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THE MACHINE:1 Uma Análise Da Relação Entre Pink Floyd E a Indústria Da Música

THE MACHINE:1 Uma Análise Da Relação Entre Pink Floyd E a Indústria Da Música

VI ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA 1 “As dimensões do cotidiano na interface mídia, música e consumo” 05 a 07 de agosto de 2015 – UFES, Vitória-ES

WELCOME TO THE MACHINE:1 Uma análise da relação entre e a indústria da música

João Montenegro2 Universidade Federal de Pernambuco, Recife - PE

Resumo: Após o álbum The Dark Side of the Moon (1973), Pink Floyd chegou ao topo da indústria da música, batendo recordes de vendas e tendo os ingressos para os seus shows esgotados. Porém, o sucesso trouxe para a banda uma série de questionamentos e tensões a respeito da fama e de sua relação com a indústria fonográfica e o seu público.

Palavras-chave: Música; Pink Floyd; Indústria da Música; Rock.

Introdução

No começo dos anos 70, apesar do sucesso de Led Zeppelin e dos Rolling Stones, o rock parecia viver uma ressaca da década anterior. Os Beatles se separaram; Jimi Hendrix e Janis Joplin haviam morrido; o sonho hippie estava ficando para trás. Como o próprio John Lennon disse na música God (do disco Plastic Ono Band, 1970): “the dream is over”. Pode- se dizer que a década de 70 foi um período de desilusões: O início da década de 70 tornou-se uma época de contradições. Por um lado, houve a institucionalização da moda da contracultura, da aparência, da experiência com drogas e da linguagem. Por outro, havia esforços do governo e do showbusiness para reverter a recente abertura e expressividade política e cultural da época (FRIEDLANDER, 2010, p. 330).

Neste cenário, Pink Floyd era apenas mais uma banda inglesa entre tantas outras que sobreviveram aos anos 60. Ainda que tivesse um público relativamente grande, a banda se mantinha no circuito alternativo e, mesmo com alguns álbuns de relevância musical, não dispunha de muito espaço na mídia e não havia conquistado a crítica especializada. Os discos carregavam um experimentalismo que impedia a banda de atingir níveis mais altos de sucesso fora da Inglaterra. Segundo a revista Rolling Stone, em edição especial de colecionador

1 Trabalho apresentado no GT Memória e História Midiática da Música do VI MUSICOM – Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música, realizado de 05 a 07 de agosto de 2015, na Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES. 2 Graduado em História pela Universidade Federal de Pernambuco e graduando em Rádio, TV e Internet pela Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected] VI ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA 2 “As dimensões do cotidiano na interface mídia, música e consumo” 05 a 07 de agosto de 2015 – UFES, Vitória-ES dedicada à banda (2014, p. 14), “Umagumma (1969) e (1970) traziam longos experimentos com atonalidade e composição orquestral, e a EMI por vezes deve ter ficado sem saber o que fazer com tais álbuns – principalmente nos Estados Unidos”. Mesmo com a Inglaterra sendo um importantíssimo nicho do mercado musical, estourar nos Estados Unidos já era algo fundamental na indústria fonográfica. E isso ainda não havia acontecido com Pink Floyd, portanto, os membros da banda ainda não vivenciavam o estrelato que o sucesso musical podia causar. Essa situação mudou em 1973, com o lançamento do disco The Dark Side of the Moon. Impulsionado pelo single Money, o disco atingiu recordes de vendas, permanecendo na parada norte-americana de álbuns mais vendidos por 741 semanas. Isso elevou os componentes do Pink Floyd ao status de rockstars. Os shows, antes restritos aos fiéis seguidores da banda, passaram a ter uma nova geração de fãs, que exigiam uma relação com os músicos completamente diferente da que se havia estabelecido até então. Pink Floyd registrava poucas aparições públicas fora do palco e tinha uma relação bastante fria com o público. A turnê do The Dark Side of the Moon, que durou de 1973 a 1974, modificou essa conexão entre a banda e sua plateia. , guitarrista e vocalista, comentou a respeito do crescimento midiático e comercial que experimentaram: Não há como garantir que todos estejam lá porque amam a sua música [...]. Uma porção está ali para se divertir, e não necessariamente porque comprou o disco da banda e adorou [...]. Pediam músicas mais agitadas, para se sacudir e dançar, gritar, beber cerveja e ter bons momentos. Tivemos que modificar um pouco as coisas que fazíamos. Sentíamos que estávamos fazendo concessões? Sim. Mas o que se pode fazer? A gente fica meio preso (apud HARRIS, 2005, p. 192).

