FACULDADES INTEGRADAS HÉLIO ALONSO

COMUNICAÇÃO SOCIAL - PUBLICIDADE E PROPAGANDA

Camila Mota Tavares Vieira

IMERSÃO NARRATIVA JOGOS ELETRÔNICOS E PODER DE DECISÃO

Rio de Janeiro 2019 Camila Mota Tavares Vieira

IMERSÃO NARRATIVA JOGOS ELETRÔNICOS E PODER DE DECISÃO

Monografia apresentada ao Curso de Gra- duação das Faculdades Integradas Hélio Alonso como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda, sob a orientação da Prof.ª. Dra.ª Camila Augusta Alves Pereira.

Rio de Janeiro 2019

Vieira, Camila Mota Tavares. Imersão narrativa. jogos eletrônicos e poder de decisão / Camila Mota Tavares Vieira.- Rio de Janeiro: FACHA, 2019. xx f.

Orientador: Camila Augusta Alves Pereira. Monografia (Graduação em Publicidade e Propaganda) FACHA, 2019.

1. Jogos eletrônicos. 2. Narrativa. 3. Jogador. 4. Poder de decisão. 5. Games. I. Pereira, Camila Augusta Alves. II. FACHA. III.Título.

0 IMERSÃO NARRATIVA JOGOS ELETRÔNICOS E PODER DE DECISÃO

Camila Mota Tavares Vieira

Monografia apresentada ao Curso de Gra- duação das Faculdades Integradas Hélio Alonso como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda, sob a orientação da Prof.ª. Dra.ª Camila Augusta Alves Pereira.

______Prof. Orientador: Camila Augusta Alves Pereira

______Membro da Banca ______Membro da Banca

Data da Defesa:____/____/____

Nota da Defesa:______.

Rio de Janeiro 2019 AGRADECIMENTOS

Primeiramente, gostaria de agradecer a minha família, que sempre me deu suporte como pessoa, incentivando todas as minhas iniciativas e suportando todas as minhas crises neste encerramento de ciclo (e na da vida). Em especial, agradeço aos meus pais, que dedicaram suas vidas para me oferecer o melhor ensino e as melhores estruturas para me tornar a profissional que hoje se inicia. Sem vocês nada seria possível. Muito obrigada mãe, pai, irmão, vó, vô, tio e tia, eu amo vocês! Mãe, obrigada por me ajudar na escolha do meu curso, você nunca erra.

Agradeço a minha querida orientadora, Camila Augusta Alves Pereira, por sua dedicação, paciência, trocas de conhecimentos, auxílio e todo o amor do mundo durante o processo de desenvolvimento deste trabalho, com direito a troca de tema e livro emprestado. Não ganhei apenas uma orientadora, mas uma amiga. Muito obrigada!

Deixo também o agradecimento a todos os amigos do FACHAHUB (os que permanecem e os que já foram) e da faculdade, que participaram desse processo, e me auxiliaram até o minuto da entrega. Vocês foram essenciais para que tudo ocorresse bem. Em especial a Gabriela, que foi uma parceira no trabalho, no TCC e é na vida, obrigada por passar esse momento comigo. Obrigada também a Joanna e Beatriz, que mesmo distantes mantiveram a energia positiva.

Agradeço também aos meus amigos do colégio, que me apoiaram, festejaram, se emocionaram e foram uma base para mim durante toda a elaboração desta monografia. Em especial a Maiara e ao Breno, que são amigos de longa data, e aguentaram firme todas as reclamações e desesperos no meio dessa trajetória. Muito obrigada amigos!

Por fim, agradeço a todos que não citei, mas que auxiliaram na minha vida acadêmica, ou disseram palavras de apoio, para que hoje fosse possível haver a conclusão deste trabalho. Obrigada aos professores, não apenas os acadêmicos, mas os dá vida também, que tornaram possível me tornar uma profissional graduada.

Apenas, obrigada!

RESUMO

Conforme a crescente do universo dos jogos eletrônicos, e a necessidade de debater uma pauta pouco explorada por pesquisadores e estudiosos, esse trabalho acadêmico visa contemplar a análise do estado imersivo do jogador. Para isso a pesquisa se inicia com o estudo na narratologia (estudo da narrativa), seguido dos recursos utilizados para imersão, finalizando nas possibilidades (imersão, escolha e decisão) que são norteadas pelo poder da decisão. Os objetos de estudo, Little Misfortune, Rusty Lake/Cube Escape, Life is Strange, Gris e Black Mirror: Bandersnatch, foram selecionados de acordo com sua categoria de escolhas e decisões, onde as decisões do jogador determinam a trajetória do herói, adequando a narrativa a realidade imersiva do usuário.

Palavras-Chaves: jogos eletrônicos, narrativa, decisão, escolha, imersão, jogador, poder de decisão, games, narratologia, ludologia.

ABSTRACT

According to the growing universe of electronic games, and the need to discuss a subject little explored by researchers and scholars, this academic work aims to contemplate the analysis of the immersive state of the player. For this, the research begins with the study in narratology (narrative study), followed by the resources used for immersion, ending in the possibilities (immersion, choice and decision) that are guided by the power of decision. Little Misfortune, Rusty Lake/Cube Escape, Life is Strange, Gris, and Black Mirror: Bandersnatch were selected according to their choice and decision category, where player decisions determine the hero's trajectory, matching the narrative the immersive reality of the user.

Keywords: electronic games, narrative, decision, choice, immersion, player, decision power, games, narratology, ludology.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Imagem de divulgação do game Little Misfortune...... 21 Figura 2 – Escolhas dentro da narrativa de Little Misfortune...... 22 Figura 3 – Misfortune em seu Quarto...... 32 Figura 4 – Benjamin (protetor) e Misfortune (heroína)...... 33 Figura 5 – Misfortune Atravessando sua Rua para o Início da Jornada...... 34 Figura 6 – Escolhas Dentro da Narrativa...... 35

Figura 7 – Misfortune e o Cachorro (Puppy) de George’s...... 36

Figura 8 – Diário de Benjamin...... 37 Figura 9 – Morgo/Mr.Voice (Sr.Voz) o Antagonista Narrador...... 38 Figura 10 – Benjamin e Misfortune...... 39 Figura 11 – Misfortune em seu Esconderijo Secreto para se Defender de Morgo...... 41 Figura 12 – Descoberta da Morte e Libertação de Morgo...... 42 Figura 13 – Timeline da série Cube Escape...... 53 Figura 14 – Banner de anúncio do novo episódio na Netflix...... 61 Figura 15 – Escolha dentro do episódio Bandersnatch...... 62

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...... 8

2 OS PRINCÍPIOS DA NARRATIVA ...... 10

2.1 Estruturação da Narrativa ...... 10

2.2 Estória: Composição ...... 16

2.3 Experiência Temporal ...... 20

2.3.1 Little Misfortune ...... 21

1.4 Storytelling ...... 24

1.4.1 Storytelling Transmídia ...... 26

3 RECURSOS GERADORES DA PRÓPRIA DECISÃO (NARRATIVA, ESCOLHA E PRODUTOS MIDIÁTICOS) ...... 28

3.1 Influência Musical na Narrativa...... 28

3.2 A Jornada do Herói ...... 30

3.3 Conexão Humana-Virtual ...... 44

3.4 Poder de Decisão em Outras Mídias ...... 46

3.4.1 Poder de Decisão na TV ...... 47

4 IMERSÃO, ESCOLHA E DECISÃO: COMO FUNCIONA NOS GAMES (DECISÃO, NARRATIVA E JOGOS ELETRÔNICOS) ...... 50

4.1 Imersão: Rusty Lake e Little Misfortune ...... 50

4.2 Escolha: Life is Strange; Little Misfortune e Gris ...... 56

4.3 Decisão: Black Mirror:Bandersnatch e Little Misfortune ...... 60

4.4 Estão Imersos? ...... 66

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 68

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 70 8

1 INTRODUÇÃO

Na atual década (2010), o mercado tecnológico tornou-se uma necessidade humana, tendo em vista os avanços elaborados por ele como: soluções médicas, praticidades no dia-a- dia, desenvolvimento do espaço web, que fizeram com que a vida mundana se estendesse em dois patamares, aquele que é restrito a necessidades comuns, como comer, respirar e se comunicar e ao mundo corporativo e social presente no ambiente virtual, que é chamado de Internet. Os jogos eletrônicos participam desse campo estrutural, sendo um elemento do universo virtual, e por este motivo, se desenvolveram com a mesma intensidade aos demais avanços tecnológicos. Eles já existem a décadas, e foram sendo aprimorados conforme os recursos e as necessidades humanas. O Atari, um dos primeiros consoles, permitiram a percepção de um jogo como um produto da mídia, assim como a televisão e o computador, que a priori, foi elaborado para tratar-se de um instrumento de trabalho e reinventado ao decorrer da necessidade dos indivíduos. Em 2019, os jogos possuem diversas estruturas, que majoritariamente, são baseadas nas narrativas, que são um instrumento relevante para o estudo da imersão, visto que, pode ser tratado como um estado de transmissão de um espaço para o outro. A diversidade gráfica e da jogabilidade ampliam o campo do poder de decisão, permitindo maiores possibilidades de inclusão das atividades dos jogadores. Nesta monografia será encontrado a análise do campo da narrativa, a experiência temporal, os componentes necessários para a criação de uma narrativa, sua forma de análise, o poder de decisão e a imersão presente no campo dos jogos eletrônicos e da narrativa. Logo, seguindo uma lógica que visa contemplar desde o inicio de sua construção até a exemplificação do seu uso no campo dos games. O primeiro capítulo abordará a analise estrutural, contemplando as etapas e formas em que a narrativa é elaborada dentro do seu campo comum e temporal, tendo com base os autores Barthes; Propp; Saussure; Mckee e Ricoeur, que demonstraram as possíveis formas de análise e de que forma elas são utilizadas, por meio de exemplos cotidianos e por meio do jogo Little Misfortune. O segundo capítulo adentrará no campo dos recurso, que são utilizados para a elaboração da narrativa, observando e adentrando na narrativa dos jogos eletrônicos, e como elas são um 9

elemento primordial e permitem pertencer a uma narrativa, assim como o jogador físico. Para a bordar esta temática foram utilizados os autores como Campbell, Audi e Levy, para acompanhar um raciocínio lógico seguindo pela narrativa, influência musical, conexão humana com o virtual e o ciberespaço. No terceiro e último capítulo, será submergido por meio dos autores principais já citados que guiaram a análise para o campo do estudo dos objetos, sendo eles os jogos eletrônicos Little Misfortune, Rusty Lake/Cube Escape, Life is Strange, Gris e a o capítulo Bandersnatch da série Black Mirror, visando compreender a jogabilidade não apenas no campo do console, mobile ou PC, mas em outros meios e veículos, tratando-se de uma comparação, além da compreensão da imersão inclusa neste campo por meio do poder de decisão e oportunidade de escolhas. Por fim, é importante ressaltar, que todo o conteúdo visa comtemplar a imersão e o meio narrativo, como objeto principal da indústria dos games, podendo visualizar uma linha tênue entre o real e o ficcional, virtual e o mundo real, debatendo por meio das alternativas exemplificadas a compreensão do universo virtual, e a relação humana com todo esse bombardeio informacional e inclusivo.

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2 OS PRINCÍPIOS DA NARRATIVA A narrativa é uma estrutura antiga que formaliza o ato de relatar histórias vivenciadas pelos seres humanos. É a forma no qual encontraram para manter a sua existência, transmitindo para as próximas gerações os legados conquistados. O mesmo equivale para os mitos, que por mais que não sejam reais, e por isso o tornam mitos, compõem uma estrutura social e cultural, formando religiões e nações. Neste primeiro capítulo será explicitado os caminhos em que a narrativa percorre e se estrutura, contando desde seus primeiros estudos até os conceitos mais contemporâneos no ano atual em que essa monografia é escrita.

2.1 Estruturação da Narrativa Sabe-se que a narrativa faz parte da construção de diálogos entre os seres humanos. Isso permite com que os indivíduos formalizem estórias e exemplifique histórias, por meio de grandes frases. Esse fato relatado faz parte de uma estrutura linguística, na qual apenas as frases são realmente previsíveis perante a língua (BARTHES, GREIMAS, et al., p. 22). Após sua multiplicação, se forma o diálogo, e seu desenvolvimento se torna imprevisível, fazendo com que a narrativa seja um objeto único e pessoal. O estudo dessa estrutura linguística, ou melhor, o debate, se deu a partir de Aristóteles, quando o filósofo destaca que faz parte da natureza humana a imitação, como uma fonte de prazer, sendo a poesia uma forma de exemplificação desta realidade. Como no exemplo do ditado “a arte imitando a vida” pois, seria a partir deste princípio que nasce as estruturas artística das estórias: quanto mais simples e puras, mais atraentes são. E é por isso que o ser humano se difere dos demais seres vivos, sua capacidade e atração pela imitação permite o ato da aprendizagem, por meio daquilo que é semelhante a ele ou não. (CHAGAS, 2013, p. 65-68) A narratologia é o estudo da narrativa, que inicia a partir da poética de Aristóteles, 335 a.C. A imersão da análise contida nesse texto faz com que este seja um ponto de referência ainda na contemporaneidade (VIEIRA, 2001). Vladimir Propp (1983 apud VIEIRA, 2001) retomou o estudo da problemática da narrativa, e por meio desses dados, conseguiu concluir que os contos possuem a mesma triagem de fatos, porém, com mudanças nos seus cenários e personagens, mantendo o princípio histórico. A capacidade narrativa é imanente dos seres humanos (XAVIER, 2003). Historicamente falando, a narrativa forma a existência humana, de todos os âmbitos, construído e destruindo nações, formando pensamentos e reformulando outros. Ela não está apenas ligada à sua forma escrita, mas também a falada e vista. Por isso, a mesma existe desde a pré-história. Isso indica 11

uma dependência humana por essa esfera, e uma busca de constante aprimoração para todos os meios possíveis. As histórias, estórias, contos, narrativas são constituídas por seu local natal, ou seja, fatores sociais, regionais, históricos e culturais, determinam a direção em que essas narrativas serão estruturadas. Por isso, a narrativa não seria uma ciência exata. Por mais que as palavras possuam seus significados e sigam um sentido lógico numa frase, tratando-se de composições que expressam também fatores psicológicos, aquilo que seria exato pode parecer subjetivo na narrativa. Para a narrativa ser mais bem compreendida e estudada, são necessários alguns passos para melhorar a visualização da obra como um todo, por isso Roland Barthes (BARTHES, GREIMAS, et al., 2011) relata duas perspectivas, baseada em dois autores Propp e Bremond, que, em tese, são complementares, para formar estruturas de análise: I. Funções (Propp) Trata-se da divisão das unidades da narrativa, a partir do princípio do caráter funcional dos segmentos da história, formando “a função”, que é a alma da narrativa, pois ela permitirá com que no futuro haja um desenvolvimento. Sendo assim, a narrativa se compõe por meio de diversos graus de significados, até os que em teoria, são considerados menos notáveis. Na função é tudo ou nada, e o tudo e o nada também possuem significados, e são de suma importância. Por esse fator, o autor expressa que: “Poder-se-ia dizer de uma outra maneira que a arte não conhece o ruído (no sentido informacional da palavra) é um sistema puro [...]”, por maior que sejam os números das unidades, nenhuma delas está perdida e todas ajudam a ligar a trama ao seu contexto central, ou não. As funções não estão ligadas diretamente ligadas a uma questão artística, porém a uma questão lógica, por ser um elemento que compõe uma parte da estrutura narrativa. Pode-se dizer que a mesma é uma unidade de conteúdo, por “classificar” “o que quer dizer”, podendo indicar uma unidade funcional, como por exemplo: João avista um jovem que possui aparentemente dezenove anos. Nesta frase, há duas funções, uma delas é a idade de um jovem, no qual, tem nula importância na trama, como um dado bônus; a segunda é o fato de João avistar alguém que, a princípio, não faz parte da sua história, por isso surge a urgência do ator de identificação. Importante ressaltar que, para a análise das primeiras unidades narrativas, é necessário focar no caráter funcional dos segmentos que se examina, evitando vinculá-los ao discurso narrativo (cenas, ações, diálogos, parágrafos, monólogos interiores, etc.) ou as classes 12

psicológicas (sentimentos, condutas, motivações, intenções, realizações, etc.), pois elas ultrapassam o discurso, sendo assim, não pertencem a frase, mas o nível de denotação ao qual, como frase, pertencem. II. Índices (Bremond) Nas unidades funcionais é necessário haver sua repartição em pequenos fragmentos das mesmas, para que não haja a necessidade de recorrer para substâncias do conteúdo da narrativa, como por exemplo, os romances psicológicos1. Para isso, há índices, que são características que dão estrutura aos significados centrais da narrativa, como: personagens, informações relativas à sua identidade, estrutura da atmosfera. Logo, dando significado para os elementos utilizados na trama narrada. Os índices são provocativos, do ponto de vista do leitor, pois, por meio deles que consegue visualizar toda a estrutura de pertencimento da história, deixando seu imaginário e sua experiência influenciar e estar inserido na narrativa. De acordo com esses fatos, o autor explica que: “as Funções implicam relatos metonímicos, os Índices relatos metafóricos; uns correspondem a uma funcionalidade do fazer, as outras a uma funcionalidade do ser”. Sendo assim, essas duas unidades já permitem uma certa classificação das narrativas. Os contos populares correspondem a narrativas fortemente funcionais (as funções), já os romances, são indiciais (os índices). Dentro desse cenário, possui algo que o autor chama de função cardinal, são catálises, ou seja, elementos dentro das unidades que compõem como um complemento da ação, como o exemplo: “João brinca com o seu carrinho” dentro desse contexto, que teoricamente deveria ser objetivo, há vários elementos (que chamaremos de catálises) até a ação final ser concedida, como: “João anda até a cozinha, pede ao seu pai se pode brincar, e com a sua permissão, conduz- se até seu quarto”, e só após essa ação ele brinca com o seu carrinho. Diferente das funções, as catálises são unidades consecutivas, e as funções consecutivas e consequentes. As catálises podem parecer ações inúteis ao contexto narrativo, como filler 2. Entretanto, não são, pois, independentemente de serem o meio de uma ação que possuem início e fim, sua funcionalidade é baixa, mas não nula. Como dado no exemplo anterior, se João não pedisse ao seu pai permissão para brincar, o mesmo poderia ficar de castigo, como por exemplo. Desta forma, as catálises podem, dentro do discurso, acelerar, retardar, avançar, resumir e até mesmo

