SIMULAÇÃO DO PROCESSO DE INFILTRAÇÃO NA BACIA DE JUATUBA - MG COM O MODELO HETP UTILIZANDO A TÉCNICA DE TRAÇADORES

Marcos Machado Drumond1; Stela Dalva Santos Cota2 & Paulo Cesar Horta Rodrigues3

Resumo – Apresentam-se neste trabalho os resultados da aplicação do modelo HETP - Height Equivalent Theoretical Plates aos dados obtidos em um trabalho experimental realizado na Bacia Representativa de Juatuba (MG), entre novembro de 1999 e maio de 2003. Nesse trabalho experimental utilizou-se a técnica de traçadores para estudar o deslocamento da umidade na zona não saturada do solo e para determinar as taxas de infiltração em 11 parcelas, com dimensões de 3 m x 6 m, representativas da bacia em estudo. A comparação entre os resultados obtidos com os experimentos e com o modelo HETP indicaram que, apesar da sua simplicidade, o modelo HETP simulou de forma satisfatória o fluxo da umidade no interior do solo e que pode ser bastante útil para estimar as taxas de infiltração, principalmente se empregado em conjunto com a técnica de traçadores.

Abstract – In this paper an application of Height Equivalent Theoretical Plates - HETP model to the data obtained in a experimental work carried out from November 1999 to May 2003, in the Representative Basin of Juatuba ( State), is presented. In this experimental work tracer technique was used to study the displacement of the moisture in the unsaturated zone and to determine the infiltration rates in 11 basin representative parcels, with dimensions of 3 m x 6 m. The comparison of the experimental and HETP model results has indicated that, despite its simplicity, this model has simulated satisfactorily the moisture flow in soil and that it can be useful to evaluate the infiltration rates, mainly if in association with tracer technique.

Palavras-Chave – Modelagem matemática; infiltração; técnica de traçadores.

1 CDTN/CNEN - Rua Prof. Mário Werneck, s/n – Cidade Universitária – Pampulha – – MG – (31) 3499 3131 – [email protected] 2 Idem – (31) 3499 3418 – [email protected] 3 Idem – (31) 3499 3126 – [email protected]

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INTRODUÇÃO Considerando a carência de estudos experimentais sobre as bacias brasileiras e o potencial da técnica de traçadores para a realização desses estudos, o Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN/CNEN) vem conduzindo, desde 1996, uma série de projetos de pesquisa que visam, em última análise, estudar os processos envolvidos nas principais fases do ciclo hidrológico em uma bacia hidrográfica típica da região central do Estado de Minas Gerais (Bacia Representativa de Juatuba). Um desses projetos de pesquisa, que teve início em novembro de 1999 e término em maio de 2003, tinha por objetivo específico testar e desenvolver a metodologia que o utiliza o trítio artificial como traçador para medir, de forma direta, as taxas de infiltração e evapotranspiração na bacia em estudo. Com base nos resultados obtidos experimentalmente nesse projeto, procurou-se avaliar a adequação do modelo HETP – Height Equivalent Theoretical Plate [1] para simular o processo de infiltração na zona não saturada do solo. Apesar da grande variedade de modelos para simulação de fluxo não-saturado disponíveis (e.g. [2]), o principal motivo para a adoção desse modelo está relacionado com sua simplicidade, com a facilidade de implementação e operação e, também, com o fato de ter sido utilizado anteriormente com dados similares. O modelo HETP foi implementado em Visual Basic do Microsoft Excel 97. São apresentados neste trabalho os resultados obtidos com o modelo.

