UNICAMP UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

EDUARDO JOSÉ NEVES SANTOS

AS MÚLTIPLAS FACES DA POLÊMICA LIBERAL: O EMBATE ENTRE ZACARIAS DE GÓES, CONSERVADORES E PROGRESSISTAS NA QUESTÃO DA NAVEGAÇÃO COMERCIAL NO IMPÉRIO (1857-1866)

CAMPINAS 2019

EDUARDO JOSÉ NEVES SANTOS

AS MÚLTIPLAS FACES DA POLÊMICA LIBERAL: O EMBATE ENTRE ZACARIAS DE GÓES, CONSERVADORES E PROGRESSISTAS NA QUESTÃO DA NAVEGAÇÃO COMERCIAL NO IMPÉRIO (1857-1866)

Dissertação apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em História, na Área de Política, Memória e Cidade.

Orientadora: PROFA. DRA. IZABEL ANDRADE MARSON ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO EDUARDO JOSÉ NEVES SANTOS, E ORIENTADA PELA PROFA DRA IZABEL ANDRADE MARSON

CAMPINAS 2019

UNICAMP UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 19 de agosto de 2019, considerou o candidato Eduardo José Neves Santos aprovado.

Profa. Dra. Izabel Andrade Marson – Presidente

Profa. Dra. Cecília Helena Lorenzini de Salles Oliveira – Membro Externo

Prof. Dr. Rodrigo Camargo de Godoi – Membro Interno

A Ata de Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertações/Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

Dedico aos meus pais, José e Rose.

AGRADECIMENTOS

Para a realização deste trabalho, principiado ainda durante a graduação (2012- 2016), na Faculdade de Ciências e Letras de Assis da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FCL-UNESP), foi fundamental o incentivo do professor José Carlos Barreiro, que me orientou em duas iniciações científicas que despertaram minha atenção para o “velho” Zacarias de Góes. Vale ressaltar neste primeiro momento as leituras sobre o século XIX compartilhadas com os colegas do Grupo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares sobre Política Cultura e Sociabilidades e dos debates com meus amigos Arthur Rebelo, Eduardo Silva, Helen Oliveira, João Roveri e Lucas Mota. Após o término da graduação, não por acaso, os ventos me levaram do “oeste distante” à “cidade das andorinhas” onde fui acolhido generosamente pela professora Izabel Andrade Marson que, além das atividades de estudo me auxiliou na adaptação a um novo ritmo e estilo de pesquisa. Orientadora dedicada e arguta, me proporcionou novas leituras, abordagens e caminhos a serem desbravados nas instituições de pesquisa do Rio de Janeiro e me aproximou das discussões realizadas no Núcleo História e Linguagens Políticas: Razão, Sentimentos e Sensibilidades. No Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-UNICAMP), me beneficiei dos debates com as professoras Josianne Francia Cerasoli e Maria Stella Martins Bresciani, durante as atividades da Linha de Pesquisa Política, Cultura e Memória. Ocasião, também de construção de novas amizades, em especial com Franciely Luz e Vitor Menini, que me receberam em Campinas e, com quem compartilhei leituras e apontamentos que trouxeram muitas contribuições à essa dissertação. Saliento, outrossim, a atenção dedicada pelas professoras Eide Sandra Azevêdo Abrêu, da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e Silvana Mota Barbosa, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), indicando fontes e livros a um jovem pesquisador. Se na fase inicial tudo parecia novo e o desafios grandes, com o tempo o trabalho foi se desenvolvendo de maneira satisfatória. Agradeço aos professores, Cecília Helena L. de Salles Oliveira do Museu Paulista da Universidade de São Paulo (USP) e Rodrigo Camargo de Godói (IFCH-UNICAMP) – que prontamente atenderam o convite para a banca do Exame de Qualificação – pela leitura atenta de meus escritos e pelas precisas sugestões. Agradeço também aos colegas da E.E. Dom Antônio José dos Santos (Rancharia- SP), da E.E. João Vieira de Mello (Queiroz-SP), da E.M.E.F. Coronel Antônio Nogueira