1 Romances Psicológicos são um estilo narrativo no qual os pensamentos dos personagens são um fator trivial e básico para a narrativa dessa estória. 2 Filler é uma palavra de origem americana utilizada para definir episódios de animes que não possuem nenhuma influência sobre o contexto da história central, apenas um complemento extra. 13

desorientar, provocando assim a tensão semântica do discurso, mantendo a conexão entre narrador e narratário. Importante ressaltar, que as catálises também servem como notação de um fator determinante de características da narrativa, como uma personalidade, ou época vivida. Se, por exemplo, digamos que “João jogou o seu brinquedo no chão”, isso correlaciona a ação a personalidade de João. Portanto, reforça a ideia de necessidade da existência de catálises perante a narrativa. Compondo essa parte acional da narrativa, a sequência, citada por Propp (1983 apud BARTHES, GREIMAS, et al., 2011), é um conjunto de ações que proporcionam riscos a narrativas, independentemente de sua imersão, como o explica e exemplifica o autor “sequência a série lógica dos pequenos atos que compõem o oferecimento de um cigarro (oferecer, aceitar, acender, fumar)”. Mesmo com essa lógica, há uma liberdade no que pode ocorrer dentro dessas ações, uma bifurcação, podendo o ator recusar o cigarro, por exemplo. Por conseguinte, a sequência pode ser uma unidade lógica ameaçada de com o decorrer do discurso, portanto, forma-se uma nova unidade. Ao falar de índices, sequências e ações, todos os exemplos citados contemplam personagens, que nada mais são elementos que dão “vida” as ações, como relata a ideia aristotélica, que ao expor sobre personagens, classifica-os como secundários as ações, argumentando da seguinte forma: “pode haver fábulas sem “caracteres”, mas não existiam caracteres sem fábula”. Caracteres são justamente essas ações elaboradas por personagens, como as catálises citadas anteriormente. Até então, eles eram apenas agentes da ação, nada além disso. Após o período dos teóricos clássicos, que os “agentes” são reconhecidos como uma essência da narrativa, um “ser” plenamente constituído, fazendo parte do seu estudo estrutural, ressalva o autor (BARTHES, GREIMAS, et al., 2011, p. 43-44). Decorrente disto, a análise textual preocupou-se em não fazer desses personagens um ser propriamente dito, como um objeto psicológico, mas buscou vê-lo como um “ser” participante do contexto. Sendo assim, cada personagem, independentemente de sua história, é o protagonista/herói de sua própria sequência idealizando suas ações. Por isso A.J Greimas (BARTHES, GREIMAS, et al., 2011) propõem que a análise parta de suas ações, não do que propriamente corresponde ser o personagem. Antes de adentrarmos o campo da narração em si, importante ressaltar sobre os signos. Para isso, é necessário compreender sua origem: 14

Para Charles Sanders Peirce (2000), a semiótica é constituída em três níveis: o sintático, o semântico e o pragmático. O primeiro revela a relação que o signo tem com o seu interpretante, o segundo diz respeito à relação existente entre o signo e o seu referente (objeto) e o último se importa com a relação do signo com ele mesmo e com outros signos. (SILVA)

Os signos são tudo aquilo que nos permite se comunicar. De acordo com Saussure (SAUSSURE, 2001), o signo linguístico é a combinação entre conceito e imagem acústica3. Para haver uma melhor clareza de entendimento, o autor trocou a palavra conceito para significado e imagem acústica para significante. Ou seja, significado é a forma material visualizada no imaginário do indivíduo, e o significante a representação sonora e exposicional do objeto em que o indivíduo deseja expressar. De forma explicativa, a palavra sapo, sua forma sonora e escrita é o significante, e o significado, o ser sapo. A construção da narrativa, como um objeto, é uma forma de comunicação pois, há um “doador da narrativa” e um “destinatário da narrativa”. Isso ocorre, porque narrar é um ato de relatar algo para alguém. Os signos dos narradores são mais evidentes à primeira vista que dos leitores, pois, quem elabora, permite em sua imersão dar significado a suas idealizações. Os signos dos leitores entram em contato com a narração, como de romances em primeira pessoa, por exemplo, e assim, conseguem ser quem o autor foi/é, inserindo-se no contexto por meio dos signos expressos pelo autor. Segundo o autor, o doador da narrativa possui três concepções plausíveis para sua definição, sendo elas: I. A narrativa é composta por uma pessoa, que insere sua personalidade e a arte de ser dentro do contexto narrativo, esse é o autor; II. Esta concepção considera o autor como uma consciência viva dentro da narrativa pois, só ele sabe o que realmente é capaz de definir os sentimentos, cenários, concepções e tudo que engloba o contexto da narração, como uma espécie de Deus. Ao mesmo tempo que ele é o interior, também é o exterior por não ser identificar com apenas um personagem, mas faz parte de todos eles. III. A última concepção, que é a mais recente (Henry James, Sartre), diz a respeito de o narrador limitar a sua narrativa aos que podem observar ou saber dos personagens.

Essas três perspectivas, veem do narrador e os personagens como pessoas vivas. O narrador (autor da obra) mesmo sendo material, não é necessariamente um elemento trivial da

3 Imagem Acústica é um conceito do método semiótico, que não é caracterizado por sua natureza material, mas por sua expressão sonora. (SAUSSURE, 2001) 15

narrativa. Ele proporciona ao leitor seus signos, que são pessoais e impessoais. Sendo assim, a figura do narrador não deve ser imposta na sua narração, para que o leitor seja um elemento, que busca compreender e associar seus signos aos signos da leitura, proporcionados pelo autor. Importante ressaltar que a narrativa, propriamente dita, possui dois sistemas de signos, sendo eles: pessoal e apessoal. Pessoal é aquele que diz a respeito da pessoa, o eu. Já o apessoal, diz a respeito ao ele, que não é a pessoa. O modo apessoal é o mais utilizado nas narrativas, por estar ligado a demonstração do “alguém”, como exemplifica o autor: “Seus olhos azuis(pessoal), cinza-azulados(apessoal), estavam fixados sobre os de Du Pont, que não sabia qual postura tomar(pessoal), pois este olhar fixo comportava um misto de candura, de ironia, e de autodecepção (apessoal).

O nível narracional é aquele que se ocupa com os signos da narrativa, sendo assim, o conjunto dos operadores que reintegram funções e ações na comunicação narrativa, dentro do contexto doador e destinatário. Nas literaturas orais, algumas delas, possuem o código de recitação, que é uma fórmula métrica e protocolos de apresentação, sendo esse autor não vinculado ao que escreve as mais belas histórias, mas o que possui o melhor domínio dos códigos. Nesta literatura o nível narracional é evidente. As literaturas escritas possuem, desde muito cedo formas de discurso, que são de fato, signos da narratividade, sendo classificadas de acordo com a intervenção do autor narracional, sendo necessária a compreensão que a escritura desse conjunto tem o papel de mostrar a narrativa, e não transmiti-la. (BARTHES, GREIMAS, et al., 2011) Umas das últimas categorias citadas pelo autor (Roland Barthes), dentro do estudo da estruturação da narrativa são as mimeses e a significação. Brevemente abordando esse tema, que é complexo e extenso, perante aos estudos dos filósofos, Platão e Aristóteles (BARTHES, 2011, p. 47 in BARTHES, GREIMAS,et al., 2011), mimese ou mimesis, é a imitação, o seu ato de copiar o que é natural perante a realidade. Acreditava-se que as poéticas gregas imitavam as ações cotidianas, se apropriando do que é real e enfatizando para sair do senso comum, sendo assim, deixando de ser história para ser estória. Barthes (2011 in BARTHES, GREIMAS, et al., 2011) cita que: “a função da narrativa não é de “representar”, é de constituir um espetáculo que permanece ainda para nós muito enigmático”, deste ponto de vista, nota-se que a mimese é um dos pontos centrais que se leva em consideração na produção de uma narrativa. Além disso, compõe apenas um fragmento de todo o contexto, por se tratar de uma categoria e uma junção da realidade com a imaginação. Dito isso, o próximo capítulo abordará sobre esses fatores formulados por estórias, salientando seus princípios e composições.

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2.2 Estória: Composição Estória e história são dois princípios de classificação de estilos narrativos. Ambas são semelhantes de acordo com suas bases. A Estória diz a respeito de uma narrativa estruturada na ficção, construindo-se por meio de fatos imaginários, como revela sua etimologia, imagens que vão além da realidade. A História (termo popularmente conhecido) baseia-se em fatos reais, relatos exemplificados por pessoas reais, ou vivências. (MCKEE, 2006)

Os contos, exemplificam bem esses dois universos, em geral, são mais breves que uma narrativa, e costumam relatar um fato hiperbolizado (exagerado), como contos folclóricos. Mesmo sem uma comprovação científica dos fatos relatados nessa categoria de histórias/estórias, o fato que as determinam “reais” são as influências humanas, a respeito do relato feito. O que as tornam também estórias é a exorbitância de funções adicionais, utilizadas como forma de atração.

A estória possui várias vertentes e perspectivas. Ao assistir um filme, por exemplo, recebe-se os signos do autor e associa-se aos signos pessoais (do eu). Quando uma pessoa pergunta qual é a temática do filme, a narração dessa estória partirá da concepção do narrador, que contará de acordo, como aborda Robert (MCKEE, 2006), com a sua estória de vida, que difere da estória contada. Isso não determina, o eu, como um mentiroso, pois, todos os relatos são verdadeiros, porém, classifica-o como imitador, por relatar a estória vivida (“realidade”). O autor de uma estória, necessita filtrar da estória de vida, todos os elementos necessários para a formação de sua trama, pois, o mundo ficcional não são sonhos vivos, mas um reservatório onde busca-se materiais para costurar um filme. Cada autor buscará os seus elementos, como ações conflitos personagens, mas jamais apenas um desses em sua individualidade construirá uma estória. Perante a isso, o autor dessa literatura, visa dividir e classificar os elementos compositores de uma estória, para maior compreensão destes fatos. I. Estrutura Explica o autor: “A estrutura é a seleção de eventos da estória da vida dos personagens, composta em uma sequência estratégica para estimular emoções específicas, e para expressar um ponto de vista específico”. (MCKEE, 2006, p. 44)

Dada classificação é clara para demonstrar que um filme, como por exemplo. Não se trata de um emaranhado de conflitos, atividades, personalidades ou emoções. A busca do autor 17

está dentro da necessidade de ir ao encontro de um evento, que irá compor sua estória de vida com a estória narrada. Ademais, esse filtro utilizado para a composição desta narrativa, dependerá de perguntas e respostas, “eventos compostos para fazer o quê?”. Assim, tornara-se em vão, por exemplo uma proposta de expressão de sentimentos que, elaborada e sugerida pelo autor, não despertasse emoções nos destinatários. Ou, propor expressar suas ideias, não sofrendo solipsismo caso os destinatários não consigam seguir esta narrativa. II. Eventos Descreve o autor: “Um evento da estória cria uma mudança significativa na situação da vida de um personagem que é expressa e experimentada em termos de valor”. Trata-se de ações, que possuem influência direta na narrativa, supondo que “Maria” vai ao centro comprar flores, e ao retornar encontra sua casa inteiramente quebrada, quando durante esse tempo, aconteceu um evento que foi a destruição da casa, por N motivos. III. Valores Um evento só possui significado quando é aplicado a ele valores, que não estão ligados a nada moral, mas ao sentido mais amplo desta palavra. Quando falamos de valores, estamos relatando sobre a alma do narrador, pois determinará as qualidades universais da experiência humana, podendo mudar a trama da água para o vinho, ou vice e versa, isso a cada estante. Como o exemplo dos polos: amor ou ódio, vivo ou morto, força e fraqueza, etc. Em geral, quando estruturados, começam pelo polo negativo e ao decorrer desenvolvem o polo positivo. Porém, mesmo com a atração elaborada, esse fator não é determinante para a apreensão do interesse do outro lado. Para a ocorrência disto, criam-se conflitos, e desta forma são vivenciados os momentos. É evidente em contos heroicos, onde o ator (herói) possui um objetivo, e ao decorrer uma questão torna mais difícil a chegada. Como por exemplo: Moisés (herói) deseja libertar os hebreus (objetivo), porém para isso necessita derrotar Ramsés II (anti- herói), que é quem escraviza os hebreus(conflito). E tudo isso é um evento. IV. Cena A cena é uma ação com um conflito, que ocorre mais ou menos em continuidade, transformando as condições de vida do personagem em ao menos um valor, claramente perceptível. Nesta estruturação é necessária que toda cena seja um evento da estória. Quando se estuda uma narrativa, visando compreender a carga do valor da cena, analisa-se o seu início e o seu final, se a resposta de ambos são as mesmas, sem haver um positivo ou um negativo (ou até ambos), o valor dessa cena não se modifica, não existindo um evento. 18

Um dos princípios carregados por esse conceito é sempre, ou em sua maioria, haver uma transição de positivo para negativo, ou negativo para positivo. Com esse fato se finaliza e inicia uma cena, como citado em oposição, anteriormente. Independentemente da temática abordada, é necessário sempre haver um valor verdadeiro, que estruture o evento, caso contrário, essa questão é nula em uma narrativa. Com o exemplo a seguir do autor nota-se está necessidade. Chris e Andy estão apaixonados e vivem juntos. Numa manhã eles acordam e começam a brigar. A discussão cresce na cozinha enquanto eles se apressam para fazer o café. Na garagem, a briga piora enquanto os dois entram no carro para irem juntos ao trabalho. Finalmente, palavras viram violência na estrada. Andy para o carro no acostamento e pula fora, acabando com o relacionamento. Essa série de ações e locações cria uma cena: ela leva o casal do positivo (se amam, juntos) ao negativo (se odeiam, separados). (MCKEE, 2006, p. 47)

Como pode-se observar no exemplo do autor, há ao decorrer dessa estória a transição entre quatro lugares (quarto, cozinha, garagem e estrada), não se considera cena essas transições, são vistas, em geral, como posições de câmera. Esses lugares, não influenciam nos valores em questão, apenas intensificam o comportamento e direcionam o momento crítico (positivo ao negativo). Ao sair do carro, e terminar o relacionamento, Andy executa uma ação, e tudo que antes era uma atividade torna-se uma ação, transformando esse “rascunho” em uma cena, um Evento da Estória. V. Beat Beat é o menor elemento dentro de uma estrutura, significa uma mudança de comportamento que ocorre de acordo com uma ação e reação, um comportamento que pode moldar a virada da cena. Continuando a utilizar o exemplo anterior, supondo que Andy estivesse provocando Chris, que corresponde a provocação (no quarto), ao chegar a cozinha, Chris cita que “seria impossível Andy sobreviver sem ele”, entendendo seu deboche, Andy responde da mesma forma, como fosse um privilégio viver sem ele. Na garagem, Chris tem medo de perdê- la, e implora para que continuem o seu relacionamento, e assim por diante. Esta cena citada anteriormente possui três beats, três comportamentos totalmente diferentes, uma clara troca de “brincadeiras”, que ao decorrer da cena se tornam ofensas, indicando ações e reações dos atores. Supondo que haja uma cena final, no qual, Andy termine o relacionamento, o ponto de virada seria exatamente essa ação, o ato do termino, correlacionado com a complexidade perturbativa de Chris. VI. Sequência As sequências são um conjunto de cenas, em geral, duas a cinco cenas, que formam um bloco maior de impacto sobre a narrativa como um todo. Os beats são um fragmento das cenas, já as sequências possuem como fragmentos as cenas (do ponto de vista sequencial: beats < 19

cenas < sequências). Comumente que as sequências têm como essência possuírem maior impacto que qualquer cena que a antecede. VII. Ato O ato é o conjunto de sequências, que transforma a carga de valores das condições de vida dos personagens, logo, sendo a última etapa fragmentada, antes da própria estória em si. Trata-se de uma cena climática, onde há mudanças significativa na vida dos personagens, tendo o clímax presente em sua composição, podendo-se causar uma grande reversão dos valores. O mais poderoso impacto dentro da narrativa. VIII. Estória Por fim, a última etapa que compõe a base de uma estrutura narrativa (dentro do campo ficcional) é a estória, que contempla a junção de diversos atos, consequentemente, possui também todos os outros campos citados anteriormente. Sendo de fato, a conexão de todo o desenvolvimento, e proporcionando narratário, a decisão final da narrativa. Dentro desse contexto, o clímax da estória trata-se desse ponto final, é o momento em que tudo pode mudar, mas, após dito, nada mais é modificável. Como por exemplo, em um jogo onde necessita-se fazer escolhas, o jogador compreenderá os valores, decorrerá as cenas, passará pelas sequências, chegará aos atos, e a junção de todas essas decisões tomadas ao decorrer dessa narrativa levara-lo para uma escolha final, que, em geral, estará entre duas decisões, isso se chama o clímax da estória, é a escolha dessas opções o levará ao desfecho final e decisivo. Como base inicial para a compreensão da Estória, os tópicos explicitados anteriormente conduzem o início de um estudo analítico sobre a narração, em especial de histórias ficcionais, das quais carregam o tema central dessa pesquisa. O sistema lógico demonstra que toda estória, tendo ela como base uma estrutura real, ou não, há fatos, escolhas e opções durante toda a narrativa, e sua formação dependerá de um sistema que deverá ser mantido para guiar o narratário. Dentro desse campo, posteriormente, será possível compreender as decisões que são tomadas por jogadores da categoria adventure4. Tendo em mente esse fato, como citado anteriormente, esses estudos tratam-se de um estudo analítico, utilizando o ângulo do autor como guia. Por isso, não é possível compreender percepções humanas, como o tempo. Independentemente do que é posto, cada narratário interpretará, com os seus signos, a forma na qual essa leitura se conduzirá em sua mente.