REVISÃO DE LITERATURA A taxa de infiltração das águas pluviais no solo é um parâmetro fundamental em estudos hidrológicos, particularmente no cálculo da recarga de aqüíferos e em estudos de enchentes. São muitos os fatores que têm influência sobre este parâmetro, incluindo a cobertura vegetal do terreno, as condições superficiais do solo, outros parâmetros relacionados ao solo, como a porosidade, a condutividade hidráulica e o teor de umidade existente. Em razão das propriedades do solo variarem bastante, tanto no espaço quanto no tempo, mesmo em se considerando áreas relativamente pequenas, a infiltração é um processo extremamente complexo que, através de equações matemáticas, só pode ser descrito de forma aproximada [3]. O processo de infiltração pode ser considerado como tendo três fases: i) a entrada na superfície do terreno, que é influenciada pela existência de cobertura vegetal e por características do solo como textura, porosidade, estrutura e estabilidade dos agregados na presença de água; ii) a transmissão através do solo, influenciada por características do solo como textura, porosidade, distribuição dos tamanhos dos poros, estratificação, teor de umidade antecedente, salinidade e

XIII Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas 2 atividade biótica; e iii) a depleção da capacidade de armazenamento no solo, influenciada pela porosidade e por mudanças na distribuição dos tamanhos dos poros no perfil de solo [4]. A taxa de infiltração em um determinado local resulta, portanto, da interação de diversas propriedades pedológicas, hidrológicas e bióticas e os principais fatores determinantes do processo são a porosidade e a distribuição do tamanho dos poros. A área da superfície, o tamanho e o formato dos grãos do solo influenciam o tamanho, a forma e a conexão entre os poros. Embora o tamanho dos grãos e a sua distribuição tenham influência sobre as taxas de infiltração, a distribuição dos tamanhos dos poros pode ser modificada pelo teor de matéria orgânica, pelo fenômeno da agregação, pelo cultivo da terra e pela compactação do terreno. Em geral, qualquer descontinuidade no perfil do solo, como uma mudança de textura, pode resultar em diferenças na distribuição de porosidade e, consequentemente, na diminuição do movimento das águas entre os horizontes do solo. Onde uma camada de material de textura mais grossa, como areia, se sobrepõe a uma camada de material mais fino, como argila, a taxa de infiltração dependerá da camada de argila e a água ficará acumulada na camada de areia. Quando ocorrer o contrário, ou seja, uma camada de material com textura mais fina estiver sobreposta a outra de material mais grosso, a taxa de infiltração inicial será governada pela camada superficial. A água não entrará nos poros maiores até que ela tenha sido acumulada sobre a camada mais fina em uma quantidade suficiente para superar as forças de adesão e coesão existentes na camada mais fina. Só após superar essas forças, o fluxo ocorrerá para a camada mais grossa situada abaixo. A cobertura vegetal e o uso da terra podem afetar as taxas de infiltração pela modificação da porosidade do solo e da distribuição do tamanho dos poros (agregação, material orgânico, compactação e aração) e através do processo de intercepção da água da chuva pelas plantas. Geralmente, em solos agrícolas, quanto maior a cobertura vegetal e maior o tempo de repouso do solo, maior será a infiltração cumulativa. Em solos não protegidos contra o impacto direto das gotas de chuva, por uma cobertura vegetal, e que têm sua estrutura alterada pelo processo de aração, os poros tendem a ser obstruídos por grãos de silte e argila, durante a desagregação. O material orgânico no solo não só serve para criar poros maiores por aumentar a agregação dos grãos, como fornece, também, uma forte “cola” para mantê-los agregados [4]. Os métodos convencionais utilizados para medir a taxa de infiltração no campo podem ser divididos em três grupos [4]: i) simuladores de chuva, no qual a infiltração é determinada pela diferença entre as quantidades de água aplicada e de água escoada; ii) infiltrômetros, instrumentos com um dispositivo para armazenar água e manter a carga hidráulica constante durante a medição; e iii) método de bacia, que permite determinar a infiltração com dados de chuva e vazão reais. Um dos primeiros trabalhos onde se utilizou a técnica de traçador para estudar o processo de infiltração foi realizado por [5], na Alemanha. Nesse trabalho, os autores utilizaram como