(Paraguaçu Paulista- SP), da E.M.E.F. Osório Lemaire de Morais (Paraguaçu Paulista- SP) e da E.M.E.F. Cléia Caçapava Silva (Paraguaçu Paulista- SP), que acompanharam grande parte da trajetória acadêmica de um pós-graduando e professor ansioso e me auxiliaram dentro de suas possibilidades. O mesmo vale aos meus familiares, em especial meu pai, José, e minha mãe, Rose, que acreditaram em meu potencial e me auxiliaram nos deslocamentos, na aquisição de livros e nos momentos de frustração. Com a mesma importância, manifesto minhas saudações e respeito ao trabalho dos funcionários do Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, em especial os responsáveis pela Biblioteca Octávio Ianni (IFCH), pela Coleção Especial Maurício Tragtenberg da Biblioteca Professor Joel Martins da Faculdade de Educação (FE), da Coleção Especial Sérgio Buarque de Holanda da Biblioteca Central César Lattes (BCCL) e do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL). Também deixo meus agradecimentos aos funcionários do Arquivo Histórico do Museu Imperial de Petrópolis- RJ (AHMI), do Arquivo Nacional- RJ (AN), do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro- RJ (AGCRJ), da Biblioteca Nacional- RJ (BN), da Biblioteca Acadêmica Lúcio de Mendonça da Academia Brasileira de Letras- RJ (ABL) e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro- RJ (IHGB), que me acolheram generosamente e facilitaram minhas pesquisas nas instituições de guarda do Estado do Rio de Janeiro, em especial, Maria Aparecida Ribeiro (AGCRJ), Maria de Fátima Moraes Argon (AHMI) e Pedro Tortima (IHGB). Por fim, agradeço a bolsa de estudos concedida pelo Governo Federal, determinante para a conclusão desta dissertação. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- Brasil (CAPES)- Código de Financiamento 001.

Campinas, Inverno de 2019.

O passado é uma onda toldada que entra em repouso. O lodo deposita-se no fundo; a água límpida vem à flor.

José de Alencar

RESUMO

Esta dissertação aborda o percurso político de Zacarias de Góes e Vasconcellos (1815-1877) entre 1857 e 1866, período em que presidiu 3 gabinetes. Analisamos especialmente o desempenho deste político na derrubada do ministério Caxias-Paranhos (2 de março de 1861), episódio, dentre outros, que concorreu para a fragmentação do Partido Conservador e a formação da Liga Progressista, agrupamento partidário formado por conservadores dissidentes (como o próprio Zacarias) e alguns liberais moderados. Identificamos os diversos posicionamentos e confrontos liberais que se manifestaram na Câmara, dentro e fora do grupo “ligueiro”, especialmente quando, na vigência do gabinete de 15 de janeiro de 1864, se discutia, dentro do tema navegação comercial no Império, a quem caberia a concessão da linha de navegação entre o Rio de Janeiro e Nova Iorque. Demonstramos como a competição entre projetos que ambicionavam aquela concessão – dentre eles o do deputado liberal, o barão de Mauá – dividiu os membros da Liga, e resultou na demissão do ministério, o segundo presidido por Zacarias. O objetivo mais amplo deste trabalho é evidenciar como a política e os negócios privados se coadunavam, a exemplo das concessões obtidas pelos empreendimentos do barão de Mauá. Também, demonstrar como o confronto entre frações que integravam a Liga - tanto entre conservadores dissidentes, quanto entre eles e os liberais - a inviabilizaram, até porque o conflito se assentava em expectativas políticas e financeiras divergentes e inconciliáveis no que se refere à administração dos recursos públicos e a soberania nacional.

Palavras-chave: Zacarias de Góes; Liga Progressista; Navegação Comercial; Liberalismo.

ABSTRACT

This dissertation deals with the political career of Zacarias de Góes e Vasconcellos (1815-1877) between 1857 and 1866, when he presided over three cabinets. We analyze especially the performance of this politician in the overthrow of the ministry Caxias-Paranhos (March 2, 1861), an episode, among others, that contributed to the fragmentation of the Conservative Party and the formation of the Progressive League, a party group formed by dissident conservatives (like Zacarias himself) and some moderate liberals. We identified the different positions and liberal confrontations that manifested themselves in the Chamber, inside and outside the “ligueiro” group, especially when, in the validity of the cabinet of January 15, 1864, there was discussion, within the theme of commercial navigation in the Empire, who would be responsible for the concession of the navigation line between Rio de Janeiro and New York. We showed how the competition between projects that aspired to that concession - among them that of the liberal deputy, the baron of Mauá - divided the members of the League, and resulted in the dismissal of the ministry, the second presided over by Zacarias. The broader objective of this work is to analizy how politic and private business converged, following the example of the concessions obtained by the ventures of the baron of Mauá. Also, to demonstrate how the confrontation between the fractions that were part of the League - both between dissident conservatives and between them and the liberals - made it unviable, not least because the conflict was based on divergent and irreconcilable political and financial expectations regarding the administration of public resources and national sovereignty.