4 Adventure é a categoria dos jogos de aventura, e que englobam, em sua maioria, os jogos narrados (contam alguma história). 20

Logicamente, não há um descarte de informações, mas, complementos de dados, compreendendo a narração como um todo.

2.3 Experiência Temporal Dentro do campo da narrativa há diversos sistemas temporais. Há aqueles que são de domínio do autor, outros do leitor, e aqueles que pertence aos personagens. O tempo, neste âmbito, é tratado como algo fictício por sua composição não possuí um controle, não se tratando de algo com os relógios, mas sim, como uma experiência contemplada por partes humanas. A priori, as narrativas dentro do campo temporal são intrínsecas, porém, existe um sistema, como pudemos ver no capítulo anterior, que faz com que se siga uma lógica, que acompanhe o tempo narrado. De acordo com Ricoeur (RICOEUR, 1913), a análise do tempo, deu-se a partir da compreensão do leitor como um participante da história. Há um confronto entre estrutura da narrativa e o tempo no qual ela pertence, pois, mesmo sendo parte de uma mesma organização, o não domínio de uma das partes, o tempo. Uma obra possui “janelas”, algumas delas são abertas, deixando a interpretação ao leitor, como novelas sem finais, onde nunca saberemos quem matou quem, e outras fechadas, onde todos os atos são fechados, sem ficar sugestivo aos leitores a compreensão de outros âmbitos que poderiam decorrer na estória. Essa experiência fictícia temporal, na qual estamos tratando aqui, nada mais é que que uma experiência virtual proporcionada pelo texto. Trata-se do feixe que liga a experiência desenvolvida pelo texto, logo, neste momento, pelo autor (posteriormente veremos a inclusão do narrador nesse espaço de experiência), e aquela que é vivida pelo leitor. Logo, há uma coexistência dente a realidade humana (me refiro aos signos pessoais), as experiências do ser, e os significados textuais, que além dos signos linguísticos, possuem os signos do autor e do possível narrador e seus personagens. A questão temporal é debatida a diversos anos, por diversos filósofos e cientistas. Os indivíduos costumam mensurar o tempo, em geral, por meio dos astros. A determinação do dia, das horas, dos anos, dos segundos, para parte dos estudos astrológicos, em sua maioria, o nascer e o pôr do sol, determinam todos os demais cálculos do tempo. Isso tudo se deriva do movimento, o movimento no qual o sol, a lua e os astros fazem, o que permite a formulação do cálculo do movimento, sendo assim utilizados como fatores determinantes (RICOEUR, 1913). A suposta exatidão do tempo existe no tempo humano, que é o que medimos por segundos, horas, anos ou séculos. Essa forma de calcular o tempo é feita para uso cotidiano, para poder datar momentos, dados, formular histórias (que relembrando, são feitas de dados 21

reais), sendo assim, é como um dado matemático. Dentro da narrativa, essa contagem de tempo se mostrar para contextualizar momentos históricos, como um livro que conta uma estória vívida na Antiga China, por exemplo, a localização marca o tempo em que a estória está pertencendo. Dentro da ficção, podem haver dois tipos de narrativas, a que levará o leitor a uma história que é pertencente de um contexto real, e que será pertencente a um mundo ficcional, como Star Wars. Para entender esse campo do tempo, de acordo com suas nomenclaturas, Little Misfortune5 é apresentado para contar a breve estória dessa narrativa de jogos eletrônicos.

2.3.1 Little Misfortune6

Figura 1 – Imagem de divulgação do game Little Misfortune

Fonte: Página GOG de venda do game7

Antes da análise, é importante ressaltar que, há dois níveis de compreensão do estudo do tempo de uma narrativa, sendo eles: I) concentrando-se na configuração da obra em si; II) interesse concentrado na visão de mundo e sobre a experiência temporal que essa configuração da narrativa eleva para fora de si (RICOEUR, 1913). No caso de Little Misfortune a narração é

5 Little Misfortune é um (jogos de aventuras onde o jogador desenvolve a sua estória de acordo com as suas decisões), desenvolvido pela produtora independente Killmonday games. 6 Neste item do trabalho é possível encontrar informações sobre a narrativa do jogo que podem caracterizar spoiler. 7 Disponível em: < https://www.gog.com/game/little_misfortune>. Acesso em: 21 ago. 2019 22

feita por um personagem, que é o antagonista da história. Até preceder o momento final da narrativa, o narrador não possui face, sendo o encerramento o momento no qual sua forma física é exibida. Little Misfortune (Figura 1) é um adventure game que se passa em um universo fictício com base estrutural em casos cotidianos. Misfortune é uma jovem menina “levemente azarada”, que mora com seus pais, em um bairro longe da cidade grande. Ela possui diversos problemas familiares, com um pai ausente, que costuma agredir sua mãe e uma mãe alcoólatra e fumante, decorrente de seus problemas com o marido. Mesmo fazendo parte dessas circunstâncias, Misfortune, é uma criança alegre e feliz. A narrativa trata de uma temática complexa e densa, entretanto, a forma na qual a personagem principal guia a sua vida, torna a estória leve e interessante. O ato central (e que guia toda a narrativa) começa quando Morgo (antagonista e narrador) faz uma oferta a Misfortune, oferecendo-a a “felicidade eterna”. Ela, por possuir problemas familiares, decide aceitar para dar a sua mãe, pois seu desejo é vê-la feliz. Visando esse fato, a estória começa a decorrer, fazendo com que a protagonista siga tudo o que o narrador mandar até a “felicidade eterna”, lembrando que o narrador é uma voz em sua cabeça. Entretanto, as escolhas (Figura 2) ficam a cargo do leitor, ou melhor, do jogador, que possui o poder de decidir e sofrer as consequências desses atos posteriormente, havendo sempre duas opções.

Figura 2 – Escolhas dentro da narrativa de Little Misfortune

Fonte: Imagem retirada do jogo Little Misfortune8

8 Printscreen efetuado na plataforma do jogo Little Misfortune 23

Com a proposta aceita, Misfortune cumpre o primeiro pedido de Morgo que é sair de sua casa. Importante ressaltar que ao percorrer o caminho para a saída, mais especificamente a sua cozinha, que é o último cômodo antes de sair de sua casa, e o único em qual há um registro do tempo cronológico9 marcado pelo relógio, que informa aproximadamente três horas da tarde, e do calendário, indicando o dia, 11 de outubro. Por meio dessa marcação temporal, que ao final da estória se compreende como tempo monumental, são distinguidas as pessoas e objetos presentes no tempo cronológico do jogo. Saindo de sua casa, Misfortune precisa atravessar a rua para continuar sua trajetória em busca do seu objetivo, e logicamente, ordenada por Morgo, o narrador, efetua a ação. Neste momento a estória entra em seu tempo monumental que será marcado por Morgo e Benjamin por uma disputa para possuir Misfortune. A mesma narrativa será observada de três perspectivas, a partir Misfortune que busca a “felicidade eterna”; de Morgo, que visa usar a alma da menina para se fortalecer e utilizá-la como instrumento; e de Benjamin, que busca salvar a alma de Misfortune e ajudá-la a não ser corrompida por Morgo. Neste momento da narrativa a protagonista falece, decorrente de um atropelamento, justamente no momento em que atravessa a rua, onde o narrador afirma que após essa decisão ela não terá como volta atrás. Essa informação só é descoberta ao final do jogo, quando a personagem vê seu próprio corpo coberto no chão, enquanto sua mãe chora ao relatar o ocorrido ao policial. Entretanto, a estória monumental ocorre no intervalo do início da trajetória da personagem (no ato de atravessar a rua) e pós o seu retorno a casa e a descoberta de sua morte. Nesta interseção, Misfortune percorre o universo de disputa, onde Morgo a comanda e lhe dá opções para trilhar o seu caminho, enfatizando que qualquer que seja a alternativa escolhida, o final é sempre o mesmo. O clímax é dividido em dois momentos: quando a personagem começa a ver Benjamin deixando diversos recados pelo caminho, avisando que o verdadeiro inimigo é o narrador, e quando Misfortune começa a ver os fantasmas de crianças desaparecidas, crianças estas que Morgo já possuiu as almas. Durante toda a narrativa, nota-se que Misfortune não é uma criança qualquer por meio de diversos detalhes, como: todas as demais crianças desapareceram, enquanto a personagem principal falece; Morgo afirma a todo momento que ela é uma criança especial; Ela é a única que consegue ver Benjamin, isso fica claro quando ele escreve em seu diário descobertas para impedir Morgo; Misfortune mesmo morta consegue ter breves contatos com o seu mundo físico.

9 Tempo Cronológico é marcado por relógios, datas, ou quaisquer fundamentos que mensure o que se considera tempo real. (RICOEUR, 1913) 24

Isso permite identificar a narrativa do herói e a disputa de poder presente na estória monumental. Como explicita Ricoeur, ao relatar o exemplo da narrativa da história Mrs. Dalloway, “Por sua vez, essa história monumental secreta aquilo que eu ousaria chamar de um tempo monumental , do qual o tempo cronológico não passa da expressão audível; a esse tempo monumental pertencem as figuras de Autoridade e de Poder que constituem o polo contrário do tempo vivo.” (RICOEUR, 1913, p. 190). Tendo isso em evidência, há cenas em que a disputa é clara, desviando a noção temporal do leitor/ jogador, como na cena em que Misfortune caminha pela floresta, e encontra em seu caminho Benjamin desenhando runas no chão, e o narrador incentiva a personagem a atacá-lo, pois a garante que o herói é “do mal”, enquanto Benjamin está lutando para protegê-la, sendo essa a função das runas. Há diversos momentos de conflitos durante a estória monumental, o que reafirma a questão do tempo imensurável, por está parado em um momento conflitoso que só possui uma solução no final do ato central, como num movimento repetitivo de conflitos e soluções. O tempo como fórmula estrutural do jogo não pertence a nenhum dos personagens centrais, como Misfortune, Morgo e Benjamin, mas ao leitor/jogador, pois é quem guia a estória, vive-a e interage de acordo com o seu tempo. Logo, a estrutura temporal é formada pelo autor de forma de guiar o leitor, entretanto, este leitor seria quem vai formar a sua apreciação temporal. Até o momento, foi citado a formulação na narrativa, elementos estruturais que sevem como guia de criação ou como base de guia para análise, tanto para o autor, quanto para o leitor. A partir de agora a compreensão do Storytelling permitirá o entendimento sobre técnicas e estruturas narrativas que amplificam os elementos textuais, sendo utilizada a indústria audiovisual, como exemplo, a fim de permitir a compreensão dos objetos de análise deste estudo.

1.4 Storytelling Antes de abordar as técnicas que giram ao entorno do storytelling, precisa-se compreender o seu significado: ”Storytelling é um termo em inglês. "Story" significa história e "telling", contar. Mais que uma mera narrativa, Storytelling é a arte de contar histórias usando técnicas inspiradas em roteiristas e escritores para transmitir uma mensagem de forma inesquecível”. (VIEIRA, 2019). Essa técnica tem sido muito utilizada para produções publicitárias, a partir do entendimento de que as histórias são feitas a partir narrativas e a identificação com estas causam empatia pelas marcas, sendo um bom recurso em qualquer âmbito que visa apreender a atenção ou causar identificação. 25

De acordo com o próprio sentido etimológico da palavra, o ato de contar história existem desde o conhecimento como forma humana, ou seja, sempre fazendo parte da existência para explicação de fatos históricos e formalizando tudo o que se conhece de cultura, todos os contos de fogueiras e os que foram passados de geração em geração foram essenciais para a propagação de crença e valores. Mesmo as figuras mitológicas, que perderam as suas forças com o tempo, garantiram o conhecimento da elaboração de civilizações e religiões por meio dos séculos. (MASSAROLO, 2013) A estrutura corporal do Storytelling costuma variar de acordo com as exigências propostas pela narrativa, porém, possui quatro pilares básicos para o início da estruturação, claramente identificável na narração, sendo eles: Mensagem; Ambiente; Personagens e Conflito. A) A mensagem, normalmente se separa em duas partes: I) Story: a história e a mensagem a ser transmitida e Telling: a forma na qual a mensagem será apresentada. Nesta etapa é importante enfatizar o conteúdo que será exposto, presando prender a atenção do narratário, para que não seja apenas mais uma história, mas aquela que causa identificação. B) O ambiente, é necessário visar em qual cenário ocorrerá a narrativa, e que possua um contexto com o que é exibido pela mensagem, enfatizando o que a mesma relata. C) Os personagens, ele ou eles são os que irão percorrer a trajetória, eles que sofrerão a transformação e encaminharão a mensagem. D) O conflito é um fator determinante, que estará encarregado de direcionar o enredo e que prenderá a atenção do leitor. É nada menos que o desafio que motivará o personagem até o fim, motivando-o a percorrer toda a jornada. As conquistas sempre precisam ser complexas e bem elaboradas, visto que com esse elemento fraco a atenção é desviada, desmotivando o leitor, não gerando identificação pelo mesmo. Geralmente, há a necessidade de transformação do personagem para a solução do conflito. Em Little Misfortune, o exemplo do capítulo anterior, estas etapas são claras. A mensagem central corresponde a busca da felicidade em si, independentemente das circunstâncias a quais percorre; O ambiente é um mundo distópico disfarçado de utopia, passado em um bairro de interior, onde há florestas e grandes espaços abertos, propensos a desaparecimentos e eventos regionais, além de enfatizar conclusões sobrenaturais, como o autor do jogo relata “Ultrareality”10; Os personagens principais e que desenvolvem a estória são

10 Ultrareality ou Ultrarealidade, é um universo paralelo onde habitam seres sobrenaturais “do bem” e “do mal”, um local que ultrapassa os limites da terra, e ao mesmo tempo não se trata do céu ou o inferno, mas como uma realidade paralela. 26

Misfortune, Morgo e Benjamin, uma protagonista, um antagonista e um herói, clássico conto heroico; O conflito é sentenciado pela busca pela “felicidade eterna” garantindo o enredo de perdas, buscas e disputas pela personagem central. Retornando a analisar essa narrativa, pode-se compreender a identificação com a personagem, mesmo perante a um universo fictício. Enquadrando a uma realidade humana, Misfortune é uma criança com problemas familiares, a busca pela felicidade a deixa doente, pois se parece uma luta inconstante, Morgo funciona como as decisões erradas, visto que o mesmo, por exemplo, a incentiva a roubos e a decisões que poderiam levar a sua morte ou a morte de terceiros. Já Benjamin, seriam as decisões corretas perante ao sistema social, fazendo com que Misfortune não obedeça a esses desejos errôneos, e a incentivando a crer em tempos melhores e caminhos de paz. Logo, nota-se que há um enredo humano envolvendo toda a história sobrenatural, sendo a mensagem motivo de identificação, o que aprisiona o jogador. Em tese, a estrutura do Storytelling se assemelha a da narrativa. As diferenças estão presentes no tipo de abordagem da história/estória utilizam para se desenvolver. Tendo isso em mente, compreende-se que Storytelling possui um elemento a mais, ou melhor, funciona como um complemento entre audiovisual e narrativa para formalizar uma estrutura histórica. Em meios comerciais, ou não, há um desdobramento, que hoje, permite com que hajam soluções de ampliar o conhecimento e execução de uma narrativa, como no Storytelling Transmídia, que será citado brevemente a seguir.

1.4.1 Storytelling Transmídia Storytelling Transmídia é um conceito que surge com o início da mesma narrativa em diversas plataformas, utilizadas como forma de estratégia de entretenimento de nicho, e foi enfatizado com o surgimento de séries televisivas, que permitiram ampliar a programação que, em geral, era restrita a telenovelas e programas de entretenimento. A cultura de convergência estruturada e analisada por Henry Jenkins (2003) permitiu o conhecimento do conceito transmídia e de elementos que o compõem, como crossover (MASSAROLO, 2013). Ser segmentado, essa é a palavra-chave desse tipo de Storytelling, pois trata-se de uma ação que está presente em diversos meios narrativos, podendo ser eles: webséries, quadrinhos, textos literários, games, encenações, dentre outros (PALACIOS e TERENZZO, 2016). A indústria da Disney é uma das que mais utiliza desse recurso, um exemplo simples está presente na narrativa do personagem principal da franquia, o Mickey. Ele está presente em diversas plataformas que contam sua estória, em games como Kingdom Hearts e Mickey Fantasia, nos filmes Fantasia e Mickey’s Circus, nos seriados A Casa do Mickey e Mickey Mouse Cartoon, 27

no livro Goofy Goes to the Doctor e em diversas outras plataformas que desmembram a narrativa da vida do camundongo. Nessa categoria de Storytelling o seu diferencial está na presença de um público que interfere nas decisões da narrativa, sejam séries televisivas, novelas ou até mesmo textos literários. Por mais que o conteúdo narrativo das estórias/histórias seja reproduzido de acordo com a plataforma por questões de adequação, o público de cada uma possui importância para que ocorra alteração, sendo um dos pontos de destaque, e mais usufruído, dessa narrativa, o poder no qual o leitor possui para interferir. No game Mortal Kombat a pedido dos seus jogadores, foi retirada a voz da cantora Pitty como dubladora de uma das personagens. O mesmo equivale de influência na escolha dos personagens para o filme do Mortal Kombat (1995). O poder do Storytelling, em especial ao abordado nesse tópico, está embasado em uma questão histórica, como citado anteriormente, é sabido que o ato de contar histórias existe há muitos séculos, e por meio delas que se possui conhecimento de tudo que ocorreu no passado. Dentro desse mesmo contexto, as antigas religiões, o que hoje são chamadas de mitologias, estruturam essa base de crer e participar. Os contos e narrações religiosas movem e reforçam até o atual momento a sua existência, garantindo aos fies suporte em algo divino, ou não, como a bíblia católica. Por fim, é um fato a influência da narrativa na vida humana, tratando-se de uma questão de princípios e de guia, além da formação cultural e das estruturais sociológicas proporcionadas pelas histórias dos antepassados. Por meio desses fatos que a publicidade e outros diversos campos dentro do meio capitalista usufruem desse recurso para capturar a atenção do usuário/telespectador/leitor. Com isso, no próximo capítulo analisará e estudará a existência da narrativa em diversas plataformas midiáticas, como são usadas, e de que forma são receptivas ao usuário.