XIII Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas 3 traçadores os isótopos do hidrogênio (deutério e trítio) para demonstrar que a água se infiltra, na zona não saturada do solo, em forma de uma camada que se desloca verticalmente, com velocidades muito baixas (~1 m/ano, no caso dos locais estudados). Com os resultados desses experimentos, os autores demonstraram que camada marcada com traçador funciona como uma fronteira que não é ultrapassada pelas parcelas das chuvas infiltradas após o lançamento com traçador (fluxo do tipo pistão). Assim sendo, pode-se determinar a parcela da chuva que se infiltrou no solo, a menos das perdas pelo processo de evapotranspiração, calculando-se o volume de água existente entre a superfície do solo e a nuvem de traçador. Analisando as possibilidades de erros nos resultados, os autores consideram, em primeiro lugar, a possibilidade da nuvem de traçador não se deslocar de maneira uniforme, caso existissem irregularidades no perfil de solo, mas observam que, em condições normais, o efeito da difusão molecular e o movimento muito lento de descida tendem a uniformizar a distribuição da nuvem, compensando possíveis irregularidades no solo. Outra possibilidade de erros considerada pelos autores foi a existência de desvios, ou caminhos preferenciais, que poderiam provocar uma ascensão anormal da nuvem, no caso da existência de grandes raízes, ou uma descida anormal, no caso da existência de grandes fendas provocadas por chuvas intensas. No primeiro caso, a parcela infiltrada seria subestimada e, no segundo, superestimada. Os autores consideram que essas fatores podem ser evitados, fazendo-se a injeção do traçador abaixo da zona de raízes, uma vez que a possibilidade de ocorrência desses desvios é maior nas camadas superiores do solo. Uma terceira possibilidade de erro seria a não extração total da umidade existente nas amostras de solo (estufa a 105o C), que resultaria em uma subestimativa dos teores de umidade no solo. Segundo os autores, isso pode ocorrer mas somente em casos muito específicos, quando os solos têm uma textura muito argilosa. Após a realização deste trabalho, surgiram muitos outros realizados de forma semelhante, com alterações apenas em detalhes operacionais. ATHAVALE et al. (1980) realizaram um estudo, utilizando o trítio como traçador, com o objetivo de avaliar as recargas de aqüíferos situados em uma área de cerca de 1575 km2, no trecho inferior da bacia do rio Maner, na Índia [6]. Para realizar os experimentos, foram escolhidas 28 parcelas dentro da área em estudo, considerando-se características como geologia, tipo de solo, padrão de drenagem e facilidade de acesso. As aplicações de traçador foram feitas em pontos situados no interior das parcelas, a uma profundidade de 0,70 m, abaixo da zona de raízes. Para verificar a posição da nuvem de traçador, as amostras de solo foram coletadas a cada 10 cm até a profundidade de 3 m. Para testar a reprodutibilidade do método, os autores realizaram testes fazendo duas injeções simultâneas, em pontos separados por uma distância de 10 m, em quatro das 27 parcelas utilizadas nos experimentos. Os resultados destes testes indicaram que o erro acumulado nas medidas da recarga foi de 10%.