Portanto, após o lançamento do The Dark Side of the Moon, Pink Floyd atingiu um nível de exposição midiática e um número de fãs que até então não tinham feito parte da sua carreira. É importante ressaltar que, dentro do universo da cultura pop, o rock sempre buscou uma autonomia e um status que o colocassem acima dos demais gêneros musicais. Ele “se edificou como cânone na música pop a partir de retrancas valorativas que operam sob a égide da autonomização da criação dentro do sistema produtivo” (AMARAL; MONTEIRO; SOARES, 2015, p. 2). Além disso, deve-se levar em consideração que Pink Floyd se enquadrava dentro do subgênero rock progressivo, cujo princípio era alinhar o rock com manifestações musicais consideradas superiores, como o jazz e a música clássica. Para os especialistas de pop-rock, o conjunto de estilos conhecido como rock progressivo, ou art-rock, surgiu no início dos anos 70 – e durou até a década de 80 – VI ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA 3 “As dimensões do cotidiano na interface mídia, música e consumo” 05 a 07 de agosto de 2015 – UFES, Vitória-ES

como uma forma única de expressão e aprofundamento da consciência artística sobre a música pop-rock, principalmente entre os jovens de classe média alta (REGEV, 2013, p. 37, tradução minha).

Nesse sentido, ao atingir determinado patamar de sucesso, Pink Floyd se viu em uma encruzilhada entre as suas origens musicais – voltadas para o experimentalismo e com liberdade durante o processo de criação – e as pressões da indústria fonográfica e do público, consequência direta do êxito de vendas do The Dark Side of the Moon. Essa tensão gerou uma série de músicas, presentes principalmente nos discos Wish You Were Here (1975) e (1979), que são os objetos de estudo deste artigo.

Wish You Were Here

Lançado em 1975, o álbum Wish You Were Here foi um teste para a banda, tanto em termos comerciais como na questão de continuar tendo autonomia dentro do processo criativo. Para o baterista da banda, , o The Dark Side of the Moon deixara um fardo como herança: Depois do sucesso de The Dark Side of the Moon, fomos trazidos de volta à terra quando tivemos que começar a batalhar mais uma vez num novo álbum. Nessa ocasião, Dark Side na verdade adicionou um fardo, porque estávamos preocupados em evitar qualquer acusação de fazer dinheiro em cima do álbum por simplesmente replicá-lo (MASON, 2012, p. 231).