Keywords: Zacarias de Góes; Progressive League; Commercial Navigation; Liberalism.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Zacarias de Góes e Vasconcellos ...... 17 Figura 2. Região banhada pelo Rio Amazonas ...... 186

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1. Sessões da Câmara dos Deputados (1864) ...... 128 Gráfico 2. Debates sobre infraestrutura, transporte e comunicações realizados na Câmara (1864) ...... 151 Gráfico 3. Discussões do Orçamento dos Ministérios na Câmara dos Deputados (1864) .... 162

LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Dissoluções da Câmara dos Deputados no reinado de d. Pedro II ...... 96 Quadro 2. Mesa diretora interina da Câmara dos Deputados (12ª legislatura) ...... 103 Quadro 3. Mesa diretora da Câmara dos Deputados (12ª legislatura) ...... 107 Quadro 4. Ministros e Secretários da Agricultura (1861-1868) ...... 154 Quadro 5. Empreendimentos de Irineu Evangelista de Souza ...... 174

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AEL- Arquivo Edgard Leuenroth ACD- Anais da Câmara dos Deputados AGCRJ- Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro AHMI- Arquivo Histórico do Museu Imperial AN- Arquivo Nacional ASI- Anais do Senado do Império FBN- Fundação Biblioteca Nacional IHGB- Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 16 CAPÍTULO 1- “A Guarda de Honra dos antigos reis”: hegemonia e fragilidades do Partido Conservador ...... 27 1.1. A Liga Progressista em perspectiva historiográfica ...... 27 1.2. Os “gabinetes financeiros”: hegemonia e fragilidades do Partido Conservador ...... 40 1.2.1. Competição e fragilidade na província ...... 47 1.2.2. Fragilidades na Câmara dos Deputados ...... 50 1.2.3. Fragilidades no governo: os gabinetes Ferraz e Caxias-Paranhos ...... 57 1.3. Entre liberais e “moderados”: Zacarias e a Liga Progressista ...... 62 1.3.1. A Resposta à Fala do Trono e a desestabilização do gabinete Caxias-Paranhos 70 1.3.2. Os “Progressistas” no poder: O gabinete dos “Anjinhos” ...... 78 CAPÍTULO 2- “O poder pelo amor do poder”: o desempenho de Zacarias de Góes na desestabilização dos gabinetes conservadores ...... 86 2.1. O gabinete dos “Velhos” e a consolidação da Liga ...... 86 2.1.1. A dissolução da Câmara e as eleições de 1863 ...... 94 2.2. A pressão liberal e o naufrágio do “palhabote ministerial” de Olinda ...... 104 2.3. Zacarias e o “castelo de cartas”: contestação liberal ao programa do gabinete 15 de janeiro ...... 114 2.3.1. A Resposta à Fala do Trono e a discussão sobre as “liberdades” ...... 127 2.4. Diferentes modos de “ser” liberal ...... 133 CAPÍTULO 3- “O temporal nos altos poderes”: embates e estilhaçamentos na Liga Progressista ...... 145 3.1. “Charrua de marcha lenta”: O gabinete 15 de janeiro e a navegação comercial ..... 145 3.1.1. As propostas de navegação entre o Brasil e os Estados Unidos ...... 152 3.2. O Império dos “negócios”: conceder, pactuar e governar ...... 170 3.2.2. Mauá e a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas ...... 179 3.3. Os incompossíveis? Mediações entre o “político” e o “capitalista” ...... 190 3.3.2. A abertura do Amazonas à navegação internacional ...... 195 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 202 REFERÊNCIAS ...... 206 APÊNDICES ...... 224 ANEXOS ...... 236 16