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Analisando a aplicação deste método de traçadores, MUNNICH (1983) menciona o fato de que os diversos trabalhos até então realizados demostraram que o deslocamento da nuvem no solo ocorre lentamente, permitindo uma mistura lateral muito efetiva entre os fluxos de velocidades diferentes, e que esse deslocamento ocorre na forma de um fluxo do tipo pistão [1]. Este autor menciona também que, quando este método é usado para estimar a recarga de aqüíferos, o traçador deve ser aplicado abaixo da zona de raízes. Segundo ainda este autor, o erro observado na estimativa das recargas, em ensaios realizados na região central da Europa, foram menores ou iguais a 10%. Em um trabalho realizado com o objetivo de verificar se o movimento da umidade no solo poderia ser descrito, em um solo argiloso, pelo modelo de fluxo-pistão, SAXENA (1995) afirma que a técnica de traçadores apresenta-se como um método direto para rastrear o movimento da umidade do solo [7]. A água tritiada (HTO) se comporta fisicamente da mesma maneira que a água comum (H2O) e, geralmente, não é nem retido nem adsorvido no solo-matriz movendo-se, portanto, com a mesma velocidade da água comum. Nesse trabalho, o autor faz um retrospecto dos estudos realizados com a técnica de traçadores, bem como dos resultados obtidos, até então. Citando os trabalhos realizados por ZIMMERMMANN et al. (1967) [5], ATHAVALE et al. (1980) [6] e SAXENA e DRESSIE (1984) [8], menciona que o conceito do fluxo-pistão foi demonstrado em solos de floresta da Europa Central e, posteriormente, validado em solos aluviais subtropicais, na Índia, e em solos agrícolas sem lentes de argila, na Suécia. SAXENA (1995) cita, também, trabalhos onde o método de traçadores não apresentou bons resultados [7]. Dentre esses, cita o trabalho realizado por LUNDIN (1982), na Escandinávia, em solos agrícolas, onde a existência de fluxos laterais provocados por lentes de argila impediu a obtenção de bons resultados [9]; os trabalhos realizados por THOMAS e PHILLIPS (1979) [10] e BEVEN e GERMANN (1982) [11] em solos estruturados, onde se observou a interferência de caminhos preferenciais, ou macroporos (raízes, túneis de anelídeos, fendas de retração, etc.), que podem provocar desequilíbrios no fluxo da água e do traçador até em profundidades consideráveis; e os trabalhos de OMOTI e WILD (1979) [12] e KUNG (1990) [13], que analisaram a interferência dos caminhos preferenciais em solos arenosos, provocada por diferentes razões, como variações de densidade, existência de estratificações no solo, existência de ar enclausurado, ou condições hidrofóbicas. Com o objetivo de estudar o balanço de água no solo e o regime de infiltração em um clima tropical úmido, ARAGUÁS-ARAGUÁS et al. (1995) realizaram, no período de 1989 a 1991, um experimento na Reserva Ducke, situada na região central da Amazônia, a 35 km de Manaus [14]. Para verificar as alterações provocadas pela substituição das matas, por pastos, nos processos de infiltração e evapotranspiração, os autores deste trabalho utilizaram o deutério e o trítio como traçadores. Os experimentos foram realizados em duas etapas. Na primeira, os

XIII Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas 5 traçadores foram lançados na superfície do solo, usando-se aspersores, em três parcelas de 3 m x 3 m situadas em área sem floresta, no mês de março de 1989. Para monitorar o deslocamento da nuvem de traçador, foram realizadas três campanhas de amostragem de solo, passados um, 139 e 419 dias após o lançamento dos traçadores. Na segunda etapa, que teve início em abril de 1990, repetiu-se o mesmo procedimento, utilizando outras três parcelas, sendo dois localizados no interior da floresta e, para estabelecer uma comparação, o terceiro situado em área sem floresta, nas proximidades das parcelas utilizadas na primeira etapa. Após a realização deste trabalho na Amazônia, a técnica de traçadores foi empregada, no Brasil, em outros estudos sobre o processo de infiltração e para determinar a recarga de aqüíferos. Nos anos de 1995 e 1996, contando com o apoio de um perito da Agência Internacional de Energia Atômica – IAEA, Dr. Antonio Plata Bedmar, o CDTN/CNEN realizou uma série de ensaios, utilizando o trítio artificial como traçador, para estimar a recarga de aqüíferos na região de – MG [15]. Posteriormente, nos anos de 1998 e 1999, realizou ensaios com trítio, no Complexo Alcalino de Poços de Caldas – MG, com o objetivo de avaliar a recarga de mananciais de água mineral daquela instância hidromineral. Uma síntese dos resultados obtidos nestas duas experiências foi apresenta por DRUMOND, et al. (2000) [16] e por MINARDI e BOMTEMPO (2000) [17]. RAPOSO (1997) também utilizou o trítio como traçador, com o objetivo de estudar o processo de percolação das águas, em uma área a ser usada como aterro sanitário, na Região Metropolitana de Belo Horizonte [18]. De acordo com este autor, os métodos clássicos utilizados para calcular a percolação ou a recarga, como lisímetros, armazenamento e inventários, requerem o conhecimento de dados hidrometeorológicos da região de estudo. Considerando a escassez de dados existente na grande maioria das bacias hidrográficas brasileiras e as dificuldades para se obter um balanço hídrico, com a precisão necessária nessas condições, a técnica de marcação da água de percolação com isótopos artificiais se constitui uma ferramenta importante para a solução do problema da falta de dados hidrológicos. Nos estudos realizados na bacia de representativa de Juatuba, MG, procurou-se testar esta técnica utilizando o grande número de dados hidrometeorológicos ali existentes para “fechar” o balanço hídrico. Além das taxas de infiltração, foram estimadas também as taxas de evapotranspiração, utilizando a mesma técnica. Os resultados preliminares obtidos nesta pesquisa foram publicados por DRUMOND, et al. (2001) [19, 20].