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3 RECURSOS GERADORES DA PRÓPRIA DECISÃO (NARRATIVA, ESCOLHA E PRODUTOS MIDIÁTICOS)

Ao decorrer dos séculos a narrativa deixa de ser apenas uma estrutura que visa contar história/estórias, e torna-se um sistema analítico que contemplar diversos âmbitos, inclusive o midiático, sendo utilizado como ferramenta principal, a partir da concepção de que o ser humano necessita de histórias para estabelecer um nexo temporal, pessoal e estrutural. Literalmente um guia, como um manual. Um ser não seria capaz de crescer sem a ideia de que para se comunicar entre seus semelhantes a fala é um dos objetos primordiais, portanto, não seriam animais racionais, e viver-se-iam como “selvagem”. O capítulo dois aprofunda o estudo da narrativa no campo da mídia, compreendendo seus principais objetos e seu esqueleto, analisando-o para compreender o uso em jogos eletrônicos e decorrentes.

3.1 Influência Musical na Narrativa O ser humano recebe estímulos de diversos canais o tempo todo, por meio dos cincos sentidos (visão, olfato, paladar, audição e tato). Eles direcionam para términos nervosos e estimulam o cérebro, determinando gostos, experiências, motivações, dentre outros diversos sentimentos e até mesmo proporcionando efeitos corporais. Estudos neurais comprovam que a música diferente de todas as demais artes, proporcionam uma extensa representação neuropsicológica com acesso direto aos campos da afetividade, controle de impulsos, motivações e emoções. Além disso, são capazes de estimular a memória não verbal, envolvendo um armazenamento de símbolos organizados, que auxiliam a capacidade de retenção e memória (MUSZAT, 2012 apud WEIGSDING, 2015). A música e a linguagem são ferramentas de estudo que exploram funções cerebrais, como citado anteriormente. Em especial, a música, engloba o campo da linguagem de símbolos para a comunicação e expressão, diferentemente da linguagem que envolve a entonação, ritmo, andamento e um contorno melódico. Entretanto, ambas dependem de esquemas sensoriais responsáveis pela percepção e processamento auditivo e visual, organizando temporalmente e motoramente, tanto para a fala e execução musical (MUSZAT, 2012 apud WEIGSDING, 2015). O âmbito midiático usufrui da música como um dos seus elementos essenciais. O seu uso é constante desde a indústria audiovisual, na qual é mais rotineiro notar sua importância como o uso de trilha sonoras, até a vídeos do Youtube e das redes sociais, que utilizam músicas para fundos sonoros, elevando a associação ao autor do material, proporcionando identificação 29

do usuário com o canal ou perfil. O campo memorial proporcionado pela música permite essas associações, como se observa em filmes como Star Wars11(1977-2019), ou filmes musicais como La Land 12(2016) ou Os Miseráveis 13(2012), nos quais a presença musical enfatiza a lembrança e, na maioria das vezes, garantem o sucesso de um filme. As famosas trilhas sonoras. (FARIAS, 2011) A linguagem, de fato, gera uma empatia imaginária, pois, a leitura proporciona a capacidade de ver além do que é realmente visível e palpável, transformando palavras em formas, objetos e seres. A visualidade imagética, que é o ato de ver por meio de estímulos e sensações, possui o nome, no campo linguístico de Ekphrasis14, do grego, sendo a ação de descrever algo imagético. Posteriormente, esse conceito foi ampliado, e de acordo com George Saintsbury´s ekphrasis é “uma descrição com a intenção de trazer pessoa, lugar, pintura, etc, vividamente para os olhos da mente” (SAINTSBURY´S, 1902, p. 491). Quando se fala de Ekphrasis musical é comum a confusão com música programática. A diferença dentre elas é: “A música programática narra, pinta, sugere ou representa cenas ou histórias (e, por extensão, eventos ou personagens) que entram na música da mente do compositor” [...], “a ekphrasis musical, em contraste, narra ou pinta estórias ou cenas criadas por um artista, diferente do compositor da música, e em outro meio artístico” (BARROS, Felipe. 2015 apud BRUHN, Siglind. 2001)

Para a elaboração da ekphrasis musical são necessários alguns objetos, como: um texto fictício ou não, como meio de representação artística; representação primaria deste texto, podendo ser ela verbal ou visual; e representação em forma de linguagem musical da primeira representação. Com base nesta estruturação, é observável uma linha tênue, na qual é acompanhável em diversas narrativas que possuem como sustentação essa diagramação musical. A música é um elemento do qual consegue envolver a estrutura humana, tanto corporalmente quanto mentalmente. Essa afirmativa é coerente pois, o ato musical é como um mensageiro, logo, direciona alguma mensagem a alguém ou a alguma coisa. Sua identificação só é permitida por meio desta memoria conservada e pela retirada da mensagem. Por este motivo, é comum os seres humanos vincularem uma música a algo ou alguém. Essa ligação já é tão pertinente que, certas notas musicais quando unificadas em uma música geram emoções,

11 A trilha sonora de Star Wars percorrer por muitos compositores. O mais prestigiado foi John Williams. 12 Trilha sonora de Justin Hurwitz. 13 Trilha sonora de Claude-Michel Schönberg. 14 Ekphrasis vem do grego: Ek ‘fora’, phrasis ‘falar’. É, inicialmente, o ato de se usar palavras para descrever algo imagético. (TOGAWA, 2015) 30

como raiva, felicidade, suspense. Tudo de acordo com a memória música, que é instruída desde a infância, gerando empatia por cada nota sonora. Nos jogos eletrônicos, a importância da música é ainda maior do que na indústria cinematográfica. Por meio delas é possível capturar momentos, e compreender o que ainda virá. Em League of Legends15, um jogo multiplayer online battle arena16, possui diversos estímulos de som para identificar ataque especiais dos personagens, falas que indicam ações, e pequenos singles que indicam começo ou encerramento de uma jornada dentro do campo de batalha. Sem esses instrumentos não seria possível imergir, e nem capturar a essência da jogabilidade, visto que é um jogo no qual todos os elementos projetam informações necessárias para aprimorar ações, ou apenas recuar de um provável ataque. Para compreender toda essa estrutura da narrativa nos jogos eletrônicos, o próximo capítulo abordará da jornada do herói, na qual com certeza lembrará das músicas explicitas em seus exemplos. Visto que, a narrativa no contexto do qual está sendo abordado nessa pesquisa, faz parte de um conjunto de elementos, estruturados para imergir jogadores em suas escolhas. E até a música é capaz de proporcionar esse objetivo.

3.2 A Jornada do Herói Sabe-se que a narrativa possui diversas estruturas e princípios que são utilizados para a formulação de uma história/estória, a priori, diferenciadas de acordo com suas temáticas. A Jornada do Herói, conceito projetado por Campbell (CAMPBELL, 2000), é uma estrutura analítica que contempla os contos de aventura majoritariamente, mas não está restrito apenas a esta temática. O estudo deste é feito por meio dos mitos, que são contos que relatam a narrativa de algum personagem, podendo ser eles um ser mitológico, um herói do cotidiano ou até mesmo um santo, porém todos são tratados como heróis. Esse recurso mitológico é muito usado por religiões, no desenvolvimento artístico e dos códigos morais. Os símbolos gerados pela sociedade dão significado a seres imagéticos que possuem significados reais, entretanto estão vinculados a uma metáfora, como a criação da cegonha para explicar as crianças de onde surgem os bebês. Analisando da perspectiva dos significados, as aves, são seres que possuíram por muito tempo o título de mensageiros. Além disso, a espécie da cegonha tem uma característica dócil e protetora, e por isso recebeu esse título de “transporte

15 Para melhor visualização do assunto aqui abordado, remenda-se assistir este vídeo https://www.youtube.com/watch?v=epfyqf2OpfQ. 16 Multiplayer online battle arena são jogos de batalha em arena online da categoria multijogadores (jogadores online simultaneamente). 31

dos bebês”. Logo, não tratando-se de uma mentira, mas um disfarce simbólico, visando preservar a inocência infantil. A ótica dos significados também se enquadra nos mitos, algum deles relatam uma realidade distorcida e almejada, compreendendo que seres mitológicos possuem assas; lugares transportam pessoas para outras dimensões; momentos; objetos e seres que não são considerados humanos. Todos os mitos e seus respectivos significados, como afirma o autor Campbell, fazem com que “Não seria demais considerar o mito a abertura secreta através da qual as inexauríveis energias do cosmo penetram nas manifestações culturais humanas”. (CAMPBELL, 2000, p. 15). Sendo importante enfatizar a sua importância dentro do campo humano, como forma cultural e estrutural social. O Monomito, engloba uma jornada percorrida pelo herói, que segue um padrão narrativo, no qual será explicitado a seguir utilizando o exemplo anterior do jogo Little Misfortune, a fim da melhor compreensão deste denso conceito. Essa estrutura é usada até os atuais dias no campo cinematográfico e literário. As principais histórias da humanidade utilizam desse recurso, que é analisado e estruturado por Campbell (2000). Há três pilares principais que dão estrutura para os dezessetes subtópicos que percorrem a Jornada do Herói. Sendo eles: A Partida; A Iniciação e o Retorno.

• A Partida (CAMPBELL, 2000) Neste ponto se inicia o momento de conflito em que o herói se depara com a necessidade de começar a aventura. Aventura porque foge do âmbito comum do seu cotidiano. A. O Chamado da Aventura Nesta etapa, o Herói, vive sua vida de forma linear, na qual não há uma mudança na rotina. Contudo, ocorre algo que o desperta, forçando-o a tomar alguma atitude ou decisão para recuperar uma perda, podendo ser física, como algum objeto, ou até uma característica. Geralmente é neste momento em que o antagonista aparece de forma singela. Em Little Misfortune, a heroína na primeira cena é encontrada brincando, uma ação aparentemente corriqueira (Figura 3). Com a entrada do antagonista/narrador, no qual oferece a ela uma proposta de sair desta rotina, participando de um jogo, em que o prêmio é a “Felicidade Eterna”. Esta proposta faz com que Misfortune se depare com a problemática principal. Ela por mais que seja feliz, sua família é cheia de problemas e situações emocionais degradantes. Logo, ela conclui que para solucionar esses problemas é necessário que sua mãe seja feliz, por ser a única que mantêm uma convivência continua com a heroína. A motivação da protagonista é ver sua mãe feliz, o que trará harmonia para a sua casa. 32

Figura 3 – Misfortune em seu Quarto

Fonte: Imagem retirada do jogo Little Misfortune17 Em estado comparativo, o conto de Hércules também possui uma motivação inicial, que é recuperar seu status de deus, podendo assim retornar ao Olimpo, onde vivem seus pais biológicos. Além disso, o herói, por mais que já possuísse super força antes mesmo de conceber sua motivação, a vida do jovem era comum e simples, mantendo um padrão linear mundano. Por mais diferentes que sejam ambas as histórias, será analisada a forma na qual a narrativa contém uma linearidade. B. A Recusa do Chamado O herói, ao se deparar com uma ação/decisão que mudará a sua vida de forma intensa, ou não, mesmo em prol a algo que almeja, assusta-o fazendo com que se recuse a seguir por este caminho. Esta ação é comum nas decisões humanas, e em menor ênfase nos contos e mitos. No exemplo de Little Misfortune, a protagonista precisa decidir em acreditar no antagonista, que a convida para participar do game, ou permanece em sua casa, como sua mãe indicaria, visto que é incomum crianças aceitarem a opinião de estranhos, mesmo tratando-se de uma voz em sua cabeça. O clímax desse momento ocorre quando a protagonista é induzida pelo antagonista (Morgo) a atravessar sua rua para prosseguir com a trajetória em busca da Felicidade Eterna. Neste instante ela reflete sobre a necessidade de realmente efetuar isso, e ele o relembra que é

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um caminho sem volta, e que no final ela ganhará a felicidade eterna. Sendo a motivação para que a protagonista prossiga. C. O Auxílio Sobrenatural Com a aceitação do herói em prosseguir em sua jornada, o primeiro encontro dentro desse estágio da narrativa é com uma figura protetora que o auxiliará durante sua jornada, oferecendo amuletos contra as forças titânicas que aparecerão. O significado de sobrenatural pode ou não ser literal, concluindo que Campbell (2000) tem como base estrutural contos mitológicos, que fornecem a explicação das narrativas atuais. Atualizando ao contexto atual, em Cinderela, o auxílio sobrenatural seria a sua Fada-Madrinha, que a guia durante toda sua trajetória. Enquadrando ao contexto de Little Misfortune, o auxílio sobrenatural da protagonista é enfatizado desde o início da trama, por meio dos desenhos de Misfortune e na sua própria fala que dá ênfase ao fato de estar sendo protegida por Benjamim. A figura da raposa, de acordo com a mitologia japonesa (ROSA, 2006), significa inteligência e sabedoria, além de em diversas lendas serem tratados como seres místicos, sagrados ou amaldiçoados. Tendo em mente esse fator, a imagem da raposa é usada para enfatizar a narrativa do protetor. Ele guia a personagem por todo o seu percurso, dando alertas, apoiando, e auxiliando no que é necessário, mesmo sem o poder da fala, já que estamos tratando de um animal (espiritual).(Figura 4) Figura 4 – Benjamin (protetor) e Misfortune (heroína)

Fonte: Imagem retirada do jogo Little Misfortune18

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D. A Passagem pelo Primeiro Limiar O Primeiro limiar é o ponto inicial do “mundo especial” que é esse universo novo que o herói irá percorrer. Novo por nunca ter sido explorado, e por fugir totalmente do seu cotidiano/mundo real e atual. Esse momento significa a transição, a primeira atitude que será tomada para o início da jornada do herói. Em Little Misfortune, este exato momento ocorre quando a menina atravessa a sua rua (Figura 5), local onde Morgo a notifica ser o início de suar jornada, e que após essa passagem não há mais volta. Ou seja, uma leitura clássica do Herói de Mil Faces de Campbell (2000), explicitamente anunciado. Com esse ato Misfortune migra por meio de um portal ao um mundo semelhante ao seu, porém com uma perspectiva mórbida, onde tudo que a menina toca morre. Figura 5 – Misfortune Atravessando sua Rua para o Início da Jornada

Fonte: Imagem retirada do jogo Little Misfortune19 E. O Ventre da Baleia O ventre da baleia é uma referência a estória bíblica “Jonas e a Baleia” que conta a narrativa de um herói que é engolido pela baleia e passa anos dentro dela. O ato de ser engolido por algo se trata de uma metáfora para imersão, na qual o herói se encontrará já neste novo mundo e começa a decifrar os signos deste novo local, imergindo em seu propósito. Em Little Misfotune, no momento de imersão é dado a sua partida para longe de sua casa. Ela compreende que precisará fazer uma série de escolhas no decorrer de sua trajetória, e isso afortunará a personagem até o ciclo final da narrativa. A lógica é compreendida da seguinte

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forma, quando a heroína faz suas escolhas (Figura 6) é compreendido que a mesma sofrerá consequências de seus atos. Sendo assim, Misfortune adentra ao jogo de Morgo. Figura 6 – Escolhas Dentro da Narrativa

Fonte: Imagem retirada do jogo Little Misfortune20

• A Iniciação (CAMPBELL, 2000) F. O Caminho de Provas Após a passagem pelo limiar, o herói caminha para a sua jornada e alcançar o objetivo neste novo universo. Porém, para isso ele precisa vencer uma série de desafios e provas que comprovarão que realmente é digno de receber o reconhecimento final. Esta é a fase favorita do mito-aventura. Este é o momento em que, de forma encoberta, o herói recebe o auxílio do seu protetor sobrenatural, por meio dos amuletos e agentes secretos. Em Harry Potter a Pedra Filosofal, o herói passa por uma série de provas, até chegar ao encontro de Voldemort o anti- herói, todos esses momentos são necessários para comprovar a autenticidade e perseverança do personagem principal.

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Figura 7 – Misfortune e o Cachorro (Puppy) de George’s

Fonte: Imagem retirada do jogo Little Misfortune21 No caso de Little Misfortune, o seu protetor é Benjamin, que durante toda a trajetória da aventura da menina deixa sinais atentando-a da malevolência de Morgo, o antagonista/narrador. Nesta situação, os amuletos citados por Campbell (2000) são as mensagens deixadas pelo caminho da protagonista e a proteção de runas. O ato do caminho das provas começa quando ela precisa escolher entre brincar ou soltar (escolha a cargo do jogador) o cachorrinho que encontra em seu caminho, decisão influenciada por Morgo, o narrador. Independentemente da escolha, o cachorro falece. A primeira missão de Misfortune é informar ao dono o falecimento do animal (Figura 7). A partir deste período a personagem principal encontra uma série de desafios, como escapar de corvos que a capturam, conseguir escapar de uma caverna com ratos gigante traficantes.

G. O Encontro com a Deusa A aventura final ou batalha final é o encontro com a deusa. Este ato ocorre após o herói ter passado por todas as barreiras encontradas e designadas pelo anti-herói e pela estrutura da própria trama, e precisa finalizar este ciclo. Sendo assim, a ação triunfal do herói. Um exemplo disto é quando Harry Potter se encontra com Voldemort em a pedra filosofal, e precisa capturá- la e para isso precisa enfrentar o próprio antagonista.