INTRODUÇÃO

Desde o início do século XIX, diferentes concepções e interesses políticos delinearam projetos de teor liberal para o Estado monárquico, particularmente durante o Segundo Reinado quando estadistas com expressiva formação jurídica atuaram na administração, tendo sido considerados por muitos estudiosos como construtores do Estado nacional no Brasil.1 Dentre eles, projeta-se Zacarias de Góes e Vasconcellos, político baiano lembrado por sua postura crítica e remodeladora de fundamentos da Monarquia – como o Poder Moderador – em especial quando esteve à frente da presidência do Conselho de Ministros em 1862, 1864 e 1866-1868. Nascido em 1815 em Valença (Bahia), e criado pelo irmão – o magistrado João Antônio Vasconcellos – Zacarias formou-se em direito no final da década de 1830 pela Academia de Olinda, onde lecionou por um curto período.2 Essa atividade o aproximou da política e em 1843 se filiou ao Partido Conservador, onde permaneceu até os anos 1860 atuando como deputado provincial e deputado geral, além de ministro e presidente das províncias do Piauí (1845-1847), Sergipe (1847-1849) e fundador do Paraná (1853).3 Na década de 1860, sua carreira ganhou novos contornos pela adesão ao grupo de conservadores que apoiaram reformas progressistas. Projetou-se com a obra Da Natureza e Limites do Poder Moderador4, na qual evidenciou compromisso com proposições liberais que sinalizavam limitações ao quarto Poder e defendiam a liberação dos negócios do controle do Estado, contrapondo-se assim às orientações dos conservadores “puros”, como Paulino Soares de Souza, futuro visconde de Uruguai.5

1 DOLHNIKOFF, Miriam. O Pacto Imperial: origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005. p.23. DANTAS, Monica D. Partidos, liberalismo e poder pessoal: a política no Império do Brasil. Um comentário ao artigo de Jeffrey Needell, Formação dos partidos políticos no Brasil da Regência à Conciliação, 1831-1857. Almanack Braziliense. São Paulo, n. 10, p.40-47, 2009. MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. São Paulo, Brasília: HUCITEC, INL, 1987. p.181-184. MOTA, Carlos Guilherme. Introdução geral para uma perspectiva histórica. In: MOTA, Carlos Guilherme; FERREIRA, Gabriela Nunes. Os juristas na formação do Estado-Nação brasileiro (de 1850 a 1930). São Paulo: Saraiva, 2010. p.45. 2 Pedro Calmon inscreve-o entre os bacharéis do norte, “a grande geração que já não vinha da Universidade de Coimbra, [...] mas se preparava para a escalada nas deficiências, na simplicidade, na aspereza do meio nacional”. Cf. CALMON, Pedro. O Conselheiro Zacarias e seu livro. In: VASCONCELLOS, Zacarias de Góes e. Da Natureza e Limites do Poder Moderador. Brasília: Senado Federal, 1978. p.11. 3 VARGAS, Túlio. O Conselheiro Zacarias (1815-1877). Curitiba: Juruá, 2008 [1977]. p.15-40. MARTINS, Wilson. A Invenção do Paraná: estudo sobre a presidência Zacarias de Góes e Vasconcelos. Curitiba: Imprensa Oficial, 1999, passim. 4 VASCONCELLOS, Zacarias de Góes e. Da natureza e limites do poder moderador. Rio de Janeiro: N. Lobo Vianna, 1860. Da natureza e limites do poder moderador. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1862. 5 MATTOS, Ilmar R. O Lavrador e o Construtor: o Visconde de Uruguai e a construção do Estado Imperial. In: PRADO, Maria Emília (Org.) O Estado como vocação: ideias e práticas políticas no Brasil Oitocentista. Rio de 17

Figura 1. Zacarias de Góes e Vasconcellos

Fonte: Arquivo Histórico do Museu Imperial de Petrópolis (AHMI). III-8-1-Nº 196. Foto de Alberto Henschel. In: Brazileiros. Rio de Janeiro, 1886. (Museu Imperial/Ibram/MinC/nº 09/2017).

Em decorrência de sua atitude combativa, importância na atuação partidária e dos inúmeros conflitos em que se envolveu, Zacarias tornou-se objeto de interesse de memorialistas, biógrafos e historiadores que exploraram especialmente a maneira polêmica com que se pronunciava frente às demandas parlamentares.6 Entre os memorialistas destacam-se obras produzidas ainda durante o Império e começo da República que demonstram restrições dos contemporâneos ao personagem, mas também suas qualidades como orador, divulgando a

