GUSTAVO BARROSO: APROXIMAÇÕES CONCEITUAIS DA AÇÃO INTEGRALISTA BRASILEIRA E O MUSEU HISTÓRICO NACIONAL (1933-1937)

*Arthur Oliveira da Silva

RESUMO

O trabalho visa identificar quais as semelhanças existentes entre as ações apresentadas na Ação Integralista Brasileira (AIB) e no Museu Histórico Nacional (MHN) pelo viés do ideólogo e intelectual Gustavo Barroso, que atuou intensamente no cenário político e cultural da década de 1930, como advogado, político, professor, escritor e presidente da Academia Brasileira de Letras. Barroso esteve diretamente ligado às duas instituições no período de 1933-1937 e as utilizou, para difundir seu conceito de passado histórico. Este estudo se justifica pela grande quantidade de instituições museológicas, surgidas no século XX sobre a influência ideológica de Gustavo Barroso e também pela ascendência de seu pensamento saudosista no movimento integralista. Importa destacar, de maneira preliminar, que a vinculação de Gustavo Barroso à A.I.B. influenciou na concepção das ações junto ao Museu Histórico Nacional, na medida em que esse espaço museu se vinculou aos pressupostos ideológicos da Ação Integralista Brasileira.

Palavras-chave: Gustavo Barroso. Museu Histórico Nacional. Ação Integralista Brasileira.

*Graduado em História pelo Centro de Ensino Superior.

ABSTRACT

This work look for identify what similarities exist between the actions showed at Brazilian Integralist Action (B.I.A.) and at National Historical Museum (N.H.M.) by the point of view of the ideologist and intellectual Gustavo Barroso, who worked intensely at the political and cultural scenario in the decade of 1930, as a Lower, politician, professor, writer and president of the Brazilian Academy of Letters. Barroso was directly connect to booth institutions at period of 1933- 1937 and used them to spread his concept of historical past . This study justified itself by the oodles of museum institutions born at XX century on the ideological influence of Gustavo Barroso and also by the ascendancy of his nostalgic thought at the integralist moviment. It is worth noting, in a preliminary way, that the link between Gustavo Barroso to B.I.A influence at the conception of the action with the National Historical Museum, according as this space museum linked itself to ideological assumptions of Brazilian Integralist Action.

Keywords: Gustavo Barroso. National Historical Museum. Brazilian Integralist Action.

1 INTRODUÇÃO

O ensaio busca identificar a aplicação do conceito de passado histórico pelo viés de Gustavo Barroso, que utilizou da tradição como a base de uma nova nação, a República. A partir dos exemplos dos grandes heróis do passado, o recém–formado governo republicano, segundo ele, deveria desfrutar dessa herança. As semelhanças existentes entre os projetos e iniciativas ligadas à concepção de história e nação dentro da Ação Integralista Brasileira (AIB) e aquelas realizadas no Museu Histórico Nacional (MHN), especialmente através da concepção do intelectual Gustavo Barroso, que, no período em que esteve diretamente ligado às duas instituições, ocupando, então, cargos de grande visibilidade, através dos quais os conceitos de nação e história tiveram sua propagação potencializada. A necessidade de um local para guardar a memória da nação, é demonstrada anos antes da formação do MHN, através de dois artigos : “Museu Militar” de 1911 e “O culto da saudade” de 1912. Ambos artigos foram publicados no Jornal do Commércio , nos quais Barroso reivindicava a criação de um museu de feição militar para representar a história do país. A atuação do intelectual na AIB caracterizou – se pelo antissemitismo exacerbado. Barroso formou a tríade dos principais ideólogos do movimento juntamente com Plínio Salgado, o Chefe Nacional e , Chefe do Departamento Nacional da Doutrina. O intelectual encerrou sua participação na AIB, após o fracasso da Intentona Integralista de 1938. Gustavo Barroso além das funções exercidas no Museu Histórico Nacional e na Ação Integralista Brasileira, atuou também como advogado, político, professor, escritor, presidente da Academia Brasileira de Letras, sua presença foi uma constante nos principais círculos políticos e culturais do país. Dessa forma, é de grande importância estabelecer o paralelo existente entre as duas instituições as quais Gustavo Barroso atuou simultaneamente, propagando um ideal de nação tanto AIB quanto no MHN, e que ainda é pouco refletida, merecendo um aprofundamento maior devido à consistência da abordagem teórica defendida pelo intelectual, que relaciona o passado como alimento e base para o futuro.