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Figura 8 – Diário de Benjamin

Fonte: Imagem retirada do jogo Little Misfortune22 Situando no caso de Little Misfortune o encontro com a deusa ocorre quando Misfortune descobre que Morgo na verdade é o seu inimigo a todo momento (Figura 8). Esta clareza faz com que busque e se una a Benjamin contra o antagonista/narrador, o claro conflito final. Em contraponto a essa perspectiva de Campbell, a batalha não ocorre diretamente pelas mãos da protagonista, mas sim, por Benjamin, o protetor. Por mais que a Misfortune decida enfrentar Morgo, não é ela que atua para eliminá-lo, ou ao menos reduzir as suas ações. A cena ocorre com a protagonista enfrentando o seu perigo principal de toda a trama, e por se tratar de uma criança, ela não tem forças eminentes para derrotá-lo, além disso, Morgo é um ser sobrenatural, e em tese, não seria capaz de ser derrotado com forças mundanas. Por isso, Benjamin derrota-o com um cajado de luz, que permite afastá-lo do universo real de Misfortune.

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Figura 9 – Morgo/Mr.Voice (Sr.Voz) o Antagonista Narrador

Fonte: Imagem retirada do jogo Little Misfortune23 Importante levar em consideração o fato de a divisão de forças entre bem e o mal é muito clara e conectada a mitologia, ainda mais das quais dizem a respeito do céu e do inferno, visto que Morgo possui referencias visuais de Lúcifer (Figura 9), o anjo do inferno, mesmo sua figura sendo definida como um demônio maior. Já a sua narrativa é direcionada a Hades, o deus do mundo subterrâneo, enfatizado ao trazer a imagem do barqueiro (Figura 10), que de acordo com a mitologia grega é quem guia os mortos para o mundo inferior.

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Figura 10 – Benjamin e Misfortune

Imagem retirada do jogo Little Misfortune24 Já Benjamin (Figura 10) é uma raposa vermelha (dado explícito nas escrituras da narrativa) que possui ações humanas. A Raposa Vermelha, em japonês Kitsune, é muito comum no Japão, e por isso faz-se presente em grande parte do folclore japonês. Esta figura é representada, de acordo com a mitologia local, como serem inteligentes e com capacidades mágicas, que engrandecem ao decorrer de sua maturidade. Sua principal habilidade é a sua mutação, que permite transformá-la em um ser humano. Além disso, são servos do deus Inari Ōkami (ou deusa), que é uma divindade representante da prosperidade e fertilidade do Xintoísmo25, com o poder de se transformar também na própria raposa. Benjamin exerce essas qualidades durante sua caminhada, ao saber escrever, possuindo uma inteligência humana, o ato de lutar com um cajado de luz contra o antagonista, dentre outros. H. A Mulher como Tentação A tentação expressa por Campbell está diretamente ligada a mulher como uma figura de derrota, pois seu vínculo é demonstrado ou como uma mãe, a que alimenta, nutre e eleva todo o ser sem a necessidade de esforço próprio, é a imagem na qual recorre-se em todo os momentos por possuir o sentimento da casa. Ou como mulher, aquela que substitui a figura da mãe,

24 Printscreen retirado do jogo Little Misfortune 25 Xintoísmo é uma vertente espiritual tradicional do Japão, considerada também uma religião pelos estudiosos ocidentais. (Xintoísmo, 2019) 40

entretanto, mantendo a sua ideologia, e fazendo com que a sensação do retorno do lar, o braço para acolher sempre estará lá da mesma forma. Atualizando essa narrativa para o contexto atual, a figura da mulher dever-se-ia qualquer imagem de tentação imposta ao herói. Aquela oferta de que tudo pode voltar a ser como era, e ainda melhor, se aceitar a proposta. Ou mesmo no momento em que o herói fraqueja por alguma questão surge uma oferta para que ele levante, mesmo sabendo que isso levaria ao erro. No conto de Adão e Eva a tentação é a maça oferecida por Lilith (figura da cobra) a Eva, a sua aceitação gerou a perda do paraíso. Na história de Cristo, a tentação é quando Lúcifer oferece pão e água, fazendo com que ele descumprisse a promessa do jejum de 40 dias. I. A Sintonia com o Pai Conforme os antigos contos mitológicos, a figura do pai possuía uma grande representação e influência na jornada do herói. Esse pai, a priori, está vinculado a imagem de uma divindade, como Deus, Zeus ou Osíris. Neste momento ele deixa de ser um ser virtuoso, e instiga os desafios do “filho”. Diferente do alento que a figura materna proporciona, a figura do pai é provocante, e podendo a dificultar as decisões do estágio no qual se encontra o protagonista. No contexto atual, a sintonia com o pai descreve-se com enfretamento do herói com o anti-herói. Sua figura continua vinculada a um ser divino, por suas habilidades sobrenaturais, ou não, estarem acima dos demais elementos da narrativa. Em Harry Potter a Pedra filosofal esse momento se dá quando Voldemort revela-se ao herói, no momento que há a disputa para o domínio da pedra. Além disso, há uma conexão literal desta cena, pois Harry realmente está conectado a Voldemort, tornando a sintonia com o pai mais complexa. Adequando a realidade de Little Misfortune, a sintonia existe durante toda a narrativa, assim como em Harry Potter, Misfortune está aprisionada pelo antagonista em seu jogo. O enfrentamento se inicia após a protagonista ler o diário de Benjamin (Figura 8), seu protetor, que garante que Morgo é o parasita, o ser que manipula as crianças para roubar suas almas, sendo assim ela decide não participar mais do seu jogo, porém era tarde demais para tal. Esse é o primeiro enfrentamento antes da batalha final, como já citado, momento em que Benjamin defende a heroína com seu cajado de luz. J. A Apoteose A Apoteose é o momento em que o herói planeja atingir o novo objetivo que surge durante sua trajetória, sendo ele mutável graça as interferências do antagonista na narrativa ou de fatores externos que evidenciam o verdadeiro objetivo do herói. 41

No caso de Little Misfortune é o momento em que a heroína decide não mais se render os caprichos de Morgo e decide enfrenta-lo (Figura 11). O momento auge da mudança do objetivo é a Apoteose. Figura 11 – Misfortune em seu Esconderijo Secreto para se Defender de Morgo

Imagem retirada do jogo Little Misfortune26

K. A Benção Última Este momento é marcado pela conquista do herói. Após o surgimento desse novo objetivo, a conclusão dele se torna a gloria merecida depois de toda a aprovação na qual ele vivenciou. Nesta ocasião o mesmo é considerado digno de sua conquista, como um rei que sempre foi sábio e soberano, só sendo enfatizado neste ato. Com a vitória do confronto final contra Morgo, Misfortune e Benjamin reconhecem sua força para derrotar forças maiores, e graça a ambos que conseguiram derrotar o demônio maior, para que nunca mais as crianças fossem capturadas e Misfortune pudesse ir para o outro mundo, teoricamente o que se observaria como o céu, em paz. (Figura 12)

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Figura 12 – Descoberta da Morte e Libertação de Morgo

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• O Retorno (CAMPBELL, 2000) Diferente dos demais passos da análise de Campbell, o retorno é a ordem contrária à da partida, tratando se de seu processo inverso, e por isso possui uma análise mais breve e objetiva. Neste ato, o herói, vivência o momento do retorno para o seu mundo real, o mundo no qual sempre pertenceu, o antecessor a jornada. No primeiro momento (L. A Recusa do Retorno), o herói se recusa a retorna a sua casa, mesmo com a eminente vitória, ele prefere permanecer neste mundo em que foi criado para vivenciar sua jornada. Há um claro medo de voltar a ter uma vida comum, no qual sua importância era igualada aos dos demais indivíduos de seu universo. A partir dessa decisão (M. A Fuga Mágica), o herói passa por um processo de compreensão do que aconteceu e do que acontecerá. Quando ele obtém a graça da deusa (guardião ou mentor) ele ajudará a trabalhar esta vitória e a este retorno, conforme precisa ocorrer, e tudo ficará bem. Caso o prêmio no qual o herói obteve, ou durante sua jornada ele descumpre um concelho do guardião, sua viagem se encerra e se torna um grande atordoamento, como um purgatório, ou uma refação da mesma.

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No meio do trajeto de retorno ao lar, em significativa parcela dos contos mitológicos, o herói necessita de um auxílio sobrenatural (N. O resgate com Auxílio Externo) para uma recuperação introspectiva, ou não. Em geral, é o momento em que o herói se acidenta e decide desistir de sua própria vida, e algo ou alguém o salva, para prosseguir com seu retorno. Em Harry Potter a Pedra Filosofal é o momento em que o protagonista está exausto da luta com Voldmort e se entrega a este momento, que é tratado como sua morte, e é resgatado por seus amigos que o acompanharam em sua jornada. Recuperado e decidido a retornar, o herói precisa passar pelo limiar (O. A Passagem pelo Limiar do Retorno) para retomar a sua vida. Esta é a passagem entre o divino e o mundano, a vida e a morte, o dia e a noite, é uma transição do mundo desconhecido para a realidade, é quando Harry Potter retorna para a casa de seus tios pós sua longa jornada. Em seu primeiro mundo, o herói compreende que sua vida nunca mais será a mesma (P. O Senhor dos Dois Mundos). A experiência e conhecimento adquirido no mundo do além nunca o deixaram, e por mais que aparentemente os desafios tenham cessados, ele sempre estará em conexão com o seu mundo e o além. Isso permite teletransportar entre os dois mundos. No caso de Harry Potter, o herói sempre permanecerá bruxo, sua transformação, mesmo que já intrínseca em seu ser, não deixara-lo, o que sempre permitirá ele voltar a escola de bruxaria e ter seus poderes. Por fim da trajetória (Q. Liberdade para Viver), tem o cessar de suas obrigações. Com isso, o herói pode retomar a sua vida mundana, sem as preocupações geradas ao decorrer de sua trajetória, tendo liberdade, para ao menos neste período, decidir que caminhos percorrerá e manterá de acordo com sua sabedoria adquirida. A jornada do herói, como se pode observar, é um ciclo, com início e fim, mas sempre vicioso. O encerramento de um gera o início de outro. Esta ação está diretamente anexada a vida humana, onde ao decorrer de cada jornada particular há motivos que levaram a partida, como a decisão de cursar uma faculdade, que gerará uma trajetória em busca desse objetivo, dos quais o indivíduo necessitará cumprir as provas para se afirmar digno dessa dadiva, como passar no vestibular, e por fim, a atingir sua meta, retornará ao lar no aguardo de sua próxima jornada, como a conclusão da graduação. Além disso, essa narrativa está ligada ao ciclo natural da vida. O nascimento, amadurecimento e a morte. Por isso, em jogos eletrônicos, quando o personagem jogável morre, por mais que haja a consciência que em cinco segundos ele retornará e o usuário continuará jogando de onde parou, há um sentimento de frustação, por ter encerrado um ciclo no qual ele não finalizou da forma esperada. 44

Essa reação equivale para a escolhas. Ao adentrar em uma narrativa em que o jogador retém a opção de escolher para onde quer/precisa seguir, o mesmo imerge em uma trajetória dentro de outra, sendo elas a própria jornada mental do usuário que insere-se e tem como objetivo concluir a segunda jornada, que é a do personagem que foi gerado por um autor que também imergiu em uma narrativa, só que a sua própria. Só nesta conclusão, compreende-se a existência de três jornadas, autor, jogador e personagem. Por isso, é necessário compreender as relações humanas perante a virtualidade, assunto este que será debatido no próximo tópico.

3.3 Conexão Humana-Virtual Conexão nada mais é que uma junção de duas pontas semelhantes, que ao serem unidas proporcionam outra perspectiva derivada de duas, tornando-se algo mais completo e complexo. Compreende-se que os jogos eletrônicos são um produto midiático, como os programas televisivos, as redes sociais e as plataformas de música streaming. Por meio disto, é notável abranger que, todo produto reprodutivo virtual, ou não, tem como principal objetivo reter a atenção de seus usuários, a fim de mantê-los fieis e bons receptores das mensagens das quais estão sendo transmitidas (AUDI, 2016). Entretanto, um dos maiores desafios encontrados por seus produtores é este, devido à grande oferta do mercado, que com a evolução tecnológica permite a cada dia mais produtores independentes desenvolverem games com a mesma qualidade de produção artística e ludológica28 que um de uma grande produtora. Logicamente, existem técnicas que garantem a retenção da atenção desse usuário, como pode-se observar na construção da narrativa na Jornada do Herói de Campbell (2000). Os jogos eletrônicos, como todo componente pertencente ao World Wide Web29, faz parte do Ciberespaço, conceito estruturado por Pierre Levy (1999). Este local é constantemente chamado por leigos, ou não. Conhecido como Internet, um núcleo onde detém diversos dados tanto da vida comum, fora do âmbito virtual, quanto da vida virtual, presentes em redes sociais, acessos empresariais, registros do governo, dentre outros. É notório que, ao compreender o ciberespaço, entende-se que os usuários estão imersos em uma ampliação de seu mundo, não vivendo dentre dois mundos. O ciberespaço é um ambiente reforçado e melhor estruturado graças a presença da inteligência coletiva, o mesmo equivale para o inverso. A inteligência coletiva, nada mais é que

28 Ludologia é o estudo das estrutura dos jogos, sendo eles eletrônicos ou não. 29 World Wide Web é o nome da abreviatura www, que significa rede de alcance mundial. 45

o compartilhamento mental de cada indivíduo, onde sua junção em diversas plataformas das quais permitem a troca, que geram coletividade (LEVY, 1999). Nas plataformas streaming de games, como Steam e Origin além da própria estrutura possuir meios de trocas simplificadas, como votações dos melhores jogos, ou da votação das melhores composições ludológicas, também há um ambiente de fóruns e comentários, podendo o jogador trocar experiências, e tirar dúvidas, até mesmo com o próprio produtor do jogo. Esta aproximação de linguagens, culturas e nichos permitiu com que, a princípio, o universo da internet fosse imparcial perante os seus usuários, de acordo com o mesmo poder de acesso e de pesquisa que era dado a todos. Entretanto, analisando o atual contexto da internet no século XXI (2019), observa-se que a extensão do mundo, como citado nos parágrafos anteriores, tornou-se um elemento de priorização e exaltação, ainda mais nas redes sociais, como observa-se no caso dos Influenciadores Digitais, que são pessoas cotidianas que expõe opiniões, ou oferecem algum tipo de serviço como tutoriais de maquiagem, de como se vestir, ou como jogar. Esta análise, permite visualizar o estado de imersão dentro da extensão do mundo (que é virtual). O mesmo equivale para os games. Em qualquer narrativa da qual o indivíduo se identifica, a sua imersão é mais propensa, pois seguirá a esta estória/história, como um elemento participante, literalmente o ator. Esse mesmo cenário é observado em telenovelas, séries, leituras30, rede sociais. A figura humana sempre está em busca de histórias, como o desenvolvimento de sua própria, e por isso as narrativas possuem tanto poder de atenção. O recurso do storytelling é muito utilizado justamente por este motivo, a fim de gerar identificação dentre o indivíduo e o produto. Assim, compreende-se que o espaço do qual é chamada Internet emerge muito mais que apenas códigos binários, mas a própria estrutura mental de um ser humano que está inserido no meio. Com a inteligência coletiva, as informações se tornaram abundante, discrepantes e estimulantes31. Sua amplitude permitiu ao mesmo tempo que o maior acesso do conhecimento, como a doentia cede pelo mesmo, não apenas para prazer próprio, mas para atender a demandas requeridas pela sociedade. Se o ser não é informado, ele não faz parte dessa sociedade (SOUZA, MORAES, et al., 2010).

30 Importante enfatizar a leitura como um elemento participante do ciberespaço pois, a mesma também se faz presente nesta plataforma, com diversas novas dinâmicas de leitura interativa. 31 Sabe-se que na revolução industrial, as notícias sensacionalistas tomaram-se predominantes. Afim de promoção dos jornais, as histórias contadas sobre os acidentes geravam caos e medo a todos desta época.

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Logo, a conexão humana-virtual refere-se a um status da temporariedade na qual vive- se (2019), sendo ela uma ação de inserção social, canal de mensagens, e todo conteúdo que abrange a ligação entre o real e a nuvem32. Conexão e interligação são sinônimos e é por isso, que ao tratar da relação do ser humano com o seu campo virtual, vê-se uma linha continua. Já que parcela do que era originário das mãos migrou para o ciberespaço, criando subcategorias como a ciberarte, hipertextualização, consumo online, cibercultura, dentre outros dos quais não será aprofundado nesta monografia. (SOUZA, MORAES, et al., 2010)

3.4 Poder de Decisão em Outras Mídias A tomada de decisão, ou poder de decisão é uma ação que todo ser humano precisa efetuar a cada instante, comer ou não seus cereais, acordar agora ou daqui a cinco minutos, estudar ou jogar. São simples “movimentos” diários, mas que mudam toda a rota de um dia, de um momento, de uma ação. Compreende-se que o ato de escolher requer uma grande concentração e esforço, que muitas das vezes causa ao indivíduo ansiedade, por saber que ao escolher uma das opções a outra será perdida. A perda é um sentimento que o ser humano não gosta de lidar e consequentemente não sabe lidar, e por isso é tão atordoador. Visando assimilar esse conteúdo, há dois termos que acompanham essa trajetória, a informação e o conhecimento, ambos elementos são essenciais tanto para a tomada de decisão como para a comunicação. Eles formam um sistema hierárquico de difícil delimitação. Sendo assim, o que é um dado para um indivíduo pode ser informação e/ou conhecimento para outro (ANGELONI, 2003). Aspirando compreender e separar esses termos Davenport (1998 apud. ANGELONI, 2003), classifica os termos da seguinte forma: As informações são dados com significado. São dados dotados de relevância e propósitos (Drucker apud Davenport, 1998, p.18). Elas são o resultado do encontro de uma situação de decisão com um conjunto de dados, ou seja, são dados contextualizados que visam a fornecer uma solução para determinada situação de decisão (MacDonough apud Lussato, 1991). (ANGELONI, 2003) Já o conhecimento: Para Davenport (1998, p.19), o “conhecimento é a informação mais valiosa (...) é valiosa precisamente porque alguém deu à informação um contexto, um significado, uma interpretação (...)” O conhecimento pode então ser considerado como a informação processada pelos indivíduos. O valor agregado à informação depende dos conhecimentos anteriores desses indivíduos. Assim sendo, adquirimos conhecimento por meio do uso da informação nas nossas ações. Desta forma, o conhecimento não pode ser desvinculado do indivíduo; ele está estritamente relacionado com a percepção do mesmo, que codifica, decodifica, distorce e usa a

32 Referência a forma de armazenamento online de arquivos. 47

informação de acordo com suas características pessoais, ou seja, de acordo com seus modelos mentais. (ANGELONI, 2003) Compreende-se que a informação é uma parcela do conhecimento, quando estão atrelados. Pois, o desenvolvimento dessa informação em dados depende das premissas de cada indivíduo, e de seus signos adquiridos ao decorrer da vida. Entretanto, esses elementos individualizados nada interferem na tomada de decisão, para que isso ocorra é necessário que dados sejam transformados em informações e informações em conhecimentos. As características individuais de cada indivíduo, formam uma modelo mental, que interferem na codificação e na decodificação de cada elemento informacional. Há uma discrepância entre o que se quer dizer para o que realmente é dito, entre o que se escuta e o que realmente é compreendido. Todas essas associações, estão vinculadas, como citado anteriormente o que o ser desenvolveu como ideologias, como em uma situação hipotética em que uma árvore centenária cai sobre um carro clássico, da década de 1930. Esta situação pode ser codificada, decodificada e distorcida das seguintes formas: quem se sensibilize pela árvore, quem se sensibilize pelo carro, e quem leve os dois em consideração. Uma mesma situação analisada de três formas diferentes. (ANGELONI, 2003) Pensando nisto, para compreender a tomada de decisão dentre conjuntos de pessoas e de um indivíduo como só, será analisado, por meio de dois veículos informacionais sendo eles: a televisão, meio de massa, e uma categoria de livros chamado livro-jogo, que permite por víeis da leitura o usuário escolher a trajetória do personagem, acompanhando de acordo com as instruções, como a série Black Mirror: Bandersnatch da qual será analisada no capítulo 3.