Janeiro: Acess, 1999. p.191-218. BARBOSA, Silvana M. A Sphinge Monárquica: o poder moderador e a política imperial. 2001. 414 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001. p.269 et seq. 6 Destacamos que não é objetivo deste trabalho estabelecer o diálogo entre as interpretações sobre Zacarias de Góes e as demandas políticas do período em que foram escritas. O intuito é acompanhar o percurso da argumentação e imagens sobre o personagem; repetições, arranjos, (re)elaborações. 18

maneira como se relacionava no Parlamento, suas reações às proposições dos adversários e sua contribuição para a causa liberal. Nas décadas de 1880-90, ganha evidência o texto do deputado Pedro Eunápio da Silva Deiró, (publicado com o pseudônimo, Timon) que abordou os considerados “semideuses” do Parlamento. Tratando do comportamento de Zacarias na prática legislativa, Deiró é bastante crítico ao comentar a queda do gabinete dos “Anjinhos” (24 de maio de 1862) e caracterizar seu presidente como “o homem talentoso, mas de orgulho intolerante”, que “macaqueava” Guizot. Para ele, Zacarias se sobressaíra devido aos dons oratórios e ao papel de denunciante, que “revelava tudo e atacava a todos; fez-se temido; foi o terror dos ministros”.7 O Velho Senado, de Machado de Assis, rememoração das discussões assistidas naquela Casa nos anos 1860, assinala a palavra cortante de Zacarias e o debate exaltado protagonizado nas tribunas, onde nenhum aparte ficava sem o contradito habitual, o que lhe rendeu um restrito círculo de amigos. O escritor aborda, ainda, as formas rituais e severas de seu cotidiano, descrevendo-o como um dos mais assíduos parlamentares que se deslocava ao trabalho em carruagem própria, trazendo a barba bem-feita, demonstrando preocupação com sua imagem e hábitos.8 Joaquim Nabuco, em Um Estadista do Império, além de acentuar a seriedade de Zacarias, menciona “sua natureza metódica de burocrata” e os problemas gerados pela concepção individualista da política. Discorrendo sobre limitações às amizades e vínculos partidários, considerou que a família de Zacarias era seu partido, uma vez que não possuía, em seus dois primeiros ministérios, a impessoalidade característica de um estadista. Para Nabuco, a maturidade política do personagem só se apresentou no terceiro gabinete, quando o espírito de estadista teria aflorado.9 Corroborando imagens do século XIX, em Reminiscências, o visconde de Taunay descreve Zacarias, como “um temível oposicionista [...] sempre de férula em punho, e amigo de dizer ásperas verdades, nuas e cruas a adversários e correligionários”.10 Assim como Machado, empenha-se na descrição do político ponderando que, em certa medida, se assemelhava ao francês Guizot, com “modos secos, altaneiros, autoritários”, sempre muito

7 DEIRÓ, Pedro Eunápio da Silva. Estadistas e parlamentares. por Timon [pseud.]. Rio de Janeiro: Molarinho & Mont'Alverne, 1883. p.35. 8 ASSIS, Machado de. O velho senado. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2004 [1898]. 9 NABUCO, Joaquim. Um Estadista do Império: Nabuco de Araújo: sua vida, suas opiniões, sua época, por seu filho Joaquim Nabuco. t.2. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1897. p.116-118. 10 TAUNAY, Alfredo d'Escragnolle Taunay, Visconde de. Reminiscências. São Paulo: Melhoramentos, 1923 [1908]. p.23. 19

severo nas vestimentas e nos hábitos. De igual maneira, anota sua capacidade oratória, discurso fluente e habilidade de convencimento por tratar com profundidade todas as questões. Na década de 1930, em conjunto de ensaios críticos do Segundo Reinado, destaca- se Antônio Batista Pereira. No capítulo, Queda de Zacarias, define o personagem como estadista por sua ação no gabinete de 1868, quando demonstrara “energia, inflexibilidade, ciência de mando, espírito de previsão e de ordem”.11 Nos anos 1970, momento de celebração do centenário da morte de Zacarias, sobressai outro grupo de textos, no geral compondo-se de discursos e obras prefaciadas, reeditadas por instituições governamentais. Diferentemente do tom nuançado das memórias, neles Zacarias emerge não só como um dos mais destacados oradores e políticos do Império, mas como exemplo para os aspirantes da política. A obra de Túlio Vargas vislumbra no conselheiro Zacarias uma importante figura para o Império e o Paraná, assinalando em sua trajetória política o empenho na instalação daquela província. Valoriza sua inteligência e atos audaciosos, pois para Vargas, “os publicistas do seu tempo, na maioria republicanos e anticlericais, distorceram a imagem e tentaram ensombrar-lhe o brilho existencial”.12 Nessa mesma tendência, o trabalho de Pedro Calmon - então presidente do IHGB -, exalta o “chefe magistral” e “maior autoridade pessoal” do partido, colocando-o no rol de grandes estadistas como Bernardo Pereira de Vasconcelos, Eusébio de Queirós, Saraiva e Cotegipe. Ao tratar da postura polêmica, Calmon minimiza as excentricidades, enfatiza qualidades (a bagagem de humanidades que lhe facilitava a argumentação) e feitos ao país, como suas intervenções na política de Conciliação.13 Já o historiador e jurista Alberto Venâncio Filho14 faz uma minuciosa descrição da atuação de Zacarias nos círculos da administração imperial quando participou dos gabinetes, privilegiando os episódios relacionados à “Questão Caxias”15. O livro de Wilson Martins deu especial atenção ao período da presidência de Zacarias na província do Paraná (1853-1855) para demonstrar as

