crescem em aumenta a sobrevivência e aptidão dos suas hospedeiras (Gullan 2005). organismos (Block & Brennan 1993). Na Amazônia Central plantas Desta forma, se um local se torna mimercófitas são muito comuns inadequado, as espécies podem se (Benson, 1985). Nas áreas de terra firme deslocar e selecionar novas áreas de essas plantas podem ocorrer ao longo de ocupação. platôs, vertentes e baixios. O centro dos Em espécies mutualistas baixios, onde ocorrem os igarapés, são obrigatórias, nas quais a ocorrência de áreas passíveis de alagamento (Ribeiro uma espécie depende de outra, a seleção et al. 1999). Os igarapés são rios de de habitat de uma delas pode depender baixa ordem onde o nível da água pode da distribuição da outra. Formigas subir em função das chuvas em sua área associadas às plantas mimercófitas são de drenagem (Junk et al. 1989). Nessas um exemplo desse tipo de interação. áreas as plantas estão submetidas ao Plantas mimercófitas possuem risco de serem submersas durante os domáceas, estruturas especializadas que imprevisíveis aumentos do nível da fornecem abrigo às formigas, que água. Esses eventos podem ser permitem o estabelecimento de colônias especialmente importantes para as desses insetos (Hölldobler & Wilson mimercófitas, pois há risco entrada de 1990). As formigas recebem da planta água nas domáceas e conseqüente abrigo, proteção contra predadores, destruição das colônias de formigas proteção contra desidratação e alimento associadas. Para lidar com a elevação

1 no nível da água, algumas estratégias impeçam a entrada de água nesta podem ter sido selecionadas nas estrutura. Já em áreas de platôs, formigas como a colonização de ramos encontramos a planta mimercófita superiores da planta (Sá 1998), Hyrtella mymercophila migração vertical no momento de (Melastomataceae), que não ocorre nos inundação ou colonização preferencial baixios. Esta planta possui associação de plantas longe de corpos de água. mutualística obrigatória com a formiga Plantas mimercófitas do gênero Allomerus octoarticulatus (Formicidae). Maitea sp. (Melastomataceae) são Desta forma, se a restrição a entrada de encontradas nas margens dos igarapés água nas domáceas de Maieta sp. é uma (Dobrovolski et al. 2010). O resposta adaptativa às inundações, mutualismo obrigatório entre esta planta espera-se que esta característica não e formigas da espécie Pheidole ocorra em H. mymercophila. minutula (Formicidae) (Lapola et al. Este trabalho objetiva avaliar 2004) associada a baixa disponibilidade como as colônias de formigas das plantas usadas como abrigo, fazem obrigatoriamente associadas às com que o abandono da colônia e mimercófitas sobrevivem à inundação. migração para outra planta seja muito Minha hipótese é que as domáceas de custoso (Dobrovolski et al. 2010). Da Maieta sp. conferem abrigo contra a mesma forma, a seleção de ramos água durante os período em que ocorre superiores pelas formigas e a migração o aumento do nível da água dos vertical podem ser pouco eficientes igarapés. Se houver uma resposta frente ao pequeno tamanho de algumas adaptativa ao aumento do nível da água, plantas, a velocidade e minha previsão é que após submeter as imprevisibilidade do aumento do nível plantas a submersão, a freqüência de da água no igarapé. Finalmente, a domáceas sem ar no seu interior seja ocorrência de plantas colonizadas por menor nas Maieta sp. do que em H. formigas em regiões distantes dos Mymercophila. Também espero que a igarapés não é maior do que próximo proporção de formigas vivas e mortas deles (Dobrovolski et al. 2010). Assim, seja maior em Maieta sp. do que em H. como existe uma alta freqüência de Mymercophila após permanecerem plantas colonizadas no baixio, pode-se diferentes períodos submersas. esperar que as domáceas de Maieta sp. apresentem respostas adaptativas que Métodos

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Eu conduzi o estudo em uma formigas de dentro das domáceas. Em área de floresta primária de terra firme seguida submergi o ramo no igarapé a na Área de Relevante Interesse fim de simular o aumento do nível da Ecológico (ARIE) do Km 41 (02º água com correnteza. 26’S59º46’N) pertencente ao Projeto Para avaliar a capacidade de Dinâmica Biológica de Fragmentos resistência das formigas à inundação, Florestais (INPA/Smithsonian submergi os ramos de Maieta sp. e H. Institution) e localizada a cerca de 80 mymercophila por diferentes períodos km ao norte de Manaus, Amazonas, de tempo (0,5 h, 1 h, 5 h, 12 h e 24 h). Brasil. A média anual de temperatura é Usei cinco ramos de cada espécie para de 27 ºC e a precipitação anual é de cada tempo. A cada intervalo de eu 2.100 mm (RADAM BRASIL 1978). A retirei uma amostra de três folhas de área possui uma rede de drenagem, que cada ramo. Para cada ramo em cada contem igarapés de 1º, 2º e 3º ordem. intervalo de tempo eu calculei a Neste sistema o nível das águas é proporção de domáceas com ar em seu influenciado pelas chuvas locais interior nas três folhas. Avaliei a concentradas entre março e maio presença de ar nas domáceas ao fazer (Walker 1995). Desta forma, durante a um pequeno corte na estrutura enquanto estação chuvosa, o nível da água nos ela ainda estava submersa. igarapés pode subir diariamente o Para testar a previsão de que a suficiente para submergir pequenos proporção de formigas vivas é maior em arbustos (M. Dias, com. pess.). Maieta sp. do que em H. Mymercophila, Para realizar os experimentos, utilizei 52 folhas da primeira espécie e coletei os indivíduos de Maieta sp. ao 24 folhas da segunda. As folhas longo das margens de um igarapé e os utilizadas neste experimento foram de H. mymercophila em uma área de extraídas dos mesmos ramos e nos platô. Coletei plantas distantes cerca de mesmos intervalos de tempo utilizados 10 m uma das outras para reduzir as para avaliar a presença de ar nas chances de amostrar plantas aparentadas domáceas. Registrei como variável e colônias fundadas por rainhas de uma resposta a o número de formigas vivas mesma prole. Após selecionar as dividido pelo total de formigas mortas plantas, cortei o ramo de cada uma e nas domáceas em cada ramo. Como em imediatamente a submergi em um balde Maieta sp. obtive mais de uma de uma com água para evitar a fuga das folha por réplica, somei os dados das

3 duas folhas para calcular a proporção de diferentes tempos, realizei uma formigas vivas em cada ramo nos ANOVA. diferentes intervalos de tempo. Este mesmo procedimento foi realizado para Resultados avaliar o efeito dos tratamentos sobre o Nas duas espécies de plantas, do número total de formigas. tratamento de 0,5 h até o de 5 h, a média Avaliei a primeira previsão da proporção de folhas com domáceas graficamente utilizando a média da com ar se manteve próximo a 100% proporção de domáceas com e sem ar (Fig. 1). Após 12 h de submersão, em cada tratamento. Da mesma forma, Maieta sp. teve todas suas folhas com avaliei graficamente a média da ar, enquanto somente cinco folhas de H. proporção de formigas vivas em cada mymercophila tiveram domáceas com intervalo de tempo. Para comparar a ar. No tratamento de 24 h, 11 folhas de média de sobrevivência nas formigas Maieta sp. e duas H. mymercophila das duas espécies de plantas nos tiveram ar em suas domáceas.

1,0

0,8

0,6

0,4

Proporção de folhas com ar com folhas de Proporção 0,2

0,0 0,5 1,0 5,0 12,0 24,0 Tempo de submersão (h)

Figura 1. Média da proporção de folhas com ar nas domáceas de Maieta sp. e H. mymercophila após diferentes tempos de submersão em um igarapé na Amazônia Central, Brasil. A barra escura representa Maieta sp. A barra branca representa H. mymercophila.

A proporção média de formigas 0,98 a 1,00 entre o tratamento de 0,5 h e vivas por folha em Maieta sp. variou de o de 24 h (Fig. 2). Em H. mymercophila

4 a proporção de formigas vivas também tratamento de 24 h, a H. mymercophila se manteve próxima a 100% em todos não apresentou nenhuma formiga. os tratamentos. A exceção ocorreu no

1,0

0,8

0,6

0,4 espécie de planta

0,2 Proporção de formigas vivas por folha em cada 0,0 0,5 1 5 12 24 Tempo deTempo submersão de submersão (h) Figura 2. Proporção de formigas vivas em Maieta sp. e H. mymercophila após diferentes tempos de submersão no igarapé na Amazônia Central, Brasil. A barra escura representa Maieta sp. A barra branca representa H. mymercophila.

O número médio do total de formigas H. mymercophila após 0,5 h não houve (soma das formigas mortas e vivas) nas variação no número médio total de domáceas de Maieta sp. variou nos formigas. Não houve efeito da interação tratamentos. Contudo não houve entre o tempo de submersão e as redução dessa média com o passar do espécies de planta (F(4,20)=0,81, tempo de submersão. Em domáceas de p=0,52).

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60 Alomerus octoarticulatus Pheidole minutula 50

40

30

20

Número total de formigas por folha 10

0 0,5 1 5 12 24 Tempo de submersão (h)

Figura 3. Número total de formigas P. minutula e A. octoarticulatus (soma das quantidades de formigas vivas e mortas) em cada folha de Maieta sp. e H. mymercophila após diferentes tempos de submersão em um igarapé na Amazônia Central, Brasil.

Discussão capazes de impedir a entrada de água A diferença na freqüência de nas domáceas sob inundação de curta domáceas com ar após 12 e 24 h de duração (períodos menores do que 24 submersão, entre Maieta sp. e H. h). Duas explicações são possíveis para mymercophila, indicou que, sob uma isso. Primeiro, a domácea pode não ter inundação mais prolongada Maieta sp. sido selecionada no sentido de conferir fornece um abrigo mais protegido para proteção contra água. Neste caso, o fato suas formigas associadas. Este resultado da entrada da água raramente ocorrer pode explicar a freqüência similar das até 12 h de inundação pode ser por que colônias de P. minutula nas áreas de a arquitetura da domácea, mesmo não baixio e vertente (Dobrovolski et al. sendo adaptativa, impede a entrada de 2010). águas. Como a abertura das domáceas é A despeito do local de geralmente muito pequena, é possível ocorrência, ambas as plantas são que tal arquitetura impeça fisicamente a

6 entrada de água por causa da tensão também podem estar adaptadas às superficial criada neste local. condições existentes nos igarapés. A segunda explicação refere-se a Este resultado sugere que uma resposta adaptativa no sentido de animais que possuem restrições no conferir proteção contra inundações processo de seleção de hábitat deverão rápidas, sem a ocorrência de submersão encontrar estratégias alternativas para total da planta, como em uma situação sobreviverem em um determinado com grande quantidade de chuva. Na ambiente. Este parece ser o caso das região de estudo a precipitação anual é Maieta sp. e a P.minutula,. visto que muito alta e as chuvas concentram-se estes organismos possuem associações em uma estação (RADAM BRASIL mutualísticas obrigatórias e são 1978). Assim, é possível que as impedidas de selecionar o habiat domáceas apresentem adaptações contra independemente uma da outra. a entrada de água, mesmo em H. Adaptações para manter as colônias de mymercophila. formigas viáveis são decisivas na Ao contrário das expectativas sobrevivência das espécies. iniciais, o tempo de submersão não Apesar de plantas de Maieta sp. influenciou a proporção de formigas mais velhas dificilmente ficarem vivas de nenhuma das plantas submersas, a colonização pela formiga estudadas. Isso indica que as formigas em indivíduos jovens e com poucos conseguem utilizar o oxigênio do ar centímetros de altura pode ser crucial mantido no interior das domáceas por para garantir defesa eficiente contra pelo menos 24 h. No entanto, como H. herbivoria e assegurar a sobrevivência mymercophila teve poucas formigas da planta até o estágio adulto. Neste depois de 0,5 h de submersão, é sentido, adaptações que permitam o possível que elas tenham sido levadas estabelecimento de colônia de formigas pela correnteza da água no igarapé. Em em plantas jovens são fundamentais. De Maieta sp. essa perda de indivíduos maneira análoga, outras plantas provavelmente não ocorreu, já que não mimercófitas que ocorrem em áreas que houve redução do número de formigas impõe algum tipo de restrição às com o passar do tempo. O fato de H. formigas, podem ter desenvolvido mymercophila ter perdido formiga após características particulares. Assim como 0,5 h mesmo mantendo ar no interior a capacidade das domáceas de Maieta das domáceas, indica que as P. minutula sp. em restringir a entrada de água, tais

7 características devem permitir a emocionado discurso dos dois fazia manutenção desta associação todo sentido. obrigatória entre formigas e plantas. Aos novos amigos feitos no EFA, obrigado por todas as rodas de Agradecimentos discussão, ajuda em campo, “tibuns”, Não sei nem por onde começar. festinhas sensacionais. Cada pessoa Foram tantas as pessoas bacaníssimas mais singular que outra. Terei história que contribuíram para que eu para contar de cada um de vocês: participasse deste curso e para que ele “Amazon Charming” e seu mundo fosse uma experiência inesquecível. colorido, Fernandinha Mundururum, Agradeço muito Paulinho Pedro, Camila Oferenda, a anja de todos Enrique (Rainbown Master) por ter sido nós, Bruno Cid que animava pra bem mais que um coordenador. Foram caramba, Mônia Mãmão Selvagem II, boas aulas, bons conselhos, boas João, o mineiro mais engraçado que já brincadeiras, puxões de orelha, risadas conheci, Laura Xerifão, Thiago Preto e que não acabavam mais. Agradeço aos Thiago Branco... Não dá pra citar um outros bons professores que passaram por um. Vocês foram de mais! Tenho pelo curso, sempre com muita coisa a certeza de que sentirei saudades de ensinar, com bom humor e boa vontade. muita gente e torço para revê-los. Agradeço especialmente a Paulinho Estefano, Dani Kasper, Claudinha Paz e Referencias Fabrício (Mr. Pra que?) pelas Agrawal, A.A. 1997. Do leaf domatia orientações e ajuda nos trabalhos de mediate a plant–mite mutualism? campo. Graças a vocês volto para a An experimental test of the effects Bahia com a sensação de que em um on predators and herbivores. mês eu aprendi o que normalmente se Ecological Entomology, 22:371– aprenderia em um ano. 376. Agradeço muito a Tiko e Claris, Arthur, S.M., B.F.J. Manly, amigões do peito que foram decisivos L.L.McDonald & W. Garner. na minha vinda para o EFA 2010. Os 1996.Assessing habitat selection dois foram participantes de edições when availability changes. Ecology, anteriores do curso e sabia o que eu 77:215–227. estava por encontrar. Com grande Benson, W.W. 1985. Amazon ant- satisfação eu pude confirmar que o plants. In: Amazonia, pp. 239-266,

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G. Prance & T. Lovejoy (eds.). river-floodplain systems. Canadian Pergamon Press, New York. Species Publish Fish Aquatic Block,W.M., & L.A. Brennan. 1993. Science, 106:110-127. The habitat concept in ornithology: RADAM BRASIL. 1978. Folha SA20 theory and applications. Current Manaus, pp. 261, Rio de Janeiro, Ornithology, 11:35–91 Ministério das Minas e Energia, Dobrovolski, R., A.L. Francisco, A. Departamento Nacional de de A. Mendonça, K.F.R. Pereira & Produção Mineral. M.A. Mamão. Pulsos de inundação Sá, F.N. 1998. Estrutura da colônia de afetam a distribuição vertical da Pheidole minutula (Formicidae: formiga Pheidole minutula em Myrmicinae) em Maieta guianensis Maieta spp. (Melastomataceae)? In: (Melastomataceae) na Amazônia Livro do Curso de Campo Central. In: Livro do Curso de “Ecologia da Floresta Amazônica” Campo “Ecologia da Floresta (P.E. Peixoto & P.E. Bobrowiec, Amazônica” (A. Scariot & E. eds.). Manaus: INPA. Venticinque, eds.). Manaus: INPA. Gullan, P.J. 2005. The insects: an Walker, I. 1995. Amazonian streams outline of entomology. Maden: and small rivers. In: Limnology in Blackwell Publishing. Brazil. (J.G. Tundisi, C.E.M. Hölldobler, B. & E.O. Wilson. 1990. Bicudo & T. Matsumura, eds.). Rio The ants. Oxford: Haward de Janeiro: Brazilian Academy of University Press. Sciences. Junk, W.J., P.B. Bayley & R.E. Sparks. 1989. The flood pulse concept in

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Há seleção de territórios baseada no formato da árvore por Heterophrynus longicornis (Amblypygi, Phrynidae)?

Bruno Cid Crespo Guimarães

Introdução energético de sua defesa (Carpenter & A aptidão de um animal é, em MacMillen 1976). Se o ganho parte, baseada na sua habilidade de energético for maior do que o gasto, a balancear os riscos e os benefícios de defesa de território será selecionada na suas atividades (Abrams 1991). população (Davies & Houston 1984). Particularmente, no que diz respeito aos Nesta população, alguns indivíduos custos do forrageio, a teoria do podem ficar distribuídos em habitats forrageamento ótimo prediz que para menos adequados se não existirem bons uma estratégia de forrageamento ser territórios para todos. Essa distribuição selecionada, os benefícios trazidos por marginal pode ser dependente da classe ela devem ser maiores que os custos etária, acontecendo frequentemente com (Charnov 1976). Neste contexto, o jovens ou machos satélites (Burt 1949). comportamento territorial também pode Os indivíduos que conseguem encontrar ser visto como uma estratégia de e defender seus territórios têm maior forrageio quando envolve a defesa de acesso a fêmeas, abrigo e alimento recursos alimentares (Adams 2001). Os (Cody 1985, Whitham 1980). benefícios deste comportamento podem Muitos grupos animais provir da aquisição de mais alimento ou apresentam defesa de território, sendo de alimentos de maior qualidade. Os esta uma estratégia de vida comum em custos, por outro lado, podem vir do artrópodes (Baker 1983). patrulhamento e defesa da mancha de Heterophrynus longicornis é um alimento (Ostfeld 1990; Praw & Grant amblipígio que possui comportamento 1999). territorial. Os indivíduos desta espécie O equilíbrio energético entre os possuem fidelidade por seus territórios, custos e os benefícios do muitas vezes retornando rapidamente às comportamento territorial é regido pela árvores das quais foram removidos disponibilidade do alimento e pelo custo (Porto 2009). Quando isso não ocorre,

1 os territórios são ocupados por territórios em H. longicornis depende da indivíduos menores. Isso mostra que classe etária. Assim, espero encontrar estes machos estavam defendendo seu uma relação positiva entre a largura do território (Porto 2009, Vasconcelos cefalotórax dos adultos e a razão 2002). Além disso, existe uma relação diâmetro da base e diâmetro do tronco positiva entre o tamanho do corpo de H. (medida do afunilamento da árvore). Já longicornis e o diâmetro das árvores para os jovens, espero não encontrar onde habitam (Dias & Machado 2007). relação para as mesmas medidas. Esse fato sugere que os indivíduos mais fortes são capazes de selecionar os Métodos territórios onde habitam. Conduzi este estudo entre os A maioria dos amblipígios é dias 13 e 16 de agosto de 2010 na encontrada nos troncos das árvores, reserva do Km 41 (2°42’S, 59°44’O), orientados de frente para as raízes, e uma floresta contínua de terra firme. A com os pedipalpos erguidos e abertos. área pertence ao Projeto Dinâmico Essa posição sugere que eles estão Biológica de Fragmentos Florestais esperando presas que ascendem das (PDBFF) e localiza-se 80 km ao norte raízes para o tronco (Dias & Machado de Manaus. 2007). Portanto, é possível que a Para a amostragem dos maximização da captura de presas possa amblipígios percorri três trilhas na determinar a seleção dos territórios. floresta entre 20:00 e 00:00 h, devido a Neste contexto, árvores com grande atividade dos indivíduos iniciar às 18:00 área basal (que aumenta a área de h (Vasconcelos 2002). Durante este ascensão de presas do solo) e troncos tempo procurei ativamente por troncos estreitos (que afunilam a passagem das de árvores com amblipígios. Uma vez presas) devem ser melhores territórios. localizados, eu capturava os indivíduos, Como machos maiores defendem media a largura de seus cefalotórax com território, é possível que os jovens um paquímetro (precisão de 0,1 mm) e sejam excluídos para territórios menos determinava a classe etária. As árvores adequados por serem menores (Dias & tiveram o perímetro de ação das raízes Machado 2007). A partir disso, (PAR) e o perímetro do tronco na altura proponho a hipótese de que a seleção de

2 onde o amblipígio se encontrava (PAI) Capturei e medi um total de 26 medidos. indivíduos de H. longicornis, sendo 17 Para testar se a largura dos adultos (65,3%) e nove jovens (34,7%). cefalotórax dos adultos é maior do que a A largura média dos cefalotórax dos dos jovens e avaliar as relações entre as adultos (média ± desvio padrão) (6,73 ± larguras dos cefalotórax e a razão entre 2,25) foi duas vezes maior do que nos

PAR e PAI, realizei uma análise de jovens (11,85 ± 1,25) (F(1)=21,062; covariância (ANCOVA). Nesta análise, p<0,001). Não houve relação entre a a classe etária (jovem ou adulto) foi a largura do cefalotórax e a razão variável preditora categórica, a razão PAR/PAI, tanto para jovens como para entre PAR e PAI a variável preditora adultos (F(1)=0,352; p=0,559) e não contínua e a largura do cefalotórax a houve interação entre a largura do variável resposta contínua. cefalotórax e a razão PAR/PAI nas

classes etárias (F(1)=2,205; p=0,152) Resultados (Figura 1).

Figura 1. Relação entre a largura do cefalotórax e a razão entre PAR (perímetro de ação das raízes) e PAI (perímetro do tronco da árvore na altura onde o indivíduo foi encontrado) em jovens e adultos de Heterophrynus longicornis.

3 Discussão prejudicar o macho residente. Desta Os resultados mostraram que forma, a disponibilidade de presas não é não houve seleção do afunilamento das o fator determinante na defesa dos árvores por jovens e adultos em H. territórios. Para um predador do tipo longicornis. Desta forma, o senta e espera deve existir alimento afunilamento da árvore não é uma suficiente nos troncos das árvores. característica importante para que H. Neste estudo observei que as longicornis defendesse o território. árvores que afunilam da base para o A defesa de território é um fato tronco não são selecionadas por demonstrado para H. longicornis (Porto indivíduos de H. longicornius como 2009). Sendo assim, é provável que local de captura de presas. Isso pode existam certas características das indicar que a disponibilidade de presas árvores importantes na determinação da que vem do solo para o tronco não ocorrência desta espécie. Por exemplo, determina a defesa de território por este em relação à disponibilidade de amblipígio. Provavelmente o território recursos alimentares, Dias & Machado deve ser defendido como arena para a (2007) e Ricceti (2003) citam que a corte e reprodução como proposto por preferência destes amblipígios por Dias e Machado (2007). árvores com raízes tabulares pode favorecer a captura de presas que sobem Agradecimentos das raízes para o tronco. Os indivíduos Agradeço a Camila, Fernanda, desta espécie são predadores do tipo Bruno Cintra e Ricardo pela ajuda em senta e espera (Dias & Machado 2007) campo e inestimável companheirismo. e podem ficar muito tempo sem se Agradeço também a Paulo Estefano, alimentar (Pinto-da-Rocha et al. 2008). Claudinha e Manoela pela revisão Contudo os meus resultados não detalhada e persistente deste mostraram seleção pelo afunilamento do manuscrito. Muito obrigado a Paulo tronco. Porto (2009) observou que H. Enrique pela ajuda com bibliografia, longicornis defende o território contra a idéias e por fazer sempre uma cara de subida pelo tronco de indivíduos mais aborrecido do que a anterior satélites menores que podem estar se sempre que eu ia pedir ou perguntar alimentando nos estratos inferiores sem alguma coisa de novo. Aos

4 coordenadores, Paulo Estefano e Paulo diferenças da melhor forma possível e Enrique, também por me por fazerem deste mês certamente um proporcionarem a mágica experiência dos mais marcantes da minha vida. de participar do EFA 2010 e poder Saibam todos que, independentemente entrar para este seleto grupo de da relação que viermos a ter daqui para privilegiadas pessoas que se juntam, frente, vão morar para sempre no meu sem se conhecer, durante um mês para coração. discutir ciência, festejar e fazer novas amizades. A todos os professores e Referências monitores que contribuíram para minha Abrams, P.A. 1991. Life history and the formação, como havia desejado antes de relationship between food começar o curso, e por fazerem da nossa availability and foraging effort. convivência mais prazerosa e Ecology, 72:1242-1252. harmoniosa. À Júnior e João por Adams, E.S. 2001. Approaches to the estarem sempre presentes quando study of territory size and shape. precisamos e compartilharem conosco Annual Review of Ecology seu infinito conhecimento da Floresta. and Systematics, 32:277-303. À Dona Eduarda por manter-nos em pé Baker, R.R. 1983. Insect territoriality. com sua comidinha de todo dia. Aos Annual Review of Entomology, amblipígios por serem mais do que 28:65-89. esquisitos. À Amazônia por ser tudo Burt, W.H. 1949. Territoriality. que eu esperava com sua mata pulsante, American Society of Mammalogists, seus rios meândricos e seu céu 30:25-27. estrelado. Finalmente, aos meus Carpenter, L. & R.E. MacMillen. 1976. companheiros de aventuras e novos Threshold model of feeding amigos que fiz aqui. Pelos territoriality and test with a mergulhinhos, festas, conversas, hawaiian honeycreeper. Science, cantorias, correções e discussões 194:639-642. ecológicas. Agradeço a eles por terem Charnov, E.L. 1976. Optimal foraging: sido mais do que especiais com sua attack strategy of a mantid. mistura maravilhosa de sotaques e American Naturalist, 110:141-151. temperamentos. Por lidarem com as

5 Cody, M.L. 1985. Habitat selection in J.L., F. Pinto, G. Machado & birds. London: Academic Press. P.E.C. Cardoso, eds.). Manaus: Davies, N. B. & A.I. Houston. 1984. PDBFF/INPA. Territory economics, pp. 148-169. Praw, J.C. & J.W.A. Grant. 1999. In: Behavioral ecology: an Optimal territory size in the convict evolutionary approach (Krebs, R. & cichlid. Behaviour, 136:1347-1363. N.B. Davies, eds.). Sunderland: Ricetti, J. 2003. Utilização de Sinauer associates. microhábitats por Heterophrynus Dias, S.C. & G. Machado. 2007. longicornis (Arachnida: Microhabitat use by the whip spider Amblypygi) em uma mata de terra Heterophrynus longicornis firme na Amazônia Central. In: (Amblypygi, Phrynidae) in Livro do curso de campo “Ecologia CentralAmazon. Journal of da Floresta Amazônia” (E. Arachnology, 34:540-544. Venticinque & J. Zuanon, eds.). Ostfeld, R.S. 1990. The ecology of Manaus: PDBFF/INPA. territoriality in small mammals. Vasconcelos, E.G. 2002. História Trends in Ecology and Evolution, natural de Heterophrynus 5:411-415. longicornis (Arachnida, Pinto-da-Rocha, R., G. Machado & G. Amblypygi). In: Livro do curso de Giribet. 2008. Harvestmen: the campo “Ecologia da Floresta biology of opiliones. Cambridge: Amazônica” (Zuanon, J. & E. Harvard University Press. Venticinque, eds.). Manaus: Porto, T.J. 2009. Territorialidade e PDBFF/INPA. seleção de hábitat em Whitham, T.G. 1980. The theory of Heterophrynus longicornis habitat selection: examined and (Amblypygi, Phrynidae). In: Livro extended using Pemphigus aphids. do curso de campo “Ecologia da American Naturalist, 115:449-466. Floresta Amazônia” (Camargo,

6 A competição pode explicar o espaçamento entre árvores na Amazônia Central?

Bruno Barçante Ladvocat Cintra

Introdução herbívoros e doenças são muito fortes em A alta diversidade de espécies em plântulas e jovens, fazendo com que a florestas tropicais é um tema que sempre competição ocorra e seja detectada nas recebeu grande atenção de ecólogos. De gerações mais velhas (Paine et al 2008); a acordo com a hipótese de Janzen-Connell competição inter específica deve ser mais (Connell 1971, Janzen 1970), os efeitos de intensa entre espécies que exploram muitos herbívoros e doenças reduzem a densidade recursos em comum (intra guilda) do que de jovens próximos à planta mãe. Desta entre espécies que exploram recursos forma, espécies pouco abundantes podem se diferentes (inter guilda). estabelecer próximas das mais abundantes Meu objetivo geral neste trabalho é (Bell et al 2006, Harms et al. 2000, Wright avaliar o papel da ação de herbívoros, 2002). doenças e competição sobre o espaçamento De forma similar, a competição de árvores de diferentes espécies. Minhas entre indivíduos pode diminuir o hipóteses são: 1) Os efeitos previstos pela crescimento e a sobrevivência de jovens hipótese de Janzen-Connell podem explicar próximos a adultos da mesma espécie (co- o espaçamento de diferentes espécies de específicos). Assim, a competição também plantas e 2) A competição inter específica abre espaço para a chegada de mais espécies influencia o espaçamento de diferentes (Hubbell et al 1990). Embora a competição espécies em assembléias de árvores. entre indivíduos de plantas da mesma espécie (co-específicos) seja bem Métodos demonstrada, os efeitos da competição inter Realizei o estudo em uma área de específica permanecem pouco conhecidos terra firme de floresta contínua localizada (Wright 2002). Para que esses efeitos sejam aproximadamente 80 Km ao norte de demonstrados, dois processos importantes Manaus, Amazonas, Brasil. As áreas são devem ser considerados: os efeitos de áreas que não estão sujeitas a inundação

1

anual pelos grandes rios. Estas áreas são distância (co-específicos, intra guilda e inter compostas por três formações distintas: guilda) como variável preditora e cada platô (a parte mais alta na topografia), baixio indivíduo como um bloco. Posteriormente, (a parte mais baixa, por onde passam os realizei comparações planejadas para avaliar igarapés) e vertente (área de encosta entre o as possíveis diferenças entre as categorias de platô e o baixio). A região onde desenvolvi espécies. o trabalho é uma área de pesquisa de 10 000 A previsão para a minha primeira hectares, sob administração do Projeto hipótese é que a distância mínima entre Dinâmica Biológica de Fragmentos indivíduos adultos co- específicos deve ser Florestais (PDBFF/INPA). maior do que entre adultos inter específicos, Durante dois dias, percorri áreas de independente da guilda a que eles baixio à procura de indivíduos de duas pertencem. Para a segunda hipótese minha espécies de palmeiras, Oenocarpus bataua e previsão é de que se a competição inter Euterpe precatoria. Amostrei os indivíduos específica for importante, a distância à medida que visualizava adultos mínima entre adultos deve diminuir reprodutivos. Para cada indivíduo gradualmente para indivíduos co amostrado, medi a menor distância uma específicos, intra guilda e inter guilda. palmeira focal até outra co-específica, até uma palmeira de outra espécie (distância Resultados intra guilda) e até um adulto de outra família Amostrei 32 indivíduos, sendo 18 O. (distância inter guilda). Para amostrar bataua e 14 E. precatoria. Para ambas as somente adultos, estabeleci um critério espécies, existe diferença entre as distâncias mínimo de inclusão de 5 m de altura para as medidas (F2,17=9,972; p<0,01; F2,13=4,8219; espécies de palmeiras e 5 cm de diâmetro à p=0,016; Figura 1). No entanto, a análise altura do peito para as árvores de outras comparada indicou padrões diferentes para famílias. cada espécie. Para O. bataua, a média da Para cada espécie de palmeira, distância mínima entre adultos co realizei uma análise de variância em blocos, específicos é maior do que as distâncias com a distância entre os indivíduos como a intra guilda (t1,34=2.62; p=0,01; ), mas as variável resposta, as três categorias de distâncias inter e intra guilda não diferem

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entre si (t1,26=1,81; p=0,07). Já para E. guilda (t1,34=1,12; p=0,27). Assim, para E. precatoria, as distâncias entre co específicos precatoria a única diferença foi entre não difere da intra guilda (t1,34=1,94; indivíduos co específicos e inter guilda. p=0,06), que por sua vez não difere da inter

A 1,2 a

1,1

b 1,0

0,9 b

0,8 Log (distância entre duas árvores adultas) árvores duas entre Log (distância

0,7

CoMesma específicos espécie Outra Intraespécie guilda de palmeira Outra Interespécie guilda de árvore Tratamento

3

1,3 B a

1,2

1,1 ab

1,0 b 0,9

0,8

0,7 Log (distância entre duas árvores)

0,6

0,5 Mesma espécie Outra espécie de palmeira Outras espécies de árvore Co específicos Intra guilda Inter guilda Tratamento

Figura1. Logaritmo da distância entre árvores adultas da Amazônia Central em relação a três categorias (co específicos, intra guilda e inter guilda). Os pontos representam as médias e as barras os representam os intervalos de confiança de 95%. Diferenças e igualdade nas médias foram representadas por “a” e “b”. A) O. bataua; B) E.precatoria.