2 GUSTAVO BARROSO: VIDA, MEMÓRIA E MUSEUS

Gustavo Adolfo Luiz Guilherme Dodt da Cunha Barroso, nascido na cidade de no ano de 1888, cresceu juntamente com o regime republicano. O governo vigente encontrava – se em período embrionário, que foi marcado por um ambiente com disputas de poder político entre as oligarquias de maior poder econômico, Minas Gerais e São Paulo; industrialização crescente, a inserção dos imigrantes e a formação de novos grupos: o operariado e a burguesia industrial. Barroso pertencia ao círculo das tradicionais famílias cearenses. Teve sua formação iniciada no Parténon Cearense e continuada no Liceu do Ceará . Atuou no ativamente no campo da ação política através jornalismo oposicionista a oligarquia Acioly. “Gustavo participou intensamente da vida cultural de Fortaleza fundando os jornais O Garoto, O Regenerador, e colaborando em O Unitário, O Colibri, O Figança e O Demolidor” (MAIO,1992, p.70). Em sua transição para a capital federal em 1910, deu continuidade ao curso jurídico iniciado em sua terra natal e se manteve vinculado à imprensa o que lhe garantiu rápida adaptação e ascensão. “O jornalismo foi para ele um meio de ampliação da sua rede de relações, de canalização da sua produção literária e um 'trampolim para ascender a uma posição de dirigente'” (CHAGAS, 2009, p.83). Dois anos após sua chegada ao filiou-se ao Partido Republicano Conservador (PRC) e publicou seu primeiro livro em 1912, Terra e Sol , no qual o sertão era descrito de forma detalhada. Nos primeiros anos no Rio de Janeiro, o jornalista utilizou da imprensa como instrumento para abordar a perda do culto ao passado, o esquecimento da memória histórica de uma nação em formação e a necessidade de instituições destinadas a reunir e expor os objetos que fizeram parte da história do país, através dos artigos Museu Militar , de 25 de setembro de 1911, no qual comprova principalmente a sua identificação com instituições de cunho militar, devido a utilização de exemplos baseados nos museus militares da Europa, o Brasil teria também a necessidade de um museu militar, pois todas as nações, já vinham praticando um trabalho cuidadoso com suas tradições. No ano seguinte, o intelectual persiste no saudosismo, publicando o artigo O Culto da Saudade , de 22 de dezembro de 1912. Dez anos após sua primeira publicação reivindicando a proteção do passado nacional, em 1921, no Jornal do Commércio, a publicação do artigo intitulado Museu Histórico Brasileiro , demonstra o pesar de Barroso ao identificar o Brasil como uma país que não respeita sua memória.

O então presidente Epitácio Pessoa em 1922 endossou a ideia de Barroso, a criação de um museu, aproveitando-se do delírio das comemorações referentes à Exposição do Centenário da Independência realizada no Rio de Janeiro. A década de 1920 envolveu intensas modificações culturais, políticas e espirituais. No período o jornalista ocupava os cargos de redator-chefe da revista Fon-Fon e inspetor Escolar no Distrito Federal foi nomeado o primeiro diretor do Museu Histórico Nacional.

Ao nomear Gustavo Barroso para dirigir o Museu Histórico nacional, o presidente Epitácio Pessoa cumpriu as normas de um ritual consagrado pelas instituições políticas brasileiras, onde as oligarquias se revezavam no poder, trocando cargos, honrarias e privilégios. As ligações de Gustavo Barroso com Epitácio Pessoa já vinham de longe, ambos egressos de tradicionais famílias do norte. (ABREU, 1996, p.167).

A atuação como diretor caracteriza-se pela representação de uma memória, baseada na tradição dos grandes heróis nacionais, influenciada pelo colecionismo do século XV e XVI, no qual os artefatos desses heróis teriam valor intrínseco, por representarem o poderio econômico, social e cultural de determinado núcleo da sociedade europeia. No período a forte expansão dos Gabinetes de Curiosidades e coleções científicas, nas quais os objetos eram reunidos de forma aleatória e caótica, valorizados pela sua excentricidade, posteriormente estes objetos passaram a ser organizados de forma a demonstrar o caráter evolutivo da humanidade. Gustavo Barroso faz do MHN seu reduto, até o ano de 1930 que, devido ao apoio dado a candidatura de Júlio Prestes em oposição a Aliança Liberal de Getúlio Vargas com a Revolução de 30.