No álbum há duas canções que são bastante representativas do momento vivido pela banda. Welcome to the Machine e , ambas escritas pelo baixista e letrista , expõem as pressões e tensões vividas pelo grupo inglês dentro da indústria da música. Nas duas composições, o personagem principal da letra parece ser a própria indústria falando com o artista. Em Welcome to the Machine, a letra faz referência aos instrumentos de captação da indústria cultural: “Welcome my son, welcome to the machine / What did you dream? / It‟s alright we told you what to dream / You dreamed of a big star / He played a mean guitar / He always ate in the steak bar / He loved to drive in his jaguar”. A indústria cultural, em que a indústria da música está inserida, impõe modelos de vida ou, como diz a letra, um modelo de “sonho” que pode ser conquistado através do sucesso e da imersão no sistema capitalista de produção de cultura. “A produção estética integra-se à produção mercantil em geral, permitindo o surgimento da ideia de que o que somos depende dos bens que podemos VI ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA 4 “As dimensões do cotidiano na interface mídia, música e consumo” 05 a 07 de agosto de 2015 – UFES, Vitória-ES comprar e dos modelos de conduta veiculados pelos meios de comunicação” (RUDIGER, 2001, p. 138). O sonho conquistado através do sucesso volta a ser tema na música Have a Cigar. Mais do que na composição anterior, Have a Cigar mostra-se como o discurso de um empresário da indústria da música: “We heard about the sell out / You‟ve gotta get an album out / You owe it to the people [...] Have you seen the charts? / It‟s a helluva start / It could be made into a monster / If we all pull together as a team”. O personagem da letra enfatiza a importância de manter as vendas e de apresentar um novo trabalho, pois o artista “deve” isso ao seu público. Na indústria cultural, o lucro orienta a produção, e o espaço da criação individual é eliminado em virtude da lógica da produção coletiva. Duas ordens de produção – material e simbólica – se sobrepõem, com substanciais perdas para a cultura. O artista criador é substituído pela linha de produção, com uma divisão do trabalho cultural em partes mais e mais compartimentadas. A imaginação e o ato criador são adaptados às exigências da produção. Fórmulas e modelos substituem a espontaneidade e os padrões tomam lugar da inovação (MARTINO, 2009, p. 49).

O álbum Wish You Were Here foi uma consolidação do Pink Floyd no mercado fonográfico, mas ao mesmo tempo mostrou que a banda não estava alienada das questões mercadológicas que a rodeavam. Para a revista Rolling Stone (2014, p. 76), o álbum evocou “a torturada relação da banda com a recém-conquistada fama [...], um lamento apaixonado e cheio de remorso vindo de dentro do monstro que era a indústria da música”.

The Wall

Com uma sequência de três discos bem sucedidos – The Dark Side of the Moon (1973), Wish You Were Here (1975) e Animals (1977) – Pink Floyd chegou à turnê de 1977 ainda no auge de sua carreira. Estádios lotados era algo corriqueiro para a banda, assim como uma plateia mais interessada na festa do que na música. Isso incomodava profundamente Roger Waters (baixista, vocalista e principal compositor), que no último show da turnê se irritou com uma pessoa da plateia, que não parava de gritar e pedir uma música específica, e cuspiu nela. Segundo relato de Nick Mason (baterista), esse foi o momento que deu origem à ideia do que viria a ser o 11º disco da banda, o The Wall (1979). “Embora o incidente da cusparada tenha sido enervante à época, serviu para disparar as armas criativas de Roger e ele VI ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA 5 “As dimensões do cotidiano na interface mídia, música e consumo” 05 a 07 de agosto de 2015 – UFES, Vitória-ES desenvolveu um esboço de um show baseado na volta do conceito de uma plateia física e mentalmente separada de seus ídolos” (MASON, 2012, p. 292). Mesmo que por trás dessa ideia existisse uma motivação financeira para lançar um novo disco, é bastante evidente que trouxe uma discussão importante para o rock, e também para a música pop de maneira geral. Seguindo a linha de que o capitalismo conseguiu transformar a cultura em objeto da indústria, a relação entre ouvinte, música e artista se modificou no século XX. “As experiências estéticas assim postas em circulação sem dúvida eram pobres, devido à exploração desse meio pelo capital” (RUDIGER, 2001, p. 135). Então, ao desenvolver a ideia de separar o público da banda com um muro construído durante o show, Pink Floyd tentou romper com a experiência estética do rock and roll desenvolvida desde os anos 50, que consistia em ver ao vivo quem fazia a execução daquilo que se escutava nos discos. O músico passara a ser alvo de uma idolatria que extrapolava questões musicais. A rápida ascensão midiática e comercial do Pink Floyd a partir de 1973 fez com que a banda percebesse essa mudança na experiência vivida por sua plateia durante os concertos. Antes os fãs estavam presentes para apreciar a música, após o The Dark Side of the Moon grande parte do público ia aos shows do Pink Floyd em busca de uma experiência efêmera. Há pouco espaço para a novidade na indústria cultural: qualquer coisa que coloque em risco o lucro é uma ameaça. O espaço para o experimentalismo é mínimo: não agradar ao público contraria a lógica da produção [...] a arte é uma mercadoria de circulação rápida e o público não pode ter tempo de se cansar de uma personagem sem estar munido de outra (MARTINO, 2009, p. 49).