Discussão pode estar relacionada à especificidade dos Para ambas as espécies estudadas, a herbívoros ou patógenos (Augspurger & competição inter específica não é um fator Wilkinson 2007). Para O. bataua, que estrutura o espaçamento entre as herbívoros e patógenos especialistas nas plantas, pois não foi observado um sementes ou folhas da mesma espécie pode decréscimo gradual das distâncias entre resultar no distanciamento de adultos co- indivíduos co específicos, intra guilda e inter específicos. Para E. precatoria, a presença guilda. Por outro lado, as diferenças das conjunta de mais de um herbívoro e/ou distâncias mínimas entre indivíduos co patógeno, sendo um especialista e um específicos e de outras espécies podem ser generalista, pode levar ao distanciamento explicadas pela hipótese de Janzen-Connell. das duas espécies da mesma guilda. Dessa A diferença entre os padrões forma, apenas a distância inter guilda não encontrados para cada uma das espécies aumenta.

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Este estudo corrobora a hipótese de Paulinho e Catarina, por toda a atenção que que a ação de herbívoros, doenças e efeitos deram ao trabalho que realizei. dependentes da densidade favorecem o estabelecimento de espécies diferentes Referências próximas umas às outras (Anderson 2009, Anderson, J.T. 2009. Positive density Harms et al 2000, Peters 2003). A dependence inseedling of the competição entre indivíduos de diferentes neotropical tree species Garcinia espécies não representou um mecanismo macrophyla and Xylopia micans. importante no estabelecimento de adultos Jounal of Vegetation Science, 20:27-36. inter guilda e intra guilda. Entretanto, como Augspurger, C.K & H.T. Wilkinson. 2007. a maior parte das espécies de árvore é rara, Host specificity in pathogenic Pythium outros efeitos podem ser importantes para species: implications for tree species outras guildas de árvores (Hubbell et al diversity. Biotropica, 39:702-708. 1990). Bell, P., R.P. Freckleton & O.T. Lewis. 2006. Plant pathogens drive density- Agradecimentos dependent seedling mortality in a Agradeço em primeiro lugar ao tropical tree. Ecology Letters, 9:569- PDBFF/INPA e a todos aqueles que 574. participaram da organização da disciplina, Connell, J.H. 1971. On the role of natural pela oportunidade e pela atenção. Agradeço enemies in preventing competitive à Dona Eduarda e João pela dedicação diária exclusion in some marine and sem falhas; a todos os professores que se in rain forest trees, pp. 298–313.. In: dedicaram sempre com entusiasmo; a todos Dynamics of populations (den Boer, os colegas de turma, monitores, P.J. & G.R. Gradwell, eds). coordenadores, pela parceria em todos os Wageningen: Centre for Agricultural momentos; ao meu anjo, pelos chocolates e Publishing and Documentation. pelos bons papos, mesmo sem ter idéia de Janzen D.H. 1970. Herbivores and the quem seja ainda, a Fernanda e Demétrius, number of tree species in tropical forests. American Naturalist, 104:501–528. pela ajuda nos trabalhos e à Daniele, Harms K.E, S.J. Wright, O. Calderón, A. Hernández & E.A. Herre. 2000. 5

Pervasive density-dependent Peters, H.A. 2003. Neighbour-regulated recruitment enhances seedling diversity mortality: the infl uence of positive and in a tropical forest. Nature, 404:493– negative density dependence on tree 495. populations in species-rich tropical Hubbell S.P, R. Condit & R.B. Foster. 1990. forests. Ecology Letters, 6:757-765. Presence and absence of density Wright, S.J. 2002. Plant diversity in tropical dependence in a neotropical tree forests: a review of mechanisms of community. Philosophycal species coexistence. Oecologia, 130:1- Transactions of Royal Society of 14. London B, 330:269–281. Paine, C.E.T., K.E. Harms, S.A.Schnitzer & W.P. Carson. 2008. Weak competition among tropical tree seedlings: implications for species coexistence. Biotropica, 40: 432-440.

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Sinais químicos de predadores interferem na permanência de R. compressus (Cyprindontiformes: Rivulidae) em poças

Camila Vieira

Introdução natural pode atuar em favor de presas Predação é uma interação biótica que desenvolvem táticas evasivas anti- em que o indivíduo de uma espécie predatórias com o menor custo consome totalmente um organismo de energético possível (Ball & Robert outra espécie ou uma fração significante 1996). de sua biomassa (Abrams 2000). A O risco de predação pode ser decisão de forrageio da presa frente ao detectado pela presa por meio do risco de predação é uma demanda reconhecimento do predador (Stoks et conflitante (Abrams 2000, Lima 1998). al. 2003). Este reconhecimento pode ser Animais famintos expõem-se mais ao através de caracteres morfológicos risco de predação quando comparados a (Freitas & Oliveira 1996, Stoks et al. animais saciados. Assim, os efeitos da 2003), do comportamento de pressão de predação são dependentes do agressividade (Ness 2006), da coloração contexto ecológico em que as presas ou de sinais químicos deixados pelo estão inseridas (Abrams 2000, Lima predador (Dicke & Grostal 2001). 1998). Em riachos na Amazônia Central Os efeitos da predação podem (chamados localmente de igarapés) há ser de dois tipos: letais e não letais. Os formação de poças decorrentes de efeitos letais resultam no consumo da inundações irregulares provocadas pelas presa, enquanto que os efeitos não letais chuvas (Junk et al. 1989). Essas poças possibilitam a fuga da presa, que pode podem ser ocupadas por diversos ocorrer por meio da alteração do predadores de pequenos peixes, como comportamento para dificultar a anfíbios, peixes de outras espécies e imagem de procura, detecção e captura invertebrados aquáticos (Assis et al. (Abrams 2000, Lima 1998). Efeitos não 2007, Wilbur 1997). Insetos da família letais podem também induzir a Belostomatidae são predadores que migração de presas provocando demarcam seu território com diminuição local da densidade destas feromônios e uma série de compostos (Lima 1998). Dessa forma, a seleção químicos que podem ser identificados

1 pelas suas presas (Borror et al. 1976). poças com sinais da presença de Dessa forma, a maior acuidade da presa indivíduos de Belostomatidae do que para detectar sinais de predação, mesmo poças sem sinais da presença desse que o predador já tenha abandonado o predador. local, é uma característica que pode permitir a ocorrência de pequenos Métodos peixes nesses ambientes instáveis. Rivulus compressus Área de estudo (Cyprindontiformes: Rivulidae) é a Realizei este estudo na ARIE do espécie de peixe mais abundante Km 41 (2ο24’ S-59o44’ O) administrada encontrada em poças temporárias na pelo Projeto Dinâmica Biológica de Amazônia Central (Leitão 2004). Sua Fragmentos Florestais (INPA), cerca de dieta é baseada quase que 80 km ao norte de Manaus. A vegetação exclusivamente de insetos terrestres e desta área e caracterizada como floresta aquáticos (Dias 2007). Indivíduos do ombrófila densa. A pluviosidade é de gênero Rivulus apresentam o 1.900 a 2.500 mm por ano, com uma comportamento de saltar para fora dos estação seca pronunciada entre os meses riachos e poças e locomover-se alguns de julho a outubro quando as médias de metros entre elas (Dias, M.S. com. pluviosidade mensal não ultrapassam pess., Pazin et al. 2006). No entanto, os 100 mm (RadamBrasil 1978). Os motivos que levam a esse deslocamento igarapés localizam-se em baixios, que ainda são desconhecidos. Um estudo são áreas com inundações irregulares conduzido por Dias (2007) com poças que geram poças em suas margens. artificiais demonstrou que a Indivíduos de R. compressus e de disponibilidade de alimento não é um Belostomatidae utilizados no fator de seleção de poças. Portanto, experimento foram coletados ao longo neste estudo avaliei se a presença do de 1 km na beira de um igarapé. predador é o fator indutor do deslocamento de indivíduos de R. Experimento: efeito da presença do compressus. Minha hipótese é que a predador na escolha de poças por seleção de poças por R. compressus está Rivulus compressus associada à detecção de sinais químicos Para testar se indivíduos de R. emitidos por seus predadores. Assim, compressus abandonam poças com espero R. compressus abandonem mais sinais da presença do predador,

2 desenvolvi um experimento em campo horas verifiquei o abandono ou não da usando a metodologia de Dias (2007). poça por R. compressus. Considerei Simulei poças artificiais em bandejas abandono a saída de pelo menos um plásticas (n=20) com dimensões de 28 x indivíduo de R. compressus das poças 42 x 8 cm. Inseri folhiço previamente artificiais e realizei um teste de qui- lavado em cada poça de modo a simular quadrado. poças naturais e evitar qualquer interferência do substrato na seleção de Resultados sítios por R. compressus. Em cada poça Das 10 poças com sinal da artificial coloquei dois indivíduos de R. presença de Belostomatidae, 70% foram compressus e submeti aos seguintes abandonadas por apenas um indivíduo tratamentos (1) poças com água do de R. compressus, enquanto que 20% igarapé sem Belostomatidae (controle; delas foram abandonadas pelos dois n=10), (2) poças com água do igarapé indivíduos e apenas 10% não foram em que foi inserido o predador abandonadas. Já no controle, 50% das Belostomatidae antes do experimento poças foram abandonadas por apenas (tratamento; n=10). No tratamento, um indivíduo, 20% tiveram três utilizei a água onde o predador foi indivíduos, 10% tiveram quatro encontrado e havia permanecido nela indivíduos e 20% restantes durante 12 horas antes do experimento. permaneceram com o número inicial de As bandejas controle e tratamento peixes. Poças com sinal da presença de foram intercaladas em cinco fileiras de Belostomatidae foram mais quatro bandejas no baixio da floresta de abandonadas por R. compressus quando modo a constituir um desenho comparados às poças controle (χ2 =3,80; semelhante a um tabuleiro de xadrez. df=1; p=0,050). As poças foram enterradas distantes 20 cm umas das outras e estavam dispostas Discussão a uma distância mínima de 8 m do leito O maior abandono de poças com do igarapé. O baixio onde realizei o pistas de predação por R. compressus experimento foi escolhido por não indica que esses peixes são capazes de possuir poças naturais ao redor evitando reconhecer e responder aos sinais de assim à possível influencia da migração predadores evitando poças entre poças naturais e artificiais. Iniciei eventualmente ocupadas por insetos da o experimento às 10:00 e ao final de 24 família Belostomatidae. Este fato

3 corrobora a hipótese de Dias (2007), de detectados pela presa como potencial que esses peixes permanecem em poças risco de predação gerando uma resposta com menor pressão de predação. O de fuga. comportamento de migração entre poças É provável que o efeito de pode representar uma demanda predação observado possa ser conflitante, visto que há um alto gasto extrapolado para o reconhecimento e energético associado ao deslocamento evitação de outros predadores (Berk et al. 2005). Assim, o custo da encontrados comumente em poças. Em migração tem que ser compensador e sistemas espacialmente limitados, o menor que o custo da exposição a efeito da predação por Belostomatidae condições de alto risco, como a pode ter grande impacto na dinâmica dificuldade de movimentar-se no solo, a espacial e temporal de Rivulus exposição prolongada a predadores e o compressus podendo levar à diminuição dessecamento. Portanto, no caso de R. da densidade desses peixes nas poças compressus a fuga do predador deve (Lima 1998). Dessa forma, o risco de compensar o risco de migração entre predação não letal de Belostomatidae é poças. um fator determinante que afeta o Insetos da família comportamento de permanência em Belostomatidae podem representar bons poças da população de R. compressus. predadores de pequenos peixes associados ao folhiço, uma vez que o Agradecimentos comportamento de forrageio destes Não tenho palavras para insetos consiste em vasculhar substratos agradecer esta imensa oportunidade de bentônicos (Clutton-Brock 1988, Resh poder participar do EFA 2010. Acredito & Cardé 2003). Belostomatidae que não poderia passar por esta vida ocorrem em alta frequencia nas poças e sem ter vivido essa experiência única. no mesmo habitat ocupado por R. Agradeço aos coordenadores (Paulo compressus. Esse conjunto de fatores Enrique, Paulo Estefano e Zé) e aos pode ter resultado em grande pressão de professores por todo ensinamento e seleção para que R. compressus dedicação para que tudo ocorresse da reconheça esses predadores. Os sinais melhor forma possível durante todo o de comunicação intra-específica curso. Agradeço os corretores deste emitidos por esses insetos (Clutton- projeto, Paulinho Enrique, Catá e Dany Brock 1988) possivelmente são por toda crítica e paciência que

4 contribui muito na melhora do trabalho. feito parte do meu cotidiano e Agradeço em especial, o privilégio de transformar meus 30 dias aqui muito ter convivido 30 agradáveis dias com o mais incríveis. À Glaucia, Mônica, nosso “Master rainbow”, uma pessoa João, Thiago “preto”, Deco e Thallita fascinante e apaixonante em todos os por todo companherismo e indiscutível sentidos. Sua simplicidade e facilidade parceria durante esta etapa. Ao Bruno de lidar com os problemas só o faz Cid por ser uma pessoa de coração merecedor de todo reconhecimento. enorme que esteve sempre por perto. À Todos deveriam ter a sorte de conhecê- Fer pela amizade e por “agüentar” meu lo! Agradeço ao Murilo Dias pela sonambulismo sempre com toda literatura e importantes dicas no projeto. paciência e carinho. Agradeço a galera À Dany por toda fundamental do Igarafest: Bruno B., Demétrius, colaboração neste trabalho desde o Pedro, Ricardo, Rodrigo, Sara por inicio da idéia e por ser exemplo de noites de muita descontração e de boa como estar de bem com a vida em todos conversa. Certamente teremos muitas os momentos, Aos monitores Fabrício e historias para contar. Tenho certeza que Claudinha (minha companheira de nada substituirá os valores e ameba) por terem sido exemplos aprendizado que adquiri com este monitoria e atenção com os alunos. À mágico “universo paralelo” que é o dona Eduarda, Júnior e João por todo curso do EFA. apoio logístico que facilitou muito nossa estadia. E finalmente aos novos Referências amigos que o EFA proporcionou “Viver Abrams, P.A. 2000. The evolution of não vale a pena para que não têm um predator-prey interactions: bom amigo” (Demócrito, 460 – 317 theory and evidence. Annual aC). Agradeço a todos por me monstrar Review of Ecology and que a amizade pode ser real e livre de Systematic, 31:79-105. interesses independente do lugar em que Assis, R., A.G. Nazareno, F. Oliveira & nos encontramos: Alêny, meu primeiro L.V. Graf. 2007. Sobrevivendo contato em Manaus, obrigada por ser ao Serengeti das poças: minha principal guardiã e companheira semelhança entre tipos de poças, desde o inicio. Ao trio pernambucano girinos e predadores. In: Livro (Laura, Kátia e Gaby) mais Thiago do curso de campo “Ecologia da “branco”, agradeço por vocês terem Floresta Amazônica” (Camargo,

5 J.L. & G. Machado, eds.). Ecology and Systematics, 32:1– Manaus: PDBFF/INPA. 23. Ball, S.L. & L.B. Robert. 1996. Junk, W.J., B.B. Balley & R.E. Sparks. Predator-induced life history 1989. The flood pulse concept changes: antipredator behavior river-floodplain system. costs or facultative life history Proceedings of the International shifts? Ecology, 77:1116-1124. Large Rivers Symposium, Berk, R., S. Rajput & M. Pansiera. 106:110-127. 2005. Disturbance related Freitas AV.L. & P.S. Oliveira. 1996. jumping in Parachromis dovii. Ants as selective agents on PennScience, 2:4-7. herbivore biology: effects on the Borror, D.J., D.M. Delong & C.A. behaviour of a non-myrmecophilous Triplehorn. 1976. An . Journal of Animal Introduction to the study of Ecology, 65:205-210. insects. New York: Holt, Leitão, R.P. 2004. Ictiofauna associada Rinehart & Winston. a poças temporárias em igarapés Clutton-Brock, T.H. 1988. de terra firme na Amazônia Reproductive success. Chicago: Central. In: Livro do curso de The University of Chicago campo “Ecologia da Floresta Press. Amazônica” (DeMarco, P. & G. Dias, M.S. 2007. A disponibilidade de Machado, eds.). Manaus: alimento em poças temporárias é PDBFF/INPA um fator de seleção de habitat Lima, S.L. 1998. Nonlethal effects in para Rivulus compressus the ecology of predador-prey (Cyprindontiformes: Rivulidae)? interactions. Bioscience, 48:25- In: Livro do curso de campo 34. “Ecologia da Floresta Ness, J.H. 2006. A mutualism’s indirect Amazônica” (Camargo, J.L. & costs: the most aggressive plant G. Machado, eds.). Manaus: bodyguards also deter PDBFF/INPA. pollinators. Oikos, 113:506-514. Dicke, M. & P. Grostal. 2001. Chemical Pazin, V.F.V., W.E. Magnusson, J.A.S., detection of nature enemies by Zuanon & F.P. Mendonça. 2006. : an ecological Fish assemblages in temporary perspective. Annual Review of ponds adjacent to ‘terra-firme’

6 streams in Central Amazonia. Stoks, R., M.A McPeek & J.L. Mitchell. Freshwater Biology, 51:1025– 2003. Evolution of prey behaviour 1037. in response to changes in predatory RadamBrasil. 1978. Levantamento de regime: damselflies in fish and recursos naturais. Rio de dragonfly lakes. Evolution, 57:574- Janeiro: Ministério das Minas e 585. Energia, Departamento de Wilbur, H.M. 1997. Experimental Produção Mineral. ecology of food webs: complex Resh V.H. & Carde R.T. 2003. systems in temporary ponds. Encyclopedia of insects. Ecology, 78:2279-2302. Londres: Academic press.

7 Alocação diferencial em raízes de plântulas nas florestas de platô e campinarana

Demétrius Lira Martins

Introdução para as estruturas radiculares dos As condições ambientais alteram vegetais, o que interfere na demanda o funcionamento dos órgãos das plantas conflitante entre o crescimento de parte de forma que elas maximizem o aérea e raízes da planta. aproveitamento de recursos limitantes Existem solos na Amazônia com (Gregory 2006). Diferentes condições diferentes condições hídricas e de podem causar mudanças no fertilidade. Consequentemente as investimento nas diferentes estruturas plantas podem diferir na alocação de das plantas. Quando o recurso luminoso recursos entre parte aérea e raízes é limitante as plantas podem investir nesses ambientes. De forma geral estes mais em folhas ou, quando estão solos são classificados como argilosos estabelecidas em áreas alagadas, podem ou arenosos e podem ocorrer em investir na produção de lenticelas. diversos tipos de florestas. Os solos Frente à escassez de água e nutrientes argilosos podem ser encontrados em no solo as plantas podem investir mais florestas de platô, localizadas em áreas no crescimento de raízes tornando-as mais altas e sem a influência de mais profundas e com maior superfície pequenos rios. Por outro lado, os solos de contato com o solo. arenosos podem ocorrer nas florestas de Raízes podem apresentar campinarana, caracterizadas por características que permitem que as vegetação aberta, que permite maior plantas tenham maior alcance da água penetração de luz no sub-bosque que percola no solo (Paz 2003). Para quando comparadas às florestas de platô aumentar a absorção de água e (Cohn-Haft et al.2007, Luizão et al. nutrientes, as plantas também podem 2007). Considerando que os solos investir em um maior crescimento de argilosos do platô retêm mais água e raízes finas, aumentando a superfície de nutrientes do que o solo arenoso da contato com o solo (Luizão et al.2007). campinarana, é provável que a alocação O crescimento dessas raízes é resultado de recursos nas plantas seja diferente de uma alocação preferencial de energia nesses ambientes.

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Plântulas de espécies lenhosas Coletei 30 plântulas com folhas também podem apresentar alocação inteiras a medida que as encontrei em diferencial de recursos em função da cada ambiente. Amostrei plântulas de disponibilidade de água e nutrientes. várias espécies que variavam entre 10 e Assim, minha hipótese é que plântulas 20 cm de altura. Realizei a remoção dos estabelecidas em ambientes com menos indivíduos cavando o solo, a um raio de recursos disponíveis no solo possuem 10 cm de cada plântula, cuidando para maior investimento energético nas não danificar as raízes. Em seguida, raízes do que plantas em ambientes com lavei as raízes das plântulas para retirar mais recursos no solo. Primeiro eu o solo aderido. Obtive medidas de espero que plântulas na campinarana comprimento da parte aérea, da raiz tenham raízes principais mais principal e das raízes laterais de cada compridas do que as plântulas no platô. plântula. Segundo, eu espero que plântulas da campinarana tenham maior Análise dos dados comprimento de raízes laterais em Para testar a primeira previsão, comparação às plântulas do platô. comparei as médias do comprimento das raízes principais das plântulas entre Métodos campinarana e platô utilizando o Área de estudo comprimento da parte aérea como Realizei o trabalho na Área de covariável para controlar o efeito da Relevante Interesse Ecológico do km altura das plântulas. Da mesma forma, 41, uma área pertencente ao Projeto de para a segunda previsão, comparei as Dinâmica Biológica de Fragmentos médias do comprimento das raízes Florestais (PDBFF/INPA), localizada laterais das plântulas entre os ambientes 80 km ao norte de Manaus, onde utilizando a comprimento da parte aérea existem florestas de platô e como uma covariável. Utilizei Modelos campinarana. O clima da região é Lineares Gerais para realizar as análises tropical quente úmido com precipitação estatísticas. anual média de 2100 mm e temperatura média anual de 26°C. Resultados As plântulas estabelecidas na Coleta e mensuração das plântulas campinarana tiveram maior comprimento de raízes em relação às

2 plântulas do platô (F(1,57)=109,13, a 19,5 cm. As plântulas da campinarana p<0,001, Figura 1). As raízes principais também tiveram maior comprimento da campinarana foram em média 2,07 nas raízes laterais em relação às vezes mais longas em relação às raízes plântulas do platô (F(1,57)= 6,29, p=0,01 principais no platô. O comprimento das Figura 2). As plântulas na campinarana raízes principais no platô variou de 1,5 a investiram 2,5 vezes mais em raízes 10,7 cm, enquanto na campinarana o laterais em relação às plântulas do platô. comprimento dessas raízes variou de 7,1

. Figura 1. Comprimento das raízes principais das plântulas da área de campinarana e da área de platô na ARIE km 41. Os pontos representam as médias dos comprimentos das raízes principais e as barras representam os intervalos de 95% confiança.

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Figura 2. Comprimento das raízes laterais das plântulas da área de campinarana e da área de platô na ARIE km 41. Os pontos representam as médias do comprimento das raízes e as barras representam os intervalos de 95% de confiança.

Discussão indicando a forte influência dos solos Como previsto, as plântulas sobre alocação de recursos em raízes. encontradas na área de campinarana Como o solo da campinarana é investiram mais em raízes do que as bem drenado (Ribeiro et al. 1999) a plântulas do platô. Isso indica que as água se torna um recurso escasso nas plântulas estabelecidas no solo com camadas mais superficiais do solo. Por menos recursos apresentam uma isso, as plântulas precisam investir no resposta funcional às limitações hídricas crescimento de raízes mais profundas e nutricionais do solo. Essas limitações para conseguirem se estabelecer nesses podem ter importantes consequências solos onde a água é pouco disponível. no metabolismo das plântulas, tais como Por esse motivo, as plântulas de embolia no sistema vascular e campinarana apresentaram maior deficiência na formação de órgãos. Esse investimento tanto nas raízes principais, padrão foi difundido em toda a quanto nas laterais em relação às comunidade de plântulas amostradas florestas de platô. Ao contrário do que

4 acontece no platô, onde a maior principalmente à Claudinha que me disponibilidade de água no solo não ajudou do início ao fim do Projeto exige uma alocação diferencial de Individual, na elaboração do projeto, no recursos para as raízes. Assim, as piloto e na elaboração do relatório, ao plântulas do platô podem alocar Paulo Enrique e Paulo Estéfano pelas recursos para outras atividades como correções e sugestões ao longo de todo aumento de biomassa da parte aérea o curso e no projeto individual, ao para maior absorção de luz, que é um Bruno, Kátia, Sara, Laura, Gabriela e fator limitante para as plântulas nesses Pedro pelas sugestões e opiniões ambientes florestais. diferenciais no relatório final, à Dona Dessa forma, as diferentes Eduarda e João pela comida estratégias de alocação diferencial das diferenciada na cozinha e ao Júnior pela plântulas do platô e da campinarana são ajuda no campo e por ter encontrado resultado dos diferentes recursos meus óculos no igarapé. Muito obrigado limitantes em cada ambiente. O solo turma do EFA de 2010. argiloso do platô apresenta menor limitação de recursos em comparação Referências com o solo arenoso da campinarana. Cohn-Haft, M.; A.M.F. Pacheco, Isso possibilita que as plântulas desse C.L.Bechtoldt, M.F.N.M.Torres, ambiente aloquem mais energia para a A.M.Fernandes, C.H.Sardelli, parte aérea, compensando a limitação de I.T.Macêdo. 2007. Inventário luz causada pelo alto dossel. Este ornitológico. pp. 145-178. In: investimento diferencial em Biodiversidade do Médio Madeira: crescimento da parte aérea deve ser Bases científicas para propostas de responsável pela diferença de altura do conservação(L. Rapp Py-Daniel, dossel em áreas de campinarana e platô. C.P.Deus, A.L.Henriques, D.M. Pimpão, O.M. Ribeiro,eds.) INPA: Agradecimentos Manaus. Gostaria de agradecer a todos os Gregory, P.J. 2006. Plant Roots: participantes do EFA 2010, pois cada growth, activity and interaction um deles foi muito especial em with soils. Oxford: Blackwell momentos diferentes. A convivência Publishing. com todos durante um mês foi Jiménez, E.M., F.H. Moreno, J. Lloyd, inesquecível. Gostaria de agradecer M.C. Peñuela, S. Patiño. 2009. Fine

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root dynamics for forests on Song, M., Y. Tian, X. Xu, Q. Hu, H. contrasting soils in the Colombian Ouyang. 2006. Interactions Amazon. Biogeosciences between root and shoot competition Discussions, 6:3415-3453. among four plant species in an Luizão, R.C.C., F. J. Luizão, J. Proctor. alpine meadow on the Tibetan 2007. Fine root growth and nutrient Plateau. Acta Oecologica, 29:214- release in decomposing leaf litter in 220. three contrasting vegetation types Wang, X., J. Fang, B. Zhu. 2008. Forest in central Amazonia. Plant biomass and root–shoot allocation Ecology, 192:225-236. in northeast China. Forest Ecology Paz, H. 2003. Root/shoot allocation and and Management, 255:4007-4020. root architecture in seedlings: variation among forest sites, microhabitats, and ecological groups. Biotropica, 35(3):318-332. Ribeiro, J.E.L.S., J.G. Hopkins, C.A. Sothers, M.A.S. Costa, J.M. Brito, M.A.D. Sousa, L.H.P. Martins, L.G. Lohmann, P.A.C.L. Assunção, E.C. Pereira, C.F. Silva, M.R. Mesquita & L.C. Procópio. 1999. Flora da Reserva Ducke: guia de identificação das plantas vasculares de uma floresta de terra-firme na Amazônia Central. Manaus: INPA – DFID.