Com a Revolução de 30, Gustavo Barroso foi derrotado politicamente tal situação refletiu de imediato na sua destituição da direção do Museu Histórico nacional pelo então Chefe do Governo provisório, e na frustada tentativa de realizar o sonho de ser presidente da Academia Brasileira de Letras. Entretanto o período estava envolto em incertezas e acomodações políticas, Barroso conseguiu superar as adversidades com o beneplácito do governo federal, elegendo-se para a presidência da ABL em setembro de 1932 e sendo reconduzido à direção do Museu Histórico no mês de novembro do mesmo ano”(MAIO,1992, p.77).

No breve período em que Gustavo Barroso esteve afastado (1930-1932), o historiador Rodolfo Garcia Amorim assumiu a direção do museu, momento que foi criado o Curso de Museus com o intuito de formar profissionais especializados tendo a duração de dois anos. “No Regimento Interno do M.H.N., de 1922, Barroso já previa um Curso Técnico que atendesse as necessidades da própria instituição, bem como da Biblioteca e do Arquivo Nacional” (SIQUEIRA, 2009, p.22). Era um desejo antigo de Barroso, a formação de profissionais que pudessem dar continuidade ao culto

ao passado. No ano posterior ao seu retorno a direção do M.H.N., “renunciou à presidência da A.B.L., sob o pretexto de desentendimentos motivados por suas críticas feitas na imprensa contra os “imortais” (MAIO, 1992, p. 80) Barroso aderiu à A.I.B ainda no primeiro semestre do ano de 1933 em pouco tempo torna-se referência no movimento juntamente com Plínio Salgado e Miguel Reale. No I Congresso de Vitória em 1934, no qual foram decididas as principais diretrizes do movimento: estrutura interna, estatutos e centralização na figura do Chefe Nacional. Dentre as decisões tomadas, Barroso foi nomeado ao cargo de Chefe das Milícias Integralistas.

A milícia se organiza em quatro secões: a primeira seção ocupa-se da correspondência, controle da organização (estatística, efetivo, disciplina e justiça (inquéritos e promoções); a segunda seção, do serviço de informações; a terceira seção, da instrução militar e elaboração dos planos de operações militares; e a quarta seção, do setor de material e serviços. Portanto, a função da Milícia não é apenas de preparar os integralistas para os desfiles e a cultura física, mas desenvolver um verdadeiro treinamento militar, desde a instrução de “técnica, tática e moral” até a elaboração de planos de combate. Aliás, a instrução militar é compatível com as cinco armas militares que constituem a “tropa” integralista: infantaria, cavalaria, engenharia, artilharia, e aviação” (TRINDADE, 1974, p. 187)

Pensar na atuação de Gustavo Barroso tanto no M.H.N quanto A.I.B. é antes analisar a sua expressão como intelectual, difusor e formador de opiniões, exercendo a ponte entre a sociedade civil e o Estado, buscando uma hegemonia no grupo social em que está locado. Através das duas instituições em que atuou simultaneamente no período de 1933-1937, a ideologia de Barroso alcançava principalmente a militância de base, servindo como elemento aglutinador. Utilizando uma linguagem simples de entendimento, chegou a obter grande aderência dos dirigentes e militantes locais. No II Congresso Integralista ocorrido em março de 1936, realizado em Petrópolis, Barroso foi designado para ocupar a Secretaria Nacional da Educação Moral e Educação Física em substituição das milícias, dissolvida no Governo Vargas. A disputa entre Plínio Salgado e Gustavo Barroso pela liderança do movimento se tornara cada vez mais evidente, sob formas de criticas ao modo de liderar do Chefe Nacional. Sua participação no movimento ficou caracterizada pelo antissemitismo radical, fundamentado no fascismo. As influências vinham desde o início do século XIX com a confecção do panfleto Os Protocolos dos Sábios de Sião , na Rússia, no qual os judeus teriam um plano para dominação mundial. A primeira tradução do panfleto é feita por Gustavo Barroso e publicada no ano de 1936 pela editora Civilização Brasileira.

