Universidades Lusíada

Figueiras, Ana Catarina Neves, 1989- Intervenções contemporâneas em património arquitectónico http://hdl.handle.net/11067/1637

Metadados Data de Publicação 2015-10-06 Resumo Resumo: No tempo das instantaneidades, em que as cidades se estendem sem regra; a construção se inspira em interesses particulares; e, é [ainda] possível observar edifícios supernos a definhar; este trabalho espraia uma série de inquietações relacionadas com esta conjuntura. Inquietação que, através do presente estudo, se percebe cíclica. Visto que, sempre que ultrapassado pela sua própria capacidade de invenção, o Homem procura um novo equilíbrio. Procura uma base de sustentação, envolvendo-se ... Palavras Chave Edifícios históricos, Edifícios históricos - Conservação e restauro, Edifícios - Reforma para Outro Uso Tipo masterThesis Revisão de Pares Não Coleções [ULL-FAA] Dissertações

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UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA

Faculdade de Arquitectura e Artes

Me strado In te grado e m Arquitectura

Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Realizado por: Ana Catarina Neves Figueiras Orientado por: Prof. Doutor Arqt. Fernando Manuel Domingues Hipólito

Constituição do Júri:

Presidente: Prof. Doutor Arqt. Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha Orientador: Prof. Doutor Arqt. Fernando Manuel Domingues Hipólito Arguente: Prof. Doutor Arqt. Orlando Pedro Herculano Seixas de Azevedo

Dissertação aprovada em: 30 de Setembro de 2015

Lisboa

2015

U NIVERSIDADE L U S Í A D A D E L ISBOA

Faculdade de Arquitectura e Artes

Mestrado Integrado em Arquitectura

Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ana Catarina Neves Figueiras

Lisboa

Julho 2015

U NIVERSIDADE L U S Í A D A D E L ISBOA

Faculdade de Arquitectura e Artes

Mestrado Integrado em Arquitectura

Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ana Catarina Neves Figueiras

Lisboa

Julho 2015

Ana Catarina Neves Figueiras

Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Arquitectura.

Orientador: Prof. Doutor Arqt. Fernando Manuel Domingues Hipólito

Lisboa

Julho 2015

Ficha Técnica

Autora Ana Catarina Neves Figueiras

Orientador Prof. Doutor Arqt. Fernando Manuel Domingues Hipólito

Título Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Local Lisboa

Ano 2015

Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação

FIGUEIRAS, Ana Catarina Neves, 1989-

Intervenções contemporâneas em património arquitectónico / Ana Catarina Neves Figueiras ; orientado por Fernando Manuel Domingues Hipólito. - Lisboa : [s.n.], 2015. - Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa.

I - HIPÓLITO, Fernando Manuel Domingues, 1964-

LCSH 1. Edifícios históricos 2. Edifícios históricos - Conservação e restauro 3. Edifícios - Reforma para outro uso 4. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 5. Teses – Portugal - Lisboa

1. Historic buildings 2. Historic buildings - Conservation and restoration 3. Buildings - Remodeling for other use 4. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations 5. Dissertations, Academic – Portugal - Lisbon

LCC 1. NA2588.F54 2015

AGRADECIMENTOS

À minha Avó Luísa, pelo exemplo em valores e apoio incondicional, sem o qual este percurso teria sido muito mais atribulado. Um eterno obrigada pela “cama, mesa e roupa lavada”.

Ao meu Pai. Por ser o meu porto seguro.

À minha Mãe, Irmã e Tios, pelo incentivo e apoio incondicional.

Ao Marco, por ser das pessoas mais incríveis que Arquitectura me deu a conhecer. Mais do que colega, tornou-se Grilo Falante. Obrigada pela partilha que, não me conduzindo muito longe ainda, me tornou uma pessoa a anos-luz daquilo que poderia ser. Mais inquieta e receptiva.

Aos meus Professores, em especial, ao Professor João Maria Trindade, ao Professor e amigo Nuno Simões e ao Professor José Maria Assis, pelos ensinamentos e por todo o apoio e incentivo. Mesmo quando a crise existencial era grave. A todos eles, um enorme obrigada.

À Inês, Joana, Elsa e Teresa, pela infinita paciência.

Às recentes pessoas que os últimos sete meses de vida de “rato de biblioteca” me deram a conhecer: Vanessa, João, Andrea e Marta. Obrigada por não me terem deixado enlouquecer.

Impreterível, deixar uma palavra de apreço pela colaboração na recolha de documentação, disponibilidade e atenção, sem as quais a realização deste trabalho não teria sido possível:

Ao Arquitecto Gonçalo Byrne e, em particular, à sua colaboradora Susana Ventura, pela rapidez de resposta;

Aos Engenheiros Miguel Villar e José Pedro Venâncio, pela prontidão e simpatia;

Ao Professor Alexandre Marques Pereira, pelas “pontes” que me facultou e manifesta disponibilidade;

À amável Teresa Ferreira que, numa atribulada tarde de Domingo, me dedicou tempo e atenção durante a minha visita ao Banco;

Aos Arquitectos Patrícia Barbas e Diogo Lopes e, em especial, ao colaborador Sérgio Catumba, pela rapidez e cordialidade;

À Doutora Maria Elvira Evaristo, pelo tempo cedido aquando a minha visita ao Teatro Thalia;

Aos Arquitectos Madalena Menezes e Francisco Bastos, por todo o material fornecido e disponibilidade revelada;

À D.ª Conceição Coelho, a mais antiga auxiliar da Escola Rainha Dona Leonor que, pacientemente me acompanhou, orientou e relatou algumas histórias;

À amistosa Manuela Chirôndio, por toda a sua simpatia, disponibilidade e ajuda durante os meus dias de pesquisa no imenso acervo do Gabinete de Estudos Olisiponenses;

E, não menos importante, à paciente Catarina Graça, pela sua ajuda e dedicação em facilitar-nos a etapa mais burocrática, tornando exequível a seriedade dos nossos trabalhos.

Por último, deixar um especial agradecimento ao Professor Doutor Fernando Hipólito, pela transmissão de conhecimentos nos dois anos mais trabalhosos e divertidos deste percurso, pela infindável paciência, carinho, receptividade e última orientação. Um enorme obrigada.

A quem, por motivos de cansaço e desgaste, me pode ter esquecido referir, mas que me acompanhou nesta longa e intensa viagem, que foi conhecer e observar o universo da Arquitectura, deixando de atravessa-la simplesmente:

O meu muito obrigada.

APRESENTAÇÃO

Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ana Catarina Neves Figueiras

No tempo das instantaneidades, em que as cidades se estendem sem regra; a construção se inspira em interesses particulares; e, é [ainda] possível observar edifícios supernos a definhar; este trabalho espraia uma série de inquietações relacionadas com esta conjuntura. Inquietação que, através do presente estudo, se percebe cíclica. Visto que, sempre que ultrapassado pela sua própria capacidade de invenção, o Homem procura um novo equilíbrio. Procura uma base de sustentação, envolvendo-se com o seu passado e, de um modo particular, com o seu património arquitectónico. Esta dissertação procura compreender o papel do legado edificado como referência identitária para o Homem e demonstrar alguns dos comportamentos interventivos do ser humano em relação a este. Porque, de alguma maneira, também os edifícios parecem ter duração e, por vezes, é necessário intervir sobre eles para os ajustar às necessidades actuais. Para os restituir à dinâmica dos sistemas urbanos. Assim, neste trabalho, atribuiu-se especial atenção a abordagens que adicionam novas formas arquitectónicas, contemporâneas e perfeitamente distinguíveis, como estratégia para restabelecer edifícios. A partir dos contributos da arquitecta Françoise Bollack, observam-se e compreendem-se projectos que, através da adição, reabilitaram e devolveram edifícios – quase sempre devolutos ou em ruína – à sinergia da cidade.

Palavras-chave: Identidade, Património, Duração, Reabilitar, Adicionar, Reintegrar.

PRESENTATION

Contemporary interventions in architectural heritage

Ana Catarina Neves Figueiras

In these times of instantaneity, in which cities sprawl unchecked, building is inspired in private interests, and it is [still] possible to see superlative buildings wither, this work compiles a series of concerns pertaining to this state of affairs. As demonstrated by this study, these concerns are cyclic in their nature, due to Man’s search for a new balance whenever he becomes overcome by his own capability to invent. Man searches for support by involving himself with his past, and particularly with his architectural heritage. This thesis aims to understand the role of architectural legacy as a reference for Man’s identity, and to show some of the interventional behaviours towards it, since buildings have, in a certain way, duration of their own and occasionally require intervention in order to meet current requirements, in order to be returned to the urban system’s dynamics. Thus, in this work, special attention was given to approaches adding new, contemporary and perfectly distinguishable architectural forms as a strategy for recovering buildings. From Françoise Bollack’s contribution, one can observe and grasp projects which have, by way of addition, rehabilitated and returned buildings to the city’s synergy, regardless of said buildings being almost always unoccupied or in ruins.

Key-words: Identity, Heritage, Duration, Rehabilitation, Addition, Reintegration.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 – Representação metafórica da natureza controlada, conquistada. (Tavares, 2008, p. 4)...... 32 Ilustração 2 – Muralha da China. (Ching, 1995, p. 129)...... 35 Ilustração 3 – Pirâmides de Gizé. (Ching, 1995, p. 128)...... 35 Ilustração 4 – Templo Hindu. (Ching, 1995 p. 253)...... 35 Ilustração 5 – Um subúrbio ilegível. (Ilustração nossa, 2011)...... 47 Ilustração 6 – Zona ribeirinha desaproveitada, em avançado estado de degradação. ([adaptação a partir de]: González Ramírez, 2014)...... 51 Ilustração 7 – Zona industrial integrada na malha da cidade, todavia desaproveitada. ([Adaptacção a partir de]: Ramos Suárez, 2014)...... 51 Ilustração 8 – Planta da cidade e alguns monumentos de Atenas representados por Jacob Spon. (Aikaterini Laskaridis Foundation, 2014)...... 62 Ilustração 9 – Les Halles de Baltard destruídos em 1970. (Bonnell, 2015)...... 71 Ilustração 10 – Hotel Imperial de Tóquio demolido em 1968, Corbis-Bettmann. (Japan Society, 2015)...... 71 Ilustração 11 – Vestígio arquitectónico sem significado específico aparente, Paulo Catrica. (Yatzer, 2015)...... 73 Ilustração 12 – Vestígio arquitectónico reintegrado em nova construção, Paulo Catrica. (Yatzer, 2015)...... 73 Ilustração 13 – Coexistência de tempos, de narrativas, Paulo Catrica. ([Adaptação a partir de]: Yatzer, 2015)...... 73 Ilustração 14 – Figura esquemática de uma “tecelagem”. (Bollack, 2013, p. 178)...... 79 Ilustração 15 – Tecelagem. (University of South Florida. College of Education. Florida Center for Instructional Technology, 2015)...... 80 Ilustração 16 – Ruína do museu Alte Pinakothek após a Segunda Guerra. (Bollack, 2013, p. 179)...... 81 Ilustração 17 – Reconstrução da parte central da fachada sul do Museu Alte Pinakothek, Hans Döllgast. (Caruso, 2015)...... 81 Ilustração 18 – Detalhe das “costuras” entre a nova construção e a preexistente, Hans Döllgast. (Caruso, 2015)...... 82 Ilustração 19 – Loggia sul do Alte Pinakothek, Hans Döllgast. (Caruso, 2015)...... 82 Ilustração 20 – Alçado sul do Alte Pinakothek, 2011. ([Adaptação a partir de]: Bollack, 2013, p. 183)...... 82 Ilustração 21 – Planta Implantação: Ilha dos Museus e rio Spree, com o Museu Neues em destaque. (David Chipperfield Architects, 2015)...... 84 Ilustração 22 - Museu Neues, Friedrich August Stüler, 1930. (Buttlar, 2010, p. 17). ... 85 Ilustração 23 - Corte transversal pela ala norte do Museu Neues interceptando o pátio Egípcio, 1862. [Litografia reproduzida depois de Friedrich August Stüler]. (Buttlar, 2010, p. 18)...... 85

Ilustração 24 – Vista aérea do Museu Neues arruinado, 1989. (David Chipperfield Architects, 2015)...... 86 Ilustração 25 – Escadaria original do Museu, Friedrich August Stüler. (David Chipperfield Architects, 2015)...... 87 Ilustração 26 – Escombro da escadaria após a Segunda Guerra. (Taylor-Foster, 2013)...... 87 Ilustração 27 – Ideia conceptual do projecto. (David Chipperfield Architects, 2015). ... 89 Ilustração 28 – Modelo tridimensional da proposta para Museu Neues. ([Adaptação a partir de]: David Chipperfield Architects, 2015)...... 89 Ilustração 29 - Planta de um estudo detalhado de um dos tectos do Museu, David Chipperfield. (David Chipperfield Architects, 2015)...... 90 Ilustração 30 – Esquiço do restauro da Sala Medieval, David Chipperfield. (David Chipperfield Architects, 2015)...... 90 Ilustração 31 – Museu Neues após intervenção de David Chipperfield. (Ilustração nossa, 2013)...... 91 Ilustração 32 – Pormenor do limite entre o edifício preexistente e a nova construção [ala noroeste]. (Bollack, 2013, p. 217)...... 92 Ilustração 33 – Fachada oeste com nova ala noroeste, David Chipperfield. (Rodriguéz, 2012)...... 92 Ilustração 34 – Fachada este com nova ala sudeste e colunata reconstruídas, David Chipperfield. (Rodriguéz, 2012)...... 92 Ilustração 35 – Plantas Museu Neues, David Chipperfield: preexistência [preto] e novos segmentos reconstruídos [cinza] – a sua leitura é a de uma “manta de retalhos”. (Rodriguéz, 2012)...... 93 Ilustração 36 – Detalhe de uma conjunção de terrazzo, tijolo e gesso, que nunca cobre as preexistências. (Ilustração nossa, 2013)...... 94 Ilustração 37 – Nas superfícies do Museu encontra-se a sua história por camadas. (Ilustração nossa, 2013)...... 94 Ilustração 38 – Detalhe de um vão. Restauro da preexistência conjugada com novos materiais. (Ilustração nossa, 2013)...... 94 Ilustração 39 – A escadaria principal recupera a sua monumentalidade através da reinterpretação da escada original. (Ilustração nossa, 2013)...... 95 Ilustração 40 – Construção estilizada da abside do pátio Grego, fundamental para a caracterização desse espaço. (Ilustração nossa, 2013)...... 95 Ilustração 41 – Superfícies e fragmentos do Museu original são preservados e “costurados” a elementos contemporâneos que são versões abstractas desses fragmentos. (Ilustração nossa, 2013)...... 95 Ilustração 42 – Exemplificação de uma inserção: cunha embutida num toro de madeira. (University of South Florida. College of Education. Florida Center for Instructional Technology, 2015)...... 97 Ilustração 43 – Figura esquemática de uma “inserção”. (Bollack, 2013, p. 22)...... 98 Ilustração 44 - Implantação da Galeria Uffizi: limitada a sul pelo rio Arno e a norte pela Piazza della Signoria. ([Adaptação a partir de]: Bollack, 2013, p. 24)...... 99

Ilustração 45 – Inserção da Galeria Uffizi no contexto urbano envolvente. (Bollack, 2013, p. 24)...... 99 Ilustração 46 – Planta da Galeria Uffizi de Giorgio Vasari. (Marullo, 2012)...... 99 Ilustração 47 – As três fachadas perceptíveis da Galeria Uffizi, Giorgio Vasari 1920. (Marullo, 2012)...... 100 Ilustração 48 - Planta da zona fluvial em 1856-58, onde é possível identificar o edifício industrial [a vermelho] junto à margem do rio, [provavelmente] utilizado como fábrica têxtil. (Folque, 1856-1858)...... 101 Ilustração 49 – Planta da cidade após a construção do Aterro e do porto de Lisboa, 1911. (Pinto, 1911)...... 102 Ilustração 50 – Banco Banif Mais, Gonçalo Byrne: vista da Avenida 24 de Julho. (Ilustração nossa, 2015)...... 104 Ilustração 51 – Espaço de entrada do novo edifício: onde, ao fundo, se aprecia a entrada de luz natural. (Ilustração nossa, 2015)...... 105 Ilustração 52 – Implantação actual do Banco Mais, Gonçalo Byrne. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2015b)...... 106 Ilustração 53 – Planta piso 0 Banco Mais, Gonçalo Byrne. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2015b)...... 107 Ilustração 54 – Planta tipo Banco Mais, Gonçalo Byrne. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2015b)...... 107 Ilustração 55 – Corte transversal Banco Mais, Gonçalo Byrne. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2015b)...... 107 Ilustração 56 – Pormenor do espaço produzido pelo afastamento das fachadas, a sul, permitindo a entrada de luz natural [piso 0]. (Ilustração nossa, 2015)...... 108 Ilustração 57 – Pormenor do “jogo de mostra e esconde” (Beirão, 2007, p. 56), onde se vêem a cidade e a enorme parede preexistente [piso 2]. (Ilustração nossa, 2015). .. 108 Ilustração 58 – Vista sobre a cidade de uma das salas de trabalho [piso 3]. (Ilustração nossa, 2015)...... 108 Ilustração 59 – Vista interior do pátio norte [piso 0]. (Ilustração nossa, 2015)...... 109 Ilustração 60 – Vista interior do pátio norte delimitado pelas fachadas envidraçadas do novo edifício e pelo grande muro de suporte [piso 1]. (Ilustração nossa, 2015)...... 109 Ilustração 61 – Axonometria explodida, Gonçalo Byrne. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2015b)...... 110 Ilustração 62 – Vista interior: bloco de acessos e espaços de trabalho amovíveis que funcionam em open-space. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2015a)...... 111 Ilustração 63 – Vista interior: bloco de acessos e espaços não mútaveis. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2015a)...... 111 Ilustração 64 – Cobertura ajardinada com vista sobre a cidade e relação com o Museu Nacional de Arte Antiga. (Ilustração nossa, 2015)...... 112 Ilustração 65 – Figura esquemática de um “invólucro”. (Bollack, 2013, p. 112)...... 113 Ilustração 66 – Exemplificação de um invólucro. (University of South Florida. College of Education. Florida Center for Instructional Technology, 2015)...... 113

Ilustração 67 – Planta do Palazzo della Ragione, Andrea Palladio. ([Adaptação a partir de]: Tavares, 2008 p. 67)...... 115 Ilustração 68 – Alçado do Palazzo della Ragione antes [direita] e depois da intervenção de Andrea Palladio [esquerda]. (Bollack, 2013, p. 114)...... 115 Ilustração 69 - Alçado principal do Palazzo della Ragione, ou Basílica de Vicenza, Andrea Palladio. (Bollack, 2013, p. 115)...... 116 Ilustração 70 – Quinta das Laranjeiras e localização do Teatro Thalia, cartografia de 1904-1911. (Barbas Lopes Arquitectos, 2015b)...... 118 Ilustração 71 – Alçado frontal Teatro Thalia, Fortunato Lodi. ([Adaptação a partir de]: (Machado, 2005)...... 119 Ilustração 72 – Planta Teatro Thalia, 1843, Fortunato Lodi. (Barbas Lopes Arquitectos, 2015a)...... 120 Ilustração 73 – Reconstituição do que seria o Thalia entre 1843-62. (Noronha, 2013)...... 120 Ilustração 74 – Vista da Estrada das Laranjeiras sobre ruína do Teatro Thalia: o espaço de camarim foi utilizado como habitação até pouco tempo antes da intervenção de 2008. ([Adaptação a partir de]: Afaconsult, 2013)...... 123 Ilustração 75 – Implantação actual do Teatro Thalia: identificação dos três actos – restauro e duas “peles”. ([Adaptação a partir de]: (Barbas Lopes Arquitectos, 2015b)...... 124 Ilustração 76 – Modelo tridimensional da proposta para o Thalia, Gonçalo Byrne e Barbas Lopes. (Byrne, et al., 2015)...... 124 Ilustração 77 - Esfinges em mármore antes do processo de recuperação. ([Adaptação a partir de]: Barbas Lopes Arquitectos, 2015b)...... 125 Ilustração 78 - Ruína do volume do foyer. (Afaconsult, 2013)...... 126 Ilustração 79 – Fachada frontal do Teatro Thalia após o restauro. (Ilustração nossa, 2015)...... 126 Ilustração 80 – Átrio principal do Teatro Thalia após intervenção. (Ilustração nossa, 2015)...... 127 Ilustração 81 – Escombro do Teatro Thalia. (Barbas Lopes Arquitectos, 2015b)...... 128 Ilustração 82 – Construção da primeira “pele” em betão pelo exterior. (Afaconsult, 2013)...... 129 Ilustração 83 – Cena do Teatro Thalia: paredes preexistentes cobertas pelo novo “invólucro”. (Ilustração nossa, 2015)...... 130 Ilustração 84 – Pormenor da coexistência de texturas. (Ilustração nossa, 2015)...... 130 Ilustração 85 – Pormenor do limite entre a parede preexistente e o pavimento. (Ilustração nossa, 2015)...... 130 Ilustração 86 – Vista interior do Teatro Thalia. (Afaconsult, 2013)...... 131 Ilustração 87 – Corte longitudinal Teatro Thalia, Gonçalo Byrne e Barbas Lopes. (Barbas Lopes Arquitectos, 2015b)...... 132 Ilustração 88 – Fachada Este do Teatro Thalia [vista da Estrada das Laranjeiras], Gonçalo Byrne e Barbas Lopes. (Barbas Lopes Arquitectos, 2015b)...... 132

Ilustração 89 - Espaço interior do “invólucro” que abraça os volumes do Teatro Thalia. (Ilustração nossa, 2015)...... 133 Ilustração 90 – Ambiguidade entre interior/ exterior, público/privado que é possível vivenciar ao percorrer o segundo “invólucro” do Thalia. (Ilustração nossa, 2015). .... 133 Ilustração 91 – Planta do Teatro Thalia após a intervenção, Gonçalo Byrne e Barbas Lopes. (Barbas Lopes Arquitectos, 2015b)...... 134 Ilustração 92 – Vista exterior das traseiras do Teatro Thalia. (Barbas Lopes Arquitectos, 2015b)...... 134 Ilustração 93 – Teatro Thalia visto da Estrada das Laranjeiras. (Afaconsult, 2013). . 135 Ilustração 94 – Exemplificação de uma parasitação. (University of South Florida. College of Education. Florida Center for Instructional Technology, 2015)...... 136 Ilustração 95 – Figura esquemática de uma “parasitação”. (Bollack, 2013, p. 64). .... 137 Ilustração 96 – Custom House em Boston, Ammi Young, 1849. (StudyBlue Inc., 2014)...... 138 Ilustração 97 – Corte transversal, Ammi Young, 1849. (The U.S. National Archives and Records Administration, 2015)...... 138 Ilustração 98 – Esquema intervenção Peabody & Stearns, 1915. (Byard, 2005, p. 87)...... 139 Ilustração 99 – Proposta Custom House, Peabody & Stearns, 1915. (Byard, 2005, p. 88)...... 139 Ilustração 100 – Custom House, Peabody & Stearns, 1915. (Bollack, 2013, p. 67). . 140 Ilustração 101 – Edifício do ginásio, Augusto Brandão. (Duarte, 1997, p. 110) ...... 143 Ilustração 102 – Corpo principal da escola [ainda em construção], Augusto Brandão. (Duarte, 1997, p. 109) ...... 143 Ilustração 103 – Planta de localização do edifício escolar, 1970. (Instituto Geográfico e Cadastral, 1970)...... 144 Ilustração 104 – Esquema das várias adições da Escola ao longo do tempo. (Ilustração nossa, 2015)...... 144 Ilustração 105 – Entrada secundária e grandes taludes de acesso carecidos de manutenção, 2009. (Atelier dos Remédios, 2015b)...... 145 Ilustração 106 – Estrutura de carácter provisório que aloja o bar, apropriando-se do espaço exterior de modo inadequado, 2008. (Atelier dos Remédios, 2015b) ...... 145 Ilustração 107 – Planta de implantação da Escola após intervenção, Atelier dos Remédios. ([Adaptação a partir de]: Atelier dos Remédios, 2015b) ...... 146 Ilustração 108 – Estudo tridimensional da nova proposta, Atelier dos Remédios. (Atelier dos Remédios, 2015b)...... 147 Ilustração 109 – Alçado sul da Escola Rainha Dona Leonor, Atelier dos Remédios. (Atelier dos Remédios, 2015b)...... 147 Ilustração 110 – Vista exterior da Escola a partir da Rua Amália Vaz de Carvalho. (Ilustração nossa, 2015)...... 148 Ilustração 111 – Contraste de formas, cores e materialidades. (FG+SG Architectural Photography, 2013)...... 148

Ilustração 112 – Corte longitudinal do novo corpo onde se identifica a sua fragmentação volumétrica. (Atelier dos Remédios, 2015b)...... 149 Ilustração 113 – Vista exterior a partir do recreio a sul do novo volume. (FG+SG Architectural Photography, 2013)...... 149 Ilustração 114 – Planta piso de entrada [cota Rua Maria Amália Vaz Carvalho], onde se podem dentificar: praça exterior coberta, átrio principal, sala polivalente e campo de jogos coberto. ([Adaptação a partir de]: Atelier dos Remédios, 2015b)...... 150 Ilustração 115 – Planta Piso 0: prolongamento espacial entre o novo corpo e os edifícios preexistentes. ([Adaptação a partir de]: Atelier dos Remédios, 2015b)...... 150 Ilustração 116 – Planta piso 2. ([Adaptação a partir de]: Atelier dos Remédios, 2015b)...... 151 Ilustração 117 – Cortes Escola Rainha Dona Leonor após intervenção. ([Adaptação a partir de]: Atelier dos Remédios, 2015b)...... 151 Ilustração 118 – Vista interior do átrio principal de distribuição [novo edifício]. (Ilustração nossa, 2015)...... 152 Ilustração 119 – Vista interior dos corredores de acesso às salas de aula [edifício preexistente]. (Ilustração nossa, 2015)...... 152 Ilustração 120 – Vista interior do átrio de escadas do edifício principal preexistente. (Ilustraçao nossa, 2015)...... 152 Ilustração 121 – Corte longitudinal nova forma: relação entre o átrio, sala polivalente e campo de jogos coberto. (Atelier dos Remédios, 2015b)...... 153 Ilustração 122 – Escola Secundária Rainha Dona Leonor. (FG+SG Architectural Photography, 2013)...... 154 Ilustração 123 – Exemplificação de uma justaposição: gato preto, gato branco dormindo lado a lado. (University of South Florida. College of Education. Florida Center for Instructional Technology, 2015)...... 155 Ilustração 124 – Figura esquemática de uma “justaposição”. (Bollack, 2013, p. 140)...... 156 Ilustração 125 – Esquema de desenhos e versão final da ampliação do Tribunal de Göteborg, 1920-1934, Erik Gunnar Asplund. ([Adaptação a partir de]: Byard, 2005, pp. 34-35)...... 157 Ilustração 126 – Planta Tribunal de Göteborg, Erik Gunnar Asplund. (Bollack, 2013, p. 142)...... 158 Ilustração 127 – Vista exterior a partir do pátio da nova intervenção, Erik Gunnar Asplund. (Erik Gunnar Asplund Foundation, 2010)...... 159 Ilustração 128 – Tribunal de Göteborg de 1672 com ampliação de Asplund de 1934. (Erik Gunnar Asplund Foundation, 2010)...... 159 Ilustração 129 – Pormenor de entrada do muro que cerca a Quinta da Ribafria. (Ilustração nossa, 2012)...... 161 Ilustração 130 – Reconstituição da fachada norte da torre dos Ribafria por volta de 1542 por João Oliveira. (Caetano, 2005, p. 96)...... 162 Ilustração 131 – Perspectiva do alçado norte da Quinta nos inícios do século XX. (Caetano, 2005, p. 74)...... 163

Ilustração 132 – Composição planimétrica da Quinta da Ribafria. (Caetano, 2005, p. 79)...... 163 Ilustração 133 – Esboço paisagista de Caldeira Cabral, 1959. (Caetano, 2005, p. 79)...... 164 Ilustração 134 – Planta da Quinta da Ribafria após a construção do edifício de escritórios. (Caetano, 2005, p. 79)...... 165 Ilustração 135 – Vista exterior da entrada da Quinta. (Ilustração nossa, 2012)...... 166 Ilustração 136 – Entrada para o pátio principal da Quinta. (Ilustração nossa, 2012). 167 Ilustração 137 – Vista da fachada norte da Quinta da Ribafria. (Ilustração nossa, 2012)...... 167 Ilustração 138 – Planta de Implantação com o novo corpo a norte. (Ilustração nossa, 2013)...... 168 Ilustração 139 – Modelo tridimensional da proposta: fachada cénica totalmente envidraçada. (Ilustração nossa, 2013)...... 169 Ilustração 140 – Modelo tridimensional da proposta: fachada “murada”. (Ilustração nossa, 2013)...... 169 Ilustração 141 – Relação entre o preexistente e o novo edifício [alçado nascente]. (Ilustração nossa, 2013)...... 169 Ilustração 142 – Contraste de materialidade, volumetrias e tempos [alçado norte]. (Ilustração nossa, 2013)...... 170 Ilustração 143 – Corte transversal onde se percebe claramente a diferença de coberturas. (Ilustração nossa, 2013)...... 170 Ilustração 144 – Alçado poente da Quinta e da pousada. (Ilustração nossa, 2013). . 170 Ilustração 145 – Organização dos quartos e suites para se relacionarem com a Quinta, orientando-se a sul e a poente [piso 1 da pousada]. (Ilustração nossa, 2013)...... 171 Ilustração 146 – Relação entre preexistente e novo corpo, que fica despercebido na vegetação envolvente. (Ilustração nossa, 2013)...... 171 Ilustração 147 – Piscina interior culminando num grande vão sobre o espelho de água da Quinta e espaços sociais dispostos ao longo da nova forma, onde se abrem grandes vãos para a Quinta [piso 1 da pousada]. (Ilustração nossa, 2013)...... 172 Ilustração 148 - Corte demonstrativo do espaço interior do murete que toca a preexistência e que alberga a piscina da pousada. (Ilustração nossa, 2013)...... 172 Ilustração 149 – Espaços de restauração e eventos que funcionam no edifício preexistente [piso 1 da Quinta da Ribafria]. (Ilustração nossa, 2013)...... 173

SUMÁRIO

1. Introdução ...... 21

2. Património arquitectónico ...... 25 2.1. Património arquitectónico e identidade ...... 28 2.2. Uma crise de identidade ...... 38 2.3. Intervir no património arquitectónico ...... 53

3. Intervenções contemporâneas em edifícios preexistentes ...... 75 3.1. Museu Neues [1997-2009] – David Chipperfield com Julian Harrap ...... 79 3.2. Banco Mais [1999] – Gonçalo Byrne ...... 97 3.3. Teatro Thalia [2008] – Gonçalo Byrne com Patrícia Barbas e Diogo Lopes ... 113 3.4. Escola Secundária Rainha Dona Leonor [2009-2011] – Madalena Menezes e Francisco Bastos ...... 136

4. Um modo de intervir: Caso de estudo académico ...... 155 4.1. Uma justaposição: A Pousada na Quinta da Ribafria ...... 160

5. Considerações Finais ...... 175

Referências ...... 177 Bibliografia ...... 193

Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

1. INTRODUÇÃO

Pretende-se com esta dissertação estudar o papel da reabilitação de edifícios através da adição de formas arquitectónicas contemporâneas. E averiguar qual a importância e o tipo de resultado deste procedimento na integração do património edificado na cidade contemporânea.

Antes, crê-se necessário para este trabalho, tentar perceber o que pode ser hoje considerado património arquitectónico. É primordial compreender o seu papel na determinação da nossa identidade enquanto ser Homem; uma vez que, dada a polissemia do conceito [património] e a sua constante menção pelas inúmeras entidades que gerem multidões – esta noção tornou-se tão globalizada, quanto intrincada (Choay, 2011, p. 11). No entanto, o actual modo de estar na sociedade e o invariável negligenciar do legado edificado exigem um contestar (Choay, 2013, p. 12). No tempo das instantaneidades, procura-se encontrar a “essência” da coisa (Kahn, 2002, p. 57).

Após este entendimento, propomo-nos então estudar os métodos de reabilitar e intervir em construções preexistentes, a partir dos contributos da arquitecta Françoise Bollack1. No sentido de indagar como estas estratégias de edificar – reabilitando o preexistente, adicionando-lhe um novo – conseguem transformar e reintroduzir edifícios, tantas vezes devolutos, em parte integrante de um sistema urbano, reanimando a sua vivência.

Assim, quer-se identificar quais os critérios considerados neste modo de intervir para que se mantenha a essência do edifício e do lugar, ao mesmo tempo que se admite uma nova interpretação da história. Aceitando que,

[…] o espaço é contínuo e porque o Tempo é uma das suas dimensões, o espaço é, igualmente, irreversível, isto é, dada a marcha constante do Tempo e de tudo o que tal marcha acarreta e significa, um espaço organizado nunca pode vir a ser o que já foi, donde ainda a afirmação de que o espaço está em permanente devir (Távora, 2007, p. 19).

1 Françoise A. Bollack nasceu em Paris. Formou-se em Arquitectura na École Speciale d’Architecture. Estudou também na École National e Superieure des Beaux Arts no estúdio de George Candilis (1913- 1995). Vive em Nova Iorque desde 1970 e lidera a empresa Françoise Bollack Architets desde 1981. É professora na Universidade de Arquitectura da Colômbia, desde 1990, onde lecciona o programa de Preservação. No seu recente livro Old Buildings New Forms: new directions in architectural transformations (2013), Bollack reúne, em cinco categorias, os modos de reabilitar edifícios, ilustrando cada um deles com um diagrama explicativo. Para o aprofundar do tema remete-se para a leitura do capítulo 3. Intervenções contemporâneas em edifícios preexistentes (Françoise Bollack Architects, 2014).

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Actualmente habitam-se conjuntos urbanos sobrelotados, onde a envolvente periférica se derrama sem norma, se abdica de áreas antigas das nossas cidades, vilas, ou aldeias, em proveito de grandes e áridas superfícies comerciais (Graça, 2006, p. 5). Hoje, a Arquitectura habita as ruínas da rotura de valores, ilude-se num espaço aparentemente sem tempo, despe-se de compromisso e responsabilidade. Então, deixa de ser Arquitectura. É tão-somente,

[...] um processo de criação de formas desprovidas de eficiência e de beleza, de utilidade e de sentido, de formas sem raízes, verdadeiros nados-mortos que nada acrescentam ao espaço organizado ou o perturbam com a sua existência (Távora, 2007, p. 27).

A sociedade parece ignorar Arquitectura, e a Arquitectura, desmembrar-se da realidade (Freitag, 2004, p. 12). Homem e Arquitectura numa crise de identidade?

Como poderá a reconversão de edifícios, diminuir as construções de raiz e apelar a uma reestruturação urbana? Poderá esta reconversão modificar a sua sinergia? Encontrar-se-ão antigos valores ou algumas “respostas aos nossos anseios”2?

“Parece que só é possível habitar o que se constrói.” (Heidegger, 1954) Então, o que fazer com edifícios que procuram um novo uso: o forte sem exército; o castelo sem rei; o museu sem visitantes; a fábrica sem trabalhador; o convento sem monges; o teatro sem artistas; a igreja sem fé (Thiébaut, 2007, p. 9).

Segundo Josep Montaner3 (2013, p. 144), também a recente arquitectura funcionalista [arquitectura-máquina] do movimento Moderno4, se revela hoje demasiado rígida face às exigências actuais e, por isso, apela igualmente a uma intervenção para poder ser conservada.

2 Alude-se à frase: “E a utopia é o transporte no sonho para o imaginário de um espaço – a cidade mais- que-perfeita – que congrega, em virtual dimensão corpórea, as respostas aos nossos anseios.” (Ferreira, 2005) 3 Josep Maria Montaner (Barcelona, 1954) é um arquitecto espanhol. É autor de uma vasta obra teórica sobre arquitectura e publicou, entre outros, os livros Después del Movimiento Moderno, Arquitectura y crítica e Sistemas arquitectónicos contemporâneos. É colaborador habitual de inúmeras revistas especializadas e dos jornais espanhóis El País e La Vanguardia (Montaner, 2013). 4 O Modernismo em arquitectura manifesta-se entre finais do século XIX e inícios do século XX e caracteriza-se pela vontade de superação dos modelos da arquitectura ecléctica e revivalista que denunciavam já a saturação das linguagens históricas. Foi um movimento artístico com dimensão internacional. (Porto Editora, 2006) O principal propósito do movimento moderno foi romper com o passado, numa procura pela inovação e novas formas abstractivas e funcionalistas. Desenvolveu-se em dois períodos distintos: o entre guerras, um período de experimentação e obras-manifesto, mas limitada na produção pela crise económica; e o pós-guerra, em que a arquitectura se expandiu e desenvolveu a fim de se adaptar à cultura de cada lugar (Montaner, 2013, p. 137).

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No presente, é possível, na mesma rua, reconhecer edificações com uma discrepância temporal de centenas de anos. O contexto arquitectónico em que o Homem se movimenta evoluiu e [re]adaptou-se através de um somatório de arquitecturas ao longo do tempo. Como consequência, poucos, ou mesmo nenhum edifício chegou até à actualidade intacto, como originalmente fora concebido. Hoje, essa coexistência de tempos atingiu um outro nível e manifesta-se através de um assumido “transfigurar” de edifícios – reabilitações, extensões, reconversões são, felizmente, cada vez mais comuns (Thiébaut, 2007, p. 9).

Josep Maria Montaner (2013, p. 152) afirma: “Hoje a chave consiste em reactivar o legado arquitectónico urbano existente, e a modernidade já é património.”

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“A fatídica questão da espécie humana parece- me ser se, a até que ponto, o processo cultural desenvolvido nela tem sucesso em dominar as loucuras da vida comunal causadas pelo instinto humano de agressão e autodestruição.”

FREUD, Sigmund (2005) – A civilização e os seus descontentamentos. Sintra: Publicações Europa- América. p. 111.

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2. PATRIMÓNIO ARQUITECTÓNICO

O termo “património” é utilizado, no geral, para descrever tudo aquilo que é um valor duradouro. Seja ele físico ou imaterial, é algo que pressupõe uma transmissão de antecessor para sucessor. Podem ser bens, valores morais ou conhecimentos que se recebem de pais ou avós. Por definição, é uma riqueza herdada de uma geração para a seguinte e, por isso, algo que se repercute no Tempo (Porto Editora, 2006).

Em termos civis, o património está intimamente ligado ao Direito, por abarcar tudo o que se entende ser de pertença pública. São zonas, edifícios e diversos bens naturais ou materiais característicos de determinado país ou região que são protegidos e valorizados pelo seu interesse cultural (Porto Editora, 2006). Para Françoise Choay5 (2011, p. 11), a adjectivação do termo património com outros vocábulos [ambiental, líquido, artístico, genético, cultural, histórico, arquitectónico], por todo o género de entidades [arquitectos, historiadores, biólogos, administrações bancárias, agências de viagem], tornou-o num fenómeno globalizado e numa atracção turística e comercial6, mas também num conteúdo pouco claro e cada vez mais incircunscritível.

Ainda assim, o conceito mais unânime e completo de património é aquele que abrange todos os elementos que são provas de modos de vida, de cultura, de civilização que perduraram de épocas anteriores. São legados de sociedades basilares para o Homem actual se orientar, referenciar e encontrar a sua identidade. Dito isto, surge então, nas cidades, o espaço étnico que agrega pessoas com a mesma origem, onde lhes são exclusivos os usos e tradições que comportam a sua identidade e lhes outorga características únicas (Porto Editora, 2006).

É neste conceito de património arquitectónico – espaço físico edificado pelos homens, qualificado como “património construído, arquitectural, monumental, paisagista,

5 Françoise Choay (Paris, 1925) estudou Filosofia antes de se tornar crítica de arte. Professora de Urbanismo, Arte e Arquitectura na Université de Paris VIII, durante os anos cinquenta, colaborou nas revistas L'Observateur, L'OEil e Art de France. Dirigiu também a secção parisiense da Art International. Em 1995, recebe o Grande Prémio Nacional do Património [francês]. Desde a década de setenta até aos dias de hoje, publicou diversos estudos sobre arquitectura e urbanismo. Entre eles, destacam-se: Urbanismo: utopias e realidades, A Regra e o Modelo, Alegoria do Património e As Questões do Património: antologia para um combate (Editorial Gustavo Gili, 2015a). 6 O empreendimento gerado em torno do património, sobretudo do património edificado, tendo em vista o consumo cultural vai criar disputas imobiliárias, tendendo a excluir populações locais [ou menos privilegiadas] e actividades tradicionais. Por outro lado, a enorme afluência de visitantes demanda complicadas operações logísticas de transporte e alojamento. Os sítios vão ficar bloqueados por falta de espaço, ou degradados por não haver um controlo no fluxo de pessoas. Para além dos factores erosivos naturais, da poluição e das guerras, o património encontra-se agora exposto à destruição cultural. Segundo a autora Françoise Choay (2013, pp. 240-243), as condutas patrimoniais estão a autodestruir- se.

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urbano” e, dependendo da sua inserção na temporalidade, descrito como “histórico ou contemporâneo” – que este trabalho se pretende focar (Choay, 2011, p. 11). Não fosse, como defendeu Michel Freitag7 (2004, pp. 17-18): “ […] o objectivo original da arquitectura […], o da construção do espaço socializado, apropriado pelo Homem”. E, ser “ […] nesse espaço que a sociedade se torna visível para si própria”.

Mas que legado arquitectónico está a deixar a sociedade contemporânea? Uma sociedade fundada no individualismo e no consumo, que se relaciona constante e maioritariamente através de interfaces; que vive no subúrbio dos objectos dispersos; e se alimenta e passeia em ambientes totalmente artificializados; para onde se desloca ao longo de auto-estradas (Graça, 2006, p. 2). Uma sociedade, a quem a fotografia8 fez da viagem um encontro com o antecipado, porque consentiu que tudo [pessoas, edifícios, paisagens] se transformasse em “coisa”, isolada num momento que infinitamente se repete (McLuhan, 2008, pp. 195, 203); e a quem, a evolução tecnológica permitiu que rapidamente se possa deslocar para visitar as Pirâmides do Egipto, a tribo Masai ou os escombros da cidade romana. “Movidas pelos mais tolos caprichos, as pessoas amontoam-se agora nos lugares estrangeiros, porque viajar já não difere muito de ir ao cinema ou folhear uma revista.” (McLuhan, 2008, p. 205)

Mas sobretudo porque e, citando McLuhan9 (2008, p. 32):

Hoje em dia, quando queremos orientar-nos na nossa própria cultura e sentimos a necessidade de escapar aos preconceitos e às pressões exercidas por qualquer forma técnica de expressão humana, só precisamos de visitar uma sociedade onde essa forma específica não se fez sentir, ou estudar um período histórico no qual a mesma era desconhecida.