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Recrutamento de plântulas sob a copa de árvores com diferentes síndromes de dispersão

Fernanda C. Gil Cardoso

Introdução planta mãe (Harms et al. 2000, Wang & Muitos estudos tentam explicar a Smith 2002, Wenny 2001). alta diversidade das florestas tropicais A dispersão de sementes pela (Chesson 2000, Denslow 1987, fauna, conhecida como zoocoria, Terborgh et al. 2002, Wright 2002), permite a dispersão dos propágulos por mas ainda não há um consenso sobre a distâncias mais longas quando maneira como tantas espécies podem comparada a outras formas de ocorrer em um mesmo local. Um único dispersão. Em florestas tropicais, cerca hectare de floresta amazônica, por de 90% das plantas tem frutos exemplo, pode conter mais de 280 adaptados à zoocoria (Jordano 1992). espécies de árvores (Valencia et al. Árvores com dispersão zoocórica atuam 1994). Existem diversos mecanismos como um grande atrativo da fauna, tanto que possibilitam a coexistência de de aves como de mamíferos. Esses tantas espécies em uma escala espacial animais trazem nas fezes propágulos de pequena, como o efeito da densidade diferentes espécies, aumentando a dependente (Connel 1978, Janzen concentração de sementes de diversas 1970), a limitação ao recrutamento espécies sob a copa dessas árvores. A (Hurtt & Pacala 1995) e a maior deposição das sementes pela heterogeneidade espacial (Sollins 1998, fauna aumenta as chances de indivíduos Svenning 2001). A dispersão de de diferentes espécies recrutarem, sementes também é um fator elevando a diversidade. Dessa forma, as determinante da coexistência de árvores com síndrome de dispersão espécies, pois possibilita a colonização zoocórica podem atuar como de hábitats distantes e possivelmente mantenedoras de diversidade em com condições mais propícias para a florestas tropicais. germinação, propiciando o escape às Além do aumento da diversidade altas taxas de mortalidade próximo à de espécies pelo recrutamento, é possível que sob a copa de árvores com de plântulas devem ser maiores sob suas dispersão zoocórica a diversidade copas. Espero que o número de funcional também seja maior, devido à morfoespécies e o número de plântulas grande concentração de propágulos sejam maiores sob a copa de árvores diferentes trazidos pelos animais. A com dispersão zoocórica e que plântulas diversidade funcional nas plantas é crescendo sob a copa dessas árvores medida através de seus atributos tenham maior variação de área foliar, funcionais, que são quaisquer forma foliar e tipo de defesa foliar. características morfológicas ou fisiológicas, que afetam o desempenho Métodos dos indivíduos em um determinado Realizei este estudo na ARIE do ambiente (Violle et al. 2007). Esses Km 41 (2º30’S-59º52’O), uma área de atributos representam informações floresta de terra firme na Amazônia relevantes de como os organismos se Central. A área está localizada 80 km ao relacionam com as condições bióticas e norte de Manaus, AM, Brasil e é abióticas do meio. Portanto, a administrada pelo Projeto Dinâmica abordagem focada nos atributos Biológica de Fragmentos Florestais funcionais das espécies tem sido muito (INPA/Smithsonian Institution). utilizada para inferir sobre os processos Selecionei 10 árvores da espécie determinantes na estruturação das Manilkara bidentata (Sapotaceae), cuja comunidades vegetais (Diaz & Cabido dispersão é zoocórica e 10 árvores de 2001, Lavorel & Garnier 2002, McGill espécies com dispersão anemocórica, et al. 2006). utilizadas como áreas controle. Todas Com esse estudo, procurei estavam localizadas em áreas de platô entender o papel de uma espécie arbórea para evitar o efeito do rolamento de com dispersão zoocórica no sementes que ocorre em direção aos recrutamento de plântulas em uma área baixios. Todas as árvores escolhidas de floresta de terra firme na Amazônia. eram adultas, tinham a copa grande e Considerando que árvores com diâmetro a altura do peito maior que 50 síndrome de dispersão zoocórica atraem cm. Sob a copa de cada árvore, mais animais dispersores, o demarquei uma parcela de 1,5 m2, recrutamento e a diversidade funcional sempre no sentido norte e a 2 m de distância do tronco da árvore. Coletei comparação das médias entre as todas as plântulas (com alturas entre 10 parcelas sob a copa de árvores com e 50 cm) presentes dentro da parcela e dispersão zoocórica e das parcelas calculei a abundância e a riqueza de controle. Para análise dos dados dos morfoespécies. Posteriormente atributos funcionais das folhas (área selecionei a folha mais desenvolvida de foliar, forma foliar e tipo de defesa) cada plântula para determinar os calculei o índice de diversidade de atributos funcionais das folhas. Shannon para cada atributo e comparei Determinei três atributos foliares: área as médias das parcelas sob árvores com foliar, forma foliar e presença de dispersão zoocórica e das parcelas estruturas de defesa nas folhas. Para controle. Para calcular o índice de calcular a área foliar, medi o Shannon da área foliar classifiquei os comprimento e a largura de cada folha valores obtidos em oito categorias de selecionada e usei a fórmula da área da tamanho (<1cm2; 1-2cm2; 2,1-4 cm2; elipse (3/4π*comprimento/2*largura/2). 4,1-8 cm2; 8,1-16 cm2;16,1-32 cm2; Para os outros atributos classifiquei as 32,1-64 cm2 e > 64 cm2). folhas em categorias de forma foliar e categorias de defesa da folha. As Resultados categorias de forma foliar eram: Amostrei 296 plântulas no total, elíptica, composta, circular, palmeira, sendo 143 em parcelas sob árvores com linear, digitada e irregular. As dispersão zoocórica e 153 sob árvores categorias de defesa eram: presença de com dispersão anemocórica. Não houve látex, tricomas, espinhos, nectários e diferença na riqueza e abundância de cera. morfoespécies de plântulas que crescem Para analisar os dados de sob a copa de árvores com dispersão abundância e riqueza de morfoespécies, zoocórica e anemocórica (t15,8=-0,047; fiz um teste t de Student para p=0,96 e t17=0,39; p=0,70, Figura 1a,b).

Figura 1. Número de morfoespécies (A) e número de plântulas (B) sob a copa de árvores com dispersão zoocórica e anemocórica (controle) na reserva do Km 41, Amazônia Central.

A área foliar variou de 0,7 a 126,8 cm2 Não houve diferenças no índice nas plântulas que estavam sob a copa de de área foliar entre os dois tratamentos

árvores com dispersão zoocórica e 0,4 a (t17,9=0,33; p=0,75). A diversidade de 129,8 cm2 nas plântulas sob a copa de formas nas plântulas sob as árvores com árvores controle. A forma foliar elíptica dispersão zoocórica também não foi foi a mais comum nos dois tratamentos diferente das árvores controle (t17,4= - e o mecanismo de defesa foliar mais 2,04; p=0,06). Em relação à presença de comum foi a deposição de cera sobre as estruturas de defesa, também não houve folhas. diferença entre os dois tratamentos (t14,5=0,61; p=0,55) (Figura 2 a,b,c).

Figura 2. Média dos índices de diversidade de Shannon por tratamento para os atributos foliares avaliados: forma foliar (A), área foliar (B) e presença de estruturas de defesa (C).

Discussão comunidades de plântulas apresentaram Os resultados mostraram que valores de abundância e riqueza de não há diferença entre a comunidade de morfoespécies e diversidade funcional plântulas sob árvores com dispersão semelhantes. zoocórica e anemocórica. As Esse resultado pode ser podendo fazer com que essa semente conseqüência de eventos como tenha mais chance de germinar (Forget dispersão secundária e predação de 1991, Silva & Tabarelli 2001) Dessa sementes sobre os diásporos que caem forma, apesar da chuva de sementes ser sob a copa de árvores com dispersão maior sob a copa de árvores com zoocórica. A maior parte dos estudos de dispersão zoocórica (Clark et al. 2004), dispersão aborda apenas a dispersão o recrutamento e a diversidade primária por animais (Jordano 1992), funcional das plântulas podem não porém vários estudos têm demonstrado refletir esse padrão devido a eventos a importância de eventos pós-dispersão pós-dispersão. (ex: dispersão secundária, predação) no Mesmo com grande aporte de destino final de diásporos (Hulme 1998, sementes sob a copa, o estabelecimento Passos & Oliveira 2004, Pizo et al. e o recrutamento das plântulas 1998, Vander-Wall et al. 2005). dependem de outros fatores como a Formigas e roedores são considerados competição por nutrientes e por luz e a importantes dispersores secundários em interação com animais herbívoros e florestas tropicais (Christianini & patógenos (Augspurger 1984, Janzen Galetti 2007, Nepstad et al. 1996). 1970, Wright 2003). Adicionalmente, o Formigas cortadeiras, por exemplo, que pode influenciar mais que o tipo de podem causar alta mortalidade de dispersão da planta é o seu período de plântulas e remover uma quantidade frutificação. Árvores adultas sem frutos, notável de pequenas sementes (Silva et por exemplo, parecem prover sítios al. 2007, Zwiener 2009). Além das seguros para grandes sementes, já que formigas, estudos mostram que árvores não atraem a fauna que as remove com dispersão zoocórica que estão em (Pinto et al. 2007). Em síntese, o tipo de período de frutificação atraem mais dispersão da árvore que está acima da mamíferos, aumentando assim a plântula não deve ser determinante para remoção das sementes sob suas copas o recrutamento e para a diversidade (DeMattia et al. 2004, DeMattia et al. funcional das plântulas. A dispersão 2006, Pinto et al. 2007). Alguns secundária das sementes, como a roedores, por exemplo, enterram as remoção e a predação, pode ter grande sementes para consumi-las depois, influência no estabelecimento de plântulas em floresta de terra firme na coordenadores (Paulinhos) e ao Amazônia. PDBFF/INPA pela oportunidade.

Agradecimentos Referências Agradeço a todos os colegas e Augspurger, C.K. 1984. Pathogen professores do EFA 2010, em especial: mortality of tropical tree Marcelo Tabarelli, Catá, Manoela, seedlings: Experimental studies of Paulinho e Bruno Cintra pelas sugestões the effects of dispersal distance, a este projeto, ao grupo “Amazon seedling density, and light Forest Woody Seedlings Functional conditions. Oecologia, 61:211- Diversity Drivers Project” (Ricardo e 217. Pedro) pela ajuda com as análises de Chesson, P. Mechanisms of dados e discussões, Bruno Cid eAlêny maintenance of species diversity. pela ajuda durante o trabalho, “The Roof 2000. Annual Review of Ecology Club” e “The Igarafoot Club” pelos and Systematics, 31:343-366. ótimos momentos na Amazônia, a todos Christianini, A.V. & M. Galetti. 2007. os colegas, monitoras e professores dos Spatial variation on pos-dispersal projetos livres e orientados (Lianas, seed removal in an Atlantic Convergência x Divergência, Forest: Effect of habitat, location Macrófitas, Dossel x Sub-bosque, and guilds of seed predators. Acta Swartzia e Murunduns), João e Junior Oecologica, 32:328-336. por dividir seu conhecimento sobre a Clark, C.J., J.R. Poulsen, E.F. Connor & Amazônia, Dona Eduarda pelas V.T. Parker. 2004. Fruiting trees deliciosas refeições, Thiago Preto por as dispersal foci in a semi- tirar minha rede da chuva já que eu deciduous tropical forest. sempre esquecia, Cami por me Oecologia, 139:66–75. emprestar o “Matacura” e por todo Connell J.H. Diversity in tropical rain carinho, Bruno Cintra pela“cambada”. forests and coral reefs. 1978. A todos os outros integrantes pela Science, 199:1302-1309. inestimável amizade, ao meu anjo por DeMattia, E.A., L.M. Curran & B.J. todos os presentinhos ; ). Por fim, Rathcke. 2004. Effects of small agradeço imensamente aos rodents and large mammals on neotropical seeds. Ecology, Perspectives in Plant Ecology, 85:2161-2170. Evolution and Systematics, 1:32- DeMattia, E.A., B.J. Rathcke, L.M. 46. Curran & Vargas, R.A.O. 2006. Hurtt G.C. & S.W. Pacala. 1995. The Effects of small rodent and large consequences of recruitment mammal exclusion on seedling limitation: reconciling chance, recruitment in Costa Rica. history and competitive Biotropica, 38:196-202. differences between plants. Denslow J.S. 1987. Tropical rainforest Journal of Theoretical Biology, gaps and tree species diversity. 176:1-12. Annual Review of Ecology and Janzen D.H. 1970. Herbivores and the Systematics, 18:431–451. number of tree species in tropical Díaz, S. & M. Cabido. 2001. Vive la forests. The American Naturalist, différence: Plant functional 104:501-528. diversity matters to ecosystem Jordano P. 1992. Fruits and frugivory, processes. Trends in Ecology and pp. 105-156. 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A comparative study of tree Ducke: Guia de Identificação das establishment in abandoned Plantas Vasculares de uma pasture and mature forest of Floresta de Terra Firme na eastern Amazonia. Oikos, 76:25- Amazônia Central. Manaus: 39. INPA/DFID. Passos, L. & P.S. Oliveira. 2004. Silva, P.D. & M. Tabarelli. 2002. Seed Interaction between ants and fruits dispersal, plant recruitment and of Guapira opposita spatial distribution of Bactris (Nyctaginaceae) in a Brazilian acanthocarpa Martius sandy plain rainforest: ant effects (Arecaceae) in a remnant of on seeds and seedlings. Atlantic forest in northeast Brazil. Oecologia, 139:376-382. Acta Oecologica, 22:259−268. Pinto, S.R.R., A.M.M. Santos & M. Silva, P.D., I.R. Leal, R. Wirth & M. Tabarelli. 2009. Seed predation by Tabarelli. 2007. Harvesting of rodents and safe sites for large- Protium heptaphyllum (Aubl.) seeded trees in a fragment of the March. seeds (Burseraceae) by the Brazilian Atlantic forest Brazilian leaf-cutting ant Atta sexdens L. Journal of Biology, 69:763-771. promotes seed aggregation and Pizo, M.A., L. Passos & P.S. Oliveira. seedling mortality. Revista 1998. Ants and seeds of a Brasileira de Botânica, 30:553- nonmyrmecochorous neotropical 560. tree, Cabralea canjerana Sollins P. 1998. Factors influencing (Meliaceae), in the Atlantic forest species composition in tropical of southeast Brazil. American lowland rain forest: does soil Journal of Botany, 85:669-674. matter? Ecology, 79:23-30. Ribeiro, J.E.L.S., M.J.G. Hopkins, A. Svenning, J.C. 2001 Environmental Vicentini, C.A. Sothers, M.A.S. heterogeneity, recruitment Costa, J.M. Brito, M.A.D. Souza, limitation and the mesoscale L.H.P. Martins, L.G. Lohmann, distribution of palms in a tropical P.A.C.L., Assunção, E. Pereira, montane rain forest C.F. Silva, M.R. Mesquita. & L. (Maquipucuna, Ecuador). Journal Procópio. 1999. Flora da Reserva of Tropical Ecology,17:97-113. Terborgh J.T., N. Pitman, M. Silman, H. Wright, S.J. 2003. Gap-dependent Schichter & V.P. Núñez. 2002. recruitment, realized vital rates, Maintenance of tree diversity in and size distributions of tropical tropical forests, pp 1–17. In: Seed trees. Ecology, 84: 3174–3185. dispersal and frugivory: ecology, Wang, B.C. & T.B. Smith. 2002. evolution and conservation (D.J. Closing the seed dispersal loop. Levey, W.R. Silva & M. Galetti, Trends in Ecology Evolution, eds.). Wallingford: CAB 17:379–387. International. Wenny, D.G. 2001. Advantages of seed Valencia R., H. Balslev, Y. Paz & G. dispersal: A re-evaluation of Mino. 1994. High tree alpha directed dispersal. Evolotionary diversity in Amazonian Ecuador. Ecology Research, 3:51-74. Biodiversity Conservation, 3:21- Zwiener, V.P. 2009. Efeito das 28. perturbações de hábitat sobre a Vander-Wall, S.B., K.M. Kuhn & J.M remoção de sementes na Floresta Beck. 2005. Seed removal, seed Atlântica em Antonina, PR. predation and secondary dispersal. Dissertação de Mestrado, Ecology, 86:801-806. Universidade Federal do Paraná, Violle C., M.L. Navas, D. Vile, E. Curitiba. Kazakou, C. Fortunel, I. Hummel & E. Garnier. 2007. Let the concept of trait be functional! Oikos, 116:882-892. Wright, S.J. 2002. Plant diversity in tropical forests: a review of mechanisms of species coexistence. Oecologia, 130:1-14. O efeito de borda favorece a interação entre formigas e mirmecófilas

Gabriela Burle Arcoverde

Introdução parasitóides de herbivoros. Essas estruturas Interações mutualisticas podem ser oferecem abrigo ou alimento para artrópodes afetadas por perturbações antrópicas, como a que, ao utilizarem estes recursos, podem formação de bordas florestais. Essas consumir herbívoros e reduzir a herbivoria perturbações podem causar extinções de nas plantas hospedeiras (Schoonhoven et al. espécies e, consequentemente, de suas 2005). No entanto, devido as alterações que interações. (Girão et al. 2007, Silva et al. o efeito de borda causa nas assembléias de 2007). Entre os animais ameaçados por este formigas, as plantas que possuem interações processo, estão as formigas que apresentam com elas também podem ser prejudicadas redução de riqueza e abundância em habitats (Izzo 2005). perturbados (Folgarait 1998). Perturbações Algumas plantas mirmecófilas, como o efeito de borda podem modificar a possuem nectários extraflorais. Os nectários composição das formigas da área, fazendo extraflorais são glândulas secretoras de com que na borda restem as formigas néctar não relacionadas com a polinização, generalistas que são menos agressivas. As encontrados fora da flor (Elias & Gelband formigas especialistas, por outro lado, são 1976). Essas glândulas ocorrem em diversas mais agressivas e devem defeder mais o seu espécies de plantas presentes em muitos recurso. No entanto, essas formigas ecossistemas tropicais (Burslem et al. 2005). normalmente ficam mais restritas ao interior O néctar produzido por elas pode ser o de áreas florestais (Lach et al. 2010). principal recurso alimentar para formigas em Interações mutualístas entre plantas e algumas regiões. Devido a presença das formigas são extremamente comuns nos formigas próximas aos nectários, as plantas trópicos (Burslem et al. 2005). Em muitas podem se beneficiar do comportamento das dessas interações as plantas possuem formigas associadas, que envolve a captura estruturas, como as domácias, nectários ou expulsão de herbívoros que se extraflorais e tricomas glandulares, que aproxímem. Contudo, por ser uma interação possibilitam a interação com predadores ou facultativa, o aumento da aptidão da planta depende da assembléia de formigas A área é caracterizada como uma floresta associadas a ela (Rico-Gray & Oliveira tropical úmida de terra firme, que não sofre 2007). Visto que o efeito de borda aumenta alagamentos sazonais (Pires & Prance o número de generalistas na borda e essas, 1985). A temperatura média anual é 26 °C e por serem menos agressivas, defendem pluviosidade varia entre 1.900 a 2.300 mm menos o seu recurso, as mirmecófilas (RADAMBRASIL 1978). A área de estudo localizadas na borda seriam menos é cortada por uma estrada que possui entre protegidas que as localizadas no interior. 10 e 20 m de largura responsável pela Diante deste cenário, viso responder criação de uma borda florestal nas margens. a pergunta sobre como o efeito de borda Como modelo de plantas com afeta a presença de formigas e proteção nectário, escolhi indivíduos pertencentes ao contra herbívoros em mirmecófilas com gênero Inga (Fabaceae). As espécies que nectários extraflorais. Minha hipótese é que constituem esse gênero possuem folhas mirmecófilas com defesa indireta assegurada pinadas com nectários extraflorais por nectários extraflorais localizadas em interfoliares. Os nectários presentes nos habitat não perturbado apresentarão mais ramos mais novos secretam exudados ricos formigas e serão melhor protegidas que em em açúcar que são coletados por formigas habitats perturbados. Assim, espero que em (Ribeiro et al. 1999). modelos artificiais de nectários dispostos nas Considerei as margens da estrada plantas, a ocorrência de formigas e a como habitat sob efeito de borda e locais a ocorrência de ataque contra modelos de mais de 100 m da estrada como habitat fora herbívoros nas plantas que estejam com da influencia desse efeito. Utilizei 54 formigas seja maior no interior que na borda indivíduos de Inga, sendo 17 ao longo da florestal. estrada e 37 no interior da floresta. Adotei uma distância mínima de 10 m entre os Métodos indivíduos. Como os indívíduos localizados Realizei o trabalho na ARIE do Km no interior não possuiam folhas jovens e os 41 (2°26’ S - 59°46’ O) pertencente ao nectários ativos somente se encontram Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos nessas folhas, criei modelos artificiais de Florestais (PDBFF/INPA), localizada a 80 nectários florais para atrair as formigas. Para km ao norte de Manaus, Amazonas, Brasil. manter o mesmo protocolo de coleta, também simulei esses nectários nas plantas em apenas 17% das plantas, mostrando que localizadas na borda. na borda houve seis vezes mais ataque que Elaborei nectários artificiais ao usar no interior (χ2=19,85; gl=1; p<0,001). uma bola de algodão com 0,5 cm de raio embebido em uma solução saturada de água Discussão e açúcar. Em cada planta, posicionei três Mirmecófilas foram mais ocupadas nectários em um dos ramos apicais e após 2 por formigas e foram mais eficientemente h contabilizei os indivíduos com formigas. defendidas na borda florestal. Esse fato não Para o experimento da eficiência de remoção corrobora a minha hipotese e indica que o de herbívoros pelas formigas, posicionei um efeito de borda pode favorecer a proteção modelo de herbívoro (cupim) na parte das plantas. Resta entender como o efeito de mediana da folha mais próxima ao nectário borda pode ter favorecido este tipo de onde as formigas estavam. Observei o proteção. comportamento das formigas por 10 min Um dos resultados do efeito de borda após colocar o modelo para ver se elas o é o aumento da herbivoria na borda, atacavam. Considerei como ataque o ato de principalmente por herbívoros generalistas morder ou remover o cupim. Avaliei se a (Wirth et al. 2008). O aumento da herbivoria presença de formiga e a frequência de ataque pode induzir respostas por parte das (variáveis resposta) diferiu entre a borda e o mirmecófilas que podem aumentar a interior (variável explanatória) utilizando o produção de néctar e de nectários (Burslem teste qui-quadrado. et al. 2005). Além disso, o efeito de borda causa mudanças em algumas características Resultado ambientais, como um aumento na incidência Eu observei um total de ocupação luminosa (Kapos 1989). A luz é um fator por formigas em 15 (88%) plantas na borda limitante para a fotossíntese em áreas de e em 12 (32%) plantas no interior da floresta contínua (Lambers et al. 2008). floresta, o que mostra uma ocupação quase Com o aumento de sua disponibilidade, as três vezes maior na borda (χ2=15,97; gl=1; plantas mirmecófilas localizadas na borda p<0,001). Entre as plantas com formigas, podem aumentar suas taxas fotossintéticas e houve 100% de ataque nas plantas da borda, com isso aumentar a produção de néctar. enquanto que no interior o ataque ocorreu Essa maior produção pode representar uma fonte de recurso permanente para as em áreas de borda, a presença constante da formigas. Dessa forma, as formigas podem formigas pode garantir uma alta eficiencia aumentar seu esforço de forrageamento de defesa. Levando-se em consideração a direcionado para essas plantas, aumentando grande taxa de frangmentação florestal no a frequência de sua presença nas plantas mundo, plantas mirmecófilas com nectar com nectários na área da borda. podem se tornar cada vez mais abundantes. Além dos fatores relacionados a biologia da planta, talvez o efeito de borda Agradecimentos também modifique o comportamento das A todos que fizeram este curso formigas. Embora ocorram mais formigas possível. Ao cordenador Paulo Enrique generalistas e oportunistas na borda, (Rainbow master) por todos os seus limitações na disponibilidade de recurso ensinamentos, alegrias e chamadas de podem modificar seu comportamento (Lach atenção que me fizeram crescer e me et al. 2010). É possível que a disponibilidade ajududram muito neste período. Ao de nitrogênio seja menor em áreas de borda, cordenador Paulinho por tudo. A Dani por já que o nitrogenio é geralmente obtido em toda sua ajuda, alegria, e quedas nas festas carcaças e excrementos de animais que que as fizeram muito especiais. A Claudinha também podem sofrer redução de suas que também me ajudou muito e também por populações em áreas de borda (Begon et al. ser uma super mega orientadora legal, adorei 2006). Uma vez que formigas são ser sua primeira aluna! A todos os organismos bastante flexiveis quanto ao seu professores que vieram e contribuiram com padrão de forrageamento, elas podem a minha formação. As minhas amigas aumentar sua taxa de captura de herbívoros pernambucanas Kátia e Laura que vieram para suprir essa deficiência (Gordon 1991). comigo e ajudaram com TUDO neste Embora o efeito de borda seja período e sempre! A Charlêne (Alêny) por prejudicial para vários grupos, é possível sua alegria, amizade e por ser uma pessoa que alguns organismos sejam favorecidos tão especial. A Oferenda (Camila) por todas com as mudanças proporcionadas por esse suas quedas, alegria, ajuda e por ser uma efeito (Wirth et al. 2008). As mirmecófitas, pessoa muito especial. Ao Thiago branco possivelmente, fazem parte deste grupo, pois por ser uma pessoa tão legal e fofa. Ao apesar do aumento dos níveis de herbivoria Thiago preto por toda sua alegria e felicidade que contagia. Ao Demétrius por review. Biodiversity and Conservation, sua compania e alegria em tantos trabalhos 7:1221-1244. não significativos! A Thallita pela Girão, L.C., A.V. Lopes, M. Tabarelli & E. companhia nos trabalhos e aperreios. Ao Bruna. 2007. Changes in tree João por toda sua calma e balas rio Negro e reproductive traits reduce functional Solimões. A Môniquinha por ser tão legal. A diversity in a fragmented Atlantic Forest Glaucia por toda sua calma e simpatia. Ao landscape. PLoS ONE, 9:1-12. Rodrigo, Pedro, André, Bruno B., encosto Gordon, D.M. 1991. Behavioral flexibility (Bruno C.), Sara, Fernanda e Ricardo por and the foraging ecology of seed-eating serem colegas de curso tão especiais e ants. The American Naturalist, 138:379- fazerem deste mês maravilhoso!! Também 411. agradeço a D. Eduarda, Júnior e João por Izzo, T.J. 2005. Recolonização de capoeiras tudo. com diferentes histórias de uso por plantas mirmecófitas e suas formigas Referências associadas. Tese de Doutorado, Begon, M., J.L. Harper & C.R. Townsend. Universidade Federal do Amazonas, 2006. Ecology: from individuals to Manaus. ecosystems. Oxford: Blackwell Kapos, V. 1989. Effects of isolation on the Publishing. water status of forest patches in the Burslem, D., M. Pinard & S. Hartley. 2005. Brazilian Amazon. Journal of Tropical Biotic interactions in the tropics their Ecology, 5:173-185. role in the maintenance of species Lach, L., C.L. Parr & K.L. Abbott. 2010. diversity. Cambridge: Cambridge Ant ecology. Oxford: Oxford University University Press. Press. 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Hopkins, A. sexdens L. promotes seed aggregation Vicentini, C.A. Sothers, M.A. da S. and seedling mortality. Revista Costa, J.M. de Brito, M.A.D. de Souza, Brasileira de Botânica, 30:553-560. L.H.P. Martins, L.G. Lohmann, Wirth, R., S.T. Meyer, I.R. Leal & M. P.A.C.L. Assunção, E. Da C. Pereira, C. Tabarelli. 2008. Plant herbivore F. da Silva, M.R. Mesquita & L.C. interactions at the forest edge. Progress Procópio. 1999. Flora da Reserva in Botany, 69:423-448. Ducke: guia de identificação das plantas vasculares de uma floresta de terra‐firme na Amazônia Central. Manaus: INPA. Rico-Gray, V. & P.S. Oliveira. 2007. The ecology an evolution of ant-plant interaction. Chicago: The University of Chicago Press. Efeito de borda sobre a serrapilheira e a comunidade de plântulas em uma floresta contínua na Amazônia Central

Gláucia M. A. de Oliveira

Introdução contínuas devem ter a intensidade dos Alterações antrópicas promovem efeitos diminuída, uma vez que não mudanças na paisagem que haverá uma matriz que isole a floresta. desencadeiam processos de perturbação Vários estudos descrevem alterações nos ecossistemas. Muitas dessas microclimáticas, como temperatura, alterações têm provocado a umidade e luminosidade, e de estrutura fragmentação de florestas e exposto da vegetação em bordas de fragmentos parte dessas aos efeitos de borda. florestais (Camargo & Kapos 1995; Efeitos de borda podem ser definidos Casenave et al. 1995; Didham & como modificações bióticas e abióticas Lawton 1999). No entanto, em geral, que ocorrem nas bordas dos esses estudos abordam efeitos de bordas remanescentes de vegetação na de fragmentos florestais inseridos em interseção com a matriz antrópica uma matriz antrópica. (Laurance et al. 2007; Murcia 1995; Uma das alterações Rodrigues 2006). No entanto, uma documentadas em bordas de fragmentos borda também pode ser formada no isolados é o aumento da produção de interior de um remanescente florestal ou serrapilheira (Sizer 1992 apud Sizer & de uma floresta contínua, devido, por Tanner 1999). Esse aumento ocorre exemplo, à passagem de redes elétricas, porque na borda há um incremento na gasodutos, oleodutos e a abertura de mortalidade de árvores e favorecimento estradas (Reis 2008). de espécies pioneiras e lianas que Os fatores que influenciam a apresentam melhor desempenho em intensidade dos efeitos de borda condições de alta luminosidade incluem a estrutura da vegetação da (Laurance et al. 2002, Tabarelli et al. matriz, o influxo de animais e 1999). Espécies pioneiras apresentam propágulos de plantas, o tamanho do alta taxa de renovação foliar (Coley fragmento, a forma e a idade da borda 1987) o que propicia um aumento na (Laurance et al. 2007). Dessa maneira, deposição de serrapilheira. Esse bordas formadas no interior de florestas aumento no aporte de serrapilheira por

1 sua vez, pode afetar a comunidade de Considerando a borda formada plântulas. por uma estrada que corta uma floresta O acúmulo de serrapilheira pode contínua, este trabalho tem como beneficiar o estabelecimento de objetivo investigar se neste tipo de plântulas por melhorar o microclima borda ocorrem alterações na deposição local e aumentar a disponibilidade de de serrapilheira e de que maneira a nutrientes (Fowler 1988 apud Molofsky comunidade de plântulas é afetada. & Augspurger 1992). Por outro lado, Minhas hipóteses são que (i) haverá pode afetar negativamente a germinação maior deposição de serrapilheira na e o desenvolvimento das plântulas borda em comparação com o interior e (Santos & Válio 2002). A serrapilheira que (ii) o aumento de deposição de pode criar microsítios onde há limitação serrapilheira diminuirá a abundância e da entrada de luz, o que afeta a riqueza da comunidade de plântulas. germinação das sementes de algumas Minhas previsões são que (i) haverá espécies que são sensíveis à maior peso seco e espessura de luminosidade, ou ainda pode impedir as serrapilheira na borda do que no interior flutuações de temperatura necessárias da floresta e que (ii) o maior peso e ao disparo da germinação de algumas espessura de serrapilheira na borda espécies (Eriksson 1995, Vázquez- acarretarão em menor número de Yanes & Orozco-Segovia 1993). Além indivíduos e de morfo-espécies de disso, a queda da serrapilheira pode plântulas lenhosas em relação ao causar danos sob as plântulas e formar interior da floresta. barreiras que podem prejudicar sua emergência, o desenvolvimento das Métodos raízes e a infiltração de água no solo Área de estudo (Molofsky & Augspurger 1992, Scariot Realizei este estudo na Área de 2000). O acúmulo de serrapilheira pode Relevante Interesse Ecológico do Km ainda, intensificar as interações 41 (02°24’ S - 59°43’ O) pertencente ao alelopáticas, causadas por substâncias Projeto Dinâmica Biológica de fitotóxicas presentes nas folhas, que Fragmentos Florestais (PDBFF -INPA), podem inibir o crescimento de raízes e localizada a aproximadamente 80 km de conseqüentemente o desenvolvimento Manaus, AM. Realizei as coletas no de plântulas (Datta & Chatterjee 1980 interior de uma floresta contínua e nas apud Molofsky & Augspurger 1992). bordas que foram formadas há mais de

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30 anos pela abertura de uma pequena Realizei análises de variância estrada de acesso. para comparar a espessura e o peso seco Coleta de dados (variáveis resposta) da serrapilheira na Amostrei 16 pontos na borda da borda e no interior (variável preditora). estrada e 16 no interior da floresta. Os Da mesma forma, realizei análises de pontos de amostragem eram variância para avaliar se a espessura de distanciados no mínimo100 m entre si e serrapilheira influenciava no número de em cada um demarquei uma parcela de indivíduos e de espécies na borda e 1,5 x 1,5 m. interior. Para esta análise não utilizei o Para testar a primeira hipótese peso seco da serrapilheira devido à fiz três medidas da espessura da correlação com a espessura da camada serrapilheira em duas arestas e no meio de serrapilheira depositada (r=0,40). da parcela, posteriormente, calculei a espessura média da camada de Resultados serrapilheira. Coletei a serrapilheira no O peso seco da serrapilheira não centro da parcela em uma área de 0,5 x diferiu entre borda e interior

0,5 m e medi o peso seco. Separei os (F(1,30)=2,27; p= 0,14). No entanto, a galhos e frutos e sequei o material espessura da serrapilheira diferiu entre restante para obtenção do peso seco de os dois ambientes (F(1,30)= 17,47; p < cada parcela separadamente. Para testar 0,001; Figura 1), sendo maior na borda a segunda hipótese coletei todas as (4,88±1,35; média±desvio padrão) do plântulas de 10 a 50 cm de altura de que no interior (3,17±22,59; cada parcela, contei o número de média±desvio padrão). A abundância e indivíduos para estimar a abundância e riqueza de plântulas foi similar nos dois separei em morfo-espécies para estimar ambientes (F(1,28)=0,01; p=0,89 e a riqueza. F(1,28)=1,19; p=0,28, respectivamente; Figura 2 a e b). Análise de dados

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Figura 1. Espessura da serrapilheira nos ambientes de borda e interior de uma área de floresta contínua na floresta Amazônica.

a b

Figura 2: Relação da espessura da serrapilheira com (a) a abundância de plântulas e (b) a riqueza de plântulas na borda e no interior de uma floresta.