3.4.1 Poder de Decisão na TV Diferentes dos demais meios que serão aqui debatidos, a televisão atinge um extenso público de diferentes classes, sendo assim chamado de meio de massa, por sua abrangência e alcance, ainda mais nas classes bases da estrutura social hierárquica. Compreende-se que a extensão do público limita a possibilidade de maior interação entre o telespectador e os produtores de conteúdo, derivado da amplitude de identidades. Mesmo perante a esse cenário, a emissora rede Globo, durante os anos de 1992 a 2000, veiculou o programa Você Decide33, que possui um conteúdo interativo, onde o telespectador decidia o final de cada episódio. Vale ressaltar, que majoritariamente, os episódios debatiam assuntos polêmicos, como incesto,

33 Afim de maiores informações acessar o link a seguir, que contém a trajetória do programa que comemorou recentemente 25 anos: http://memoriaglobo.globo.com/mostras/voce-decide-25-anos/voce-decide-25-anos.htm 48

aborto, eutanásia, homossexualidade, corrupção, relações familiares, assédio sexual, machismo, traição, justiça e sexo na adolescência. A tomada de decisão ao deixar de ser exclusiva de um indivíduo e passar a pertencer a um grupo, contempla o macro dos valores, o que antes era apenas detentor de um indivíduo, passa a ser considerado um pensamento comum dentre um grupo. A decisão é retirada de uma média, que parte dos signos do conjunto, como no caso do episódio “A Vizinha”34 do Você Decide. O programa, como citado anteriormente funcionava por meio de episódios, cada um abordando uma temática que, em geral, são polêmicas sociais. As escolhas eram feitas por telefone, e logo no início da trama da narrativa já eram dadas as três opções ao público, sendo a votação continua até quase o seu final. No caso de A Vizinha, conta a história de um homem que vive em um casamento onde sua mulher o menospreza fisicamente e moralmente. Aparentemente, sua família possui ideias modernas enquanto ele é um advogado retrogrado. O segundo ato da narrativa se inicia após sua mulher viajar com os seus filhos para uma casa de praia, e logo em seguida há um problema de vazamento de água vindo da casa de cima. O protagonista vai até o apartamento superior informar do problema, e se depara com uma mulher apenas de toalha vinda do interior, que a priori transmite inocência, que ao decorrer da narrativa começa a corteja-lo. Posteriormente ocorre uma série de eventos envolvendo esta mulher. Seu colega de trabalho aconselha-o trair a sua mulher, devido a seus problemas conjugais. Até o momento em que o público não toma a sua decisão, e ele permanece fiel a mesma. É dado aos telespectadores três escolhas que mudaram o desfecho final da narrativa, sendo elas: ele tem um breve caso extraconjugal com essa mulher; ele não se envolve com a mesma, e se permanece fiel; e ele engata em um relacionamento com a mulher, se separando de sua atual. Compreendendo o horário em que era passado o programa (22h15) e a sua época, a votação colocou em primeiro lugar permanecer fiel, seguido de um breve caso, que possuiu um número relevante e próximo ao primeiro colocado, e um novo relacionamento. Importante compreender, que ao relatar sobre uma decisão de um grupo, há interferências das ideologia pessoais, influências externas e decisões consideradas corretas perante a sociedade. No caso da escolha do personagem permanecer fiel à sua esposa pode corresponder tanto a questões pessoas do indivíduo que vota contra a traição; influências da narrativa em que estimula o telespectador a não incentivar o ato; e a pressões sociais, das quais afirmam a traição como um erro que mancha a índole de uma pessoa. Em outra case do mesmo

34 Visando compreender melhor o episódio e a narrativa da série Você Decide, recomenda-se assistir ao seguinte link, que contempla o assunto em debate: https://www.youtube.com/watch?v=Z_OKhXhTUI8 49

programa, o protagonista do episódio decide ficar com um maleta de dólares que não pertencia a ele, por votação popular. Logo, nem sempre o quesito sociológico é levado em questão. Interações como estas, permitem compreender uma lógica social da qual as escolhas pertencem. Sendo assim, partindo de premissas muito mais profundas do que o simples ato da decisão. Tudo é considerado interferência. As ações humanas, as premissas cultivadas na infância, o local onde mora-se, a cultura dos nichos, visto que é claro que as decisões também irão corresponder o universo no qual o indivíduo pertence. Sendo assim, cada tomada de decisão precisa compreender o contexto no qual pertence e a quem pertence. Dado as bases estruturais para o entendimento sobre o poder de decisão, escolha e imersão, o próximo capítulo contemplará a análise dessa estrutura composta nos jogos eletrônicos, visando compreender a forma da qual é abordada, como é estruturada e a influência sobre o ser humano. Com embasamento nos autores já citados anteriormente.

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4 IMERSÃO, ESCOLHA E DECISÃO: COMO FUNCIONA NOS GAMES (DECISÃO, NARRATIVA E JOGOS ELETRÔNICOS)

Os jogos eletrônicos, que ainda possuem sua popularização branda, são pouco explorado por questões sociais e, consequentemente, aquisitivas. Dessa forma, é possível visar os games como um mercado de nicho fechado, sendo a sua exploração a chave para a ampliação de debates e conhecimento do que ocorre no mundo. Como já é visto em 2019, cada vez se nota presença da gamificação35 em sistemas educacionais e empresariais (compreendendo que fazem parte do mesmo nicho, mas não são o mesmo objeto). Neste capítulo serão encontrados os objetos é abordado os estudo de caso dessa pesquisa, a fim de compreender o poder de escolha dentro da narrativa em jogos eletrônicos, compreendendo os conceitos elaborados nos capítulos anteriores. Os jogos escolhidos neste último capítulo partiram de três premissas, sendo elas: imersão, visando abranger a intensidade da interferência, em uma vida mundana, que pode ser gerada em um ser humano por meio da narrativa; escolhas, as formas em que a tomada de decisão aparecem e imergem o jogador; e decisão, a última etapa, das quais são geradas pelas escolhas do jogador. Os três pontos estão conectados, permitindo assim determinar o porquê desse universo ser tão imersivo. Além dos pontos já mencionados, todos os demais exemplos estão em estado comparativo com o jogo utilizado como exemplo nos capítulo 1 e 2 anteriores, Little Misfortune, visando proporcionar melhor compreensão e a comparação propriamente dita, com os demais universos ficcionais.

4.1 Imersão: Rusty Lake e Little Misfortune 36

Ao debater sobre imersão, que é o ato de se sentir pertencente a um universo, podendo ser o atual do ser ou não, significando ausência em um e inclusão em outro, por mais que esteja se tratando do mundo real e do mundo virtual. De acordo com Michael Mateas (2004 apud. AUDI, 2016), uma estrutura conveniente para o drama interativo requer unir as categorias estéticas da narrativa interativa, sendo elas: a imersão; agência; transformação e o drama aristotélico (como referido por Campbell, Aristóteles e Propp). A imersão trata-se da sensação

35 “Gamificação – do inglês gamification, é o uso de mecânicas e características de jogos para engajar, motivar comportamentos e facilitar o aprendizado de pessoas em situações reais, normalmente não relacionados a jogos.” (O que é gamificação, 2019) 36 Neste item do trabalho é possível encontrar informações sobre a narrativa do jogo que podem caracterizar spoiler. 51

de estar presente em outro espaço, estando comprometido com o contexto local; a agência consiste na sensação do poder (tomada de decisão) por meio de ações neste outro mundo em que as consequências estão relacionadas as escolhas do jogador; e transformação o ato da criação de uma máscara, o avatar, experimentando múltiplas opções de acordo com a subjetividade de sua evolução. (AUDI, 2016) Podendo-se entender a estrutura de um game narrativo significa a junção de imersão, agência e transformação, somado ao arco dramático, que inclui toda percepção temporal (Ricoeur, 1913) e a jornada do herói (Campbell, 2000). Para interpretar essa estrutura Audi (2016) separa a narrativa em três tópicos, sendo eles: Sequencial, correspondendo as representações das ações físicas ou mentais do participante, organizando-as em uma sequência temporal; Causal, interpretação dos eventos que ocorrem de forma inesperada e pouco imersivas da estória; Dramática, que é a estruturação semântica de acordo com certas existências formais, que é a formulação básica da narrativa. Explicando o contexto anterior dos três tipos de analises narrativas, a sequencial, que é produzida por meio das ações dos usuários; a dramática, que necessita direcionar as ações para o efeito desejado, por visar controlar emoções e reações, mas, logicamente, sem revelar este propósito; e a causal, que é muito encontrada em jogos de aventura, entretanto, está sempre vinculada com uma das demais narrativas (sequencial ou dramática). Será observado que, a maior parte das narrativas aqui exemplificadas, correspondem a dramática e a sequencial por interagir diretamente de alguma forma com o seu usuário. Diferentemente dos jogos narrados, os abstratos37, como Pac-man, onde as ações são instintivas, e a forma de detenção da atenção e da imersão do jogador ocorre de forma diferente da imersão de um filme, uma série ou um jogo narrativo. Por isso, nos jogos que contêm uma narrativa a realidade simulada é o habitat do personagem, ocorrendo um recentralização, que desloca o usuário para o mundo ficcional da estória. Para que o jogador se insira de forma imersiva, há o que se pode chamar de contrato entre o simulador e o jogador, que são os comandos de interface, as regras, a narrativa, os personagens, delimitando o espaço criado e como ele é utilizado. (AUDI, 2016) As análises explicitadas por Gustavo Audi (2016), organizam o game em tempo e espaço, conteúdo também citado por Ricoeur (1913), que analisa o campo da experiência temporal. Correlacionando os dois autores, compreende-se que o tempo ao adentrar uma

37 Jogos abstratos, são jogos que não contemplam a narrativa em sua estrutura, logo, não estando relacionados à dramaticidade. O único propósito do jogador é vencer a partida, chegando ao final dela por meio de alguma pontuação. (AUDI, 2016) 52

narrativa ele se torna mensurável de outra forma, em relação ao que estão habituados, o tempo do relógio ou do calendário. A composição temporal é feita por atos, dentro do contexto narrativo, sendo assim, o tempo estipulado por ações. E por isso, sua mensuração é subjetiva e abrangente. Visando assimilar as etapas existentes para a imersão no mundo dos jogos narrativos, como tutorial, verossimilhança e a recentralização, além dos termos já citados, será explicitado por meio de dois jogos Rusty Lake (Cube Escape) e Little Misfortune, em estado comparativo, compreendendo as diversas formas em que a imersão e jornada do herói estão inclusas nos jogos eletrônicos. Rusty Lake, mais conhecido como Cube Escape, é uma coletânea de jogos eletrônicos conectados entre si, que relata a história do assassinato de Laura Vanderboom, uma das personagens principais que guiam a história. Este game está disponível nas plataformas Mobile (IOS e Android) e PC (Windows e MAC). Classificado como um jogo de Point-and-Click38 e Puzzle39, possui uma estrutura de escolha baseadas em alternativas, a maioria das mudanças são produzidas pelo próprio desenvolvedor e algumas a cargo do usuário. A imersão do game está contida em sua complexa narrativa, que imerge o jogador, que em primeira pessoa40, transforma-o em o ator da série, sendo o responsável por suas decisões. Cube Escape, nome que citarei com maior frequência, mesclam dois protagonistas em duas perspectivas diferentes no mesmo universo. Laura Vanderboom é uma jovem mulher que é morta de forma inexplicável, e seu assassino é um mistério até o último, o que pode se considerar, o capitulo da série (Cube Escape Paradoxo); Dale Vandermeer é um detetive criminal que busca compreender a morte de Laura. Ambos personagens possuem seus momentos de protagonismo com capítulos exclusivos de suas histórias, e estão totalmente interligados, e por isso ambos são de suma importância para a narrativa. Por sua longa e complexa narrativa, aborda-se, a priori, como fonte de pesquisa, o episódio Cube Escape Paradox, por sua narrativa tratar-se de um encerramento de um ciclo, e explicar todo o complexo da narrativa central, sendo um dos possíveis desvendamento da morte de Laura. De acordo com a Figura 13, pode-se observar a timeline desenvolvida por fãs que

38 Point-and-Click é uma categoria de jogos onde o jogador executa suas ações por meio de clicks, sendo o único meio de controle. 39 Puzzle, ou enigma, sua tradução, são jogos dos quais há a necessidade de se desvendar algo de acordo com uma trama. 40 Primeira pessoa é a forma em que o personagem jogável está na visão do jogador, sendo primeira pessoa o plano da própria visão, como o personagem sendo o usuário. 53

captura os anos e os acontecimentos dentro de cada episódio da narrativa completa, reafirmando a impossibilidade de debater sobre toda a narrativa da saga Cube Escape. Figura 13 – Timeline da série Cube Escape

Fonte: Site Reddit fórum do game Cube Escape41 Pretendendo compreender os atos ocorridos em Cube Escape Paradox, a estória será abordada seguindo a lógica da jornada do herói de Campbell (2000), colocações da imersão no mundo do vídeo game de Audi (2016) e a experiência temporal de Ricoeur. Neste jogo, o protagonista (herói e anti-herói) é Dale Vandermeer, o detetive criminal que estuda o caso de Laura (protagonista). Ambos são membros participantes dessa narrativa. Por este motivo, o game selecionado melhor descreve a narrativa da saga. A trama se inicia com o detetive Vandermeer deitado em um divã (Figura 14), se encontra em um quarto, sem saber ao menos onde está. Ao abrir brevemente seus olhos, antes de acordar completamente, vê a imagem de Laura, e se pergunta “ela também está aqui?”. Esse fato ocorre em 1971/72, ano em que tudo se iniciou com a morte de Laura, o Case 23, entretanto muitos anos se passaram desde o ocorrido. A partir desse momento se inicia o tutorial (AUDI,