Na verdade, jamais uma sociedade soube ou compreendeu eficazmente os seus actos, de modo a não se deixar afectar pelas suas novas extensões e tecnologias (McLuhan, 2008, p. 79). Exposto isto, facilmente se entenderá por que é que sempre que atemorizado com o futuro, isto é, quando se sente transcendido pelas suas

7 Michel Freitag (1935-2009) formou-se em Direito e Economia Política e foi titular de um doutoramento em Sociologia. Deu aulas de Sociologia na Universidade do Quebeque e escreveu numerosos estudos sobre a história do pensamento sociológico e epistemologia das ciências humanas. Um dos seus mais importantes ensaios chama-se Arquitectura e Sociedade (Freitag, 2004). 8 Sobre este tema recomendam-se: A Câmara Clara de Roland Barthes e a leitura do capítulo: A Fotografia – O Bordel-Sem-Paredes do livro As Questões do Património: antologia para um combate de Françoise Choay. 9 Marshall McLuhan (1911-1980) foi professor de Literatura Inglesa na University of St. Michael’s College, no Canadá. Pensador controverso e original tornou-se, devido à sua capacidade de antecipação, o profeta da nova era da informação. Ainda hoje a obra de McLuhan influencia estudiosos ligados à publicidade, à política, às artes e aos meios de comunicação. Defendeu conceitos como “aldeia global” e “o meio é a mensagem”. McLuhan era um visionário (McLuhan, 2008).

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próprias invenções e imposições, o Homem sente igualmente uma necessidade de recorrer ao passado, revisitar lugares antigos, no fundo, relembrar a sua origem, encontrar a sua identidade.

Tome-se como trivial exemplo a nossa capacidade de memorizar sítios da nossa infância que, pelas mais variadas razões, ficaram eternizados na nossa mente. Esta elementar experiência “ […] permite compreender algumas qualidades da arquitectura” (Marcelino, 2009, p. 9). Mas também, evidenciar o papel determinante que o património arquitectónico pode ter neste reencontrar do ser humano consigo próprio: é nele que lembramos quem somos, o lugar que ocupamos e onde pertencemos (Molina, 2014). No entanto, impõem-se algumas questões fundamentais: o que prezar afinal como património arquitectónico? Qualquer intervenção realizada pelo Homem? Qualquer edificação que retracte um modo de viver? O que reaproveitar? O que demolir?

Após mais de um século de contraditórias teorias10 a respeito da reabilitação, acesa e longa continua a ser a discussão sobre o que considerar património arquitectónico e como nele se intervém. São, porventura, as questões contemporâneas mais pertinentes da Arquitectura e as que levantam mais especulações (Trindade, 2014).

Hoje, mais do que construir arquitectura como se de uma “prova de atletismo”11 se tratasse; cabe ao homem arquitecto accionar a sua sensibilidade e capacidade moderadora entre raça humana e mundo para intervir no passado e reconduzir o futuro. Porque “ […], esses dois modos uniformes de olhar, para trás ou para a frente, são modos habituais de evitar as descontinuidades da experiência do presente, com suas exigências de exame e avaliação sensíveis” (McLuhan, 2008, p. 84).

Por este motivo, é fundamental explorar o património arquitectónico como uma referência identitária do Homem para, em jeito sensível, se poder agir sobre ele, adaptando-o ao actual modo de viver da sociedade. Integrá-lo num sistema urbano sustentável anuncia-se um dos maiores desafios de hoje.

10 Faz-se referência a teorias de individualidades e a acontecimentos importantes relacionados com o património arquitectónico e com a sua reabilitação. Para melhor compreensão do tema remete-se para a leitura do subcapítulo 2.3. Intervir no património. 11 Faz-se alusão à célebre frase do escritor português Virgílio Ferreira (1916-1996): “Se és artista, não fales em ser maior ou menor, para não confundires a tua obra com uma prova de atletismo.”

Ana Catarina Neves Figueiras 27 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

2.1. PATRIMÓNIO ARQUITECTÓNICO E IDENTIDADE

Para compreender o papel do património arquitectónico na sua identidade enquanto Homem é indispensável apreender ou relembrar o seguinte: além de responder a uma carência física12 e satisfazer necessidades funcionais e estéticas, a arquitectura não pode – ao contrário daquilo que alguns leigos esperariam – ser resumida ao seu propósito mais imediato: o da “arte da construção” (Gadanho, 2006, p. 4).

“Representa-se habitualmente a arquitectura como a síntese de três dimensões: a ‘construção’, a ‘utilidade’ ou ‘funcionalidade’, e a ‘beleza’.” (Freitag, 2004, p. 15)

Assim, a arquitectura solucionaria as exigências da sociedade [funcionalidade], edificando-se a partir de um conjunto de regras técnicas [construção], utilizadas pelo arquitecto para exprimir a sua capacidade criativa e subjectividade estética [beleza]. Uma vez que, a beleza é uma das principais condições da civilização e a sua ausência não ser socialmente aceite (Freud, 2005, p. 45). É, esta última, que faz da arquitectura uma arte e, pelas duas primeiras dimensões [funcionalidade e construção], que a própria Arte tenha adquirido um estatuto de especificidade na civilização. É verdade que a definição da arquitectura se considera nos três aspectos referidos. Porém, estes, unicamente no seu conjunto, não representam a sua natureza essencial (Freitag, 2004, p. 15).

Para depreender a vera essência da arquitectura devem-se recapitular as eminentes perplexidades do ser Homem – Quem sou? Onde estou? Para onde vou? Com que sentido? – Julga-se, terem sido estas questões a apoderar-se dele, quando deixou de recolher alimentos e se converteu ao sedentarismo (Molina, 2014). Visto que quando deixou de ser nómada, os seus sentidos se especializaram – a organização visual da vida e o desenvolvimento da escrita espoletaram no Homem a capacidade introspectiva e o individualismo (McLuhan, 2008, p. 58): “Existo, logo penso.” (Nietzsche, 2009, p. 60) Como tal, para o Homem deixa de importar apenas a sobrevivência dia após dia (Kostof, 2007, p. 47). Por essa altura, as mínguas nobres deixaram de ser meramente corpóreas e, desde então, os assuntos da mente para sempre se lhe afigurarão um ultraje à sua ataraxia. Converte-se a espécie humana

12 Na sua obra Compreender os meios de comunicação, McLuhan (2008, p. 135) resume, laconicamente, a função elementar da arquitectura. Sustenta que, se a roupa é a extensão da nossa pele que nos permite armazenar e regular o nosso próprio calor; a habitação como abrigo é a extensão do Homem, que lhe permite prolongar esses mecanismos corporais. Então, consequentemente, as cidades, como arquétipo máximo da arquitectura, “ […] são extensões ainda mais amplas dos órgãos corporais, destinadas a suprimir as necessidades dos grandes grupos”.

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num ser pensante em contenda por um lugar numa esfera inóspita, instável e enigmática.

Gonçalo M Tavares13 (2008, pp. 3-5) descreve [o que aparenta ser] a reacção do Homem a este anseio de uma maneira exemplar:

Toda a Natureza é mensurável e a cultura é a parte da natureza que já foi medida.

Medir é colocar ordem no confuso, sem quantificar não me oriento: perco-me. E o Homem perdido tem medo.

A floresta é o expoente do natural: aí o medo faz casa.

A cultura é assim a natureza a que retiramos o medo, como se este fosse uma substância, e esta substância desaparecesse no ato de medir.

Medir é apagar a floresta, é fazer o seu desaparecimento.

Fazer desaparecer a Natureza ou ter a ilusão de que ela desapareceu é a marca da cidade.

[E conclui escrevendo:]

Se a cultura é a natureza já medida, encaixotada […], a arquitectura é o expoente máximo do ato de medir, de controlar.

Seguindo este corolário, pode afirmar-se que para o Homem, a arquitectura é, tal como a religião, um lenitivo para o seu medo do desconhecido.

Acrescentar também que – tal como Sigmund Freud14 (2005, p. 23) asseveraria mais tarde –, aquando indivíduo pensante e contemplativo, o Homem rapidamente depreendeu a existência de [im]pertinentes limitações face à sua felicidade. Primeiramente, apercebe-se da ligeireza com que o seu corpo se entregaria ao declínio, jamais deixando de sentir a ansiedade e a dor como sinais de perigo. O mundo, que inexplicavelmente o acolheu, por vezes, contra si envergaria as maiores atrocidades, rememorando-lhe o seu génio indomável. E, por fim, a relação com o seu semelhante. Embora aparentemente facultativa e contornável, mimetizar-se-ia num

13 Gonçalo M Tavares (Luanda, 1970) é um escritor português. As suas obras originaram projectos de arquitectura, objectos de artes plásticas, vídeos de arte, curtas-metragens, peças de teatro, dissertações, etc.. Em Portugal recebeu vários prémios entre os quais o Prémio LER/Millennium BCP em 2004 e o Prémio José Saramago em 2005 (Tavares, 2014). 14 Sigmund Schlomo Freud (1856-1939) foi um médico neurologista e é universalmente reconhecido como o fundador da psicanálise. Entre os seus trabalhos mais importantes contam-se: A Interpretação dos Sonhos; O Ego e o Id; e O Futuro de uma Ilusão. No seu livro A Civilização e os seus descontentamentos, Freud escreve sobre as “inibições” acumuladas que, na sua opinião, subjugaram o animal humano, metamorfoseando o Homem, criatura selvagem, em “civilizada” (Freud, 2005, p. 4).

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sofrimento menos inevitável do que aquele que revertia das outras proveniências. Logo, compreendeu que era [e é], “ […] muito mais fácil ser infeliz” (Freud, 2005, p. 23).

Este pensamento subconsciente – e diz-se assim, uma vez que nem sempre se possa ter achado tão axiomático – influenciou de maneira permanente e acentuada o decurso da vida do Homem. Perante esta condição, a Arquitectura foi a extensão primária de si mesmo que ilusoriamente, o dotou de uma sensação de controlo. Dita Freud (2005, p. 18) que, o Homem terá esta capacidade de se iludir porque, “ […] o ego nega os perigos que o ameaçam no mundo externo”; no entanto, a arquitectura, elevada num intuito de “organizar espaço”15, permitiu-lhe proteger a humanidade contra a natureza estranha e regular as relações entre os seres humanos. Deu-lhe um lugar no mundo e, diferenciou, indubitavelmente, a sua vida da dos seus antepassados animais (Freitag, 2004, p. 17; Freud, 2005, p. 40).

Apenas no sentido da criação da harmonia, como sustenta Távora16 (2007, p. 14), foi exequível construir no mundo, um espaço integrante, concreto e apropriadamente humano. Surge a Arquitectura como universo desenhado em harmonia com as finalidades do ser Homem e com a própria natureza que, em jeito de defesa, ordena.

15 “A expressão ‘organizar espaço’, à escala do Homem, tem para nós um sentido diferente daquele que poderia ter, por exemplo, a expressão ‘ocupar espaço’. Vemos na palavra ‘organizar’ um desejo, uma vontade, um sentido, que a palavra ‘ocupar’ não possui e daí que usemos a expressão ‘organização do espaço’ pressupondo sempre que por detrás dela está o Homem ser inteligente e artista por natureza, donde resultará que o espaço ocupado pelo Homem tende sempre para, caminha sempre no sentido de, tem como fim, a criação da harmonia do espaço, considerando que a harmonia é a palavra que traduz exactamente equilíbrio, jogo exacto de consciência e de sensibilidade, integração, hierarquizada e correta de factores.” (Távora, 2007, p. 14) 16 Fernando Luís Cardoso de Menezes de Tavares e Távora (1923-2005), mais conhecido por Fernando Távora foi um importante arquitecto, ensaísta e professor português. Frequentou o Curso Especial de Arquitectura e posteriormente o Curso Superior de Arquitectura. Estagiou com o arquitecto Francisco Oldemiro Carneiro. Em 1947, publica o ensaio O problema da casa portuguesa, onde sintetiza a noção de uma arquitectura moderna, enraizada na cultura, e onde chama a atenção para a necessidade de um estudo científico da arquitectura popular portuguesa. Esteve ligado, como docente universitário à Escola Superior de Belas Artes do Porto, onde começou a leccionar; à Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, que ajudou a instalar; e à Universidade de Coimbra, mais concretamente ao Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia, constituído com a sua colaboração nos anos oitenta do século XX. Participou, entre 1951 e 1959, nos Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna, da Conferência Internacional de Artistas da UNESCO de Veneza, Hoddesdon, Aix-en-Provence, Dubrovnik e Otterlo. A sua arquitectura reflecte um forte sentido de responsabilidade social. Das suas obras podem destacar-se: o Mercado Municipal de Santa Maria da Feira (1953-59), a Casa de Férias no Pinhal de Ofir (1957-1958), a Ampliação das instalações da Assembleia da República, em Lisboa (1994-1999) e Casa dos 24, no Porto (1995-2002). Na área da conservação do património deixou trabalhos como: a recuperação do Convento de Santa Marinha da Costa (1975-1984); a reabilitação do Centro Histórico de Guimarães (1985-1992), classificado como Património da Humanidade pela UNESCO em 2001; e o restauro do Palácio do Freixo e áreas envolventes, no Porto (1996-2003). Foi um dos maiores vultos da Arquitectura Contemporânea Portuguesa, fundador e mestre da "escola do Porto": "Eu sou a arquitectura portuguesa" como o próprio dizia (Universidade do Porto, 2015).

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Ergue-se então, o espaço “medido” (Tavares, 2008, p. 5): o espaço da cultura, “ […] no qual a própria sociedade se encarna de modo sensível” (Freitag, 2004, p. 17).

Relembrar, a inverso, o sentimento de medo – exposto anteriormente por Gonçalo M Tavares (2008, pp. 3-5) – em relação à floresta. À floresta “virgem”. Advertindo com subtileza para os sentimentos de perigo e de angústia despoletados no Homem em relação à terra não desbravada; à “selvajaria” de tudo o que “ […] esquiva a sua profundidade misteriosa ao espaço construído pelos homens […] ” (Freitag, 2004, p. 18); de tudo o que, no fundo, se opõe à cultura humana (Lévi-Strauss, 2000, p. 18).

Ora, não é por acaso que na sua obra Ismael17, Daniel Quinn18 (2011, p. 60) evidencia esses sentimentos de perigo e de angústia do Homem frente à natureza obscura e ameaçadora:

[…] “Pensa no mundo sem o Homem. Imagina o mundo sem o Homem.”

“Está bem,” […], e fechei os olhos. Minutos depois dizia-lhe estar a imaginar o mundo sem o Homem.

“Como é?”

“Não sei. É só o mundo.”

“Onde estás tu?”

“Como assim?”

“De onde estás tu a olhar para o mundo?”

“Oh. De cima. Do espaço exterior.”

“Estás aí em cima a fazer o quê?”

“Não sei.”

“Não estás em baixo, á superfície, porquê?”

“Não sei. Sem o Homem no mundo…sou apenas um visitante, um alienígena.”

17 Ismael: como o mundo veio a ser o que é (1992) é uma controversa obra filosófica, onde um gorila chamado Ismael comunica telepaticamente com um humano e, utilizando o método socrático, o faz descompor o conceito de que o Homem é o auge da evolução biológica. A mitologia, a ética, a cultura e a sustentabilidade são os grandes temas deste romance. 18 Daniel Quinn (Omaha, 1935) estudou na Universidade de St. Louis, na Universidade de Viena de Áustria e na Universidade Loyola de Chicago. Em 1975, abandona uma longa carreira de editor para se tornar escritor freelancer, publicando o seu primeiro romance, Dreamer, em 1988. Quinn é hoje considerado uma figura de referência do pensamento ambientalista, explorando ramos deste como: o animismo, o ‘novo tribalismo’ e questões relacionadas com o excesso de população (Quinn, 2011).

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“Desce à superfície, então.”

“Certo,” disse eu, mas após um minuto comentei, “Interessante. Era capaz de preferir não descer até lá.”

“Porquê? Lá em baixo há o quê?”

[…] “Há a selva”.

“Entendo”. Queres dizer ‘A natureza, de garras e dentes ensanguentados…Dragões primordiais esfacelando-se no seu próprio lodo’.”19

“É isso”.

[…]

“O mundo precisava então de quê?”

“Precisava de alguém que chegasse e…rectificasse as coisas. De alguém que o metesse na ordem.”

E assim pareceu suceder. O Homem ordenou, com base na composição e na harmonia do mundo natural, um espaço construído para um mundo social. À tão aterrorizadora natureza foi subtilmente extorquindo, não só os princípios, apreendidos com perícia, mas também o território onde os adaptou, convertendo-o no seu próprio domínio (Freitag, 2004, p. 16). Construir para habitar20. Num desígnio de pertencer, de permanecer. A Arquitectura como um “ […] de-morar-se dos mortais sobre essa terra” (Heidegger, 1954). A Arquitectura como um [re]encontrar de corpo e natureza (Pereira, 2007, p. 15). A Natureza “de garras e dentes ensanguentados”, por fim, conquistada.

Ilustração 1 – Representação metafórica da natureza controlada, conquistada. (Tavares, 2008, p. 4).

19 Cita-se In Memoriam, obra do poeta vitoriano Lord Alfred Tennyson (apud Quinn, 2011, p. 60) [Nota do autor]. 20 “Habitar, [é] ser trazido à paz de um abrigo, diz: permanecer pacificado na liberdade de um pertencimento, resguardar cada coisa em sua essência. O traço fundamental do habitar é esse resguardo. […] Resguardar a quadratura, salvar a terra, acolher o céu, aguardar os divinos, acompanhar os mortais, esse resguardo de quatro faces é a essência simples do habitar.” (Heidegger, 1954)

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A par de uma necessidade intrínseca de conquistar (Nietzsche, 2009, p. 139), mencionar também que o Homem sempre revelou admiração pelas suas próprias extensões, isto é, fica imediatamente fascinado com qualquer acção que se reproduza num material que não seja ele mesmo (McLuhan, 2008, p. 56). Talvez porque, como justificou Tainha21 (2007, p. 10), mais do que pela introspecção, seja através dos seus objectos e das suas acções para com esses objectos que o Homem se reconhece. Se afirma. Criando entre si e os objectos uma relação familiar. “Relação essa, onde a identificação do objecto é ao mesmo tempo a auto-identifição do sujeito.” (2007, p. 10)

Marshall McLuhan (2008, p. 216) expõe, o que aparenta ser, um simples facto quotidiano do supra-referido: no jornal aquilo que as pessoas procuram de imediato são coisas que já sabem. Defende o autor que um dos deleites do ser racional é reconhecer ou visualizar as suas experiências pessoais num novo material. Ou seja, ver os seus actos, os seus desígnios, traduzidos em objectos, em matéria. Isto porque, “A experiência traduzida num outro meio proporciona-nos, literalmente, uma deliciosa repetição duma vivência anterior.” (2008, p. 216)

Adivinha-se ser um sentimento análogo a esse de “vivência anterior”, embora enaltecido, o que se faz sentir em relação à arquitectura: um sentimento de unicidade com o universo, um sentimento de eternidade. Visto a arquitectura ser a ampliação do Homem em movimento no tempo entre o seu nascimento e a sua morte. Ser o seu legado de esperança, em preito da civilização (Távora, 2007, p. 14).

Por esta razão, seria um ato leviano considerar a arquitectura meramente como um conjunto de atributos mensuráveis [espaço, luz e matéria], que somente corporaliza as necessidades e as práticas da sociedade – ela “ […] não é o rasto deixado no mundo pela actividade prática-empírica dos homens” (Freitag, 2004, p. 19). Num ato de compreensão e domínio de regras, a arquitectura procura e cria uma beleza que vai além daquela que é aparente, visível e palpável (Marcelino, 2009, p. 7). É primeira e profundamente uma busca por um consolo impossível de satisfazer; uma busca de sentido; uma etérea convicção. Construção de abrigo neste abrigo que é a Terra, onde

21 Manuel Tainha (1922-2012) foi um arquitecto e professor português. Diplomado em Arquitectura pela Escola Superior de Belas Artes em 1950. Destacou-se como professor e no ensaio crítico, a par com o trabalho de projecto. Contemporâneo do arquitecto Nuno Teotónio Pereira, Tainha foi o fundador da revista Binário em 1958. Pelo conjunto da actividade crítica recebeu, em 2002, o Prémio Jean Tschumi da União Internacional dos Arquitectos. Foi galardoado com inúmeros outros prémios ao longo de toda a sua carreira. Da sua obra arquitectónica podem destacar-se: a Pousada de Santa Bárbara em Oliveira do Hospital, a Escola Agro-industrial de Grândola, as Torres dos Olivais, em Lisboa, e a Faculdade de Psicologia, em Lisboa, que lhe valeu o prémio Valmor em 1991 (Costa, 2012).

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se esmaece o medo comum e filantropicamente se cinzelam formas22 de estar no mundo ao longo do tempo. A arquitectura é o lugar do Homem; onde este celebra a sua relação com o mundo e com o outro, onde garante a unicidade da sociedade e naturalmente, a sua perenidade (Freitag, 2004, p. 19).

Deste modo, pode entender-se por que é que “ […] a identidade cultural da Arquitectura não se pode configurar como qualquer coisa interior à Forma” (Tainha, 2007, p. 14). Não se deve procurar o significado da arquitectura na sua forma e, tão pouco, reduzi-la a um simples fenómeno plástico (Zevi, 2002, p. 5). “Habitar não é um ato de consumo, é um ato de criação.” (Tainha, 2007, p. 13) Trata-se, antes de mais, de um sentimento de algo ilimitado que se manifesta numa experiência subjectiva. Porque o Homem como ser racional: mede, calcula e quantifica; mas, como ser animal também pressente, se exalta e entusiasma (Tavares, 2008, p. 5). Como tal – e, por ser o Homem um animal senciente –, conseguimos apreender que tudo o que hoje é forma, tudo o que é objecto, foi previamente um valor, uma convicção, um “projecto humano” (Tainha, 2007, p. 15).

Introduz-se desta maneira uma outra dimensão da arquitectura, que sai completamente dos aspectos formais, funcionais e estéticos e, entra num domínio subjectivo e [muito] discutível:

É que a arquitectura é uma estrutura de sentido, e não de significado; isto é: dá sentido ao real mas não lhe dá significado. O significado, que é o esteio em que se entrincheira a identidade, é-lhe dado pelo uso, nos actos da sua utilização, em suma, pelas formas como as pessoas se apropriam dos factos arquitectónicos; sendo certo que se apropriam deles não só mediante a razão e o intelecto, mas também com a sensibilidade e as emoções, de que a estética será um dos capítulos. […] No dia em que dispusermos de uma teoria geral da apropriação, estaremos mais perto de elaborar uma Teoria da Arquitectura. (Tainha, 2007, pp. 12-13)

Porque embora “não seja fácil lidar cientificamente com sentimentos” (Freud, 2005, p. 8), são eles que comandam o nosso modo de viver. E, até mesmo a “ciência que não investiga os sentimentos”, serve apenas “toda a parte do Homem que não é sentimento” (Tavares, 2012, p. 20). Pelo que, os sentimentos são peremptórios nos “actos, gestos, eventos e acontecimentos desempenhados pelas pessoas” que, por sua vez, são o “elemento chave de todo o projecto arquitectónico”, isto é, de toda a obra de arquitectura (Tainha, 2007, p. 15). Por isso mesmo, quando resiste e se impõe

22 Aqui, a polissemia da palavra “forma” é propositada. Utiliza-se “forma” na sua qualidade de objecto, obra arquitectónica; e “forma” como maneira ou modo de estar, de sentir.

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no tempo, uma obra de arquitectura é, o melhor e mais credível indício, para conhecer, entender e caracterizar uma época passada. Para ler o Tempo (Tainha, 2007, p. 15).

A este respeito, relembramos as críticas palavras de Fernando Távora (2007, p. 23) alegando que, quando a disciplina de História da Arte descreve formas sem as enquadrar na sua conjuntura comete dois erros graves: por um lado, permite supor que as formas são arbitrárias, que aparecem por casualidade; por outro, omite elementos importantes para a sua compreensão, admitindo meramente um vago saber sobre elas que nos deixa aquém da sua verdadeira realidade.

“A circunstância é tão fundamental para a definição da forma como a água é indispensável para a vida do peixe.” (Távora, 2007, p. 23)

O Homem criou, ao longo do tempo, formas arquitectónicas inseridas em conjuntos de circunstâncias totalmente distintas. A luz, a topografia dos terrenos e a sua constituição geológica, o clima, os materiais, a técnica, a cultura, os usos e a influência das tradições são elementos circunstanciais que fizeram diversificar as formas construídas. Por isso, o lugar ser um condicionante fundamental na concepção do objecto arquitectónico. Exemplos como: o palácio de Versailles, a acrópole de Atenas, a catedral da Sagrada Família, o templo de Angkor-Vat, a cidade de Nova Iorque ou mesmo a província de Toledo, em Espanha, são arquétipos claros de formas que, à maneira de um organismo, assimilaram de modo específico as influências exteriores que sofriam. Numa palavra, assimilaram uma identidade, não apenas simbólica, mas concreta que compartilham com os homens que com elas convivem (Tainha, 2007, p. 96; Freitag, 2004, p. 53).

Ilustração 2 – Muralha da China. Ilustração 3 – Pirâmides de Gizé. (Ching, 1995, p. Ilustração 4 – Templo Hindu. (Ching, (Ching, 1995, p. 129). 128). 1995 p. 253).

"Acrescente-se que todas as formas herdadas são conteúdos sedimentados; nelas sobrevive aquilo que de outro modo seria esquecido porque não seria capaz de falar por si próprio, […] ” (Adorno apud Tainha, 2007, p. 125). Repare-se que, a extinção de

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uma cultura se garante pela destruição dos seus monumentos, mais do que pelo aniquilar dos seus guerreiros (Choay, 2011, p. 17).

Logo, são estas mencionadas “formas herdadas”, que se traduzem nas cidades, nas edificações, nos espaços que, no fundo, constituem o nosso património arquitectónico. Edificado arquitectónico que o Homem construiu com base numa “ […] esfera de responsabilidade integral que se exprime por um vínculo de SOLIDARIEDADE, por um sentimento de pertença unindo o presente e o passado” (Tainha, 2007, p. 11).

É a Arquitectura uma arte altruísta. Com quem, por todos os motivos antes descritos, o Homem se identifica, individual e colectivamente. Na verdade, a arquitectura tem essa capacidade apaziguadora pois consente-nos um “caminhar para trás”. E, corroborando com a já referida convicção de Marshall McLuhan (2008, p. 32), também Manuel Tainha (2007, p. 125) declara: “ […] quanto mais avançamos mais nós nos reconhecemos no nosso antepassado.”

Porque,

Até a época que se afasta com mais violência do passado é constituída por homens que tiveram antepassados. Tempos e meios que não são os da História instalam-se na própria História, e vemos a propagação de raças que não são da antropologia. Com ou sem consciência de si próprias, existem. Para serem, não têm necessidade de se conhecerem. (Focillon, 1988, p. 83)

Todavia, diga-se: é na arquitectura onde verdadeiramente “somos”, onde efectivamente nos reconhecemos. É que a construção arquitectónica não é imagem de si própria, mas sim de um longo processo civilizacional. A arquitectura reflecte a sociedade. É o seu alicerce, a sua “memória de pedra”. O momento em que a História se inaugura (Freitag, 2004, p. 20).

Foi sob esta mesma perspectiva que Victor Hugo23 (apud Thiébaut, 2007, p. 10) sustentou a arquitectura como a principal forma de escrever da raça humana; e, como tal, o primeiro grande livro da humanidade. Porém, esta humanidade à qual o escritor se referiu originou-se, como apurámos, com a fixação do Homem (Tainha, 2007, p.

23 Victor Hugo (1802-1885) foi um poeta, dramaturgo e romancista francês. É conhecido principalmente pelas obras Notre-Dame de Paris e Os Miseráveis. É, no entanto, uma figura emblemática para a história do património arquitectónico. Em 1830, Victor Hugo fez parte de um Comité das artes, que se destinava a inventariar e a descrever os monumentos a proteger. Devido à capacidade analítica e ao seu enorme talento de desenhador, torna-se num dos grandes defensores da arte gótica. Alguns dos seus escritos sobre arquitectura permanecem plenamente actuais e são, por isso, ainda hoje referenciados (Porto Editora, 2006; Choay, 2011, pp. 143-154).

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11). O que nos expele para um outro género de existência: a da sobremodernidade24 (Augé, 2005, p. 9).

[Confessa-se o Homem contemporâneo:]

Vivo em aeroportos – portas de embarque sorteadas, corredores de vidro-estufa, salas de espera-aquário, celas de isolamento para fumadores. Vivo em trânsito – táxis, aviões, automóveis de aluguer; tarifas regulamentadas, bilhetes reembolsáveis, prazos de devolução. Vivo sem correntes, apenas com bagagens. (Ganho, 2010, p. 77)

É, actualmente, a mobilidade [novamente] regra. Na presente era da tecnologia, a educação superior deixou de ser um luxo, para ser uma exigência. No tempo em que o que mais circula é informação, a necessidade de conhecimento é imposta, especialmente nas sociedades ocidentais (Tainha, 2007, p. 11; McLuhan, 2008, p. 115; Augé, 2005, p. 35). “O Homem como recolector de alimentos reaparece incongruentemente como recolector de informação.” E, “ […] neste novo papel, […] revela-se tão nómada quanto os seus antecessores do paleolítico” (McLuhan, 2008, p. 288).

Deve-se esta transformação ao avanço da tecnologia e à consequente mudança de velocidade dos acontecimentos. O Homem actual ganhou liberdade mas, tanto as suas relações interpessoais, como a relação com o espaço onde se move se tornaram efémeras, repentinas e superficiais. Inteligente, individualizado e funcional, o ser humano parece agora “ser-capaz-de-tudo”, salvo identificar a que sociedade pertence (Tainha, 2007, p. 11).

Eis-nos o Homem contemporâneo perdido: no egoísmo; no consumismo; na indolência. Absorto num egocentrismo preocupante, parece alienado de sentimentos (Graça, 2006, p. 5).

E aqui vale a pena recordar que os sentimentos são, mais do que a razão, formas estáveis, sólidas e duradouras de relação com o meio, e por isso mesmo factores de solidariedade. Ninguém inventa um sentimento. Perdido este sentimento de solidariedade, de pertença dos seres aos seus lugares, está perdida a identidade. (Tainha, 2007, p. 11)

24 No livro Não-lugares: introdução a uma antropologia da sobremodernidade, o antropólogo francês Marc Augé defende que a sobremodernidade está ligada à superabundância de acontecimentos do mundo contemporâneo. Segundo o autor, esta caracteriza-se através de três figuras do excesso: a superabundância de acontecimentos, a superabundância espacial e a individualização das referências (Augé, 2005, pp. 9-38).

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2.2. UMA CRISE DE IDENTIDADE

Sabe-se actualmente a humanidade com um problema existencial que retumba nos seus mais diversos campos [sociocultural, económico, urbanístico, político], ampliando um sentimento de desatino e imparidade colectiva e individual, de quem não consegue já representar-se em termos sensíveis. E, por isso, ainda que sejam o mais óbvio reflexo de uma crise civilizacional, os actuais problemas da arquitectura [estéticos, políticos, técnicos, éticos] são somente fragmento de um problema bem mais global e profundo (Freitag, 2004, p. 71; Choay, 2011, pp. 38-40).

É impreterível dizer que pertencemos a uma espécie que não é naturalmente pacífica, julgá-lo seria uma aporia. Todavia, esta foi espécie ímpar, por num determinado momento da sua história ter sido capaz de se reinterpretar como realidade moral e ética. Instigada pelo desejo de se afirmar sensível, original e comummente nesta superfície esférica que a hospeda. Tornou-se assim portadora da única identidade colectiva no mundo, que hoje – talvez previsivelmente, dada a sua natureza autodestrutiva – se encontra ameaçada pela mesma argúcia que um dia a concebeu (Freud, 2005, p. 111; Freitag, 2004, p. 71).

Crê-se a actual situação dever-se, primeiramente, “ […] à nossa percepção do tempo, […] ao uso que dele fazemos, à maneira como dele dispomos” (Augé, 2005, p. 24).

Menciona-se “Tempo” e o pensamento remete-se-nos, de imediato, para o famoso conto infantil25 de Lewis Carrol26, onde a percepção do tempo é um dos temas inerentes. [E onde o espaço e o tempo não são uniformes nem contínuos.] Relembramos o Coelho Branco, a frenética personagem que observava o relógio e sempre se anunciava com pressa no decorrer da narração. Da mesma história, rememoramos ainda um diálogo entre duas figuras, que nos parece, alegoricamente, espelhar a actual problemática da sociedade:

25 A história de Alice no País das Maravilhas descreve as aventuras de uma menina de sete anos que, adormecendo num campo, sonha que mergulha numa toca de coelho. Entrando no País das Maravilhas conhece criaturas estranhas, como o Gato Que Ri, o Chapeleiro Louco, os dois gémeos e Suas Majestades Reais, o Rei e a Rainha de Copas. Saturada de símbolos, a obra tem tido várias interpretações, já que a sua riqueza propícia quase qualquer posição e qualquer argumento que a crítica possa apresentar (Porto Editora, 2006). 26 Lewis Carrol (1832-1898) foi um escritor, fotógrafo, poeta e sacerdote inglês, conhecido especialmente pela sua obra Alice no País das Maravilhas [inspirada na amiga do autor, Alice Liddell]. Carrol começou a escrever com 12 anos, e mais tarde, em Oxford, destacou-se na área dos estudos clássicos e da matemática. Para além da supra-referida, pode ainda mencionar-se a obra Alice do outro lado do espelho (Porto Editora, 2006).

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– Se cada um se metesse na sua vida – rosnou a Duquesa […] – o mundo girava muito mais depressa.

– O que não tinha vantagem nenhuma – disse Alice, […]. – Pense na confusão que não fazia ao dia e à noite! Percebe, é que a terra demora vinte e quatro horas a rodar em torno…

[…]

– Acho que são vinte e quatro horas. Ou serão doze?

(Carrol, 2000, p. 60)

Não obstante o cariz quimérico, serve este trecho literário para introduzir o seguinte: a terra não gira mais depressa porém, é incontestável – a velocidade do “mundo” aumentou.

Revela-se a sociedade contemporânea, individualista e, cada vez mais impaciente, repercutindo um comportamento histérico semelhante ao do Coelho. Porque vive no mundo das instantaneidades, que despoletou com o aperfeiçoamento da tecnologia. Vive num “planeta que os novos meios de comunicação reduziram à dimensão de uma aldeia”; onde “as velocidades instantâneas suprimem o tempo e o espaço”; onde “o tempo do relógio, mas também a própria roda, estão a tornar-se obsoletos” (McLuhan, 2008, pp. 157-161); e, “ […] onde tudo tende para o idêntico ainda que sob o signo respeitável da ideologia democrática da Diferença […] ” (Tainha, 2007, p. 10).

De acordo com Marc Augé27 (2005, p. 25), para os actuais historiadores, o tempo deixou de ser um princípio inteligível, não por razões técnicas ou de método mas, por não lhe conseguirem inscrever um princípio de identidade.

Sustenta o antropólogo que, a velocidade a que hoje os diversos acontecimentos se dão, associada à enorme rede de informação de que se dispõe, não permite estar-se preparado para assimilar esses mesmos acontecimentos. Para poder antever ou premeditar os seus efeitos (Augé, 2005, p. 28). A comunicação súbita permitida pelos nossos aparelhos de telecomunicação pessoais alterou totalmente a nossa percepção do planeta, outrora opaca e distante, revela-se hoje imediata e transparente (Kerckhove, 1997, p. 190). “A história acelera-se” (Augé, 2005, p. 26), ou seja, o presente revela-se [manifestamente] um constante passado: “ […] houve uma altura

27 Marc Augé (Poitiers, 1935) é um etnólogo e antropólogo francês. Director de estudos “Lógica simbólica e ideologia” na École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris. Foi presidente da mesma entre 1985 e 1995. É autor de uma consagrada obra da qual se podem destacar: Diário de Guerra, Não- lugares: introdução a uma Antropologia da Sobremodernidade e A Guerra dos Sonhos. (Augé, 2005)

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em que a história era a realidade. Hoje a realidade corre o risco de se transformar em história.” (Kerckhove, 1997, p. 234)

Se, por um lado, se persegue incessantemente a ideia de um progresso – curiosamente nunca o encarando uma ameaça futura para o nosso coetâneo modo de vida (McLuhan, 2008, p. 275) – por outro, é-se perseguido pela “história que não nos larga os calcanhares” (Augé, 2005, p. 29), não se dispondo de um período [entenda- se, imparcial] para se lhe dar um sentido. Um significado.

“Porque na História sempre existem três leituras para cada episódio relevante: quando acontece, quando é escrito e quando são compreendidas as suas consequências.” (Ferreira, 2014, p. 3) E, actualmente, o Homem não infere por inteiro as potencialidades do que alcança, para conseguir entender essas “consequências”, para poder compreender aquilo que é (Augé, 2005, p. 30).

“Por que é que, numa época de tanto progresso tecnológico, estamos numa tal confusão psicológica?” (Kerckhove, 1997, p. 229)

Esta pergunta embarga algo que se tem vindo a apreender neste trabalho: o sentimento de pânico ou “confusão” que, independentemente da sua cultura, o Homem experiencia quando os padrões que lhe são familiares se esfumam ou afastam da realidade que conhece devido à preponderância dos novos engenhos, à imposição das suas próprias invenções (McLuhan, 2008, p. 124).

Assim, pode deduzir-se que a estabilidade da vida interior de uma sociedade seria praticável, se fosse mantido um equilíbrio entre as técnicas de comunicação e a capacidade de reacção do indivíduo. Isto é, se a recepção da informação e a sua total compreensão fossem sincrónicas (Papa Pio XII apud McLuhan, 2008, p. 33). Porém, admita-se: essa simultaneidade nunca se verifica. As novas energias e velocidades nunca se adequam ou são compatíveis com as realidades sociais e espaciais existentes. Sempre as ultrapassam (McLuhan, 2008, p. 113).

Qualquer sistema apresenta uma proporção específica e move-se ou funciona a uma dada velocidade: “quer seja um edifício, uma burocracia ou uma maneira de pensar”, todos eles detêm a sua congruência, a sua maneira de ser, o seu equilíbrio inerente. E “ […] qualquer aceleração pode ameaçar não só a sua estabilidade como a sua própria razão de ser” (Kerckhove, 1997, pp. 104-105).

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Daí, McLuhan (2008, p. 22) afirmar: “A mensagem é o meio.” Pois a “mensagem” de qualquer tecnologia é a mudança de escala, ou seja, a alteração de ritmo ou de velocidade que essa mesma tecnologia provoca nas conjunturas humanas. A aceleração reformula, de facto, significados; uma vez que altera a maneira como as pessoas se interrelacionam. Algumas sentem-se mais empobrecidas, pois transformando as relações sociais, a aceleração veio, consequentemente, amotinar o mundo que elas conheciam (McLuhan, 2008, p. 205).

Uma “mensagem” notável é a difundida pelos meios de transporte.

Atente-se que o caminho-de-ferro não introduziu novos conceitos [como a roda, a ideia de transporte ou de movimento na sociedade], mas originou novos tipos de cidades que acolheram novos modos de trabalho e de lazer. Deu-se uma transformação social que aconteceu independentemente do ambiente onde estava instalado o caminho-de- ferro ou da carga que os comboios transportavam. Incutiu-se, pura e simplesmente, uma aceleração na vivência das pessoas. Quando o automóvel se democratizou, pareceu despedaçar a vida familiar, por dividir funções quotidianas, afastando como nunca antes o local de habitação e de trabalho. Cada cidade explodiu em subúrbios e a vida urbana prolongou-se ao longo das estradas, “ […] até as transformar numa cidade sem fim”. O avião agravou o caos instalado quando, ao ampliar a mobilidade da população, ignorou completamente o espaço físico (McLuhan, 2008, pp. 22, 117, 229).

A par com os meios de transportes, emergiram ainda os meios de comunicação como o telégrafo, a rádio, o telefone e a televisão. Estes, de um modo peculiar, vieram também atestar a insignificância do espaço geográfico. Presentemente, este mostra-se sobretudo exíguo para a internet. Importa notar que quando se planeia a cidade ideal ou se debate sobre aquilo que se considera a “escala humana”, geralmente não se abrange qualquer relação com os meios de comunicação referidos (McLuhan, 2008, p. 117). E, repute-se – é já frequente, dispensar a relação com o próprio espaço urbano que dá forma às “cidades, subúrbios ou campos que os habitantes do mundo moderno quotidianamente frequentam” (Freitag, 2004, p. 11). Visto que, arquitectos, engenheiros e urbanistas se lançam hoje nas “utopias da imaginação arquitectónica” (Freitag, 2004, p. 11), num sistema computadorizado, submergidos num espaço ilimitado que não lhes exige “recorrer aos espaços físicos tradicionais” (Montaner, 2013, p. 47). Não passam de intenções, esboços, imagens e projectos que renunciam “a cumprir-se na sua matéria própria” (Freitag, 2004, p. 11). E, quando o fazem, alguns

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convertem-se em objectos análogos que, aleatória e indiscriminadamente, são vendidos por todos os continentes (Choay, 2011, p. 43).

“Mas o mundo, ao mesmo tempo, abre-se a nós.” (Augé, 2005, p. 30) Os astronautas viajam pelo espaço interplanetário como quem se passeia ao final da tarde (McLuhan, 2008, p. 346). Na Terra, as metrópoles estão agora separadas por um par de horas, graças aos velozes meios de transporte. Ao mais recôndito submundo chegam as mais variadas imagens, transmitidas pelos satélites e captadas pelas antenas de televisão que engalanam os nossos telhados. E, no conforto das nossas casas, assistimos instantânea e, por vezes simultaneamente, à guerra santa que decorre no outro extremo do planeta. Enfim, apresenta-se-nos a sobremodernidade: a era da mudança de escala (Augé, 2005, p. 30).