Discussão riqueza não variaram entre os dois A deposição de serrapilheira foi ambientes. diferente na borda quando comparada A abertura da estrada formou ao interior da floresta. No entanto, essa uma borda na floresta contínua que diferença não afetou a comunidade de causou uma alteração na deposição de plântulas, uma vez que a abundância e a serrapilheira. Assim como ocorre em bordas de fragmentos florestais

4 inseridos em uma matriz antrópica, a comunidade de plântulas lenhosas, que abertura da estrada deve ter causado foi similar entre os dois ambientes. aumento da luminosidade, da exposição Como se trata de uma borda em uma ao dessecamento e da ação dos ventos floresta contínua, onde não houve o (Laurance et al. 2002). Essas condições isolamento de um fragmento, a chegada podem ter promovido a mortalidade de de propágulos e animais dispersores árvores de estádios sucessionais tardios pode não ter sido reduzida, e favorecido espécies pioneiras que possibilitando que a abundância e apresentam melhor desempenho em riqueza de plântulas fossem similares ao condições de alta luminosidade interior da floresta. A idade da borda é (Mesquita et al. 1999). Espécies outro fator que influencia a dinâmica da pioneiras possuem alta taxa de vegetação, sendo que em bordas antigas renovação foliar que, em conjunto com os padrões da comunidade vegetal a maior exposição à ação dos ventos, podem ser similares ao interior da podem ocasionar maior aporte de floresta (Matlack 1994). Na borda serrapilheira no sistema (Coley 1987). estudada, formada há mais de 30 anos, o Apesar da espessura da tempo decorrido pode ter sido suficiente serrapilheira ser maior na borda, o peso para que o recrutamento e a diversidade seco não foi diferente do interior de plântulas voltassem a ser florestal. A menor espessura da semelhantes ao encontrado no interior serrapilheira no interior pode ter sido florestal. contrabalanceada por um maior peso A estrutura da comunidade de das folhas de espécies de estádios plântulas foi similar entre a borda e o tardios de sucessão. A maior biomassa interior florestal, o que pode ter da serrapilheira poderia ser ocorrido pela influência positiva da proporcionada por um alto investimento floresta do entorno. No entanto, mesmo estrutural nas folhas de espécies tardias, pequenas estradas em florestas ao contrário do que ocorre em folhas de contínuas podem causar impactos espécies pioneiras que investem menos suficientes para gerar efeitos de borda em compostos secundários e em semelhantes aos registrados em carboidratos estruturais (Mesquita et al. fragmentos florestais isolados, como foi 1998; Kitayama et al. 2004). observado para a deposição de A maior espessura de serrapilheira. serrapilheira na borda não influenciou a

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Agradecimentos Chaco semi-arid forest, Argentina. Agradeço ao Paulo Henrique, a Forest Ecology and Managemet, Sara e ao Bruno Cid pela ajuda nas 72:61-69. análises estatísticas; à Claudinha, ao Coley, P.D. 1987. Interspecific variation João do PDBFF e ao João Capurucho in plant anti-herbivore properties: pela ajuda na secagem da serrapilheira; the route of habitat quality ao companheiro de campo Ricardo; ao and disturbance. New Phytologist, Rodrigo pela revisão do texto e a 106: 251-263 apud Oliveira, F. L., Claudinha (de novo), Dani e Catarina D. E. de Oliveira, D. C. Rother & pelas valiosas contribuições na escrita G. S. Requena. 2009. Existe efeito deste trabalho! Agradeço também a D. de borda sobre o estoque e o Eduarda pela comida gostosa e ao tamanho de folhas de serrapilheira Júnior e João do PDBFF (de novo) em um fragmento na Amazônia pelos preciosos conhecimentos e Central? In: Livro do curso de histórias da Amazônia! Os nomes que campo ecologia da Floresta não foram citados não foram menos Amazônica (Camargo J. L., F. importantes, agradeço a TODOS os Pinto, G. Machado & P. E. C. amigos, monitores e professores do Cardoso, eds.). Manaus: EFA pelas outras várias ajudas, pelo PDBFF/INPA. companheirismo, pela alegria e por Datta, S. C. & A. K. Chatterjee. 1980. terem tornado este mês de convivência Allelopathic potential of inesquecível! Nunca esquecerei esses Polygonum orientale in relation dias e essas noites na Amazônia! to germination and seedling growth of weeds. Flora, 169:456-465 Referências apud Molofsky, J. & C.K. Camargo, J.L.C. & V. Kapos. 1995. Augspurger. 1992. The effect of Complex edge effects on soil litter on early seedling moisture and microclimate in establishment in a tropical forest. central Amazonian Forest. Journal Ecology, 73:68-77. of Tropical Ecology, 11:205-221. Didham, K.R. & J.H. Lawton. 1999. Casenave, J.L., J.P. Pelotto & J. Edge structure determines the Protomastro. 1995. Edge-interior magnitude of changes in differences in vegetation microclimate and vegetation structure and composition in a structure in tropical forest

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fragments. Biotropica, Laurance, W.F. 2002. Rainforest 31:17-30. fragmentation kills big trees. Eriksson, O. 1995. Seedlings Nature, 404:836 recruitment in deciduous forest Laurance, W.F., H.E.M. Nascimento, herbs: the effects of litter, soil S.G. Laurance, A. Andrade, R.M. chemistry and seed bank. Flora, Ewers, K.E. Harms, R.C.C. 190:65-70. Luizão & J.E. Ribeiro. 2007. Habitat Fowler, N. L. 1988. What is a safe site?: fragmentation, variable edge neighbor, litter, germination date, effects, and the landscape- and patch effects. Ecology, 69:947- divergence hypothesis. PLOS ONE 961. apud Molofsky, J. & C.K. 2(10): e1017. Augspurger. 1992. The effect of doi:10.1371/journal.pone.0001017 litter on early seedling Matlack, G.R. 1994. Vegetation establishment in a tropical forest. dynamics of the forest edge - trends Ecology, 73:68-77. in space and successional time. Kapos V., E. Wandelli, J.L. Camargo & Journal of Ecology, 82:113-123. G. Ganade. 1997. Edge-related Mesquita, R.C.G., Workman, S.W., changes in environment and C.L. Neely. 1998. Slow litter plant responses due to forest decomposition in a cecropia- fragmentation in central Amazonia. dominated secondary forest of In: Tropical Forest Remnants: central Amazonia. Soil Biological Ecology, Management, and Biochemical, 30:167-175. Conservation of Fragmented Mesquita, R.C.G., P. Delamônica, W.F. Communities (W. F. Laurance & R. Laurance. 1999. Effect of O. Bierregaard, eds.). surrounding vegetation on Chicago: The University of edge-related tree mortality in Chicago Press. Amazonian forest fragments. Kitayama, K., S. Suzuki, M. Hori, M. Biological Conservation, 91:129- Takyu & S. I. Aiba. 2004. On the 134. relationships between leaf-litter Molofsky, J. & C.K. Augspurger. 1992. lignin and net primary productivity The effect of leaf litter on early in tropical rain forests. Oecologia, seedling establishment in a tropical 140: 335–339. forest. Ecology, 73:68-77.

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Murcia, C.1995. Edge effects in fragmented forests: implications for Sizer, N.C. 1992. The impact of edge conservation. Trends in Ecology formation on regeneration and and Evolution, 10:58-62. litterfall in a tropical forest Rodrigues, P.J.F.P. & M.T. Nascimento. fragment in Amazonia. Ph.D. 2006. Fragmentação florestal: thesis, University of Cambridge, breves considerações teóricas Cambridge, UK. apud Sizer, N. sobre efeitos de borda. Rodriguésia, & E.V.J. Tanner. 1999. Responses 57:63-74. of woody plant seedlings to edge Reis, T. S. 2008. Os efeitos de borda na formation in a lowland tropical estrutura e dinâmica da comunidade rainforest, Amazonia. Biological de plântulas em um trecho de Mata Conservation, 91:135-142. Atlântica do sudeste brasileiro. Tabarelli, M., W. Mantovani & C.A. Dissertação Mestrado, Escola Peres.1999. Effects of habitat Nacional de Botânica Tropical, fragmentation on plant guild Jardim Botânico do Rio de Janeiro, structure in the montane Atlantic Rio de Janeiro. Forest of southeastern Brazil. Santos S.L. & I.F.M. Válio. 2002. Litter Biological Conservation, 91:119- accumulation and its effect on 127. seedling recruitment in a southeast Vázquez-Yanes C. & A. Orozco- Brazilian tropical forest. Revista Segovia. 1993. Patterns of seed Brasileira de Botânica, 25:89- longevity and germination in the 92. tropical rain forest. Annual Review Scariot, A. 2000. Seedling mortality by of Ecology and Systematics, litterfall in Amazonian Forest 24:69-87. fragments. Biotropica, 32:662-669.

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Pheidole minutula (Hymenoptera: Formicinae) captura presas usando compostos voláteis liberados por Maieta guianensis (Melastomataceae) como pista da presença de herbívoros

João Marcos Guimarães Capurucho

Introdução alimento (Lach et al. 2010). Quando As interações simbióticas entre alguma ameaça ou alimento é plantas e formigas estão restritas aos encontrado, ocorre o recrutamento. Este trópicos e envolvem um grande número evento consiste na liberação de de espécies de ambos os grupos feromônios e atração de um maior (Bronstein 1998, Heil & McKey 2003). número de formigas, inclusive de castas Em muitos casos estas interações são diferentes, até o local de origem do mutualísticas, nas quais formigas estímulo. Além da detecção de um protegem as plantas contra herbívoros, estímulo por contato físico, as formigas fungos, plantas competidoras ou ainda, residentes também podem ser atraídas fornecem indiretamente nutrientes para pela liberação de compostos voláteis a planta (Bruna et al. 2004, Dejean et após um dano foliar, como o causado al. 2006, Gaume et al. 2005). As por um herbívoro (Agrawal 1998, plantas, por sua vez, podem apresentar Kessler & Baldwin 2002). Assim, estruturas especializadas que atraem as dependendo do estímulo (químico ou formigas, como nectários e corpos físico), é possível que as formigas alimentares (Hölldobler & Wilson apresentem padrões diferentes de 1990). recrutamento, com variação na Plantas mirmecófitas possuem velocidade da resposta, no número e nas estruturas conhecidas como domáceas. castas de formigas recrutadas. Essas estruturas propiciam a formação A espécie Maieta guianensis de colônias por formigas que vivem (Melastomataceae) é uma planta exclusivamente nessas plantas mirmecófita associada à formiga (Hölldobler & Wilson 1990). As Pheidole minutula (Hymenoptera: formigas que formam colônias em Formicidae) (Vasconcelos 2003). Esta mirmecófitas normalmente patrulham a formiga forma colônias nos pares de planta em busca de ameaças para a domáceas localizados na base do limbo colônia ou forrageiam em busca de foliar. Pheidole minutula recruta em resposta a compostos voláteis liberados Florestais (PDBFF – INPA/STRI), por M. guianensis (Christianini & localizada a aproximadamente 80 Km Machado 2004). Além disso, ela ao norte de Manaus, AM, Brasil (02º24’ também recruta em resposta a modelos S - 59º52’ O). Essa é uma área de de herbívoros colocados sobre as folhas. floresta tropical contínua onde é Esta espécie apresenta dois tipos de encontrada a espécie Maieta guianensis formigas chamadas de grandes e (Melastomataceae), que é comum em pequenas. Apesar da função de cada toda a Amazônia. Esta espécie possui uma não ser muito clara, as formigas hábito herbáceo-arbustivo e ocorre em grandes normalmente são recrutadas manchas com muitos indivíduos, somente após um estimulo (Christianini principalmente próximos a corpos & Machado 2004). d’água (Vasconcelos 1993). Uma vez que P. minutula Para observar o recrutamento de responde a voláteis e também à P. minutula como resposta a diferentes presença dos organismos, é possível que estímulos, realizei quatro tratamentos. a sua resposta seja intensificada na Utilizei uma planta diferente para cada presença destes dois estímulos. Isso tratamento. Em cada planta apliquei um pode ocorrer devido à indução do dos tratamentos sempre na porção recrutamento pelo estímulo químico mediana de uma folha nova e totalmente seguido da confirmação da presença de expandida, localizada na porção um herbívoro através do contato físico. terminal de um ramo. Utilizei 40 Neste sentido, meu objetivo foi estudar plantas, sendo 10 para cada tratamento, os padrões de recrutamento de Pheidole aplicados apenas em folhas em que minutula em resposta a diferentes previamente observei formigas estímulos aplicados à Maieta patrulhando. Selecionei as plantas à guianensis. Espero que o recrutamento medida em que as localizava por busca por P. minutula seja maior quando ativa. Utilizei os seguintes tratamentos: ocorrer um dano foliar juntamente com (1) para simular a vibração causada pela a presença de um herbívoro na folha. aplicação dos tratamentos sem a ocorrência de outros estímulos, apliquei Métodos duas gotas de água nas folhas Realizei este trabalho na ARIE (controle); (2) para simular um dano do Km 41 pertencente ao Projeto foliar, coloquei três discos de 23,75 Dinâmica Biológica de Fragmentos mm2 de área sobre as folhas. Cortei os

1 discos no momento da aplicação a partir não haja resposta apenas para o de folhas novas e totalmente expandidas tratamento controle. provenientes de plantas não utilizadas no experimento; (3) para simular a presença de um herbívoro, coloquei um Resultados cupim vivo sobre a folha; (4) para As diferenças entre os simular um dano foliar causado por um tratamentos no número de formigas herbívoro que ainda estava presente na recrutadas, tanto para formigas grandes folha, coloquei três discos de folhas (F(3,36)=12,45; p<0,001; Fig. 1) quanto provenientes de outras plantas e um para o número total de formigas cupim sobre as folhas. (F(3,36)=12,54; p<0,001; Fig. 1), foi Contei o número de formigas dependente do tempo considerado. patrulhando a folha antes da aplicação Essas diferenças entre os tratamentos dos tratamentos, e então realizei novas foram se acentuando ao longo do contagens a 2, 4, 8, 12, 16 e 20 min tempo. Porém, o número de formigas após a aplicação dos tratamentos. Eu quando o estímulo correspondia a folhas diferenciei as formigas grandes das e modelo de herbívoro juntos foi sempre pequenas a fim de observar a ocorrência maior que os números observados para de formigas grandes devido aos os outros tratamentos. A presença de tratamentos. Analisei os dados folhas nos tratamentos resultou em uma utilizando uma análise de variância com rápida resposta de recrutamento por P. medidas repetidas. Considerei os minutula, tanto para o número total de tratamentos como a variável formigas, como para o número de independente e o número de formigas formigas grandes. Para ambos os tipos em cada contagem como a variável de formigas, o recrutamento até 2 min dependente. Na análise para o número tendeu a ser maior para folha do que de formigas grandes excluí o tempo para o estimulo de herbívoro. No zero devido à ausência destas formigas entanto, o número de formigas para o patrulhando as folhas. Se a minha estímulo de herbívoro ultrapassou o hipótese estiver correta, espero que o recrutamento de formigas para a folha a recrutamento seja mais acentuado ao partir de 8 min. O número de formigas longo do tempo no tratamento com ao final do tempo de observação foi folhas e um cupim, quando comparado maior no tratamento com folhas e um com os outros tratamentos. Espero que herbívoro, seguido pelo tratamento com

2 herbívoro e posteriormente pelo exceto em duas ocasiões: uma em que tratamento com folhas. Apenas no observei duas dessas formigas aos 2 e 4 tratamento controle não ocorreu minutos, e outra em que observei uma recrutamento de formigas grandes, formiga grande aos 8 minutos.

35 A Controle 30 Folha Folha + herbívoro

25 Herbívoro

20

15

10

5 Número total de formigas recrutadas de formigas Número total

0 0248121620

Tempo (min)

6 Controle B

5 Folha Folha + herbívoro Herbívoro 4

3

2

1 Número de formigasgrandes recrutadas

0 2 4 8 121620

Tempo (min) Figura 1. Número total de formigas (A) e de formigas grandes (B) de Pheidole minutula recrutadas em cada tratamento (controle: água; folha: cortes de folhas novas; folha+herbívoro: folhas novas e um cupim; e herbívoro: um cupim) ao longo do tempo em Maieta guianensis na ARIE do Km 41, AM, Brasil. Os pontos são as médias e as barras o erro-padrão.

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Discussão formigas carregam o herbívoro para O fato do recrutamento realizado dentro das domáceas (Christianini & por Pheidole minutula ser dependente Machado 2004), é provável que o do tempo mostra que diferentes herbívoro seja uma presa. Sendo assim, estímulos ocasionam diferentes padrões não é claro o papel dos compostos de resposta desta formiga. Na voláteis na atração das formigas. Como ocorrência de um dano foliar, as a detecção do herbívoro na ausência de formigas recrutam mais rapidamente do compostos voláteis é lenta, a que na presença do herbívoro somente. identificação de compostos voláteis Isso indica que a detecção de compostos pode aumentar a eficiência de captura voláteis liberados pela planta é mais de presas. A liberação de compostos rápida, provavelmente devido à difusão voláteis só ocorre após um dano foliar pelo ar. Quando não há dano foliar, as ser causado por um herbívoro. Portanto, formigas precisam entrar em contato a sua identificação é uma pista confiável físico com o herbívoro para que inicie o para a identificação de uma presa na recrutamento. Assim, é possível que o planta. dano foliar seja uma sinalização para as Muitos trabalhos sugerem que as formigas iniciarem o recrutamento formigas defendem a planta (Christianini & Machado 2004). Mas o mirmecófita a que estão associadas por que ocasiona e mantém o recrutamento receberem recursos e abrigo (Bruna et de um grande número de formigas é a al. 2004, Dejean et al. 2006, Gaume et presença do herbívoro. O fato das al. 2005, Hölldobler & Wilson 1990). formigas grandes se comportarem da Nesse sentido, os herbívoros não seriam mesma forma que as pequenas, mas usados como presas pelas formigas. saírem das domáceas somente após o Apesar de Maieta guianensis ser capaz recrutamento, indica que essas formigas de fornecer alimento para P. minutula têm uma função específica que ocorre (Vasconcelos & Davidson 2000), esta somente após a detecção do estímulo. formiga também pode capturar O padrão de recrutamento herbívoros para a alimentação da observado na presença de um herbívoro, colônia (Christianini & Machado 2004). com manutenção de um número grande Assim, mesmo a defesa de plantas de formigas, pode ocorrer com o mirmecófitas que fornecem alimento objetivo de defender a colônia ou de para as colônias associadas pode ocorrer obter alimento. Porém, uma vez que as indiretamente como resultado do comportamento de forrageio das experimentalis et applicata, formigas. 112:81-88. Dejean, A., J.H.C. Delabie, P. Cerdan, Agradecimentos M. Gibernau & B. Corbara. 2006. Aos organizadores, professores, Are myrmecophytes always better monitores e estudantes por todo protected against herbivores than conhecimento compartilhado. As other plants? Biological journal of lembranças, experiências e aprendizado the Linnean Society, 89:91-98. destes dias me acompanharão pelo resto Gaume, L., M. Zacharias, V. Grosbois da vida. Ao Júnior e João por todo & R.M. Borges. 2005. The fitness apoio e garantia de boas gargalhadas. À consequences of bearing domatia Dona Eduarda pelo rango maravilhoso. and having the right ant partner: Felicidade e boa sorte para todos nós! experiments with protective and non-protective ants in a semi- Referências myrmecophyte. Oecologia, 145:76- Agrawal, A.A. 1998. Leaf damage and 86. associated cues induce aggressive Heil, M. & D. McKey. 2003. Protective ant recruitment in a neotropical ant- ant-plant interactions as model plant. Ecology, 79:2100-2112. systems in ecological and Bronstein, J.L. 1998. The contribution evolutionary research. Annual of ant-plant protection studies to review of ecology and systematic, our understanding of mutualism. 34:425-453. Biotropica, 30(2):150-161. Hölldobler, B. & E.O. Wilson. 1990. Bruna, E.M., D.M. Lapola & H.L. The ants. Cambridge: Harvard Vasconcelos. 2004. Interspecific University Press. variation in the defensive responses Kessler, A. & I.T. Baldwin. 2002. Plant of obligate plant-ants: experimental responses to insect herbivory: the tests and consequences for emerging molecular analysis. herbivory. Oecologia, 138:558-565. Annual reviews of plant biology, Christianini, A.V. & G. Machado. 2004. 53:299-328. Induced biotic responses to Lach, L., C.L. Parr & K.L. Abbott. herbivory and associated cues in 2010. Ant ecology. New York: the Amazonian ant-plant Maieta Oxford University Press. poeppigii. Entomologia

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Vasconcelos, H.L. 1993. Ant Vasconcelos, H.L. & D.W. Davidson. colonization of Maieta guianensis 2000. Relationship between plant seedlings, an Amazon ant-plant. size and ant associates in two Oecologia, 95:439-433. Amazonian ant-plants. Biotropica, 31:100-111.

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Modificação do comportamento de captura associado à distância da presa em Micreperia sp. (Araneae: Araneidae)

Kátia Fernanda Rito

Introdução No entanto, variações externas como o A teoria do forrageamento ótimo risco de predação, podem determinar prediz a maximização da relação do comportamentos flexíveis dentro de custo-benefício para obtenção de cada uma destas estratégias (Krebs & recurso por unidade de tempo (Krebs & Davies 1993). Davies 1993). No entanto, os benefícios Em aranhas que constroem teias do forrageamento não dependem apenas orbiculares, o comportamento de senta- da taxa de obtenção de alimento pelo e-espera é caracterizado pela seleção de indivíduo, pois o risco de predação um local adequado para construção da associado à busca por alimento é um teia, posicionamento e espera até que a fator que afeta o comportamento de presa entre em contato com a teia forrageio (Ricklefs 2001). Portanto, na (Garcia & Japyassú 2005). Muitas tentativa de maximizar a obtenção de espécies permanecem em abrigos depois alimento e minimizar o risco de de construir as teias e só as abandonam predação, os forrageadores podem quando uma presa é capturada adotar estratégias que aumentam sua (Gonzaga et al. 2007). Essas aranhas aptidão em função dessa demanda também saem do abrigo quando a teia é conflitante (Sih 1980, Hassell & danificada, gastando grande quantidade Southwood 1978). de energia para a reconstrução da teia. As estratégias de forrageamento No momento da reconstrução as aranhas podem estar relacionadas a ficam expostas aos seus predadores. comportamentos flexíveis (aqueles que Dessa forma, estratégias de captura que mudam frente a diferentes estímulos) ou minimizem os danos causados as teias e fixos, que sempre são empregados reduzam a necessidade de reconstrução independentemente das variações no das mesmas podem ser vantajosas. estímulo (Garcia & Japyassú 2005). As aranhas do gênero Algumas estratégias de forrageio são Micrepeira (Araneae: Araneidae) fixas para as espécies, como as constroem teias orbiculares e se estratégias senta-e-espera e caça ativa. abrigam em folhas enroladas fixadas na região sub-central superior da teia. A obtenção de alimento e risco de teia é assimétrica, havendo maior área predação? Minha hipótese é que abaixo do abrigo em relação à região Micreperia sp. apresentará superior a ele. As folhas usadas como comportamentos que causem menos abrigo promovem proteção contra dano à teia quando o custo associado a predadores e podem servir também para sua reconstrução for muito alto. Nesse camuflagem da teia na vegetação sentido, espero que a maior distância da (Hanashiro 2009). Mesmo durante o abertura do abrigo até a presa implicará forrageio, estas aranhas permanecem no em uma maior ocorrência de saída da abrigo, pois possuem a capacidade de aranha do abrigo para captura da presa. puxar para dentro dele o fio no qual a presa está aderida (comportamento de Métodos pesca) (Hanashiro 2009). No entanto, Área de estudo estas aranhas também podem sair de seu Realizei este estudo na Área de abrigo para capturar presas quando elas Relevante Interesse Ecológico do Km caem na parte superior da teia 41 (2°24’S - 59°44’O), pertencente ao (Hanashiro 2009). O comportamento de Projeto Dinâmica Biológica de pesca das presas danifica as teias, e para Fragmentos Florestais (PDBFF-INPA), sua reconstrução, estas aranhas tem que localizada a 70 km ao norte de Manaus. abandonar o abrigo e, A vegetação da área é caracterizada conseqüentemente, ficam mais expostas como floresta ombrófila densa. O clima à predação. O custo de reconstrução da da região é tropical quente úmido com teia pode aumentar quando as presas precipitação anual média de 2.100 mm e caem mais distantes da abertura do temperatura anual média de 26° C abrigo, pois uma área maior da teia será (Oliveira & Mori 1999). danificada para captura da presa pelo Coleta e análise de dados comportamento de pesca. Portanto, a Amostrei 30 teias de Micreperia adoção de um comportamento que não sp. que encontrei na floresta por busca danifique as teias poderia minimizar os ativa. Utilizei as teias de Micreperia sp. custos de captura de presas que caem em dois tratamentos baseados na distantes da abertura do abrigo. distância de oferecimento de um Diante deste contexto, qual seria modelo de presa (cupim). Determinei o comportamento de Micreperia sp. em duas distâncias a partir da abertura relação ao custo-benefício entre inferior da folha utilizada como abrigo pela aranha: (1) perto, cerca de 1,5 cm Em cinco das 15 ocasiões em abaixo da abertura do abrigo e (2) que eu coloquei a presa perto da longe, cerca de 1,5 cm acima do limite abertura do abrigo, a aranha deixou a final da teia. Após inserir o cupim na presa cair para a região mais inferior da teia, observei continuamente o teia no momento de puxar o fio. Quando comportamento da aranha até a captura isso aconteceu, as aranhas desceram até da presa. Classifiquei o comportamento a presa adotando um comportamento de como pesca quando a aranha recolhia a aproximação. Diante disso, refiz as teia até que a presa fosse trazida à análises adotando o comportamento entrada do abrigo. Classifiquei o final (comportamento de aproximação) comportamento como aproximação das aranhas para estas amostras. Mesmo quando a aranha saía do abrigo e se assim, o comportamento esteve 2 deslocava em direção à presa sem associado à distância do abrigo (χ (29)= tensionamento dos fios de teia. Para 7, 03; p= 0,008). Neste caso, 60% das avaliar se a maior a distância da aranhas que tiveram as presas colocadas abertura do abrigo até a presa implicou perto da abertura do abrigo adotaram em uma maior ocorrência de saída para comportamento de pesca. captura, utilizei o teste de qui-quadrado. Discussão Resultados A plasticidade comportamental Eu observei que o em Micreperia sp. sugere que a resposta comportamento de captura adotado por das aranhas está relacionada com a Micreperia sp. foi diferente em função captura de presas. Os diferentes da distância da presa em relação ao comportamentos apresentados podem 2 abrigo (χ (29)=16,13; p<0,001). Para o estar relacionados à fuga da predação e tratamento em que coloquei as presas à economia energética na construção perto da abertura do abrigo, em 86,7% das teias. Embora esteja bem discutido das vezes os indivíduos de Micreperia na literatura que o comportamento sp. adotaram comportamento de pesca. predatório das aranhas pode ser plástico Para o tratamento em que coloquei as (Garcia & Japyassú 2005), poucos são presas longe da abertura do abrigo, em os estudos que demonstram a 86,7% dos eventos foi usado plasticidade da obtenção do alimento comportamento de aproximação. em função dos custos associados à obtenção do mesmo. Identificar os fatores que determinam tais custos é investimento na teia e tempo de fundamental para que os processos exposição à predação, é possível que subjacentes ao estabelecimento dos indivíduos de populações sob menor comportamentos de forrageio em pressão de predação não optem pelo aranhas possam ser esclarecidos. comportamento de pesca, sempre As aranhas possuem plasticidade usando o comportamento de na construção de teias, investindo aproximação. Isto ocorreria porque o diferencialmente na construção das retorno energético seria maior se as mesmas de acordo com as pressões do teias não fossem danificadas no ambiente (Coslovsky & Zschokke momento da captura da presa. 2009). Uma vez que as aranhas não danificam a teia quando as presas caem Agradecimentos mais distantes da saída do abrigo, é Ao PDBFF,INPA e todos os possível que elas invistam parceiros que fazem este curso possível. diferencialmente de acordo com a A todos coordenadores, monitoras, região da teia (Coslovsky & Zschokke professores e revisores. Em especial a 2009). Micreperia sp. não modifica o Paulo Estefano, Paulo Enrique, Dani e espaçamento das espiras entre as Claudinha. Agradeço novamente de regiões superior e inferior da teia coração a Paulinho (Rainbow make-a- (Hanashiro 2009). No entanto, um cheq master) por todos os ensinamentos, investimento maior nas regiões pela sensibilidade, pelas boas idéias que inferiores mais distantes do abrigo (ex: fizeram este trabalho possível e pelo seu maior resistência das espiras) pode ótimo humor que fizeram os dias de assegurar maior retenção da presa, todos mais felizes. À Dani por toda reduzindo a chance de escape delas até ajuda no campo e paciência em me que a aranha as encontre. ensinar a coletar macroinvertebrados Este estudo indica que o (no projeto que não deu certo porque comportamento de forrageio em aranhas não existe biodiversity na Amazonha!). pode ser moldado por variações na Aos Thiagos (Preto e Branco), por me intensidade de predação e no ajudarem a achar as aranhas e por todo investimento associado à captura de carinho e cuidado. Às minhas amigas e presas. Nesse sentido, se o companheiras queridas do trio comportamento de Micreperia Pernambuco, Laura e Gabi, pelo apoio realmente evoluiu como resposta ao durante o curso e na minha vida. À Sharleny (Alêny), pelo apoio e por ser Hassell, M.P. & T.R.E. Southwood. tão amorosa. À Camila, Gláucia, 1978. Foraging strategies of insects. Demétrius (que liiiindo!), Moniquinha, Annual Reviews Ecology and André e todos os coleguinhas que Systematic, 9:75-98. fizeram parte dessa turma Hanashiro, F.T.T. 2009. O inimigo está maravilhosa!!! Não posso deixar de do lado de fora: indivíduos de agradecer também ao Júnior, ao João e à Micrepeira Araneae: Araneidae) D. Eduarda, por terem nos recebido tão forrageiam de dentro do abrigo. In: bem e por todo tempo dispensado pro Livro do Curso de Campo nosso bem estar. “Ecologia da Floresta Amazônica” (Camargo, J.L.C., G. Machado, F. Referências Pinto P.E.C. & Peixoto, eds.). Coslovsky, M. & S. Zschokke. 2009. Manaus: INPA. Asymmetry in orb-webs: an Krebs, J.R., N.B. Davies. 1993. An adaptation to web introduction to behavioural building costs? Journal Insect ecology. Oxford: Blackwell Behavior, 22:29–38. Publishing. Garcia, C.R.M. & H.F. Japyassú. 2005. Oliveira, A.A. & S.A., Mori. 1999. A Estereotipia e plasticidade na Central Amazonian terra firme seqüencia predatória de Theridion Forest. I. High tree species richness evexun Keyserling 1884 (Araneae: on poor soils. Biodiversity and Theridiidae). Biota Neotropica, Conservation, 8:1219-1244. 5:1-16. Ricklefs, R.E. 2001. The economy of Gonzaga, M.O., A.J. Santos, H.F. nature. New York: W.H. Freeman Japyassú. 2007. Ecologia e and Company. comportamento de aranhas. Rio de Sih, A. 1980. Optimal behavior: can Janeiro: Interciência. foragers balance two confficting demands? Science, 210:1041-1043.