O anti-semitismo não tinha tradição no Brasil antes da fundação da A.I.B. E, de outro lado, que influência do anti – semitismo de Barroso sobre os integralistas dá – se no interior do movimento. A atitude dos militantes com relação à afirmação ' o espírito judeu é uma ameaça permanente para a humanidade', demonstra que, embora seja um tema ideológico que divida os dirigentes nacionais e regionais, é partilhado por quase dois terços dos dirigentes e militantes locais. Portanto ainda que secundário no plano das 'motivações' de adesão, será relevante enquanto dimensão ideológica adquirida pelos militantes, no seio da A.I.B. (TRINDADE, 1974,p. 161).

O movimento tinha suas diretrizes baseadas na luta contra o socialismo, o capitalismo internacional e os judeus semelhantemente aos governos de extrema-direita da Europa. Havia três principais vertentes ideológicas do movimento integralista, que abordam essas linhas mestras de diferentes formas e níveis de prioridade. Havia três principais vertentes: Plínio Salgado, fundador e Chefe Nacional, Miguel Reale, Chefe do Departamento Nacional da Doutrina e Gustavo Barroso, Chefe das Milícias Integralistas. Salgado interpretava como força motriz de uma sociedade a luta entre o espiritualismo e o materialismo, na qual o capitalismo e o comunismo causariam o atraso moral e espiritual da humanidade, já Reale, acreditava na organização social a partir da individualidade do ser. Entre os ideólogos do movimento, Barroso foi aquele via maiores laços da organização integralista com os movimentos despertados por Mussolini que “dominando as discórdias da Itália, adota como sinal o feixe dos litores romanos, o fascio, a reunião das varas sob a proteção do machado.” (BARROSO,1934, p.60). O ano de 1933 foi muito representativo na vida do intelectual, pois ao atuar como Chefe das Milícias Integralistas, na A.I.B. movimento de cunho militarista, Barroso conseguiu realizar o desejo antigo reprimido pela família e ao retornar ao M.H.N., retornava também a posição de criador de uma memória nacional.

3 UMA NAÇÃO CARENTE DE MEMÓRIA

A criação do Museu Histórico Nacional surgiu em meio às comemorações do centenário da Independência e a Exposição Internacional, os dois eventos ocorreram no ano de 1922. “A Exposição Internacional do Rio de janeiro, mantida de 7 de setembro a 23 de março de 1923, apresentava para o mundo a imagem de uma nação moderna e progressista” (SANTOS, 2006, p. 26). São diversos os projetos de nação apresentados no período, que é um reflexo da crise identitária no recém - emancipado Brasil. Gustavo Barroso teve uma atitude ambígua diante da memória a ser exercida no governo republicano, a ruptura desejada com o Império, apesar de todos os esforços, não conseguiu ser uma

ruptura praticada.

Com o objetivo de pulverizar a memória do Império, o governo republicano anunciou, em 1890, um grande leilão de todos os bens da família imperial a ser realizado no paço de São Cristóvão. Após acalorado debate pela imprensa, onde simpatizantes de D.Pedro II reagiram à ideia do leilão, esse terminou ocorrendo em 13 etapas diferentes, com objetos que iam desde bibelôs até peças de mobiliário e um carro fúnebre. (ABREU, 1996, p. 171)

Muitas dessas peças da família Imperial, adquiridas pelos mais diversos tipo de compradores, foram posteriormente doadas ao acervo do Museu Histórico Nacional, a importância desses artefatos memorialísticos do Império residia na tradição, tão cultuada por Barroso, D. Pedro II representava também a figura do intelectual, a influência europeia sobre a nação brasileira endossando o papel de nação desenvolvida e mascarando o passado colonial do país. A primeira constituição do acervo foi baseada nessas doações, as quais Barroso por acreditar no poder aurático dos objetos, acumulava de forma inicialmente desordenada. “A nação, que na perspectiva de Barroso nasceu de mãos dadas com a transferência da corte portuguesa para o Brasil, teria, no museu, o seu espaço de celebração e culto” (CHAGAS, 2006, p. 97). O culto ao passado do intelectual, revelaria a sua admiração pelo Estado Imperial.