41 Disponível em: . Acesso em: 17 nov. 2019 54

2016), momento introdutório, que permite o jogador reconhecer o mundo, aceitando-o como verdade, e por isso, é o momento prático, do contrato, onde é mostrado a jogabilidade (botões de ação) e os personagens da narrativa. Por ser uma estória já contada anteriormente em outros episódios da saga, eles (os personagens) não são reapresentados como num primeiro encontro. A partir desse momento, o jogador começa a fazer suas escolhas, adentrando em outra esfera, a da verossimilhança, que facilita o reconhecimento da nova realidade como algo próximo da vida do indivíduo (relação entre mundo real e mundo possível) (AUDI, 2016). As escolhas neste jogo determinam o tempo de conclusão e a forma em que o jogador irá sair da sala. Entretanto, todos os finais e clímax da narrativa serão os mesmo para todos os jogadores, diferindo de Little Misfortune, no qual as escolhas determinam o final e todas as consequência ao decorrer da narrativa. Após ter acordado, detetive Vandermeer precisa encontrar uma saída desse quarto, e precisa desvendar uma série de quebra-cabeças. O quarto é elaborado por cinco campos jogáveis, que contém objetos de cena que ajudaram seguir uma trilha até encontrar a chave para a saída, literalmente. Para isso, o detetive precisa abrir caixas, gavetas trancadas, assistir sua própria versão, porém real, na televisão disponível neste cômodo, e outros puzzles que classificam, de acordo com a jornada do herói (2000), a iniciação Neste momento, o jogador, que é um indivíduo social, torna-se o personagem, o detetive Vandermeer, sendo o tempo monumental guiado por esse personagem. No momento de imersão, o jogador associará as experiencias vividas no seu espaço temporal as do personagem jogável. Essa identificação, auxilia na imersão espacial, que é quando o usuário se sente pertencente a um espaço, sendo um sentimento literal de pertencimento (AUDI, 2016). De acordo com esse fator, compreende-se o universo de alternativa dos jogos eletrônicos, pois, gerar identificação é abrangente, por menores que sejam as mudanças de uma narrativa para outra, visto que sua maioria segue uma métrica, como a exibida por Campbell (2000), todas almejam gerar identificação, para que ocorra a imersão. O segundo ato da narrativa de Cube Escape é totalmente subjetiva, em virtude de as escolhas que guiam o jogador para a saída da sala, ou melhor, do cubo (e por isso é dado este nome a esta saga), são totalmente mutáveis, na sua questão sequencial. A escolha dos primeiro objetos e da solução dos primeiros puzzles influenciaram no tempo cronológico, mas não no tempo da narrativa, nem no tempo psicológico. Pois, todas as alternativas levaram para a 55

descoberta dos três cubos42, que abriram o armário, que contém um elixir. Esse elixir dará uma chave para a saída, entrando neste momento no terceiro ato da narrativa. O terceiro ato condiz com o final da iniciação e a conclusão do retorno. O objetivo que direciona a vida do detetive é descobrir o assassino do Case 23 (o caso da jovem Laura), compreendendo que neste local do qual está, permitirá entender não apenas a sua localização, mas da descoberta de quem matou Laura. Após sua passagem pelo portal, ele nota que está no Rusty Lake, o lago em que tudo acontece. E vivência a morte de Laura, sem que ele possa reagir. O que o detetive vê é uma alma corrompida43, fazendo com que o caso continue um mistério. No final, o personagem principal desmaia e retorna ao seu estado inicial, como um looping temporal, que é gerado por questões maiores, contida em toda a saga do game. Nisso se inicia o fecho de um arco, iniciando outro, dentro do mesmo universo, que é onde a alma do detetive se corrompe ao tomar o elixir azul. A narrativa é idêntica até o momento em que o detetive Vandermeer tomar o elixir. Ao retornar para o lago, do qual Laura é morta, o detetive e o jogador descobre que a alma corrompida que mata a personagem é ele próprio. E novamente, chegando no final da estória, o personagem retorna para o mesmo lugar em que tudo inicia. Ambos os jogos, Little Misfortune quanto Cube Escape são jogos de escolhas. Entretanto, Little Misfortune as escolhas influenciam em diferentes cenas, já Cube Escape, por mais que haja a vontade do jogador de mudar o seu final, ou sua trajetória, não é viável, sendo o final único, assim como as escolhas. A forma de imersão presente, corresponde do mesmo princípio, sendo ele, a narrativa. A experiência temporal, o pertencimento, a jornada, a atenção, todas geradas pela narrativa, permitem imergir no lapso temporal de Cube Escape, como na história (narrativa da personagem como pessoa) de Misfortune. A ligação do real com o ficcional de Cube Escape Paradox está presente no tempo. Os cubos são memórias, que são capazes de serem vistas, revistas e reformuladas. Tratando de um desejo humano, por mais que no universo ficcional da narrativa os elementos que dão existência a esses cubos são sobrenaturais, fora da razão física, e por isso trata-se de uma ficção. O interesse parte desta premissa, do desejo do ser humano de modificar seu destino a todo tempo, de poder reescolher e podendo analisar de outro ângulo suas escolhas. É normal deparar-se com um indivíduo devaneando se arrependendo de uma decisão, ou querendo retornar a alguma oportunidade. Como já citado, as escolhas significam perda. Perda de algo que ainda não teve

42 Os cubos, é um elemento dessa narrativa que permite modificar memórias, os cubos brancos são memórias boas, os pretos, memórias ruins, o azul, modifica a memória. Entretanto, essa memória está mais ligada a questão temporal. 43 Alma corrompida é a alma de algum ser, que ao decorrer da narrativa doa, ou é induzido a doar por algum motivo, transformando-a em um objeto manipulável, que comete atrocidades. 56

e nunca terá, ao menos, não da mesma forma que no momento em que se foi posto em impasse pela primeira vez. De forma mais literal, essa perda é especificada pelo jogo (Cube Escape) por meio das perdas familiares do Detetive em Cube Escape Birthday; ou com a morte de Laura em Cube Escape Case 23; as perdas da família Vanderboom em Rusty Lake: Roots; ou a perda da alma do detetive Vandermeer em Cube Escape Paradox. Toda essa estória é acendida graças ao elixir da vida eterna, que é a principal busca de todos que entram em contato com o lago de forma ambiciosa. Compreende-se que, toda a narrativa contorna-se medos e desejos humanos, sendo um dos elementos para reter a atenção do jogador, posterior as questões gráficas, jogabilidade, som e as regras, a forma em que o jogo se estrutura. (AUDI, 2016) A parte sonora, como citada anteriormente, é um elemento importante para apreender a atenção do jogador, e nesta narrativa, está correspondente a cada cenário, a cada clímax e a cada personagem. Neste jogo, a trilha sonora, composta por Victor Butzelaar44, retrata pelo víeis da música clássica, os momentos vividos na estória da saga de Rusty Lake. Na cena em que o detetive retorna como alma corrompida para matar Laura, a música tocada é a principal da saga, indicando que o fim, é onde tudo se inicia. Assim, o jogador consegue imergir no tempo monumental construído em toda a narrativa da Saga. Por fim, na trajetória dessa narrativa foi possível adentrar nos campos que permitiram a imersão, mesmo tratando-se de uma estória fixa, diferentemente de Little Misfortune, onde o jogador possui escolhas que mudam a trajetória. No próximo capítulo será analisado dois jogos, em estado comparativo com Little Misfortune, da perspectiva das escolhas, que por mais que também se tratem de uma estória imersiva, sua concentração está diante das possibilidade e não da construção de uma saga, como é observado em Cube Escape.

4.2 Escolha: Life is Strange; Little Misfortune e Gris45 Escolhas estão diretamente ligadas a tomada de decisão, sendo sinônimos. O ato de escolher está dentro de ter uma ou mais alternativas, para resoluções de conflitos, considerando que, para haver uma escolha é necessário haver um problema, por exemplo, para determinar entre sair de casa ou não há fatores pessoais que induzirem a escolha, além deles, há o conflito entre sair ou não que determinará uma alternativa a ser vivida. Caso o indivíduo decida sair,

44 A playlist do jogo está disponível na plataforma Spotify no link: https://open.spotify.com/album/21AnpSz2KEQFqlCXqtSu8D?si=Ne2QhfJ7TpOsrvweMLmBbg 45 Neste item do trabalho é possível encontrar informações sobre a narrativa do jogo que podem caracterizar spoiler. 57

sua trajetória poderá direciona-lo para qualquer ambiente fora de sua casa. Já se optar por permanecer em casa, sua convivência não passará desse ambiente, ficando restrito a ele. Como é contemplado por Angeloni (2003), a tomada de decisão, é a perda e o ganho contemplada em uma única ação, e por isso adentra ao campo da indecisão e da dificuldade da mesma. A Teoria do Valor Esperado, estruturado por Wargo (2012, apud. LAZARIN E CHEROBIN, 2017), explica que a tomada de decisão, neste caso a escolha, sendo ela uma relação direta entre a chance de algo acontecer e o quão favorável ou desfavorável esse acontecimento seja. Logo, essa teoria, é a representação numérica entre risco, benefício e sorte (LAZARIN e CHEROBIN, 2017). Propondo compreender o universo das escolhas, os jogos selecionados para a análise condizem com um universo ficcional do qual a escolha é uma exigência da jogabilidade, para que o usuário exerça influência sobre a narrativa, movendo a estória de acordo com suas alternativas e decisões. Life is Strange é um game em terceira pessoa46 prioritariamente para PC, adaptado ao mobile, disponível nas plataformas Steam (PC e MAC), Google Play (Android) e App Store (IOS). É um jogo, assim como Little Misfortune, que permite o jogador escolher entre opções, além de diversas interações no caminho que modificam a trajetória da heroína. Life is Strange conta a história da jovem Maxine Caulfield, uma universitária que cursa fotografia na Academia Blackwell. No início do enredo, ela possui uma vida comum de uma estudante universitária, que mora em seu campus, como boa parte de seu núcleo. Esse game percorrer perfeitamente pela jornada do herói de Campbell (2000), possuindo cada elemento em sua trajetória, além de diversos eventos causais. De acordo com a possibilidade de análise do Gustavo Audi (2016) correspondente a: sequencial; causal e dramática. Nesta narrativa é possível explicitar de melhor forma todos esses eventos pertencentes a esta estória. A trama sai da vertente da partida, para a iniciação, quando ela descobre que possui o poder de voltar no tempo. Nessa cena, Max, vivencia a morte de uma estudante dentro do banheiro da universidade, do qual está presente. Neste momento, o ato do tutorial, que é o reconhecimento da jogabilidade e de seu território presente em um game, se encerra (AUDI, 2016), sendo o usuário capaz de reconhecer todas as funções simuladas do jogo. Prosseguindo na cena, a heroína, e consequentemente o jogador, precisam reparar o passado, e é retornado no

46 Terceira pessoa é a linguagem utilizada para determinar a visão do jogador perante ao personagem, determinando também o tipo de jogabilidade. Terceira pessoa é quando o jogado vê o personagem acima de seus ombros.

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tempo até que a jovem não seja morta. Todo o desenvolvimento da Iniciação, é consequente deste fato, que é o start47 para a estória. Todos os desafios que a protagonista enfrentará, derivam desta jovem que ela salvou, Chloe Price, que se trata de uma amiga de infância, que não via a anos, e só retornou a vê-la pós retornar para Arcade Bay. Chloe seria o auxílio sobrenatural e ao mesmo tempo é a quem gera todas as batalhas da heroína. Para defendê-la e solucionar seus problemas, Max, retrocede no tempo e “conserta” ou descobre novos fatos para Chloe. Toda a análise dramática da narrativa está presente na história entre Max, Chloe e Rachel Amber. Rachel era uma jovem, que foi a melhor amiga de Chloe enquanto Max estava fora da cidade, assim como ela, era estudante da mesma universidade, porém desapareceu de forma inexplicável. Esta parcela da trama, ou melhor, a trama central da narrativa, gira ao entorno da descoberta do paradeiro de Rachel. Pode-se dizer que, há diversas histórias causais dentro da narrativa como um complexo. Por debater diversas temáticas delicadas, como bullying, estrupo, assassinato, suicídio, eutanásia, depressão, ansiedade e outros. As histórias causais, nesta narrativa, funcionam como estórias paralelas, que em tese, não influenciam diretamente a narrativa central, mas possui impacto para a compreensão do universo, que é distópico e real dentro de um campus universitária. A natureza das escolhas, são intuitivas de acordo com as premissas de cada indivíduo, como relata o autor Wargo (2012, apud. LAZARIN E CHEROBIN, 2017). Este fato também é explicitado em alguns casos de Little Misfortune, porém em Life is Strange, todas as escolhas geram consequências efetivas para a narrativa e para construção desse. Como no caso causal de Kate Marsh, uma estudante da universidade que se suicida após ter fotos intimas tiradas em uma festa da qual foi dopada, ressaltando que ela é uma jovem religiosa, e esse ato não corresponde com sua conduta. No ato dessa escolha, a personagem principal desacelera o tempo e vai ao encontro de Kate, para evitar sua morte. De acordo com as escolhas do jogador, ela pode ou não se suicidar, mas, para isso ele necessita está presente na vida de Kate durante o complexo da narrativa, compreendendo seus desejos, sonhos, princípios e tudo que envolve a sua vida, pois, é a única forma de salvá-la, selecionando as opções corretas. Em comparação a Little Misfortune, a influência das escolhas são demasiadamente inferiores as de Life is Strange. Pois, cada escolha, por mais que influencie, como viu-se nas diferentes mortes do cachorro Puppy, há sempre um elemento retroativo, ou uma versão única,

47 Start é uma palavra da língua inglesa que significa começar. É uma linguagem recorrente em jogos eletrônico, mesmo que em português. 59

independentemente da tomada de decisão. Já em Life is Strange, por mais que seu final possua apenas duas alternativas, logo, todas as demais feitas no jogo direcionam para um “mesmo final”, que trata-se da a morte da Chloe para que Arcade Bay sobrevida, ou a sobrevivência da Chloe e a morte de Arcade Bay, tudo causado pelo efeito borboleta, que é uma teoria temporal. Neste jogo, a possibilidade de mudança na estória é maior, e as escolhas mais complexas, por todas, ou grande maioria, partirem de temas reais, como se o usuário vivenciasse este momento conforme a sua realidade. Diferentemente dessas duas narrativas, Gris, cinza em francês, é um jogo que possui uma linearidade, por seu arco narrativo ser fechado não possuído a opção de alternativas, esta experiência imersiva dentro do campo das escolhas, estão presentes na narrativa e nas formas em que o caminho será percorrido. Gris, é um jogo sem falas, os seus comandos são intuitivos, a parte do tutorial é quase inexistente, pois aparece bem brevemente na narrativa. Por tratar-se de um jogo visual, seu encantamento gráfico e sua jogabilidade, permitem ao jogador compreender o assunto debatido e imergir junto a trajetória da personagem. A temática da estória é sobre perda e depressão, Gris, perde sua mãe ainda jovem, e o jogo demonstra as cinco fases do luto, sendo elas: negação; raiva; barganha; depressão e aceitação. Sua representação é feita por cores e o nível de dificuldade encontrado, quanto maior o desenvolvimento da personagem, maior será a dificuldade do jogo. Gris, diferentemente dos dois jogos, possui outro recuso de escolhas, que, por meio do caminho percorrido, por tratar-se de um jogo de plataforma48 e puzzle, permite o jogador percorrer dentro de um ambiente limitado, mas com alternativas possíveis. As escolhas de Gris são mais subjetivas, por não haver perguntas e opções, como nos dois exemplos anteriores. O objetivo de um game de plataforma é concluir uma jornada, dentro de um espaço delimitado estipulado pelo desenvolvedor, é sair do ponto A ao ponto B, para compreender tudo o que acontece nesse mundo. Já a categoria de puzzle visa também que o jogador conclua uma jornada do ponto A ao B, porém, de acordo com as soluções do seu quebra-cabeça, conforme as decisões do jogador. Por esta razão que Gris possui uma estrutura diferenciada, tanto perante os gráficos quanto ao universo mercadológico. A trilha sonora que compõe esse jogo, criada por Berlinist49, retrata os sentimentos da personagem, com desenvolver da estória. Esta ferramenta não linguística ajuda o jogador a se

48 Plataforma é um estilo de jogo que o usuário percorre uma trajetória de um ponto A para um ponto B, enfrentando desafios ao decorrer da história. 49 A playlist está disponível na plataforma streaming Spotify, pelo link: https://open.spotify.com/album/2YMWspDGtbDgYULXvVQFM6?si=jNIPV8Y_TOm0Yx4uf55rJg 60

localizar nas fases, nos níveis de dificuldade, quanto maiores mais alta a música será, além dos signos de identificação gerados para compreender os momentos da batalha, por exemplo, em toda aparição do pássaro, que é o anti-herói visível da narrativa (isto é dito pois, compreendendo as cinco fases do luto e a história da Gris, o verdadeiro inimigo é ela mesma, transformado em um elemento físico, o pássaro, que significa sua liberdade), a composição sonora é sempre a mesma, e da mesma forma que a personagem, suas emoções, como raiva e tranquilidade, deixam o som mais grave ou não (MUSZAT, 2012 apud WEIGSDING, 2015). Em estado comparativo, já a influência sonora de Life is Strange, emerge o jogador de outra forma, com música de identificação de cenas, como funciona nas novelas, quando cada personagem possui uma música ou as dos locais principais. Além disso, os estímulos sonoros são para avisar sobre algo como, quando a escolha precisa ser feita, e quando a escolha é feita; ao anunciar mudança de local; quando uma ação (como pegar um livro) foi executada; dentre outros. Gris, em sua estrutura, também possui esse estilo de efeito sonoro, entretanto, com menos intensidade que em Life is Strange, por ser um jogo com menos exploração comparado ao mesmo. Compreendendo a base da estória de ambas as narrativas, e suas estruturas, entende-se que escolhas, da forma em que está sendo abordada aqui, é um ato antes da decisão, que pode ser previsto ou não. No caso de Gris, as escolhas são imprevisíveis, pois, por mais que os caminhos sejam intuitivos, não é possível saber o que acontecerá na cena a seguir, não da forma previa esperada. Já em Life is Strange é possível por sua estrutura ser narrada detalhadamente, podendo compreender cada momento da escolha e seu antecessores, assim como em Little Misfortune. O conjunto de elementos, como som, gráficos, jogabilidade, facilitam o ato da escolha e a sua intervenção ao decorrer da narrativa. A próxima fase, abordará sobre o sistema de decisão, que abrange todas as demais áreas aqui citadas, estruturando a narrativa de Black Mirror Bandersnatch em estado comparativo com Little Misfortune, prezando compreender a estrutura narrativa e como ela consegue influenciar a imersão nos jogos eletrônicos.

4.3 Decisão: Black Mirror:Bandersnatch e Little Misfortune 50 Como nos capítulos anteriores, será adentrado no mesmo campo da imersão e das escolhas. Sendo todas essas narrativas interligas por um mesmo objetivo, a tomada de decisão,

50 Neste item do trabalho é possível encontrar informações sobre a narrativa do jogo que podem caracterizar spoiler. 61

pertencente no campo da narrativa. Decisão e Escolha, por mais que na semiótica sejam sinônimos, neste estudo será tratado de forma distinta. Visando compreender a abordagem de cada narrativa, dentro da jogabilidade oferecida pelo objeto, entendendo de que forma este imerge o usuário. Decisão, é o ato determinante, como o ponto final, além da consciência da ação na qual foi tomada. Nesta conduta, quem executa já passou pela fase de indecisão, pois já está decidido. Esta ação é determinada por fatores que já são explicitados, por mais que a alternativa seja imprevisível, é imaginável, ou até mesmo conclusivo a forma da qual levará a aquelas alternativas. O exemplo a seguir demonstrará a diferença dentre os demais exemplos, e de que forma a série é executada pela distribuidora e produtora Netflix, permitindo ao jogador notar o momento em que as ações serão necessárias e os tipos de alternativas.