Camponotus femuratus (Formicidae: Myrmicinae) recruta operárias em resposta a compostos voláteis das epífitas em jardins de formigas

Laura Carolina Leal

Introdução com uma ampla gama de formigas, Plantas possuem diversas entre as quais só algumas podem trazer estratégias para evitar o consumo por algum benefício à sua planta parceira. herbívoros. Essas estratégias de defesa Já outras ocorrem de forma mais podem ser classificadas como diretas ou especializada, havendo apenas um indiretas. Defesas diretas ocorrem pequeno conjunto de formigas capazes quando modificações na morfologia ou de explorar o recurso ofertado pelas no metabolismo das plantas reduzem plantas. Um exemplo dessas interações sua palatabilidade para os predadores especializadas ocorre entre plantas (Schaller 2008). Por outro lado, defesas mirmecófitas e suas formigas parceiras. indiretas envolvem a interação da planta Essas plantas possuem domáceas (i.e. com predadores e parasitóides de estruturas ocas que servem de sítio de herbívoros que, ao consumi-los, nidificação para as formigas) reduzem a pressão de herbivoria sobre colonizadas por formigas que defendem as plantas (Bruinsma & Dicke 2008). a planta hospedeira contra ataque de Neste caso, a resposta de defesa indireta herbívoros. Essa relação é bastante é desencadeada principalmente por específica, uma vez que cada espécie de compostos voláteis liberados pelos mirmecófita é ocupada por uma espécie tecidos vegetais lesionados (Schaller de formiga mutualista (Ness et al. 2008). 2010). Para muitas dessas associações, Interações entre plantas e as formigas são capazes de perceber e formigas consistem em um dos mais responder a sinais químicos liberados bem conhecidos exemplos de defesa por tecidos lesionados da planta indireta contra herbivoria em florestas hospedeira quando ela é consumida por tropicais (Hölldobler & Wilson 1990, herbívoros (Agrawal 1998). Como a Heil & McKey 2003). Alguns desses aptidão da colônia está intimamente mutualismos são bastante difusos, com ligada ao vigor da planta hospedeira, a um grupo de plantas podendo interagir evolução de resposta a sinais químicos

1 provenientes de danos foliares pode ter removem os herbívoros e também maximizado a eficiência de defesa das respondem a danos físicos nas folhas plantas mirmecófitas (Christianini & das epífitas. No entanto, ainda não foi Machado 2004). No entanto, não se descrito se as formigas dos jardins são sabe ainda se essa resposta das formigas capazes de perceber sinais químicos dos ocorre especificamente para defesa da herbívoros ou da herbivoria, como planta hospedeira ou por um estímulo ocorre em plantas mirmecófitas (Santos alimentar, no qual operárias são 1999, Vieira-Neto et al. 2006). Se os recrutadas para capturar e consumir os jardins disponibilizam às formigas herbívoros. alimento e sítio de nidificação, é Jardim de formiga é um outro possível que as formigas defendam as exemplo de interação especializada plantas de forma similar ao que desenvolvida entre plantas e formigas acontece em plantas mirmecófitas, em florestas tropicais da América do respondendo a compostos voláteis Sul e Ásia (Hölldobler & Wilson 1990). liberados por estas plantas quando Estes jardins consistem em agregados consumidas. de epífitas reunidas por formigas de Meu objetivo foi investigar quais diferentes espécies que vivem em estímulos desencadeiam a defesa nos parasimbiose (Davidson 1988). As jardins de formigas pelas formigas. formigas incorporam as sementes dessas Minhas hipóteses são: (1) se as formigas espífitas às paredes dos seus ninhos e do jardim possuem capacidade de quando as sementes germinam, as raízes perceber estímulos voláteis liberados aumentam a estabilidade da colônia pela epífitas predadas, a defesa dos junto a planta. Estas epífitas também jardins deverá ocorrer em resposta a fornecem alimento às formigas através compostos liberados após a herbivoria de nectários extra-florais e frutos com das folhas das epífitas; (2) se as arilo ou elaiossomo (Hölldobler & formigas respondem aos estímulos Wilson 1990). Para as epífitas, os relacionados a disponibilidade de benefícios dessa interação parecem estar alimento, a defesa dos jardins deverá relacionados com disponibilidade de ocorrer em resposta a presença de nutrientes fornecidos pelos ninhos e herbívoros. com defesa contra herbívoros pelas formigas (Santos 1999). Neste sistema, Métodos já foi demonstrado que as formigas Sistema de estudo

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Os jardins de formigas da (INPA). A ARIE está localizada na Amazônia Central são formados pela Amazônia Central, a cerca de 80 Km ao associação parasimbiótica de norte de Manaus, Amazonas, Brasil. O Camponotus femuratus (Formicinae) e clima da área é tropical quente úmido, Crematogaster levior (Myrmicinae). com estação chuvosa de junho a Formigas C. levior iniciam a construção outubro. A pluviosidade anual varia dos ninhos em ramos de plantas entre 1900 e 2500 mm e a temperatura lenhosas ou na base de epífitas e aderem anual média é 26,7 ºC (Lovejoy & sementes de epífitas as paredes dos Bierregaard 1990). ninho. Após a construção, formigas C. femuratus ocupam os ninhos, se Coleta de dados alojando em câmaras adjacentes aos Para testar a resposta das ninhos das fundadoras (Omena 2009). formigas a diferentes estímulos de Até o momento, 16 espécies de epífitas defesa, eu selecionei 20 jardins de foram descritas em associação com os formigas localizados a até 2 m de altura ninhos dessas espécies de formigas. e ocupados pelas duas espécies de Destas espécies, quatro estão sempre formigas parasimbiontes, Camponotus presentes nesses jardins: Peperomia femuratus e Crematogaster levior. macrostachya (Piperaceae), Selecionei jardins na borda da floresta Codonanthes calcarata (Gesneriaceae), delimitada pela estrada de acesso ao Anthurium trinerve e Philodendron alojamento da ARIE. Em cada jardim megalophyllum (Araceae). As demais eu apliquei três tratamentos: (1) extrato espécies de epífitas ocupam os jardins de folhas de Peperomia macrostachya após o estabelecimento dessas plantas (Piperaceae) (0,34 g/ml); (2) extrato de (Jacovak 2006). cupins (cinco cupins/ml) e (3) água (controle). Eu selecionei P. Área de trabalho macrostachya por ter sido a espécie de Eu realizei o trabalho na ARIE epífita encontrada em associação com do Km 41 (02º24’ S - 59º22’ O), uma as formigas em todos os jardins de floresta contínua de terra firme que está formigas selecionados. Preparei os sob gerenciamento do Projeto Dinâmica extratos de folhas das epífitas dos Biológica de Fragmentos Florestais jardins não usados nos experimentos. (PDBFF) vinculado ao Instituto Para evitar que os extratos oxidassem, Nacional de Pesquisas da Amazônia

3 preparei os extratos imediatamente formigas recrutadas como variáveis antes da aplicação em cada jardim. resposta. Embebi os extratos em algodão e Se a minha hipótese (1) for os ofertei suspensos sobre folhas de P. verdadeira eu espero que as formigas macrostachya próximas a entrada dos respondam mais rapidamente e recrutem ninhos, sem formigas realizando o mais indivíduos quando estímuladas por patrulhamento. Apliquei um tratamento compostos voláteis liberados pelo por vez em cada jardim, com intervalo extrato de folhas das epífitas em de 20 min entre cada. Após a aplicação comparação com os compostos de cada tratamento, eu observei ao liberados pelo extrato de cupim. Por longo de 10 min se as formigas foram outro lado, se a hipótese (2) for atraídas pelos estímulos, o tempo que as verdadeira, eu espero que as formigas formigas levaram para responder ao respondam aos estímulos liberados pelo estímulo e o número de formigas extrato de cupim. recrutadas. Resultados Análise dos dados Formigas Camponotus Usei modelo log-linear para femuratus foram as únicas que comparar a resposta das formigas aos responderam aos estímulos voláteis tratamentos (extrato de P. liberados pelos tratamentos. Formigas macrostachya, extrato de cupim e Crematogaster levior estavam ativas água). Para este teste, usei os durante o período do experimento, tratamentos como variável preditora, os contudo não se aproximaram dos jardins como blocos e a presença ou algodões contendo os extratos. As ausência de formigas atraídas pelos formigas foram atraídas igualmente extratos e água como variável resposta. pelos três tratamentos (χ2=23,84; gl=40; Para analisar como o tempo de encontro p=0,98). Quando ofertei os extratos de e o número de formigas recrutadas P. macrostachya, 97% atraíram variaram em função dos estímulos, eu formigas. Para o extrato de cupim a usei modelos lineares gerais. Usei os atração ocorreu em 57% dos casos e tratamentos como varíavel preditora para água em 60% das vezes. Formigas categórica, os jardins como blocos e o responderam aos estímulos liberados tempo que as formigas levaram para pelo extrato das folhas de P. encontrar o estímulo e o número de macrostachya seis vezes mais rápido

4 quando comparado com extrato de resposta aos estímulos voláteis liberados cupim e quatro vezes mais rápido em pelas folhas da epífita foi sete vezes comparação com o controle maior que o extrato de cupim e nove

(F(2,31)=18,50; p<0,001; Figura 1). O vezes maior que o controle número de formigas recrutadas em (F(2,38)=31,32; p<0,001; Figura 2).

200 180 160 140 120 100 80 60 Tempo de resposta (s) de resposta Tempo 40 20 0 Água Epífita Cupim Tratamentos

Figura 1. Tempo médio de resposta de formigas Camponotus femuratus a estímulos voláteis liberados por extratos de folhas da epífita Peperomia macrostachya (Piperaceae), de cupins e de água. Pontos indicam médias e as barras verticais o erro padrão.

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Número de formigas recrutadas 1

0 Àgua Epífita Cupim Tratamento

Figura 2. Número médio de formigas de Camponotus femuratus recrutadas nos jardins de formigas em resposta a estímulos voláteis liberados por extrato de folhas de Peperomia macrostachya (Piperaceae), de cupins e de água. Pontos indicam médias e as barras verticais o erro padrão.

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Discussão dossel da floresta e extremamente Embora os três tratamentos valiosos para elas (Omena 2009). tenham sido igualmente atrativos, Formigas C. femuratus são Camponotus femuratus respondeu mais competitivamente dominantes, possuem rapidamente e recrutou mais operárias comportamento agressivo e apenas em resposta ao extrato das folhas recrutamento em massa diante de um da epífita. A alta frequência de atração estímulo que indique herbivoria ou das formigas nos três tratamentos presença de herbívoro (Ness et al. sugere que estas formigas são capazes 2010). Tal comportamento, associado a de perceber todos os estímulos resposta aos extratos da planta, indica ofertados, contudo a resposta de que C. femuratus são eficientes na recrutamento só é desencadeada pelos defesa das epífitas do jardim e do ninho. sinais químicos das plantas do jardim. Formigas do gênero Crematogaster não Estas evidências corroboram a minha possuem esse comportamento e são hipótese de que as formigas defendem poucos hábeis na percepção de os jardins de forma similar ao compostos voláteis sinalizadores de observado em plantas com domáceas. herbivoria em plantas e na remoção de O fato de Camponotus femuratus herbívoros, sendo então pouco ter recrutado maior número de operárias eficientes na defesa do jardim em resposta ao extrato da epífita é uma (Vasconcelos & Davidson 2003). Como evidência de que o comportamento de a parasimbiose é comum entre espécies recrutamento das formigas é mais forte de formigas arborícolas, a co-ocorrência em resposta a ameaças contra o ninho. de C. levior com C. femuratus em Contudo, não é possível excluir a ninhos arborícolas pode ter criado uma possibilidade de que os voláteis possam situação benéfica para o surgimento ser uma pista química da presença de desses jardins de formigas. Uma vez herbívoros sobre as plantas, com o nestes jardins, epífitas podem ser recrutamento ocorrendo para capturar o beneficiadas pelas duas espécies de herbívoro e usá-lo como alimento formiga, com C. femuratus sendo (Christianini & Machado 2004, Peixoto eficiente na defesa contra herbívoros e 2005). Esse seria um comportamento C. levior na construção e manutenção possível para essas formigas que vivem dos ninhos que sustentam as epífitas. em parasimbiose, uma vez que recursos A resposta de C. femuratus aos ricos em nitrogênio são escassos no compostos voláteis da epífita do jardim

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é uma evidência de que em jardins de tentar fazer isso em poucas palavras, formigas a relação entre as formigas então vamos lá! parasimbióticas e plantas epífitas pode Agradeço ao PDBFF e a todos ser mutualística com obrigatoriedade os parceiros que possibilitaram a entre parceiros. A relação íntima entre realização desse curso, que concede (e plantas que ofertam recursos e suas espero que continue concedendo) essa formigas parceiras pode ter gerado um chance ímpar de aprendizado. Agradeço processo coevolutivo que culminou na ao Júnior, ao João e a Dona Eduarda, capacidade de formigas em detectar e por nunca deixarem faltar o suco de responder a sinais químicos liberados cajú e a goiabada nossa de cada dia. A pela plantas parceiras (Christianini & todo os professores e avaliadores, em Machado 2004). Dessa forma, especial ao Fabrício, ao Paulo Estefano associações mutualísticas obrigatórias e ao Gustavo Romero. Às lindas entre formigas e plantas podem ter monitoras, Dani e Claudinha, por serem convergido em resposta a pressões tão amigas e prestativas, sempre nos seletivas similares, gerando um padrão ajudando a melhorar, seja os relatórios de detecção e resposta a sinais químicos ou as festas. Agradeço a todos os meus em sistemas planta-formiga com companheiros de aventuras por todas as diferentes características, como nas festas destrutivas (que o diga o mirmecófitas e nos jardins de formiga. flutuante), por todas as conversas, risadas, carinho, abraços ( que nos Agradecimentos momentos de desespero eles valeram Esse foi o momento mais temido ouro), que fizeram os meus dias aqui de todo o curso. Escrever os mais felizes. Em especial, agradeço a agradecimentos e me despedir dos meus minhas eternas companheiras, amigas e mais novos amigos de infância. Foi só coleguinhas, Kátia e Gabi, por serem um mês de convivência, mas a saudade tão amigas e tão presentes no EFA e na vai ser do tamanho de uma vida! Tenho minha vida. À Oferenda e Miss Joelhito muito o que agradecer, mas certamente na Fucita (Camila) e à Darrrrrleny se fosse escrever tudo o que carrego Charrrrrlene (Alêny) com quem me dentro do peito agora, este trabalho entendi como se já conhecesse a anos! seria só um apêndice dos Ao Branco (Thiago Kloss) por ter sido agradecimentos. Mas eu tenho que meu melhor vizinho de rede e ao Preto (Thiago Amorim) pela sua gentileza e

7 educação sem fim. Ao Demétrius (que herbivory (Schaller, A., ed.). liiiinnnnndoooo) pela melhor soja do Berlim: Springer. universo e ao meu anjo pelas lindas Christianini, A.V. & G. Machado. 2004. surpresas. Induced biotic responses to Por fim, ficou o agradecimento herbivory and associated cues in mais especial, um agradecimento rosa e the Amazonian ant-plant Maieta purpurinado. Agradeço do fundo do poeppigii. Entomologia meu coração ao Paulinho (Rainbow Experimentalis et Applicata, Fucking Make-a-check Master) pelas 112:81-88. suas palavras de incentivo (Chama a Davidson, D.W. 1988. Ecological bulânça!) e pelos seus puxões de orelha studies of neotropical ant gardens. que me fizeram repensar a forma com Ecology, 69:1138-1152. que eu encarava minha vida Hölldobler, B. & E.O. Wilson 1990. profissional. Pela alegria cotidiana e The ants. Cambridge: Harvard pela sua animação nas festas. Pela sua University Press. compreensão e paciência nas correções Heil, M. & D. Mckey. 2003. Protective que me fizeram perder (ou pelo ant-plant interactions as model “menas” reduzir) o medo de errar. systems in ecological and Muito obrigada por tudo! Admiro muito evolutionary research. Annual você! Mais ainda porque sei que você Review of Ecology and Systematics, me escolheu porque sou pernambucana 34:425–453. e uso vestido balonê! Jacovak, A.C.C. 2006. Jardins suspensos da Amazônia: Referências composição florística e sucessão de Agrawal, A.A. 1998. Leaf damage and espécies em jardins de formigas. In: associated cues induce aggressive Ecologia da Floresta Amazônica ant recruitment in a neotropical ant- (Camargo, J. & G. Machado, eds.). plant. Ecology, 79:2100-2112. Instituto Nacional de Pesquisas Bruinsma, M & Dicke, M. 2008. Amazônicas, Manaus. Herbivore-induced indirect defense: Lovejoy, T.E. & R.O. Bierregaard. from induction mechanisms to 1990. Central Amazonian forests community ecology, pp. 31-60. In: and the minimum critical size of Induced plant resistence to ecosystem project. In: Four neotropical rainforest (Gentry,

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A.H., ed.). New Haven: Yale Santos, A.J. 1999. Defesa contra University Press. herbivoria por formigas em Ness, J., K. Mooney & L. Lochi. 2010. Phillodendron megaphyllum Ants as mutualists. In: Ant ecology (Araceae), uma epífita de jardins de (Lochi, L, C.L. Parr & K.L. Abott, formiga. In: Ecologia da Floresta eds.). Oxford: Oxford University Amazônica (Hopkins, M. & E. Press. Venticinque, eds.). Instituto Omena, P.R. 2009. Amigos amigos, Nacional de Pesquisas Amazônicas, negócios a parte: uso de recursos Manaus. ricos em nitrogênio por duas Schaller, A. 2008. Induced plant espécies de formigas parabióticas. resitence to herbivory. Berlim: In: Ecologia da Floresta Amazônica Springer. (Camargo, J.C., F. Pinto, G. Vasconcelos, H.L. & D.W. Davidson. Machado & P.E.C. Peixoto). 2003. Relationship between plant Instituto Nacional de Pesquisas size and ant associates in two Amazônicas, Manaus. Amazonian ant-plants. Biotropica, Peixoto, P.E.C. 2005. Respostas 31:100-111. comportamentais da formiga Vieira-Neto, E., A. Maciel, D. Kasper & Pheidole minutula (Hymenoptera: R. Souza. 2006. Jardins suspensos Formicinae) a estímulos químicos e da Amazônia Central: história biológicos: compostos voláteis são natural e um teste de hipótese sobre identificados pelas formigas? In: interações entre formigas e epífitas. Ecologia da Floresta Amazônica In: Ecologia da Floresta Amazônica (Machado, G. & H. Nascimento, (Camargo, J. & G. Machado, eds.). eds.). Instituto Nacional de Instituto Nacional de Pesquisas Pesquisas da Amazônia, Manaus. Amazônicas, Manaus.

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Investimento em defesa estrutural e em defesa de Pheidole minutula (Hymenoptera: Formicidae) diminuem a ação de herbívoros em Maieta spp. (Melastomataceae)?

Mônica Alves Mamão

Introdução estruturas especializadas, chamadas de Em florestas tropicais a relação domáceas, em troca de proteção contra entre insetos herbívoros e plantas pode herbívoros e patógenos (Holldobler & afetar teias alimentares, ciclos de Wilson 1990). Isso gera um benefício nutrientes e padrões de diversidade indireto a planta, gerando aumento da (Coley & Barone 1996). É sabido que a taxa de crescimento, sobrevivência e herbivoria afeta a aptidão da planta, produção de sementes (Gaume et al. ocasionando a diminuição das suas 2005, Heil & Mckey 2003). No entanto, taxas de crescimento e reprodução a associação com formigas também gera (Coley & Barone 1996). Em resposta a um custo para a planta devido à essa pressão, algumas plantas produção de domáceas para manter as desenvolveram adaptações de defesa colônias (Heil & McKey 2003). contra herbívoros. Tais defesas podem Entre as defesas diretas estão as ser indiretas ou diretas (Schaler 2008). características estruturais das folhas. As defesas indiretas envolvem relações Em particular, a dureza da folha pode entre a planta e os predadores de impedir a penetração ou ruptura dos herbívoros, que irão protegê-la ao tecidos da planta pelo aparelho bucal consumir os herbívoros. As defesas dos insetos (Sagers & Coley 1995). Isso diretas incluem fatores morfológicos se deve ao reforço da parede das células para proteção física e/ou componentes das folhas por moléculas como lignina, para defesa química. que são mais resistentes do que a O mutualismo entre formigas e celulose. Portanto, a dureza da folha plantas mirmercófitas é um exemplo de está frequentemente relacionada com defesa indireta comum em florestas resistência a herbivoria (Coley & tropicais (Benson 1985). Nessa relação, Barone 1996). que é obrigatória e específica, a planta Apesar do conhecido efeito da oferece abrigo para as formigas, em presença de formigas sobre a defesa das

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plantas mirmercófitas, pouco se sabe caracterizada como uma área que não sobre o papel de defesas diretas nessa está sobre influência de pulsos de relação. Eventualmente, plantas com inundação durante a cheia sazonal dos defesa física eficiente podem ter grandes rios da região. O relevo local é redução da herbivoria e, devido à acidentado, dividido em platôs, melhora em sua condição, sustentar vertentes e baixios. As áreas de platô maiores colônias de formigas. Portanto, são altas com solos argilosos e bem é possível que esse tipo de defesa drenados. As vertentes são áreas determine parte da variação da inclinadas, na transição entre platôs e herbivoria observada nas plantas. baixios, formadas por solos argilosos Com esse estudo procura-se nas partes altas e arenosos nas partes responder qual a relação entre a baixas. Os baixios são planícies aluviais condição da planta e seu investimento ao longo de igarapés (Ribeiro et al. em defesa física e proteção por 1999). formigas. A hipótese é que tanto a defesa física quanto a proteção por Espécies estudadas formigas proporcionam redução da As espécies de plantas estudadas herbivoria nas plantas. foram Maieta guianensis e Maieta poeppigii (Melastomataceae). Essas Métodos espécies são conhecidas pela relação Área de estudo mutualística com formigas da espécie Realizou-se este estudo na ARIE Pheidole minutula (Hymenoptera: do Km 41 (2°24’ S-59°44’ O) Formicidae). Essas espécies de Maieta pertencente ao Projeto Dinâmica possuem domáceas na base da lâmina Biológica de Fragmentos Florestais foliar que conferem abrigo e proteção (PDBFF-INPA) e localizada a cerca de para a formiga. As formigas, por sua 70 km ao norte de Manaus, Amazonas, vez, protegem a planta contra Brasil. A precipitação anual na região é herbívoros (Ribeiro et al. 1999). Nessa de 2.100 mm, com a estação chuvosa espécie de formiga existe uma variação entre março e maio e os meses mais de tamanho entre as operárias, que são secos de julho a outubro (RADAM classificadas em duas categorias BRASIL, 1978). A vegetação é formada (Holldöbler & Wilson 1990): operárias por florestas de terra firme, grandes e pequenas. No entanto, ainda

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não se sabe se as formigas grandes de formigas na folha pelo número de desempenham um papel diferente das formigas que estavam patrulhando a pequenas na colônia. folha antes do estímulo. Ainda em campo, estimou-se Amostragem e análise dos dados visualmente o índice de herbivoria de Trinta e cinco indivíduos de cada folha para posterior cálculo da Maieta spp. foram amostrados nas média de herbivoria da planta (Dirzo & vertentes e baixios. Para avaliar a Domingues 1995). Este índice atribui eficiência de proteção pelas colônias de uma categoria de herbivoria para cada P. minutula, contou-se inicialmente o uma das folhas de acordo com a número de formigas que estavam porcentagem de área foliar removida: patrulhando a planta. Em seguida, 0% (categoria 0); 1-5% (categoria 1); 6- estimulou-se a resposta de defesa das 12% (categoria 2); 13- 24% (categoria formigas pela inserção de dois pedaços 3); 25-50% (categoria 4) e 51-99% de folha de área média de 1cm2 na face (categoria 5). Por fim, coletou-se três adaxial de uma folha apical. Esse folhas de cada indivíduo de Maieta spp., procedimento simula um dano foliar, sendo uma delas a folha que recebeu o pois libera compostos voláteis que são estímulo. facilmente percebidos pelas formigas Usando as folhas coletadas (Christianini & Machado 2004), que calculou-se a massa foliar específica serão assim atraídas para o local onde (MFA) que é uma medida indireta de foram posicionados os pedaços foliares. quanto a planta está investindo em O pedaço de folha foi retirado de outro defesa estrutural da folha. Calculou-se a indivíduo de Maieta spp. MFA pela razão entre a massa seca e a Após colocar o pedaço de folha, área da folha. Para isso, recortou-se uma anotou-se o intervalo de tempo até a área conhecida da folha que foi pesada detecção do estímulo pela formiga após secagem. Plantas com maior MFA (determinado quando ela tocava no são menos consumidas por herbívoros pedaço de folha) e o número de devido a um maior investimento em formigas grandes e pequenas que foram estrutura foliar, tornando suas folhas recrutadas após 5 min. Para saber mais rígidas (Coley 1983). Para avaliar quantas formigas foram recrutadas com a relação entre os níveis de herbivoria, a o estímulo, subtraiu-se o número final resposta das formigas e o investimento

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em estrutura foliar, realizou-se uma O tempo de resposta da primeira regressão linear múltipla. Considerou-se formiga foi de 29±46 (média±desvio como variável resposta o índice médio padrão, Figura 1). Após 5 min o número de herbivoria das folhas e como de formigas grandes e pequenas variáveis preditoras o tempo de resposta recrutadas foi 15±11 e o número de da primeira formiga, o número de operárias grandes foi de 1,74±2,10 formigas pequenas, o número de (Figuras 2 e 3). A massa foliar formigas grandes e o MFA de cada específica das Maieta spp. foi de planta. Espero que plantas que possuem 0,003±0,0009 (Figura 4) e o índice de um menor tempo de resposta, mais herbivoria apresentou valores médios de formigas recrutadas e/ou maior MFA 2,2±0,6. A MFA das Maieta spp. e os apresentarão menor índice médio de parâmetros utilizados para inferir a herbivoria. eficiência de resposta das formigas não apresentaram relação com o índice de Resultados herbivoria da planta (r2=0,05;

F(4,30)=0,409; p=0,80).

4,0

3,5

3,0

2,5

2,0

Índice médio de herbivoria 1,5

1,0 0 20406080100120140160180

Tempo (s) Figura 1. Relação entre o índice médio de herbivoria em Maieta spp. e o tempo de resposta da primeira formiga da espécie Pheidole minutula, ao estímulo do pedaço foliar, na ARIE do Km 41.

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4,0

3,5

3,0

2,5

2,0

Índice médio de herbivoria 1,5

1,0 0 10203040

Número total de formigas Figura 2. Relação entre o índice médio de herbivoria de Maieta spp. e o recrutamento de formigas da espécie Pheidole minutula, na ARIE do Km 41.

4,0

3,5

3,0

2,5

2,0

Índice médio de herbivoria 1,5

1,0 02468

Número de operárias grandes

Figura 3. Relação entre o índice médio de herbivoria de Maieta spp. e o número de operárias grandes da espécie Pheidole minutula, na ARIE do Km 41.

5

4,0

3,5

3,0

2,5

2,0

Índice médio de herbivoria 1,5

1,0 20 30 21 16 27 23 49 35 24 50 41 38 43 32 46 19 00 00 00 00 00 00 00 00 00 00 00 00 00 00 00 00 0. 0. 0. 0. 0. 0. 0. 0. 0. 0. 0. 0. 0. 0. 0. 0. 2 Massa foliar específica (cm /g)

Figura 4. Relação entre o índice médio de herbivoria e a massa foliar específica de Maieta spp., na ARIE do Km 41.

Discussão formigas na planta seja suficiente para A ausência de relação entre o protegê-la da ação de herbívoros, índice de herbivoria, os parâmetros independente da eficiência de resposta usados para inferir a proteção de da colônia. formigas e a massa foliar específica Uma vez que a presença das indica que a herbivoria da planta não é formigas já pode ser suficiente para determinada pelo investimento conferir proteção, resta entender porque diferencial das formigas em defesa e variações no tempo de resposta e no nem por variações na estrutura física número de formigas recrutadas não das folhas. No entanto, sabe-se que a afetaram a quantidade de área foliar presença das formigas confere defesa consumida. Folhas de Maieta spp. contra herbivoria (Fonseca 1994). possuem tricomas, que é uma Devido à baixa herbivoria média sofrida característica morfológica rara em pelas duas espécies de Maieta, pode-se plantas amazônicas (Ribeiro et al.1999). inferir então que a presença das Tricomas agem como fator de

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resistência estrutural, impedindo que Agradecimento insetos pequenos entrem em contato Agradeço em especial ao Paulinho com a superfície da folha ou limitando Enrique pelos “sabãos”! Foram seu movimento (Schaler 2008). essenciais para a construção de uma Portanto, mesmo que o tempo de nova pesquisadora. Obrigada pela recrutamento de P. minutula seja longo, atenção e pelos vários momentos de a presença de tricomas pode dificultar o descontração. Agradeço também as acesso do herbivoro à folha. Isso bonitoras, Dani e Claudinha, Paulinho permitiria que as formigas detectassem Estéfano, todos os professores, Junior, e respondessem aos herbívoros, mesmo João e Dona Eduarda, importantes para quando o tempo de resposta é maior e o que o curso acontecesse! Por fim, número de formigas é menor (Schaler agradeço e deixo um abraço aos amigos 2008). Como tricomas podem impedir que conquistei: à confidente selvagem, à períodos longos de herbivoria (Schaler companheira efêmera, às emotivas e 2008), o pouco tempo de acesso do prestativas pernambucanas, aos herbívoro à planta não determinaria um conterrâneos, João e Glaúcia, pelo período suficiente para que uma entendimento mútuo, aos thiagos pela eventual defesa física pudesse exercer alegria empolgante, à Fernanda, por algum efeito. Nesse contexto, seria sempre dar o exemplo errado e mais improvável que Maieta spp. apresente divertido, ao Ricardo e Rodrigo, pelo defesas físicas estruturais. raciocínio científico, às meigas Thalita e Se manter colônias de formigas Sara, aos vizinhos de rede, Bruno, é efetivo contra a herbivoria, Pedro e Demétrios, pelas divertidas independentemente do investimento da conversas de fim de noite, ao baiano colônia em defesa, é possível que as André, pela tranqüilidade, ao típico espécies de Maieta que comportem carioca, Bruno, pelo bom humor . Valeu colônias pequenas sejam favorecidas. demais galera do violão, Chico mineiro Dado que existe um custo associado à e Igarafest, me diverti muito com vocês! manutenção das colônias (Heil & Sem todos vocês seria impossível McKey 2003), plantas com colônias suportar esse intenso mês de projetos e pequenas poderiam maximizar o ganho relatórios! proveniente dessa associação.