No álbum The Wall, e posteriormente no show e no filme, a construção do muro que separa o artista do seus devotos vai de encontro com a ideia de mitos na cultura pop do século XX. Umberto Eco chamou esse fenômeno de “mito geracional”. Thiago Soares, professor de comunicação na Universidade Federal de Pernambuco, explica esse termo como “figuras emblemáticas da cultura de consumo que presentificam uma determinada produção artística e sintetizam anseios, gostos e afetos de um tipo específico de fruidor” (2014, p. 91). Através do The Wall, os integrantes do Pink Floyd apresentam a ideia de se separar das pessoas que os mitificam e revelam como essa idolatria pode ser opressora na produção musical. Lançado em 30 de novembro de 1979, The Wall surgiu em um dos momentos mais conturbados da banda. Roger Waters (baixista e vocalista), que já escrevia todas as letras das músicas desde 1973, dominou quase todo o processo de criação do disco. Richard Wright e Nick Mason, respectivamente tecladista e baterista, pareciam cada vez mais meros músicos de estúdio. Apenas o guitarrista, e também vocalista, David Gilmour conseguiu manter uma VI ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA 6 “As dimensões do cotidiano na interface mídia, música e consumo” 05 a 07 de agosto de 2015 – UFES, Vitória-ES posição de importância, coproduzindo o álbum e dividindo a autoria de três das vinte e seis músicas. The Wall foi idealizado e desenvolvido para se tornar um grande produto midiático. Não há como pensar o álbum sem levar em consideração os dois subprodutos surgidos posteriormente: o espetáculo/show apresentado nos anos 1980/81 e o filme lançado em 1982. Nesse ponto, podemos exemplificar a contradição que o artista pode apresentar quando está inserido no sistema mercadológico. Por mais que houvesse questionamentos, a banda participava da lógica imposta pelo mercado. Outra característica da indústria cultural é a autorreferência de seus produtos. É preciso suprir as demandas do consumidor [...]. A divulgação em massa se explica pela urgência do tempo: é necessário extrair o máximo de lucro possível antes que o produto se torne obsoleto (MARTINO, 2001, p. 52)

Por ser um álbum extremamente ligado a Roger Waters, a história contada no disco se tornou uma autobiografia. Waters, através das letras e do personagem Pink, conta os diversos motivos que o fizeram imaginar um muro que o deixasse isolado do mundo: a conservadora educação que recebeu nos tempos escolares (Another Brick in the Wall); a ausência do pai, morto na Segunda Guerra Mundial (Goodbye Blue Sky); uma mãe superprotetora (Mother). Mas a faísca inicial do The Wall foi justamente a atitude extrema de ter cuspido na cara de um fã durante a turnê de 1977. A relação entre o artista e seu público é objeto de reflexão em diversos momentos do disco. Já na primeira música (In the Flesh?), há uma referência à cega idolatria que os fãs estabelecem em relação aos seus ídolos. Pouco importando, no caso da música, o que a banda está tocando, mas sim quem está tocando. Durante a turnê do The Wall, essa música era a abertura do show, sendo tocada apenas pela banda de apoio, que usava máscaras moldadas a partir do rosto dos quatro membros do Pink Floyd. Enquanto isso, Roger Waters cantava escondido no palco: “Tell me is something eluding you, sunshine? / Is this not what you expected to see? / If you wanna find out what‟s behind these cold eyes / You‟ll just have to claw your way through this disguise!”. Provavelmente, o truque de enganar a plateia com uma banda falsa só funcionou nos primeiros shows da turnê. Mas podemos fazer duas interpretações dessa música. A primeira é que, por conta da efemeridade da música dentro da indústria cultural, pouco importa quem está no palco. A segunda, que toda a admiração da plateia acaba sendo voltada para pessoas que, não literalmente, sempre usaram máscaras. A cuspida que Roger deu no fã em 1977 foi um momento de retirada dessa máscara. VI ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA 7 “As dimensões do cotidiano na interface mídia, música e consumo” 05 a 07 de agosto de 2015 – UFES, Vitória-ES