Figura x – Banner de anúncio do novo episódio na Netflix

Fonte: Site Arrobanerd51

Bandersnatch é um episódio interativo da série Black Mirror que é transmitido e um original da plataforma de streaming Netflix. Esta série de ficção científica contém uma estrutura narrativa do mundo distópico, visando compreender e enfatizar novas tecnologias e sua utilização de forma incorreta, ou o que pode proporcionar a sociedade, logicamente, de forma negativa. Sua explicação é extremamente subjetiva, ficado a cargo de cada usuário determinar seu conceito principal, sendo eles mutáveis a cada capítulo da série, por cada um propor uma temática diferente dentro desse mesmo campo tecnológico.

51 Disponível em: < http://www.arrobanerd.com.br/black-mirror-bandersnatch-finais-disponiveis-curiosidades/>. Acesso em: 10 Nov. 2019 62

Bandersnatch não difere da temática. O destaque desse episódio está a cargo da interação, que é uma novidade eminente da distribuidora. O usuário tem o poder de escolher/determinar a narrativa desta estória, possuindo duas opções pré-estabelecidas. O episódio pode ser visto por qualquer meio no qual é permitido o acesso na plataforma de streaming, como televisão, celulares, computadores, tablets, dentre outros. A escolha é feita de forma simples (figura x), aparecendo duas opções na tela do usuário, a escolha fica a cargo do mesmo. Vale ressaltar que todas as escolhas/ações geram consequências perante a narrativa.

Figura x – Escolha dentro do episódio Bandersnatch

Fonte: Imagem retirada da plataforma de streaming Netflix52

A estória conta um momento da vida do jovem Stefan Butler, um rapaz que perdeu sua mãe ainda muito jovem, e vive/é criado por seu pai, Peter Butler. Desde a perda de sua mãe o jovem sofre com distúrbios que o tiram do convívio humano, se assemelhando a um grau de autismo ou a depressão, dado não explicitado na narrativa. De acordo com esse fato, Stefan se isola em seu quarto e inicia a sua carreira como desenvolvedor de jogos eletrônicos, sendo o seu primeiro Bandersnatch. Esse título na verdade parte de um livro, que permite ao leitor escolher sua trajetória de acordo com suas escolhas, possuindo diversas alternativas. Stefan, na verdade, possui o intuito de reproduzir exatamente o que o livro oferece, ou não. Para melhor analisar essa narrativa separa-se em parcelas de cenas, atos e beat (estruturas de mudanças da narrativa), permitindo melhor visualização, de acordo com os princípios analíticos dos autores Campbell (2000) e Mckee (2006):

52 Printscreean efetuado de um aparelho telefônico da plataforma Netflix 63

Primeiro ato: O herói se encontra em uma rotina sem graça e com problemas. Stefan tem problemas com o pai, que não compreende o seu isolamento e falta de convívio com jovens de sua idade. Por isso, o jovem frequenta sessões de terapia com a Dr. Heynes (aparentemente uma psiquiatra), que aparenta cuidar do caso do menino a alguns anos, pois todos os problemas surgem a partir da morte de sua mãe, da qual ele se sente culpado por não ter ido ao trem com ela visitar seus avós. Trem este que desencarrilha causando a morte de grande parte dos passageiros, inclusive de sua mãe. Motivação (beat I): A motivação ao “chamado da aventura” ocorre quando o jovem encontra um livro de sua mãe, Bandersnatch, e se encanta com a sua narrativa e decide elaborar um jogo com a mesma dinâmica do conto. Neste estágio, a narrativa do episódio começa a se diluir em opções, deixando de seguir a ordem exata estabelecida por Campbell em O Herói de Mil Faces (2000). Sendo assim, a interpretação partirá de suas premissas, porém não de suas ordens. E por este motivo a abordagem explicativa seguirá apenas um caminho. Beat II: No ato da autodescoberta do herói, há a busca por uma produtora, a Tuckersoft, que se interessa por a demo53 de Bandersnatch. Neste ato, surgem duas opções, aceitar ou não a proposta do Mohan Tucker, o produtor e dono da empresa. Ato final A54: Ao aceitar a proposta, o jogo do capítulo de Black Mirror é elaborado com rapidez, reduzindo o conteúdo da narrativa, com o intuito de elaborar um produto comercial. Logo, reduzindo também as possibilidades de escolha, transformando-o em um jogo curto e desinteressante, palavras ditar pelo crítico de jogos da série. Beat II: A recusa da proposta permite o autor produzir de sua casa, local onde já iniciou sua demo, sendo um produtor independente com auxílio da produtora. Motivação beat I: A aceitação da proposta, tanto na opção positiva quanto negativa, é dada graças a Colin Ritman, um famoso desenvolvedor de jogos eletrônicos, no qual Stefan é fã. Ele determina a sua entrada nas duas formas: na primeira (aceitação), por aceitar a trabalhar com Colin; na segunda (negação) por apoio de Colin, em que diz que ele é como ele, um desenvolvedor solitário, que possui um game conceitual, e necessita trabalhar sozinho. A figura de Colin Ritman é referente ao guardião (o auxílio do sobrenatural), que aconselhará o herói durante a sua jornada.

53 Demo é um fragmento inicial de um game que visa apenas apresentar sua estrutura (gráficos, jogabilidade e narrativa) afim de introduzi-lo no mercado, sendo por meio de teste de usuários ou apresentações a distribuidores e produtores. 54 Os atos finais, que serão citados com pequena frequência, dizem a respeito dos ciclos encerrados pela própria narrativa, visto que a mesma possui diversos finais, como citada e observada no fluxograma (figura x) 64

Segundo ato: Após aceitar a proposta de Mohan Tucker, o protagonista vai ao encontro da sua terapeuta, Dr. Heynes, e relata a novidade. Neste momento se inicia a principal problemática, o qual se pode considerar o antagonista da estória. Stefan conta que se sente controlado, não sendo o detentor de suas decisões. Na ocasião em que recusa a proposta inicial do produtor, sua vontade na verdade era aceitar, e essa decisão foi tomada “contra” a sua vontade. O antagonista dessa narrativa não é um ser físico perante a uma visão de um único universo, o do episódio e do mundo do autor. Nessa perspectiva o antagonista é a doença mental do protagonista, que induz o mesmo a ações involuntárias, por meio de sua psique e a criação de imagens inexistentes em um mundo físico. Entretanto, necessitasse compreender e considerar que, nesta narrativa o jogador telespectador é um elemento da mesma, consequentemente o antagonista pois, todas as ações involuntárias são proporcionadas pelas escolhas do indivíduo que está comandando. Logo, a suposta doença mental que é desenvolvida durante a narrativa é causada por quem o comanda. Por mais que as decisões sejam restritas a poucas possibilidades, não diminui o fato de alguém estar controlando-o. Em Little Misfortune, toda a problemática também corresponde a este comando, que no caso de Bandersnatch é a doença mental do protagonista, e em Little Misfoturne trata-se dos incentivos da jornada da jovem menina, que certamente, também está associado a questões da psique, por tratar-se de um universo pós-morte, chamado pela narrativa de ultrareality. Em ambos, o jogador pode considerar-se o herói e o anti-herói das narrativas, e em uma considerável parte dos jogos eletrônicos de escolhas, a posição do jogador é a mesma. Inserindo na perspectiva de uma vida humana, as decisões podem gerar o mesmo efeito de protagonista e antagonista, da sua própria história. Por este motivo, a conexão entre leitor e autor parte da premissa da identificação, apenas é consumido o que gera empatia (LAZARIN e CHEROBIN, 2017). Dentro desta perspectiva, a concepção temporal modificam tanto a narrativa original, em relação ao tempo cronológico do capítulo, quanto ao tempo monumental, que é o tempo vivido pelo personagem e, consequentemente pelo jogador, originário da imersão. Diferentemente de outras narrativas da série, e das demais oferecidas pela Netflix, o tempo é mutável e imensurável, segundo a experiência do usuário e de suas decisões. A teoria da experiência temporal, conceituada por Ricoeur (1913), explica que no campo temporal, ainda mais no tempo monumental, a percepção temporal é exercida por meio de ações, quanto mais a narrativa seguir uma cronologia que direciona o usuário, mais inexistente o tempo será, 65

perante a marcação humana temporal, e por isso, tanto como em Bandersnatch quanto em Little Misfortune, o campo temporal é guiado pelas escolhas e pela estrutura narrativa. As críticas55 deste episódio de Black Mirror, relataram uma intensa insatisfação dos telespectadores, ainda mais àqueles que estão habituados com a trama da série, pois, por mais que se trate de um capítulo de uma série, Bandersnatch não é um conteúdo televisivo, mas, um jogo adaptado ao conteúdo televisivo. A exaustiva jornada do personagem, entre idas e vindas, mortes e recomeços, exaure o consumidor comum de uma série e instiga a um jogador. Por este motivo, durante toda a exemplificação, a palavra jogador, ou jogador telespectador é utilizada para substituir a imagem do telespectador comum. E pelo mesmo motivo é comparado ao exemplo de um game em sua plataforma tradicional. Estar imerso depende de uma variedade de fatores, como som, imagem, narrativa, perspectiva, objeto, dentre outros, que é menos presenciado em mídia televisiva comum, por tratar-se de uma dinâmica diferente, o que não há imune da imersão, porém reduz a mesma. Durante toda a narrativa, desde o momento mais mundano do herói, até o clímax do seu antagonismo, que é o momento em que ele mata o seu pai, compreendendo-o como um membro de uma organização de controle da mente (vale ressaltar, que essa é uma das possibilidades), há a perda do controle do espaço-tempo, gerada pela confusão mental do protagonista, induzindo o jogador a tomar uma série de ações da qual não são planejadas. Além das influências externas (referente as vivências e a construção pessoal do indivíduo), a psique se torna um elemento determinante para a decisão. Por fim, em comparação ao estado da escolha, a decisão é um fator onde a influência das experiências mentais, físicas e pessoais garante uma resposta. Por exemplo, de acordo com as premissas estabelecidas em uma sociedade, matar é colocado como um crime, por mais que não parta da premissa do jogador aceitar esse tipo de ato, a narrativa levara-lo para este caminho, e por isso decisão, por mais que sejam diversas as alternativas, a narrativa guiará as respostas. Assim como o caso das opções de escolha entre um unicórnio e uma pedra machada de sangue, em Little Misfortune, entre ambas as opções a preferível sempre será o unicórnio, decorrendo do estilo de Misfortune, sua idade, seu quarto e outros fatores dentro da narrativa que determinam a decisão, entretanto, esses fatores não anulam a personalidade do indivíduo, mas reforçam a direção que a narrativa quer levar o jogador.

55 Exemplos de comentários de usuários consumidores da indústria audiovisual: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-270586/criticas-adorocinema/ 66

4.4 Estão Imersos? Após a análise dos três campos estipulados nessa pesquisa do capítulo 3, sendo eles: imersão, escolha e decisão. Compreende-se a complexidade do campo da imersão como um todo, tratando-se de um elemento subjetivo e interpretativo, não havendo uma precisão que permita afirmar os fatores determinantes da imersão, em virtude de a imersão está também atrelada a uma adequação temporal, referente ao momento vivenciado, logo, podendo ser modificável. Como citado por Audi (2016) a atenção é um recurso necessário quando referente a submersão do jogador, e racionalmente, é fundada por estruturas sociais (público, idade, sexo, opção sexual, poder aquisitivo...) e questões psicológicas (gostos, religião, grupos pertencentes...), além de seguir uma métrica funcional, como a utilização do Monomito, de Campbell (2000) para construir a base da narrativa. Todas as narrativas analisadas seguem um conjunto de elementos que tornam os jogos inclusivos, no sentindo de incluir o jogador como um elemento participante da jornada. Músicas, categoria de jogabilidade, temática, estrutura gráfica, todos esses dados estimulam a psique do indivíduo, permitindo-o sentir dentro do local narrado. Ricoeur (1913), ao trabalhar com o tempo monumental, e a amplitude da experiência temporal, é sobre esse pertencer que ele relata. O desligamento de um universo para o outro, percebendo o tempo monumental, que é gerado pelas ações, do universo ficcional, faz com que o jogador acredite que aquele é o seu universo. Não na mesma intensidade, mas os usuário de redes sociais também submergem nas diversas narrativas expostas em uma rede. A imersão depende de concentração e identificação, para a sensação de ser aconteça. Little Misfortune serviu como base da pesquisa e como elemento comparativo por possuir jogabilidade simples, que permite uma analise mais completa e detalhada, além de sua estória complexa, que possibilitou analisar o mesmo universo por diversas perspectivas, sendo elas claras na narrativa. E assim como Little Misfortune, Life is Strange e Bandersnatch segue os mesmo princípios de jogabilidade, a perspectiva de vários ângulos. Esta forma de produção de um jogo, permite ao indivíduo aceitar o pertencimento, pois, é como se o mesmo estivesse escutando versões de uma mesma história que seus amigos estão contando. Diferentemente de Cube Escape e Gris que são narrativas das quais a influência do jogador é reduzida, em comparação aos exemplos anteriores sendo a escolha estipulada nas alternativas da jogabilidade não na história. Dito isto, não é inapropriado dizer que sim, os usuários estão imersos dentro do universos dos jogos eletrônicos, logicamente, levando em consideração a todos os fatores já citados, principalmente o fator identificação. Sem que haja, por mais ficcional seja a estória, 67

fatores humanos, sendo eles emocionais ou não, a identificação deixa de ser imersiva para ser apreciativa. Os indivíduos necessitam da associação com o seu tempo real, para adentrar no monumental, que a priori, não deixa de ser um sistema apreciativo do tempo real, dependendo da concepção da narrativa. Os seres humanos utilizam a comunicação como base de sua estrutura social, referente a sociedade, e por este motivo há a necessidade de identificação, pois, o ato de jogar também é uma ação comunicativa, entre os signos do indivíduo e do autor, que se encontram por meio de uma conexão gráfica interativa. Compreendendo este estado, a imersão não está somente presente nos jogos eletrônicos, mas em toda a conexão humana-virtual, tendo em mente que se trata de uma extensão do que é considerado real. Desta forma, a significância do virtual está atrelada ao mundo não físico, não palpável, e por mais que haja estas condições ele continua sendo real. Por isso que, por mais que os gráficos dos jogos não sejam semelhantes a figura e a realidade humana, a estória reaproxima a realidade, como a felicidade infantil de Misfortune, a perda de Gris, a amizade de Chloe e Max, a busca de Dale Vandermeer ou a história familiar de Laura Vanderboom, ou a loucura de Stefan Butler. Todos eles são humanos, por mais que suas estórias sejam ficcionais e surrealistas.

68

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento dessa pesquisa possibilitou a compreensão dos elementos e de que forma ocorre a imersão nos jogos eletrônicos, seguindo pela vertente da narrativa, analisando sua estrutura e possibilidades de aplicação, conforme os autores que formularam a concepção do mito e da narrativa, como Propp (2006), Barthes (2011) e Campbell (2000). Assimilando que, a forma humana de se comunicar é composta por verbal, não verbal e mista, sendo a forma abordada (verbal), como todas as demais, permitem as histórias se propaguem ao decorrer dos séculos. Além da percepção temporal, ressaltada por Ricoeur (1913), para compreensão do universo dos jogos, e suas ações, complementando o conteúdo da narrativa; a noção do storytelling, que estuda o ato de criar histórias para as “telas”; e finalizando com a tomada de decisão, que foi o principal fato que levou a seleção dos objetos de estudo dessa monografia. Os objetos de estudo, sendo eles os jogos eletrônicos Little Misfortune, Rusty Lake/Cube Escape, Life is Strange, Gris e o episódio Bandersnatch da série Black Mirror, permitiram analisar o cenário de imersão e da narrativa, podendo concluir, que por mais diversas sejam as opções de jogabilidade, todas as histórias e estórias seguem a mesma métricas ou semelhantes, que condizem com a existência humana, relacionada ao conto mitológico, tratando-se de um fato antigo, porém que continua em voga e sendo propagado. Ademais, por meio desta mesma perspectiva que surge a compatibilidade e necessidade de haver elementos humanísticos dentro dos cenários das narrativas, por mais ficcional sejam, a indispensabilidade é a mesma. Compreende-se, que o estado imersivo do jogador se trata de uma ocupação do tempo e espaço, saindo do seu eixo comum, que é a vida na qual considera-se real, para o mundo ficcional e virtual, não tangível. Mesmo com essa característica, pode-se ser um elemento pertencente, abrangendo a concepção de uma restrição corporal, visto que é possível (ousado) afirmar que neste campo não há distinção física-mental, ou mental-física, por toda vivência, estando ela no campo ficcional ou não, são estímulos para a mente que se propagam pelo corpo, confirmando o estado de imersão. Importante ressaltar também que, tudo o que é familiar ao ser, enfatiza e proporciona uma conexão, e por este motivo, os jogos eletrônicos possuem um público tão diverso, de acordo com cada categoria, e tantas alternativas para que cada indivíduo consiga se identificar ao menos com uma narrativa. Para o meio publicitário, a narrativa vê-se cada vez mais presentes. Sendo o Storytelling a prova deste fato. Por isso, o estudo do campo da narrativa é necessário para compreender desejos e indigências dos indivíduos que serão captados por este canal, e todos os demais, que se apropriam do meio narrativo, a fim não somente de imergi-los, mas de respeita-los, 69

estabelecendo limites e sendo empático os núcleos. Além disso, o mercado dos jogos eletrônicos está se tornando um elemento cada vez mais presente no cotidiano humano, desde os consoles portáteis e mobiles, até os equipamentos de realidade virtual. Por fim, a relevância desta monografia para o campo publicitário está presente na observação deste mercado ainda pouco explorado, e o seu sistema imersivo, que permite a compreensão do estado de submersão dentro dos meios narrativos. Por mais que esta pesquisa utilize como objeto de analise os jogos eletrônicos, a narrativa está presente em qualquer campo, sendo um dos meios mais convincentes e imersivos, por sua compatibilidade com as narrativas humanas. Por estes fatos, os mitos arquitetaram nações e desenvolveram sistemas sociais. Logo, compreende-se este elemento como parte de uma premissa estrutural, não apenas um instrumento monumental, e sim algo que realmente faz parte da vida mundana.

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