É actualmente quase inexistente o fosse entre estímulo e resposta comunicacional. Ultrapassou-se por completo o tempo onde transmitir a informação demorava mais do que recolhê-la (Kerckhove, 1997, p. 191). A instantaneidade eliminou as fronteiras geográficas e até os fusos horários. Viaja-se através de padrões de corrente eléctrica. Afirma Kerckhove28 (1997, pp. 244-247) que, quando telefonamos de Toronto para Munique, nos transformamos de imediato num ser “cego com sete mil quilómetros de comprimento”; quando usamos a videoconferência estamos mais “lá”, distantes, no ecrã onde a nossa imagem aparece, do que quando usamos apenas o telefone.

Perante esta realidade, podemos assertivamente declarar que, para as nossas próprias extensões [tecnologias], o espaço e o tempo se tornaram obsoletos. Evidencia-se um processo global que ignora e substitui a estrutura urbana, acarretando novos e intrincados problemas de relacionamento e de organização humanos. Na verdade, a tecnologia eléctrica já não é extensão do nosso corpo, mas do nosso sistema nervoso. E, portanto, ela expande como nunca antes o nosso alcance, mas renega inteiramente a dimensão espacial onde [fisicamente] nos movimentamos (McLuhan, 2008, pp. 117, 346).

Adivinha-se então que, “ […] a natureza da cidade enquanto forma predominante dissolver-se-á inevitavelmente como um tiro fundido num filme” (McLuhan, 2008, p.

28 Derrick de Kerckhove (Wanze, 1944) discípulo de Marshall McLuhan, Kerckhove é doutorado em Sociologia da Arte e foi director do programa McLuhan Program in Culture and Technology entre 1983 e 2008. É professor no departamento de língua francesa da Universidade de Toronto e também na Faculdade de Sociologia da Universidade de Nápoles Federico II, em Itália. Na sua obra A Pele da Cultura desenvolve algumas teorias originais sobre a psicotecnologia, desafiando os actuais modos de pensar (Kerckhove, 1997).

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346). Numa lógica similar, também Koolhaas29 (2010, p. 18) escreve: “Em conjunto, todas estas rupturas – com a escala, com a composição arquitectónica, com a tradição, com a transparência, com a ética – implicam a final e a mais radical ruptura: a Grandeza30 já não faz parte de nenhum tecido urbano.”

O que nos remete para uma das principais problemáticas do mundo contemporâneo, também “figura do excesso”, característica da sobremodernidade: “a transformação acelerada do espaço” (Augé, 2005, p. 30).

E aqui, socorremo-nos da erudita assertividade de Fernando Távora (2007, p. 18) quando escreve:

O espaço é contínuo, não pode ser organizado com uma visão parcial, não aceita limitações na sua organização e do mesmo modo que [a] forma [e] o espaço estão intimamente ligados que uma é negativo do outro, e vice-versa, pelo que não podem separar-se, assim as formas visualmente apreendidas mantêm entre si estreitas relações – harmónicas ou desarmónicas – mas de qualquer modo evidentes. […] Tudo tem importância na organização do espaço – as formas em si, a relação entre elas, o espaço que as limita – e esta verdade que resulta de o espaço ser contínuo anda muito esquecida.

Primeiramente pode enunciar-se que associada à acelerada transferência de pessoas e bens se verifica uma multiplicação dos designados não-lugares. Conceito desenvolvido por Augé, este considera não-lugares: aeroportos, estações, centros comerciais, ou ainda, campos de trânsito prolongado onde se encontram as populações refugiadas (2005, p. 33). São espaços não-identitários, não-antropológicos (2005, p. 67). Resultantes de um avanço tecnológico, estão usualmente relacionados

29 Rem Koolhaas (Roterdão, 1944) é um arquitecto holandês. Desenvolveu trabalho como jornalista no Haagse Port e como cenógrafo de filmes. A partir de 1968 instalou-se em Londres para frequentar a Architectural Association School, onde elaborou alguns projectos de âmbito teórico. Após a conclusão do curso em 1972, viajou para os Estados Unidos. Enquanto trabalhava no Institute for Architecture and Urban Studies, Koolhaas escreveu o livro Delirius New York, um dos mais importantes textos teóricos pós- modernistas sobre arquitectura. Em 1975, funda o Office for Metropolitan Architecture (OMA). Durante a década de oitenta, realizou inúmeros projectos de grande escala, participando em vários concursos internacionais. Foi professor na Universidade de Colômbia [Estados Unidos], na Architectural Association School de Londres e na Universidade Técnica de Delft. Foi galardoado com inúmeros prémios dos quais se podem realçar: o Prémio Pritzker, em 2000 e o prestigiado prémio de arquitectura Mies Van Der Rohe, em 2005. Dos trabalhos teóricos salientam-se, além do já referido Delirius New York, o livro autobiográfico SMXXL e os ensaios sobre a cidade contemporânea publicados no livro Três textos sobre a cidade [edição portuguesa]. Dos trabalhos práticos podem destacar-se: o Palácio de Exposições de Lille, a moradia Villa dall’Alva [França], a Casa da Música [Portugal] e a Embaixada da Holanda [Alemanha]. (Porto Editora, 2006) 30 O livro Três textos sobre a cidade reúne três ensaios escritos por Rem Koolhaas, nos quais o arquitecto descreve o que será a cidade do futuro. A Grandeza, a Cidade Genérica e o Espaço-lixo são três conceitos que irão, segundo o autor, determinar as nossas cidades. É importante manifestar que, embora Koolhaas teorize argumentos contraditórios aos que se defendem nesta dissertação, não podemos deixar de referenciar alguns cenários descritos por ele, uma vez que se aproximam muito da actual situação de algumas cidades contemporâneas.

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com o consumo, o transporte e o lazer. Distinguem-se principalmente pelo seu carácter económico e condicionamento solitário (2005, p. 80). Maioritariamente localizados na periferia das cidades são zonas alcançadas apenas mediante vias rápidas pelos respectivos transportes que lhes estão acomunados [automóvel, avião, comboio, metropolitano]. Logo, os não-lugares são espaços onde a velocidade está impressa. Não só pelo facto descrito, mas também por serem superfícies onde a população “corre”. Se acelera. Por ali pretender estar o menor tempo possível (Marc Augé apud Montaner, 2013, p. 45). Pelo que, os não-lugares são espaços fomentados pela aceleração e incessantemente condicionados por ela.

Concomitantemente, pela primeira vez na história da humanidade, o Homem parece finalmente deter o total controlo sobre um espaço: “Indiscutivelmente, o espaço virtual consiste na mais alta criação da ambição humana, configurando-se num mundo laico totalmente fora das leis da natureza.” (Montaner, 2013, p. 47) Onde o alcance e o feedback são instantâneos. Onde também a aceleração é característica. É regra (Kerckhove, 1997, p. 244).

“Tanto os não-lugares como, principalmente, o espaço virtual são apresentados com todo o seu carácter sedutor – pela promessa de possibilidades e transformações inimagináveis –, mas também com uma quantidade de aspectos ocultos e negativos.” (Montaner, 2013, p. 47)

É que embora se esteja a desenvolver uma nova consciência de tempo, espaços [físicos e virtuais] exegéticos de um progresso e, eventualmente, um “ […] novo regime baseado no controlo da competência, acesso e rapidez em que a velocidade de processamento vai custar mais caro do que o espaço” (Kerckhove, 1997, p. 250). Há que referir que, todos estes novos espaços se baseiam na individualidade: promovem a solidão, a desconfiança e a semelhança. Renunciam a inter-relação (Marc Augé apud Montaner, 2013, p. 46; Choay, 2011, p. 42).

Intencionalmente, expõe-se nestes espaços uma panóplia de imagens [referentes a informação, publicidade, ficção], que embora tenham finalidades e tratamentos distintos, quando aprendidas pelos utilizadores elas reproduzem-se num universo bastante homogéneo (Augé, 2005, pp. 31-74). As forças perceptuais do Homem permitem-lhe esta capacidade neutralizante quando não localizam ou não conseguem evitar a causa de uma determinada irritação (McLuhan, 2008, p. 56). Por este motivo e, de um modo geral, exposto a um infindo universo de imagens, o Homem encontra-

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se actualmente compelido a deter qualquer tipo de informação de igual maneira. Independentemente do carácter da informação [e do próprio sujeito]. Fomenta-se a apatia e a superficialidade.

Acrescentar ainda que, em qualquer dos espaços, a comunicação com o seu semelhante é limitada. Nos não-lugares, os usuários interagem maioritariamente com textos e imagens divulgados ao longo da sua passagem e relacionam-se excepcionalmente com as entidades reguladoras e pessoas respeitantes a esses espaços (Augé, 2005, pp. 31-74). No espaço virtual, os indivíduos jamais se relacionam directamente. O contacto físico ou presencial nunca existe. Além disso, a divulgação publicitária é cada vez mais personalizada, seleccionada através dos dados pessoais, preferências e pesquisas na internet dos cibernautas – resvala-se hoje para um perigoso esbatimento entre domínio público e privado (Kerckhove, 1997, p. 242).

Sem qualquer intuito de denegrir as faculdades que as novas tecnologias detêm [que são inúmeras e inquestionáveis], pretende-se apenas desvendar e alertar, sucinta e objectivamente, para parte do semblante “oculto e negativo” (Montaner, 2013, p. 47) destes espaços progressistas. Para algumas das consequências menos positivas da aceleração imposta pelos novos meios no actual estilo de vida.

O que nos parece ser dicotómico nesta situação é: a humanidade, depois de ter estendido, ou traduzido, o seu sistema nervoso central através da tecnologia electromagnética e, ter atingido um novo tipo de relacionamento pessoal – “como se o mundo fosse uma pequena aldeia”; em vez de caminhar no sentido de “converter todo o globo, e toda a família humana, numa única consciência”, transfere agora essa consciência para o universo computacional e está antes, a expressar-se em desumanidade31 (McLuhan, 2008, pp. 75, 260).

Talvez porque, a instantaneidade e a ubiquidade electrónica eliminaram na íntegra os nossos períodos de adaptação. Comportamos sequelas políticas e socioculturais, muito antes de nos conseguirmos reorganizar enquanto comunidade – em termos práticos e [evidentemente] regulamentares. E, enquanto seres, intrínseca e [até agora]

31 No sentido da questão, e nesta ocasião, o termo “desumanidade” aplica-se, não no seu significado mais lato [crueldade] mas, com o objectivo de enfatizar o comportamento individualista e solitário característico da sociedade contemporânea [que se opõe à natureza social do Homem].

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eminentemente sociáveis, [ainda] não nos é possível lidar com esses efeitos (Freud, 2005, p. 111; Kerckhove, 1997, p. 245).

Exposta esta conjuntura, podemos declarar que “ […] neste mundo, [onde] só paramos quando nos aborrecemos, só paramos para nos aborrecermos […] ” (Freitag, 2004, p. 10); estamos a transmitir esta “esquizofrenia” para o modo como construímos o nosso espaço físico, para o modo como velamos a nossa arquitectura (Pereira, 2007, p. 13).

E esta ‘doença’ do espaço tem aspectos vários: afecta, por exemplo, a economia na medida em que as formas criadas não são eficientes ou, se o são por si, não o são no sentido mais amplo da posição que ocupam; afecta a cultura na medida em que as formas criadas destroem valores existentes ou não criam valores de significado cultural; afecta, numa palavra, o Homem, na sua vida física e espiritual, na medida em que as formas criadas não servem para o prolongar, servir e enriquecer mas apenas concorrem pela desvalorização do seu ambiente físico, para o perturbar em aspectos múltiplos da sua existência. (Távora, 2007, p. 27)

Reflecte-se esta perturbação na presença de um sentimento de crise impresso na vida pública: impera uma sociedade ávida de cosmopolitismo em que os novos trâmites de ordem são o individualismo oportunista, a desconfiança e o consumo. Quer-se instantaneamente saber, para rapidamente poder esquecer. Agora que o tecido urbano segrega periferias suburbanas formadas por construções isoladas, as relações humanas parecem perder significado e engrandece a cultura das redes sociais e da comunicação electrónica (Montaner, 2013, p. 48; Choay, 2011, p. 39; Graça, 2006, p. 9).

Em torno de cidades e aldeias tradicionais foram crescendo novas aglomerações que, independentemente do seu tamanho, não contribuíram para o seu desenvolvimento. Antes influíram, por um lado, para a dispersão urbana; por outro, para a asfixia de núcleos urbanos preexistentes, singulares e coerentemente organizados. Avilta-se o espaço urbano tradicional (Freitag, 2004, p. 53; Choay, 2011, p. 42); esquecendo que, o espaço construído é “ […] como um sistema de vasos comunicantes em que o se faz ou deixa de fazer de um lado influencia ou condiciona o que acontece noutro lado” (Portas, 2005, p. 165). [Enfatizando o postulado por Fernando Távora (2007, p. 18) relativamente à continuidade do espaço.]

Adensa-se então, a “confusão psicológica” (Kerckhove, 1997, p. 229) colectiva, num caos urbano que já não é uma previsão futurista é o “presente progressivo de um sistema desurbanizado” (Graça, 2006, p. 9).

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Enfim, a globalização a adquirir corpo no espaço físico.

Estreitamente relacionada com esta acção global engrandece a lógica do capitalismo (Graça, 2006, p. 9). Lógica política em que se debate “mais pelas coisas do que pela qualidade das coisas” e a norma dita “os interesses a curto prazo de uns”, em vez de “uma hipótese ponderada dos interesses a longo prazo de todos” (Portas, 2005, pp. 130, 135). Diga-se que nunca as conveniências individuais do Homem foram tão declaradamente impressas num sistema colectivo, mas jamais os referenciais de identificação colectiva foram tão volúveis (Augé, 2005, p. 35).

Abnegando os relacionamentos pessoais, o cidadão contemporâneo, devidamente munido com provas de “ser-inofensivo”, desfigura-se em consumidor. Converte o espaço urbano num simples processo imobiliário onde, ironicamente, as directrizes essências não mais servem os interesses da colectividade. E, como tal, a cidade contemporânea torna-se demasiado complexa e não é [mais] humanamente legível (Augé, 2005, p. 45; Graça, 2006, pp. 5-9).

Ilustração 5 – Um subúrbio ilegível. (Ilustração nossa, 2011).

Num regime mais libertino do que liberal, porque – como em tempos referiu Zevi32 (2002, p. 2) – continuam sem existir “instrumentos eficazes para impedir a realização de edifícios horríveis”, ou para evitar “escândalos urbanísticos e arquitectónicos”. Assiste-se a um incrementar de zonas privadas e a uma propagação de equipamentos altamente controlados e artificiais. Disseminados ao longo do território substituem e, principalmente degradam, simbólica e fisicamente, o apelidado espaço público, esvaziando-o de sentido (Graça, 2006, pp. 5-6).

O que só comprova “ […] a íntima relação entre arquitectura e política que por vezes, temos tendência a esquecer” (Portas, 2005, p. 50).

32 Bruno Zevi (1918-2000) foi um arquitecto italiano. Inicia os seus estudos em Roma, mas instrui-se na Universidade de Harvard, dirigida na altura por Walter Gropius. Foi professor nas universidades de Veneza e Roma, e professor convidado em faculdades de todo o mundo. Escritor e um dos principais críticos da arquitectura modernista e pós-modernista, da sua obra literária destacam-se: Saber Ver a Arquitectura e História da Arquitectura Moderna (Editorial Gustavo Gili, 2015b).

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No passado, o espaço público exerceu um papel aglutinador. Por um lado, tinha uma divina aptidão para reunir seres humanos, oferecendo-lhes a possibilidade de se reconhecer individualmente e coabitar em comunidade. Por outro, detinha também, a capacidade para articular espaços com histórias, tipologias e diferentes dinâmicas. Através de formas com “limites de elasticidade” (Portas, 2005, p. 117) que, baseados numa sensibilidade e num mútuo respeito, garantiam a continuidade do espaço, assegurando a identidade do conjunto (Portas, 2005, p. 117; Távora, 2007, p. 18). Acontecia entre espaço e pessoas um processo de simbiose.

Hoje, a aceleração e a “aflitiva rapidez das transformações” (Portas, 2005, p. 148) deixam patente no espaço, o desnorteamento de uma sociedade, cujos homens se ignoram mutuamente. Esta desenvolveu um sistema urbanizado que não mais “organiza espaço”, antes “ocupa espaço”33. Uma vez que, sempre que necessário constrói – sem aparente estratégia e a um ritmo que o passado ignorou – um espaço que se define agora pela sua fragmentação e descontinuidade. De um modo geral, improvisam-se soluções – rápidas e de fácil aplicação – que mais depressa ainda se revelam inoperantes e negativas (Portas, 2005, pp. 117, 148; Távora, 2007, p. 34).

Escreve-se: “de um modo geral”, porque se reconhece na obra de alguns arquitectos de renome [e outros meros ignotos], um esforço válido para organizar espaço, para construir espaços com sentido. Altruístas e responsáveis. Mencionar também, os poucos lugares que ainda não foram atingidos pela incoerência e pelo caos da cultura ocidental. Porém, se observarmos o problema na sua globalidade, todos esses casos não são norma, mas, infelizmente, a excepção (Távora, 2007, p. 42). O espaço organizado pode ser hoje encarado como apanágio que a nem todos atinge.

Interessa apontar que, “ […] a nossa época, […], tem sido avessa à colaboração, […], donde resulta que as suas obras constituem apenas soma e nunca integração […] “ (Távora, 2007, p. 21). Precisamente quando se fortalecia o valor do lugar e a arquitectura como um respeito pelo lugar34 surge uma realidade totalmente diferente

33 Ver nota de rodapé número 15. 34 A arquitectura do lugar é um fenómeno iniciado na década de 1940, pelo arquitecto norte-americano Frank Lloyd Wright (1867-1959) e pelos arquitectos nórdicos, dos quais se pode destacar Alvar Aalto (1898-1976). Alicerçando-se na sensibilidade da arquitectura em relação ao lugar [clima, topografia, materiais, paisagem, etc.], estes arquitectos desenvolveram uma cultura organicista baseada no conceito grego de genius loci ou espírito do lugar. Este novo empirismo surge como atitude reaccionária ao modo como se erigiu a cidade contemporânea. Foi discutido e desenvolvido por personalidades como o filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) e pelo arquitecto italiano Aldo Rossi (1931-1997). Em Portugal, a arquitectura do lugar é encabeçada pelo arquitecto Álvaro Siza Viera (Matosinhos, 1933) (Montaner, 2013, pp. 29-41).

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em relação ao espaço (Montaner, 2013, p. 43). Um novo tipo de “ […] espaço [des]organizado, tão impressionante pelas suas dimensões como ultrajante em relação ao Homem pelo modo como se lhe impõe, […] ” (Távora, 2007, p. 35). Porque à medida que se difunde, arbitrariamente devasta, quer paisagem natural, quer o próprio Homem que cria (Freitag, 2004, p. 16; Távora, 2007, p. 35).

A Cidade Genérica apresenta a morte definitiva do planeamento. […] Não porque não seja planeada – de facto, enormes universos complementares de burocratas e promotores imobiliários canalizam fluxos inimagináveis de energia e dinheiro para a sua concretização; […] Mas a sua descoberta mais perigosa e estimulante é que o planeamento não faz qualquer diferença. Os edifícios podem colocar-se bem […] ou mal […]. Todos florescem/morrem de maneira imprevisível. […]

A Cidade Genérica está a debilitar todas as estruturas que no passado levaram a que algo se consolidasse. […]

A grande originalidade da Cidade Genérica é simplesmente a de abandonar o que não funciona […] para romper a capa de asfalto do idealismo com os martelos pneumáticos do realismo e aceitar qualquer coisa que cresça em seu lugar.

(Koolhaas, 2010, pp. 42-49)

Assim, a um ritmo veloz, afigura-se crível a onírica “cidade do futuro” – descrita por Koolhaas.

Visto que, por um lado, o actual sistema construído se estende sem planeamento: numa barganha e desenfreada conquista de terrenos, cidades-satélite e complacentes loteamentos. Um sistema em que a desordem é soberana; que não faz distinção entre meio urbano ou rural (Portas, 2005, pp. 147,181); que ignorando “necessidades, valores e motivações”, edifica uma construção sem identidade social e histórica; que não assume “qualquer responsabilidade de fazer sentido, de fazer laço, de fazer Todo” (Freitag, 2004, pp. 62-65); e que contribui apenas para acentuar no Homem um estado de desequilíbrio interior (Távora, 2007, p. 27).

“Porque o espaço físico só é coisa de cultura quando se entende e, quando se entende, põe-se-lhe nome.” (Portas, 2005, p. 116)

Por outro lado, também se entrega “ […] ao desperdício indiscriminado com que o capitalismo urbano destrói e substitui o que existe antes de ter esgotado o seu valor de uso” (Portas, 2005, p. 157). Foi corrente assistir em algumas zonas das cidades, a processos de renovação que destruíram, lote após lote, edifícios potencialmente úteis, com conteúdo histórico, substituindo-os por novas construções de menor qualidade e

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elevado preço (Portas, 2005, p. 147). Este fenómeno contribuiu para a perca de um conjunto arquitectónico determinante como “código genético” das cidades, que era revelador da sua essência (Portas, 2005, p. 42).

Porque,

Uma cidade é um pouco como um animal colonial. Uma cidade tem um sistema nervoso, cabeça, ombros e pés. Uma cidade é uma coisa separada de todas as outras cidades, de modo que não há duas cidades iguais. E uma cidade tem uma emoção própria. (Steinbeck, 1999, p. 39)

“Emoção própria” que é transmitida pelas suas zonas típicas, pelos seus edifícios de interesse histórico, de significação identitária, que complementam uma malha urbana bem consolidada ao longo do tempo. Nem sempre classificados como património nacional ou internacional, existem nelas elementos característicos que são fundamentais por ser neles que a população se identifica; porque eles canonizam a originalidade da sua cidade (Freitag, 2004, p. 65; Portas, 2005, p. 160).

Estes conjuntos edificados, ou se consagraram maioritariamente como espaços- museu, destinados a ser visitados, fotografados, mais do que habitados; ou, gradualmente se viram rejeitados, sob o pretexto de se verificarem inoperantes ou desadequados para o novo formato de vida da população (Freitag, 2004, p. 11; Portas, 2005, p. 100; Choay, 2011, pp. 44-50).

Vêem-se hoje em algumas cidades, zonas de frente marítima [ligadas a funções portuárias, ferro e rodoviárias], zonas industriais e ribeirinhas, por exemplo, que embora conservem grande potencial [para novos serviços, equipamentos colectivos, residência], se encontram tão abandonadas como algumas zonas históricas (Portas, 2005, p. 103).

São, portanto, espaço físico organizado invalidado pelo próprio Homem; são territórios e edifícios conversos em infra-estruturas devolutas que também afluem para uma descontinuidade. Pois, ainda que elementos delimitativos e caracterizantes de um conjunto urbano organizado; já não se apresentam como componentes úteis na sinergia do sistema urbano em que o Homem se movimenta.

Ana Catarina Neves Figueiras 50 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 6 – Zona ribeirinha desaproveitada, em avançado estado de degradação. ([adaptação a partir de]: González Ramírez, 2014).

Ilustração 7 – Zona industrial integrada na malha da cidade, todavia desaproveitada. ([Adaptacção a partir de]: Ramos Suárez, 2014).

Ana Catarina Neves Figueiras 51 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Exposto isto, diz-se a Arquitectura num estado de crise (Freitag, 2004, p. 12).

A realidade urbanizada que lhe vê recusados os valores éticos, estéticos, de carácter histórico e referencial [a quem o Tempo conferia à Arquitectura a sua dignidade], apenas reflecte, declaradamente, o estado de desarmonia interior do próprio Homem que a erige. Esse ser hodierno que pertence à única civilização que se prepara para nada deixar como legado para o futuro: nem formas arquitectónicas providas de um sentido; nem sequer as ruínas, porque tudo parece devastar numa epifania autodestrutiva (Freitag, 2004, pp. 12,64; Távora, 2007, p. 40; Choay, 2011, p. 50).

Sob esta perspectiva surge então, uma consciencialização de um conjunto de problemas que afectam o Homem contemporâneo. E, ainda que transponíveis à arquitectura, se repercutem directamente sobre ela. Como resultado, o Homem autocritica-se e pensa agora sobre o sentido da sua evolução, na maneira como se relaciona e quais os valores postos em causa (Távora, 2007, p. 33; Choay, 2011, p. 50). Atentando que, tal como mencionou Lévi-Strauss35 (2000, p. 65): “ […] para progredir, é necessário que os homens colaborem […] ”. E, numa crescente “sociedade em transe de transformação”, em que se lhe impõe como destino essa “nova realidade que é a globalização”, a identidade é e será, um “tema recorrente” (Tainha, 2007, p. 10).

Como tal, apesar do medrançoso lugar impalpável36 ser já parte integrante da cultura contemporânea, influindo naturalmente na herança deixada pela actual sociedade (Barbosa, 2013, p. 91). É urgente relembrar que o espaço físico e o lugar antropológico nunca serão prescindíveis, devido [justamente] à sua função de legibilidade e identidade (Montaner, 2013, p. 49). Porque neles se encontra a “possibilidade de sermos afectados pelos objectos” (Kant, 1985, p. 68) – que, como já averiguado, é essencial para o auto-reconhecimento do Homem (Tainha, 2007, p. 10) – sem esta interacção, “ […] a representação do espaço [físico] não significa nada” (Kant, 1985, p. 68). Presentemente ambas as existências, virtual e real, se entrecruzam, complementam e convivem, todavia, é na realidade concreta, repute-se,

35 Claude Lévi-Strauss (1908-2009) foi um filósofo e etnólogo francês. Depois de ter concluído o seu curso em Paris com o título de professor agregado em Filosofia, consagra-se inicialmente no ensino. Em 1935, vai para o Brasil, onde lecciona na Universidade de São Paulo. É aí que se transforma em etnólogo e dirige várias expedições científicas. Entre 1942 e 1945 foi professor na New York School of Research. Em 1950 é nomeado director de estudos na École pratique dos Hautes Études; foi professor catedrático de Antropologia Social no Collège de France. Deixa uma longa obra escrita de onde se podem destacar: Tristes Tópicos, Raça e História, Mito e Significado e A oleira ciumenta (Lévi-Strauss, 2000). 36 Leia-se: espaço virtual.

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na Arquitectura, onde o Homem [por enquanto]37 efectivamente habita38 (Montaner, 2013, p. 49; Heidegger, 1954).

Deste modo, ciente deste facto e, direccionando-se na ambição de se [re]encontrar novamente no espaço construído; percebendo que “ […] o planeamento físico poderá ter assim um valor muito positivo pois significa, para cada caso, pensar sobre si próprio, reencontrar o verdadeiro caminho, […] ” (Távora, 2007, p. 37). O Homem apercebe-se que o desafio, actual e futuro, está, por um lado, em não expandir uma construção sem assegurar a continuidade e o carácter público do espaço construído e, por outro, em não facilitar o esvaziamento e abandono do conjunto edificado de valor histórico, patrimonial (Portas, 2005, p. 63).

Conforme se poderá entender, aparentemente simples de resumir como práticas coevas fundamentais para um desenvolvimento sustentável das cidades, ambos os reptos supra-referidos, são problemáticas extraordinariamente complexas, discutíveis e incapazes de ser traduzidas ou solucionadas numa despretensiosa dissertação de mestrado. Todavia, aproxima-se por fim, este último intento [a reciclagem de edifícios] daquele que se pretende como tema capital deste trabalho – a intervenção contemporânea no património arquitectónico.

2.3. INTERVIR NO PATRIMÓNIO ARQUITECTÓNICO

Embora a reciclagem de edifícios – ou vulgar reabilitação de edifícios – seja autenticada como uma estratégia imprescindível para um progresso urbano sustentável e, por conseguinte, para um reequilíbrio emocional do Homem (Távora, 2007, p. 37); intervir contemporaneamente no património arquitectónico continua a ser um tema pouco consensual. Este encerra uma panóplia de questões [regulamentares, circunstanciais, éticas e também emocionais], que é agravada pela [supracitada] realidade em vertiginosa transformação (Bloszies, 2012, p. 11).

37 O livro Reality Check escrito no final do século XX reúne uma centena de invocações que se previa ser o progresso correspondente ao século XXI. Um dos acontecimentos que se profetiza nesta colectânea é a colonização de Marte, apontada para o ano de 2020. Se, na altura, completamente onírica, esta previsão parece agora mais real: a organização holandesa Mars One pretende colocar humanos no planeta Marte num [aparente] futuro próximo (2023). Apesar das inúmeras vicissitudes que ainda não permitem concretizá-lo, o objectivo está lançado. Morar noutro planeta que não a Terra, seja por que motivo for [progresso tecnológico, escassez de recursos naturais, etc.], parece ser um tema a adquirir consistência. E, a realizar-se, dar-se-ão alterações notáveis no modo como vivemos, no espaço construído onde nos movimentamos, e consequentemente, na arquitectura. Arquitectura que se adivinha “espacial”, mas interplanetária (Costa, 2013; Wieners, et al., 1996, p. 107). 38 Remete-se para a nota de rodapé número 20.

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Acrescentar que, de uma maneira particular, as intervenções que conjugam um edifício preexistente com uma nova forma arquitectónica, isto é, que ao “velho” adicionam um “novo” perfeitamente distinguível – sendo este, em específico, o modo de intervir que nos interessa estudar neste trabalho – são ainda mais controversas (Bloszies, 2012, p. 11). Talvez, por se materializarem em assumidos contrastes que, por não serem plenamente familiares reavivam, na maioria das pessoas, uma consciência anacrónica, conservadora e [excessivamente] saudosista.

Por outro lado, não é invulgar, aquando o momento de se reintegrar ou interagir com o património arquitectónico, alegarem-se os edifícios preexistentes como meros “castradores” da criatividade dos arquitectos (Bollack, 2013, p. 9).

Assim, ainda que reconhecendo a coexistência de antagónicas atitudes em relação ao tema, ele revela-se incontornável. O que somente parece conferir algo que se tem vindo a encorpar ao longo deste capítulo, e que também Nuno Portas39 (2005, p. 126) aduz:

[É] […] pela procura de relações entre a cultura anterior e as [novas] formas de vida da população […] [que se obtém] […] uma visão realista quer das transformações necessárias, quer das permanências possíveis dos valores anteriores. Isto é, para apontar o caminho de um novo equilíbrio, […], de uma nova cultura […].

De facto, não seria longe desta lógica de pensamento que o arquitecto Manuel Tainha (2007, p. 112) defendia: “ […] para fazer um martelo eu preciso de outro martelo, senão não saberia o que é um martelo, nem porque urgia fazê-lo”.

O “antigo” ou, neste contexto específico, o património arquitectónico, mais do que uma preexistência [de]limitativa do ato criativo, trabalha como “base de sustentação”; evidencia-se como insinuação para o idealizar do “novo” (Tainha, 2007, p. 112); constituindo o nosso refúgio (Krier, 1999, p. 205). Sem qualquer referencial, o ser

39 Nuno Portas (Vila Viçosa, 1934) é um professor universitário e arquitecto português. Estudou arquitectura na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, tendo concluído os seus estudos na Escola Superior de Belas-Artes do Porto, em 1960. Colaborou com vários arquitectos, dos quais se destaca Nuno Teotónio Pereira, com quem realiza a Igreja do Sagrado Coração de Jesus (1961-1970), Prémio Valmor de 1974. Autor de um vasto conjunto teórico, Portas é um dos grandes responsáveis pela divulgação da arquitectura portuguesa no estrangeiro através da revista Arquitectura. Em 1974, como membro do Governo, participou na elaboração do programa SAAL [Serviço Ambulatório de Apoio Local], focalizando o seu trabalho, a partir de então, nas áreas de planeamento urbano, campo onde se assume como um dos mais importantes teóricos a nível nacional e internacional. Em 2004, Nuno Portas foi condecorado pelo presidente da República Jorge Sampaio. Em 2005, é galardoado com o prémio Sir Patrick Abercrombie de Urbanismo da União Internacional de Arquitectos, pela primeira vez atribuído a um arquitecto português (Portas, 2005).

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humano desorienta-se; é incapaz de caminhar no sentido de descortinar um “novo equilíbrio” (Portas, 2005, p. 126).

Por esta razão, e contrariamente ao que se defensou no movimento moderno – em que a máxima funcionalista se pretendia independente da tradição, numa total ruptura com o passado (Montaner, 2013, p. 137) – o que é observável no percurso evolutivo da humanidade, é a procura de um maior envolvimento com a História por parte do Homem: “ler com os olhos dos artistas vivos as obras do passado“ (Zevi, 2002, p. 199); e, de um modo singular, recuperar a sua relação com o património edificado, principalmente aquando períodos de revolução cultural40 (Choay, 2011, pp. 19-35).

Porque, tal como assevera Françoise Bollack (2013, p. 9): o património arquitectónico não se estabelece como um impedimento, mas como alicerce para se continuar.

Habitualmente reduzida ao simples substantivo “património” evidenciar que, o uso da expressão “património arquitectónico” não é, de maneira nenhuma, uma acção inopinada. Primeiramente e, tal como narrado no preâmbulo deste capítulo, utilizamos esta expressão para nos cingir ao património edificado. Destacando-o assim, das “obras-primas das belas-artes e das artes aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes e conhecimentos humanos”, que igualmente consagram o nosso património histórico. Além disso, a expressão “património arquitectónico” – ao contrário do que alguns leigos poderiam pensar – já não é sinónimo de “monumento histórico”. Estes “[...] constituem apenas parte de uma herança que não pára de aumentar, [...] “ (Choay, 2013, pp. 12-13).

Contudo, afigura-se neste ponto, fundamental, definir o termo “monumento” [sem qualitativo]. Uma vez que, a sua acepção remeter-nos-á para algumas solicitudes precedentes e aproximar-nos-á consideravelmente do intrincado conceito de património arquitectónico.

40 Como “revolução cultural” não nos referiremos à célebre Revolução Cultural Chinesa – iniciada em 1963 pelo ditador Mao Tsé-Tung (1893-1976) e, segundo algumas fontes, só finda aquando a sua morte (Porto Editora, 2006) – mas sim, a períodos da história do Homem em que, por acontecimentos vários, houve uma transformação e uma evolução no pensamento colectivo. São considerados períodos de revolução cultural: o Renascimento e a Revolução Industrial, por autores como Françoise Choay (2011, p. 19); e ainda, a decorrente Era das Tecnologias. Esta última é considerada pelo ensaísta e filósofo Miguel Real (Lisboa, 1953) (2013, p. 36), como a terceira revolução cultural. A noção de “revolução cultural” serve “ […] para marcar a globalidade das dimensões societais verificadas ao longo da história, na sequência de certos acontecimentos, transformações, evoluções, de ordem mental e técnica” (Eugenio Garin apud Choay, 2011, p. 20). Como tal, arrogar-se-ão neste trabalho as considerações destes autores.

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Etimologicamente, o termo “monumento” deriva do substantivo latino monumentum, que advém do verbo monere que, por sua vez, tem como significado: “advertir, lembrar à memória”. Nestas condições, invocar-se-á como monumento, qualquer construção ou artefacto, realizado intencionalmente por uma comunidade humana para se recordar, ou rememorar a gerações seguintes, os costumes, pessoas, acontecimentos, sacrifícios ou crenças dessa mesma comunidade. Por estar presente em todas as culturas e sociedades humanas, diz-se universal (Choay, 2013, pp. 17-18).

São, portanto, formas construídas que permitiram aos homens relacionar-se com o seu passado; que procuraram apaziguar as angústias e inquietudes humanas; são formas que garantiram as origens. Fundamentalmente, o monumento tem um valor memorial e um carácter identitário (Choay, 2013, pp. 17-18).

“A sua relação com o tempo vivido e com a memória, noutras palavras, a sua função antropológica, constitui a essência do monumento.” (Choay, 2013, p. 18)

Apreendida esta “essência”, e advertindo para algumas reflexões41 já descritas neste trabalho, parece-nos sensato afirmar que, independentemente da sua inserção na temporalidade, ou da sua classificação [burocrática], quando subsiste, todo o património arquitectónico usufrui rigorosamente do mesmo princípio fundamental: ele memoriza, rememora e, por conseguinte, identifica-nos enquanto homens pertencentes a um Tempo.

É impetuoso referir que, entretanto, o sentido original do termo “monumento” não é o da sua génese. Este foi-se alterando, sobretudo a partir do século XV, aquando a invenção e a difusão da tipografia. O aparecimento do livro, “primeira memória artificial” (Choay, 2011, p. 17) do Homem, despoja o monumento de significação memorial e outorga-lhe “ [...] um deslize em direcção a valores estéticos e de prestígio: ‘Monumento ilustre, soberbo, magnífico, durável, glorioso’ ” (Choay, 2013, p. 18). Como tal, o monumento foi abandonando a sua função rememorativa e identificadora e dignificou-se especialmente como adjectivo.

Escrevia, em prolepse, o romancista Victor Hugo (apud Choay, 2013, p. 21): “Isto (a tipografia) matará aquilo”, anunciando a morte do monumento, da obra arquitectónica, enquanto “memória de pedra” (Freitag, 2004, p. 20) do Homem. Naturalmente, à medida que este adquiriu técnicas mnemónicas mais eficazes [a tipografia, a

41 Remete-se para o disposto nas páginas 30 a 33 do subcapítulo 2.1. Património e identidade.

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imprensa, a fotografia], o monumento simbólico, deliberadamente erigido para fins comemorativos, tendeu a desaparecer. Por conseguinte, a veemência que os cingia foi remetida para os designados “monumentos históricos” (Choay, 2013, p. 24).

Apesar de definidas e circunscritas, no princípio do século XX pelo historiador Aloïs Riegl42 (Choay, 2011, p. 15), as duas noções de monumento [com e sem qualificativo] são, ainda hoje, frequentemente confundidas e arbitrariamente proferidas. Em alguns aspectos, elas são, no entanto, opostas (Choay, 2013, p. 24).

De acordo com o historiador, o monumento histórico [contrariamente ao monumento], não é criado ou desejado, inicialmente, na qualidade de objecto com uma intenção memorial. Contudo, este destaca-se de um conjunto de edifícios preexistentes devido ao seu valor histórico e/ou ao seu valor estético (Aloïs Riegl apud Choay, 2013, p. 25).

Mais precisamente, na sua relação com a história (seja ela qual for), o monumento histórico refere-se a uma construção intelectual, tem um valor abstracto de saber. Por outro lado, na sua relação com a arte, solicita a sensibilidade estética na sequência de uma experiência concreta. (Aloïs Riegl apud Choay, 2011, p. 18)

Por outras palavras, um edifício com um valor para a história – quer se refira à história de acontecimentos, política, socioeconómica, etc.; quer se trate de um exemplar de referência em termos construtivos ou para a história da arte – é considerado um monumento histórico (Aloïs Riegl apud Choay, 2011, p. 18). Existem também edifícios que, sem que a memória ou a história se imiscuam, são obras de arte. Pelo seu sentido estético, pela sua beleza, apelam à sensibilidade artística, ao nosso “desejo de arte”43, transformando-se em componentes do “presente vivido” e, por isso, respeitados também enquanto monumentos históricos (Aloïs Riegl apud Choay, 2013, p. 25).

42 Aloïs Riegl (1858-1905) foi um professor e historiador austríaco. Formou-se na Universidade de Viena. Estudou direito, filosofia e história, acabando por se tornar um notável historiador de arte. Foi nomeado, em 1902, presidente da Comissão Central dos Monumentos Históricos austríacos. O seu legado literário está, essencialmente, direccionado para a temática dos monumentos históricos e para a história do ornamento. Das suas obras podem destacar-se: Problema de Estilos e O Culto Moderno dos Monumentos. Este último foi um importante contributo para a história do património arquitectónico; nele, o autor expõe as diferenças entre as noções de monumento e monumento histórico. Pelo seu contributo e experiência, Riegl é considerado um dos fundadores da teoria moderna da história da arte (Choay, 2011, p. 189). 43 “Desejo de arte” ou Kunstwollen. O conceito heurístico de Kunstwollen permitiu a Riegl assinalar a distinção entre o valor artístico próprio do monumento e o seu valor para a história da arte (apud Choay, 2013, p. 30) [Nota da autora].

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Deste modo, clarificadas as duas noções de monumento, e conscientes da sua tendencial ambiguidade44, retenha-se o seguinte: ainda que nem todo o “objecto do passado” se tenha construído a partir de um intento célebre; a todo o objecto humano se poderá deliberadamente atribuir uma “função de memória”. [Possa ou não, ser, este objecto, um testemunho histórico.] Tal como, o “prazer concedido pela arte” [entenda- se, o sentido estético], não é exclusividade do monumento (Choay, 2013, p. 25).

Todavia, é necessário referir:

As diferentes relações que os monumentos e os monumentos históricos mantêm, respectivamente, com o tempo, a memória e o saber, impõem uma diferença maior relativa à sua conservação. Aparentemente, esta noção é-lhes consubstancial. No entanto, os monumentos estão permanentemente expostos às injúrias do tempo vivido. O esquecimento, a desafectação, o desuso, fazem esquecê-los e deixam-nos cair. [...] Em contrapartida, e porque se insere num local imutável e definitivo no seio de um conjunto objectivado e congelado pelo saber, o monumento histórico exige, no âmbito da lógica desse saber, e pelo menos em teoria, uma conservação incondicional. (Choay, 2013, pp. 25-26)

Acrescente-se que, é milenar [e universal] a relação do Homem com o seu legado arquitectónico. Tal como, são inúmeras e até antagónicas as suas atitudes interventivas. A destruição total e voluntária dos seus monumentos imputada por fenómenos bélicos45 [religiosos, políticos, ideológicos]; a reutilização parcial destes e dos respectivos materiais para edificar novos monumentos46; a sua desconstrução para os reconstituir na íntegra47; ou mesmo, erigi-los para os abandonar simplesmente, deixando-os entregues ao seu próprio destino – são apenas alguns

44 Na sua época, Riegl fundamentou que era a coexistência dos dois tipos de valores [histórico e estético] que originava – e, [parece-nos] ainda origina – verdadeiros antagonismos relativamente ao tratamento dos monumentos históricos. Confusão exacerbada pelo facto dos monumentos [de valor memorial] estarem igualmente abarcados no conjunto dos monumentos históricos (apud Choay, 2011, p. 19). A Basílica de Saint-Denis edificada no século VII, nas proximidades de Paris, é um exemplo concreto de um monumento memorial erguido antes do aparecimento do conceito de monumento histórico. Contudo, pelas suas características e pela sua história, foi também abrangida no conjunto dos monumentos históricos (Choay, 2011, pp. 59-71; Porto Editora, 2006). 45 Em 1860, durante a segunda guerra do Ópio, numa expedição franco-inglesa à China, os soldados desmantelaram o Palácio de Verão Yuanming Yuan e incendiaram os seus jardins. Deste modo, estes europeus destruíram uma obra de referência para o Oriente (Choay, 2011, p. 152). 46 Num processo de apropriação de formas, sem qualquer postura reflexiva ou cognitiva, os Romanos erigiram as suas construções [monumentos, termas, jardins, ruas e habitação] com fragmentos de arquitectura e de escultura gregos, atribuindo-lhes novas funções e, por conseguinte, um novo valor de uso (Choay, 2013, p. 36). 47 Para o povo Japonês as marcas do tempo não são referenciais. Pelo que, num processo de purificação, este povo destrói e replica periodicamente os seus templos (Choay, 2013, p. 26). Um outro exemplo é o caso da Basílica de São Pedro de Roma. Mandada edificar pelo imperador Constantino no século IV, foi totalmente destruída no século XVI. No sentido de se ajustar às necessidades da religião cristã, foi em seu lugar edificada uma nova basílica cuja execução foi entregue a Donato Bramante (1444-1514) (Choay, 2011, p. 17).