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TRABALHO EXPERIMENTAL A Bacia Representativa de Juatuba é uma bacia rural situada a cerca de 50 km a oeste de Belo Horizonte, sendo formada pelos ribeirões Serra Azul e . Com uma área total de drenagem de 443 km2, esta bacia tem características fisiográficas – relevo, cobertura vegetal e tipos de solo – semelhantes a uma vasta região situada no centro do Estado de Minas Gerais, tendo sido, por isso, escolhida pelo antigo DNAEE para representar esta região do ponto de vista hidrológico. Para a realização do trabalho experimental, escolheu-se um trecho da sub-bacia do ribeirão Serra Azul com área de drenagem de cerca de 110 km2, onde foram selecionados 11 parcelas (ver Figura 1), com dimensões de 3 m x 6 m, onde foram realizados os experimentos com o trítio artificial para medir a infiltração. A escolha das parcelas foi feita de forma a representar suas principais características fisiográficas (solo, cobertura vegetal e relevo). Os experimentos foram divididos em duas etapas. A primeira, realizada ainda em caráter preparatório, teve início em novembro de 1999 (início do período chuvoso), quando foram feitos os lançamentos de água tritiada nas parcelas JT-1, 2, 3, 5 e 6, e continuidade com cinco coletas de amostras de solos, realizadas nos meses novembro de 1999, janeiro e novembro de 2000 e abril de 2001, para acompanhar o deslocamento da nuvem de traçador na zona não saturada do solo. As posições da nuvem de traçador foram determinadas analisando-se as concentrações de trítio existentes em amostras de solo coletadas no interior das parcelas, em trechos 15cm de profundidade. Na segunda etapa dos experimentos, adotando-se um procedimento semelhante ao da primeira, foram utilizadas as parcelas JT- 4, 7, 8, 9, 10 e 11, com o lançamento do traçador feito em novembro de 2001 e as coletas de amostras de solo nos meses de novembro de 2001 (dois dias após o lançamento do traçador), janeiro (meio do período chuvoso) e novembro de 2002 (final do período de estiagem) e maio de 2003 (final do segundo período de estiagem).

DESCRIÇÃO DO MODELO O processo de infiltração foi simulado através de um modelo unidimensional do tipo multi- box, denominado HETP (Height Equivalent Theoretical Plates), que reproduz o deslocamento da nuvem de traçador no interior do solo. Esse modelo, que tem sido utilizado por diversos autores (e.g. [1, 21, 22, 23]), descreve a zona não saturada como uma série de camadas de solo com características homogêneas, consideradas como recipientes, ou células, onde a água encontra-se bem misturada com o traçador. A espessura dessas camadas, ou altura das células, controla a dispersão longitudinal ao longo do percurso do traçador.