11 BATISTA, Antônio P. Figuras do Império e outros ensaios. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1934 [1931]. p.19. 12 VARGAS, 2008, p. 11. 13 CALMON, 1978, p. 9-15. 14 VENÂNCIO FILHO, Alberto. Introdução. In: VASCONCELOS, Zacarias de Góes e. Zacarias de Góis e Vasconcelos, discursos parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados, 1979. p.13-36. 15 A Questão Caxias se relaciona à queda do gabinete 3 de agosto de 1866, ocorrida em julho de 1868. Caxias, político e militar conservador, chefiou por um ano e quatro meses as operações da Guerra do Paraguai, mas pediu exoneração quando os insucessos de várias manobras geraram críticas de membros do Gabinete. Com a saída do comandante, Zacarias solicita ao imperador a demissão do ministério, que a submete ao Conselho de Estado, e este decide aceita-la. Foi rapidamente substituído por um gabinete conservador, presidido pelo visconde de Itaboraí, fato que encerra o período político “progressista”. Cf. FAORO, Raymundo. Os donos do poder: a formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2012 [1958]. p.506-507. 20

questões regionais e a importância de sua administração para a “invenção” do Paraná. Assim como Túlio Vargas, Martins particulariza o plano de governo pensado para a província, a constituição da capital, a questão dos cemitérios e a imprensa.16 Além das publicações biográficas, Zacarias é mencionado pela historiografia dos anos 1950-1970 dedicada ao Brasil Imperial. Neste escopo de autores que abordam longos períodos está Raymundo Faoro que, ao analisar a formação do patronato político brasileiro, associa Zacarias ao desenvolvimento do sistema partidário imperial em razão da sua intervenção na Liga Progressista. Privilegiando a queda do terceiro gabinete por ele presidido, em 1868, comenta que causou indignação “não pela intervenção da Coroa – com o Poder Moderador, já degradado, pelos seus críticos [...], mas pela brusca interrupção do liberalismo crescente e triunfante”.17 José Murilo de Carvalho, do mesmo modo, cita Zacarias na formação dos programas partidários e em seu terceiro ministério, ressaltando que “a queda de Zacarias em 1868 deu o golpe final na coalização progressista”.18 Francisco Iglésias e Sérgio Buarque de Holanda, apesar de mencionarem Zacarias em variados momentos e se dedicarem à participação progressista e liberal em diversas esferas de poder, por não ser objetivo de seus trabalhos, não detalharam as querelas ocorridas nos gabinetes presididos por ele, nem as discussões sobre a abertura do Amazonas a empresários estrangeiros.19 A publicação mais recente sobre o personagem é a de Cecília Helena de Salles Oliveira, com a qual partilhamos problemáticas e metodologias. Trata-se de estudo que projeta as tramas políticas da vida de Zacarias analisando seu desempenho como um todo (discursos e atuação parlamentar) em vários momentos. Além de suscitar questões pouco exploradas – como as discordâncias com a gestão Paraná – faz exaustivo levantamento biobibliográfico e uma análise instigante de Da Natureza e Limites do Poder Moderador para demonstrar como as obras e a trajetória de Zacarias, argutamente, reverberaram na construção de sua memória.20 Para Oliveira, “enquanto a maior parte da carreira de Zacarias permaneceu nas sombras, somente um curto período de sua trajetória tem sido destacado”21. No geral, as abordagens