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exemplos ilustrativos do comportamento humano em relação ao seu património arquitectónico.

Por outro lado, “Na génese da protecção de monumentos antigos, a cidade de Roma é uma referência essencial” (Richard Krautheimer apud Choay, 2011, p. 79).

“Nós queremos que ela permaneça intacta durante tanto tempo quanto o mundo dure [...]. Aquele que atentar contra ela será condenado ao pior e os seus bens serão confiscados.” – Era o que podia ler-se no edital do Senado Romano48, a fim de proteger a Coluna de Trajano49 (Choay, 2011, p. 80).

No século V, os Romanos atribuíam já um valor memorial aos monumentos pagãos. Atente-se que, isto se verifica antes do aparecimento da noção de “antiguidade” [falar- se-á dela adiante] ou de “monumento histórico” (Choay, 2011, p. 79).

Ademais, e orientada pelo insigne papa Gregório Magno50, após a desintegração do Império Romano [século VI], a Igreja encarrega-se de conservar e converter aos novos usos o património arquitectónico da cidade (Choay, 2011, p. 80): “ [...] as grandes habitações patrícias são transformadas em mosteiros, as suas salas de recepção em igrejas”. Além da reutilização global dos edifícios; porções e fragmentos, tais como colunas, capitéis e frisos esculpidos são retirados aos edifícios antigos e reinseridos em novas construções para as dignificar. Assim, a partir do século VI, Roma transforma-se numa prodigiosa fonte de matéria-prima. Esta abastecerá as novas obras arquitectónicas erguidas, quer em território italiano, quer noutros países europeus (Choay, 2013, pp. 38-41).

Ora, facilmente se adivinha que é sobre a riqueza e a diversidade de uma cultura singular como a da Europa ocidental, que se irá desenhar o actual conceito de monumento histórico (Thiébaut, 2007, p. 9; Choay, 2011, p. 19). Na sua particular

48 O Senado Romano é a mais antiga assembleia política de Roma antiga. Constituída pelos chefes das famílias patrícias, provém dos tempos da realeza romana. Representava o poder fundamental da República (509 a. C.-27 a. C.), perdendo influência depois da implantação do Império (27 a. C.-476 d. C.) (Porto Editora, 2006). 49 A Coluna de Trajano é um monumento comemorativo construído em Roma a mando do próprio imperador; a sua importância artística reside nos relevos históricos que cobrem toda a coluna (Porto Editora, 2006). 50 São Gregório Magno (590-604) foi um papa italiano, pertencente a uma família patrícia romana. Fundou seis mosteiros com o produto da venda dos seus bens e começou a viver segundo a regra monástica, que só abandonou, contrariado, quando foi eleito papa a 3 de Setembro de 590. Este tornou-se um alto funcionário imperial com poder efectivo sobre Roma. No seu pontificado foram fortemente incrementadas as missões de conversão dos pagãos. O seu papado cessou em 604 (Porto Editora, 2006).

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relação com o saber e com a arte, o monumento histórico é, no entanto, uma noção que só “ [...] se difunde largamente fora da Europa a partir da segunda metade do século XIX” (Choay, 2013, p. 24). Porém, a sua origem, ou de um modo algo abrangente, a relação do Homem com o património arquitectónico – num desígnio “de estudar e conservar um edifício pela única razão de ele ser um testemunho da história e uma obra de arte” –, manifesta-se em Roma por volta do ano de 1420 (Choay, 2013, pp. 27, 33). Encontramo-nos na fase do Quattrocento – período meão de um desassossego cultural vulgarmente conhecido como Renascimento51.

Mencionar que, durante a era em que o Homem se rege pelo teocentrismo, a relação mantida com os monumentos de épocas passadas parece menos complexa (Choay, 2013, p. 37). Contudo, o declínio dos sistemas medievais, o conhecimento de novos povos e terras [devido à exploração marítima], a ascensão da burguesia e a adopção de uma postura antropocêntrica, incentivam a pesquisa científica e intelectual (Porto Editora, 2006) – “Donde um novo interesse para o conjunto de campos da actividade humana, estejam eles situados no presente ou no passado.” (Choay, 2011, p. 21)

Perante esta peculiar conjuntura, arriscar-se-á dizer que, os preceitos pelos quais se subordinava um determinado equilíbrio foram abismalmente postos em causa. A realidade vivencial dos homens renascentistas granjeia novos contornos: evolam-se paradigmas familiares – desperta a primeira e mais antiga revolução cultural (McLuhan, 2008, p. 124; Choay, 2011, pp. 21-25).

Então, “Um novo clima intelectual desenvolve-se em torno das antigas ruínas que, a partir daí, falam de história e confirmam o passado fabuloso de Roma, de que Poggio Bracciolini52 e os seus amigos humanistas choram o esplendor e condenam o saque”

51 O Renascimento é um movimento cultural que se desenvolveu em países da Europa central e ocidental nos séculos XIV a XVII. Veio a irradiar e a ter fundas repercussões na cultura de praticamente todos os países do continente europeu. Este movimento divide-se em três grandes fases: Trecento, Quattrocento e Cinquecento. Corresponde a um período histórico demarcado por grandes transformações económicas, políticas e sobretudo culturais e sociais, pois emerge uma nova visão do mundo e do próprio Homem [teoria antropocêntrica]. Regressando aos temas clássicos, reinventam-se as formas artísticas, interpretadas segundo uma perspectiva humanista e naturalista. Particularmente, a arquitectura também se vai deixar influenciar pelos cânones greco-latinos, cujas formas e volumes são integrados nas novas construções. Tenta-se a criação de uma nova estética, onde tem lugar primacial a grandiosidade dos edifícios. São nomes sonantes do período renascentista: Giotto di Bondone (1266-1337), Miguel Ângelo (1475-1564), Leonardo da Vinci (1452-1519) e Tintoretto (1518-1594), [ligados às Artes]; e também, Nicolau Copérnico (1473-1543) e Galileu Galilei (1564-1642), [individualidades pertencentes às áreas científicas] (Porto Editora, 2006). 52 Poggio Bracciolini (1380-1459) foi um dos mais importantes humanistas do Renascimento italiano. Estuda em Florença e percorre algumas cidades europeias, descortinando vários manuscritos com obras antigas dadas como perdidas, entre elas, o clássico Tratado de Arquitectura de Vitrúvio. Bracciolini é considerado o iniciador da epigrafia [estudo das inscrições antigas]. Grande coleccionador de objectos

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(Choay, 2013, p. 33). Estes humanistas [são religiosos, médicos, diplomatas, juristas, coleccionadores de arte] reúnem, estudam e documentam os edifícios e o conjunto de objectos antigos legados pelos Romanos, Gregos e por outros povos da Antiguidade. Por esta altura, estes conjuntos são apelidados, na sua globalidade, de “Antiguidades”, em vez de “monumentos históricos” (Choay, 2011, p. 23).

No que diz respeito à conservação de edifícios antigos, esta é uma quadra bastante ambígua. Se por um lado, se deseja que,

[...] as basílicas e as igrejas desta Cidade [Roma] e todos os lugares de devoção e de religião, [...], sejam mantidos e preservados nos seus admiráveis edifícios, mas também [...] [que] os edifícios da Antiguidade e do passado longínquo assim como os seus restos [ruínas] permaneçam para a posteridade [...]; proibindo a alteração ou a destruição dos mesmos, em qualquer propriedade [quer esta seja privada, rural ou urbana]; dando ordens para prender os indivíduos “apanhados em flagrante delito de demolição ou de degradação deste tipo“, confiscando-lhes os seus bens e obrigando-os ao pagamento de multas previamente estipuladas (Pio II Piccolomini apud Choay, 2011, pp. 81-83). Por outro lado, o autor53 deste mesmo juízo saquearia mármores e travertinos de edifícios protegidos, para elevar as suas próprias construções (Choay, 2013, pp. 53-56).

Convém salientar que, os antiquários não tencionavam conservar ou restaurar as antiguidades, mas registá-las com uma objectividade científica: “A acumulação de um saber livresco constitui o seu objectivo.” (Choay, 2011, p. 25) Isto será evidente no sensível trabalho de Jacob Spon54 que, apesar de representar alguns edifícios e respectivas plantas, tendo “como objectivo o conhecimento dos monumentos antigos dos países“ que visita ao longo das suas viagens; conclui que são as inscrições antigas a “ […] utilidade indispensável a todos aqueles que querem começar a escrever sobre as Antiguidades de qualquer lugar [...] “ (apud Choay, 2011, pp. 93-94). antigos, a história e a arqueologia são o centro das suas preocupações. No campo arquitectónico, este humanista destaca-se no tratamento descritivo dos edifícios pela singular apreciação estética que lhes faz (Choay, 2011, pp. 73-77). 53 Pio II Piccolomini (1405-1464) foi um papa italiano. Eneas Silvio Piccolomini estudou Direito. Foi um humanista, com gosto pela escrita e pelo saber. No ano de 1458 é consagrado, pontificando até Agosto de 1464. Autor de uma bula, escrita em 1462, para a protecção dos monumentos antigos de Roma, foi o primeiro papa a abrir pedreiras de mármore para fornecer os materiais necessários à sua política municipal. Levou até ao fim a ideia da cruzada contra os turcos, linha de força do seu papado. Faleceu em batalha contra os mesmos (Porto Editora, 2006; Choay, 2011, p. 80). 54 Jacob Spon (1647-1685) foi um médico antiquário francês. Estuda medicina em Estrasburgo e, depois, em Lyon, onde se torna membro do colégio médico. É autor de importantes publicações, tais como: Viagem a Itália, Dalmácia, Grécia e Levante, Estudos Curiosos de Antiguidades e História da República de Genebra. Em 1685, a revogação do édito de Nantes, forçou-o a refugiar-se na Suíça, onde faleceu (Choay, 2011, p. 91).

Ana Catarina Neves Figueiras 61 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 8 – Planta da cidade e alguns monumentos de Atenas representados por Jacob Spon. (Aikaterini Laskaridis Foundation, 2014).

Apesar de irradiarem “ [...] a glória dos séculos que os edificaram. [...] Preferem[-se] as inscrições que cobrem os edifícios antigos aos próprios edifícios.” A par com as dificuldades técnicas e os conflitos de domínio público e político [económicos, sociais e psicológicos – ainda hoje comuns] que levantava a preservação dos edifícios; à época, “A arquitectura e os vestígios monumentais colocam problemas de identificação, datação e interpretação ainda mais difíceis, [...] ”. O que acentua preferencialmente a sua compreensão literária – são inúmeros os letrados que medem os templos romanos, apenas pela gratificação de descodificar a obra de Vitrúvio55 (Choay, 2013, pp. 46-72).

Daí que o trabalho realizado pelos antiquários europeus até às primeiras décadas do século XIX se reflicta em inventários56 extremamente completos, com estudos e imagens referentes a todas as categorias de antiguidades que, de um modo geral, não insinuam qualquer problemática referente à conservação dos edifícios. No entanto, não se pode ignorar o importante papel dos artistas [apelidados de artífices ou “homens das artes”] que, na passagem do século XIV para o século XV, contrariamente aos humanistas, direccionariam o seu interesse para o aspecto formal dos edifícios. Ainda que, [também] o não registassem num intento conservativo – no

55 Marcius Vitruvius Pollio foi um famoso arquitecto do tempo do imperador romano Augusto César (63 a. C.-14 d. C.). Deixou um importante legado escrito. A sua obra Tratado de Arquitectura é ainda hoje referência para arquitectos e outros estudiosos. Os seus padrões de proporções e os seus princípios – Utilitas [utilidade], Venustas [beleza] e Firmitas [solidez] – resumem a base da arquitectura clássica (Porto Editora, 2006). 56 Destaque-se o testemunho científico L’Antiquité expliquée (1719-1744) do maior antiquário francês Bernard de Monfaucon (1655-1741), onde a uma singular abordagem dos vestígios antigos, se acrescenta uma reprodução iconográfica com mais de trinta mil figuras (Choay, 2011, pp. 103-115).

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final, artistas e humanistas delineariam um relevante conjunto informativo. Ao coadunar a Arte com a História, esboçavam o primogénito conceito de monumento histórico; e, antropologicamente, um primeiro e amplo testemunho da relação do Homem com o seu património histórico. Da mesma maneira que, o comportamento ambivalente de personalidades como Piccolomini vaticinaria “ [...] uma dimensão importante do discurso ocidental sobre a conservação e a protecção patrimoniais em geral, [...]. Quer se apoie na razão ou no sentimento, esse discurso tornar-se-á muitas vezes na boa consciência do demolidor e na caução da demolição” (Choay, 2013, pp. 47-59).

Na geral ausência de preocupação com a conservação que distingue os humanistas, é necessário reconhecer as excepções. As sociedades inglesas de antiquários que, nos séculos XVII e XVIII, apelam pela preservação dos edifícios góticos, dado que, embora desprezados pela perspectiva neoclássica, eles retractam a sua própria cultura nacional; e também, o aparecimento de comissões e individualidades revolucionárias que elaboram diferenciadas metodologias de conservação (Porto Editora, 2006; Choay, 2011, p. 25).

Este não é, contudo, um procedimento discricionário.

Ainda em território europeu, mas desta vez, em Inglaterra, ocorre por volta de 1730, um conjunto de transformações industriais e tecnológicas que no decurso do século XIX se difundem: primeiramente, em França, alcançando seguidamente o restante continente europeu, América do Norte e Japão (Porto Editora, 2006).

Não é somente o mundo físico que está agora organizado pela máquina, mas igualmente o nosso interior espiritual [...], os nossos modos de pensar e a nossa sensibilidade. Os homens também se tornaram mecânicos no seu espírito e no seu coração como nas suas mãos. (Thomas Carlyle apud Choay, 2011, pp. 26-27)

Com esta nova Revolução57, a sociedade percebe, uma vez mais, aluídos os seus modos de estar e de pensar. Presencia-se seriamente afectada pela máquina – a sua nova extensão. Assim, transcendida pelas próprias invenções; melindrada pelo saque das revoluções; e, dotada de uma consciência nostálgica e reaccionária, critica agora

57 A Revolução Industrial designa um processo de renovação tecnológica, iniciado em Inglaterra nas primeiras décadas do século XVIII, que se irá repercutir no resto do mundo até meados do século XIX. A descoberta do carvão e a invenção da máquina a vapor são acontecimentos marcantes deste período. A renovação das técnicas agrícolas, a modernização das ciências, a maquinação, a abertura do comércio, o desenvolvimento dos transportes [principalmente do ferroviário], o crescimento das cidades e o aumento populacional, alteram profundamente os modos de viver e pensar das sociedades industrializadas (Porto Editora, 2006).

Ana Catarina Neves Figueiras 63 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

a arquitectura das cidades e milita como nunca pelos seus edifícios (Porto Editora, 2006; McLuhan, 2008, p. 79; Choay, 2011, p. 27).

É necessário travar o martelo que mutila a face do país. […] Sejam quais forem os direitos de propriedade, a destruição de um edifício histórico e monumental não deve ser permitido. […] Há duas coisas num edifício, o seu uso e a sua beleza. O seu uso pertence ao proprietário, a sua beleza a toda a gente; está, portanto, para além do seu direito de destruir. (Victor Hugo apud Choay, 2011, p. 147)

É, durante o século XVIII, que o conceito de monumento histórico adquire significativamente a sua denominação (Choay, 2013, p. 82). Apartando-se das antiguidades, a expressão é utilizada pela primeira vez pelo naturalista Aubin-Louis Millin58 (apud Choay, 2011, pp. 117-122) que, defendendo a protecção e a conservação material dos monumentos históricos, assegura:

É marcando assim todos os passos que o Homem dá nos caminhos que percorre, é fixando os seus pensamentos fugitivos e conservando as suas frágeis obras que o espírito humano avança sensivelmente para a perfeição.

De algum modo, a afirmação supracitada parece-nos: por um lado, fomentar a já referida opinião de Bollack (2013, p. 9); e, por outro, retractar a busca do Homem pela sua identidade – no seu antepassado (McLuhan, 2008, p. 32), na sua obra construída (Tainha, 2007, p. 10) – aquando um segundo momento de revolução cultural [que é sempre, diga-se, um momento de perturbação identitária].

Pelo que,

[…] é bom possuir não somente o que os homens sentiram e pensaram, mas o que as suas mãos manipularam, o que a sua força moldou […]. [E] […] a arquitectura capta e preserva esta relação sagrada […]. Podemos viver sem ela, podemos adorar [Deus] sem ela, mas sem ela não podemos recordar. (John Ruskin apud Choay, 2011, p. 158)

Por conseguinte, é então na Era das Luzes59, que – alegando o interesse histórico e cívico60 dos edifícios antigos – se inicia uma notável acção de defesa do património arquitectónico. Dirigida agora pelos comités revolucionários, no decorrer do século XIX, esta divide-se em duas vertentes complementares: uma legislação de protecção e

58 Aubin-Louis Millin (1759-1818) foi um naturalista e antiquário francês. Fez parte de um Comité francês que teve como missão inventariar, classificar e proteger os bens que se tornaram património em 1791 (Choay, 2011, p. 117). 59 O Iluminismo também conhecido como Século das Luzes, foi um movimento cultural e intelectual, relevante na Europa durante os séculos XVII e XVIII. Durante este movimento pretendeu-se “dominar pela razão a problemática total do Homem” (Walter Brugger apud Porto Editora, 2006). 60 Os edifícios [e respectiva conservação] que até à data, estavam entregues à Igreja, são então devolvidos à nação. Apela-se agora por uma responsabilidade civil (Choay, 2011, p. 121).

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uma disciplina de conservação. Esta última – num intuito de atribuir novos usos aos edifícios que tinham perdido a sua função original – insurge o debate entre o restauro conservativo e o restauro intervencionista [ainda hoje bastante aceso] (Choay, 2013, pp. 103-188; Thiébaut, 2007, p. 9; Montaner, 2013, p. 138).

Por esta altura [século XIX], à semelhança dos incitadores ingleses, Millin – seguido por Victor Hugo, que alude a uma sensibilidade marcante do Romantismo61 – clama pela protecção dos edifícios pertencentes à Idade Média:

São estes monumentos preciosos que nós desejamos retirar à foice destruidora do tempo […]. Faremos representar os diversos monumentos nacionais, tais como castelos antigos, abadias, mosteiros, enfim, todos aqueles que possam narrar os grandes acontecimentos da nossa história. (Aubin-Louis Millin apud Choay, 2013, p. 104)

Por sua vez, e defendendo também a conservação da arquitectura monumental, John Ruskin62 revela-se um clarividente. Escreve: “Há um altar na habitação de cada humano […] ”, garantindo que, é “ […] a verdadeira arquitectura doméstica, que está na origem de todas as outras, […] .” (apud Choay, 2011, pp. 159-160) Assim, enriquece o conteúdo do conceito de monumento histórico, ao introduzir-lhe, pela primeira vez, a noção de “arquitectura vernacular”. Além disso, e de acordo com Françoise Choay (2013, p. 149), Ruskin será o primeiro “ […], a incluir os ‘conjuntos urbanos’ na mesma categoria dos edifícios individuais, que é a do campo da herança histórica a preservar”. Ou seja, Ruskin prolonga as questões da protecção e da conservação às cidades; não as limitas aos edifícios singulares. Neste sentido, o crítico inglês será uma inspiração para William Morris63 e mais tarde, para Gustavo

61 O Romantismo é um movimento artístico que se manifestou na Europa e na América ao longo da primeira metade do século XIX. Caracteriza-se pela oposição ao neoclassicismo e pela aceitação de uma estética que valoriza a liberdade criadora, a subjectividade e o sonho. Advoga o regresso às tradições medievais de cada povo e de cada nação e caracteriza-se por uma nova sensibilidade em relação à natureza e às obras e vestígios do passado (Porto Editora, 2006). 62 John Ruskin (1819-1900) foi um escritor, pintor, crítico artístico, professor e pensador inglês. Estuda na Universidade de Oxford, onde mais tarde é professor de Belas Artes. Figura pessoalmente instável, Ruskin revela uma enorme capacidade criativa e orientada no que diz respeito à sua actividade profissional. Mostra um particular interesse pelas artes plásticas e pela arquitectura e combate pela preservação da arte antiga. Da sua variada e vasta obra escrita, que se divide entre artigos, poemas e livros, podem destacar-se: A Poesia da Arquitectura, As Pedras de Veneza e As Sete Lanternas da Arquitectura (Choay, 2011, pp. 155-156; Porto Editora, 2006). 63 William Morris (1834-1896) foi um designer, pintor e novelista inglês. É considerado um dos fundadores do design moderno. Reaccionário ao capitalismo, defendia os saberes tradicionais e o artesanato britânico. A sua empresa, fundada em 1861 em conjunto com alguns artistas, ficou famosa pela produção de tecidos estampados e papéis pintados com motivos vegetalistas e florais. A par com John Ruskin, defendia a arte gótica da Idade Média e os seus sistemas de fabrico artesanais. Morris, influenciado pelas ideias de Ruskin, cria em 1887, a Society for Protection of Ancient Buildings [Sociedade para a Protecção de Edifícios Antigos] (Choay, 2011, p. 170; Porto Editora, 2006).

Ana Catarina Neves Figueiras 65 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Giovannoni64, inventor do conceito de “património urbano” (Choay, 2011, pp. 156, 193).

Na sua relação com o restauro, John Ruskin é pragmático e radical: “Não toquem no edifício verdadeiro, a não ser na medida em que pode ser necessário consolidá-lo ou protegê-lo.” (apud Choay, 2011, p. 165) Para o crítico, uma restauração honesta era impossível. Isto porque, o edifício original e qualquer nova intervenção estariam obrigatoriamente separados no tempo. Ainda que, a construção recente pudesse ser exactamente igual à antiga [quer em termos de beleza, pormenorização, etc.], Ruskin defendia que ela nunca poderia ter o mesmo valor que a construção original: “As marcas que o Tempo imprimiu sobre elas [construções originais] fazem parte da sua essência.” (apud Choay, 2013, p. 159) Por este motivo, Ruskin, secundado por Morris, era um apologista da restauração conservativa (Bloszies, 2012, p. 43).

Coetânea e inversamente, Eugène Viollet-Le-Duc65 é proponente de um restaurar interventivo. No seu entender, uma restauração era um meio para restabelecer um edifício a um estado acabado que podia, na verdade, nunca ter realmente existido. Por conseguinte, as suas intervenções são cópias e reconstituições compósitas66 que resultam em românticas e fantasistas expressões do passado (Bloszies, 2012, pp. 43- 44; Choay, 2013, p. 160; Montaner, 2013, p. 138).

Viollet-Le-Duc (apud Choay, 2011, pp. 187-188) declarava:

Eu não sou daqueles que fiam desesperados com o presente e lançam um olhar nostálgico para o passado. O passado é o passado, mas é necessário investigá-lo com cuidado, com sinceridade, não ficar preso a fazê-lo reviver, mas a conhecê-lo, para que nos possa servir. […] Não é através de sobressaltos que se produz o progresso, mas

64 Gustavo Giovannoni (1873-1947) foi um engenheiro, arquitecto, historiador de arte e restaurador italiano. Dedicou a sua actividade profissional ao estudo dos tecidos urbanos e à respectiva conservação. Concebeu os planos directores de algumas cidades [Roma, Bérgamo, etc.], bem como parte da legislação italiana do património. Giovanonni defendia que as cidades deveriam ser lugares de cultura: evoluindo mas mantendo viva a sua memória. O seu trabalho foi uma importante referência para a Conferência de Atenas (1931) e para a Carta de Veneza (1964) (Choay, 2011, p. 193). 65 Eugène Viollet-Le-Duc (1814-1879) foi um arquitecto, restaurador e desenhador francês. Estudou Arquitectura na Escola de Belas Artes de Paris. Trabalha durante alguns meses com Achille Leclerc (1785-1853) e viaja por vários países, onde regista e acumula milhares de desenhos de monumentos, detalhes construtivos e trechos. Foi assistente de Composição de Ornamento na Escola de Desenho e nomeado, sucessivamente, auditor suplente do Conselho de Construção Civil. Desenvolve um enorme trabalho de preservação e restauração do património artístico-medieval de França. É nomeado inspector-geral dos monumentos diocesanos e imiscui-se na reforma do ensino das Belas Artes. Foi um grande crítico do sistema de ensino e autor de uma extensa obra escrita (Choay, 2011, pp. 175-176; Brandão, 1966, pp. 305-306). 66 Veja-se, como exemplo, a intervenção na cidade medieval de Carcassone [França], onde Viollet-Le-Duc constrói novas torres de entrada, num processo de imitação de formas arquitectónicas. Onde até à data da intervenção, estas torres nunca tinham existido (Bloszies, 2012, p. 44).

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por uma sequência de transições. Procuremos, então, preparar conscienciosamente estas transições e, sem nunca esquecer o passado, mas apoiando-nos nele, iremos mais longe.

Razão pela qual, o arquitecto consentia, a indistinção entre o novo e o antigo, uma estratégia válida para se restaurar um edifício. Embora hoje em dia, esta solução nos possa parecer infiel, é preciso sublinhar que o contexto intelectual da época e o avançado estado de degradação em que os edifícios se encontravam [devido aos tumultos da revolução], admitiram o procedimento de Viollet-Le-Duc na preservação dos edifícios. Referir, todavia que, como princípio, o pensamento de Ruskin é inegavelmente veraz (Choay, 2013, p. 161; Montaner, 2013, p. 138; Bloszies, 2012, p. 44).

Perante esta dissonante presença de ideias concernentes à restauração, é Camillo Boito67 que deduz o essencial: um “carimbo” do Tempo deve ser inconfundivelmente identificável em ambas as partes da intervenção [nova e antiga]: articulando as teorias defendidas por Viollet-Le-Duc e por Ruskin, Boito retira o fundamental de ambas e constrói a sua própria doutrina; extrapolando a sua oposição – supera-as (Choay, 2013, pp. 166-169; Bloszies, 2012, p. 45).

Na opinião do arquitecto italiano, uma nova intervenção, pela sua composição e textura, “ […] jamais deveria confundir-se com o existente. O importante seria consolidar e completar o edifício, evitando-se, ainda assim, uma intervenção filológica em que o novo se confundisse com o antigo” (Camillo Boito apud Montaner, 2013, p. 138).

Sobre este evidente desenvolvimento do restauro enquanto disciplina autónoma é, entretanto, necessário proclamar que, ele não teria sido possível se, aos progressos da História da Arte e da Arqueologia, não se tivessem acomunado os avanços consideráveis na área das ciências [que naturalmente, permitiram a evolução das técnicas construtivas]. É, durante este período de industrialização mundial, a par de todos estes progressos, que se generalizam e aceleraram, as legislações de protecção e as práticas de restauro dos monumentos históricos68. O aparecimento dos primeiros

67 Camillo Boito (1835-1914) foi um arquitecto, restaurador, crítico, historiador e professor italiano. Nascido em Roma, estudou Arquitectura na Academia de Belas Artes de Veneza. Interessado no tema da Idade Média, revela-se uma figura de grande destaque no panorama cultural do século XIX, principalmente pelo seu significativo papel na transformação do ensino e da cultura arquitectónica italiana (Treccani, 2011). 68 Até meados do século XIX, o conceito de monumento histórico abrangia apenas os vestígios da Antiguidade, edifícios religiosos da Idade Média e alguns castelos (Choay, 2013, pp. 12-13).

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guias turísticos69 e da fotografia70 contribuem também, para uma tomada de consciência71 em relação a este conceito (Choay, 2013, pp. 14, 136-137). De maneira que, vemos emergir, neste segundo período de revolução cultural, as teorias alusivas à conservação dos edifícios que ministrarão importantes bases para, no século XX, se delinearem os principais modos de reabilitar o nosso património arquitectónico (Montaner, 2013, pp. 137-138).

Destaque-se ainda Aloïs Riegl que, no início do século XX, defende uma restauração relativista. Apoiado no seu juízo sobre os valores72 dos monumentos, Riegl afirmava que no processo de restauração não poderia existir uma regra científica absoluta: cada caso transportava uma “ […] dialéctica particular de valores em jogo” (apud Choay, 2011, p. 33).

Assim, enunciadas as personalidades [mais] influentes e narradas as respectivas teorias concernentes à restauração; é, contudo, impreterível verificar que, até aos anos sessenta do século XX, a conservação dos monumentos históricos se resume essencialmente aos grandes edifícios religiosos e civis. O que permite deduzir que, só mais tarde, o monumento histórico e as práticas que lhe estão associadas se consagrariam efectivamente (Choay, 2013, p. 174).

Na verdade,

O exame dos problemas históricos e técnicos que levanta a protecção de monumentos prende-se, contudo, de uma tal complexidade, exige uma diversidade de competências, que seria difícil encontrar em cada país todos os especialistas e técnicos capazes de resolver a multiplicidade de casos que se apresentam. (Conferência de Atenas apud Choay, 2011, p. 205)

Em 1931, será este o teor principal do evento simbólico que reuniria especialistas europeus de várias áreas [arquitectos, historiadores de arte, conservadores de

69 Karl Baedeker (1801-1859), escritor e editor alemão, concebe e edita os primeiros guias turísticos focalizados nos monumentos antigos e nos museus. Estes guias turísticos detalhados [com mapas e gravuras panorâmicas] marcam a expansão do turismo de arte [grand tour] entre as classes favorecidas da Europa (Choay, 2011, p. 29; Porto Editora, 2006). 70 Além de um instrumento complementar do desenho, indispensável para historiadores e arquitectos restauradores, a fotografia, simultaneamente com a tipografia, revela-se um importante processo de difusão de imagens de monumentos históricos. O que contribui para a sua valorização (Choay, 2011, p. 28). 71 Esta consciencialização expande-se, aos poucos, para fora da Europa: no final do século XIX, na chamada Era Meiji, o Japão procura uma evolução que ponha o país a par dos europeus, que estavam a usufruir das mudanças operadas pela revolução. Nesta altura, este povo assimila o tempo ocidental, reconhecendo a existência de uma história universal, adoptando o museu e admitindo os monumentos enquanto testemunhos do passado (Choay, 2013, p. 14). 72 Remete-se para a nota de rodapé número 44.

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museus, arqueólogos]. Num desígnio de ver resolvidas inúmeras questões urbanísticas relacionadas com o edificado histórico, é, durante a Conferência de Atenas, que se profere, pela primeira vez, a expressão “património da humanidade” para fazer menção aos monumentos históricos. Esta discussão internacional, despoletada no fim da Grande Guerra, procurava desenvolver no público geral, o respeito pelos vestígios do passado. Visto que, os mesmos interessavam à “comunidade dos Estados” (Conferência Internacional de Atenas sobre o Restauro dos Monumentos, 1931).

“Mas, em vez de ser assumida abertamente, ela [Conferência de Atenas] é quase ocultada.” (Choay, 2011, p. 204) E, não será invulgar, apreciarem-se algumas confusões entre a Conferência de 1931 e o acontecimento de 193373, que casualmente sucede na mesma cidade e, por isso, adquire o mesmo afixo (Choay, 2011, p. 216; Montaner, 2001, p. 29).

Pelo observado, o Homem demandaria uma Segunda Guerra Mundial para, diante de um cenário de destruição, assentir que o conceito de património se implantasse e se homogeneizassem os valores a preservar:

Imbuídos de uma mensagem do passado, os monumentos históricos perduram até aos nossos dias como testemunhas vivas das tradições de várias gerações. Os povos tornam-se cada vez mais conscientes da unidade dos valores humanos e consideram os monumentos antigos como património comum. A responsabilidade colectiva de os proteger para gerações futuras é reconhecida. É nosso dever mantê-los com a riqueza da sua autenticidade. (Congresso Internacional de Arquitectos e Técnicos de Monumentos Históricos, 1964)

Segundo Françoise Choay (2011, pp. 215-218), a Conferência de Veneza74 [também intitulada “Carta de Veneza”], realizada em 1964, por iniciativa da UNESCO75, não adicionaria quase nada à anterior – as suas bases são as já enunciadas conclusões na Conferência de Atenas [apoiadas em Giovanonni, Ruskin e Aloïs Riegl] e os preceitos para intervir no edificado preexistente já escritos anteriormente por Camillo

73 Célebres arquitectos e urbanistas do século XX reúnem-se em Atenas para discutir problemáticas urbanas modernas. Desta reunião surge um documento chamado “Carta de Atenas” (Montaner, 2001, p. 29). 74 Participam nesta conferência, pela primeira vez, três países não europeus: a Tunísia, o México e o Peru (Choay, 2013, p. 14). 75 Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. Organismo criado em 1946 para promover a cooperação internacional nos domínios mencionados. A UNESCO colabora com os estados- membros nos seus esforços para combater o analfabetismo, promove o aumento do ensino gratuito e procura estimular a troca de ideias e de conhecimentos entre povos e nações (Porto Editora, 2006).

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Boito – no entanto, “ […] a ‘Carta de Veneza’ tem indícios de uma mudança em curso desde o fim dos anos cinquenta” (2011, p. 35).

Note-se que, arruinada, após a Segunda Guerra, a Europa ocidental, abandona o seu papel secular de potência mundial. E, no decorrer dos anos sessenta – quando a contenda76 por esta posição é liderada pelos Estados Unidos da América e pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas [URSS] – a novidade77 instaurada nos meios de comunicação inflama um nova sublevação cultural (Porto Editora, 2006).

Irrompe a aludida78 revolução “electromagnética”: a “mudança” que assemelharia o mundo a “uma pequena aldeia” (McLuhan, 2008, p. 260). O início da era da “mudança de escala” (Augé, 2005, p. 30).

Descritos anteriormente alguns dos seus efeitos na sociedade; é importante aditar que, embora o conceito de património se tenha mantido quase inalterado; esta metamorfose inspira uma reconsideração no que concerne ao domínio patrimonial, todavia, até às décadas postremas, o século XX é titubeante.

Se, por um lado, hoje se lastimam grandes perdas arquitectónicas como, por exemplo, Les Halles (1852) de Victor Baltard79 destruídos em 1970, ou o Hotel Imperial de Tóquio (1915) de Frank Lloyd Wright80, demolido em 1968; por outro lado, alguns

76 A Guerra Fria iniciou-se entre 1947-1948 e terminou por volta dos anos oitenta. É um conflito de ordem política, militar, tecnológica, socioeconómica e ideológica entre as duas supra-referidas nações. Os americanos estenderam o seu modelo político e económico à Europa Ocidental e a países asiáticos como o Japão. Os soviéticos passaram a dominar a Europa de Leste e certas nações asiáticas. Em ambos os casos, este movimento fez-se acompanhar de importantes alianças militares, que se concretizaram, nomeadamente, na criação da NATO e do Pacto de Varsóvia. O Muro de Berlim, erigido em 1961, tornou- se um símbolo desta Guerra e a sua queda, em 1989, põe termo ao receio de uma terceira guerra mundial, que possivelmente seria nuclear (Porto Editora, 2006). 77 É no auge da Guerra Fria que, a partir de pesquisas militares, se inventa a tecnologia que se considera o início da Internet. Como já foi descrito, este meio de comunicação veio rebelar o nosso quotidiano e a nossa percepção do mundo (Porto Editora, 2006). 78 Remete-se para o subcapítulo anterior. 79 Victor Baltard (1805-1874) foi um conhecido arquitecto francês do século XIX. Estuda Arquitectura na École des Beaux-Arts e inicia a sua carreira profissional no atelier do seu pai, François Debret. Em 1833, ganha o importante Prémio de Roma. A sua vida divide-se entre Roma e Paris. Contudo, dedica grande parte da sua carreira a servir a última. Como arquitecto da cidade e apoiante de Haussman desenvolve importantes projectos de arquitectura. É responsável pelo restauro das principais igrejas da cidade. As suas obras arquitectónicas mais conhecidas são o mercado da cidade, Les Halles (1854) e a Igreja Saint- Augustin (1860) (Musée d'Orsay, 2006). 80 Frank Lloyd Wright (1867-1959) foi um grande arquitecto norte-americano do século XX. Estudou Engenharia na University of Wisconsin e, em 1887, muda-se para Chicago, onde trabalha no escritório dos arquitectos Adler & Sullivan. A partir de 1887 começa a realizar seus próprios projectos. Trabalha os conceitos de "planta livre" e de horizontalidade, utilizando os vãos, não como simples aberturas, mas também como elementos estruturais. Da sua obra podem destacar-se: o edifício de escritórios Larkin, a Casa da Cascata, e o Museu Guggenheim. (Editorial Gustavo Gili, 2015b).

Ana Catarina Neves Figueiras 70 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

arquitectos, como Le Corbusier81, apreensivos com a conservação das suas próprias obras de arquitectura começariam, ainda em vida, a inventariá-las para fins de classificação (Choay, 2013, pp. 12-14).

Ilustração 9 – Les Halles de Baltard destruídos em Ilustração 10 – Hotel Imperial de Tóquio demolido em 1968, Corbis- 1970. (Bonnell, 2015). Bettmann. (Japan Society, 2015).

Por fim, ao conteúdo dos monumentos históricos são progressivamente integradas as arquitecturas dos séculos XIX e XX – as primeiras, são consideradas património arquitectónico pelo carácter representativo que adquiriram ao longo do tempo; enquanto algumas obras do segundo, são já projectadas e concebidas com esse escopo [assumindo os seus autores uma atitude análoga à dos seus primórdios] (Tostões, 2013, p.46-53; Choay, 2013, pp. 17-18).

Para reconhecer e proteger a “excepcional importância” de “alguns edifícios mais jovens” pertencentes ao movimento moderno (Tostões, 2013, pp. 46-53), que não desfrutaram desse apanágio prematuro – resultando na total destruição de alguns e no avançado estado de degradação de outros – constituir-se-ia, em 1988, pela mão do arquitecto holandês Hubert-Jan Henket82, a organização Docomomo International (Docomomo International, 2014):

81 Le Corbusier (1887-1965) foi um arquitecto suíço-francês. Charles-Edouard Jeanneret-Gris é um dos mestres da arquitectura racionalista. No seu início de carreira, colabora com Auguste Perret e Peter Behrens. Em 1917, adopta o pseudónimo Le Corbusier. Em 1922, depois de inúmeras viagens pela Europa e pela Ásia, estabelece uma firma de arquitectos com o seu primo Pierre Jeanneret. Le Corbusier afirma que “a casa é uma máquina de habitar”. Adepto do funcionalismo, baseou-se na inter-relação entre as formas das máquinas e as técnicas da arquitectura moderna, para projectar a sua arquitectura. Projectou planos urbanísticos para as cidades de Antuérpia, Paris e Chandigard. É autor do livro O Modulor [edição portuguesa]. Da sua obra construída podem destacar-se: Villa Savoye, Unité d'Habitation e Chapelle Notre-Dame-du-Haut (Bio, 2015). 82 Hubert-Jan Henket (Heerlen, 1940) é um arquitecto e professor holandês. Estudou Engenharia Civil na Universidade de Tecnologia de Delft e, mais tarde, Urbanismo na Otaniemi Universiteit na Finlândia. Trabalhou em diversas cidades europeias, estabelecendo atelier na Holanda em 1946. Foi professor, conferencista e júri de alguns concursos e prémios de arquitectura. Está intimamente envolvido em projectos de reabilitação e reconversão de edifícios preexistentes. Podem destacar-se, por exemplo: Singer Museum [Laren] e o Sanatorium Zonnestraal [Hilversum], trabalhos desenvolvidos com o

Ana Catarina Neves Figueiras 71 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

A DOCOMOMO valoriza o carácter inovador do Movimento Moderno, de acordo com as suas dimensões social, técnica e estética, considerando um processo de longa duração e afirmando que a missão não é apenas a troca de ideias e de conhecimentos sobre edifícios, sítios e bairros do Movimento Moderno. O grande objectivo é formular novas ideias para o futuro do ambiente construído com base nas experiências passadas do Movimento Moderno. (Tostões, 2013, p. 49)

Ironicamente, também a arquitectura do movimento moderno nos substancia: “Tradição e progresso não são [afinal] antónimos.” (Krier, 1999, p. 60)

Hoje, prezam-se como património arquitectónico: edifícios individuais de épocas históricas [os monumentos históricos]; diversos conjuntos edificados83; mas também, arquitecturas mais recentes que, numa demanda para se afastar da história detêm a mesma “função antropológica” (Choay, 2013, p. 18).

E aqui, repare-se: a apreciação do legado arquitectónico desloca-se do presente para o passado. Os Românticos procuraram o seu “alicerce” na arquitectura medieval em vez de a procurarem na grega, como sucedera com os Humanistas. Tal como, o Homem contemporâneo se aquieta agora na arquitectura moderna, ou seja, sempre numa arquitectura anterior à sua. Observe-se ainda que esta recognição, este interesse do Homem nas obras do passado, se afigura, constante e intimamente, vinculado a fases de transição [quer de mentalidades, quer de existências] (Zevi, 2002, p. 198; McLuhan, 2008, p. 32). Isto porque, o património arquitectónico “ […] é o conjunto de obras do Homem nas quais uma comunidade reconhece os seus valores específicos e particulares e com os quais se identifica” (Conferência Internacional sobre Conservação, 2000). Por outras palavras: onde desalenta os medos e [re]encontra caminhos (Távora, 2007, p. 37).

