“Yo Soy Betty, La Fea” E “Betty En NY”1;2
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_________________________________________________________________________ As feias também têm estilo: uma análise das aberturas de “Yo Soy Betty, la Fea” e “Betty en NY”1;2 3 Douglas Maia Colarés RESUMO: Essa pesquisa investiga preliminarmente as aberturas de “Yo Soy Betty, la Fea” e seu remake, “Betty em NY”. O intuito é perceber significações contidas nos discursos dessas peças. Autores que tratam o lugar das vinhetas, do melodrama e da própria televisão são acionados. Metodologicamente, houve a adoção de uma análise de estilo. Notou-se que o distanciamento de 20 anos entre as obras apontou mudanças na forma de representação da fealdade. INTRODUÇÃO A telenovela “Yo Soy Betty, la Fea” se tornou uma franquia de mídia (de licenciamento intelectual), com 25 versões no mundo — o que conferiu o recorde de trama mais exitosa do mundo, segundo o Guinness World de 2010. Produzida em um contexto periférico, a obra chegou a realidades e territórios distintos, mesmo com uma storytelling simples: uma mulher lida como feia que trabalha no mundo da moda e tem conflitos com colegas de trabalho, estabelecendo uma relação afetiva com o chefe mulherengo. Mas a partir do enredo universal diversas possibilidades – formas de trabalhar histórias e discussões – são convocadas. E a propriedade visual, por meio do penteado/franja, óculos e o aparelho, também criou uma identidade padrão à personagem. Ao ultrapassar tais fronteiras, nascem proximidades culturais — que Straubhaar (1991) aponta como elos entre nações que não compartilham necessariamente fronteiras ou heranças culturais, graças a uma identificação mais ampla. Nessa esteira, a Telemundo produziu para população hispânica, em 2019, “Betty en NY”. Separadas por décadas, essa pesquisa parte de que há não só um contraste de produção técnica entre elas, mas também sociocultural: nas identidades culturais da Colômbia e dos EUA; na linha dramatúrgica (ritmo, estética, intriga), e até histórico, com transformações nas abordagens sobre gênero e padrões de beleza — um processo valioso de investigar no campo 1 Trabalho apresentado no GT4 Mídia, representação e discursos narrativos, no VIII Seminário Internacional de Pesquisas em Mídia e Cotidiano. 2 Pesquisa realizada com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). 3 Mestrando do PPGCOM/UFMG. [email protected] 601 _________________________________________________________________________ da comunicação. Assim, é intuito notar: a partir dos elementos estilísticos, quais sentidos são visíveis ao se analisar as aberturas de “Yo Soy Betty, la Fea” e “Betty en NY”? REFERENCIAL TEÓRICO Pensar os estudos visuais4 por meio dos discursos extraídos de vinhetas ajuda a nota-las para além de uma embalagem. Elas têm a função de apresentar a história que introduz por meio de uma mininarrativa. Butler (2010) observa que peças promocionais lançam mão de imagens evocativas e áudio sedutor (além da música-tema) para fins comerciais. Assim, “levando em consideração o papel da abertura enquanto síntese da narrativa e tentativa de adesão do público é possível, a partir dela, estabelecer reflexões pertinentes que deem conta de abarcar sua trama e possíveis desdobramentos” (ROCHA E MARTINS, 2016, p. 73). Ao recrutar a trama original da RCN, de 1999, e seu remake produzido pela Telemundo, em 2019, há a compreensão que o melodrama age como estratégia de comunicar (e aproximar) dessas histórias. Martín-Barbero (2003) advoga que o melodrama é o modo de expressão mais aberto ao mundo de viver e sentir da nossa gente. E que se comporta como um agente de memórias – da história e das transformações da América Latina. “Memórias e imaginários que misturam o indígena com o rural, o rural com o urbano, o folclore com o popular e o popular com o massivo” (MARTÍN-BARBERO, 2003, p.28). É dessa forma que se forja o elo entre a comunicação de massa, a cultura e a experiência da modernidade. O objeto em questão tenciona questões que perpassam desde a narrativa do amor romântico convencionada ao gênero às novas interações decorrentes da globalização. O melodrama age como uma estratégia comunicativa. E uma de suas características mais fortes é uma retórica do excesso, onde tudo tende ao esbanjamento “[...] exigindo o tempo todo do público uma resposta em risadas, em lágrimas, suores e tremores.” (MARTÍN-BARBERO, 2003, p.171). Destaca-se que além dos elementos narrativos, o melodrama está presente na vinheta — alvo de nossa atenção — esteticamente na própria figura da protagonista, já que há uma identidade visual (de excesso) em sua caracterização. A sua figura demasiadamente poluída de informações compreende por si só um elemento de estilo, pois Butler (2010) considera que o excesso pode estar presente desde cores berrantes a um figurino “carregado”. 