A faixa Mother, apesar de ser focada na relação entre Roger Waters e sua mãe, de maneira muito sutil aborda a pressão que ele sofria para sempre produzir um novo disco de sucesso, dentro de um contexto de pressão da gravadora e medo caso não atingisse as expectativas do público: “Mother, do you think they'll like this song? / Mother, do you think they'll try to break my balls? / Mother, should I build the wall?”. A segunda frase pode ser compreendida como o público e a mídia podem ser perversos caso a música não esteja dentro do que se espera. Como argumenta Martino (2009, p. 49), “quando o público se cansa, o artista desaparece e é substituído por outro – o que explica a velocidade com que novos ídolos aparecem e somem a cada semana.” Na versão ao vivo do disco – lançada como Is There Anybody Out There? The Wall Live 1980-81 – a banda acrescentou a música What Shall We Do Now, cujo início é um autoquestionamento de Roger Waters em relação ao retorno que o artista tem no palco (aplausos “vazios”, já que não há uma admiração pela música em si): “Shall we set out across the sea of faces / In search of and more applause?”. Há também um questionamento dos bens materiais obtidos através dessa fria relação estabelecida entre artista e público: “Shall we buy a new guitar? Shall we drive a more powerful car? / Shall we work straight through the night? / [...] / Fill the attic with cash?”. Roger Waters não conseguia enxergar um retorno convincente em relação à sua música. “O capitalismo rompeu os limites da economia e penetrou no campo da formação da consciência, convertendo bens culturais em mercadoria” (RUDIGER, 2001, p. 139). Apesar de todos os lados negativos, Roger Waters acredita que um artista não deve parar. The Show Must Go On mostra um artista disposto a continuar, mas sem abdicar de seus questionamentos. “There must be some mistake / I didn't mean to let them / Take away my soul / Am I too old is it too late / [...] / Where has the feeling gone? / [...] / The show must go on.” Esses questionamentos prosseguem na canção seguinte (In the Flesh) – a mesma música que abre o disco, porém com outra letra –, mas com uma conotação diferente, eles passam a ser feitos para o público: Até onde eles podem ir idolatrando um artista? O que eles seriam capazes de fazer? Para responder essas questões, o personagem Pink incorpora um ideal fascista e preconceituoso para testar seus fãs. “I've got some bad news for you Sunshine / Pink isn't well he stayed back at the hotel / And they sent us along as a surrogate band / And we're going to find out where you fans really stand / Are there any queers in the theatre tonight / Get them up against the wall”. Porém, ao final da música, Roger Waters revela que VI ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA 8 “As dimensões do cotidiano na interface mídia, música e consumo” 05 a 07 de agosto de 2015 – UFES, Vitória-ES não faz questão de ter na sua plateia fãs que seguem “cegamente” seus ídolos: “If I had my way I'd have all of you shot”. Sobre a relação com o público, Roger Waters comentou: “Eu não me sentia em contato com o público. Não eram mais pessoas; elas haviam se tornado uma „coisa‟ – uma fera” (apud ROLLING STONE, 2014, p. 76). Em The Trial, penúltima música do disco, o personagem Pink passa por um autojulgamento em que ele levanta os principais pontos que o levaram a construir o muro imaginário ao seu redor. O “juiz” do julgamento sentencia que a punição deve ser a exposição de Pink junto aos seus semelhantes: “Since, my friend, you have revealed your deepest fear / I sentence you to be exposed before your peers / Tear down the wall”. Então, a conclusão de Roger Waters é