Na mesma lógica, não podemos deixar de mencionar os vestígios arquitectónicos que – não estando classificados como “património arquitectónico” pela “comunidade responsável” – arquitecto e/ou proprietário, sensivelmente, decidem preservar. Estes vestígios não têm um significado específico aparente. No entanto, pela sua presença material, pelas misteriosas narrativas que hospedam, quando compreendidos, eles recuperam um sentido e engrandecem novos espaços construídos. Também estes

arquitecto Wessel de Jonge. É autor do livro Back from Utopia: The Challenge of the Modern Movement. O seu trabalho é frequentemente nomeado para prémios de arquitectura. Recebeu o prémio BNA Kubus, em 2004 e o Knoll Modernism Prize em 2010 (Bierman Henket architecten, 2015). 83 Com o intuito de proteger o património mundial, cultural e natural, a UNESCO reúne uma lista formal onde estão designados os conjuntos edificados como edifícios, quarteirões, aldeias, cidades, ou conjuntos de cidades a proteger (UNESCO. World Heritage Centre, 2015).

Ana Catarina Neves Figueiras 72 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

vestígios são memórias. Carimbos de tempo, que podem, por conseguinte, ser lidos como património arquitectónico.

“O que eu estou a ver é o exterior. O mais importante é invisível…” (Saint-Exupéry, 1996, p. 89)

Ilustração 11 – Vestígio arquitectónico sem significado específico aparente, Paulo Catrica. (Yatzer, 2015).

Ilustração 12 – Vestígio arquitectónico reintegrado em nova Ilustração 13 – Coexistência de tempos, de narrativas, Paulo construção, Paulo Catrica. (Yatzer, 2015). Catrica. ([Adaptação a partir de]: Yatzer, 2015).

Mais do que expressar a sua identidade, o seu poder temporal ou as exigências e necessidades da sua sociedade; a marca arquitectónica deixada por cada idade

Ana Catarina Neves Figueiras 73 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

expressa um sentimento: “As autênticas obras arquitectónicas não são a encarnação do espírito da época, mas do espírito de todos os tempos, simplesmente do espírito.” (Krier, 1999, p. 66) Da mesma maneira que, “As ideias, como as emoções que as geram, não são hoje nem mais fortes nem mais profundas do que eram há mil anos” (Tainha, 2007, p. 125).

Com efeito,

O retorno ao passado não constitui um anacronismo, mas revela precisamente inteligência. Tradição significa transmissão de inteligência e de informação. […] Não existe sabedoria a curto prazo. […] [O património arquitectónico] possui uma universalidade maior do que as línguas, pois os seus elementos são compreensíveis sem tradução para os povos distantes. (Krier, 1999, pp. 172-183)

Daí, hoje poder alegar-se que, “ […] pela mediação do turismo cultural, o património edificado será o laço aglutinador da sociedade global” (Dean MacCannel apud Choay, 2013, p. 16). Não desvenerando que, tal como proferiu Lévi-Strauss (2000, p. 61), isso apenas será exequível se for garantida a sua enorme diversidade cultural, isto é, se endossarmos as suas singularidades; se retivermos “ […] as suas mensagens essenciais, mesmo se não formos capazes de emiti-las” (Krier, 1999, p. 181).

As supernas obras do passado [remoto e vicinal] transcendem as particularidades da sua época de origem. Os seus princípios estéticos e éticos transportam valores universais – ou seja, são idealizadas em harmonia com as finalidades do ser Homem e assentes na aludida “esfera de responsabilidade integral” (Tainha, 2007, p. 11). Como tal, “tornam-se mitos que falam a todos, através de todas as épocas” (Krier, 1999, p. 66) – a abordagem pluralista assumida ao longo do tempo através de inventários, colóquios, leis de protecção, práticas de conservação, sugere que, longe de nos serem estranhas, estas obras arquitectónicas continuam a ser-nos úteis.

Será o Tempo – esse “tirano invencível” (Tavares, 2013, p. 28) que favorece tanto a integração como a desintegração – a determinar o que será lembrado e o que será esquecido (Thiébaut, 2007, p. 9). Ainda assim, uma arquitectura sem história não é desejável. O árduo compromisso traduz-se, em encontrar um balanço adequado entre a salvaguarda [e conseguinte reintegração] do nosso património arquitectónico, e a nossa capacidade de inovar (Bloszies, 2012, p. 22). Conscientes de que, “Não habitamos em territórios precisos mas num contínuo reposicionar e reequacionar de relações entre tempos e percursos, constituindo assim universos de significação” (Pereira, 2007, p. 7).

Ana Catarina Neves Figueiras 74 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

3. INTERVENÇÕES CONTEMPORÂNEAS EM EDIFÍCIOS PREEXISTENTES

Reocupação, desuso, transformação – novas funções, novas simbologias – subversão dos tentáculos do arquitecto que quase sempre vê a obra como um objecto acabado, não percebendo que acabou de construir como palco o teatro da morte. Duração. (Pereira, 2007, p. 9)

Pois que todo o Homem nasce condenado à morte. O mesmo parece acontecer com a sua Arquitectura. E, embora o património arquitectónico nos emocione, represente estabilidade social e transporte consigo valores identitários; por vezes, alguns dos seus edifícios deixam de se revelar aptos face às exigências da sociedade – as estruturas e sistemas dos mesmos tornam-se, eventualmente, obsoletos84. A perseverança dos valores universais nas obras arquitectónicas não garante o seu constante aproveitamento. E, por isso, poder declarar-se que, qualquer edifício, quando construído, aparenta ter “vida útil” decretada; tem uma duração (Bloszies, 2012, pp. 15-20; Pereira, 2007, p. 9).

Quando uma obra de arquitectura deixa de servir o seu propósito – racional, emocional ou irracionalmente insurge a problemática da conservação. Esta prende-se sobretudo com duas questões: o que preservar e como reabilitar – dúvidas intemporais [como se pôde verificar ao longo do anterior subcapítulo]. E, quer se proceda à demolição ou à preservação do edifício, uma decisão unânime em relação a esta escolha nunca é plenamente conseguida. Rara é uma deliberação consensual entre projectistas, arqueólogos, entidades reguladoras, accionistas, população local, enfim, entre todos os organismos que participam hoje no planeamento das cidades. Diga-se, contudo, que a utilização de edificações preexistentes pode – e, em alguns casos85, deve – ser prolongada. Para fomentar o crescimento sustentável das cidades, o património arquitectónico, mais do que dizimado, deve ser incorporado nos futuros planos de desenvolvimento urbano (Bloszies, 2012, pp. 19-28; Portas, 2005, p. 63).

Assim, e uma vez sentenciada a preservação de um edifício, o trabalho interventivo para restabelecê-lo poderá tomar diferentes caminhos, dependendo do seu estado de

84 Refiram-se: os problemas de isolamento térmico; a falta de segurança em relação a incêndios e/ou forças gravíticas; a inadaptação dos espaços para pessoas com mobilidade reduzida; e, até o estrago devido a agentes naturais ou guerras. Estes são apenas alguns motivos que nos permitem compreender a inadaptação de algumas obras arquitectónicas passadas face às reivindicações contemporâneas (Bloszies, 2012, p. 22). 85 Há edifícios que detêm características únicas, sobrevivem ao longo do Tempo, são marcos de história e, por isso, insubstituíveis. Apreciem-se, por exemplo, construções que preservam um rigoroso trabalho de artesão: fachadas ornamentadas, tectos trabalhados, grandes pés direitos, privilegiada orientação solar, ou seja, algumas particularidades que actualmente não se reproduzem (Bloszies, 2012, p. 29).

Ana Catarina Neves Figueiras 75 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

conservação e da extensão de deficiências que são necessárias reparar (Bloszies, 2012, pp. 22-24).

Há, certamente, edifícios históricos como o Pártenon, por exemplo, que não devem ser alterados. Devem preservar-se na sua condição original. Como tal, restaurá-los e tentar retardar os processos de erosão que podem levar ao seu desaparecimento – praticamente não intervindo – parecem soluções indicadas para não comprometer a sua integridade (Bloszies, 2012, p. 24; Bollack, 2013, p. 11).

Quando, por exemplo, ao restaurar um monumento com critério “científico” (ou pseudocientífico) passa pela cabeça de alguém dar a tal monumento o especto que teve em época mais ou menos passada, cai-se na utopia de supor que aquilo que já foi pode de novo vir a ser, esquecendo-se que a irreversibilidade do espaço não permite aceitar tal hipótese. (Távora, 2007, p. 19)

Pelo que, surgem as “Intervenções no espaço construído, interacções de força. […] O encontro com a realidade [que] obriga a tecer novos conceitos” (Pereira, 2007 p. 8). Frequentemente, a adaptação de construções preexistentes implica a adição de novos elementos arquitectónicos visíveis, nitidamente distinguíveis e, por esta razão, normalmente controversos. Esta dificuldade do público em aceitar novas formas ou estratégias de edificar provém do seu apego às arquitecturas familiares, mas é também uma reacção contra as já mencionadas estruturas inoperantes, pouco atraentes, baseadas em teorias que não são facilmente compreensíveis (Bloszies, 2012, pp. 11, 17-24; Krier, 1999, pp. 31-34).

As reabilitações de arquitectura que exibem um vínculo definido entre “novo” e “velho” são, geralmente, mais complexas. São mais intrincadas de projectar, de ser aprovadas [burocrática e socialmente] e, até, de ser erigidas, quando comparadas a construções de raiz; todavia, não devemos esquecer que a diversidade arquitectónica é um factor primordial para cidades habitáveis – elas são engrandecidas pelo efeito da coexistência de tempos. E, como tal, todas as abordagens são legítimas, desde que o resultado nos permita desfrutar, utilizar e aprender com o património arquitectónico; preservando a sua essência [física, cultural e estética], originando um trabalho combinado que é belo e, ao mesmo tempo, útil (Bloszies, 2012, pp. 13, 24; Bollack, 2013, p. 11).

Os projectos que incrementam o contraste devem revelar um profundo entendimento do contexto arquitectónico em que se inserem. A melhor intervenção surge quando o arquitecto concilia o respeito pela estrutura primitiva com a sua capacidade de inovar.

Ana Catarina Neves Figueiras 76 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Acrescente-se que, uma nova ampliação complacente demanda uma superna obra do passado. Ou seja, uma intervenção contemporânea é, tanto melhor, quanto a qualidade de construção e a importância do edifício preexistente. Por outras palavras, a tal presença de valores universais nas obras arquitectónicas [não garantindo o seu permanente aproveitamento], admite sempre a sua reutilização; ademais, é na abordagem do “novo” para com o preexistente; no modo como o “novo” encontra o “antigo”, que se determina o sucesso de toda a regeneração (Bloszies, 2012, pp. 12, 22, 47).

No seu livro Old Building/New Forms86, a arquitecta Françoise Bollack versa o tema da reabilitação de edifícios de uma maneira inteligível e quase lúdica. A partir do estudo de intervenções que adicionam novas formas a edifícios obsoletos [para reabilitá-los]; a autora serve-se de uma taxonomia que as categoriza nas seguintes estratégias: “weavings”87, “insertions”88, “wraps”89, “parasites”90 e “juxtapositions”91. Os pressupostos de cada abordagem serão descritos e ilustrados com projectos exemplificativos ao longo do presente capítulo. Não esquecendo que, tal como Bollack (2013, p. 20) reconhece, esta sistematização presta-se como simples referência; é tão- somente um modo de observar e de avaliar intervenções contemporâneas no património arquitectónico. Não se trata de uma catalogação dogmática e indiscutível. Até porque, o mesmo projecto pode, pelas suas características, vincular-se a mais do que um modelo. Como tal, a classificação da arquitecta ajuda-nos sobretudo a estruturar um processo comparativo entre diversas estratégias interventivas que utilizam a adição para restabelecer edifícios marginalizados.

O entendimento de Bollack apresenta uma provocante fronteira entre Arquitectura e Arte. Em muitos dos casos que relata, é difícil saber-se exactamente se a forma adicionada finge um “estado de arte”, ou se simplesmente se apresenta como uma recente peça de arquitectura (Kenneth Frampton apud Bollack, 2013, p. 7). Admite a autora (Bollack, 2013, p. 13) que o próprio uso da palavra “forma” ao longo do seu livro é deliberado – tenciona evidenciar essa ambiguidade, incutindo a ideia de que a forma não é necessariamente uma figura claramente definida e reconhecida pelo observador, mas que ela pode ser “turva”, aparentemente indeterminada e implexa de

86 Antigos edifícios/Novas formas (tradução nossa). 87 “Tecelagens” (Tradução nossa). 88 “Inserções” (Tradução nossa). 89 “Invólucros” (Tradução nossa). 90 “Parasitas” (Tradução nossa). 91 “Justaposições” (Tradução nossa).

Ana Catarina Neves Figueiras 77 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

apreender. Note-se, contudo, que são estas formas ambivalentes que sustentam o potencial latente de métodos compreensíveis, que não se firmam na imitação e, que alcançam relações entre o “velho” e o “novo”; ressuscitando partes do tecido urbano existente; e, transfigurando-o a partir de delicadas recuperações que suplantam as [de]limitações da arquitectura preexistente (Kenneth Frampton apud Bollack, 2013, p. 7; Bollack, 2013, p. 21).

Inversamente ao que muitas vezes se alega, são estas [de]limitações que outorgam liberdade criativa ao arquitecto. Segundo Françoise Bollack (2013, p. 9), a rigidez, ou a “inflexibilidade”, do edifício preexistente oferece uma miríade de problemas constante, complexa e intelectualmente desafiante, onde não existem soluções predeterminadas. Por outro lado, após intervencionados, os mesmos edifícios incorporam múltiplas histórias, emergem do trabalho de diferentes autores e, a conciliação entre o “familiar” e a “novidade” instiga emoções e diversos modos de interpretação por parte dos seus utilizadores. De facto, a inovação encontra-se onde menos se espera – nas transformações formais concedidas a edifícios devolutos (Bollack, 2013, p. 10).

Nas seguintes intervenções, os arquitectos reformulam dogmas: eles trabalham com diferentes métodos, editam e montam; constroem novos contextos para o edifício ser vislumbrado. Estas ambiências arquitectónicas por si criadas incluem memória. Não o género de memória que reúne vertentes estilísticas, mas uma memória mais profunda: que retém essências; que dá ao arquitecto a liberdade de projectar novas formas. Novas realidades fragmentadas que não são apenas “formas” no seu sentido literal, mas identidades metamorfoseadas, que reconfiguram a nossa atitude para com o Tempo e para com o mundo construído. Identidades que através da história, constroem história (Bollack, 2013, p. 182).

Para terminar este sucinto prelúdio, mencionar apenas que a selecção dos projectos sequentes não se relaciona com nenhuma predilecção pelos seus autores ou trabalhos. A decisão foi mais pragmática do que emocional. Escolheram-se obras que, no nosso entender, melhor expressavam cada um dos axiomas de Bollack; edifícios públicos e facilmente acessíveis, num intuito de, efectivamente, se poder afirmar “conhecerem-se”92 esses espaços. Já o estudo de modelos históricos lembra-nos que, aquando construídas, as adições – embora controversas – também representavam o diálogo entre arquitecturas, entre tempos: eram novas formas, novos “universos”.

92 De acordo com o Professor Doutor Bernardo Manuel D’Orey, apenas se deve afirmar conhecer um projecto quando verdadeiramente se experiencia o seu espaço. Se vivencia a sua arquitectura.

Ana Catarina Neves Figueiras 78 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

93 3.1. MUSEU NEUES [1997-2009] – DAVID CHIPPERFIELD COM JULIAN 94 HARRAP

“WEAVINGS”

Neste género de intervenção, o arquitecto “entrelaça” uma nova forma arquitectónica num edifício preexistente [quase sempre em ruína]. Num meticuloso ofício de “tecelão”, actua sobre os elementos da preexistência – evidenciando, preservando, modificando ou eliminando algumas das suas características – enquanto projecta uma outra configuração, dentro e fora, dessa preexistência (Bollack, 2013, p. 179).

Ilustração 14 – Figura esquemática de uma “tecelagem”. (Bollack, 2013, p. 178).

Pode dizer-se um exercício de “tecelagem” porque, de um modo geral, os limites, ou as “costuras”, entre o edifício primitivo e o novo projecto não são imediatamente perceptíveis. Eles não formam um padrão transparente, isto é, não consegue ler-se a

93 David Alan Chipperfield (Londres, 1953) é um arquitecto inglês. Depois de estudar na Kingston School of Art e na Architectural Association em Londres, trabalhou com os arquitectos Douglas Stephen, Richard Rogers e Norman Foster. Em 1985, estabelece a David Chipperfield Architects, que mantém sucursais em Londres, Berlim, Milão e Xangai. Foi professor de Arquitectura da Akademie der Staatliche Bildenden Künste, em Estugarda, entre 1995 e 2001; professor assistente de Norman Foster na Universidade de Yale, em 2011; e, diversas vezes convidado para palestras de arquitectura em países como Áustria, Itália, Reino Unido e Estados Unidos. O seu trabalho tem ganho inúmeros prémios ao longo dos últimos anos. Das suas obras podem destacar-se: o Museu de Literatura Moderna, na Alemanha, premiado com o RIBA Stirling Prize 2007; o edifício Veles e Vents da Copa América, em Valência; o Museu River and Rowing no Reino Unido; Habitação Villaverde, em Madrid; e a reconstrução do Museu Neues em Berlim, premiado com o Mies van der Rohe Award 2011. Em 2012, o arquitecto foi responsável pela curadoria da 13ª Exposição Internacional de Arquitectura da Bienal de Veneza. Chipperfield tem sido reconhecido várias vezes ao longo da sua carreira: em 2009, foi condecorado com a Ordem de Mérito da República Federal da Alemanha; em 2011, recebeu a RIBA Royal Gold Medal; e, em 2013, é-lhe atribuído pela Japan Art Association, o Praemium Imperiale (David Chipperfield Architects, 2015; Encyclopædia Britannica, Inc., 2015; Buttlar, 2010, p. 98). 94 Julian Harrap (Londres, 1942) é um arquitecto inglês. Estou Arquitectura em Londres orientado por John Leslie Martin, James Frazer Stirling e Colin St John Wilson. É fundador do atelier Julian Harrap Architects. Especializado em reparação, restauro e reabilitação de edifícios e paisagens inseridas em contextos históricos, Julian Harrap (2013) afirma ter sido influenciado por personalidades como Basil Urwin Spence, James Stirling, Eldred Evans, Aldo von Eyck, Stuler, Schinkel, Soane, Louis Kahn, entre outros. Harrap é membro de várias organizações culturais responsáveis pela restauração e conservação do património. É consultor de projecto de edifícios históricos da Royal Academy of Arts. Galardoarda com variados prémios, da sua obra podem destacar-se: Museu Sir John Soane, Casa Mill, High Street 2012 em Londres e o Museu Neues, em Berlim, considerado pelo próprio o seu grande projecto de reabilitação, em que colaborou com o arquitecto David Chipperfield (Julian Harrap Architects LLP, 2015 p. 98; Harrap, 2013; Buttlar, 2010 p. 98).

Ana Catarina Neves Figueiras 79 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

nova forma autonomamente. Ela passa a ser indissociável da estrutura primária: “novo” e “antigo” são complementares.

Assim, no sentido figurado, esta conjugação resulta num vasto tecido de malha (Bollack, 2013, p. 179).

Ilustração 15 – Tecelagem. (University of South Florida. College of Education. Florida Center for Instructional Technology, 2015).

Segundo Françoise Bollack (2013, p. 179), existe neste método um sentimento “romântico” associado à ruína. Alega, no entanto, que num projecto de “tecelagem” fidedigno, ela [ruína] não é reduzida ao pastiche95 – o arquitecto reutiliza-a activamente e articula-a com elementos contemporâneos necessários para deseliminar o edifício obsoleto.

Um exemplo histórico deste tipo de metodologia é a intervenção do arquitecto Hans Dӧllgast96 no museu Alte Pinakothek, em Munique. O edifício, projectado originalmente por Leo von Klenze97, revolucionou a maneira de exibir arte nas primeiras décadas do século XIX. Porém, ele é praticamente dizimado no entrecorrer da Segunda Guerra Mundial (Bollack, 2013, p. 180).

95 Processo de imitação ou decalque de uma obra literária ou artística, frequentemente com objectivos satíricos ou humorísticos (Porto Editora, 2006). 96 Hans Döllgast (1891-1974) foi um arquitecto alemão. Embora pouco conhecido fora da Alemanha, Döllgast foi um dos mais importantes arquitectos do sul do país depois da Segunda Guerra Mundial. A sua extensa obra construída [igrejas e edifícios públicos] demonstra a sua abordagem moderna e altamente sensível no que concerne à restauração. O museu Alte Pinakothek é, indubitavelmente, a sua intervenção mais emblemática (The Architecture Foundation, 2015). 97 Leo von Klenze (1784-1864) foi um arquitecto, pintor e escritor alemão. Destacou-se principalmente pelo seu trabalho como arquitecto de Ludwig I da Baviera (1786-1868): projectou estradas, praças e inúmeros edifícios públicos que fariam de Munique, a capital do Estado. Trabalhou igualmente como arquitecto noutros países: é, por exemplo, o primeiro a indicar medidas para se preservar a Acrópole de Atenas. Além de arquitecto, Klenze desenvolve actividade como pintor. Nas suas visitas a Itália, estuda e regista paisagens e ruínas romanas que o influenciam na execução do seu trabalho arquitectónico. Das suas obras podem destacar-se: o New Hermitage (1839-52), em São Petersburgo; o Alte Pinakothek (1826-36) e o Glyptothek (1816-30), ambos em Munique (J. Paul Getty Trust, 2015).

Ana Catarina Neves Figueiras 80 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 16 – Ruína do museu Alte Pinakothek após a Segunda Guerra. (Bollack, 2013, p. 179).

Perante uma ruína que parecia ter sido dividida em duas e onde somente as paredes exteriores permaneciam de pé (Erich Altenhӧfer apud Bollack, 2013, p. 180); Hans Döllgast litiga pela restauração dos escombros e, ao longo de seis anos, desenvolve uma acção interventiva que culmina com a reabertura do museu ao público em 1957 (Bollack, 2013, p. 180).

A sua estratégia de projecto é clara e lacónica: respeitam-se as linhas principais do edifício mas nunca se replicam elementos que haviam desaparecido. Além disso, o arquitecto não se coibiu e redesenhou o edifício quando necessário: erigiu uma construção distinta da austera e ornamentada arquitectura de Leo von Klenze, “cosendo” novos “retalhos” ao “tecido” preexistente (Bollack, 2013, p. 180).

Ilustração 17 – Reconstrução da parte central da fachada sul do Museu Alte Pinakothek, Hans Döllgast. (Caruso, 2015).

Deste modo, Döllgast comprovaria que não existe uma maneira ideal e pré- determinada para restabelecer um edifício [atestando a conjectura de Aloïs Riegl], todavia, a sua postura coerente permitiria dois feitos notáveis: a sobrevivência do Alte Pinakothek como museu e a explanação histórica das passadas exigidas para a sua perseverança (Bollack, 2013, p. 181).

Ana Catarina Neves Figueiras 81 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 18 – Detalhe das “costuras” entre a nova Ilustração 19 – Loggia sul do Alte Pinakothek, Hans Döllgast. construção e a preexistente, Hans Döllgast. (Caruso, 2015). (Caruso, 2015).

Ilustração 20 – Alçado sul do Alte Pinakothek, 2011. ([Adaptação a partir de]: Bollack, 2013, p. 183).

Ana Catarina Neves Figueiras 82 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Quase meio século depois, com vicissitudes muito semelhantes, também o Museu Neues é recuperado através de um delongado processo de “tecelagem”; onde David Chipperfield coopera com o arquitecto especialista em restauro, Julian Harrap.

CONTEXTUALIZAÇÃO

O Museu Neues está localizado na Museumsinsel – em português, Ilha dos Museus. Esta, antes conhecida como Spreeinsel [devido ao rio98 que a abraça], acolhia, no século XVI, o grande jardim do Stadschloss, o Palácio da Cidade. Situado no coração de Berlim, este território é hoje um dos poucos resquícios da cidade inicial e contentor de alguns dos mais importantes edifícios públicos nacionais (David Chipperfield Architects, 2015; Buttlar, 2010, pp. 7-8).

Construído por Friedrich Stüler99, o Neues nasce de um desígnio de Friedrich Wilhelm IV100: transformar a Spreeinsel num “Santuário” para Arte e Ciência. Pela primeira vez na história, a Arte, em processo de democratização, actuava de maneira evidente no planeamento das cidades; e, o Museu Neues [Novo Museu] – chamado assim para distingui-lo do Museu Altes [Antigo Museu] de Schinkel101 – tornou-se o primeiro componente deste paraíso visionário (Buttlar, 2010, pp. 9-13; David Chipperfield Architects, 2015).

98 A cidade de Berlim é atravessada por dois rios: o Spree e o Havel. 99 Friedrich August Stüler (1800-1865) foi um arquitecto alemão. Entre 1818 e 1827, estuda Arquitectura na Bauakademie em Berlim, trabalhando durante algum tempo, com Karl Friedrich Schinkel. Em 1824, é co-fundador da Berlin Architektenverein, uma associação de arquitectos local. Entre 1829 e 1831, viaja por França, Itália e Rússia. É nomeado arquitecto da corte prussiana em 1832 e arquitecto do rei em 1842. Ao longo da sua vida profissional, Stüler reconstruiu, remodelou, decorou e restaurou mais de trezentos edifícios [igrejas, palácios, residências, monumentos, estações], entre eles, edifícios da autoria de Friedrich Schinkel e de Friedrich Ludwing Persius. Além do planeamento da Ilha dos Museus, para a qual projectou o Museu Neues e a Galeria Nacional; destacam-se também da sua obra: o Museu Nacional de Estocolmo, a Academia das Ciências em Budapeste e a Universidade de Königsberg [hoje, Kaliningrad] (Buttlar, 2010, p. 97). 100 Friedrich Wilhelm IV (1795-1861) foi um rei da Prússia. Governou desde 1840 até 1841. Apreciador das artes, Wilhelm IV nutria uma profunda admiração pela arquitectura e pela literatura [em particular, pelos contos medievais de Friedrich M. Fouqué (1777-1843), escritor romântico]. A sua imaginação fértil e o seu espírito artista são fortemente criticados pelos historiadores do século XIX e dos inícios do século XX, uma vez que, as suas políticas conservadoras ajudaram a desencadear a Revolução de 1848. Conhecido por o “romântico do trono”, é relembrado sobretudo pelos muitos edifícios que mandou construir em Berlim e Potsdam. Em 1857, Friedrich Wilhelm IV sofre um acidente vascular cerebral e o seu irmão – o futuro William I - torna-se regente (1858-1861) (Encyclopædia Britannica, Inc., 2015; Barclay, 1998). 101 Karl Friedrich Schinkel (1781-1841) foi um arquitecto e pintor alemão. Estudou na Academia de Arquitectura de Berlim. Trabalhou com o arquitecto Friedrich Gilly (1798-1800), importante arquitecto da época. Entre 1802 e 1805, viaja por Itália. Quando regressa ao seu país instala-se como pintor e designer de mobiliário. Em 1810, é contratado pelo Estado e, em 1815, nomeado supervisor geral das construções alemãs. Desenvolve inúmeros projectos em estilo neoclássico baseado em modelos gregos, desta época resultam os seus mais apreciados edifícios: o Museu Altes, o Nikolaikirche e o Konzerthaus, todos em Berlim. A sua obra influenciou numerosos arquitectos, tendo sido o principal difusor do estilo neoclássico no Norte da Europa (Porto Editora, 2006).

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Ilustração 21 – Planta Implantação: Ilha dos Museus e rio Spree, com o Museu Neues em destaque. (David Chipperfield Architects, 2015).

À data da sua abertura, em 1855, o Neues destaca-se pela lógica de organização e especial exibição e preservação das suas obras. Stüler, que defendia que um edifício detentor de arte devia, ele próprio, ser um trabalho de arte; inspira-se nos modelos102 de Leo von Klenze, e proprõe uma estrutura de três alas articuladas por dois pátios – o Egípcio [a norte] e o Grego [a sul] – que permitem a entrada de luz natural nas várias galerias. A escadaria monumental que se acomoda na ala central e se eleva, unificando todos os pisos; origina um espaço arrebatador que proclama e reforça os ideais [culturais e intelectuais] incorporados no Museu. Também, o interior do edifício, exuberantemente decorado, contrasta com o seu exterior austero e potencia um ambiente único para a apresentação de arte (Buttlar, 2010, pp. 15-24; David Chipperfield Architects, 2015; Bollack, 2013, p. 212).

Stüler olhava assim para a sua obra como um ponto de destaque para os mais elevados interesses intelectuais do povo – não olvidemos que, os objectivos da Ilha não eram propriamente baixos. Todavia, o Santuário de Friedrich Wilhelm IV apenas subsiste em pleno durante um curto espaço de tempo – desde a abertura do último museu em 1930 até ao encerramento de todos eles em 1939, justo ao início da Guerra (Schulz, 2009).

102 O Hermitage em São Petersburgo (1893-55) foi um dos primeiros museus desenhados especificamente para conservar e exibir arte. Em 1840, Friedrich Stüler participa na reunião, onde os seus vários modelos são apresentados por Leo von Klenze ao rei prussiano. O Hermitage será uma referência para Stüler durante a projecção do seu próprio museu (Buttlar, 2010, p. 15).

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Ilustração 22 - Museu Neues, Friedrich August Stüler, 1930. (Buttlar, 2010, p. 17).

Ilustração 23 - Corte transversal pela ala norte do Museu Neues interceptando o pátio Egípcio, 1862. [Litografia reproduzida depois de Friedrich August Stüler]. (Buttlar, 2010, p. 18).

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Por esta altura, o Museu Neues sofre mais danos do que qualquer outro edifício da Ilha. Os bombardeamentos durante a Segunda Guerra deixam-no em ruínas, com alguns dos seus segmentos arduamente danificados – como é o caso da escadaria central – e outros completamente destruídos: o pátio Egípcio, a ala noroeste e a ala sudeste são arrasados (Schulz, 2009; Bollack, 2013, p. 214; Julian Harrap Architects LLP, 2015).

Após o conflito, pouco se tenta para reparar o extermínio. E somente nos anos oitenta se adoptam algumas medidas de segurança: retiram-se destroços e estabilizam-se os escombros. Diga-se, no entanto, que o mesmo cenário de destruição é mantido exposto à intempérie durante todo o período da República Democrata Alemã [cuja autoridade alega uma reconstrução integral do Museu originário] (Buttlar, 2010, p. 26).

Os planos para salvar a ruína pareciam condenados ao desastre.

Ilustração 24 – Vista aérea do Museu Neues arruinado, 1989. (David Chipperfield Architects, 2015).

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Ilustração 25 – Escadaria original do Museu, Friedrich August Stüler. (David Chipperfield Architects, 2015).

Ilustração 26 – Escombro da escadaria após a Segunda Guerra. (Taylor-Foster, 2013).

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Apenas posteriormente à reunificação alemã se observam movimentações para reverter a situação. Um comité organizado entre 1991 e 1992 invoca uma restauração interventiva no que subiste do Museu: defendem-se os pressupostos da Carta de Veneza [renegando totalmente a anterior ideia de pastiche] e várias103 sugestões são levadas a concurso. [Alguns especialistas, convencidos de que este tipo de intervenção poria em causa o valor das secções sobreviventes, afirmavam que a sua reconstrução seria um segundo aniquilamento] (Buttlar, 2010, pp. 27-32).

Vence David Chipperfield. A sua proposta parece ostentar um equilíbrio promissor entre a conservação e a modernização do Neues. Desde que é seleccionada, em 1997, até ser finalizada a restauração do edifício, passam-se onze anos. É durante este longo processo [concretamente em 1999], que a UNESCO decide conglobar a Ilha do Museus à lista de conjuntos edificados a proteger. Como tal, o Museu Neues é [oficialmente] considerado Património (David Chipperfield Architects, 2015; UNESCO. World Heritage Centre, 2015; Buttlar, 2010, pp. 27-32).

INTERVENÇÃO

O objectivo principal do projecto consistia em restabelecer o Museu à sua função original, não desprezando as premências contemporâneas. Para os arquitectos era evidente que a ruína não deveria ser interpretada como um “palco” para uma arquitectura completamente nova; nem tão-pouco ser arremedada. Por este motivo, e visto que não haviam exemplos anteriores para a reconstrução da mesma, os arquitectos David Chipperfield e Julian Harrap [juntamente com as suas equipas] fundamentam-se nos escritos de John Ruskin; na tradição pós-guerra de Hans Döllgast [que preserva o dano visível]; e na reabilitação e adição de Carlo Scarpa104,

103 Além de David Chipperfield, participam nesta competição os arquitectos Giorgio Grassi, Francesco Venezia e Frank Gehry (Buttlar, 2010, pp. 29-30). 104 Carlo Scarpa (1906-1978) foi um arquitecto italiano. Estudou arquitectura, pintura e escultura na academia de Belas Artes de Veneza. Especializa-se em Arquitectura em 1926, ano em que entra como assistente no Instituto Universitário de Arquitectura de Veneza. Inicialmente trabalha como designer, realizando projectos de interiores e objectos de vidro para a companhia Venini de Murano. É consultor da Bienal de Veneza a partir de 1941. Na década de cinquenta começa a desenvolver obra arquitectónica de maior envergadura, realizando intervenções e adaptações em monumentos históricos. Podem destacar- se: a adaptação para Museu de Arte do Palazzo Abatellis (1953-54), em Palermo; e o projecto para o Museu Castelvecchio (1956-73), em Verona, construído sobre um edifício de origem medieval com alterações de várias épocas. A sua obra caracteriza-se pelo rigoroso detalhe, que adquire por vezes um design radical, estabelecendo, no entanto, um diálogo harmonioso entre as várias camadas históricas que o arquitecto põe a descoberto. Em 1972, Scarpa foi nomeado Director do Instituto Universitário de Arquitectura de Veneza. O seu último grande projecto, o Banca Popolare di Verona (1977-80) foi terminado pelo seu colaborador Arrigo Rudi, uma vez que, Carlo Scarpa morre em 1978 num acidente durante uma viagem ao Japão (Porto Editora, 2006).

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em particular, nas suas intervenções em monumentos nos anos cinquenta e sessenta (David Chipperfield Architects, 2015; Buttlar, 2010, p. 33).

A solução encontrada trabalha então como uma única estrutura contínua que integra quase todo o “tecido” danificado, permitindo simultaneamente a adição de elementos contemporâneos. Num verdadeiro processo de “tecelagem”, completa-se o edifício original, “cosendo” novos “retalhos” em falta; preservam-se e restauram-se os fragmentos que sobreviveram ao massacre (David Chipperfield Architects, 2015; Julian Harrap Architects LLP, 2015).

Ilustração 27 – Ideia conceptual do projecto. (David Ilustração 28 – Modelo tridimensional da proposta para Museu Neues. Chipperfield Architects, 2015). ([Adaptação a partir de]: David Chipperfield Architects, 2015).

A construção de novas formas permite recuperar a configuração do edifício primitivo e repor a sequência original dos espaços expositivos. Neste processo, todas as adições e substituições são diferenciadas da preexistência; tal como, o exercício de restauro da mesma estuda105 e respeita os seus diferentes estados de preservação, ou seja, não se tentam ocultar o desgaste e o estrago da edificação histórica. Toda a estrutura primária do Museu é mantida visível. Não se obstruem paredes ou qualquer outra superfície com novos revestimentos. E, até o esventramento de camadas profundas [em zonas mais degradadas] é resguardado – estas parcelas “despidas” consentem o vislumbre do seu método construtivo e possibilitam revisitá-lo no tempo (Buttlar, 2010, p. 33).

105 Durante o projecto, as soluções apropriadas aos vários problemas foram anexadas a uma série de registos que descreviam o estado de preservação de cada um dos espaços do Museu; algumas destas medidas restaurativas foram previamente testadas e os seus resultados assinalados (Buttlar, 2010, p. 33).

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Ilustração 29 - Planta de um estudo detalhado de um dos tectos do Museu, David Chipperfield. (David Chipperfield Architects, 2015).

Ilustração 30 – Esquiço do restauro da Sala Medieval, David Chipperfield. (David Chipperfield Architects, 2015).

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As inexistências da ruína são preenchidas sem competir com a sua textura ou brilho. Desse modo, toda a reabilitação é concretizada no sentido de enfatizar o contexto espacial e a materialidade do Museu original, harmonizando-o com uma circunstância neutra – o novo “tecido”. Assim, a contemporaneidade reflecte o perdido, mas não o copia [como dita a Carta de Veneza] (Buttlar, 2010, p. 33; David Chipperfield Architects, 2015).

O objectivo da intervenção é que “novo” e “antigo” se reforcem, não num desejo de contraste, mas numa busca pela continuidade, repondo a ordem por inteiro e a relevância de cada parte (Buttlar, 2010, pp. 33-34; Julian Harrap Architects LLP, 2015).

Da ruína quer-se novamente um edifício.

Ilustração 31 – Museu Neues após intervenção de David Chipperfield. (Ilustração nossa, 2013).

Numa aproximação ao Museu Neues pelo exterior, percebe-se uma reconstrução subtil mas claramente discernível. A nova ala sudeste materializa uma versão abstracta do volume original; e, a noroeste, os vãos da forma complementar seguem a métrica preexistente, mas são desenhados de um modo contemporâneo. As “costuras” entre o “novo” e o “velho” são praticamente imperceptíveis a qualquer olhar desatento, todavia, as suas diferentes materialidades – o denso tijolo artesanal e a gasta pedra mármore – declaram as respectivas verdades (Bollack, 2013, p. 214).

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Ilustração 32 – Pormenor do limite entre o edifício preexistente e a nova construção [ala noroeste]. (Bollack, 2013, p. 217).

Ilustração 33 – Fachada oeste com nova ala noroeste, David Chipperfield. (Rodriguéz, 2012).

Ilustração 34 – Fachada este com nova ala sudeste e colunata reconstruídas, David Chipperfield. (Rodriguéz, 2012).

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A restauração e o preenchimento da colunata [que delimita o lado Sul e Este do Museu] reimplantam a situação urbana pré-guerra e permitem uma reorganização do espaço público exterior (David Chipperfield Architects, 2015).

Ilustração 35 – Plantas Museu Neues, David Chipperfield: preexistência [preto] e novos segmentos reconstruídos [cinza] – a sua leitura é a de uma “manta de retalhos”. (Rodriguéz, 2012).

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Os espaços interiores do edifício são uma autêntica “tecelagem” milimétrica associada a um processo de reinterpretação. A conjunção de materiais é preeminente: a intensa fisicalidade do tijolo, gessos, pedra e terrazzo transmitem, de um algum modo, o esforço humano necessário para a sobrevivência do Neues e, no seu rigoroso detalhe, é possível, no mesmo momento, observar diferentes períodos, imaginar variadas histórias, sentir inúmeras texturas – é neles que se experiência a aura do primeiro Museu. É neles que se encontra impressa a sua memória (Bollack, 2013, p. 214).

Ilustração 36 – Detalhe de uma conjunção Ilustração 37 – Nas superfícies do Ilustração 38 – Detalhe de um vão. de terrazzo, tijolo e gesso, que nunca cobre Museu encontra-se a sua história por Restauro da preexistência conjugada com as preexistências. (Ilustração nossa, 2013). camadas. (Ilustração nossa, 2013). novos materiais. (Ilustração nossa, 2013).

Profira-se que, a nova arquitectura não deixou de replicar elementos desaparecidos quando as circunstâncias históricas e arquitectónicas o justificavam: veja-se a construção estilizada da abside que havia sido removida do pátio Grego durante uma remodelação em 1919. Aqui, a lógica do acto protege-se na importância deste elemento arquitectónico para a caracterização do espaço. Da mesma maneira, o estilizar da escadaria principal, da cúpula sul ou da colunata do pátio Egípcio são exemplos desta “violação” ocasional dos princípios de conservação que, no final, se apresenta uma reconstrução plenamente transparente para os utilizadores e extremamente respeitadora para com o original Neues (Bollack, 2013, p. 214; Buttlar, 2010, pp. 34-36; David Chipperfield Architects, 2015).

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Ilustração 39 – A escadaria principal recupera a sua Ilustração 40 – Construção estilizada da abside do pátio Grego, monumentalidade através da reinterpretação da escada original. fundamental para a caracterização desse espaço. (Ilustração (Ilustração nossa, 2013). nossa, 2013).

Ilustração 41 – Superfícies e fragmentos do Museu original são preservados e “costurados” a elementos contemporâneos que são versões abstractas desses fragmentos. (Ilustração nossa, 2013).

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Tal como David Chipperfield (apud Bollack, 2013, p. 214) explicou, o seu objectivo não foi erigir um memorial à destruição, nem criar uma reprodução histórica; mas sim proteger e dar sentido aos extraordinários vestígios que sobreviveram, não somente à desolação da Guerra, mas também à erosão física dos seus últimos sessenta anos. Essa inquietação conduziu os arquitectos a projectar um novo edifício a partir de remanescências obsoletas, que não comemora nem esconde a sua história, mas que a abarca; um edifício que feito de parcelas ou fragmentos do passado conspira novamente para viver no presente. Onde cada decisão de projecto – quer fosse reparar, completar ou adicionar – foi consolidada no estado de preservação e no significado de cada porção; e, onde todos os “retalhos” do edifício se unificaram para tentar dar sentido a uma ideia peculiar: relembrar não o que foi perdido, mas o que foi salvo.

Em Outubro de 2009, depois de mais de sessenta anos em ruína, o Museu Neues reabriu ao público, exibindo não apenas as colecções de Arte do Egipto, Pré-história e Antiguidades Clássicas, mas também a sua complexa história, acabando por se tornar um dos principais museus da cidade.

Ao percorrer-se hoje o Museu, absorve-se um trabalho colectivo através do Tempo e concede-se âmago às intrincadas palavras de Henri Focillon106 (1988, p. 16) quando sugere:

A forma pode exercer uma espécie de magnetização sobre diferentes significados, ou antes apresentar-se como um molde côncavo, no qual o Homem vai deitando sucessivas substâncias diferentes, que se submetem à curva que as pressiona, adquirindo dessa forma uma significação inesperada. Pode acontecer que a forma se esvazie totalmente, que sobreviva muito tempo à morte do seu conteúdo ou até que se renove com uma riqueza inesperada.