A visão hierárquica de sociedade preconizada por Barroso estruturava – se basicamente pela demarcação entre as elites e o povo. As elites aparecem associadas originalmente ao Estado Imperial, enquanto o povo seria caracterizado pela ideia de amálgama singular entre as raças, básico para a construção de uma identidade nacional. (ABREU, 1996, p. 183)

Com a aquisição dos objetos dos membros da elite passou a trabalhar de forma dinâmica a história que desejava narrar e o poderes “místicos”, que imortalizavam a elite através de seus pertences, a museologia saudosa de Barroso parece querer fazer crer que o passado se deixa capturar por inteiro e se entrega sem conflito como verdade pronta. O museu estava inicialmente ligado a duas vertentes historiográficas, divididas entre, uma história elitista e uma história militar, o acervo representava a história de homens notáveis do exército brasileiro, como pode ser diagnosticado nas figuras cultuadas de Duque de Caxias, Marechal Osório, os quais Barroso chegou a escrever biografias destes, que “possuíam a força do mito, que, pela repetição, divulga e impões valores, demarcando regras de funcionamento da estrutura social” (CHAGAS, 2006, p. 195). O poder místico desses indivíduos é revelado através das salas do museu.

Na galeria de heróis, duas figuras destacavam – se: Duque de Caxias – por intermédio do qual o Exército, na formação da nacionalidade, era valorizado – e D. Pedro II, enfatizando o papel do Estado e nobreza enquanto grupo social capaz de conduzir o processo civilizatório

(CHAGAS, 2006, p. 195).

O cunho militar do museu era expresso não apenas pelo seu acervo e pelos personagens que cultuados, as doações feitas ao M.H.N. formulavam uma espécie de ritual de imortalização.

4 O FASCISTA VERDE-AMARELO

As crises que antecederam o ano de surgimento da Ação Integralista Brasileira em 1932, gerou de forma espontânea as principais diretrizes do movimento: a reforma moral, espiritual e nacional. A A.I.B. foi um desdobramento da Sociedade de Estudos Políticos (S.E.P.), na qual o escritor e político Plínio Salgado direcionou os debates sobre a defesa do espírito nacional e os novos rumos a serem tomados no país, juntamente com jovens intelectuais e lideranças políticas. Os conturbados anos que iniciaram o governo varguista, pós-Revolução de 1930 é caracterizado por divergências entre dois principais grupos que apoiaram o gaúcho Getúlio Vargas na tomada de poder: os tenentistas que propunham um governo centralizado e forte em oposição às oligarquias regionais que desejavam um Estado democrático e livre. As indecisões referentes à convocação ou não da Constituinte deixou aberta a brecha necessária para a inserção da ideologia de extrema-direita. Ao articular outros grupos ideologicamente vinculados à extrema-direita, como a Legião Cearense do Trabalho e o Partido Nacional Sindicalista, Plínio Salgado proporciona o primeiro passo para a formação de uma frente única, que tinham os mesmo objetivos, a formação de uma nação forte. A fundação da A.I.B. ocorreu oficialmente com o lançamento do Manifesto de Outubro de 1932 . “A ideia de Estado inserida no Manifesto é a de uma superestrutura autoritária, coroando a concepção espiritual - nacionalista contida no discurso ideológico.” (TRINDADE, 1974, p.227). O próprio autor atesta que:

Após um período transitório entre fins de 1932 e 1934, no qual Salgado amplia sua liderança sobre o movimento e as direções dos primeiros grupos integralistas locais e regionais são confiados a triunviratos, implanta-se a organização da A.I.B. A primeira estrutura se estabelece no I Congresso Integralista de Vitória(Espírito Santo) em fevereiro de 1934 e, mais tarde, se aperfeiçoa com resoluções do Chefe Nacional após o Congresso Integralista de Petrópolis(Rio de Janeiro) em março de 1936. A natureza burocrática – totalitária da organização configura-se entre 1932 e 1936, ao passo que seu caráter pré - estatal se consolida com as modificações introduzidas após 1936” (TRINDADE,1974, p.170)