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Referências Heil M. & D. McKey. 2003. Protective Benson WW. 1985. Amazon ant-plants. ant-plant interactions as model Oxford: Pergamon Press. systems in ecological and Christianini, A.V. & G. Machado. 2004. evolutionary research. Annual Induced biotic responses to Review of Ecology and Systematics herbivory and associated cues in 34:425–53 the Amazoniai ant-plant Maieta Holldobler, B. & E.O. Wilson. 1990. poeppigii. Entomologia The ants. Cambridge: Havard Experimentalis et Applicata, University Press. 112:81-88. Ribeiro, J.E.L.S., J.G. Hopkins, C.A. Coley, P.D. 1983. Herbivory and Sothers, M.A.S. Costa, J.M. Brito, defenses of tropical trees. M.A.D. Sousa, L.H.P. Martins, Ecological Monographs, 53: 211- L.G. Lohmann, P.A.C.L. Assunção, 229. E.C. Pereira, C.F. Silva, M.R. Coley, P.D. & J.A. Barone. 1996. Mesquita & L.C. Procópio. 1999. Herbivory and plant defenses in Flora da Reserva Ducke: guia de tropical forests. Annual Review of identificação das plantas vasculares Ecology and Systematics, 27:305– de uma floresta de terra firme na 35. Amazônia Central. Manaus: INPA Fonseca, C.R. 1994. Herbivory and the – DFID. long-lived leaves of an amazonian Sagers, C.L. & P.D. Coley. 1995. ant-tree. Journal of Ecology, Benefits and costs of defense in a 82:833-842. neotropical shrub. Ecology, Gaume, L., M. Zacharias, V. Grobois & 76:1835-1843. R.M. Borges. 2005. The fitness Schaller, A. Induced plant resistence to consequences of bearing domatia herbivory. 2008. Springer: Andreas and having the right ant partener: Schaller. experiments with protective and non-protective ants in a semi- mymecophyte. Oecologia, 145:76- 86.

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Convergência funcional em plântulas e divergência funcional em juvenis: filtros ambientais e competição agem em etapas diferentes do desenvolvimento de plantas lenhosas

Pedro Rates Vieira

Introdução de atributos em indivíduos coexistindo Uma abordagem cada vez mais localmente (Keddy 1992). Por outro frequente para explicar a coexistência lado, tem sido proposto que as em comunidades tem se focado em interações entre organismos determinam como os atributos funcionais das mais intensamente a coexistência de espécies estão relacionados com a sua espécies em um determinado local e aptidão ao longo de gradientes exercem importante papel na ambientais (McGill et al. 2006). estruturação das comunidades Atributos funcionais são qualquer (Diamond 1975). Assim, o padrão de característica medida a nível do variação nos atributos funcionais pode indivíduo que tem efeito direto no seu ser resultado das interações entre desempenho em um determinado espécies, uma vez que determinados ambiente (Violle et al. 2007). Espécies atributos podem conferir maior que co-ocorrem em um dado habitat habilidade competitiva aos organismos devem compartilhar atributos que lhes (Stubbs & Wilson 2004). Espera-se, permitam sobreviver às condições então, que a competição entre ambientais locais. indivíduos leve à limitação de As limitações impostas pelo similaridade e gere divergência de ambiente, como distúrbios e condições atributos funcionais, fazendo com que estressantes, atuam como filtros não haja sobreposição de nicho entre ambientais e podem eliminar os diferentes espécies (MacArthur & indivíduos que não possuem os Levins 1967). atributos necessários para tolerá-las. Em florestas, os indivíduos Isto explica, em parte, a composição de arbóreos passam por uma série de espécies de uma comunidade (Grime distúrbios (inundações, seca, abertura de 1998). Dessa forma, a filtragem clareiras) ao longo do seu ambiental levaria a uma convergência desenvolvimento. Considerando que

1 indivíduos de espécies lenhosas podem em estágios de vida iniciais, como permanecer como plântulas e juvenis plântulas, a competição por recursos por algumas décadas (Richards 1996), a deve ser mais importante na intensidade e a sequência de tipos de estruturação das comunidades, e à distúrbios (Fukami 2001) pelos quais medida que envelhecem, a ação de eles passam devem ser fundamentais filtros ambientais se torna mais para moldar a composição de espécies importante. Espero que plântulas de nesses dois estágios. Espera-se que espécies lenhosas apresentem maior indivíduos mais jovens tenham passado variância quanto aos atributos por uma quantidade menor de distúrbios funcionais do que os indivíduos juvenis. ao longo de seu desenvolvimento Além disso, espero que as plântulas de quando comparados a indivíduos mais espécies lenhosas apresentem maior velhos. Portanto, o efeito da variância nos atributos do que a convergência de atributos deve ser mais esperada ao acaso, enquanto que em fraco para plântulas e vai se juvenis a variância nos atributos deve intensificando em faixas etárias ser menor. subsequentes. Por outro lado, plântulas têm maiores restrições para a obtenção Métodos de recursos como água e luz, uma vez Realizei este estudo na Área de que não possuem enraizamento Relevante Interesse Ecológico (ARIE) profundo e nem acesso à luminosidade do Km 41 (02°24’ S – 59°44’ O), a da copa das florestas. Isso deve fazer cerca de 80 Km ao norte de Manaus, com que a competição seja muito mais Brasil. . A ARIE de 10.000 ha pertence intensa nos estágios iniciais do ao Projeto Dinâmica Biológica de desenvolvimento dos indivíduos Fragmentos Florestais (PDBFF – lenhosos, levando à limitação de INPA/STRI) e está inserida em uma similaridade de atributos funcionais formação florestal contínua de terra entre indivíduos jovens. firme, com uma variação topográfica de Neste estudo busco responder cerca de 80 m. O clima é quente e quais mecanismos ecológicos são mais úmido, caracterizado por uma estação importantes para a estruturação de uma seca e uma chuvosa. comunidade de plantas lenhosas em Selecionei 15 pontos de diferentes etapas do desenvolvimento. amostragem na área da floresta com Minha hipótese é que para indivíduos terreno elevado e plano sem clareiras

2 próximas para que esta variação mesmo ponto de amostragem. ambiental não influenciasse a variação Adicionalmente, comparei as médias nos atributos funcionais dos indivíduos. dos atributos, também com testes-t Os pontos estavam pelo menos 70 m pareados. Para estas análises fiz distantes entre si. Em cada um dos 15 transformação logarítmica da variância pontos fiz uma busca por plântulas e da AF. Para avaliar se a variação dos juvenis de espécies lenhosas, atributos funcionais em cada um dos amostrando todos até chegar a um total estágios ontogenéticos diferia do que se de 30 plântulas e 30 juvenis. Considerei espera ao acaso, realizei testes de como plântulas os indivíduos entre 10 e aleatorização baseados em modelos 50 cm de altura e como juvenis os nulos (Gotelli & Graves 1996). Para tal, indivíduos entre 1 e 2,5 m de altura. calculei a variância de RCL e AF em Selecionei a maior folha de cada cada unidade amostral e utilizei a média indivíduo, evitando a coleta de folhas dessas variâncias para cada um dos em crescimento, para medir a razão atributos. Em cada aleatorização os entre o comprimento e a largura (RCL) indivíduos foram redistribuídos da folha e a área foliar (AF). A área aleatoriamente entre as unidades foliar foi calculada conforme a área de amostrais e a média das variâncias foi uma elipse. Esses atributos têm recalculada. Foram realizadas 1000 importantes consequência aleatorizações. Valores médios da ecofisiológicas, uma vez que folhas variância menores do que o esperado ao mais compridas do que largas acaso (α=0,05) indicam convergência transpiram mais, aumentando a de atributos, enquanto que valores assimilação de carbono, e folhas com maiores indicam divergência entre os maior área podem captar mais luz mesmos. Todas as análises foram feitas (Larcher 1986). Em cada ponto calculei no programa R 2.10.1 (R Development a variância dos dois atributos funcionais Core Team 2010). para cada um dos dois estágios amostrados, plântulas e juvenis. Resultados Comparei a variância de cada A variância e a média da razão atributo dentro das unidades amostrais entre comprimento e largura de entre plântulas e juvenis por testes-t plântulas não diferiram daquela de pareados, aonde o par era composto juvenis (variância: F(1,14)=0,81; p=0,36; pelas plântulas e os juvenis de um Figura 1A; média: F(1,14)=1,36; p=0,96). 3

Para área foliar, a variância e a média cm2 em juvenis. A média foi de foram maiores em juvenis do que em 166,58+34,65 cm2 em plântulas e de 2 plântulas (variância: F(1,14)=3,94; 310,16+61,28 cm em juvenis. Plântulas p<0,001; Figura 1B; média: e juvenis não convergiram nem

F(1,14)=11,93; p<0,001). RCL variou divergiram quanto a RCL (p=0,058 para entre 1,05 e 12,38 em plântulas e entre plântulas e p=0,62 para juvenis). O 0,99 e 16,08 em juvenis. A média foi de padrão observado para AF diferiu 3,23+0,32 (média + desvio padrão) em daquele da RCL. Plântulas convergiram plântulas e 3,23+0,15 em juvenis. AF em AF (p<0,001), enquanto que juvenis variou entre 4,9 cm2 e 962,98 cm2 em divergiram (p=0,02). plântulas e entre 0,57 cm2 e 1429,53

Figura 1. Variância dos atributos funcionais de plântulas e juvenis de plantas lenhosas na ARIE do Km 41, Amazônia, Brasil. As linhas ligam o par de unidades amostrais. (A) Razão entre comprimento e largura foliar (RCL); (B) área foliar.

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Discussão as plantas vão se estabelecendo e sendo Ao contrário do que eu esperava, recrutadas para o estágio de juvenil a os resultados mostram que durante o competição vai se intensificando, o que estágio de plântula, filtros ambientais leva a limitação de similaridade entre as atuam na estruturação da comunidade plantas. de plantas lenhosas. Isto fica Os resultados deste estudo evidenciado pela baixa diversificação da diferem daqueles encontrados na mesma área foliar durante esta etapa do área de estudo. Vaz (2009) encontrou desenvolvimento. O padrão observado evidências para divergência de atributos acima se inverte nos juvenis. Neste no interior da floresta em relação à caso, a competição deve ser a principal capoeira, porém não encontrou qualquer força estruturando a comunidade, uma evidência para estruturação da vez que a área foliar é bastante diversa comunidade dentro de cada um desses neste estágio. O fato de a variação na ambientes. Essa evidência sugere que área foliar ter sido maior em juvenis do grupos funcionais diferem na escolha de que em plântulas reforça essa ideia. nichos funcionais (nesse caso floresta Tem sido demonstrado que a primária e capoeira), mas dentro dos competição e os filtros ambientais agem nichos as comunidades não são como importantes fatores na estruturadas (Kraft et al. 2008). No estruturação de comunidades (Cornwell entanto, neste estudo eu encontrei et al. 2006, Stubbs & Wilson 2004). No evidências para competição e filtros entanto, aparentemente, este é o ambientais dentro de um mesmo nicho primeiro estudo demonstrando que em funcional (floresta primária). Essas uma mesma comunidade ambos os evidências vão contra a teoria de nichos mecanismos podem atuar funcionais (Kraft et al 2008), uma vez diferentemente em estágios que há estruturação dentro desses ontogenéticos distintos. De uma nichos, e contra a teoria neutra (Hubbell maneira geral, a interpretação mais 2001). Em uma comunidade onde há parcimoniosa é que filtros ambientais convergência e divergência em atributos podem atuar na germinação e na fase de funcionais, é pouco parcimonioso estabelecimento das plântulas, afirmar que processos estocásticos permitindo que apenas as plantas com a direcionam a estrutura das área foliar em uma determinada faixa de comunidades. Ao invés disso, variação se estabeleçam. A medida que mecanismos explicitados abaixo devem

5 gerar pressões para que apenas menos em defesa. A tolerância à sombra indivíduos com determinados valores de é tradicionalmente tida como uma atributo coexistam na comunidade. característica que não varia no A ausência de estruturação para desenvolvimento da planta porém, a razão entre comprimento e largura recentemente, foi demonstrado que foliar sugere que a forma da folha não juvenis de diferentes espécies podem influi na competição por luz no sub- variar consideravelmente nessa bosque da floresta e que não existe característica a medida que envelhecem nenhum filtro ambiental selecionando (Lusk et al. 2008). Isso deve levar a esse atributo. Por outro lado, a área uma intensa competição por luz no sub- foliar mostrou diferença no valor e na bosque. Aquelas espécies que mantém a amplitude do atributo. Uma possível tolerância ao sombreamento estável no condição que pode estar limitando a seu desenvolvimento, podem manter a variação da área foliar em plântulas é a mesma área foliar durante o alta frequência de herbivoria que desenvolvimento, mas aquelas que se plantas tem que enfrentar em florestas tornam menos tolerantes a essa tropicais (Massey et al. 2005). Em condição devem aumentar a área de indivíduos muito pequenos todo o captação de luz para persistir. Assim, a tecido fotossintetizante deve ser coexistência de espécies no sub-bosque fundamental para a sobrevivência e deve ser mantida pelo mecanismo de obtenção de energia. Assim, plântulas limitação de similaridade (MacArthur & devem alocar grande parte do carbono Levins 1967). assimilado na produção de metabólitos Neste estudo demonstrei que secundários para a defesa contra a diferentes mecanismos que influenciam herbivoria. Consequentemente, o a estruturação das comunidades podem investimento em crescimento foliar atuar com intensidades diferenciadas deve ficar prejudicado, reduzindo o nas etapas iniciais da ontogenia de valor e a variação desse atributo. A plantas lenhosas. Sugiro que estudos medida que plântulas vão sendo futuros avaliem se o mesmo padrão recrutadas para o estágio juvenil e vão ocorre em estágios mais tardios do ganhando novas folhas, a importância desenvolvimento. Se a atuação dos de cada folha individualmente perde mecanismos que permitem a valor proporcional e as plantas podem coexistência de espécies ao longo do investir mais no crescimento foliar e desenvolvimento tiver importantes

6 consequências na composição funcional Diamond, J.M. 1975. Assembly of final de uma comunidade, isso deve ter species communities. In: Ecology grandes implicações para diferentes and evolution of communities ( M.L. processos ecossistêmicos (Díaz & Cody & J.M. Diamond, eds). Cabido 2001). Assim, a sequência com Cambridge: Harvard University que a competição e os filtros ambientais Press. atuam ao longo do desenvolvimento das Díaz, S. & M. Cabido. 2001. Vive la plantas pode ter importantes difference: plant functional diversity consequências em escalas que vão além matters to ecosystem processes. do nível de comunidades e merecem Trends in Ecology and Evolution, mais atenção dos ecólogos. 16:646-655. Fukami, T. 2001. Sequence effects of Agradecimentos disturbance on community structure. Agradeço aos colegas Ricardo, Oikos, 92:215-224. Fernanda e Bruno e ao professor Gotelli, N. & G.R. Graves.1996. Null Marcus Cianciaruso pelas discussões models in ecology. Washington: sobre este trabalho. A Claudinha e a Smithsonian Institution Press. Dani pelas excelentes revisões. Ao Grime, J.P. 1998. Benefits of plant Júnior pelo acompanhamento em diversity to ecosystems: immediate, campo. A Sara pela ajuda na montagem filter and founder effects. Journal of dos gráficos. O professor Marcelo Ecology, 86:902-910. Tabarelli fez sugestões metodológicas e Hubbell, S.P. 2001. The unified neutral criou o “Amazon Forest Woody theory of biodiversity and Seedlings Functional Diversity Drivers biogeography. New Jersey: Project”. Por fim, a todos os colegas de Princeton University Press. curso que tornaram esse mês um Keddy, P.A. 1992. Assembly and momento inesquecível. response rules - 2 goals for predictive community ecology. Referências Journal of Vegetation Science, 3:157–164. Cornwell, W.K., D.W. Schwilk, & D.D. Kraft, N.J.B., R. Valencia & D.D. Ackerly. 2006. Trait-based test for Ackerly. 2008. Functional traits and habitat filtering: Convex hull niche-based tree community volume. Ecology, 87:1465–1471.

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assembly in an Amazonian forest. R Development Core Team. 2010. R: A Science, 322:580–582. language and environment for Larcher, W. 1986. Ecofisiologia statistical computing. R foundation vegetal. São Paulo: EPU. for statistical computing, Vienna, Lusk, C.H., D.S. Falster, C.K. Jara- Austria. Disponível em: Vergara, M. Jimenez-Castillo & A. http://www.R-project.org. Saldaña-Mendonza. 2008. Stubbs, W.J. & J.B. Wilson. 2004. Ontogenetic variation in light Evidence for limiting similarity in a requirements of juvenile rainforest sand dune community. Journal of evergreens. Functional Ecology, Ecology, 92:557-567. 22:454-459. Vaz, M. 2009. Evidência de um filtro MacArthur, R. & R. Levins. 1967. The ecológico: atributos funcionais limiting similarity, convergence, and convergem na divergence of coexisting species. capoeira e divergem na floresta American Naturalist, 101:377–385. primária. In: Livro do curso de Massey, F.P., M.C. Press & S.E. campo “Ecologia da Floresta Hartley. 2005. Have the impacts of Amazônica” (J.L. Camargo, F. insect herbivores on the growth of Pinto, G. Machado & P.E.C. tropical tree seedlings been Cardoso, eds). Manaus: underestimated? pp. 347-365. In: PDBFF/INPA. Biotic interactions in the tropics. (D. Violle, C., M.L. Navas, D. Vile, E. Burslem, M. Pinnard & S.E. Hartley, Kazakou, C. Fortunel, I. Hummel & eds.). Cambridge: Cambridge E. Garnier. 2007. Let the concept of University Press. trait be functional! Oikos, 116:882- McGill, B.J., B.J. Enquist, E. Weiher & 892. M. Westoby. 2006. Rebuilding community ecology from functional traits. Trends in Ecology and Evolution, 21:178-185. Richards, P.W. 1996. The tropical rain forest. 2ed. Cambridge: Cambridge University Press.

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Ausência de efeito de borda sobre a demografia e a diversidade funcional do banco de plântulas em uma área contínua de floresta amazônica

Ricardo Dobrovolski

Introdução herbivoria, do acúmulo do folhiço e da mortalidade das árvores emergentes, e As florestas tropicais úmidas também à redução da abundância de vêm sendo alvo de uma elevada taxa de vertebrados dispersores (Laurance et al. destruição, perdendo 5.440.000 hectares 1998, Silva & Tabarelli 2000, Laurance por ano (Hansen et al. 2010). Essa et al. 2002). Em conseqüência disso, as perda pode ser agravada pelo tamanho espécies de plantas pioneiras, adaptadas reduzido e configuração espacial dos às condições da borda e dispersas pelo fragmentos remanescentes e pelo tipo vento, são mais freqüentes (Oliveira et de ambiente circundante. Com a al. 2004). Nessa mudança de fragmentação, novas áreas de floresta composição, os bancos de plântulas são expostas a condições diferentes cumprem um papel chave, pois as daquelas encontradas no interior de plantas de interior de floresta são florestas contínuas. As alterações nas suscetíveis ao efeito de borda nesse condições da floresta próximas à borda, estágio do desenvolvimento vida e a o chamado efeito de borda, caracteriza- dinâmica desses bancos determina as se por mudanças abióticas, como o comunidades vegetais futuras (Sizer & aumento da incidência de luz e de vento Tanner 1999). e a redução da umidade (Laurance et al. As mudanças nas comunidades 1998, Laurance et al. 2002). decorrentes do efeito de borda podem Além das mudanças abióticas, as ser avaliadas em pelo menos dois comunidades também são alteradas em aspectos: os atributos demográficos e os resposta à borda (revisado em Ries et al. atributos funcionais. Os atributos 2004). As comunidades vegetais, demográficos dizem respeito ao número especificamente, respondem às de indivíduos presentes na comunidade, mudanças abióticas e ao aumento da que é determinado pelas taxas de natalidade e mortalidade das espécies. da floresta, onde a competição é mais Essas taxas por sua vez, refletem elevada, a pressão do efeito da aspectos da biologia dos organismos e similaridade limitante (McArthur & da seleção imposta pelo ambiente. Em Levins 1967) atua de maneira mais locais nos quais distúrbios imprevisíveis intensa e nesses locais a DF é causadores de alta mortalidade são mais aumentada. freqüentes, organismos com alto esforço As minhas hipóteses são: 1) no reprodutivo (r-seletivos) são ambiente de borda, onde distúrbios favorecidos (Begon et al. 2006). Essa imprevisíveis são mais freqüentes, condição é compatível com as plantas r-seletivas são mais comuns; 2) características do ambiente de borda. Já as condições ambientais da borda da o interior da floresta é mais estável e floresta atuam como um filtro ambiental organismos com baixo esforço sobre a comunidade de plantas. Nesse reprodutivo e alta capacidade de sentido, minhas previsões são: a) o competição (K-seletivos) devem ser número de plântulas nas parcelas mais comuns (Begon et al. 2006). próximas à borda florestal será maior Os atributos funcionais, por sua que nas parcelas do interior (hipótese vez, refletem aspectos como a 1); b) o tamanho médio das plântulas da habilidade competitiva e a capacidade borda será menor em relação ao interior de coexistência dos indivíduos e o (hipótese 1); c) a DF será menor na funcionamento da comunidade (Petchey parcelas da borda florestal (hipótese 2). & Gaston 2002). A avaliação da diversidade funcional (DF) pode, Métodos portanto, trazer informações Área de estudo complementares às abordagens que Eu realizei este estudo na Área utilizam medidas tradicionais de de Relevante Interesse Ecológico diversidade como a riqueza de espécies (ARIE) Km 41 (2°24’ S-59°44’ O) (Cianciaruso et al. 2009a). Devido às pertencente ao Projeto Dinâmica condições impostas pela borda, esse Biológica de Fragmentos Florestais ambiente deve atuar como um filtro (PDBFF-INPA). Essa área está ambiental (Keddy 1992), reduzindo a localizada no município de Rio Preto da DF das plantas presentes. Já no interior Eva, a cerca de 80 km ao norte de Manaus, AM, Brasil. A vegetação é folha - elíptica, ovada, obovada, folha composta de floresta ombrófila densa de arecaceae, bifoliolada, composta (Ribeiro et al. 1999). não-bifoliolada, digitada, ou reniforme; iii) comprimento da maior folha; iv) Coleta de dados largura da maior folha; v) presença de Eu avaliei todas as plântulas de tricomas; vi) presença de látex; vii) espécies lenhosas com tamanho entre 10 presença de cutícula espessa (folha e 50 cm dentro de 32 áreas medindo 1,5 brilhosa); viii) presença de espinhos. Eu x 1,5 m. As áreas sob influência da calculei ainda (ix) a razão borda florestal estão próximas a uma comprimento/largura da maior folha, e estrada com cerca de 10 m de largura. A (x) a área elíptica da maior folha partir da estrada, eu adentrei 10 m na (3:4*pi*comprimento/2*largura:2). floresta e estabeleci 16 pontos de Para o teste da previsão a, eu amostragem, distantes 100 m entre si e comparei a abundância de plântulas paralelos à estrada. As áreas controle entre as áreas da borda e as áreas do (interior da floresta) estavam interior. No teste da previsão b eu localizadas a uma distância entre 400 e comparei as alturas médias das 1500 m da borda da floresta e a 10 m de plântulas da borda e do interior. trilhas abertas na floresta. A partir de Para testar o efeito de borda uma distância de 400 m da borda as sobre DF, eu utilizei o método proposto plantas não sofrem influência do efeito por Petchey & Gaston (2002), de borda (Laurance et al. 2002). A fim modificado por Cianciaruso et al. de reduzir a variação ambiental entre as (2009b) com o objetivo de incluir a unidades amostrais, eu dispus todos os diversidade intra-específica. Eu calculei pontos de amostragem em áreas mais uma matriz de distância dos atributos altas do terreno, planas e com funcionais entre os indivíduos predomínio de solos argilosos (platô) amostrados, pelo método de Gower (Ribeiro et al. 1999). (Legendre & Legendre 1998), uma vez Em cada unidade amostral, eu que os dados incluem variáveis contei o número de plântulas e avaliei quantitativas e categóricas. As em cada indivíduo as seguintes características consideradas como características: i) altura; ii) forma da atributos funcionais para essa análise foram aquelas de número ii a x. dois ambientes (F(1,30)=0,12; p=0,73; Posteriormente, eu gerei uma análise de Figura 1A). Da mesma maneira, a altura agrupamento pelo método UPGMA a média das plântulas nas áreas da borda partir da matriz de distância entre os foi semelhante à altura das plântulas das indivíduos. Por fim, a partir do áreas do interior (F(1,30)=0,29; p=0,87; comprimento dos ramos da árvore Figura 1B). gerada, e pela composição de cada A forma de folha mais comum ponto, eu calculei a DF de cada unidade na borda da floresta foi a bifoliolada amostral no programa R (R (35%), enquanto no interior a forma Development Core Team 2009), usando mais comum de folha foi a composta a rotina fornecida por Petchey & Gaston não-bifoliolada (24%). A média da (2002). Os valores de DF das áreas de razão comprimento/área das folhas da borda foram comparados àqueles das borda foi de 1,6 enquanto no interior foi áreas do interior da floresta. de 0,8. A área elíptica média das folhas na borda foi de 67,3 cm2, enquanto no Resultados interior foi de 60,1cm2. Apesar de Eu amostrei 606 plântulas nas 32 eventuais diferenças nos traços áreas avaliadas, sendo 317 na borda e funcionais específicos, a diversidade 289 no interior da floresta. A funcional, levando em consideração abundância em cada área variou entre todos os atributos avaliados, não foi sete e 69 indivíduos na borda e entre diferente entre as áreas de borda e as quatro e 38 indivíduos no interior. A áreas do interior da floresta abundância não foi diferente entre os (F(1,30)=3,57; p=0.07; Figura 1C).

Figura 1: (A) Abundância, (B) altura e (C) diversidade funcional de plântulas de borda e interior da floresta em uma área da Amazônia Central. As barras verticais indicam o intervalo de confiança de 0,95.

Discussão A semelhança na média dos O fato de não haver diferença na valores de diversidade funcional entre abundância de plântulas entre as áreas as áreas da borda e do interior da da borda e do interior da floresta sugere floresta indica as espécies da borda não que o recrutamento de plântulas na são funcionalmente diferentes das borda não foi maior que no interior. espécies que ocorrem no interior. Ao Esse resultado difere de trabalhos contrário do esperado, as condições da anteriores que mostraram uma maior borda da floresta não atuam como um taxa de recrutamento em resposta à filtro ambiental sobre as plântulas. formação de borda em uma área de Neste caso, não ocorre seleção de floresta amazônica (Sizer & Tanner indivíduos com características 1999). Da mesma maneira, os dados de específicas que os permitam sobreviver abundância não suportam a hipótese de à borda, e, portanto, não há redução da que a estratégia r-seletiva, na qual há diversidade funcional dessa um maior investimento em reprodução, comunidade. e conseqüente aumento do número de Os três conjuntos de dados indivíduos jovens, seja mais comum na apresentados nesse trabalho sugerem borda. que a borda não representa um ambiente A semelhança nas médias de diferente do interior da floresta em alturas das plântulas, por sua vez, termos de demografia e funcionalidade sugere que os indivíduos da borda de plântulas. Tanto as características da possuem a mesma distribuição etária borda quanto aquelas do interior da dos indivíduos do interior da floresta. floresta estudada podem explicar essa Nesse caso, o maior dinamismo do semelhança. Áreas de interior de ambiente de borda da floresta em florestas contínuas têm sido, em geral, relação ao interior (Laurance et al. consideradas como um ambiente mais 1998, Sizer & Tanner 1999, Silva & estável (Chazdon 2003). No entanto, Tabarelli 2000, Laurance et al. 2002) florestas consideradas antigas estão não está expresso na estrutura sujeitas a perturbações importantes demográfica (abundância e idade) das como dinâmica de clareiras causada plântulas estudadas. pela morte de árvores senescentes, perturbações naturais intensas como tempestades de vento e ainda ocupações aprendermos juntos a fazer ciência na humanas pré-históricas que podem ter floresta por 30 dias. Os professores alterado a dinâmica florestal, reduzindo convidados tiveram um papel especial essa estabilidade (Rebertus et al. 1997, nessa empreitada, compartilhando suas Tanaka & Nakashizuka 1997, Chazdon experiências com a única motivação de 2003) . Essas perturbações afetam as debater hipóteses ecológicas. A equipe áreas do interior da floresta e tornam do PDBFF foi fundamental, eficiente e esse ambiente mais dinâmico e com atenciosa. P.E.C. Peixoto teve ainda características mais próximas àquelas uma importante contribuição na encontradas na borda. O efeito de borda, tabulação dos dados, assim como Bruno por sua vez, vem sendo avaliado em B. L. Cintra e D. Kasper. Gláucia M.A. áreas de abertura de fronteira agrícola, Oliveira foi uma ótima companheira de onde as características da matriz são campo e deu a maior mão na coleta dos muito mais severas e os fragmentos dados. Marcelo Tabarelli contribuiu remanescentes geralmente são pequenos para o desenho do projeto e criou o (hiperfragmentação) (Laurance et al. “Amazon Forest Woody Seedlings 1998, Silva & Tabarelli 2000). A borda Functional Diversity Drivers Project”. que avaliei é formada por uma estrada Marcus Cianciaruso inspirou o trabalho que corta uma extensa área de floresta com DF e ajudou na proposta desse contínua. Essa área é fonte de projeto ainda na fase de inscrição. Os propágulos de árvores do interior da colegas do EFA 2010, em especial a floresta para áreas de borda. Desta The Roof Club, que proporcionaram maneira, a intensidade das alterações momentos inesquecíveis na Amazônia ambientais causadas pela borda pode ser Central. menor no sistema que avaliei. Referências Agradecimentos Begon, M., C.R. Townsend & J.L. Eu agradeço aos coordenadores Harper. 2006. Ecology: from do EFA 2010, Paulo E. C. Peixoto e individuals to ecosystems. Oxford: Paulo E. Bobrowiec, às monitoras Blackwell Publishing. Cláudia Paz e Daniele Kasper pelo Chazdon, R.L. 2003. Tropical forest empenho em concretizar a idéia de recovery: legacies of human impact and natural disturbances. Amazonian tree communities. Perspectives in Plant Ecology, Ecology, 69: 2032-2040. Evolution and Systematics, 6:51-71. Laurance, W.F., T.E. Lovejoy, H.L. Cianciaruso, M.V., I.A. Silva & M.A. Vasconcelos, E.M. Bruna, R.K. Batalha. 2009a. 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A ocupação de troncos de sub-bosque por briófitas e líquens é determinada pela orientação geográfica de vertentes?