16 MARTINS, 1999, passim. 17 FAORO, 2012, p.50. 18 CARVALHO, José M. A construção da ordem: a elite política imperial; Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013 [1980; 1988]. p.207. 19 IGLÉSIAS, Francisco. Vida Política, 1848-1866. In: IGLÉSIAS, Francisco et al. O Brasil monárquico: reações e transações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. (História Geral da Civilização Brasileira; t.2; v.5). p.17-139. HOLANDA, Sérgio Buarque de. O Brasil monárquico: do Império à República. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. (História Geral da Civilização Brasileira; t.2; v.7). HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capítulos de história do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. 20 OLIVEIRA, Cecília Helena S. Da Natureza e Limites do Poder Moderador e a memória do Conselheiro Zacarias de Góis e Vasconcelos. In: VASCONCELOS, Z.G. Zacarias de Góis e Vasconcelos. São Paulo: Ed. 34, 2002. 21 Ibid., p.14. 21

recortam seu personalismo e talentos enquanto orador, enquadrando-o sempre como um dos líderes da reorganização do Partido Liberal nos anos 1860, focando particularmente a queda de seu primeiro gabinete em 1862 e a “Questão Caxias” em 1868.

***

Pressupondo-se que “o passado é, por definição, um dado que nada mais modificará, mas o conhecimento do passado é uma coisa em progresso, que incessantemente se transforma e aperfeiçoa”22, esta dissertação destaca os sentidos polêmicos dos procedimentos de Zacarias de Góes entre o final da década de 1850, quando alinhado as diretrizes do núcleo do Partido Conservador, e início dos anos 1860, momento em que exerceu papel de liderança em grupo partidário de diversa origem designado na época como Liga Progressista: conservadores dissidentes (como o próprio Zacarias) e alguns liberais moderados. Assim, analisamos seu desempenho em diversos episódios “polêmicos”, ou seja, que tiveram sensível e controversa repercussão política. Inicialmente demonstramos como sua interpelação ao governo na Câmara dos Deputados concorreu para a fragmentação do Partido Conservador e para a desestabilização e derrubada do gabinete Caxias-Paranhos (2 de março de 1861); assim como estimulou a formação da Liga Progressista. Em seguida, focalizamos em detalhe o percurso do ministério de 15 de janeiro de 1864, o segundo presidido por Zacarias, quando foi possível perceber significativa fragmentação política na Câmara em virtude de diferentes posicionamentos de cunho liberal dentro e fora do grupo progressista. Isso ocorreu mais exatamente quando se discutiam normas e expectativas para a navegação comercial no Império e a quem caberia a concessão da linha de navegação entre o Rio de Janeiro e Nova Iorque. Demonstramos, expondo a competição entre os que ambicionavam esta concessão, dentre eles o deputado liberal barão de Mauá23, como a política e os negócios se coadunavam

22 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001 [1949]. p.75. 23 Irineu Evangelista de Souza (1813-89), barão e depois visconde de Mauá, foi um importante negociante, industrial e banqueiro do Império. Membro do Partido Liberal de sua província, o Rio Grande do Sul, foi eleito deputado geral na 10ª, 11ª, 12ª e 15ª legislaturas. Apesar de sua trajetória como parlamentar ter se dado sob a tutela liberal, desde o final da década de 1840 Mauá possuía estreitos laços com lideranças do Partido Conservador, a exemplo de Eusébio de Queiroz, visconde de Itaboraí, visconde de Rio Branco e o marquês de Paraná, figura com a qual matinha especial amizade. Como explica Ferreira Neto, com o gabinete de Conciliação, “inaugurava-se uma nova era para os negócios no Império [...] [onde] o Estado brasileiro apresentou plena disposição para favorecer seus ‘protegidos’” (p.188). Mauá, nesta circunstância, foi um dos que mais se valeu das “amizades”, a julgar pela oferta – feita ainda em 1852, pelo ministro Monte Alegre – de subvenção e privilégio exclusivo para constituir uma companhia de navegação no Amazonas. O monopólio foi substituído por “outros benefícios que vieram a ser efetivados posteriormente, no gabinete Olinda e Souza Franco”. Deste modo, ainda que eleito deputado pelo Partido Liberal, as relações de Mauá com importantes políticos conservadores foram essenciais para o 22