Assim, ao contrário de todas as expectativas, o Neues foi uma “forma” que, graças a um exemplar processo de “tecelagem”, se renovou com uma autêntica “riqueza inesperada”.

106 Henri Joseph Focillon (1881- 1943) foi um historiador de arte, teórico e professor francês. Focillon cresceu entre artistas como Edouard Vuillard, Auguste Rodin e Gustave Geffroy. Ainda novo ajuda Geffroy a escrever o seu primeiro volume da colecção Les Musées d’Europe (1900). Estuda Filologia na École Normale Supérieure. Foi professor em vários liceus e universidades. Desenvolvia um enorme interesse pela época medieval, em especial pela arte românica. É autor de uma vasta obra escrita, da qual se podem destacar: Arte do Ocidente, A vida das Formas, Hokusai e Les Pierres De France (Sorensen, 2015).

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107 3.2. BANCO MAIS [1999] – GONÇALO BYRNE

“INSERTIONS”

Inserir. Várias imagens podem ilustrar esta elocução, contudo, idealize-se o simples gesto de embutir uma cunha num toro de madeira. O objecto resultante deste movimento é composto por duas partes: o toro de madeira, que suporta a cunha; e a própria cunha, que lhe mantém ambas as extremidades afastadas. Embora, a partir desse momento, interdependentes, ambos os constituintes do novo objecto – toro e cunha – são plenamente distinguíveis (Bollack, 2013, p. 23).

Ilustração 42 – Exemplificação de uma inserção: cunha embutida num toro de madeira. (University of South Florida. College of Education. Florida Center for Instructional Technology, 2015).

O mesmo acontece nas intervenções arquitectónicas em que, num edifício preexistente é inserido um novo corpo. Geralmente, a forma introduzida usufrui de identidade própria: ela detém as suas próprias características e pode, ou não, conferir estabilidade à estrutura antiga, acomodando-se nela. Esta coexistência de formatos encontra o seu valor na própria concomitância de tempos: o antigo é um contentor de memórias e emoções; a inserção é [literalmente] “o novo”, providencia novos usos,

107 Gonçalo Byrne (Alcobaça, 1941) é um arquitecto português. Formado em Arquitectura pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Designado Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa e pela Universidade de Alghero. O arquitecto é fundador e director executivo do atelier Gonçalo Byrne Arquitectos. Ao longo dos últimos anos, o seu trabalho tem sido amplamente reconhecido e premiado. Gonçalo Byrne desenvolve, paralelamente, uma importante carreira como docente de Projecto de Arquitectura, sendo professor convidado em várias Universidades e frequentemente requisitado para conferências e seminários de arquitectura em todo o mundo. Da sua obra arquitectónica podem destacar-se: Torre de Controlo Marítimo, em Oeiras, Prémio Conde de Oeiras 2005; os Edifícios de Habitação Estoril Sol; Requalificação da Sede do Banco de Portugal [juntamente com João Pedro Falcão de Campos], em Lisboa; Remodelação e Ampliação do Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra; Requalificação do Teatro Thalia [juntamente com Barbas Lopes Arquitectos], em Lisboa e Requalificação da Sede do Banco Mais, em Lisboa [ambos, casos de estudo desta dissertação] (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2015a).

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novo sentido e recupera a proeminência da estrutura alugada, uma vez que a reanima (Bollack, 2013, p. 23).

Ilustração 43 – Figura esquemática de uma “inserção”. (Bollack, 2013, p. 22).

Normalmente, esta abordagem é empregue em estruturas marginalizadas, desprezadas. Por conseguinte, a nova construção vem enaltecer o valor [esquecido] do edifício antigo e volta a introduzi-lo na malha urbana como um objecto contemporâneo “vivo”; coligindo uma “narrativa” hodierna à linhagem histórica do sistema urbano (Bollack, 2013, p. 23).

É, precisamente, a sua total dependência do tecido urbano que faz da nova peça, uma “inserção”. Esta circunstância remete-nos para uma estratégia que alterou o semblante das cidades europeias entre o final do século XVIII e o princípio do século XIX. Conhecidas como passages couverts em França, gallerias em Itália, arcades em Inglaterra, ou passagen na Alemanha – as galerias foram inscritas em densos contextos urbanos, originando espaço público [usualmente de índole comercial] onde antes não existia (Bollack, 2013, p. 23).

Um primevo arquétipo desta estratégia é a construção em forma de “U”, desenhada por Giorgio Vasari108 [ainda no século XVI]. Primeiramente destinada aos escritórios da família Médici109, a Galeria Uffizi acolhe hoje um dos mais importantes lugares museológicos de Itália. Perfeitamente enquadrada na dinâmica urbana de Florença, esta grande e alongada inserção rectangular confina-se a sul pelo rio Arno e a norte pela Piazza della Signoria. Da edificação, apreendem-se unicamente três fachadas; as restantes estão ocultas no tecido medieval da cidade. Estas parecem ser absorvidas

108 Giorgio Vasari (1511-1574) foi um importante historiador, pintor e arquitecto italiano. Estudou sob a protecção da família Médici no atelier de Andrea del Sarto (1486-1530). Da sua pintura restam murais no Palácio Vecchio em Florença e no Vaticano. Projectou importantes edifícios, como o Palácio dos Uffizi em Florença e várias igrejas e palácios em Pisa e em Arezzo. É também conhecido pelo seu exemplar trabalho de biógrafo onde descreve a vida dos artistas renascentistas, dando origem à obra The Lives of the Artists (Porto Editora, 2006). 109 Família italiana da alta burguesia florentina. Os Médicis governaram a sua cidade e mais tarde toda a Toscana durante praticamente três séculos (Porto Editora, 2006).

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pelo conjunto urbano envolvente, gerando-se, deste modo, uma difusa fronteira entre a inserção e o preexistente, entre o “novo” e o “velho” (Bollack, 2013, pp. 23-24).

Ilustração 44 - Implantação da Galeria Uffizi: limitada a sul pelo rio Arno e a norte pela Piazza della Signoria. ([Adaptação a partir de]: Bollack, 2013, p. 24).

Ilustração 45 – Inserção da Galeria Uffizi no contexto urbano Ilustração 46 – Planta da Galeria Uffizi de Giorgio Vasari. envolvente. (Bollack, 2013, p. 24). (Marullo, 2012).

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Ilustração 47 – As três fachadas perceptíveis da Galeria Uffizi, Giorgio Vasari 1920. (Marullo, 2012).

A Sede do Banco Mais [hoje Banif], em Lisboa, projectada por Gonçalo Byrne, pode considerar-se uma reinterpretação desta estratégia milenar: um novo corpo é embutido numa antiga estrutura preexistente. O valor desta união deve-se à sua compreensível interdependência e, ao facto, de as pessoas poderem usufruir de ambas ao mesmo tempo.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Situado entre Alcântara-Mar e Santos, defronte do rio Tejo, o edifício primitivo – um antigo armazém do século XIX – deve a sua existência ao tardio processo de industrialização do país (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2015a). Altura em que, a zona oeste da cidade de Lisboa é semeada de instalações industriais – “Dessas, as que se instalam durante a primeira metade do século XIX são quase todas de estampagem de tecidos.” (Couto, 2008, pp. 255-256)

Antiga praia110 – “cheia de tradições boémias” – após o terramoto de 1755, esta zona fluvial da cidade torna-se uma área “ […] coberta de toldos e de barracões, [que] servia de vazadouro e, em vez de areia, ensopava-se em lama” (Dias, 1999, p. 121). “A paisagem circundante é já tipicamente industrial. […] [Onde] o lodo do rio e os detritos das fábricas produziam cheiros nauseabundos.” (Couto, 2008, p. 258)

110 Em 1833, a praia de Lisboa estendia-se desde Xabregas até Belém (Dias, 1999, p. 121).

Ana Catarina Neves Figueiras 100 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 48 - Planta da zona fluvial em 1856-58, onde é possível identificar o edifício industrial [a vermelho] junto à margem do rio, [provavelmente] utilizado como fábrica têxtil. (Folque, 1856-1858).

Quando em meados do século XIX, o Governo se propôs dissipar todas as áreas insalubres da capital; gastam-se oitocentos contos de réis na “ […] ‘maior obra de salubridade pública’ jamais feita em benefício do povo de Lisboa: o aterro das lamas da Boavista” (Dias, 1999, pp. 121-127).

Nesse sentido, realizam-se grandes trabalhos de terraplanagem nas margens do rio Tejo. As mesmas visam, não só melhorar a higidez da cidade, mas também, disponibilizar terrenos urbanizáveis para aumentar a prática das actividades industriais (Couto, 2008, p. 239).

Com o arranjo dos acessos111 ao Tejo, o rio deixa de servir apenas para o transporte de matérias-primas. E, depois de fábricas têxteis, “ […] o desenvolvimento industrial desses subúrbios de Lisboa vai assentar na indústria química [produção de sabões e óleos vegetais], cujas instalações passam a ocupar grande parte da Avenida 24 de Julho” (Couto, 2008, pp. 239-256).

Mais tarde, também “A electricidade partia daqui para toda a cidade, através de cabos condutores cuja instalação – no início do século [XX] – obrigou a obras quase tão demoradas como as da construção do Aterro […] ” (Dias, 1999, p. 134).

111 As obras do porto de Lisboa são iniciadas em 1887 (Dias, 1999, p. 239).

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Ilustração 49 – Planta da cidade após a construção do Aterro e do porto de Lisboa, 1911. (Pinto, 1911).

Resultado deste progresso do sector industrial, o edifício preexistente em questão é limitado, a sul, pela mencionada Avenida [24 de Julho] – hoje, um dos movimentados eixos rodoviários da capital – e, a norte, pelos jardins do Museu Nacional de Arte Antiga – edificação do século XVII que alberga a mais relevante colecção de arte pública portuguesa (Portugal. Direcção-Geral do Património Cultural. Secretário de Estado da Cultura. Museu Nacional de Arte Antiga, 2015).

A história e funções exactas deste armazém não são conhecidas. Não se tratando um edifício “notável”, após o período industrial, é apenas identificado na cartografia de 1950 como armazém geral dos CTT112 (Instituto Geográfico e Cadastral, 1950). Presume-se que – tal como outros edifícios e fábricas tradicionais do seu tempo –, tenha sido desprezado pela mesma gestão camarária que, por sucessivas décadas, ignorou “ […] aquela que deveria ser uma das artérias nobres da cidade” (Dias, 1999, p. 119). Uma vez que, através de uma cartografia de 1991, consegue saber-se, ainda convertido em simples “garagem”; pertencente a uma “entidade privada”; e, observando-se [até então] “bem construído” (Cartografia, 1991).

Talvez o seu forte semblante industrial não tenha sido indiferente ao “alegre pandemónio que assentou arraiais na 24 de Julho” com uma “dúzia de cervejarias,

112 Correios Telégrafos e Telefones de Portugal.

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bares e discotecas”, que constituiu um dos pontos-chave da vida social lisboeta no final do século passado (Dias, 1999, p. 119).

“Jornalistas, marialvas, intelectuais e actores reuniam-se nos seus estabelecimentos ‘de eleição’.” (Couto, 2008, p. 344)

Manteve-se o forte carácter industrial do espaço. Contudo, esta zona histórica da cidade tem vindo – nas últimas décadas – a ser reconvertida e recuperada para outros fins. A descontinuidade do espaço é [ainda] patente, todavia, a sua perfeita integração nos eixos de transporte [ferro e rodoviários] e a contiguidade do rio consentem a este território ser um lugar mutável, de experimentação para diversos usos e vivências.

Em 1999, a adaptação do mencionado armazém “ […] para a instalação de um edifício de escritórios lançou o interessante desafio de um projecto arquitectónico típico de reconversões ao nível das tipologias, das funções” (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2015a).

Mencionar que, este é também exemplo de um vestígio industrial que, não tendo sido classificado como “património arquitectónico” por qualquer entidade responsável, foi preservado e reaproveitado por opção de arquitecto e proprietário; convertendo-se, posteriormente, numa obra de referência que acabou por ser premiada113.

INTERVENÇÃO

Quem passa na 24 de Julho, talvez ainda não tenha reparado que a obra que se esconde atrás de uma antiga fachada de armazém possui qualidades espaciais e formais de excepção, humildemente resguardadas em respeito ao Museu de Arte Antiga que a coroa. Da avenida, temos apenas uma sensação de continuidade onde, a um olhar mais atento, encontramos um corpo recolhido atrás da fachada, algo mais contemporâneo, lá atrás por descobrir. (Beirão, 2007, p. 54)

Apesar de discreta, a estratégia de projecto de Gonçalo Byrne é evidente: uma nova “caixa de vidro” é inserida num enorme contentor volumétrico. O propósito desta intervenção foi reaproveitar a obsoleta estrutura industrial [bastante opaca], preenchendo-a com um programa de escritórios, não descuidando a necessidade de luz natural, vista exterior e devida ventilação dos novos espaços de trabalho (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2015a).

113 Em 2009, é atribuído ao edifício o Prémio Valmor de Arquitectura, este tem por finalidade premiar a qualidade arquitectónica dos novos edifícios construídos na cidade de Lisboa (Espaço de Arquitectura - Portal de Arquitectura, 2015).

Ana Catarina Neves Figueiras 103 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

No exterior, a um olhar atento, são reconhecíveis tempos distintos. A linguagem, a cor e a tectónica dos dois volumes são contrastantes, porém, ao mesmo tempo, eles parecem complementar-se e todo o conjunto adquire harmonia. O antigo armazém é agora receptáculo de um novo edifício contemporâneo e ambos funcionam como um só objecto na dinâmica urbana da cidade (Bollack, 2013, p. 23).

Ilustração 50 – Banco Banif Mais, Gonçalo Byrne: vista da Avenida 24 de Julho. (Ilustração nossa, 2015).

“A primeira sensação para quem entra no edifício é a de transpor um portal para o inesperadamente novo.” (Beirão, 2007, p. 54)

Na verdade, este é um projecto feito de raiz, “onde a fachada constitui a única memória do passado”. E, por essa razão, o seu interior oferece um universo de inesperadas possibilidades (Beirão, 2007, p. 54). Embora [de]limitada, a “caixa” introduzida é, efectivamente, um “novo” – oferece novo uso, nova arquitectura; um outro sentido, exortando distintas experiências sensoriais (Bollack, 2013, p. 23).

Ao transpôr-se o vão das espessas paredes industriais, entra-se numa outra dimensão espacial: o edifício que se nos apresenta austero no exterior é, afinal, versátil e contemporâneo.

“A segunda surpresa está na inesperada luz natural que nos recebe do lado norte, onde esperaríamos encontrar apenas uma parede de fundo.” (Beirão, 2007, p. 54)

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Ilustração 51 – Espaço de entrada do novo edifício: onde, ao fundo, se aprecia a entrada de luz natural. (Ilustração nossa, 2015).

A organização e as intenções arquitectónicas desta intervenção são absolutamente claras. A estrutura que se insere no antigo volume é longilínea e divida ao meio por um bloco de acessos, serviços e casas de banho. Estas são zonas de menor tempo de permanência e, estrategicamente, as mais interiorizadas. As restantes áreas [espaços sociais e de trabalho] estão limitadas a cinco/seis metros de profundidade das janelas e funcionam, na sua maioria, em open-space (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2015a; Beirão, 2007, pp. 54-56).

É na qualidade de acesso à luz natural que esta inserção se proclama distinta. “A condição do terreno, que impunha a implantação de um edifício entalado entre um gigante muro de suporte e uma fachada com grandes superfícies opacas, complicava a possibilidade de um acesso à luz uniforme na totalidade dos espaços de trabalho.” (Beirão, 2007, p. 56) Para contornar esta vicissitude, o arquitecto recua a nova fachada sul em relação à estrutura preexistente. E, o espaço intersticial resultante deste afastamento transforma-se num poço de luz. A norte, o alçado posterior é francamente envidraçado e, aparta-se do enorme muro de contenção através de um generoso pátio “ […] ajardinado de herbáceas, arbustos e trepadeiras que culmina na percepção zenital do frondoso arvoredo do jardim do Museu de Arte Antiga” (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2015a).

Ana Catarina Neves Figueiras 105 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

São estas estratégias que concedem ao espaço interior uma luminosidade uniforme, produzindo uma ambiência clara, mas não agressiva. Além disso, o afastamento da fachada sul, relativamente à antiga, oferece um “jogo de mostra e esconde” de vários enquadramentos da cidade envolvente, que somente é revelada na sua plenitude, no último piso. Quando o novo corpo cresce, ultrapassando em altura a edificação preexistente (Beirão, 2007, p. 56).

Ilustração 52 – Implantação actual do Banco Mais, Gonçalo Byrne. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2015b).

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Ilustração 53 – Planta piso 0 Banco Mais, Gonçalo Byrne. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2015b).

Ilustração 54 – Planta tipo Banco Mais, Gonçalo Byrne. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2015b).

Ilustração 55 – Corte transversal Banco Mais, Gonçalo Byrne. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2015b).

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Ilustração 56 – Pormenor do espaço produzido pelo afastamento Ilustração 57 – Pormenor do “jogo de mostra e esconde” (Beirão, das fachadas, a sul, permitindo a entrada de luz natural [piso 0]. 2007, p. 56), onde se vêem a cidade e a enorme parede (Ilustração nossa, 2015). preexistente [piso 2]. (Ilustração nossa, 2015).

Ilustração 58 – Vista sobre a cidade de uma das salas de trabalho [piso 3]. (Ilustração nossa, 2015).

Ana Catarina Neves Figueiras 108 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 59 – Vista interior do pátio norte [piso 0]. (Ilustração nossa, 2015).

Ilustração 60 – Vista interior do pátio norte delimitado pelas fachadas envidraçadas do novo edifício e pelo grande muro de suporte [piso 1]. (Ilustração nossa, 2015).

Como se pode verificar, a nova forma concentra uma identidade própria. A sua leitura inspira-se na contemporaneidade; “ […] guardando para si e para quem a visita a surpresa da modernidade” (Beirão, 2007, p. 53). Refira-se, todavia, que é a fisionomia

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longitudinal do edifício preexistente [e as suas condicionantes] que lhe consente um sistema de organização claro e flexível, “ […] onde a distribuição de funcionalidade se faz de um modo razoavelmente simples, deixando que a localização estratégica de algumas salas de reunião se responsabilize por uma subdivisão ausente do open- space conceptual” (Beirão, 2007, p. 56).

Ilustração 61 – Axonometria explodida, Gonçalo Byrne. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2015b).

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Ilustração 62 – Vista interior: bloco de acessos e espaços de Ilustração 63 – Vista interior: bloco de acessos e espaços não trabalho amovíveis que funcionam em open-space. (Gonçalo mútaveis. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2015a). Byrne Arquitectos, 2015a).

É também a edificação primitiva que oferece ao novo edifício a integração adequada na malha urbana da cidade (Bollack, 2013, p. 23). Possibilitando ao projecto “ […] a característica, talvez pouco em voga hoje em dia, de se recolher na sua intimidade, guardando para si a sua beleza, a sua dignidade e a sua nobreza” (Beirão, 2007, p. 54). As espessas paredes do antigo armazém – agora consolidadas, rebocadas e pintadas de branco – funcionam também como “escudo acústico”, protegendo os novos espaços de trabalho do elevado ruído que caracteriza esta [acelerada] zona da cidade (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2015a).

É de notar, por sua vez, o respeito e a delicadeza do novo corpo em relação à envolvente e à própria estrutura que o abriga. Se por um lado, a forma contemporânea assenta no interior do armazém, requalificando-o e devolvendo-o à cidade; por outro lado, utiliza o único piso que a destaca, para criar uma relação de proximidade com os jardins do Museu Nacional de Arte Antiga. Daí, a cobertura do novo edifício ser ajardinada e perfeitamente visível do terraço do Museu, situado imediatamente acima (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2015a).

É preciso muito cuidado quando se trabalha na zona histórica da cidade”, avisa o arquitecto, realçando a importância de valorizar o diálogo entre a obra nova e a preexistente. (Gonçalo Byrne apud Espaço de Arquitectura - Portal de Arquitectura, 2015)

Ana Catarina Neves Figueiras 111 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 64 – Cobertura ajardinada com vista sobre a cidade e relação com o Museu Nacional de Arte Antiga. (Ilustração nossa, 2015).

Embora este projecto utilize uma estratégia com profundas raízes históricas, o que parece novo neste modo de intervir é a sua abordagem (Bollack, 2013, p. 25). Ela equipara-se a um jogo conceptual – “caixas” dentro de “caixas”; “tempos” dentro de “tempos”; “arquitecturas” dentro de “arquitecturas”.

Parece-nos que a força desta intervenção deriva, principalmente, do seu conceito. Quando percorrido, o edifício não nos surpreende tanto pela escolha de materiais, pelos meios de montagem, ou pelo rigor do desenho; mas principalmente, pela sua ideia de passagem de tempo, pela consequente simultaneidade de autores, e, pela [renovada] relação entre um “novo mundo” dentro de uma “concha” exterior repleta de memórias (Bollack, 2013, p. 25; Beirão, 2007, p. 56).

Salientar [ainda] que, o êxito do projecto mede-se acima de tudo pelos "grandes elogios das pessoas que foram para ali trabalhar" (Gonçalo Byrne apud Espaço de Arquitectura - Portal de Arquitectura, 2015). “Será antes este sentido de eficiência, que se esconde por detrás da timidez da fachada de um banal edifício de escritórios e que subtilmente pela ausência, contribui para continuar a construir cidade, oferecendo às pessoas bons espaços para viver.” (Beirão, 2007, p. 56) Novos “universos”: onde os seus utilizadores desfrutam de dois tempos num mesmo tempo (Bollack, 2013, p. 23).

Ana Catarina Neves Figueiras 112 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

3.3. TEATRO THALIA [2008] – GONÇALO BYRNE COM PATRÍCIA 114 115 BARBAS E DIOGO LOPES

“WRAPS”

Ilustração 65 – Figura esquemática de um “invólucro”. (Bollack, 2013, p. 112).

Nesta abordagem a nova forma arquitectónica envolve, de alguma maneira, a edificação preexistente: ela pode funcionar como um enorme guarda-chuva que concede protecção a edifícios que se tornaram frágeis; ou, pode envolver, “encapsular” totalmente, uma antiga e mais pequena preexistência, actuando como uma pele, um invólucro de sustentação (Bollack, 2013, p. 113).

Ilustração 66 – Exemplificação de um invólucro. (University of South Florida. College of Education. Florida Center for Instructional Technology, 2015).

Aparentemente simples, esta estratégia enverga alguns desafios relativos à integridade do edifício original: o cobrir de telhados e paredes com uma entidade omnipresente pode metamorfosear-se numa atitude funesta, que retira às estruturas preexistentes a sua própria razão de ser. O frequente cliché de projectar coberturas de

114 Patrícia Barbas (Luanda, 1971) é uma arquitecta portuguesa. Estudou na Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa. Colaborou com os arquitectos Aires Mateus, Gonçalo Byrne e João Falcão de Campos. É professora convidada nas universidades do Canadá e Lausana. Em 2006, funda o atelier de arquitectura Barbas Lopes Arquitectos, juntamente com Diogo Lopes (Barbas Lopes Arquitectos, 2015a). 115 Diogo Lopes (Lisboa, 1972) é um arquitecto português. Estudou na Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa e doutorou-se na Eidgenössische Technische Hochschule em Zurique. É professor convidado nas universidades do Canadá e Lausana e curador da Trienal de Arquitectura de 2016. Fundador do atelier Barbas Lopes Arquitectos, juntamente com a arquitecta Patrícia Barbas. É autor da obra Melancholy and Architecture: on Aldo Rossi (Barbas Lopes Arquitectos, 2015a).

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vidro sobre pátios abertos despoja, muitas vezes, elementos [como paredes, coberturas e vãos] da sua função essencial, tornando-os ordinários e supérfluos. Nesta circunstância, estes componentes arquitectónicos transmutam-se em figurantes apenas para se olhar e o edifício original torna-se dispensável (Bollack, 2013, p. 113).

No entender de Françoise Bollack (2013, p. 113), o verdadeiro “invólucro” é aquele que, além de salvaguardar, também gera novos espaços; afirmando que, é no assumido materializar da tensão surtida entre o edifício antigo e a sua nova “pele”, que esta composição arquitectónica se revela sensível, funcional e esteticamente congruente. O propósito do novo revestimento é evidente: ele possibilita aos arquitectos recuperar “fragmentos soltos” do meio ambiente e readmiti-los como peças activas do mesmo. Por outras palavras, o “invólucro” pretende socorrer edifícios marginalizados [quase sempre em falência] e reapresentá-los, incorporando-os novamente na dinâmica do sistema urbano (Bollack, 2013, p. 113).

Assim, através de uma renovação, o edifício obsoleto é [re]apreciado e [re]direccionado para o futuro. Num gesto em que a contemporaneidade “envolve” a tradição e se preservam as singularidades de ambas; onde as diferentes fracções de tempo são plenamente identificáveis (Bollack, 2013, p. 113).

A transformação da Basílica de Vicenza realizada por Andrea Palladio116 no século XVI é uma irrefutável manifestação da lógica descrita. O arquitecto converte uma tardia estrutura gótica num edifício moderno que proclama as ambições políticas da cidade (Bollack, 2013, p. 113).

Foi no Palazzo della Ragione, a casa de representação municipal e sede para as reuniões do Grande Conselho, que Palladio assumiu o comando de uma importante encomenda para intervenção em monumento de significado urbano depois da apresentação de uma proposta em 1546. (Tavares, 2008 p. 65)

116 Andrea Palladio (1508-1580) foi um arquitecto italiano. Palladio, de nome verdadeiro Andrea de Pietro Della Gondola, é um dos principais arquitectos do Renascimento italiano. Começou a trabalhar como simples canteiro mas o seu valor foi reconhecido pelo Conde Gian Giorgio Trissino (1478-1550) que lhe possibilitou uma educação humanista. Mais tarde, visita, estuda e analisa monumentos da antiguidade clássica em Verona, Ístria e Roma. O contacto com membros da aristocracia da região permite-lhe a concepção de inúmeras villas. Na sua construção utiliza motivos da arquitectura clássica sem lhes atribuir a monumentalidade inerente aos modelos da antiguidade, conferindo-lhes uma escala humana. Da sua obra podem destacar-se: a Villa Capra, mais conhecida por La Rotonda; a igreja de San Giorgio Maggiore, em Veneza; a intervenção na Basília de Vicenza; e, o Teatro Olímpico da mesma cidade, o seu último projecto. Andrea Palladio foi também autor da obra I Quattri Libri dell'Architectura (1570) que facilitou a propagação do seu estilo por toda a Europa (Porto Editora, 2006; Treccani, 2011).

Ana Catarina Neves Figueiras 114 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Num desígnio de reconstruir a loggia projectada por Tommaso Formenton117 [que colapsara antes de ser terminada], Palladio – alicerçado na proposta de Serlio118 – desenha um plano cortina que envolve o edifício na sua totalidade. Esta nova estrutura é composta por dois andares – alojando áreas comerciais no rés-do-chão e um enorme salão por cima [que permite coadunar o espaço ao nível superior]. O edifício preexistente é rematado por uma complexa estrutura de madeira que suporta a cobertura de cobre [símbolo característico da cidade de Vicenza] (Bollack, 2013, p. 113; Treccani, 2011; Tavares, 2008 pp. 65-68).

A originalidade da solução de Palladio passa pela resolução dos aspectos particulares da coordenação entre o novo invólucro e a velha estrutura gótica, […]. Toda a expressão dos porticados da Basílica é extremamente rigorosa, com redução de elementos não estruturais ou [in]significantes e a procura da fidelidade ao cumprimento das regras no original clássico, em particular no desenho das arquitraves, frisos, cornijas e arcos. (Tavares, 2008 pp. 68-70)

Ilustração 67 – Planta do Palazzo della Ragione, Andrea Palladio. ([Adaptação Ilustração 68 – Alçado do Palazzo della Ragione a partir de]: Tavares, 2008 p. 67). antes [direita] e depois da intervenção de Andrea Palladio [esquerda]. (Bollack, 2013, p. 114).

Deste modo, o arquitecto aborda a construção medieval – edificada em tijolo escuro, com aberturas espaçadas irregularmente e uma esquina desmoronada – ladeando-a com um “ […] calcário luminoso que confere identidade aos diferentes espaços públicos envolventes” (Tavares, 2008 p. 68).

117 Tommaso Formenton (1428-1492) foi um arquitecto italiano. Formenton começou a trabalhar como carpinteiro na loja do seu pai em Vicenza. Em 1467, é indicado como engenheiro da cidade e, como tal, fica responsável pela manutenção dos edifícios da cidade. Em 1473, é nomeado prefeito da guilda dos carpinteiros e começa a seguir obras arquitectónicas de revelo. Presume-se que o Palazzo Angaran tenha sido projectado pelo próprio (Treccani, 2011). 118 Sebastiano Serlio (1475-1554) foi um arquitecto, pintor e teórico italiano. Trabalhou como pintor de perspectivas. Estudou arquitectura sob a orientação de Baldassarre Peruzzi, um dos primeiros arquitectos maneiristas. Foi arquitecto e mestre carpinteiro nas cidades de Veneza e França. Interessado na Antiguidade, destaca-se sobretudo pelo seu trabalho teórico. No seu tratado Tutte l'opere d'architettura, et prospetiva (1537-75), Serlio tenta conjugar os complexos padrões maneiristas com as formas da tradição clássica. A sua obra foi divulgada e exerceu enorme influência por toda a Europa, sendo talvez a crítica de arte mais completa do século XVI (Treccani, 2011; Encyclopædia Britannica, Inc., 2015).

Ana Catarina Neves Figueiras 115 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Note-se, contudo, que para além deste “invólucro” renascentista, a fachada do edifício primitivo continua a afirmar-se. A consonância entre as qualidades tectónicas das duas arquitecturas, não invalida a percepção dos dois mundos que elas representam e consente experienciar os seus distintos “apelos” emocionais. Ainda assim, diga-se: é a intervenção de Palladio que simboliza a modernidade e a ambição da cidade (Bollack, 2013, p. 114).

Ilustração 69 - Alçado principal do Palazzo della Ragione, ou Basílica de Vicenza, Andrea Palladio. (Bollack, 2013, p. 115).

Um exemplar de modernidade que é, simultaneamente, um outro género de “invólucro” é a recente intervenção dos arquitectos Gonçalo Byrne, Patrícia Barbas e Diogo Lopes no Teatro Thalia. Também conhecido por Teatro das Laranjeiras, nele “ […], brilharam os mais sonoros nomes do armorial da arte” (Carvalho, 1939, p. 11).

CONTEXTUALIZAÇÃO

Entre as Laranjeiras e Benfica, onde está, desde 1905, o Jardim Zoológico de Lisboa, encontrava-se, desde a segunda metade do século XVIII, uma das mais célebres propriedades dos arredores: a Quinta das Laranjeiras. A quinta, o seu palácio – o Palácio das Laranjeiras - e jardins compunham um dos mais interessantes conjuntos arquitectónicos da época (Dias, 1999, p. 181; Longo, 1999, p. 16).

Ana Catarina Neves Figueiras 116 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Antiga propriedade rural, apenas “ […] no século XIX chegariam as terras das Laranjeiras às bocas do mundo, por obra e graça do segundo Quintela – o primeiro conde de Farrobo119” (Dias, 1999, p. 182).

Como Pompeu120, antes de Farsália, assegurava que lhe bastava bater o pé no solo italiano para surgirem as legiões, também o conde de Farrobo poderia assegurar (ao meiar-se o nosso século de oitocentos), que bastava bater o pé no solo português para surgir êsse dinheiro, que êle depois gastaria com uma indiferença de nababo. (Carvalho, 1939, p. 5)

Herdeiro de uma imensa fortuna, homem extravagante e bem relacionado, Joaquim Pedro Quintela era um verdadeiro amante das artes, em particular, das artes do espectáculo. Recebia lições de música com Domingos Bomtempo121 e, em 1820, manda edificar uma primeira versão do Teatro Thalia122, no pátio que servia de entrada principal ao Palácio das Laranjeiras (Dias, 1999, p. 182; Ataíde, et al., 2000, pp. 37-38; Barbosa, 1844, p. 305).

[…]; porém na sua primeira fundação [o Thalia] não tinha uma fachada tam bella, como a que hoje tem; a qual foi modernamente reedificada, com uma forma inteiramente

119 Joaquim Pedro Quintela (1801-1869) foi 2.º Barão de Quintela e 1.º Conde de Farrobo. Orfão muito novo, Joaquim Quintela torna-se um abastado proprietário, principalmente na Estremadura – entre os imóveis, e além do célebre palácio na Rua do Alecrim, lembremos um outro teatro privativo, no Farrobo, próximo de Vila Franca de Xira – e um financeiro poderosíssimo. Detém negócios nas áreas da indústria, comércio, transportes e seguros, mas é sobretudo no mundo do espectáculo que o conde se destaca. Homem culto, amante de teatro, literatura e música, é conhecido pelos grandiosos espectáculos e saraus que aconteciam na sua propriedade [Palácio das Laranjeiras]. Foi director do Teatro de São Carlos, bem como dirigente de várias academias musicais. Mecenas de artistas como o pintor António Manuel da Fonseca (1796-1890) e o gravador Joaquim Pedro de Sousa (1818-1878). Fez de Benfica moda entre a aristocracia lisboeta. Foi casado com Marianna Carlota Lodi, italiana, e, após a sua morte, com Maria Magdalene Pignault, francesa. Acabou na miséria, devido à má administração e aos excessos de generosidade, no entanto, a sua figura singular nunca foi esquecida, sendo-lhe dedicada uma vasta bibliografia (Araújo, 2007, p. 22; Dias, 1999, pp. 182-186; Noronha, 1922, p. 248). 120 Cneu Pompeu Magno (106 a.C.-48 a.C.) foi um general romano. Em 48 a.C., durante a batalha de Farsália, travada na Grécia, Pompeu perde o confronto com Júlio César, que passa então a liderar a República Romana (Porto Editora, 2006). 121 Domingos Bomtempo (1771-1842) foi um pianista e compositor português. Reformador da música portuguesa da sua época, descendia do músico italiano Francisco Xavier Bomtempo. Depois de ter concluído os estudos de Música, estudou oboé e contraponto com o seu pai no Seminário Patriarcal de Lisboa. Aos 14 anos ingressou na Irmandade de Santa Cecília como cantor da capela real da Bemposta. Após a morte do pai, viajou para Paris e contactou com grandes músicos como Clementi Muzio (1752- 1832) e o seu discípulo John Field, que o influenciaram artística e estilisticamente. Desde então publicou uma série de obras musicais. Após as várias vitórias do exército português sobre o exército de Napoleão, Bomtempo partiu para Londres onde se torna uma celebridade. Em 1815 voltou para Portugal. Regressa a Paris em 1818, mas a política baniu a vida artística. De retorno à pátria, compôs Requiem à Quatre Voix... consalée à la memoire de Camões. A 28 de Março de 1821, fez ouvir em São Domingos uma nova missa em homenagem à Regeneração portuguesa. Torna-se o músico oficial do constitucionalismo. Em 1835, funda o conservatório do qual foi director. A 7 de Agosto de 1842 alunos e professores do Conservatório executaram uma missa festiva na Igreja dos Caetanos, escrita e dirigida pelo músico. Passados onze dias deste acontecimento Domingos Bomtempo faleceu (Porto Editora, 2006). 122 O nome Thalia está associado ao das musas gregas da comédia e da poesia (Portugal. Ministério da Educação e Ciência. Secretaria-Geral, s.d.).

Ana Catarina Neves Figueiras 117 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

nova, pelos desenhos do Sr. Fortunato Lodi123, architecto do soberbo TEATRO DE D. MARIA 2.ª, […]. (Barbosa, 1844, p. 305)

Ilustração 70 – Quinta das Laranjeiras e localização do Teatro Thalia, cartografia de 1904-1911. (Barbas Lopes Arquitectos, 2015b).

Quis o destino oferecer a Joaquim Quintela o talento de Fortunato Lodi. Homem de “um sólido gosto neoclássico”, com “qualidades e saberes de que nenhum arquitecto português da época era capaz”; à data, difundiam-se pela Europa, o conceito e os modelos do “teatro à italiana”, uma geração de edifícios teatrais desenvolvida em Itália a partir do final do século XVI (Carneiro, 2007, pp. 49, 61).

123 Fortunato Lodi (1805-1882) foi um arquitecto italiano. Estudou na Academia de Belas Artes em Bolonha. Frequentou também cursos de Filosofia, Matemática e Engenharia e percorreu Itália para realizar trabalhos de arquitectura, ornamentação e pintura decorativa. Em 1826, estando em Roma, onde acabara de ingressar no Alunnato Romano, veio subitamente para Lisboa, provavelmente por questões políticas. Abrigou-o o seu tio, Francisco António Lodi, que, ao tempo era empresário e cenógrafo do Teatro de S. Carlos. Rapidamente ingressou no círculo da alta sociedade lisboeta, através do conde de Farrobo, de quem era familiar e amigo. Joaquim Pedro Quintela foi o seu principal mecenas entre 1834 e 1848. É graças a este que consegue a sua principal obra, a do Teatro D. Maria II. Após este trabalho, Fortunato Lodi é nomeado como arquitecto da Casa Real. Além do Teatro D. Maria II e do Thalia, Lodi edificou também o Palácio da Quinta das Águias, dos Corte-Real, em Alcântara. Regressa a Bolonha em 1848; onde é nomeado professor na Academia de Belas Artes. Desempenha o mesmo cargo na Academia Carrara de Bergamo para onde se transferiu e permaneceu até 1851. A sua carreira profissional termina em Bolonha, onde se dedica ao ensino e à publicação de vários manuais didácticos, enquanto exerce a sua actividade de arquitecto e decorador. Morre na mesma cidade em 1882 (Fundação Casa de Rui Barbosa, 2009; Carneiro, 2007, p. 61; Pedreirinho, 1994, p. 148).

Ana Catarina Neves Figueiras 118 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Neste contexto, entre 1842 e 1843, é o Teatro das Laranjeiras alterado e beneficiado pela mão de Lodi (Dias, 1999, p. 186).

No seu exterior, ressalta o parentesco da sua fachada com a do Teatro de D. Maria II [erigido alguns anos mais tarde] – um pórtico constituído por quatro colunas dóricas, onde assenta o entablamento que recebe o frontão triangular. Esfinges em mármore estendem-se diante de cada coluna; e, entre estas, pendem três candeeiros a gás – a grande inovação124 do Teatro; a sua emblemática singularidade (Ataíde, et al., 2000, pp. 37-38; Barbosa, 1844, p. 305; Byrne, et al., 2015).

Ilustração 71 – Alçado frontal Teatro Thalia, Fortunato Lodi. ([Adaptação a partir de]: (Machado, 2005).

A sala do expectaculo é de forma semicircular. A platéa é elegante e commoda; as galerias para as senhoras sam ornadas com summa riqueza e bom gosto: a grade, que as guarnece, é delicada em obra de escultura, e toda doirada, com o encosto de veludo e carmesim. […] O palco é espaçoso, e tudo, que lhe diz respeito, acha-se no melhor arranjo possivel. (Barbosa, 1844, p. 305)

Além da magnificência, caracteriza-o – como a todos os “teatros à italiana” – a confrontação de dois espaços: cena e plateia. Ambos são articulados pela denominada “boca de cena” – que reproduz uma barreira imaginária entre eles –, originando uma espécie de proximidade entre público e artistas. A cena, onde se encontra o palco, é sobreposta por uma caixa vazia – ou “caixa mágica” – onde, por

124 A iluminação a gás era, nesta altura, uma verdadeira extravagância, uma vez que, somente decorridas algumas décadas, Lisboa faria uso deste método (Araújo, 2007, p. 22).

Ana Catarina Neves Figueiras 119 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

meio de sucessivos bastidores pintados, se consegue criar a ilusão de profundidade (Carneiro, 2007, p. 49).

Ilustração 72 – Planta Teatro Thalia, 1843, Fortunato Lodi. (Barbas Lopes Arquitectos, 2015a).

O renovado Thalia é inaugurado em Fevereiro de 1843 com uma festa em honra de D. Maria II125 (Byrne, et al., 2015). Também ela, individualidade assídua nos exuberantes divertimentos das Laranjeiras, “ […] cuja frequência foi tão disputada como a dos camarotes em S. Carlos” (Dias, 1999, p. 184). O Teatro teria capacidade para quinhentas e sessenta pessoas e por ele passaram inúmeras óperas, dramas e comédias, bem como ilustres nomes da música (Portugal. Ministério da Educação e Ciência. Secretaria-Geral, s.d.).

Ilustração 73 – Reconstituição do que seria o Thalia entre 1843-62. (Noronha, 2013).

125 D. Maria II (1819-1853) foi uma rainha portuguesa. Segunda reinante de Portugal e trigésimo monarca português; ficou conhecida pelo cognome de "a Educadora". Governou num período particularmente difícil da história portuguesa: o momento da dolorosa passagem do absolutismo ao constitucionalismo (Porto Editora, 2006).

Ana Catarina Neves Figueiras 120 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

“A fama dos bailes das Laranjeiras tornou-se uma obsessão em Lisboa.” (Dias, 1999, p. 186) Enuncie-se que, é da sumptuosidade dos saraus do conde de Farrobo que provém a tão comum designação – “forrobodó” (Longo, 1999, p. 17).

Somente em dois momentos foram interrompidas as incansáveis manifestações de arte no Thalia. O primeiro, em 1853, com o falecimento de D. Maria II: amiga íntima de Farrobo, que põe assim a claro o seu luto (Portugal. Ministério da Educação e Ciência. Secretaria-Geral, s.d.). O segundo – perto de uma década mais tarde – relaciona-se com o incidente que vaticinaria o fim das “mais elevadas noites dos Lisboetas românticos” (Dias, 1999, p. 186), se não mesmo, do próprio Joaquim Pedro Quintela:

A 9 de Setembro de 1862 jantava o conde de Farrobo descansadamente na sua explendida propriedade campesina quando um dos creados lhe apresenta numa salva de prata um telegramma, e diz:

– Acabaram de entregar isto para V. Ex.ª

Joaquim Pedro pega no papel, abre-o, lê, dobra-o com a maxima serenidade, mette-o na algibeira e prosegue na refeição […]. Ao terminar o jantar, depois de tomar o café e de ter acendido o charuto, com o ar mais natural do mundo, virou-se para a esposa e participou-lhe:

– Ardeu o theatro das Laranjeiras.