Rodrigo Marciente

Introdução resultado, a coexistência de populações A distribuição espacial de com demandas ambientais similares organismos pode ser explicada pela torna-se possível (Wrigth 2002). tolerância às condições ambientais, Líquens e briófitas são capacidade de exploração de recursos e organismos sésseis comuns em regiões competitividade (Begon et al. 2006). Os tropicais (Nash 2008, Smith 1982). efeitos destas características podem ser Ambos os grupos dependem da luz para facilmente acessados em autótrofos cuja produção de energia. No entanto, a dispersão é restrita aos gametas e incidência direta da luz pode promover propágulos (Damgaard 2005). Nestes o dessecamento destes organismos, já organismos a ocupação espacial está que eles não possuem estruturas intimamente relacionada com condições especializadas para o armazenamento de de temperatura, umidade e água (Kappen & Valladares 2007). Esta luminosidade (Pearcy 2007). No limitação faz com que líquens e entanto, essas respostas também podem briófitas ocorram principalmente em ser influenciadas por interações inter- áreas sombreadas e com alta umidade. específicas, como por exemplo a Em florestas tropicais, tais condições competição por recurso (Ewel & são encontradas no sub-bosque, Hiremath 2005). Frente a competição, a principalmente sobre os troncos de distribuição espacial pode ser alterada e árvores vivas e no substrato morto, alguns organismos podem ocupar áreas como por exemplo, árvores e galhos fora de uma zona microclimática ótima caídos (Nash 2008, Smith 1982). Sendo (Cowell & Fuentes 1975). Como

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assim, líquens e briófitas podem ser em termos de umidade (Gregory et al. competidores por substrato. 1992). De forma geral, a umidade é Os líquens são uma associação mais elevada nos baixios devido à simbionte entre fungos e algas ou proximidade com corpos d’água e cianobactérias fotossintetizantes e diminui gradativamente em direção aos possuem crescimento lento, em torno de platôs. Apesar da existência desse um milímetro ao ano (Fahselt 2008). As gradiente de umidade, a área de troncos briófitas por outro lado, possuem todo o ocupada por líquens e briófitas não está aparato metabólico necessário para o relacionada com a distância até os seu desenvolvimento e em condições corpos d’água (Paz 2009). Porém, é ótimas crescem rapidamente sobre o possível que ambos os grupos sejam substrato (Smith 1982). Apesar do sensíveis a orientação da vertente. Em crescimento limitado, líquens são vertentes orientadas de leste para oeste, capazes de tolerar condições de maior a encosta leste possui uma maior área luminosidade, maior temperatura e ocupada por briófitas em relação aos menor umidade, devido a sua eficiência líquens (Paz 2009). Essa distribuição na captação de água presente no ar diferencial pode ser conseqüência do (Seaward 2008). Assim, líquens podem período do dia em que a luminosidade ter maior aptidão em ambientes menos incide diretamente sobre cada vertente. úmidos, quando comparados às Nas vertentes leste, a luminosidade é briófitas. mais difusa e incide pela manhã (Figura Em ambientes de terra firme da 1), promovendo condição ótima para o Amazônia Central, a topografia desenvolvimento de briófitas. Já nas acidentada caracterizada por platôs, vertentes oeste, a incidência mais direta vertentes e baixios é responsável pela de luz pode favorecer o crescimento dos formação de micro-ambientes distintos líquens (Figura 1).

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Figura 1. Diagrama da incidência de luz nos períodos do dia em vertentes com orientação leste e oeste.

Tendo em vista que a orientação oeste. Além disso, espero uma proporção das vertentes pode afetar as condições similar de área ocupada por líquens e microclimáticas locais, meu estudo briófitas em vertentes orientadas ao norte- investigou qual a influência da orientação sul, uma vez que a orientação destas das vertentes na ocupação de líquens e vertentes não implica iluminação briófitas em troncos de sub-bosque na diferencial sobre cada uma de suas faces Amazônia Central. A hipótese de meu resultando em condições similares para o trabalho é que existe uma relação entre a desenvolvimento de líquens e briófitas. orientação da vertente e a área ocupada por briófitas e líquens em troncos de sub- Métodos bosque. Espero que vertentes orientadas Realizei o estudo na Fazenda para o leste tenham uma maior proporção Esteio, localizada a 80 km ao norte de de área ocupada por briófitas do que por Manaus, onde se encontra a Área de líquens, quando comparadas com vertentes Relevante Interesse Ecológico Km 41

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(02º 24’ S, 59º 43’ O), pertencente ao transparente, subdivida em células de Projeto Dinâmica Biológica de 1x1 cm, totalizando 800 células (Hill et Fragmentos Florestais (INPA/STRI). A al. 2005). Estimei a área ocupada por região é caracterizada por vertentes um líquens e briófitas posicionando essa relevo acidentado (Laurance et al.2010). grade sobre o tronco a 1,5 m de altura Estas vertentes estão orientadas tanto do solo, sempre na face do tronco leste-oeste com norte e sul. voltada para o igarapé. Ao longo de um igarapé e dois Utilizei como variável tributários de primeira ordem, dependente a razão entre a proporção da selecionei dez pares de vertentes com área ocupada pelas briófitas em relação declividade entre 25º e 30º visando à proporção da área ocupada pelos padronizar os efeitos da inclinação na líquens (a partir daqui denominada umidade das vertentes. Cada par razão briófita-líquen). Como cada par representa uma unidade amostral e foi de vertentes (leste-oeste, norte-sul) era constituído por duas vertentes, onde exclusivo de um local, utilizei uma uma estava voltada para o leste e outra Análise de Variância Hierárquica correspondente para oeste, ou uma para aninhando os pares ao local de origem e o norte e a outra correspondente para o utilizando a orientação da vertente sul. Em cada vertente selecionei cinco como variável preditora. árvores com diâmetro a altura do peito (DAP) aproximado de 20 cm e distantes Resultados entre um e 10 m do igarapé. Padronizei De forma geral, a área ocupada os tipos dos troncos das árvores por briófitas variou entre 0 e 90% nas selecionadas, evitando amostrar troncos vertentes leste, norte e sul e entre 0 e laminados, escamosos e fissurados, para 45% nas vertentes oeste (Tabela 1). Já controlar as condições de umidade para a cobertura de líquens, a variação devido à textura do tronco, conforme ocorreu entre 0 e 95% em todas as indicado por Paz (2009). Para estimar a categorias de vertentes amostradas área de cada tronco ocupada por (Tabela 1). briófitas e líquens, utilizei uma grade de 20x20 cm em uma lâmina plástica

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Tabela 1. Proporção da área ocupada por briófitas e líquens em troncos de sub-bosque em função da orientação das vertentes na ARIE Km 41

Proporção da área ocupada Proporção da área ocupada por por briófitas líquens Orientação da vertente Média (±DP) Média (±DP) Leste 0,23 (± 0,17) 0,08 (± 0,18) Oeste 0,13 (± 0,12) 0,14 (± 0,29) Norte 0,10 (± 0,27) 0,10 (± 0,19) Sul 0,12 (± 0,17) 0,09 (± 0,31)

A razão entre a proporção média de área grande variabilidade nas estimativas de ocupada por briófitas e a proporção área ocupada por cada grupo em cada média de área ocupada por líquens foi unidade amostral, não detectei diferença igual a 2,77 nas vertentes leste, 0,94 nas entre o conjunto de vertentes vertentes oeste, 1,08 nas vertentes norte amostradas (F(10,80)=0,92; p=0,51; e 1,26 nas vertentes sul. Devido a Figura 2).

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s n e u líq - s a t o briófi ã z a R

Figura 2. Razão da área ocupada por briófitas e por líquens em relação à orientação geográfica das vertentes amostradas. Os pares de pontos representam os pares de vertentes opostas e as barras verticais o erro padrão associado à média.

Discussão significa que vertentes leste-oeste são A área proporcional ocupada por semelhantes às vertentes norte-sul em briófitas em relação aos líquens não foi relação à cobertura de briófitas e afetada pela orientação da vertente, líquens, mesmo que as condições de contrariando a hipótese inicial. Este incidência de luz sejam diferentes. resultado indica que o período do dia no A influência da variação na qual as vertentes recebem luminosidade incidência luminosa pode ter sido um direta ou difusa não afetou a ocupação fator secundário para a ocorrência de de briófitas e líquens. Uma evidência líquens e briófitas nas vertentes. Além disso é a semelhança entre as razões das condições de luminosidade, o briófitas-líquens das vertentes leste e estabelecimento de líquens e briófitas oeste. Além disso, a razão briófitas- depende principalmente das líquens também foi semelhante entre os características do substrato disponível, pares leste-oeste e norte-sul. Isto

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como por exemplo, a textura, pH, variabilidade ambiental, medido pela nutrientes orientação da vertente, sobre a área (Seaward 2008, Smith 1982). Como ocupada por briófitas e líquens. Assim, selecionei árvores com troncos de se as características do substrato forem textura semelhante para controlar os semelhantes, a umidade proporcionada efeitos das características do substrato, a pelos corpos d’água próximos pode ser proximidade das árvores com os mais importante para permitir a igarapés pode ter minimizado os efeitos coexistência de briófitas e líquens, da variação na incidência luminosa. mesmo em condições de incidência Outro aspecto que pode luminosa diferentes. determinar a ocupação de líquens e briófitas são as interações inter- Agradecimentos específicas entre estes grupos. Algumas A realização desse trabalho não espécies de líquens podem produzir seria possível sem todo o apoio prestado metabólitos secundários com ação pela organização do curso de campo, alelopática (Elix & Stocker-Wörgötter representada por Paulinho e Paulo 2007). Isso impede a ocupação de Estéfano. Assim como, toda a briófitas no substrato e provavelmente colaboração da Dona Eduarda, João e até de outras espécies de líquens. Júnior que seguraram a bronca na difícil Assim, mesmo em condições tarefa de nos manter pensando somente ambientais mais favoráveis para o em ciência. Aos esforços e atenção crescimento de briófitas nas vertentes incondicional das monitoras Claudinha leste, a interação com os líquens pode e Dani que, ombro a ombro, nos ter impedido a colonização e ajudaram a evoluir a cada dia. Agradeço crescimento de briófitas. Isso pode também a todos os colaboradores e ajudar a explicar a ocupação das professores que enriqueceram nossas briófitas e líquens em ambas vertentes. discussões sobre ecologia na Amazônia. O uso de recursos e de condições Fica registrada também minha gratidão ambientais semelhantes faz de briófitas a todos os novos AMIGOS que durante e líquens competidores potenciais por esse longo mês marcaram mais essa área nos troncos de árvores em florestas etapa, proporcionando o conforto e a tropicais (Seaward 2008). Nas alegria dos momentos de condições em que realizei este estudo, confraternização. Finalmente, agradeço não pude detectar os efeitos da as meninas de minha vida, Ignês e

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Maria Clara, que depositam toda a Fahselt, D. 2008. Individuals and credibilidade neste longo processo de populations of lichens, pp. 252- formação acadêmica e pessoal. Sem 273. In: Lichen Biology (Nash, vocês nada faria sentido! T.H. ed.). Cambridge: Cambridge University Press. Referências Gregory, S.V., F.J. Swanson, W.A. Begon, M., C.R. Townsend & J.L. Mckee & K.W. Cummins.1992. Harper. 2006. Ecology: from An ecosystem perspective of individuals to ecosystems. riparian zones. BioScience, Oxford: Blackwell Publishing. 41:540–551. Colwell, R. K. & E. R. Fuentes. 1975. Hill, D., M. Fashmam, G. Tucker, M. Experimental studies of the niche. Shewry & P. Shaw. 2005. Annual Reviews of Ecology and Handbook of biodiversity Systematics, 6:281-310. methods: survey, evaluation and Damgaard, C. 2005. Evolutionary monitoring. Cambridge: ecology of plant-plant Cambridge University Press. interactions: an empirical Kappen, L. & F. Valladares. 2007. modelling approach. Silkeborg: Opportunistic growth and Aarhus University Press. desiccation tolerance: the Elix, J.A. & E. Stocker-Wörgötter. ecological success of 2007. Biochemistry and poikilohydrous autotrophs, pp. 7- secondary metabolites, pp. 104- 66.In.: Functional plant ecology 133. In: Lichen Biology (Nash, (Pugnaire, F.I. & F. Valladares, T.H. ed.). Cambridge: Cambridge eds.). Boca Raton: CRC Press. University Press. Laurance, S.G.W., W.F. Laurance, A. Ewel, J.J. & A.J. Hiremath. 2005. Plant- Andrade, P.M. Fearnside, K.E. plant interactions in tropical Harms, A. Vicentini & R.C.C. forests, pp. 3-34. In.: Biotic Luizão. 2010.Influence of soils interactions in the tropics: their and topography on Amazonian role in maintenance of species tree diversity: a landscape-scale diversity (Burslem, D.F.R.P., study. Journal of Vegetation M.A. Pinard & S.E. Hartley, eds.). Science, 21:96-106. New York: Cambridge University Nash, T.H. 2008. Introduction, pp. 1-8. Press. In: Lichen Biology (Nash, T.H.

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ed.). Cambridge: Cambridge Functional plant ecology University Press. (Pugnaire, F.I. & F. Valladares, Paz, C.P. 2009. O gradiente de umidade eds.). Boca Raton: CRC Press. influencia a razão entre a área Seaward, M.R.D. 2008. Environmental ocupada por briófitas e liquens? role of lichens, pp. 274-298. In.: pp. 1-9. In: Ecologia da Floresta Lichen Biology (Nash, T.H. ed.). Amazônica (Camargo, J.L, F. Cambridge: Cambridge Pinto, G. Machado & P.E.C. University Press. Cardoso, eds.). Manaus: Projeto Smith, A.J.E. 1982. Bryophyte ecology. Dinâmica Biológica de New York: Chapman & Hall. Fragmentos Florestais. Wrigth, S.J. 2002. Plant diversity in Pearcy, R.M. 2007. Responses of plants tropical forests: a review of to heterogeneous light mechanisms of species environments, pp. 213-257. In: coexistence. Oecologia, 130:1-14.

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Seleção de habitat por epífitas e por formigas de jardins de formigas na Amazônia Central

Sara Lodi de Carvalho

Introdução semente coletadas (Davidson 1988). As Habitats com características quatro principais espécies de epífitas distintas podem selecionar diferentes que ocorrem em jardins de formiga na conjuntos de espécies capazes de se Amazonia Central são: Peperomia estabelecerem neles (Begon et al.2006). macrostachya (Piperaceae), Uma vez que um organismo tenha se Codonanthes calcarata (Gesneriaceae), estabelecido no habitat, ele pode Anthurium trinerve (Araceae) e interagir com o meio e assim Philodendron megalophillum (Araceae), disponibilizar matéria prima e nutrientes sendo a espécie P. macrostachya a mais para outras espécies por deposito de freqüente (Jacovak 2006). Quando resíduos, ou mudar a estrutura e estabelecidas, as epífitas aumentam a qualidade física do habitat (Flecker estabilidade do ninho por suas raízes 2004). Desta forma, a presença de uma formarem um sistema de ancoragem espécie no habitat pode influenciar o para o jardim (Hölldobler & Wilson estabelecimento de outras. Em alguns 1990). casos esses estabelecimentos podem O forófito fornece a estrutura gerar eventos de benefício mútuo entre básica para o estabelecimento da epífita as espécies. e apoio do ninho, enquanto a epífita Um exemplo de mutualismo reforça a estrutura do ninho e, em encontrado em florestas tropicais é o alguns casos, fornece alimento como jardim de formigas. Esse jardim é um nectários extraflorais e frutos para a agregado de epífitas associadas a ninhos colônia (Davidson 1988, Kleinfeldt de formigas arborícolas. A formação do 1986, Kleinfeldt 1978, Yu 1994). Por jardim é iniciada pela ação das outro lado, as formigas nutrem e formigas, que coletam uma semente dispersam as sementes das epífitas e com a qual iniciam o ninho e protegem as epífitas e os forófitos selecionam um local em uma árvore contra herbivoria (Kaufmann & hospedeira (forófito) para cultivar a Maschwitz 2006, Santos 1999). Dentro da dinâmica dos jardins hipótese é que epífitas que estruturam o de formigas existem duas possíveis jardim de formigas em maior freqüência seleções de habitat: epífitas selecionam ocorrem preferencialmente neste um local para se estabelecer e formigas habitat. A segunda é que o jardim é escolhem onde formar seus ninhos. estabelecido em locais do forófito que Epífitas com sementes atrativas proporcionem maior sustentação. Como (geralmente possuem compostos como P. macrostachya é a epífita mais elaiossomos ricos em lipídios) são abundante nos jardins, optei por usa-la preferencialmente coletadas pelas como modelo de estudo para analisar a formigas (Davidson et.al. 1990, Yu primeira hipótese. Assim, espero 1994, Orivel et. al. 1997, Orivel et. al. encontrar uma maior freqüência da 1998). Das espécies de epífitas epífita Peperomia macrostachya conhecidas, poucas podem ser associada ao jardim de formigas do que encontradas em jardins de formigas. associada a outros substratos. Com Isso sugere que elas podem apresentar relação à segunda hipótese espero que adaptações que facilitam sua ocorrência haja uma maior ocorrência dos jardins neste sistema (Kleinfeldt 1986). Da em locais dos forófitos com mais mesma forma, locais com características galhos. favoráveis ao estabelecimento do jardim podem ser preferencialmente Métodos colonizados pelas formigas. Formigas Realizei este estudo em agosto geralmente precisam de cavidades pré- de 2010 na Área de Relevante Interesse formadas para fixar o jardim Ecológico (ARIE) do Km 41 (2°24’S- (Kaufmann & Maschwitz 2006). No 59°44’O) localizada 80 km ao norte da entanto outros fatores, como cidade de Manaus, AM, Brasil. Esta ramificações do tronco do forófito, área pertence ao Projeto Dinâmica também podem ser importantes para dar Biológica de Fragmentos Florestais em apoio ao ninho e permitir seu colaboração com o Instituto Nacional de crscimento sem grande riscos de Pesquisa da Amazônia (INPA). Trata-se desestruturação. de uma área de floresta Ombrófila densa Nesse contexto, procurei úmida com altura do dossel de responder se existe especificidade por aproximadamente 35 m e árvores local de fixação das epífitas e dos emergentes de até 50 m de altura. A jardins de formiga. Minha primeira estação chuvosa ocorre entre novembro e maio com variação na pluviosidade Procurei por jardins de formiga anual de 1900 a 2500 mm (Ribeiro na mesma região onde avaliei a 1976). ocorrência de P. macrostachya.Ao Avaliei os jardins localizados encontrar um jardim de formiga, contei proximos à estrada que da acesso à o número de galhos do forófito que ARIE devido aos jardins serem apoiavam o jardim e o número de encontrados em ambientes de alta galhos presentes no ramo mais próximo incidência solar (Davidson 1988). sem jardim. Observei apenas jardins a Procurei os indivíduos da espécie uma altura de 2 m do chão. Isso foi Peperomia macrostachya ao longo da necessário porque quando jardins se estrada. Essa espécie de epífita foi encontravam a uma altura superior a escolhida por estar envolvida na essa, não era possível distinguir com estruturação dos jardins, e não ser uma clareza se os ramos saindo do jardim epífita oportunista. As epífitas eram do forófito ou de algum outro oportunistas podem ser visualmente indivíduo (e.g. cipós, epífitas ou outras distinguidas por englobarem o ninho árvores). com suas raízes, diferente das epífitas Para avaliar se a ocorrência da estruturadoras que possuem raízes epífita estava associada à ocorrência do emaranhadas no interior do ninho jardim, avaliei a freqüência de (Kaufmann & Maschwitz 2006). ocorrência da espécie de epífita nos Ao encontrar um indivíduo de P. diferentes substratos (com ou sem macrostachya, eu observei em qual jardim). Para a comparação do número substrato as raízes se encontravam. de galhos presentes no ramo sob o Quando o indivíduo estava estabelecido jardim e nos nós adjacentes, realizei um em um jardim de formigas, o teste-t pareado. classifiquei como “com jardim”, e quando estava em outro substrato, como Resultados “sem jardim”. Realizei a busca de todos Sempre encontrei a epífita os indivíduos de P. macrostachya em Piperomia macrostachya associada aos uma clareira na beira da estrada, por ser jardins de formigas. O número de um local com alta incidência desta galhos que encontrei em ramos epífita para aumentar a probabilidade de apoiando o jardim variou de zero a encontrar indivíduos estabelecidos em quatro, e os ramos mais próximos que diferentes substratos. não davam apoio a algum jardim tiveram entre um e quatro galhos. Cerca que davam apoio ao jardim de formigas de 20% dos nós com jardim tiveram possuíram maior número que os ramos quatro galhos, enquanto apenas 5% dos próximos que não apoiavam jardins ramos sem jardins exibiram esse (t(18)=3,92, p<0,001, Figura 1). número de galhos. Ramos do forófito

Figura1: Número de galhos encontrados em locais do forófito com jardim de formigas e no ramo mais próximo sem jardim, em uma floresta de terra firme na Amazônia Central.

Discussão Se estabelecer em um sistema de O fato de que a epífita P. mutualismo com as formigas pode macrostachya ocorreu exclusivamente conferir a P. macrostachya vantagens em jardins de formigas indica que esta na exploração de recursos do jardim em espécie pode depender de condições relação a outras epífitas menos proporcionadas pelo jardim de formiga freqüentes nos jardins. A seleção de para se estabelecer. Já as formigas sementes pelas formigas poderia selecionaram locais mais ramificados explicar a associação de especificidade dos forófitos para estabelecer o jardim que encontrei. Porém, mesmo uma forte possivelmente para aumentar a associação entre formigas dispersoras e estabilidade do ninho. as sementes de P. macrostachya pode não ser o suficiente para explicar a micro-habitat favorável ao dependência que esta espécie de epífita estabelecimento de epífitas, é possível tem do sistema de jardim de formigas. que várias outras espécies de epífitas se Mesmo que as sementes desta epífita beneficiem do sistema de jardins de sejam preferencialmente dispendiosas formigas e do comportamento de pelas formigas, é improvável que 100% dispersão e defesa propiciado por elas. delas sejam carregadas para o ninho. Eventualmente, os jardins de formigas Desta forma, algumas sementes podem ser um importante componente eventualmente cairiam fora do jardim, e determinando padrões de diversidade de germinariam. Como indivíduos desta epífitas. espécie só ocorreram associados ao jardim, há um indicativo de processos Agradecimentos evolutivos induzindo a dependência Agradeço ao PDBFF por entre P. macrostachya e os jardins de promover esse curso de campo, e ao formigas. Paulo enrique pelas trocas de idéia e A ocorrência dos jardins em pelas correções que tanto me ajudaram a locais com maior numero de galhos escrever esse trabalho, pelos momentos indica que formigas podem buscar “Partoba”, e por seus valiosos locais favoráveis ao estabelecimento do conselhos. É uma pessoa por quem jardim. Além do possível suporte tenho grande admiração. Quero mecânico, um maior número de galhos agradecer ao Paulo Estéfano pela pode aumentar a área de forrageio das imensa ajuda nas correções e pelos bons formigas na planta. Da mesma forma, as papos. Agradeço ao Thiago “Preto” e ao formigas formadoras do jardim Pedro pelas consultorias na botânica e à defendem áreas do forófito mais Laura pelas consultorias próximas ao ninho (Kaufmann & “formiguísticas”. Agradeço ao Júnior Maschwitz 2006) e um maior número por estar sempre acessível para tirar de galhos pode aumentar o acesso das dúvidas e ajudar no campo. Também formigas a mais ramos do forófito. agradeço às lindas e divertidíssimas As formigas selecionam locais monitoras por servirem de exemplo para específicos para estabelecerem o jardim mim em muitos momentos. Agradeço à e por coletar e dispersar sementes Alêny, por demonstrar amizade quando possibilitam o estabelecimento de P. precisei. Tenho vontade de agradecer macrostachya. Se os jardins formam um individualmente todos da turma do EFA-2010, pessoas queridas que rainforests. Naturwissenschaften, apareceram na minha vida e que me 93:216–227. acompanharam nesse mês de suco de Kleinfeldt, S.E. 1978. Ant-gardens - caju, goiabada e pão com ovo. interaction of Codonanthe Infelizmente me faltam palavras. Sei crassifolia (Gesneriaceae) and apenas que guardarei cada um e cada Crematogaster-Longispina momento vivido no meu coração. Thank (Formicidae). Ecology, 59:449-456. you xuxus!!! Kleinfeldt, S.E. 1986. Ant-gardens: mutual exploitation. In: Insects and Referências the plant surface (B. Juniper & Begon, M., C.R. Townsend & J.L. T.R.E. Southwood, eds.). Londres: Harper. 2006. Ecology: from Edward Arnold Publishers. individuals to ecosystems. Oxford: Orivel, J., A. Dejean & C. Errard. 1998. Blackwell Publishing. Active role of two ponerine ants in Davidson, D.W. 1988. Ecological- the elaboration of ant gardens. studies of neotropical ant gardens. Biotropica, 30:487-497. Ecology 69:1138-1152. Orivel, J., C. Errard & A. Dejean. 1997. Davidson, D.W., J.L. Seidel & W.W. Ant gardens: interspecific Epstein. 1990. Neotropical ant recognition in parabiotic ant gardens II. Bioassays of seed species. Behavioral Ecology and compounds. Journal of Chemical Sociobiology, 40:87-93 Ecology, 16:2993-3013. Ribeiro, M.N.G. 1976. Aspectos Jacovack, A.C.C. 2006. Jardins climatológicos de Manaus. Acta suspensos da Amazônia: Amazonica, 6:229–233. composição florística e sucessão de Yu, D.W. 1994. The structural role of espécies em jardins de formiga. In: epiphytes in ant gardens. Livro do curso de campo “Ecologia Biotropica, 26:222-226. da Floresta Amazônica”. Manaus: Flecker, A.S. 2004. Ecosystem INPA/PDBFF Jacovak 2006). Engeneering by a domintant Kaufmann, E. & U. Maschwitz. 2006. detritivore in a diverse tropial Ant-gardens of tropical Asian stream. Ecology,77:1845-1854.

Efeito do tamanho das larvas da formiga-leão Myrmeleon brasiliensis (Neuroptera: Myrmeleontidae) sobre a seleção de habitats

Thallita Oliveira de Grande

Introdução 2006). Em termos de condições A seleção de habitat é um bióticas, locais onde há uma demanda processo em que indivíduos usam ou por recursos maior do que a capacidade ocupam um conjunto de habitats de suporte e altos níveis de predação disponíveis de forma não aleatória serão evitados pelos organismos (Morris 2003). Conforme este processo, (Abrams 2000; Begon et al. 2006). Os as espécies são capazes de balancear as indivíduos necessitam balancear essas demandas conflitantes entre a condições e selecionar hábitats de necessidade de forragear eficientemente interesse, de modo a persistir no e de evitar predadores enquanto ambiente e maximizar o sucesso forrageiam (Sih 1980). Este processo reprodutivo (Ricklefs 2001). deve ter permanecido ao longo do Alguns predadores, para tempo evolutivo por conferir vantagens maximizar seu potencial de captura de aos indivíduos, ao permitir que estes presas e diminuir o risco de predação, selecionem diferencialmente os habitats, alteram suas estratégias se estabeleçam e consigam, então, comportamentais (Morse 2006) e coexistir em meio a indivíduos de outras utilizam uma tática de forrageio espécies (Rosenzweig 1981). denominada senta-e-espera. Nessa Condições abióticas, como estratégia os predadores permanecem temperatura, umidade, luminosidade, e em posição de emboscada e aguardam condições bióticas, como competição passivamente pela aproximação de suas intra-específica e predação, são fatores presas, para então capturá-las (Rersh & que afetam a seleção de habitat. De Cardé 2003). A seleção de habitat para forma geral os organismos selecionam este tipo de predador é algo importante. habitats em que as condições abióticas Isto porque o principal artefato que estejam em um nível adequado para o aperfeiçoa o forrageio é a escolha de crescimento e reprodução (Begon et al. lugares onde a disponibilidade de presas

1 seja satisfatória (Begon et al. 2006; larvas. Provete (2009) mostrou que as Morse 2006). Ademais, locais cujas larvas de M. brasiliensis não selecionam condições permitam que o diferencialmente substratos com comportamento de emboscada seja granulometria fina ou grossa em efetivo (onde o indivíduo consiga, por resposta ao adensamento populacional. exemplo, se camuflar), diminuem as No entanto, como existe canibalismo chances desse tipo de predador ser durante o estágio larval de M. predado por algum organismo. brasiliensis (P. H. C. Peixoto, As larvas da espécie Myrmeleon comunicação pessoal), a presença de co- brasiliensis adotam a estratégia senta-e- específicos pode afetar as decisões espera (Rersh & Cardé 2003). Para tal, sobre uso do espaço pelos indivíduos constroem pequenas depressões em (Lima 1998). Para evitar o canibalismo, forma de funil em substratos arenosos e a escolha dos substratos para a se ocultam abaixo da abertura do funil, construção de funis deve variar entre os à espera do deslize de artrópodes para indivíduos de tamanhos corporais dentro da depressão (Grimaldi & Engel distintos. Isto porque cada indivíduo 2005). As características do solo, como tem chances distintas de predação por a granulometria, têm efeito sobre os co-específicos e de fixação no substrato. funis, especialmente sobre sua O objetivo do estudo foi estabilidade e eficiência na captura de investigar se existe efeito do tamanho presas (Grimaldi & Engel 2005; Ribeiro das larvas da formiga-leão M. 2009). Os grãos finos são brasiliensis sobre a seleção do substrato aparentemente preferidos pelas larvas para a construção dos funis. A minha por propiciarem um deslocamento mais hipótese é que as larvas menores se eficiente das presas e por conferirem fixam em substratos inadequados para a maior estabilidade ao funil (Rersh & construção dos funis e dessa forma Cardé 2003). diminuem as chances de canibalismo A seleção de locais para a pelas larvas maiores. A minha previsão construção dos funis pode ser afetada é que larvas com menor comprimento por fatores como a disponibilidade de de cabeça serão predominantes no alimento (McClure 1983 apud in substrato de granulometria grossa. Provete 2009) e a interação entre as

2 Métodos peneira com malha de 1 mm e obtive a Área de estudo porção fina da areia. Na segunda etapa, Realizei o estudo em uma área utilizei uma peneira com malha de 2 de floresta de terra firme, localizada na mm, peneirei o resíduo da primeira Reserva do Km 41 (02°24’ S-59°44’ O), etapa e obtive uma porção média e uma na Amazônia Central. A reserva se porção grossa. Para compor o substrato encontra a cerca de 80 km ao norte de de granulometria fina, utilizei 1050 ml Manaus e pertence ao Projeto Dinâmica da porção fina. Para compor o substrato Biológica de Fragmentos Florestais de granulometria grossa, misturei 500 (INPA / Smithsonian Tropical Research ml da porção fina, 500 ml da porção Institute). média e aproximadamente 50 ml da porção grossa. Adotei essa proporção de Coleta das larvas mistura a fim de conseguir um substrato Realizei a coleta das larvas de mais grosso do que o comumente usado M. brasiliensis em locais de terrenos pelas larvas, mas que ainda arenosos secos nas imediações do possibilitasse a construção dos funis. acampamento. Procurei os funis nesses Utilizei cinco bandejas de locais e coletei os indivíduos à medida polietileno de 46 x 31 cm e dividi cada que encontrava os funis. Com uma pá, uma em dois compartimentos de 23 x cavei a areia sob o funil e peneirei essa 31 cm. Posteriormente, subdividi cada areia para encontrar a larva. Coletei 100 compartimento em duas partes iguais e larvas no total. Não apliquei seleção de preenchi cada parte com um tipo de tamanho corporal no momento da substrato. Não coloquei nenhuma coleta. barreira física entre essas partes dos Experimento compartimentos para que as larvas Para a realização do pudessem transitar livremente entre os experimento, criei dois tipos de substratos. Com base na metodologia de substrato para o estabelecimento das Provete (2009) aguardei 18 horas para larvas, um com granulometria fina e que as formigas-leão construíssem os outro com granulometria grossa. Para funis. tal, realizei duas etapas de peneiração da Após o intervalo de 18 horas areia. Na primeira etapa, utilizei uma coletei as larvas que construíram funis

3 em ambos os tratamentos, coletando e cabeça das formigas-leão, utilizei uma peneirando separadamente a areia do análise de variância (ANOVA). entorno de cada funil. Posteriormente peneirei o restante da areia de cada Resultados substrato para coletar as larvas que não Do total de 100 indivíduos, 87 haviam feito funis. Fixei os indivíduos construíram funis, cinco permaneceram em álcool 70%. Fotografei as formigas- nos substratos sem construir funis e sete leão em uma lupa e com as imagens não foram encontrados. Dos 87 funis, medi a distância entre os olhos das 39 foram construídos no substrato de larvas usando o software Image Tools. grossa granulometria e 48 no de Usei a distância entre os olhos como granulometria fina. O tamanho da uma medida do tamanho da cabeça das cabeça não influenciou a escolha de larvas, por que esta distância representa substratos pelos indivíduos de M. a maior largura da cabeça dos brasiliensis (F(1,80)=1,14; p=0,28; Figura indivíduos. Para testar se a seleção dos 1). substratos é dependente do tamanho da

Figura 1. Valores médios da distância entre os olhos de M. brasiliensis nos dois tipos de substratos. Os círculos representam as médias e as barras o erro padrão.