O Congresso de 1934 consolidou a estrutura organizacional com inspiração nos sistemas de

extrema-direita europeus da década de 1920. As semelhanças com o fascismo italiano e o nazismo alemão, que são propostas advindas de um momento da instabilidade política do entre guerras, na qual um regime democrático é ineficaz e o temor dos insurretos de esquerda, fazem com que seja confiado e centralizado na figura do duce / führer , o Chefe nacional, exercendo poder total e permanente em defesa da nação. “O Führer é chefe não só por causa das qualidades superiores, mas principalmente, porque representa a encarnação consciente do sentimento do povo (Volksgeist ).”(JUNIOR, 2005, p.65). A participação de Gustavo Barroso nas Milícias Integralistas foi, ao mesmo tempo, a realização de um sonho e fonte de propagação de sua vertente ideológica dentro do movimento integralista, a partir de uma postura altamente radical em relação aos judeus e a utilização da memória nacional como artifício para conquistar adeptos das mais variadas idades, devido a obrigatoriedade de todo militante com idade entre 16 e 42 anos se inscreverem nas milícias, ou seja, Barroso tinha o contato com a juventude, através da Escola de Oficiais da Milícia Integralistas, o “sangue novo” do movimento, as mentalidades ainda em maturação poderiam ser moldadas.

A hierarquia da milícia distingue três escalões: os graduados (sub – decurião, decurião e sub - monitor) os oficiais (monitor, bandeirante e mestre de campo) e os oficiais – generais ( brigadeiro – tenente e chefe nacional). A estrutura da Milícia implantada em 1934 previa as seguintes unidades: decúria ( formada por 10 militantes sob o comando de um decurião), o terço ( três decurias sob o comando de um monitor), a bandeira ( quatro terços comandados por um bandeirante) e, finalmente, a unidade mais importante da milícia, a legião, constituída por quatro bandeiras, sob o comando do mestre de campo.(TRINDADE,1974, p.187)

A radicalidade do pensamento antissemita de Barroso foi motivada não pela questão religiosa, os judeus eram considerados o grande mal que corroía a nação economicamente e por consequência dominava também a política. O pensamento antijudaico de Barroso apesar de conseguir um número relevante de adeptos manteve - se à margem do movimento. “No interior do Integralismo, o enfoque antijudaico não era uma abordagem que obtivesse consenso” (MAIO,1992, p.85). Os outros dois principais ideólogos da Ação Integralista, Salgado e Reale, analisavam a situação judaica pelo viés econômico, considerando que ao dominar o capital internacional os judeus geravam a submissão do Brasil. No ano do II Congresso Integralista, Gustavo Barroso passou a atuar na então, recém-criada Secretaria Nacional de Educação Moral e Educação Física, devido ao dissolvimento das milícias integralistas no ano anterior.

5 BARROSO E A “HISTÓRIA MILITAR DO BRASIL”

Na introdução do livro lançado em 1935, “História Militar do Brasil”, Barroso apresenta a vinculação existente entre as atividades realizadas no Museu Histórico Nacional e a Ação Integralista Brasileira.

Este livro é o resultado duma campanha nacionalista que iniciei há vinte e quatro anos, em 1911, pelo “Jornal do Comercio”, quando lancei a idéa da fundação dum Museu Histórico de caráter militar. Não me arrefeceram o entuziasmo, com o correr dos anos, a indiferença geral, a baba dos despeitados, as injustiças do poder público e os ataques mesquinhos de alguns positivistas. Continuei – a ininterruptamente pela imprensa, onde quer que escrevesse.[...]

O resumo histórico de nossas campanhas contido neste volume foi constituido com a série de lições sobre História Militar do Brasil, dadas no Curso de Extensão Universitária do mêsmo Museu em 1933, que repeti em 1934 na Escola de Oficiais da Milicia Integralista do Distrito Federal. Preencho, outrosim, sensível falha da nossa bibliografia. A única História Militar do Brasil existente foi escrita, em 1762, por José de Mirales! Foi essa, sem falsa modestia, a pequena contribuição que pude prestar ao meu país em pról da restauração do culto de seu glorioso passado. Se lhe falta ciência, não lhe falta estou certo, consciência, que esta se mostra a cada passo na sinceridade dos propósitos, sobretudo, no meu amor pelo Brasil.(BARROSO, 1935.p. 7-8).