4 Autores como Mittell (2019), Pucci (2013) Rocha (2013) tem se debruçado sobre visual studies; outros, como Aznar (1997), especificamente sobre o papel das vinhetas. 602 _________________________________________________________________________ O contexto temporal em que elas estão inseridas também dialoga com normas televisivas e fluxos de público. Entendendo que a televisão nunca foi estável, Jenner (2018) cita transições do meio em diversas fases; “YSBLF” surge justamente quando novas maneiras de assistibilidade emergem, como o videocassete e a tevê por assinatura, mas ainda sob forte hegemonia da tevê aberta. “BENY” foi planejada já para ser disponibilizada on demand a nível global graças a um acordo de licenciamento com a Netflix, resultando em novas propostas de serialidade, assim como outras possibilidades de intrigas e uso do ritmo. Essa pesquisa, no entanto, parte do pressuposto de um deslocamento não só tecnológico, mas também cultural. “YSBLF” tem sua produção inserida em um contexto predominantemente local, estabelecendo o que pode ser entendido como uma narrativa de nação (LOPES, 2003); portanto, dentro de uma “gramática do nacionalismo” (Jenner, 2018): uma Colômbia emergente dos anos 90, envolvida em crises financeiras, morais e sociais. Já “BENY” é produzida propondo uma gramática transnacional, entre fronteiras — numa clara inserção re- concepção da tevê propiciada pelos serviços de conteúdo por demanda, sendo capaz de reunir “recursos textuais específicos que tornam os produtos viáveis em um relacionamento recíproco além-fronteiras” (JENNER, 2018, p.34). De forma consonante, Robertson (1995) percebe que a globalização envolveu simultaneamente aquilo convencionalmente chamado local e global, particular e universal: um modo de glocalização que atende a identidade do território de origem, mas que também permite a públicos heterogêneos um grau de pertencimento/ reconhecimento. METODOLOGIA A pesquisa empresta o estilo televisivo a partir de Butler (2010), que o define como qualquer padrão técnico de som e imagem que sirva uma função dentro do texto. O estilo pode ser aplicado em quatro dimensões: a) descritiva; b) funcional; c) histórica; d) estética. Por questões de objetividade, o texto se aterá à descritiva e funcional. A primeira refere-se à descrição e a decupagem da cena. A segunda traz à luz o papel que o estilo desempenha na obra; a função extraída do texto. Logo, a mesma “atenção ao detalhe que roteiristas, diretores, cinematógrafos, editores, e demais profissionais dedicam à construção de um texto televisivo deve ser empregada na desconstrução deste texto” (BUTLER, 2010, p. 6, grifo nosso). 603 _________________________________________________________________________ Como operadores analíticos, pensaremos o estilo a partir da mise-em-scène — figurinos, cenários e movimento de atores —, dos enquadramentos, efeitos gráficos e trilhas. Apostando na análise do estilo, reforça-se a defesa de Butler de que a televisão tem estilo e que é importante! Podendo a partir de esse caminho extrair determinados significados implícitos. ANÁLISE Amparado no referencial exposto, parte-se para análise estilística por meio da descrição e função de determinados quadros (frames) das vinhetas de “YSBLF” e “BENY”. Figuras 1-2: enfermeira se assusta -- RCN (1999) A vinheta de “YSBLF” começa com o efeito sonoro de uma voz que diz: “tan linda”. Um pano é puxado e vislumbra-se uma enfermeira, acompanhada de um homem de terno. Ela faz uma cara de espanto. O homem, que não percebe a reação da mulher, faz uma onomatopeia similar ao gugu-dadá. Fica estabelecido nas ações que estão olhando um bebê. A criança então chora; foi acordada. Constrangida, a enfermeira cobre de novo o rosto do bebê. A ação é captada por uma câmera subjetiva, cumprindo a função de representar o olhar do bebê, o que é codificado quando há a aparição do homem e da enfermeira (por sua vez assim entendida devido ao figurino característico). O enquadramento é contra-ponglée, denotando que o bebê olha para os adultos, e reafirmando tratar-se de uma figura menor (no sentido de tamanho, e também de vulnerabilidade). A chave da cena, todavia, está na reação excessiva (melodramática) da mulher, que parece enxergar algo grotesco. No trecho, não há indicação da personagem Betty: não aparece seu rosto, letreiro com o título da trama, tampouco da 604 _________________________________________________________________________ intérprete. Betty chora e já no seu inicio de vida é silenciada quando seu rosto é coberto novamente. Assim, não pode ser vista ou ouvida. Após o pano cobrir o rosto da criança, uma nova sequência se inicia. Os elementos gráficos revelam o nome da novela e dos dois atores protagonistas: Ana Maria Orozco e Jorge Enrique Abello. Todavia,