4 Discussão informações sobre a disponibilidade de A ocupação dos dois tipos de alimento do local ao longo de um substratos por larvas de diversos intervalo de tempo, pela taxa de captura tamanhos de M. brasiliensis indica que de presas (Crowley & Linton 1999). As indivíduos menores não escolhem formigas-leão podem realocar seus funis preferencialmente os substratos quando um determinado local não é inadequados, de grossa granulometria. benéfico em termos de recursos A grande quantidade de funis formados alimentares. No entanto, o gasto implicou em um baixo número de larvas energético para mudar de local é alto e a sem funis ou desaparecidas. As larvas realocação dos funis deve acontecer não encontradas possivelmente foram somente quando os ganhos futuros com predadas por co-específicos. a mudança excedem os seus custos Embora apenas sete larvas (Crowley & Linton 1999). Portanto, é tenham desaparecido, fica evidente que possível que as formigas-leão não o canibalismo existe, mas não é uma selecionem a priori o substrato de pressão suficientemente forte para fazer ocupação. É provável que estes com que os indivíduos selecionem o indivíduos se estabeleçam e substrato a ser ocupado. Provete (2009) posteriormente utilizem informações relata que em situações de adensamento como a disponibilidade de presas do populacional as formigas-leão não local para balancear o custo-benefício ocupam substratos distintos de forma do substrato em que se encontram. Isto diferencial como uma maneira de explicaria a ocupação similar das larvas diminuir as chances de canibalismo. nos dois tipos de substrato utilizado no Sendo assim, é possível que o risco de estudo. Alternativamente, a predação entre as larvas seja baixo, o disponibilidade de alimento durante o que lhes permitiria investir no forrageio experimento, em ambos os tipos de (Verdolin 2006) por meio da construção substratos, pode ter sido suficiente para de funis em qualquer tipo de substrato, que as larvas não precisassem mudar de como observado no meu estudo. substrato em busca de melhores Os funis das larvas de M. condições, e assim se distribuíssem de brasiliensis, além de ser um meio de forma semelhante entre os substratos. conseguir alimento, fornecem

5 Este estudo indica que o organizadores do EFA 2010 (José Luis estabelecimento dos organismos nem Camargo, Paulo Enrique Cardoso sempre é determinado pelos riscos de Peixoto e Paulo Estéfano Bobrowiec) predação de um dado local. Da mesma pela oportunidade de participar deste forma, trabalhos anteriores indicaram curso, no qual tanto aprendi sobre a que, tanto a eficiência de captura de construção do conhecimento científico. presas quanto o adensamento Agradeço aos colegas que me populacional não determinam a seleção auxiliaram na execução deste trabalho. de habitat (Provete 2009; Ribeiro 2009). Paulinho (Enrique), obrigada por ter me Apesar de se esperar que a seleção de apresentado as formigas-leão, pelos habitat possa favorecer a aptidão dos auxílios teóricos, estatísticos, organismos, é possível que em alguns metodológicos e por tudo que aprendi sistemas (como no caso de M. contigo neste período. Obrigada brasiliensis) avaliações prévias do também por coordenar o curso de modo habitat não ocorram. Nessa situação, a ter tornado nossos dias os mais mesmo que a avaliação aconteça após o agradáveis possíveis. Dani, Claudinha, estabelecimento (de acordo com o Paulinho (Estéfano), Sara, Camila e sucesso da captura de alimentos, por Laura, muito obrigada pela ajuda com exemplo), se não há seleção prévia, em as coletas de formigas-leão, com a caso de mudança de local os organismos peneiração da areia e com todo o deveriam novamente selecionar pontos restante dos métodos do projeto. O de estabelecimento sem critérios auxílio de vocês foi fundamental! Aos específicos de escolha. Por fim, em professores, monitores e revisores, que sistemas onde a variação ambiental é contribuíram para meu crescimento pequena (como áreas contendo areia), a profissional ao longo do curso. A todos seleção de habitat pode não ser uma os companheiros desta caminhada de característica que confira grandes um mês na Amazônia, obrigada pelos vantagens aos organismos. momentos partilhados, pelos conhecimentos trocados e pela Agradecimentos oportunidade de aprender um pouco Gostaria de agradecer com cada um de vocês. primeiramente ao INPA/PDBFF e aos

6 Referências predator. Behavioral Ecology, Abrams, P. 2000. The evolution of 17:405-409. predator-prey interactions: theory Provete, D.B. 2009. Efeito do and evidence. Annual Review of adensamento populacional sobre a Ecology and Systematics, 31:79- escolha de substrato em larvas de 105 formiga-leão Myrmeleon Begon, M., C.R. Townsend & J.L. brasiliensis (Neuroptera: Harper. 2006. Ecology: from Myrmeleontidae). In: Livro do individual to ecosystems. Oxford: curso de campo “Ecologia da Blackwell publishing. Floresta Amazônica” (P.E. Peixoto, Crowley, P.H. & M.C. Linton. 1999. F. Pinto, J.L. Camargo & G. Antlion foraging: tracking prey Machado, ed.). Manaus: across space and time. Ecology, PDBFF/INPA. 80:2271–2282 Rersh, V.H. & R.T. Cardé. 2003. Grimaldi, D. & M.S. Engel. 2005. Encyclopedia of insects. California: Evolution of the insects. New York: Academic Press. Cambrige University Press. Rosenzweig, M.L. 1981. A theory of Lima, S.L. 1998. Nonlethal effects in habitat selection. Ecology, 62:327- the ecology of predator-prey 335. interactions. Bioscience, 48:25-34. Ribeiro, P.F.R. 2009. Influência da McClure, M.S. 1983. Myrmeleon granulometria do solo na eficiência (Hormiga León, Antlions), pp. 742- de captura de presas por larvas da 743. In: Costa rican natural history formiga-leão Myrmeleon (Janzen, D. H., ed.). Chicago: The brasiliensis (Neuroptera: university of chicago press. Myrmeleontidae). In: Livro do Morris, D.W. 2003. Toward an curso de campo “Ecologia da ecological synthesis: a case for Floresta Amazônica” (P.E. Peixoto, habitat selection. Oecologia, 136:1- F. Pinto, J.L. Camargo & G. 13. Machado, ed.). Manaus: Morse, D.H. 2006. Fine-scale substrate PDBFF/INPA. use by a small sit-and-wait

7 Ricklefs, R.E. 2001. The economy of Verdolin, J.L. 2006. Meta-analysis of nature. New York: W. H. Freeman foraging and predation risk trade- and Company. offs in terrestrial systems. Behavior Sih, A. 1980. Optimal behavior: can Ecology and Sociobiology, 60:457– foragers balance two conflicting 464. demands? Science, 210:1041-1043.

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Árvores grandes limitam a densidade e o tamanho das árvores vizinhas?

Thiago de Azevedo Amorim

Introdução permitem a ocorrência de espécies A zona tropical compreende as tolerantes ou não ao sombreamento latitudes que recebem maior incidência (Gilbert et al. 2001). Assim, a baixa luminosa do globo (Leigh Jr. 1999). luminosidade que incide no sub-bosque Nessa região a densa estrutura florestal da floresta proporcionar condições dificulta a entrada de luz no interior da ambientais que selecionam espécies de floresta. Plantas de florestas tropicais plantas adaptadas ao sombreamento possuem diversos mecanismos (Gentry 1988). morfológicos e fisiológicos para o Espécies que necessitam de aproveitamento dessa energia luminosa elevada incidência luminosa para o seu incidente (Taiz & Zeiger 2002). desenvolvimento podem crescer Espécies árbóreas, por exemplo, tem lentamente quando estão sob árvores de como estratégia investir mais em grande porte (Ribeiro et al. 2005). O crescimento vertical do que diamétrico efeito negativo de grandes árvores sobre para obtenção de maior de quantidade outras de menor porte já foi verificado luz (Hallé et al. 1978, Vieira 2007). em florestas temperadas. No estudo de Na floresta, as árvores de maior Schamp & Aarssen (2009), a presença porte podem ter mais vantagem na de uma árvore grande promovia menor aquisição de luz, através da exposição chance de ocorrência e crescimento de de grande parte da copa à luz direta. A outras espécies de árvores de menor copa de árvores altas pode funcionar porte. Os autores atribuíram a menor como um filtro retendo grande parte da ocorrência dos indivíduos de menor luz incidente, reduzindo a entrada de luz porte à competição por energia no interior da floresta e promovendo a luminosa que favorecia espécies de formação de gradientes verticais de luz grande porte. (Gentry 1988). A heterogeneidade O meu objetivo foi avaliar como espacial de disponibilidade de luz no a ocorrência de árvores de grande porte ambiente florestal gera condições que pode afetar a distribuição e crescimento 2

de árvores em uma floresta tropical de todos os indivíduos arbóreos com DAP terra firme. Minha hipótese é que o maior ou igual a 5 cm em um raio de 10 sombreamento de uma árvore de grande m a partir do indivíduo focal. Utilizei porte pode afetar negativamente a uma regressão linear simples para ocorrência e o crescimento de observar a relação do diâmetro das indivíduos arbóreos vizinhos. Por isso árvores focais com o número e o espero que quanto maior o diâmetro da diâmetro das árvores vizinhas. árvore, menor seja a densidade e o diâmetro de árvores vizinhas. Resultados A quantidade de indivíduos Métodos arbóreos ao redor das árvores focais Realizei este estudo na Área de variou de 26 a 46 indivíduos (35 ± 5,72 Relevante Interesse Ecológico (ARIE) cm; média±desvio padrão). O diâmetro Km 41 (02°24’ S-59°44’O), pertencente dos indivíduos amostrados no entorno ao Projeto Dinâmica Biológica de das árvores focais variou de 5 a 85,6 Fragmentos Florestais (PBDFF) cm (13,3 ± 10,66 cm). Não observei localizada 80 km ao norte de Manaus, relação entre o diâmetro das árvores Amazonas. A vegetação da área é focais e o número de árvores (r2= 0,009; formada por floresta ombrófila densa F(1,15)= 0,123; p= 0,731 Figura 1). Da (Ribeiro et al. 1999). mesma forma, também não constatei Selecionei 16 árvores entre 20 e nenhuma relação entre o diâmetro das 105 cm de diâmetro à altura do peito árvores focais e o diâmetro das árvores 2 (DAP). As árvores focais foram vizinhas (r = 0,142; F (1,15)= 2,322; p= distantes 20 m uma da outra para evitar 0,15; Fig. 2). a sobreposição das copas. Eu medi 1

Figura 1: Relação entre o diâmetro das árvores focais e número de árvores vizinhas em uma floresta tropical na Amazônia Central.

Figura 2: Relação entre o diâmetro das árvores focais e a média dos diâmetros das árvores vizinhas em uma floresta tropical na Amazônia Central.

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Discussão deciduidade de algumas espécies A proximidade com as árvores arbóreas. Segundo Gandolfi et al. grandes não afetou a abundância nem o (2009), espécies decíduas geram tamanho das árvores vizinhas. Segundo “clareiras cíclicas” nas florestas, que Gentry (1988), árvores de grande porte permitem maior entrada de luz sob elas. formam estratos sob suas copas de Assim, a sazonalidade da queda foliar forma que em cada estrato a de algumas espécies pode gerar janelas disponibilidade de energia luminosa é de oportunidade de crescimento às uma parcela de energia do estrato espécies que se encontram sombreadas. superior. Essa disponibilidade de luz Nos períodos de maior incidência de luz diferencial seleciona espécies mais gerados pela deciduidade, as árvores aptas a ocupar cada estrato. Portanto com maior demanda luminosa para árvores que crescem sob a copa de crescimento poderiam crescer mais árvores grandes devem estar adaptadas (Gilbert et al. 2001, Ribeiro et al 2005). à condição de baixa luminosidade. A capacidade adaptativa das Além de atuar como um filtro de espécies à condição de sombreamento e luz, as árvores de grande porte também a possibilidade de clareiras cíclicas podem influenciar a ocorrência de favorecendo o crescimento de espécies espécies árboreas ao seu redor limitando pioneiras, podem explicar a ausência de a disponibilidade de outros recursos, influência das árvores de grande porte como água e nutrientes, através da sobre a comunidade de árvores vizinhas. competição. Consequentemente, a Essas grandes árvores ao utilizar parte disponibilidade desses recursos pode do recurso luminoso, podem promover dirigir a distribuição de árvores em um gradiente de heterogeneidade regiões tropicais (Turner 2001). ambiental que contribui para a de Os ciclos fenológicos de árvores seleção de espécies. decíduas podem também contribuir para explicar a ausência de influência do Agradecimentos sombreamento de grandes árvores sobre Agradeço aos revisores deste as árvores vizinhas. A luminosidade que projeto final, Catarina e Paulo Estefano incide no interior da floresta pode variar e Manoela Borges. Suas correções e ao longo do tempo em decorrência da sugestões permitiram que este projeto 2

ficasse mais amadurecido. Ao Thiago Profunda admiração por esse ser G. Kloss (meu chará!) pela humano. Ao João (Bodoque) sobre as imprescindível ajuda em campo e conversas sobre a infância e sobre a revisões deste trabalho. Ao Bruno poesia de Fernando Pessoa. Agradeço a Cintra, Camila, Demétrius e Laura pelo toda comissão organizadora do EFA auxilio também na revisão. Ao Paulo 2010 por propiciar a oportunidade de Enrique C. Peixoto pelo auxílio na viver um mês na Amazônia. análise dos dados, além dos valiosa Inesquecível! “Amazônia: felizes os contribuição à minha formação. olhos que te viram e os ouvidos que Obrigado por me relembrar que fazer ouviram o som da tua chuva!” ciência pode e deve ser engraçado. Um obrigado muito especial à Dona Referências Eduarda, por todo cuidado dispensado a Gandolfi, S., C.A. Joly & H. F. Leitão- mim e a todos os participantes do EFA Filho. 2009. Gaps of 2010 no preparo das refeições .Ao João deciduousness: cyclical gaps in e Junior por compartilharem comigo o tropical forests. Scientia Agricolae, conhecimento que tem sobre as plantas 66(2):280-284. dessa terra. Às monitoras Claudinha Paz Gentry, A.H. 1988. Changes in plant e Dani Kasper que me ajudaram e community diversity and floristic aturaram por aqui. Aos professores que composition on environmental and passaram por essa edição do EFA. Aos geographical gradients. Annals of amigos que fiz aqui no EFA (já escrevo Missouri Botanical Garden, 75:1- com saudades!). Obrigados pelas 34. conversas, sorrisos, brincadeiras, lições Gilbert, I.R., P. G. Jarvis & H. Smith. e encontro de sotaques. Às minhas 2001. Proximity signal and shade professoras de dança, Camila e Thallita. avoidance differences between À Alêny, por me avisar que ainda tenho early and late successional trees. jeito de criança levada. Ao Bruno Cintra Nature, 411:792-795. que já tinha me recebido de braços Hallé,F., R.A.A. Oldeman & P.B. abertos em Manaus antes mesmo de Tomlinson. 1978. Tropical trees pisar aqui, valeu amigo. Ao André and forests: an architectural (Deco) pelos bate-papos “cabeça”. analisys. Berlin: Springer-Velag. 3

Leigh Jr., E.G. 1999. Tropical forest L.H.P. Martins, L.G. Lohmann, ecology: a view from Barro P.A.C.L. Assunção, E.C. Pereira, Colorado island. New York: C.F.D. Silva, M.R. Mesquita & Oxford University Press. L.C. Procópio. 1999. Flora da Schamp, B.S. & L.W. Aarssen. 2009. Reserva Ducke: guia de The assembly of forest identificação das plantas vasculares communities according to de uma floresta de terra-firma na maximum species height along Amazônia Central. Manaus: INPA. resource and disturbance gradients. Taiz, L. & E. Zeiger. 2002. Fisiologia Oikos, 118:564-572. vegetal. Porto Alegre: Artmed. Ribeiro, R.V., G.M. Souza, R. F. Turner, I.M. 2001. The ecology of trees Oliveira & E.C. Machado. 2005. in the tropical rain forest. Photosynthetic responses of Cambridge: Cambridge University tropical tree species from different Press. successional groups under Vieira, E.A. 2007. Tamanho de contrasting irradiance conditions. sementes e sobrevivência de Revista Brasileira de Botânica, plântulas em áreas de pastagens 28:149-161. degradadas. Dissertação de Ribeiro, J.E.L.S., M.J.G. Hopkins, A. Mestrado, Universidade Federal do Vicentini, C.A. Sothers, M.A. Mato Grosso do Sul, Campo Costa, J.M. Brito, M.A.D. Souza, Grande.

Predadores visualmente orientados não distinguem entre presas crípticas e aposemáticas em uma floresta tropical Amazônica

Thiago Gechel Kloss

Introdução aposemático do indivíduo com A predação é um dos fatores que experiências desagradáveis e, desse afetam a distribuição e a abundância das modo, evitar ou diminuir o investimento espécies (Begon et al. 2006). Esse de caça em animais que possuem essas processo atua no controle de populações cores (Vasconcellos-Neto & Gonzaga nas florestas tropicais. Ele pode resultar 2000). na aquisição de estratégias físicas e Nas estratégias comportamentais comportamentais de fuga dos a busca por refúgios realizadas pelas predadores pelas presas (Brown & presas, pode reduzir o risco de Freitas 2009). predação, principalmente quando Entre as estratégias físicas, as realizada por predadores visualmente alterações no padrão de coloração orientados (Krebs & Davies 1993). podem ser interpretadas como resultado Esses refúgios podem ser localizados de um processo evolutivo direcionado em folhiços, estruturas dos troncos de por predadores orientados visualmente árvores e faces foliares abaxiais. (Gillott 2005). Nesta estratégia, existem Ambas estratégias físicas e duas rotas evolutivas possíveis, a comportamentais podem ser observadas primeira prevê que presas podem em Lepidoptera. O padrão cromático do assemelhar-se ao substrato (i.e., grupo é relacionado à estratégia de crípticas), ao passo que a segunda evitar os predadores, ocorrendo um prediz que presas podem possuir cores grande número de espécies que vistosas que constratam com o substrato possuem padrões de colorações (i.e., aposemáticos). As presas crípticos e aposemáticos (Brown & aposemáticas, geralmente possuem Freitas 2009). Em relação às estratégias substâncias tóxicas, que levam os comportamentais, observações predadores a associar o padrão realizadas com lagartas constataram que

1 elas podem se localizar em partes localizada a aproximadamente 80 km ao específicas das plantas como na face norte de Manaus, na Amazônia Central. abaxial das folhas. Este comportamento A vegetação é formada por florestas pode reduzir o risco de predação já que ombrófila úmida. A temperatura média a probabilidade de detecção de um anual é de 26,7 ºC, com precipitação predador visualmente orientado é menor média anual de 2.186 mm, sendo julho a na face abaxial do que na face adaxial setembro o período mais seco, com da folha (Peixoto, P.E.C. com. pess.). aproximadamente 100 mm/mês Utilizando modelos que (Lovejoy & Bierregaard 1990). representam lagartas, avaliei se o padrão de coloração (i.e., cores aposemáticas e Coleta de dados crípticas) influencia a predação por aves Para testar a influência de e insetos nas faces abaxiais e adaxiais predadores visualmente orientados em das folhas. As hipóteses levantadas lagartas crípticas e aposemáticas, foram (i) que a predação é menor em realizei um experimento com modelos modelos aposemáticos localizados em artificiais de lagarta confeccionados de diferentes faces foliares, prevendo que o forma manual com massa de modelar número de modelos aposemáticos não tóxica, seguindo o método de predados será menor, devido eles Andrade (1997). Os modelos tinham representarem lagartas impalatáveis aproximadamente 25 mm de (tóxicas) e (ii) a predação dos modelos comprimento e 3 mm de diâmetro. será menor na face abaxial devido à Considerei os modelos na cor verde posição do modelo dificultar a como crípticos e os modelos na cor visualização pelo predador. laranja como aposemáticos, por serem essas as cores predominantes Métodos observadas na natureza para os indivíduos crípticos e aposemáticos de Área de estudo Lepidoptera. Realizei o estudo na ARIE do Km 41 Os modelos foram colocados em (2°24’ S-59°43’ O), pertencente ao plantas presentes em quatro transectos Projeto Dinâmica Biológica de lineares, distanciados 100 m entre eles. Fragmentos Florestais (PDBFF), Em cada transecto selecionei 50 plantas

2 com altura aproximada de 1,60 m, com Para testar a relação entre distanciamento mínimo de 1 m entre porcentagem de predação por aves e elas. Não selecionei plantas insetos nos diferentes modelos mirmecófitas para evitar a predação por (crípticos e aposemáticos) e faces formigas. Cada tipo de modelo foliares (adaxiais e abaxiais), utilizei um associado a uma face foliar constituiu modelo Log-linear. Considei tipos de um tratamento, sendo eles: modelo modelos e face foliar como variáveis críptico na face adaxial, modelo críptico categóricas (fator fixo) e a presença ou na face abaxial, modelo aposemático na ausência de predação por aves e insetos face adaxial e modelo aposemático na nos modelo de lagarta como variável face abaxial. Para evitar o acesso de dependente. Para avaliar se a predação predadores que não são visualmente difere entre os predadores visualmente orientados, como as formigas, apliquei orientados (insetos e aves) utilizei o Formifu ® nos pecíolos. Fixei os teste do qui-quadrado. modelos de lagartas com alfinetes entomológicos no ápice da planta. Resultados Coloquei um tratamento por planta, Dos 200 modelos utilizados 71, totalizando nos quatro transectos 50 tiveram sinais de predação por aves ou modelos por tratamento. Os modelos insetos, sendo 41 crípticos e 30 permaneceram em campo por 72 h e aposemáticos. Na face adaxial da folha, após esse período verifiquei as marcas 35 modelos tiveram sinais de predação, deixadas pelos predadores nos modelos. sendo 19 modelos crípticos e 16 Avaliei as marcas deixadas por aves e aposemáticos. Na face foliar abaxial, 36 insetos, considerando marcas profundas modelos apresentaram sinais, sendo 22 como deixadas por aves e marcas crípticos e 14 aposemáticos. Os simétricas e pareadas como deixadas predadores visualmente orientados não por insetos (seguindo classificação de realizaram predação preferencial entre Andrade 1997). os modelos crípticos e aposemáticos 2 (X (3)=3,474; p=0,324) e entre as faces 2 Análise estatística abaxiais e adaxiais das folhas (X (2)= 0,372; p=0,830; Figura 1).

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Porcentagem(%) predação de

Crípticos Aposemáticos

Tratamentos

Figura 1: Porcentagem de predação em modelos de lagartas crípticas e aposemáticas presentes nas faces adaxiais (coluna branca) e abaxiais (coluna preta) das folhas de plantas em uma floresta tropical Amazônica.

Nos modelos com sinais de foi o oposto, onde registrei marcas de predação, 10 crípticos e 10 predação em 21 modelos (41%) aposemáticos tiveram marcas localizados na face adaxial e 30 profundas, típicas de bicadas por (58.82%) na face abaxial, pássaros. Marcas de predação por demonstrando, que as aves possuem insetos foram encontradas em 31 maior predação na face adaxial e os 2 modelos crípticos e 20 aposemáticos. insetos na face abaxial (X (2)= 7,722; p= Comparando os predadores, os insetos 0,021). predaram mais modelos do que as aves (Χ2=13,535; p<0,001). Nos modelos Discussão localizados nas diferentes faces foliares Os predadores não realizaram das plantas, houve marca de predação predação preferencial nos modelos de por aves em 15 modelos (75%) lagartas presentes nas diferentes faces localizados na face adaxial e em apenas foliares. Essa ausência de preferência cinco modelos (25%) localizados na por modelos crípticos pode estar face abaxial. Para os insetos o padrão relacionada à estratégia dos predadores

2 nesse ambiente de forragearem em aposemáticos com experiências manchas de recursos. Gendron & desagradáveis ou tentativas frustradas Staddon (1983) propuseram que a de captura e, desse modo, evitar ou eficiência de captura das presas crípticas diminuir o investimento de caça em depende da intensidade de procura. Se o animais que possuem essas cores predador reduz a intensidade de (Vasconcellos-Neto & Gonzaga 2000). procura, consequentemente, gasta mais A predação dos modelos aposemáticos tempo forrageando em cada mancha de pode ser explicada pelo fato das aves e recursos e apresenta uma probabilidade insetos terem associado o padrão laranja maior de encontrar as presas. No (aposemático) a lagartas sem toxinas. entanto, com o aumento do tempo de Esse fato pode ser comum em procura por presas crípticas nessas indivíduos jovens de aves e insetos, que manchas de recurso, ocorrem encontros não possuem experiências prévias com frequentes com presas aposemáticas. O presas impalatáveis e realizam predação encontro com as presas aposemáticas de padrões aposemáticos (Begon 2006, reduz a habilidade de localização dos Gillot 2005). Como o primeiro contato tipos crípticos, pois a imagem de busca com o modelo aposemático utilizado no do padrão críptico fica comprometida. estudo, não causou repugnação dos Essa estratégia de captura baseada na predadores, eles não evitaram a intensidade de busca não favorece, predação desses modelos de lagarta. portanto, a predação preferencial sobre Quando analisados os fenótipos mais abundantes, que separadamente, os insetos tiveram geralmente é representado pelos maior predação dos modelos em relação indivíduos crípticos da população às aves. Estudos realizados envolvendo (Vasconcellos-Neto & Gonzaga 2000). predação de modelos, também No entanto, a dificuldade de registraram maior predação por inseto detecção das presas crípticas pelos em relação às aves (Andrade 1997, predadores, resultada dessa estratégia de Guerra 1997, Munin 1997), porém os forrageio em mancha de recurso, não processos biológicos que explicam a explica a predação dos modelos preferência desses insetos por formas aposemáticos. Os predadores deveriam jovens de Lepidoptera ainda não foram associar as cores desses modelos esclarecidos.

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As aves e os insetos também Os predadores visualmente foram diferentes em relação à predação orientados, especialmente os insetos, entre as faces foliares, sendo que as devem exercer um controle top-down aves predaram mais modelos nas florestas tropicais, controlando o localizados na face adaxial e os insetos nível de herbivoria nas plantas, através os modelos da face abaxial. A separação da predação dos insetos herbívoros. espacial dos sítios de forrageio entre Assim como ocorre em florestas aves e insetos pode ser atribuída ao temperadas (Marquis & Whelan 1994), comportamento envolvido na busca das essa redução na herbivoria presas na vegetação. As presas possivelmente favorece o aumento da localizadas na face adaxial das folhas produção primária nas florestas ficam mais expostas às aves insetívoras tropicais. que buscam suas presas no sub-bosque, acima da altura onde os modelos de Agradecimentos lagarta foram colocados (1,60 m) (Sick Ao Paulo Estefano D. 1997). Isso aumenta a chance de Bobrowiec e ao Thiago de A. Amorim predação dos modelos de lagarta na face pela grande ajuda em campo durante a adaxial da folha. Já os insetos procuram instalação do experimento. Ao Paulo forragear abaixo da localização dos Enrique C. Peixoto pelas críticas e modelos, facilitando a captura desses sugestões. Aos professores e amigos do modelos na porção abaxial das folhas. EFA 2010 pelos momentos Além disso, a predação realizada inesquecíveis que passamos na pelos insetos nos modelos localizados Amazônia, principalmente ao trio na face abaxial pode estar relacionada Pernambuco (Laura, Kátia e Gabi), a ao comportamento de evitar possíveis Oferenda (Camila) e Darrrlêny (Alêny). predadores, como as próprias aves. Agradeço também ao Júnior pela Nesse caso, a presença de presas imensa ajuda no desenvolvimento dos localizadas nas faces abaxiais representa trabalhos e pelas conversas. Aos um recurso alimentar importante para os revisores pelas sugestões nos trabalhos, insetos predadores, pois eles podem principalmente a Dani por adorar as consumir as presas e reduzir referências dos trabalhos. consideravelmente o risco de predação.

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Referências ecology. Oxford: Blackwell Andrade, I.P. 1997. Avaliação Publishing. experimental de variações espaciais Lovejoy, T.E. & R.O. Bierregaard. e temporais no ataque de larvas de 1990. Central Amazonian forests Lepidoptera. Dissertação de and the minimal critical size of Mestrado, Universidade Estadual ecosystems project, pp. 60‐71. In: de Campinas, Campinas. Four Neotropical Rainforests (A.H. Begon, M., C.R. Townsend & J.L. Gentry, ed.). London: Yale Harper. 2006. Ecology: from University Press. individuals to ecosystems. Oxford: Marquis, R.J. & C.J. Whelan. 1994. Blackwell Publishing. Insectivorous birds increase growth Brown K.S. & A.V.L. Freitas. 2009. of White oak through consumption Coleção Biodiversidade do Estado of leaf-chewing insects. Ecology, de São Paulo. 75:2007-2014. Invertebrados.terrestres: Munin, R.L. 1997. A herbivoria foliar Ordem.Lepidoptera. São Paulo: serve como pista para predadores Biota Fapesp. de larvas de lepidópteros? In: Livro Gendron, R.P. & J.E.R. Staddon 1983. do Curso de Campo “Ecologia da Searching for cryptic prey: The Floresta Amazônica (Machado, G. effect of search rate. The Americam Ed.). Manaus: INPA/PDBFF. Naturalist, 21:172-186. Sick, H. 1997. Ornitologia Brasileira. 2ª Gillott, C. 2005. Entomology. 2º edição. edição. Brasília: Editora UnB. Saskatchewan: Spring. Vasconcellos-Neto, J. & M.O. Gonzaga. Guerra, T. J. 1997. A cor branca de 2000. Evolução de padrões de folhas novas influencia a predação coloração em artrópodes, pp. 143- de herbívoros crípticos? In: Livro 159. In: Ecologia e comportamento do Curso de Campo “Ecologia da de Insetos (R.P. Martins, T.M. Floresta Amazônica (Machado, G. Lewinschn & S.M.S. Barbeito, ed.). Manaus: INPA/PDBFF. eds.). Rio de Janeiro: PPGE-UFRJ. Krebs, J.R. & N.B. Davies. 1993. An introduction to behavioural

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