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Figura 1 - Bacia em estudo e a localização das parcelas onde foram realizados os experimentos

O fluxo é simulado em intervalos de tempo e de espaço predeterminados. Geralmente, adotam-se o intervalo de tempo igual a 1 dia, em função da disponibilidade dos dados de chuva, temperatura e umidade relativa do ar diários utilizados no modelo, e a espessura da camada de solo (altura da célula) igual a 1 cm, que corresponde aproximadamente ao comprimento de difusão característico para um intervalo de tempo igual a 24 horas. A concentração de traçador em cada célula é calculada com base na seguinte equação de balanço de massa:

' Cn−1.I + Cn .W Cn = I +W (1)

onde, C’n é a concentração de traçador na célula n, depois da entrada da água “nova”; Cn, é a concentração de traçador na célula n, antes da entrada da água “nova”; Cn-1, é a concentração de

XIII Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas 8 traçador na célula antecedente; I, a entrada de água diária na célula n; e W, o teor de umidade preexistente na célula n.

A transferência da umidade entre as camadas de solo é controlada pela capacidade de campo, de tal forma que, quando o teor de umidade excede este valor, o excesso é transferido para a camada inferior, onde ocorre um novo misturamento. Assim, o processo se repete, sucessivamente, até a última camada de solo. Os parâmetros que controlam o fluxo vertical são, portanto, a altura da camada de solo e a capacidade de campo. O método considera, também, as parcelas da chuva correspondentes à intercepção, à evapotranspiração e ao escoamento superficial, que devem ser descontadas da chuva total para determinar-se a parcela de água que constitui a entrada do sistema. Geralmente, considera-se que as perdas pelo processo de evapotranspiração ocorrem até a profundidade de 1,0 m. Para o processamento dos dados relativos à bacia de Juatuba utilizou-se o modelo HETP na forma de um programa computacional desenvolvido na linguagem FORTRAN por ARAGUAS- ARAGUAS (1996 e 2000) [22, 23], adaptado para a linguagem Visual Basic do Microsoft Excel 97. Na Figura 2, apresenta-se a planilha principal de entrada de dados do modelo HETP, em Microsoft Excel 97, preenchida com os dados relativos à parcela JT-2. Nessa planilha, links remetem para duas outras planilhas de entrada de dados: “Dados meteorológicos” e “Perfis iniciais”, para a inserção dos dados meteorológicos diários (precipitação, temperatura, umidade do ar, evaporação) e os perfis iniciais de umidade e concentração do traçador. Na parte inferior da planilha “Entrada de dados”, encontra-se o botão “Modelo HETP”, que aciona a rotina de execução do modelo, escrita em Visual Basic. Os resultados do modelo, perfis de umidade e concentração de traçador para as selecionadas, são apresentados em duas outras planilhas, em formato de listas de valores e em gráficos.

RESULTADOS Concluída a fase experimental e obtidas as curvas de concentração de trítio das nuvens de traçador, utilizou-se o modelo HETP para simular o deslocamento das nuvens em cada uma das parcelas utilizadas na fase experimental. Para a aplicação do modelo HETP, foram adotados os seguintes parâmetros: i) intervalo de tempo igual a 1 dia, considerando-se que dispunha-se de dados climatológicos diários; ii) altura da célula elementar igual a 1 cm; iii) capacidade de campo igual a 48% (altura máxima de água na célula elementar igual a 4,8 mm), considerando-se os valores do coeficiente volumétrico de umidade observados nas amostras de solo por ocasião das campanhas de amostragem; iv) profundidade de simulação igual a 7,0 m (700 células) e v) o perfil inicial de concentração de

XIII Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas 9 traçador igual ao obtido na primeira campanha de amostragem. Na simulação, foram utilizados os dados diários de chuva, de temperatura e umidade do ar e de evaporação (tanque evaporimétrico Classe A) da estação climatológica de Alto Boa Vista.