– Ardeu o theatro das Laranjeiras?! – repetiu D. Marianna Lodi126 não podendo acreditar na veracidade de tão infausta noticia.

– Os operarios que andavam alli trabalhando, por qualquer descuido, ponta de cigarro ou lume accêso para necessidade inadiavel pegaram fogo…127

– Não se conseguiu salvar nada?

– Nada. Perdeu-se tudo, o scenario e o guarda-roupa.

– Tão importante o primeiro, tão rico o segundo!...

– Tudo se ha de recompor.

(Noronha, 1922, pp. 243-244)

Mas o mesmo não aconteceu. Depois do incêndio que destroçou o Teatro, as festas prosseguiram, contudo – sem o seu principal atractivo – os serões da Quinta deixaram

126 Marianna Carlota Lodi (18 -1867) foi dama da Ordem de Santa Isabel. Filha de Francisco António Lodi, primeiro empresário do teatro de S. Carlos, casou com Joaquim Pedro Quintela em 1819 (Raposo, 1994; Noronha, 1922, p. 248). 127 “Originou o incendio o descuido de um operario que soldava uma claraboia.” (Noronha, 1922, p. 244) [Nota do autor].

Ana Catarina Neves Figueiras 121 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

de ser o que eram (Dias, 1999, p. 186); e, os recursos para a reconstrução do Thalia eram escassos face aos dispêndios, cada dia mais avultados (Noronha, 1922, pp. 245- 246).

A ultima grande festa registada pelas chronicas mundanas de época data de 7 de abril de 1867. […] Dançou-se, desenharam-se charadas com as mais gentis figuras ahi presentes […]. Ninguém se lembrou, no momento, que a reunião significava uma despedida a tantos esplendores, visita da saude de uma das mais solidas riquezas da Peninsula, o exalar do ultimo suspiro de uma extraordinaria compleição de artista ao serviço do qual o capricho do acaso puzera abundantissimos recursos pecuniarios agora exaustos. (Noronha, 1922, p. 247)

Restaram as mémorias.

Quando faleceu, em 1869, o conde estava falido e o Palácio já não lhe pertencia. Os seus bens e propriedades foram vendidos, passando de mão em mão. Em 1903, o Palácio e a Quinta das Laranjeiras são adquiridos pelo conde de Burnay128. Durante a sua posse, os antigos camarins do Teatro são transformados em habitação para os seus empregados, todavia, a ruína mantém-se evidente. Doam-se parte dos terrenos da Quinta para a construção do Jardim Zoológico de Lisboa e, em 1940, toda a propriedade é adquirida pelo Estado (Dias, 1999, p. 186; Ataíde, et al., 2000, p. 37; Longo, 1999, p. 17).

Em 1974, o antigo Palácio de Farrobo é classificado como “Imóvel de Interesse Público”. Fazem-se então algumas obras de restauro que incidem quase, em exclusivo, no Palácio e nos jardins. E, nem mesmo as diversas129 chamadas de atenção para o estado de abandono do Teatro, seriam suficientes para o pouparem a século e meio de degradação. É intervencionado em 1978 – para remoção da sua cobertura – o que somente aceleraria o processo de desmoronamento. Surge, posteriormente, um projecto130 para reconverter o Thalia num edifício público de índole cultural, mas este nunca transpôs a intenção. Estávamos em 1998 (Machado, 2005).

128 Henry Burnay (1838-1909) foi um importante empresário e deputado do século XIX. Nascido em Lisboa, descente de Belgas, Burnay fundou diversas empresas ao longo da sua carreira. Durante a sua vida relacionou-se com muitas personalidades do mundo da finança e da política, em Portugal e no estrangeiro. Esteve ligado aos negócios da Companhia dos Tabacos, exploração das redes ferroviárias, companhias de navegação, à Fábrica dos Vidros da Marinha Grande, entre outras. A sua actividade revelou-se um importante factor na vida económica do país (Portugal. Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas. Arquivo Nacional Torre do Tombo, 2008). 129 São vários os recortes que podem consultar-se no Gabinete de Estudos Olisiponenses com artigos da comunicação social sobre o estado de degradação em que se foi encontrando o Thalia. Alguns deles denunciando a incapacidade do Estado em restaurar-lhe a magnitude de outros tempos. 130 O projecto foi realizado pela arquitecta Teresa Poole da Costa (Machado, 2005).

Ana Catarina Neves Figueiras 122 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

A análise do que resta do Teatro impressiona pela austeridade duma construção visivelmente sacrificada pelo fogo onde a dimensão dum esqueleto construtivo resistente revela uma tectónica muito marcante, majestosa na sua verticalidade e materialidade. Trata-se de um edifício obsoleto e em risco de colapso, onde o fausto de outrora foi com as cinzas, deixando impresso numa imponente nudez a potencial capacidade de renascer. (Byrne, et al., 2015)

Ilustração 74 – Vista da Estrada das Laranjeiras sobre ruína do Teatro Thalia: o espaço de camarim foi utilizado como habitação até pouco tempo antes da intervenção de 2008. ([Adaptação a partir de]: Afaconsult, 2013).

O “renascer” do Teatro Thalia iniciar-se-ia, finalmente, em 2008. A pedido do Ministério da Educação e Ciência, o edifício é recuperado e convidado de novo a servir a cidade. Entram em cena [os arquitectos]: Gonçalo Byrne, Patrícia Barbas e Diogo Lopes (Barbas Lopes Arquitectos, 2015b).

INTERVENÇÃO

Embora o edifício se encontrasse seriamente destroçado – pelo grande incêndio e, especialmente, pelo passar do tempo –, a sua presença física e rememorativa eram inegáveis. Como tal, a intervenção pretendeu manter e fortificar as preexistências, no sentido de gerar um espaço vazio polivalente onde se pudessem realizar: conferências, seminários, reuniões, concertos, representações cénicas, ou até, alguns eventos particulares, quando requerido pela sociedade civil (Afaconsult, 2013; Gonçalo Byrne apud Cunha, et al., 2013).

Ana Catarina Neves Figueiras 123 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Afirma Gonçalo Byrne (apud Cunha, et al., 2013) que “este uso casava muito bem com […] a consolidação da ruína”. Pelo que, o objectivo do projecto foi:

[…] parar o tempo de perca, de degradação da ruína, blindá-la, […] consolidá-la e cuidar com grande atenção e grande valor o potencial desse espaço; sem apagar os sinais do tempo e os sinais da memória que ele continha. Porque, obviamente, isso era uma mais-valia para esse espaço.

Logo, era impreterível encontrar uma solução que coadunasse todos estes desígnios. Hoje reconhecem-se na intervenção três actos basilares – o restauro do volume do foyer [onde se encontra a entrada principal] e dois “invólucros”, ou – se se preferir – duas “peles”: a primeira cobre as degradadas paredes da plateia e da cena do Teatro; a segunda envolve os novos volumes gerados, soltando-se deles para circunscrever “uma pequena praça nas traseiras do edifício” (Barbas Lopes Arquitectos, 2015b).

Ilustração 75 – Implantação actual do Teatro Thalia: identificação dos três actos – restauro e duas “peles”. ([Adaptação a partir de]: (Barbas Lopes Arquitectos, 2015b).

Ilustração 76 – Modelo tridimensional da proposta para o Thalia, Gonçalo Byrne e Barbas Lopes. (Byrne, et al., 2015).

Ana Catarina Neves Figueiras 124 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Todos estes gestos parecem consubstanciar-se no respeito pela preexistência e no entendimento do contexto urbano em que esta se insere.

Por conseguinte, o volume do foyer, com o peristilo neoclássico de colunas em lioz e esfinges em mármore, foi preservado e integralmente restaurado. “A recuperação da fachada implicou uma limpeza profunda dos elementos em pedra.” Todavia, não se reconstituíram peças; “ […] por exemplo: as esfinges têm os narizes partidos e mantiveram-se assim”, conservando-se as marcas originadas pelo tempo (Patrícia Barbas apud Cunha, et al., 2013). O lioz veio substituir a telha lusa da cobertura e a calçada do pavimento, uniformizando o volume e acentuando a sua geometria. Já no seu interior, a reconstituição “neo-neoclássica” e o tratamento dos vãos devolvem ao átrio a dignidade de outros tempos (Barbas Lopes Arquitectos, 2015b; Gonçalo Byrne apud Cunha, et al., 2013).

“No seu desenho mais minucioso e reconhecível, entende-se este volume como a cara do edifício. Ela evoca a memória do que outrora aconteceu e serve de entrada formal” ao conjunto edificado (Barbas Lopes Arquitectos, 2015b). Razão pela qual, não se poderia descrever esta intervenção, sem mencionar o restauro deste espaço.

Ilustração 77 - Esfinges em mármore antes do processo de recuperação. ([Adaptação a partir de]: Barbas Lopes Arquitectos, 2015b).

Ana Catarina Neves Figueiras 125 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 78 - Ruína do volume do foyer. (Afaconsult, 2013).

Ilustração 79 – Fachada frontal do Teatro Thalia após o restauro. (Ilustração nossa, 2015).

Ana Catarina Neves Figueiras 126 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 80 – Átrio principal do Teatro Thalia após intervenção. (Ilustração nossa, 2015).

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Destaque-se, no entanto, o delicado e contemporâneo tratamento da ruína do Teatro Thalia por meio de enormes “invólucros”. São eles a principal razão da nossa escolha. Estes envolvem a construção existente e parecem sustê-la no Tempo e no Espaço; conservando a sua essência “invisível para os olhos” (Saint-Exupéry, 1996, p. 80), mas perceptível no toque, no cheiro e no silêncio do seu espaço interior.

Contemple-se ainda, a escolha de materiais para esses “invólucros” – betão, vidro e aço. Uma reduzida e expressiva panóplia; uma vez que “ […], de certa forma, o material mais nobre” já lá estava: “ […] era o da própria ruína. Era a alvenaria de tijolo e pedra da ruína.” Esse é que “ […] tinha um valor tectónico e quase plástico”, que deveria “ […] ser posto em primeiro plano” (Diogo Lopes apud Cunha, et al., 2013).

Ilustração 81 – Escombro do Teatro Thalia. (Barbas Lopes Arquitectos, 2015b).

Ana Catarina Neves Figueiras 128 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Assim, o que se apresenta é uma reconstrução dos volumes originais da plateia e da cena, através de uma primeira “pele” em betão que os “embrulha” pelo exterior. Esta solução restitui o formato inicial destes corpos e permite usufruir do seu espaço interior na sua totalidade; estabilizando os escombros e garantindo a sua permanência (Byrne, et al., 2015). Da ruína conservam-se todas as suas imperfeições; os seus desgastes e histórias. Da nova “pele” de betão pretendem-se diferentes texturas, de acordo com a superfície que projecta:

O betão serve de acabamento final das fachadas, sendo pigmentado [à cor terracota] e desactivado. A sua superfície rugosa esbate as juntas de cofragem, num todo monolítico. […] Isolamento acústico projectado, de pasta de papel, recobre o intradorso da armadura de betão. De resto, o pavimento em betão afagado e encerado e algumas infraestruturas técnicas criam uma arena que pode ser adaptada para vários usos. (Barbas Lopes Arquitectos, 2015b)

Deste modo, a ruína oferece-se como cofragem para a nova “pele” que, por sua vez, é, simultaneamente, estrutura e acabamento final. Apesar de distinguíveis, ambas coexistem harmoniosamente, trabalhando agora em conjunto para originar um edifício algo incomum – “novo” por fora e “gasto” por dentro (Cunha, et al., 2013; Bollack, 2013, p. 113).

Ilustração 82 – Construção da primeira “pele” em betão pelo exterior. (Afaconsult, 2013).

Ana Catarina Neves Figueiras 129 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 83 – Cena do Teatro Thalia: paredes preexistentes cobertas pelo novo “invólucro”. (Ilustração nossa, 2015).

Ilustração 84 – Pormenor da coexistência de texturas. Ilustração 85 – Pormenor do limite entre a parede (Ilustração nossa, 2015). preexistente e o pavimento. (Ilustração nossa, 2015).

Ana Catarina Neves Figueiras 130 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 86 – Vista interior do Teatro Thalia. (Afaconsult, 2013).

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Ilustração 87 – Corte longitudinal Teatro Thalia, Gonçalo Byrne e Barbas Lopes. (Barbas Lopes Arquitectos, 2015b).

A organização deste edifício é inteiramente legível – foyer, plateia [semicircular] e cena compõem os espaços essenciais do Teatro. Contudo, a interacção e a fisicalidade destes volumes eram sonegadas pelo corpo de camarins [adjacente à Estrada das Laranjeiras], mais tarde, transformado em conjunto habitacional e, provavelmente, já adulterado (Byrne, et al., 2015). Razão pela qual, foi unânime e válida a sua demolição; substituindo-o por uma construção de um só piso – a segunda “pele” desta intervenção –, que consente “ […] assumir os três corpos primordiais do teatro” (Patrícia Lopes apud Cunha, et al., 2013).

Ilustração 88 – Fachada Este do Teatro Thalia [vista da Estrada das Laranjeiras], Gonçalo Byrne e Barbas Lopes. (Barbas Lopes Arquitectos, 2015b).

Este novo “invólucro” em forma de “L” abraça os volumes refeitos e desenha um novo embasamento para o edifício. A sua fisionomia é determinada de modo a preservar o maior número de árvores possível e a privilegiar “ […] a relação dos espaços de circulação e de permanência de público com os jardins e com o palácio, protegendo-os da frente mais ruidosa da Estrada das Laranjeiras”. A sua materialidade [aço e vidro] concede-lhe uma transparência que evidencia a construção primitiva e que oferece uma ambiência errónea entre interior/exterior, público/privado, cidade/jardim (Byrne, et al., 2015). “Este tom e esta cor mais quente também se espraiava, ou casava bem […] com esse ambiente, […], até um pouco exótico do Jardim Zoológico, da paisagem, das palmeiras, dos animais que aqui existem…” (Diogo Lopes apud Cunha, et al., 2013)

Ana Catarina Neves Figueiras 132 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 89 - Espaço interior do “invólucro” que abraça os volumes do Teatro Thalia. (Ilustração nossa, 2015).

Ilustração 90 – Ambiguidade entre interior/ exterior, público/privado que é possível vivenciar ao percorrer o segundo “invólucro” do Thalia. (Ilustração nossa, 2015).

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Ilustração 91 – Planta do Teatro Thalia após a intervenção, Gonçalo Byrne e Barbas Lopes. (Barbas Lopes Arquitectos, 2015b).

Assim, este “invólucro” parece ser o verdadeiro gesto catalisador da contemporaneidade. Além de um interface entre o sistema urbano e o Teatro, ele responde a uma necessidade programática; gerando novos espaços laterais de apoio [sanitários, armazéns, portaria e camarim], bem como uma área pública [a cafetaria] que se abre aos habitantes da cidade, convidando-os a desfrutar do espaço; da obra arquitectónica; de “ […] um lugar de fantasia para memórias futuras” (Barbas Lopes Arquitectos, 2015b).

Ilustração 92 – Vista exterior das traseiras do Teatro Thalia. (Barbas Lopes Arquitectos, 2015b).

Ana Catarina Neves Figueiras 134 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 93 – Teatro Thalia visto da Estrada das Laranjeiras. (Afaconsult, 2013).

Por fim, a ruína do Teatro Thalia é “fragmento de história” resguardado por dois grandes “invólucros” contemporâneos. As novas formas construídas reestruturaram o espaço intersticial entre a preexistência e o sistema urbano, numa interpretação ambígua entre o “dentro” e o “fora”; entre o “velho” e o “novo”; entre o público e o privado. E, a sua aparência pode parecer estranha, potencialmente controversa mas, na verdade, o seu resultado é notável – um escombro, aparentemente inútil e devastado, traduz-se agora no “coração” do projecto.

Pelo exterior, quem desconhece, jamais imagina o que esconde esta composição arquitectónica invulgar: onde antes existia espaço organizado desaproveitado, há agora um edifício para actuar, para [re]viver, para experimentar. Um edifício que trabalha com o passado, com a memória, para pertencer [de novo] ao futuro (Bollack, 2013, p. 119). As formas que o compõem, por si só, seriam apenas coberturas e antigas paredes inutilizáveis; juntas, elas tomam um novo sentido e concebem um espaço renovado, útil e digno (Bollack, 2013, p. 131).

Mais do que reabilitar espaço, este projecto parece reabilitar Tempo: no seu interior, se fecharmos os olhos, ainda é possível ouvir as festas do passado.

Ouvem-se aplausos.

Ana Catarina Neves Figueiras 135 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

3.4. ESCOLA SECUNDÁRIA RAINHA DONA LEONOR [2009-2011] – 131 132 MADALENA MENEZES E FRANCISCO BASTOS

“PARASITES”

Ilustração 94 – Exemplificação de uma parasitação. (University of South Florida. College of Education. Florida Center for Instructional Technology, 2015).

O termo “parasita” tem frequentemente uma conotação pejorativa – encena um organismo, a parasita, que beneficia em detrimento de outro, o hospedeiro – no entanto, esta agremiação pode também reflectir-se num processo de simbiose onde ambos prosperam. A última é verificável em intervenções arquitectónicas, onde a nova construção se une [pelo topo ou lateralmente] ao edifício preexistente, transfigurando- se num sistema edificado conexo (Bollack, 2013, p. 65).

131 Madalena Cardoso de Menezes é uma arquitecta e professora portuguesa. Licenciou-se em Arquitectura pela FA-UTL em 1992. Trabalhou com o arquitecto Manuel Vicente, onde colaborou no projecto do Picadeiro da Escola Portuguesa de Arte Equestre no Palácio Nacional de Queluz, que obteve Menção Honrosa na II Trienal de Sintra. Dirigiu com José Pedro Vicente a concepção da Exposição Selecta Pars Arquitectura, sobre a obra de Manuel Vicente, realizada na Galeria Diferença em 1995. Fez parte da equipa do Concurso de Ideias para o Recinto da Expo'98, projecto classificado em 1º lugar. Em 1996, colaborou no estudo Pavilhão da União Europeia para a EXPO'98 em Lisboa. Em 1997, efectuou a coordenação de arquitectura no concurso concepção/construção da Biblioteca da Universidade de Macau premiado em 2º lugar. Colabora ainda no projecto do Pavilhão da Realidade Virtual em 1998 e no concurso limitado para um Hotel anexo à Torre Vasco da Gama em 2001. Em 1997 funda o Atelier dos Remédios com o Arquitecto Francisco Teixeira Bastos. Integra desde 2003 a equipa de docentes do Departamento de Arquitectura da Universidade Autónoma de Lisboa (Atelier dos Remédios, 2015a). 132 Francisco Teixeira Bastos é um arquitecto e professor português. Arquitecto desde 1986 pela FA- UTL. Em 1992, após três anos de trabalho conjunto com o arquitecto Manuel Vicente, nos ateliers de Lisboa e Macau, tornou-se sócio do ATAT, Atelier de Arquitectura. Nesse contexto desenvolveu o projecto do Picadeiro da Escola Portuguesa de Arte Equestre no Palácio Nacional de Queluz. Classificou-se em 1º lugar no Concurso de Ideias para o Recinto da Expo´98. Em 1998, foi director de Projecto de Arquitectura do Pavilhão da Realidade Virtual de Manuel Vicente. Em 1997, funda o Atelier dos Remédios com a Arquitecta Madalena Cardoso de Menezes. Em 2000, integra o curso de Arquitectura do IST como Assistente Estagiário. De 2000 a 2004 é assistente do Professor Manuel Vicente para a cadeira de Projecto do 3º ano. Em 2004 conclui as Provas de Aptidão Pedagógica e Científica. Desde 2005 é Assistente da Professora Teresa Heitor para a cadeira de Projecto do 1º ano. Encontra-se actualmente em processo de Doutoramento no Instituto Superior Técnico, com o tema "A Comunicação de um Projecto à Obra". Simultaneamente, tem desenvolvido com a artista plástica Marta Wengorovius, uma série de acções de Arte (Atelier dos Remédios, 2015a).

Ana Catarina Neves Figueiras 136 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 95 – Figura esquemática de uma “parasitação”. (Bollack, 2013, p. 64).

A edificação primária concentra funções-chave: suporte estrutural e perfeita inclusão no tecido histórico e cultural existente. Por sua vez, a ampliação providencia mais espaço e novos serviços, exibindo-se como um convite para reler um sistema arquitectónico que poderá desfrutar de usos que não haviam sido previstos originalmente (Matthias Sauerbruch apud Bollack, 2013, p. 65).

Neste processo “simbiótico”, a adição não funciona sem o suporte do edifício preexistente – este gera o aspecto formal da nova construção e influencia o modo de dialogar das diferentes fracções. Cor, materiais, forma, posição, escala, são factores trabalhados neste jogo compósito. Deste modo, “parasita” e “hospedeiro” são facilmente identificados pela sua expressão arquitectónica (Bollack, 2013, p. 65).

O estudo dos dois projectos seguintes revelou similaridades e diferenças entre as abordagens históricas e as estratégias de projecto mais recentes. Enquanto as estratégias contemporâneas exploram as possibilidades formais de distinção entre o edifício original e a sua “parasita”, suscitando o impacto visual [e emocional]; alguns exemplos históricos utilizaram esta intervenção “parasitária” para dissimular as diferenças entre o “antigo” e o “novo”.

No passado, os edifícios foram concebidos respeitando a tradição clássica [simetria, repetição, alinhamentos, hierarquia de escalas, etc.] pelo que, alguns arquitectos encaravam as novas adições como prolongamentos dessa organização: a ampliação, ou “a parasita”, era projectada como um edifício inteiramente novo que assimilava a preexistência como parte da sua composição (Bollack, 2013, p. 65).

Ana Catarina Neves Figueiras 137 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Um desses casos é a intervenção dos arquitectos Peabody & Stearns133, no Custom House de Ammi Young134. Despoletada pelo desenvolvimento dos serviços aduaneiros estado-unidenses – na altura, a principal fonte de receita da nação – a ampliação, realizada em 1915, permitiu manter a construção de 1849 em funcionamento (Byard, 2005, p. 87; Bollack, 2013, p. 65).

Ilustração 96 – Custom House em Boston, Ammi Young, 1849. Ilustração 97 – Corte transversal, Ammi Young, 1849. (The U.S. (StudyBlue Inc., 2014). National Archives and Records Administration, 2015).

Perante o maciço e simétrico edifício de planta cruciforme; a solução apresentada é uma estrutura onde a obra neoclássica é idealizada como alicerce da nova ampliação: a “parasita” materializa uma enorme torre que integra a cúpula do edifício preexistente na sua base. O núcleo de acessos [escadas e elevadores] funciona no espaço intersticial da torre, sem afectar a fisionomia do seu “hospedeiro”; e, os vãos desenhados nas novas fachadas possibilitam que a luz continue a entrar pelo lanternim da cúpula, iluminando o grande átrio central (Byard, 2005, pp. 87-88; Bollack, 2013, p. 66).

133 Robert Swain Peabody (1845-1917) e John Goddard Stearns, Jr. (1843-1917) foram dois arquitectos norte-americanos que estabeleceram parceria em Boston, Massachusetts, em 1870. Juntos projectaram inúmeros edifícios [públicos, eclesiásticos, escolares, comerciais e residenciais] ao longo de todo o território estado-unidense. O seu eclectismo abrange estilos arquitectónicos como o gótico vitoriano, o barroco inglês [Queen Anne Style], o estilo americano Shingle e a arquitectura georgiana. Da sua obra conjunta, podem destacar-se: o Edifício de Estado de Massachusetts, realizado para a Exposição Colombiana Mundial de Chicago em 1893; o Park Square Station, demolido em 1872; a Torre do Custom House; e a Vinland Estate, uma residência cujo design interior foi desenvolvido por William Morris, Burne-Jones e Walter Crane (Peabody & Stearns, 2015). 134 Ammi Burnham Young (1798-1874) foi um arquitecto norte-americano. Os seus primeiros trabalhos de arquitectura regem-se pelo Estilo Federal americano, contudo, Ammi Young desenvolve também projectos como arquitecto neoclássico. Em 1852, foi responsável pela construção do Departamento do Tesouro, para o qual projectou vários edifícios, nomeadamente alfândegas, estações de correios e tribunais. Da sua obra podem destacar-se: Vermont State House, Montpelier; St Paul’s Church, Burlington; e o Custom House, Boston (Curl, 2015).

Ana Catarina Neves Figueiras 138 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 98 – Esquema intervenção Peabody & Stearns, 1915. Ilustração 99 – Proposta Custom House, Peabody & Stearns, (Byard, 2005, p. 87). 1915. (Byard, 2005, p. 88).

Deste modo, o edifício de Ammi Young pode ser considerado o “hospedeiro” e, a construção em altura, a sua “parasita”. Aqui, o principal objectivo dos arquitectos era manter uma continuidade visual. Alcançada através do cumprimento de regras clássicas e da utilização da pedra granítica que materializava o edifício preexistente (Bollack, 2013, p. 66).

Embora a intervenção tenha garantido o uso do Custom House, patenteando-se uma engenhosa estrutura que celebrava a inovação; inversamente a Bollack (2013, p. 66), na opinião de Paul Byard135 (2005, p. 88) era difícil afirmar que o edifício original tivesse sido preservado.

135 Paul Spencer Byard (1939-2008) foi um advogado e arquitecto norte-americano. Filho de pai advogado e mãe professora, Paul Spencer licenciou-se em Direito na Universidade de Yale em 1961. Obteve também o reconhecimento das Universidades de Cambridge e de Harvard. Em 1966, ele inicia um estágio de três anos na empresa de advocacia Winthrop, Stimson, Putnam & Roberts. Perto dos 30 anos, o advogado decide estudar novamente e licencia-se em Arquitectura na em 1977. Em 1981, torna-se sócio do atelier de arquitectura James Stewart Polshek & Associates [mais tarde James Stewart Polshek & Partners], com o qual já colaborava. Paul Spencer interessa-se sobretudo pela preservação e reabilitação de edifícios, tema sobre o qual publicou algumas obras escritas. Como arquitecto, participa em reconversões de importantes edifícios estado-unidenses [ do Foundation Building, o State Supreme Court’s Appellate Division Courthouse, na Madison Square e o antigo Custom House, Bowling Green]. Paralelamente à sua actividade profissional como arquitecto e advogado, Byard dirigia o Programa de Preservação Histórica na Columbia University. Aquando a sua morte, em 2008, desenvolvia ainda o livro Why Save This Building? The Public Interest in Architectural Meaning (Dunlap, 2008).

Ana Catarina Neves Figueiras 139 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 100 – Custom House, Peabody & Stearns, 1915. (Bollack, 2013, p. 67).

Actualmente a atitude projectista é diferente. Os edifícios manifestam a sua própria história. O contraste entre o “velho” e o “novo” é assumido. Os arquitectos preocupam- se com a coexistência das diferentes parcelas e com os seus devidos lugares no tempo. Por este motivo, nas intervenções “parasitárias” contemporâneas, preexistente e novo são perfeitamente distinguíveis. O edifício primitivo mantém a sua forma e o novo fragmento é “enxertado” sobre ele. Cada fracção desenvolve a sua própria lógica interna [justificada no tempo, no espaço, na função, na memória], mas a abordagem é a de uma “colagem” – agregam-se elementos “novos” a “velhos” – criando uma espécie de sedimentação de formas (Bollack, 2013, p. 66).

Veja-se, como arquétipo do supra referido, o projecto de ampliação da Escola Secundária Rainha Dona Leonor, em Lisboa, elaborado pelos arquitectos Madalena Menezes e Francisco Bastos.

Embora, neste caso, o edifício preexistente seja recente136 quando comparado aos anteriormente narrados. Esta intervenção vem [também] comprovar a apreciação de Josep Montaner (2013, p. 151) ao declarar que, por vezes, mesmo a arquitectura moderna requere alguns ajustes para se manter profícua:

136 A sua construção data de meados do século XX.

Ana Catarina Neves Figueiras 140 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Trata-se de restaurar não o estilo, mas o sentido, a estrutura, e as qualidades do espaço e, para tanto, deve-se eliminar o supérfluo e reforçar a estrutura tipológica essencial, acrescentando elementos contemporâneos necessários e imprescindíveis para o seu atual funcionamento.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Situado em Alvalade, o edifício da Escola Secundária Rainha Dona Leonor era, inicialmente, um liceu feminino. Este construiu-se no sentido de colmatar a falta de espaço do Palácio da Ribeira – na Rua da Junqueira – onde funcionava o liceu com o mesmo nome desde 1947 (Duarte, 1997, p. 109).

Recorde-se que, o aumento da população e o complexismo da civilização provocados pela revolução industrial haviam gerado, além de uma enorme logística urbana, uma nova problemática: a da educação (Brandão, 1965a, p. 505).

Em Portugal, grande parte dos estabelecimentos públicos escolares implementa-se entre o final do século XIX e a década de 1980. O país dedica esforço à resolução e ao estudo do assunto e, ao longo deste período, a arquitectura escolar foi-se adaptando a novas preocupações metodológicas (Portugal. Ministério da Educação e Ciência. Parque Escolar, 2015; Brandão, 1965b, pp. 484-485).

“Em Alvalade, erguem-se algumas construções destinadas a estabelecimentos de ensino oficial que, a aspectos inovadores, aliam valores arquitectónicos assinaláveis.” (Ataíde, et al., 2000, p. 217)

A Escola Rainha Dona Leonor é uma dessas construções137. Esta é projectada no final da década de 1950, ao abrigo do Plano de 1958138 pelo arquitecto Augusto Brandão139. Os seus princípios modernistas afastam-na do carácter historicista e monumental das

137 Além da Escola Rainha Dona Leonor, refiram-se também a Escola Preparatória Eugénio dos Santos, em funcionamento desde 1948, e o liceu Padre António Vieira inaugurado em 1965 (Duarte, 1997, pp. 110-111). 138 Em Portugal, com base no período de construção, as escolas são agrupadas em três períodos: até 1935; de 1935 até 1968 [período a que corresponde o Plano de 1958]; e a partir de 1968. Esta catalogação permitiu associar ao período de construção das escolas, os respectivos modelos arquitectónicos, processos construtivos e programas funcionais e, suportar uma análise tipificada da situação actual das escolas e das intervenções necessárias para as melhorar (Portugal. Ministério da Educação e Ciência. Parque Escolar, 2015). 139 Augusto Artur Silva Pereira Brandão (Lisboa, 1930) é um arquitecto português. Diplomado na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa em 1957, Augusto Brandão desenvolveu a sua actividade principalmente como docente e no projecto de edifícios escolares; co-autor com Maria do Carmo Matos, da Escola-Piloto de Mem Martins, foi ainda o responsável pelos edifícios-tipo das escolas preparatórias, pelo novo pólo universitário da Universidade Técnica de Lisboa, em Monsanto e pelo edifício da Faculdade de Arquitectura (Pedreirinho, 1994, p. 73).

Ana Catarina Neves Figueiras 141 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

construções escolares anteriores. Deste modo, o edifício adquire um "sabor sóbrio e moderno" que acompanha "as tendências mais discretas e lógicas das novas realizações arquitectónicas nacionais" (Augusto Brandão apud Tereno, 2014).

Na verdade, “ […] a escola não se limita já a informar o aluno, […] pretende-se criar um organismo vivo, unitário, onde o aluno se sociabilize em espaços, se forme em ambientes, viva actividade em toda a zona escolar” (Brandão, 1965b, p. 484). Pelo que, o Liceu adopta um espírito funcional e materializa-se numa organização de tipologia linear constituída por dois corpos autónomos: um maior, que acolhe o programa lectivo; outro menor, onde se encerram o refeitório e o ginásio. Ambos os volumes se relacionam com um campo de jogos exterior. O lote onde se inserem é delimitado pelo Estádio 1.º de Maio [a sul], pela rua António Ramalho [a nascente] e pela rua Maria Amália Vaz de Carvalho [a norte]. A orientação do programa contempla salas de aula voltadas a sul, deixando corredores, salas de desenho e trabalhos manuais voltados a norte (Escola Secundária Rainha Dona Leonor, 2006; Tereno, 2014). “Os edifícios retomam as coberturas inclinadas a par de uma forte sobriedade compositiva, acentuada pela opacidade das fachadas, e pelo despojamento decorativo.” (Portugal. Ministério da Educação e Ciência. Parque Escolar, 2015) Ademais, a sua construção modular e aproveitamento de elementos construtivos normalizados atribuem uniformidade a todo o conjunto (Tereno, 2014).

O espaço exterior é projectado pelo arquitecto paisagista Francisco Caldeira Cabral140. Nos anos sessenta, o terreno da Escola prolongava-se pelo parque do Instituto

140 Francisco Caldeira Cabral (1908-1992) foi o primeiro arquitecto paisagista português. Interessado desde muito novo por diversas áreas [química, botânica, electricidade, rádio, música], Caldeira Cabral foi para Berlim onde estudou Química na Universidade Técnica. Mais tarde, optou por frequentar Engenharia Electrotécnica. Por motivos de saúde, volta a Lisboa, onde se inscreve no Instituto Superior de Agronomia. Em 1936, é engenheiro agrónomo. Ainda estudante é indicado para assumir a direcção de vários serviços de jardinagem na Tapada e no Jardim Botânico da Ajuda. Motivado por artigos internacionais que mencionavam a nova profissão de Arquitecto Paisagista, Caldeira Cabral estuda na Faculdade de Agronomia da Friedrich Wilhelm-Universität de Berlim. Obtém o diploma em 1939. Esteve envolvido em projectos como o Estádio Nacional do Jamor, o Auditório da Estação Agronómica Nacional e o Auditório da Tapada da Ajuda. Foi responsável pelo início do ensino da Arquitectura Paisagista e fundador desta profissão em Portugal. O seu interesse por diversas áreas científicas, culturais e artísticas fazem de Caldeira Cabral uma individualidade suis generis, profundamente humanista e multifacetada. É o principal responsável pela criação do sistema de Parques e Reservas em Portugal, do qual resulta o Parque Nacional do Gerês. Foi professor, conferencista convidado e orientador de inúmeras universidades nacionais e internacionais. Em 1962, é nomeado Presidente da Federação Internacional dos Arquitectos Paisagistas e em 1971 recebe o Doutoramento honoris causa pela Universidade de Hannover [Alemanha]. Abandona o ensino em 1975, desenvolvendo a actividade no atelier porém, continuando a ser solicitado para diversos colóquios e conferências. O seu mérito foi publicamente reconhecido pela atribuição do grau de Grande Oficial da Ordem da Instrução Pública, em 1982 e da Grã Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, em 1989. Aquando a sua morte, em 1992, reunia e tratava escritos da sua autoria que resultariam na publicação do 1.º volume da obra Fundamentos da Arquitectura Paisagista (Cabral, 2008).

Ana Catarina Neves Figueiras 142 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Nacional de Apoios aos Tempos Livres [INATEL], permitindo ao edificado uma melhor integração no lugar – preceito que acentuava a sua estirpe modernista (Escola Secundária Rainha Dona Leonor, 2006).

“O Liceu Rainha D. Leonor foi o primeiro edifício liceu projetado e construído ao abrigo deste programa [Plano de 1958], […] constituindo um "balão de ensaio" para a criação do 1.º Estudo de Normalização que viria a ser aplicado às escolas técnicas” (Tereno, 2014).

Ilustração 101 – Edifício do ginásio, Augusto Brandão. (Duarte, Ilustração 102 – Corpo principal da escola [ainda em 1997, p. 110) construção], Augusto Brandão. (Duarte, 1997, p. 109)

Inaugurada em 1961, esta construção funcionaria como estabelecimento de ensino feminino até 1974. Após o 25 de Abril, a sua frequência passa a ser mista e, mais tarde, em 1978, também a sua denominação – “liceu de género” – se altera para “escola secundária” (Tereno, 2014).

Inicialmente composto por apenas dois corpos, ao longo do tempo – e devido ao aumento da população escolar – o conjunto arquitectónico foi sofrendo algumas ampliações. Em 1967, é adicionado um novo bloco de salas de aula, perpendicular ao corpo principal, outorgando ao conjunto uma fisionomia em “U” (Atelier dos Remédios, 2015b; Escola Secundária Rainha Dona Leonor, 2006). “Esta opção conferiu uma posição definitiva de centralidade ao corpo original de aulas e consequentemente ao átrio de entrada, reforçando a sua importância no todo da edificação, que se manteve até ao momento presente.” (Atelier dos Remédios, 2015b)

Note-se, contudo, que após o 25 de Abril, todas as adaptações sequentes se convertem em estruturas de carácter provisório. Estas vão, sucessivamente, sobrelotando o espaço livre exterior e retirando clareza ao conjunto edificado inicial (Atelier dos Remédios, 2015b).

Ana Catarina Neves Figueiras 143 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 103 – Planta de localização do edifício escolar, 1970. (Instituto Geográfico e Cadastral, 1970).

Ilustração 104 – Esquema das várias adições da Escola ao longo do tempo. (Ilustração nossa, 2015).

Ana Catarina Neves Figueiras 144 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Inversamente ao [edifício primitivo] dos casos anteriores, este edifício nunca deixou de funcionar. Nunca caiu no esquecimento. Porém, a sua utilização intensiva e a falta de manutenção regular comprometeram o seu pleno desempenho (Atelier dos Remédios, 2015b).

Ilustração 105 – Entrada secundária e grandes Ilustração 106 – Estrutura de carácter provisório que aloja o bar, apropriando- taludes de acesso carecidos de manutenção, 2009. se do espaço exterior de modo inadequado, 2008. (Atelier dos Remédios, (Atelier dos Remédios, 2015b). 2015b)

Quando em 2007 – no âmbito do Programa de Modernização das Escolas do Ensino Secundário141 a cargo da empresa pública Parque Escolar –, o edifício é entregue aos arquitectos Madalena Menezes e Francisco Bastos. A Escola já se encontrava num “elevado estado de desgaste”, apresentando uma série de “transformações desregradas” que comprometiam a “integridade do discurso arquitectónico original” (Atelier dos Remédios, 2015b).

As qualidades arquitectónicas da Escola Rainha Dona Leonor não foram [ainda] alvo de qualquer tipo de classificação patrimonial. A sua requalificação foi, no entanto, distinguida em 2013 com o prémio Valmor142 e, hoje, este conjunto edificado serve de referência no que concerne à regeneração do legado arquitectónico moderno. (Tereno, 2014).

INTERVENÇÃO

O objectivo da intervenção visava requalificar a Escola [bastante degradada], adequando a estrutura existente ao programa de modernização proposto. E, introduzir

141 O programa de modernização das escolas secundárias tenciona aumentar a informalidade na transmissão de conhecimentos e na relação professor/aluno; humanizando os espaços escolares através da sua reabilitação ambiental, física, arquitectónica e construtiva (Atelier dos Remédios, 2015b). 142 Remete-se para a nota de rodapé número 113.

Ana Catarina Neves Figueiras 145 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

simultaneamente, novos equipamentos, tais como um campo desportivo coberto, uma biblioteca e uma sala polivalente. Pretendia-se que estas instalações fossem versáteis, de modo a que, os seus espaços pudessem servir não só os alunos, mas também a comunidade, no geral, dentro e fora do horário lectivo (Atelier dos Remédios, 2015b; Tereno 2014).

Nesse sentido, a nova adição materializa-se num corpo de betão que “agarra” lateralmente os dois volumes preexistentes. A sua implantação arrasa a pérgola “temporária” [que acondicionava o bar] e mantém a disposição primitiva do conjunto edificado. Assim, a recente estrutura prolonga-se desde a frente da rua Maria Amália Vaz de Carvalho até ao interior do recreio, originando uma relação de continuidade espacial entre a cidade e o interior da escola. Na sua volumetria contém os vários programas solicitados, oferecendo novos espaços e usos ao edifício primitivo (Atelier dos Remédios, 2015a; Bollack, 2013, p. 66).

Ilustração 107 – Planta de implantação da Escola após intervenção, Atelier dos Remédios. ([Adaptação a partir de]: Atelier dos Remédios, 2015b)

Ana Catarina Neves Figueiras 146 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 108 – Estudo tridimensional da nova proposta, Atelier dos Remédios. (Atelier dos Remédios, 2015b).

No exterior, a aparência é a de uma “colagem” (Bollack, 2013, p. 66): reconhece-se um enorme monovolume – praticamente cego – que se destaca da “linguagem mais permeável” do edificado preexistente (Atelier dos Remédios, 2015a).

Ilustração 109 – Alçado sul da Escola Rainha Dona Leonor, Atelier dos Remédios. (Atelier dos Remédios, 2015b).

Ambas as construções – “nova” e “velha” – se diferenciam claramente pela sua materialidade, forma, cor e escala. É evidente, por exemplo, o contraste entre lisos painéis de betão branco e alongadas superfícies modulares ou, entre os telhados inclinados e as coberturas planas do novo edifício. A expressão arquitectónica do corpo [acrescentado] torna-o legível como um objecto estranho “enxertado” no preexistente – uma “parasita”. Todavia, na sua coexistência, os mesmos edifícios parecem equilibrar-se: enquanto a Escola primitiva tem um aspecto linear, “ligeiro” e representa história; a adição é compacta, “pesada” e expressa novidade (Bollack, 2013, p. 66).

Talvez, a principal inovação fomentada pela “parasita” seja o modo como ela reconfigura a entrada principal e reequaciona “a lógica de acessos e distribuição da nova escola”. Visto que, o corpo se eleva, apoiado em pilotis, para criar uma praça coberta, ao nível da rua, que serve de entrada, de recepção e de ligação ao novo átrio de distribuição, que gera no seu próprio interior (Atelier dos Remédios, 2015a).

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Ilustração 110 – Vista exterior da Escola a partir da Rua Amália Vaz de Carvalho. (Ilustração nossa, 2015).

Ilustração 111 – Contraste de formas, cores e materialidades. (FG+SG Architectural Photography, 2013).

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A “forte afirmação volumétrica” do edifício [lado norte], que assiná-la a nova entrada, “[…] é contraposta pela diluição visual do mesmo, quando observado do recreio a sul […] ”. Neste movimento, o novo volume semienterra-se para dar origem a um dos programas solicitados: o campo de jogos coberto (Atelier dos Remédios, 2015b).