que, por mais que ele tentasse se isolar dos mecanismos impostos pela indústria cultural, sua imersão no sistema já estava completa. Embora haja reflexões sobre o lugar do artista dentro da indústria, o discurso apresentado pela banda nem sempre condiz com a realidade. Mesmo que se pense o The Wall como uma obra contestadora do status quo, o que de fato ele é, Pink Floyd nunca deixou de ser uma banda comercial. O próprio The Wall foi encarado como uma grande chance de acabar com as dívidas da banda, tanto que um filme e um grande concerto foram derivados do álbum. Mas essa talvez seja uma das grandes questões do Pink Floyd: ser uma banda comercial e extremamente rentável, mas sem abrir mão de seu experimentalismo sonoro e de temas pesados para as suas canções. Anos depois do lançamento, Roger Waters afirmou: “estava tentando entender minha vida e, até certo ponto, consegui!” (apud ROLLING STONE, 2014, p. 76). Isso reforça o quanto o questionamento das relações estabelecidas entre artista e público era uma questão pessoal do principal compositor da banda. Richard Wright (tecladista), que foi expulso da banda após o término das gravações, se incomodava bastante com o fato de Roger impor sempre uma visão pessoal: “Se não estivéssemos naquela situação financeira, talvez tivéssemos dito „olha, não gostamos dessas músicas‟, e as coisas poderiam ter sido diferentes” (apud ROLLING STONE, 2014, p. 77). Sobre o olhar da crítica, é importante ressaltar que na data de lançamento do The Wall, 30 de novembro de 1979, a geração de bandas surgidas nos anos 60 já estava sendo considerada ultrapassada. Com músicas simples e letras mais diretas, o punk havia mudado os paradigmas do rock and roll. A camisa com a frase “I hate Pink Floyd”, usada por Johnny Retton (Sex Pistols), representa com precisão o contexto musical da época. Portanto, a crítica não foi tão receptiva com o The Wall, como havia sido com álbuns anteriores do Pink Floyd, VI ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA 9 “As dimensões do cotidiano na interface mídia, música e consumo” 05 a 07 de agosto de 2015 – UFES, Vitória-ES como o The Dark Side of the Moon (1973) e Wish You Were Here (1975). Segundo Mark Blake (2012, p. 311), “o novo trabalho do Floyd incitou tanta confusão quanto azedume entre a impressa musical”. Mesmo assim o disco foi um dos mais vendidos da década de 80, e até hoje vendeu mais de 30 milhões de cópias, o que o coloca entre os álbuns mais vendidos da história. Em uma perspectiva mais atual, olhando o The Wall como parte da história da música do século XX, a Rolling Stone (2014, p. 76) afirma que “Waters abordou os problemas como um verdadeiro astro do rock: mergulhou no álbum mais ambicioso do Pink Floyd até então – uma ópera rock para acabar com todas as óperas-rock”. A revista prossegue afirmando que “The Wall foi o último e maior álbum conceitual de art rock dos anos 70, um réquiem duplo para uma década inteira”. O distanciamento histórico pode fazer com que a crítica reconheça valores não perceptíveis na época do lançamento. Isso é válido para qualquer objeto artístico.

Considerações finais

Apesar de se colocar em contradição ao contestar e, ao mesmo tempo, participar de uma lógica de produção industrial para a música, Pink Floyd é uma das poucas grandes bandas de sucesso dos anos 70 que levantou esse tipo de debate através de suas músicas. A análise de sua autonomia para lançar um material com esse viés é relevante para a compreensão das tensões e das relações estabelecidas entre a indústria da música e artistas em um período de grande efervescência do mercado fonográfico.

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