Figura 2 - Visualização da planilha “Entrada de dados” do modelo HETP, em Microsoft Excel 97.

Nas Figuras 3 e 4 apresenta-se a comparação entre os resultados do deslocamento das nuvens de traçador obtidos com os experimentos realizados e com o modelo HETP, para as parcelas JT-2, no período de 05/01/2000 a 24/04/2001, e JT-10, no período de 06/01/2001 a 31/10/2002, respectivamente. Como se pode observar na Figura 3, em que pese ter superestimado as concentrações de trítio, o modelo reproduziu relativamente bem o deslocamento da nuvem de traçador na zona não saturada do solo que, neste caso, é a informação mais importante, uma vez que a posição da nuvem é que será utilizada para definir a parcela infiltrada em cada período. As diferenças entre as posições do pico de concentração registradas foram da ordem de 15 cm, em janeiro de 2000; de 20 cm, em maio de 2000; e de 1 m, em novembro de 2000. Para o caso da amostragem feita em abril de 2001, ao final do segundo período chuvoso, houve uma coincidência na posição dos picos de concentração.

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Acredita-se que diferença maior (cerca de 1 metro) na posição da nuvem, registrada ao final do período estiagem, possa ser explicada pelo fato do modelo não ter sido capaz de reproduzir o fenômeno de capilaridade que pode ter ocorrido no local, provocando, inclusive, a interrupção no deslocamento da nuvem, que ficou praticamente na mesma posição no período de maio a novembro, embora tenham sido registradas, ali, precipitações da ordem de 400 mm, neste período.

Figura 3 - Resultado obtido com o modelo HETP para a parcela JT-2

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Figura 4 - Resultado obtido com o modelo HETP para a parcela JT-10

Em relação à parcela JT-10 (Figura 4), embora ainda não se disponha dos resultados da campanha de amostragem realizada em maio de 2003, considera-se que os resultados foram ainda melhores que na parcela JT-2. O modelo reproduziu o deslocamento da nuvem de forma praticamente perfeita para todo o período em questão. As diferenças registradas, em relação ao pico de concentração da nuvem de traçador, foram de cerca 20 m, em janeiro de 2002 e de apenas 6 cm, no mês de maio de 2002. No final do período de estiagem, como se pode observar, houve uma coincidência perfeita na posição dos pico da nuvem.

CONCLUSÕES Os resultados obtidos indicam que, quando aplicado simultaneamente com a técnica de traçadores, o modelo HETP simulou adequadamente o fluxo da umidade no interior do solo na bacia em estudo, mostrando-se, portanto, ser útil para estimar não só as taxas de infiltração mas,

XIII Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas 12 também, as perdas por evapotranspiração, quando se dispõem de dados pluvio-fluviométricos que permitam efetuar o balanço hídrico na bacia. Considera-se, também, que esses resultados se constituem um bom exemplo de como o uso conjunto da técnica de traçadores e dos modelos matemáticos pode contribuir para uma melhor simulação dos processos hidrológicos.

AGRADECIMENTOS Os autores registram o seu agradecimento às instituições e às pessoas que contribuíram para a realização deste trabalho, sobretudo ao CDTN/CNEN – Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear e, em especial, aos colegas Duarte Augusto Costa, Elenísio Santana Fonseca, Geraldo Godinho Pinto, Namir de Souza Vieira, pela dedicação nos trabalhos de campo; aos colegas Francisco Carvalhaes Neto, Raquel M. Mingote, Walter de Brito e Zilmar L. Lula, pelas análises em laboratório; ao bolsista João Paulo B. Garofilo, pelo processamento dos dados no modelo HETP; e à FAPEMIG – Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais, que financiou parcialmente a realização dos experimentos.

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