Ilustração 112 – Corte longitudinal do novo corpo onde se identifica a sua fragmentação volumétrica. (Atelier dos Remédios, 2015b).

Ilustração 113 – Vista exterior a partir do recreio a sul do novo volume. (FG+SG Architectural Photography, 2013).

Perante esta “simbiose” arquitectónica, a “parasita” parece adquirir valor e legitimidade por parte do seu “hospedeiro” – o edificado preexistente – e este, por sua vez, conseguir relevância e uma energia renovada. Assiste-se a uma interacção, tanto na volumetria exterior, como no desenho interior: é, dentro da forma adicionada, que se prolongam os corredores de acesso dos “antigos” edifícios; lançando galerias de circulação sobre o vazio do átrio principal – “o espaço de celebração da nova escola”

Ana Catarina Neves Figueiras 149 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

(Atelier dos Remédios, 2015a); ou seja, é o novo corpo, a “parasita”, que une todos os blocos ao nível de todos os pisos – simplificando a circulação e formando um conjunto edificado conexo (Atelier dos Remédios, 2015b). Desta maneira, o projecto infere o máximo partido da proximidade e sobreposição do “velho” e do “novo” (Bollack, 2013, p. 66).

Hoje, ao percorrer-se o edifício, é bastante evidente essa transição de tempos, de arquitecturas e de autores (Bollack, 2013, p. 66).

Ilustração 114 – Planta piso de entrada [cota Rua Maria Amália Vaz Carvalho], onde se podem dentificar: praça exterior coberta, átrio principal, sala polivalente e campo de jogos coberto. ([Adaptação a partir de]: Atelier dos Remédios, 2015b).

Ilustração 115 – Planta Piso 0: prolongamento espacial entre o novo corpo e os edifícios preexistentes. ([Adaptação a partir de]: Atelier dos Remédios, 2015b).

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Ilustração 116 – Planta piso 2. ([Adaptação a partir de]: Atelier dos Remédios, 2015b).

Ilustração 117 – Cortes Escola Rainha Dona Leonor após intervenção. ([Adaptação a partir de]: Atelier dos Remédios, 2015b).

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Ilustração 118 – Vista interior do átrio principal de distribuição [novo Ilustração 119 – Vista interior dos corredores de edifício]. (Ilustração nossa, 2015). acesso às salas de aula [edifício preexistente]. (Ilustração nossa, 2015).

Ilustração 120 – Vista interior do átrio de escadas do edifício principal preexistente. (Ilustraçao nossa, 2015).

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A nova forma tem, na sua organização espacial, a singularidade de poder funcionar autonomamente; isto é, alguns dos seus espaços podem abrir-se à cidade, à população civil, ainda que a Escola se encontre encerrada:

A sala polivalente, pela sua localização contígua com o átrio de entrada e com o campo de jogos exterior coberto, não só adquire autonomia de uso como pode ser conjugada com esses dois espaços, flexibilizando-se para palco de acontecimentos de maior dimensão. (Atelier dos Remédios, 2015b)

Neste sentido, a adição não só moderniza o espaço de ensino, como ainda o humaniza, conferindo-lhe outras valências, outras funções, que se podem oferecer à comunidade – elevando o valor e a dignidade do edifício escolar. Porque, tal como o seu primeiro autor afirmou: “Projectar uma Escola, como qualquer outro equipamento humano, impõe hoje uma visão social, uma visão total e não uma visão individual.” (Brandão, 1971, p. 148)

Ensinamento que parece não ter sido esquecido pelos segundos arquitectos.

Ilustração 121 – Corte longitudinal nova forma: relação entre o átrio, sala polivalente e campo de jogos coberto. (Atelier dos Remédios, 2015b).

A par com a obra de ampliação, não pode deixar de se mencionar que,

A proposta, nos edifícios pré-existentes, respeitou a linguagem arquitectónica original. Contudo, todos eles foram submetidos a fortes intervenções estruturais e construtivas, que visaram cumprir os regulamentos de contenção sísmica, de comportamento térmico, de acessibilidade plena e de segurança. (Atelier dos Remédios, 2015a)

Desta maneira, estes edifícios – com apenas cerca de meio século – são também reabilitados, [re]contextualizados, e tornam-se [outra vez] “novos” (Montaner, 2001, p. 152). Adequam-se às necessidades contemporâneas, sem perderem as suas características formais. A sua “essência”. A sua memória. Neste caso, conservam ainda o seu uso: o do ensino, tão importante na transmissão de conhecimento, de património.

Ana Catarina Neves Figueiras 153 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Na verdade, a Escola Rainha Dona Leonor nunca deixou de pertencer à dinâmica da cidade. O edifício já retinha uma certa “energia”, incorporava uma índole cultural – afinal esta é uma das primeiras escolas modernistas do país. Portanto, a nova forma, a “parasita”, vem agregar-se-lhe para a actualizar, mais do que para a restabelecer. Compreendendo o edificado existente e aproveitando-se da sua perfeita integração no tecido urbano, a ampliação é um convite para [re]descobrir o edifício escolar; aproximá-lo da sociedade, conferindo-lhe espaços e serviços que não haviam sido previstos à data da sua construção (Bollack, 2013, p. 66).

Sob uma perspectiva mais conceptual, observe-se que, a recente intervenção moderniza o edifício empregando a mesma lógica do seu desenvolvimento histórico – a adição de corpos. E, embora se pudesse ter acrescentado um volume com uma fisionomia semelhante, os arquitectos decidiram dar-lhe um aspecto totalmente diferente. Sem transições ou mediações. A linguagem arquitectónica, a paleta de materiais, as cores e texturas separam claramente esta adição do edifício primitivo, contudo, ela depende dele para se integrar na cidade, para funcionar, para fazer sentido.

É, a tensão entre dissemelhança e dependência, que faz desta intervenção, uma “parasita” e, nesta combinação de formas, tempos, e usos que se [re]vive a Escola.

Ilustração 122 – Escola Secundária Rainha Dona Leonor. (FG+SG Architectural Photography, 2013).

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4. UM MODO DE INTERVIR: CASO DE ESTUDO ACADÉMICO

Uma das principais complexidades desta dissertação foi a consolidação de um tema. O assunto foi-nos assaltando ao longo dos últimos anos académicos – apesar das prematuras advertências de docentes experientes –, trazendo consigo a temível sensação de nada-se-saber sobre Arquitectura, além de se tratar de uma Arte altruísta de responsabilidade extrema. Bem prensada, esta era a gnose, a única certeza que retirávamos de todo um percurso universitário em Arquitectura. É, durante o último ano prático deste trajecto, que se nos apresenta um lugar para intervir, onde se vão espraiar as dúvidas e algumas inquietações para o encenar do presente trabalho.

O projecto, em si, descrevê-lo-emos adiante. Interessa-nos, de momento, salientar apenas que adir este exercício académico sempre fez sentido no desenvolver do estudo. Pelo que, a estrutura deste quarto capítulo será, em parte, idêntica ao entendimento prévio de projectos construídos, não só porque dele [exercício académico] se enceta esta investigação; mas também porque ele próprio é um modelo experimental que se enquadra na especificação de Françoise Bollack que nos falta narrar – a justaposição. Dito isto, têm-se finalmente:

JUXTAPOSITIONS

Ilustração 123 – Exemplificação de uma justaposição: gato preto, gato branco dormindo lado a lado. (University of South Florida. College of Education. Florida Center for Instructional Technology, 2015).

Para compreender este último procedimento imaginem-se dois gatos: de tamanho ou cor de pelagem desiguais, deitados lado a lado, dormitando. Ainda que se encostem, cada um dos seus corpos funciona autonomamente. É sempre possível distingui-los pelas suas características ímpares – estabelece-se entre ambos uma relação de “silencioso” companheirismo.

Ana Catarina Neves Figueiras 155 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Em intervenções arquitectónicas justapostas, a nova forma surge ao lado do edifício primitivo e não se envolve num diálogo óbvio com ele. Ambos permanecem inteiramente legíveis – não há esbatimentos de fronteiras ou qualquer transmissão de elementos arquitectónicos. O novo corpo é integrado num sistema de cooperação funcional – podendo, ou não, ser acessível a partir do edifício original – no entanto, ele colabora neste sistema através de uma espécie de “distanciamento tranquilo” (Bollack, 2013, p. 141).

“Novo” e “velho” são perfeitamente reconhecíveis. A clivagem visual entre a adição e o edifício preexistente é manifesta na combinação de naturezas distintas – materiais, cores, texturas e volumetrias contrastantes. É esta composição formal de dois universos que apreende o valor de cada um (Bollack, 2013, p. 141).

Ilustração 124 – Figura esquemática de uma “justaposição”. (Bollack, 2013, p. 140).

No contexto deste trabalho, os projectos seguintes representam uma importante transição entre adições que são totalmente construídas para se integrarem, ou “misturarem” com o edifício original; e aquelas que se idealizam para que permaneçam, lado a lado, num “silencioso companheirismo”. Estas intervenções justapostas expandem [em termos funcionais] o edifício preexistente e oferecem um contraste que enfatiza o mesmo. No fundo, são acrescentos “mudos” que se “curvam silenciosamente” perante a estrutura primitiva (Bollack, 2013, pp. 141-142).

Por conseguinte, o “silêncio” é o denominador comum deste tipo de procedimento. Na sua própria quietude, a nova forma remete a atenção para o edifício preexistente e clama para que se o reconsidere; afirmando-se ao mesmo tempo como um novo objecto. Uma figura recente e aparentemente pouco exigente que complementa um renovado sistema organizacional (Bollack, 2013, p. 142).

Ana Catarina Neves Figueiras 156 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

A extensão do Tribunal de Göteborg desenhada por Gunnar Asplund143 enquadra-se no cenário descrito. Reconhecida como um exemplo de sucesso, a ampliação é um entendimento do edifício histórico, que não imita servilmente o seu estilo arquitectónico (Bollack, 2013, p. 141; Byard, 2005, p. 32).

Em 1913, Asplund vence a competição que requeria a adição de um novo corpo ao edifício de 1672. O extenso e vagaroso processo para concluir o projecto acarretaria uma série de modificações ao longo do tempo que assentiriam clarificar a junção entre o edifício preexistente e a nova construção (Byard, 2005, p. 34).

Ilustração 125 – Esquema de desenhos e versão final da ampliação do Tribunal de Göteborg, 1920-1934, Erik Gunnar Asplund. ([Adaptação a partir de]: Byard, 2005, pp. 34-35).

No entender de Françoise Bollack (2013, p. 141) este esquema evolutivo de um primeiro projecto neoclássico – por meio de esboços clássicos intermédios – para o desenho modernista final é, praticamente, um epítome da nossa atitude intervencionista [no património arquitectónico] nos últimos cem anos.

143 Erik Gunnar Asplund (1885-1940) foi um arquitecto sueco. Formou-se na Academia de Belas Artes em Estocolmo. As suas viagens [Grécia e Itália] apresentam-lhe a arquitectura clássica e revelam-se uma importante experiência para o arquitecto. O seu trabalho é reconhecido por fazer uma transição entre o neoclássico e a arquitectura moderna. Entre as suas obras mais significativas estão a Capela da Floresta no cemitério de Estocolmo e o edifício da Biblioteca de Estocolmo, obras que enfatizam a simplicidade geométrica de Asplund. É responsável pela Exposição de Estocolmo em 1930, [acontecimento histórico que difunde a arquitectura funcionalista e o Estilo Internacional na Suécia], para a qual projectou alguns edifícios, entre eles o emblemático Restaurante Paradise. Foi professor de Arquitectura no Royal Institute of Technology a partir de 1931 (Encyclopædia Britannica, Inc., 2015; Erik Gunnar Asplund Foundation, 2010).

Ana Catarina Neves Figueiras 157 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Numa primeira abordagem, Asplund propõe uma simples cópia do edifício original, adicionando-lhe um volume que desfruta da sua altura, detalhe e quadrícula modular. Ao longo dos anos, esta proposta vai-se metamorfoseando até determinar uma nova ala que, justaposta ao Tribunal, representa uma leitura abstracta do mesmo – lisa, plana e mais funcional, a nova infra-estrutura é como se extraída do edifício primitivo para tornar o conteúdo formal do mesmo, óbvio e acessível. Esta adição também recua em relação à fachada do edifício do século XVII, possibilitando que os limites de cada parte sejam notoriamente discerníveis (Byard, 2005, pp. 34-36).

Ilustração 126 – Planta Tribunal de Göteborg, Erik Gunnar Asplund. (Bollack, 2013, p. 142).

A conjugação de ambos os edifícios é feita através da altura, cor e nivelamento de pisos mantendo-se, contudo, a preeminência do edifício histórico. Na sua modernidade, o edifício contíguo declara a sua simpleza e submissão em relação à construção preexistente, que se conserva portadora do acesso principal (Bollack, 2013, p. 142). Deste modo, é conseguida a hierarquia do todo – formalidade, racionalidade, tolerância e reverência são integradas numa representação invejável de tudo o que a justiça deve ser, sendo possível continuar a usufruir da memória colectiva que o edifício histórico abarca (Byard, 2005, p. 36; Bloszies, 2012, p. 15).

Ana Catarina Neves Figueiras 158 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 127 – Vista exterior a partir do pátio da nova intervenção, Erik Gunnar Asplund. (Erik Gunnar Asplund Foundation, 2010).

Ilustração 128 – Tribunal de Göteborg de 1672 com ampliação de Asplund de 1934. (Erik Gunnar Asplund Foundation, 2010).

Ana Catarina Neves Figueiras 159 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

4.1. UMA JUSTAPOSIÇÃO: A POUSADA NA QUINTA DA RIBAFRIA

O projecto seguinte é uma proposta apresentada ao desafio lançado na unidade curricular Projecto III, integrada no curso de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa, no ano lectivo 2012/2013. O lugar: uma misteriosa quinta nas proximidades de Sintra – a Quinta da Ribafria. O programa: uma pousada de luxo. Os objectivos: o entendimento do lugar e o desenvolvimento de uma intervenção arquitectónica que reabilitasse um palácio devoluto. A este, não se atribuía previamente função específica. Conjecturava-se apenas que, para uma adaptação [de uso] válida, seria necessária uma ampliação; uma nova forma arquitectónica contemporânea que cooperasse no bom funcionamento da pousada. Desde que bem fundamentada, não se definiam limitações à implantação do novo corpo. E, neste projecto, ele surgiu naturalmente. Justaposto às preexistências. Por esta razão, o exercício serve agora de caso de estudo académico para ilustrar esta estratégia.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Gaspar Gonçalves144, de origem plebeia mas detentor de confortável fortuna, lançou-se desde jovem […] numa carreira palaciana. Homem de confiança de Manuel I145 e de João III146, […] erigiu, em 1534, um palacete nas imediações do Chão de Oliva, e, poucos anos volvidos, reformou o solar de Cabriz, […], com direito ao nome de Ribafria e ao uso de brasão de armas. De facto, a torre armada na sua quinta reflecte a vaidade do cortesão, porquanto a sua localização na Riba Fria147, a margem fresca no fundo do vale que bordeja a ribeira de Lourel, não tem outra eficácia senão a de aparato. (Caetano, 2005, p. 11)

144 Gaspar Gonçalves foi alcaide-mor de Sintra. Surge, em 1515, como porteiro da câmara de D. Manuel e sabe-se nomeado cavaleiro da Ordem de Cristo em 1525. Adquire a quinta de Cabriz [mais tarde, Ribafria] no ano seguinte ao novel cavaleiro Pedro Froes. Em 1541, o rei concede-lhe carta de armas. As primeiras referências às suas origens datam do século XIV e supõe-se terem sido lavradores de Sintra. Mais tarde, no século XV, a família já se integrava na então florescente burguesia e era presença assídua no paço real (Caetano, 2005, pp. 39, 41). 145 Manuel I (1469-1521) foi um monarca português, conhecido pelo cognome “o Venturoso”. Quando sobe ao trono, em 1495, tinha-se dobrado já o Cabo da Boa Esperança e preparava-se a viagem marítima que levaria os portugueses até à Índia. Fizeram-se também viagens para ocidente e conquistaram-se territórios a norte de África. A nível cultural, D. Manuel procedeu à reforma dos Estudos Gerais, criando novos planos de estudo e bolsas de estudo. É nesta altura que surge o estilo manuelino, influenciado pelas grandes viagens marítimas (Porto Editora, 2006). 146 João III (1503-1557) foi um monarca português. Décimo quinto rei de Portugal é conhecido como “o Piedoso”. Quando subiu ao trono, o país estava no apogeu da expansão ultramarina. D. João III é relembrado como um apoiante dos Humanistas e um impulsionador do ensino (Porto Editora, 2006). 147 Topónimo frequente, atestado em Alcobaça, Alenquer, Cadaval, Lourinhã, Mafra e Peniche (Machado apud Caetano, 2005 p. 11) [Nota da autora].

Ana Catarina Neves Figueiras 160 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 129 – Pormenor de entrada do muro que cerca a Quinta da Ribafria. (Ilustração nossa, 2012).

Situada na Estrada da Várzea, em Sintra, a Quinta da Ribafria é adquirida por Gaspar Gonçalves em 1526 (Caetano, 2005, p. 41). As origens da mesma são tão misteriosas quanto as razões que levam D. Manuel, a dotar Gaspar Gonçalves de importantes títulos e somas, para comprar “quintas e edificar casas apalaçadas na vila de Sintra“ (Sanches de Baena apud Caetano, 2005, p. 48). Saliente-se, no entanto, que “mistério” afigura-se o adjectivo que melhor qualifica a dita propriedade.

A data de construção do seu emblemático torreão é [igualmente] dúbia. Julga-se que, após D. João III outorgar o título de “Ribafria” a Gaspar Gonçalves, em 1541; este procedeu a intervenções na Quinta, de modo a ajustá-la ao seu novo estatuto. As alterações recaem, sobretudo, na ampliação da torre que – provavelmente – já existia. O que permitiria justificar as palavras de Gaspar Gonçalves de Ribafria (apud Caetano, 2005, p. 86) quando declarou: “ [tenho] uma quintaã em Ribafria […] [à] qual fiz de novo uma torre de dois sobrados e casas terreas pegadas com a dita torre”.

Todas as modificações – de cariz renascentista – atribuem-se, consensualmente, ao mestre-de-obras Pêro Pexão148. Pois, embora não se encontre “em lugar algum a assunção paternal da obra”; é viável estabelecer um paralelismo entre a reforma da Ribafria e alguma arquitectura do renascimento sintrão pela qual foi responsável este pedreiro (Caetano, 2005, p. 87).

148 Pêro Pexão foi um mestre pedreiro da vila de Sintra, activo nos princípios do século XVI. Instruído no novo modo de fazer [renascentista], foi, em 1567, nomeado mestre-de-obras do paço real, culminando assim longa carreira ao serviço da alcaçaria sintrense (Caetano, 2005, p. 87; Pedreirinho, 1994, p. 190).

Ana Catarina Neves Figueiras 161 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 130 – Reconstituição da fachada norte da torre dos Ribafria por volta de 1542 por João Oliveira. (Caetano, 2005, p. 96).

A família Ribafria permanece na Quinta até ao segundo quartel setecentista. É durante este século, que se acresce um púlpito de mármore e uma ornamentação que, “pelas suas desusadas dimensões”, alterará a harmoniosa composição arquitectónica e decorativa que a envolve (Caetano, 2005, p. 88).

A torre registou ao longo do tempo várias interpretações, as quais, apesar de tudo, lhe foram reservando o prospecto, como que apregoando o supero carácter da estirpe Ribafria, sendo por isso considerado como um edifício fundamental para a história da arquitectura portuguesa. Nesta perspectiva, e […] além de construir um marco na paisagem, o solar torreado assume-se, enquanto cabeça do morgado, como verdadeiro símbolo do poder corporalizado nos Ribafria. (Caetano, 2005, p. 11)

Permanecerá o símbolo; gora-se o poder.

Em meados do século XIX a situação económica dos Ribafria obriga-os a hipotecar a Quinta. Esta é adquirida por Joaquim Ferreira Braga149 em 1880. Constava nas proximidades que existiria um tesouro proveniente da Índia escondido na propriedade e, talvez por isso, o dito senhorio tenha “ […] realizado obras de gosto duvidoso que desfearam [e esburacaram] o palácio”. Aqui, nada de valor se encontrou e a lenda foi desmistificada (Caetano, 2005, pp. 12, 63-66).

Na verdade, foi perceptível a decadência que o conjunto edificado conheceu ao longo desse século:

A entrada para a propriedade é por uma sorte de antiga alameda bastante ancha, mas agora sem arvoredo (…). O pátio atrás do muro é fechado (…); à esquerda limitam-nos

149 Joaquim Ferreira Braga foi um dos proprietários da Quinta da Ribafria. Possível membro da família dos capitalistas Ferreira Braga. Nada mais se sabe sobre ele, além de ter sido personagem desprezada por vários autores da época (Caetano, 2005, p. 66).

Ana Catarina Neves Figueiras 162 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

pardieiros em ruínas (…). O sítio, onde tudo está, é tristíssimo; infunde melancolia. (Bramcamp Freire apud Caetano, 2005, p. 89)

Será, em 1902, já na posse do segundo conde do Cartaxo150, que a Quinta recupera alguma dignidade (Caetano, 2005, p. 13). Fazem-se obras significativas: recupera-se o edifício e reorganizam-se os seus espaços interiores para melhor se adaptar à vida moderna; sem nunca alterar as suas linhas gerais; conservando “o seu aspecto de vetustez” (António Cunha apud Caetano, 2005, p. 89). Mantêm-se também as suas seculares características agrícolas. À época, a Quinta é composta por: “casa de habitação, celeiros, arribanas, casa da fonte, lagar, adega, oficinas, cisterna, poço e tanque, e produzia vinha, frutas de caroço e de espinho, pão, milho, batatas e hortaliças”. Todavia, depois da morte do conde – como que predestino – a Quinta perde [novamente] valências (Caetano, 2005, p. 90).

Ilustração 131 – Perspectiva do alçado norte da Quinta Ilustração 132 – Composição planimétrica da Quinta da Ribafria. nos inícios do século XX. (Caetano, 2005, p. 74). (Caetano, 2005, p. 79).

A grande transformação da Ribafria viria a acontecer volvido quase meio século. Ainda na alçada da mesma família, o edifício é alvo de um estudo151 diacrónico pela mão de Vasco Regaleira152 e sofre algumas remodelações arquitectónicas delineadas por João

150 Jorge José de Mello (1857-1922) foi um aristocrata português. Diplomado em Agronomia, foi professor na Quinta Regional de Sintra. Até à implementação da República, é chefe da Direcção-Geral da Agricultura e, mais tarde, um dos fundadores da Companhia Geral Promotora da Agricultura Portuguesa. Entre 1905-1906 desempenhou funções de governador civil de Lisboa (Caetano, 2005, pp. 66-67). 151 Este trajecto diacrónico do edifício era intitulado “Estudo de Reintegração da Fachada Norte” (Caetano, 2005, p. 92). 152 Vasco de Morais Palmeiro Regaleira (1897-1968) foi um arquitecto português. Formou-se em Arquitectura na Society of Architects em Londres em 1926, título que lhe foi reconhecido pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Em Portugal, especializou-se em obras de sanatórios, de que realizou diversos projectos, entre os quais os de D. Manuel II no Porto e de D. Carlos em Lisboa e ainda o da Assistência Nacional aos Tuberculosos no Funchal. Politicamente muito ligado ao regime do Estado Novo, Vasco Regaleira projectou edifícios de grande dimensão, como o Hotel de Turismo da Guarda e o Museu Etnográfico de Beja. Da sua obra fazem parte inúmeras moradias, numa linguagem ecléctica de referências regionais ao gosto do Estado Novo. Foi também autor de edifícios religiosos dos quais podem destacar-se a Igreja do Santo Contestável em Lisboa; ou diversos conventos, como o mosteiro das Carmelitas em Moncorvo e o seminário de Portalegre. A sua obra estendeu-se ao continente africano, principalmente a Angola (Pedreirinho, 1994, p. 203).

Ana Catarina Neves Figueiras 163 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Andrade e Sousa153 e Diogo de Mello154. Reabilitam-se, e unem-se os casarios ao palácio por meio de duas passagens [uma inferior e outra superior]. “A solução proposta não foge no entanto ao conjunto existente, não só no volume de construção como ainda no aspecto arquitectónico exterior.” (João Andrade e Sousa e Diogo Mello apud Caetano, 2005, p. 93)

Na envolvente, o esboço paisagista de Francisco Caldeira Cabral “ […] pretendeu reconstituir o locus amoenus155 ribafriano de acordo com uma concepção ideal do jardim naturalista de quinhentos […] “; dotando, deste modo, o espaço agrícola de uma fisionomia neo-renascentista (Caetano, 2005, pp. 13, 91).

A súmula destes metamorfismos, todavia, não constitui mais do que o reconhecimento de possíveis etapas vivenciais do solar de Ribafria, no qual – como na grande maioria das casas de habitação, apalaçadas ou não – se afirmam momentos distintos, por vezes sobrepostos, mas que no devir do tempo foram construindo a sua história. (Caetano, 2005, p. 94)

Ilustração 133 – Esboço paisagista de Caldeira Cabral, 1959. (Caetano, 2005, p. 79).

153 João Monteiro de Andrade e Sousa (1923-2012) foi um arquitecto português. Licenciado em Arquitectura pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, João Andrade e Sousa é autor de vasta e emblemática obra, da qual se destaca, em Lisboa, o edifício Gemini – prémio Valmor em 1984 – e Tridente. Em Sintra, foi responsável pela requalificação do cinema Carlos Manuel [actual centro Olga de Cadaval], projectado por Norte Júnior na década de cinquenta do século passado (Caetano, 2005, p. 92). 154 Diogo José de Mello era arquitecto e primo direito de José de Mello (Caetano, 2005, p. 92). 155 Expressão latina que significa "lugar ameno". Trata-se de um dos tópicos da literatura clássica, usado com frequência na época medieval e renascentista e que se opõe a locus horrendus empregue no Romantismo. O locus amoenus consiste numa descrição da paisagem ideal, em ambiente de tranquilidade, bucólico ou pastoril. Verifica-se a recorrência a elementos da natureza, como árvores, fontes, pássaros e todos os elementos sensoriais a eles associados, tais como o perfume das flores, o cromatismo da paisagem, o canto das aves. O tema do locus amoenus é ainda escolhido para as descrições do retorno do homem à natureza, à felicidade e ao Paraíso perdido (Porto Editora, 2006).

Ana Catarina Neves Figueiras 164 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

A família Mello terá sido a última a desfrutar da Quinta como espaço de habitação. Mais tarde, esta foi vendida a uma entidade156 que fez dela instituição pedagógica (Caetano, 2005, p. 13). Terá sido, nessa altura, e por necessidade de espaço, erigido – ou adaptado a partir de uma estrutura preexistente – um novo edifício de escritórios, próximo do palácio e dos seus casarios. Pelo que, junto ao limite sul da propriedade são agora identificados três corpos: o de escritórios, com uma fisionomia “amorfa”; o do casario, que circunscreve dois pátios; e, o do palácio, com as reconhecíveis coberturas em caixotão e o seu simbólico torreão.

Ilustração 134 – Planta da Quinta da Ribafria após a construção do edifício de escritórios. (Caetano, 2005, p. 79).

A Quinta da Ribafria, à parte do seu interesse histórico, é, apesar de haver sido maltratada e remexida no decorrer dos tempos, ainda de muito apreciável valor artístico. […] O sabor especial dos seus pormenores arquitecturais e pictóricos italianizantes, como p. e. no antigo pátio da entrada; os restos de feição manuelinos que ainda caracterizam a cerca murada, são de grande interesse e merecem ser conservados enquanto a compreensão dos valores tradicionais, na Arte e na História, não se haja perdido por completo. (Raul Lino apud Caetano, 2005, p. 93)

Mas, “palavras leva-as o vento” e as de Raul Lino157 não foram excepção. Sob a posse da Câmara Municipal de Sintra desde 2002, a Quinta “aquietou-se [uma vez mais]

156 Instituto Progresso Social e Democracia Francisco Sá Carneiro que, por sua vez, cede a propriedade à Fundação Friedrich Naumman, com sede na República Federal Alemã (Caetano, 2005, p. 13). 157 Raul Lino (1879-1974) foi um dos mais activos e intervenientes arquitectos portugueses do princípio do século XX, quer pela sua obra construída, quer pelos seus polémicos textos. Estuda em Inglaterra, em Windsor, e na Alemanha, no Instituto de Hannover. Trabalha no atelier de Albretch Haupt, um profundo conhecedor da arquitectura medieval portuguesa, com quem manterá contacto até à morte de Haupt em 1933. Viaja pela Europa, Brasil e Moçambique, tomando apontamentos dessas deslocações cuja influência se vai reflectir nos seus diversos trabalhos. Desenvolveu uma importante actividade gráfica e interessou-se pelo relacionamentos entre as variadas formas de expressão artística. Conservador e revolucionário, ousado e tradicionalista, mas acima de tudo um dos mais geniais arquitectos portugueses, Raul Lino produziu vasta e ecléctica obra e foi autor da imagem da Casa Portuguesa. Entre as mais de

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numa solidão avassaladora” (Caetano, 2005, p. 11). Terá sido limpa e “arrumada” para servir de fundo ao Mistérios de Lisboa158. De resto, quando a encontrámos no final do ano de 2012, a Quinta da Ribafria era, na realidade, um “bosque” – um bosque onde se iam descobrindo “mistérios”.

Ilustração 135 – Vista exterior da entrada da Quinta. (Ilustração nossa, 2012).

Talvez porque era Outono e porque estávamos em Sintra, no ar pairava uma espécie de melancolia. O passar do Tempo fazia-se sentir, bem debaixo dos pés. A natureza tomava conta do espaço, acomodando-se nas paredes e nos telhados dos edifícios. E, era no deambular pelo exterior que se desvendavam os “mistérios”: os pátios, os jardins, as estátuas, as fontes. A torre dos Ribafria que ainda se impunha entre o verde envolvente. No interior, os espaços eram tristes e vagos.

Ali se exibia um sublime declínio.

setecentas obras que produziu, podem destacar-se, por exemplo: o projecto do Pavilhão Português para a Exposição Universal de Paris em 1990; o Panteão dos Braganças em S. Vicente de Fora; a casa O’Neil em Cascais ou a casa do Cipreste em Sintra. A sua obra é progressivamente mais significativa pelos seus escritos e pela actividade desempenhada em diversos organismos como, por exemplo, a Direcção-Geral dos Monumentos Nacionais. Da sua obra escrita podem destacar-se: A casa portuguesa, Casas portuguesas, L’évolution de l’architecture domestique au Portugal, Quatro palavras sobre arquitectura e música e Os paços reais da vila de Sintra. Recebeu o Prémio Valmor em 1930 por uma moradia na Rua Castilho, hoje demolida (Pedreirinho, 1994, pp. 147-148; Sintra. Câmara Municipal. Divisão de Cultura – Núcleo de Arquivos, 2015). 158 Mistérios de Lisboa é um filme de época realizado por Raúl Ruiz em 2010.

Ana Catarina Neves Figueiras 166 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 136 – Entrada para o pátio principal da Quinta. Ilustração 137 – Vista da fachada norte da Quinta da Ribafria. (Ilustração nossa, 2012). (Ilustração nossa, 2012).

Em 2014, a Câmara Municipal de Sintra vem finalmente anunciar a restauração e a preparação da Quinta da Ribafria para acolher uma unidade hoteleira de luxo (Santos, 2014). A feliz notícia não era, no entanto, novidade. Nada em que – como se referiu – já não se tivesse ponderado.

INTERVENÇÃO

No nosso entender, a Quinta quer-se o mais “intocável” possível. A forte presença dos muros de suporte, a diferente escala dos jardins e a imponente torre dos Ribafria são elementos que assinalam particularmente este território. Valoriza-se sobretudo o aspecto, o “cenário” exterior. Ademais, o clima, a orientação do terreno, a sua topografia e a densa vegetação revelavam a obtenção de luz natural nos novos espaços como um dos principais desafios do projecto.

Do conjunto edificado existente, optou-se pela demolição do corpo de escritórios: a sua forma incaracterística e implantação desproporcionada somente contribuíam para desvirtuar a composição arquitectónica da Quinta. Por isso, regenera-se a organização dos anos cinquenta: mantêm-se e reabilitam-se o palácio, os edifícios que com ele comunicam e o pequeno pardieiro que delimita um dos pátios. Os casarios desventram-se e reorganizam-se no seu interior, reaproveitando unicamente fachadas e paredes estruturais. No palácio restauram-se as salas e a capela; reformula-se o nível subterrâneo.

A nova forma – a adição – acha-se um corpo longilíneo implantado no terreno a Norte. O seu serpentear vem tocar física e delicadamente a preexistência, no entanto, não se conecta espacialmente com ela. Novo edifício e antigo palácio encontram-se justapostos e funcionam autonomamente. A nova construção alberga a pousada.

Ana Catarina Neves Figueiras 167 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Enquanto no antigo palácio e casarios se distribuem áreas de restauração, salas de estar e eventos.

Ilustração 138 – Planta de Implantação com o novo corpo a norte. (Ilustração nossa, 2013).

No desígnio de se manter “intocável” a preexistência, o edifício da pousada actua no terreno como um “silencioso companheiro” (Bollack, 2013, p. 141). As suas fachadas frontal e traseira159 são inteiramente distintas: a primeira é uma fachada cenográfica, totalmente envidraçada, que permite vislumbrar o alçado norte do palácio, com o seu emblemático torreão, espelho de água e réplica de jardim renascentista; idealizando o edifício primitivo como um “palco” de acontecimentos. Deste modo, enfatiza-o, ao mesmo tempo que resolve o dilema do acesso à luz, visto que a fachada se vira a sul e a poente. Por sua vez, a fachada traseira é espessa, cerrada e escura – devido à pedra azulino de Cascais que a reveste –, abrindo pontualmente largos vãos e rememorando a presença dos muros de suporte que a sua implantação substitui.

159 Consideramos fachada frontal toda a que se abre para a preexistência; e traseira, toda a que acompanha os limites da propriedade e o caminho principal até ao palácio.

Ana Catarina Neves Figueiras 168 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 139 – Modelo tridimensional da proposta: fachada Ilustração 140 – Modelo tridimensional da proposta: fachada cénica totalmente envidraçada. (Ilustração nossa, 2013). “murada”. (Ilustração nossa, 2013).

A baixa cota de assentamento da pousada e a sua organização em apenas dois níveis permitem que a sua altura nunca ultrapasse a do palácio – este quer-se em proeminência. Ademais, a frondosa vegetação do envolvente excede [ou excederá] a altitude do novo corpo, permitindo-lhe passar despercebido. Este vai também diminuindo, à medida que se aproxima do palácio; transmutando-se num pequeno murete que desaparece no terreno. Todos estes gestos se sustentam no respeito pela construção primitiva; é ela que se afirma e que se deseja [re]valorizar. A pousada tão- somente a “contempla” numa espécie de “distanciamento tranquilo” (Bollack, 2013, p. 141).

Ilustração 141 – Relação entre o preexistente e o novo edifício [alçado nascente]. (Ilustração nossa, 2013).

Em suma, transforma-se a Quinta num cenário de teatro, em que os hóspedes da pousada são actores160 e espectadores161. Esta ideia cenográfica gera um contexto arquitectónico em que a relação entre os edifícios [novo e preexistente] é gerida através de uma série de contrastes justapostos: ambos são díspares nas suas materialidades, volumetrias e tempos; existindo, por isso, uma clara distinção entre cores e texturas. Entre ornamentos renascentistas e setecentistas e linhas rectas e contemporâneas. Entre telhados em caixotão e delongadas coberturas planas. Entre densas paredes e superfícies translúcidas. Enfim, o projecto depende dessa complexidade.

160 Quando vivem os espaços do palácio. 161 Quando usufruem dos espaços da pousada.

Ana Catarina Neves Figueiras 169 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 142 – Contraste de materialidade, volumetrias e tempos [alçado norte]. (Ilustração nossa, 2013).

Ilustração 143 – Corte transversal onde se percebe claramente a diferença de coberturas. (Ilustração nossa, 2013).

É a nítida justaposição de formas e respectivas particularidades que confere valor a cada um dos edifícios (Bollack, 2013, p. 141).

Esta composição de “velho” e “novo” reconhecíveis e perfeitamente autónomos esconde, no entanto, uma relação de interdependência. Apesar de não partilharem qualquer elemento arquitectónico ou espaço físico além do território onde se inserem, eles precisam-se mutuamente.

Note-se que, a pousada só ali existe, pela presença do palácio. É ele que lhe confere sentido, paisagem e circunscreve a sua configuração formal. Quase todos os espaços da unidade hoteleira usufruem de vista sobre a “aparatosa” fachada norte; assentindo aos hóspedes desfrutar da preexistência sem nela estar fisicamente. Também, a sua piscina interior, se desenha num percurso paralelo ao jardim [renascentista], culminando num enorme vão sobre o espelho de água da Quinta; transmitindo a sensação de que o espaço aquático se prolonga. São pormenores como estes que enraízam a pousada ao lugar, à sua Quinta.

Ilustração 144 – Alçado poente da Quinta e da pousada. (Ilustração nossa, 2013).

Ana Catarina Neves Figueiras 170 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 145 – Organização dos quartos e suites para se relacionarem com a Quinta, orientando-se a sul e a poente [piso 1 da pousada]. (Ilustração nossa, 2013).

Ilustração 146 – Relação entre preexistente e novo corpo, que fica despercebido na vegetação envolvente. (Ilustração nossa, 2013).

Ana Catarina Neves Figueiras 171 Intervenções contemporâneas em património arquitectónico

Ilustração 147 – Piscina interior culminando num grande vão sobre o espelho de água da Quinta e espaços sociais dispostos ao longo da nova forma, onde se abrem grandes vãos para a Quinta [piso 1 da pousada]. (Ilustração nossa, 2013).

Ilustração 148 - Corte demonstrativo do espaço interior do murete que toca a preexistência e que alberga a piscina da pousada. (Ilustração nossa, 2013).

Por outro lado, sem esta nova adição, o palácio, por si só, não funcionaria. A nova estrutura vem ampliá-lo em termos funcionais e oferece-se numa posição que o reconsidera, transfigurando-o em espaço novamente habitado. Em dias de eventos no palácio, a pousada consente que os seus intervenientes pernoitem. Em acontecimentos como seminários, conferências, casamentos, ou outros idênticos, um espaço próximo e intimista onde se consiga repousar é, quase sempre, uma mais- valia. De um modo particular, quando a ambiência é Sintra: romântica e misteriosa.

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Ilustração 149 – Espaços de restauração e eventos que funcionam no edifício preexistente [piso 1 da Quinta da Ribafria]. (Ilustração nossa, 2013).

Por conseguinte, este é um exercício académico que utiliza a estratégia de justaposição para reabilitar património arquitectónico. É através deste procedimento que a Quinta abandona um estado de invalidez e declínio e serve de novo a sociedade. A abordagem é assertiva: não há esbatimento de fronteiras; há tempos justapostos. Este rigor entre “novo” e “antigo” revela-se na oposição, no contraste entre a forma contemporânea e a primitiva. Em que numa evidente autonomia [física e operativa] se esconde uma forte inter-relação. A adição surge no lugar não apenas para resolver as objecções do terreno, mas para se “curvar silenciosamente” perante a estrutura originária; numa atitude submissa permitindo que se reconsidere, que se relembre o “ […] poder corporalizado nos Ribafria” (Caetano, 2005, p. 11).

Usurpando palavras de Raul Lino (apud Caetano, 2005, p. 93), poderíamos declarar que, “O actual projecto [académico], restaurando o que há de interessante na propriedade e recriando o que a valoriza como perfeita vivenda162 do tempo presente, tem em boa conta o que o antigo solar significa.”

162 Leia-se “vivenda” como espaço habitável.

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“ […] porque não é o próprio tempo que muda, apenas muda algo que está no tempo”.

KANT, Immanuel (1985) - Crítica da razão pura. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian. p. 78.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, este trabalho demonstra que, por mais variadas que sejam as suas circunstâncias, edifícios supernos são, quase sempre, edifícios recuperáveis. Por meio de intervenções contemporâneas, o património arquitectónico mostra-se reutilizável; pode [re]ajustar-se às permanentes “insaciedades” do Homem, [re]integrando-se continuamente na sinergia das cidades; no sistema construído onde este se movimenta, [re]inventando novas realidades.

Apesar das suas diferenças temporais e estilísticas, todas as obras narradas neste estudo foram – como outras como elas –, na sua génese, erguidas celebrando a relação do Homem com o mundo e com o seu semelhante. Por outras palavras, foram projectadas em consonância com as finalidades do ser humano; com base em valores como o respeito e o compromisso; idealizadas para servir um todo. Um colectivo. Uma comunidade. São estes os desígnios que caracterizam a verdadeira essência do património arquitectónico e lhe outorgam um potencial contínuo, por vezes, olvidado.

Confirma-se, no entanto, que o reconhecimento e a apreciação da nossa herança edificada são milenares. E, se acentuam, particularmente, em momentos de transição, de instabilidade na vida humana, uma vez que, o património funciona como referência, como base de sustentação. Porque, é nele que o Homem se [re]encontra, se orienta e identifica. Por conseguinte, sempre que ultrapassado pela sua própria aptidão inventiva, o ser humano recorre à História, mais concretamente, a arquitecturas anteriores à do seu próprio tempo. À sua memória de pedra.

Assimila-se o passado, para compreender o presente e reestruturar o futuro.

De um modo particular, observa-se nesta dissertação, o património arquitectónico a actuar como alicerce de novas formas, novas arquitecturas.

Cidades em crescimento serão sempre cidades em evolução, com estratos construídos a serem regularmente subtraídos e acrescentados. E, apesar dos riscos e complexidades de combinar uma nova construção com a preservação de uma arquitectura preexistente, bons projectos e resultados são exequíveis. Novas formas significativas podem ser criadas, dentro deste género de arquitectura atípica que constrói o “novo” em “velho”. Todavia, este processo “Exige das pessoas que estejam

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dispostas a assumir individualmente a responsabilidade das suas ideias, actos e trabalhos”. (Krier, 1999, p. 203)

Tal como, quem primeiro construiu, o fez cimentando-se no respeito e na solidariedade, também hoje se deve construir sobre o preexistente nesse mesmo sentido.

Afinal, é a Arquitectura uma arte altruísta – o sentimento materializado e, por isso, perpetuado.

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