A convergência entre o Museu Histórico Nacional e a Ação Integralista, não se baseia apenas pela participação direta de Barroso nas duas instituições, é importante perceber elas partem de um mesmo projeto nacionalista; iniciado com a publicação do artigo “Museu Militar”. As diretrizes iniciais do Museu Histórico Nacional, teve inspirações nos museus europeus, principalmente àqueles destinados a preservar a memória militar. A inspiração se torna mais clara, ao observar a escolha do local que iria demarcar a construção da memória nacional. O período de 1933-1937 representa o apogeu da fusão entre as ideias políticas e culturais de Barroso. A A.I.B. e o museu tinham o mesmo objetivo de mobilização da massa, no sentido pregar valores nacionais de forma a conseguir uma adesão ideológica, ampliando suas redes de influências, trabalhando na construção de uma memória/história brasileira aparentemente forte, a diferença esta na falta de identificação dessa massa com a história contada pelas salas do M.H.N., já que o enfoque estava ligado a grandes fatos praticas de uma elite. “Por isso muitos quadros do passado comum não coincidem e nenhum deles é verdadeiramente exato” (HALBWACHS, 2006, p.40).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relevância do estudo apresentado encontra-se na identificação dos elementos de propagação ideológica encontrados tanto no Museu Histórico Nacional quanto na Ação Integralista

Brasileira. O período enfatizado demarca a atuação de Gustavo Barroso simultaneamente às duas instituições, que podem ser consideradas suas duas principais paixões. As semelhanças enumeradas demonstram claramente que, em ambas as instituições, o espírito saudosista de Barroso se fazia presente. O museu foi o local em que Barroso recriou a história do país, segundo os seus próprios critérios , e o culto ao passado legitimou a figura do intelectual como verdadeiro paladino da memória nacional. Na A.I.B., não foi diferente, pois, como Chefe das Milícias Integralistas, conseguiu abordar o conceito de passado histórico de forma incisiva na militância de base. A analogia entre os discursos praticados no M.H.N., via Curso de Museus e as palestras ministradas nas milícias integralistas, pode ser comprovada através da introdução da obra “História Militar do Brasil”, do próprio Barroso, quando tal ligação entre ambos é endossada. Sendo assim, percebe-se que o intelectual conseguiu conciliar a militância com a museologia. Gustavo Barroso acreditava no devir histórico, que teria o passado como ferramenta para reavaliar o presente e prosperar no futuro, buscando a formação de uma nação forte e integral. Barroso, assim, não desejou apenas imortalizar os grandes heróis do passado, mas também ser imortalizado. Dessa forma, o intelectual soube utilizar o poder da memória como artifício para abordar conceitos de nação e história. Cabe ressaltar que a herança deixada pelo pensamento barrosiano ainda é praticada pelos museus brasileiros, apesar de ter sua força enfraquecida, a partir do início da década de 1970, período em que surgiram movimentos reivindicando o caráter social dos museus. Percebe-se que a desconstrução dos mitos e heróis criados por Barroso e reafirmados ao longo dos anos, é um trabalho árduo e gradativo, constantemente encarado nos museus brasileiros ligados à memória do país realmente comprometidos com a edificação de indivíduos críticos e ativos às diversas faces do passado.

REFERÊNCIAS

ABREU, Regina. A fabricação do imortal : memória, história e estratégias de consagração no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco:Lapa, 1996.

BARROSO, Gustavo. O Integralismo de Norte a Sul . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1934.

______. História Militar do Brasil . Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1935.

CHAGAS, Mário de Souza. A imaginação museal: Museu, memória e poder em Gustavo Barroso, Gilberto Freyre e . Rio de Janeiro: MinC/IBRAM, 2009. (Coleção Museu, memória e cidadania).

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva . São Paulo: Centauro, 2006.

JUNIOR. João Ribeiro. O que é nazismo . São Paulo: Brasiliense, 1939. (Coleção primeiros passos).

MAIO, Marcos Chor. Nem Rotschild Nem Trotsky . Rio de Janeiro: Imago, 1992.

MOREIRA, Afonsina Maria Augusto. No norte da saudade : esquecimento e memória em Gustavo Barroso. 2006. 301 f. Tese ( Programa de Estudos Pós-Graduados em História) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.

SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. A escrita do passado em museus históricos . Rio de Janeiro: Garamond. 2006.(Coleção Museu, memória e cidadania).

TRINDADE, Hélgio. Integralismo . O fascismo brasileiro na década de 30. Porto Alegre: Difel/UFRGS, 1979.