no Império e dividiam os ligueiros em 1864, resultando na demissão do ministério. Nossa hipótese principal é que o confronto entre as frações intrapartidárias provinha de expectativas políticas e financeiras divergentes e inconciliáveis no que se refere à administração dos recursos públicos e a soberania nacional, tanto entre conservadores dissidentes, quanto entre eles e os liberais. Acerca da queda do segundo gabinete Zacarias, destacam-se duas leituras, a de Francisco Iglésias e a de Eide Sandra Azevêdo Abrêu. Iglésias circunscreve o episódio à tentativa de substituição do ministro dos Negócios do Império, o liberal histórico e deputado por Minas Gerais, José Bonifácio de Andrada, o “moço”, por outro liberal – Francisco José Furtado.24 Abrêu, indo além, em estudo sobre o percurso de Tavares Bastos na Liga Progressista, mapeou os diferentes grupos conservadores no Parlamento e algumas de suas querelas.25 Para ela, mais próximo de investidores ingleses, Zacarias não via com bons olhos nem a concessão de outro generoso privilégio a Mauá, nem sua transferência para investidores americanos, esta última uma opção, defendida pelos também progressistas Nabuco de Araújo e Tavares Bastos. Se é inegável a importância dessa competição intrapartidária e da fragmentação dos interesses, também é inegável o desempenho de Zacarias ao longo dos anos 1860, tanto na aglutinação de liberais e conservadores dissidentes, quanto na provocação de rompimentos inesperados. Analisar sua trajetória constitui, portanto, um bom caminho para se entender a complexidade da política vivenciada no período. Nesse estudo, nos referenciamos em Pierre Rosanvallon, para quem o papel do historiador é reconstruir o modo por que os indivíduos e os grupos elaboram a compreensão de suas situações; de enfrentar os rechaços e as adesões e a partir dos quais eles formulam seus objetivos; de traçar de algum modo a maneira pela qual suas visões de mundo limitaram e organizaram o campo de suas ações.26 Neste escopo, partindo da análise de Eide Abrêu e procurando ampliá-la, destacamos o “polêmico” desempenho pessoal e as contendas de Zacarias ocorridas em 1864, resultantes tanto do enfrentamento com políticos liberais “moderados” e “radicais” quanto de desacordos dentro do grupo conservador dissidente por ele liderado. Pois pressupomos “o

desenvolvimento de seus empreendimentos, em grande medida, subsidiados pelo Estado. Cf. FERREIRA NETO, Maria Cristina Nunes. Memória, política e negócios: a trajetória de Theophilo Benedicto Ottoni. 2002. 302 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002. p.193. FERREIRA NETO, Maria Cristina Nunes. Autobiografia, “conciliação” e concessões: a Companhia do Mucuri e o projeto de colonização de Theophilo Ottoni. In: MARSON, Izabel Andrade; OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780-1860. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2013. 24 IGLÉSIAS, 2004, p.118. 25 ÂBREU, Eide Sandra Azêvedo. O evangelho do comércio universal: Tavares Bastos e as tramas da Liga Progressista e do Partido Liberal (1861-1872). São Paulo: Annablume: FAPESP, 2011. p.196. 26 ROSANVALLON, Pierre. Por uma história do político. São Paulo: Alameda, 2010. p.76. 23

reconhecimento da liberdade de escolha do homem; o confronto entre a sociedade e o indivíduo na fixação dos valores”.27 Como nota Sabina Loriga, “vidas que se afastam da média levam talvez a refletir melhor sobre o equilíbrio entre a especificidade do destino pessoal e o conjunto do sistema social”.28 Mas também, levando em conta que a atuação de Zacarias e a de seus pares se orientou por “um princípio ou conjunto de princípios geradores das relações que os homens mantem entre si e com o mundo”29, no caso, identificados com o liberalismo em suas várias possibilidades.30 Nestes termos, este trabalho empenha-se no delineamento de um movimento de luta política e construção da infraestrutura e instâncias de poder e governo. Não trata apenas do estudo da dimensão da luta política diária, mas da constante reformulação do Estado Monárquico por parte de seus agentes políticos. Como destaca Claude Lefort, em sua análise de Maquiavel, trata-se então do desaprisionamento de uma “representação sumária tanto dos fatos econômicos quanto dos fatos políticos”31 em direção ao reconhecimento de uma “análise política [que] implica uma visão econômica”.32 Na perspectiva deste autor, uma análise de identificação social onde irão se condensar o ter e o ser.33 Isto é, a política, como expressão do poder e acumulação de capital. Sendo assim, para Georges Balandier, a linguagem do poder, “necessita de uma comunicação calculada; procura efeitos precisos; não desvenda senão uma parte da realidade, pois o poder também deve sua existência à apropriação da informação, dos ‘conhecimentos’

27 LEVILLAIN, Philippe. Os protagonistas: da biografia. In: RÉMOND, René (Org.). Por uma História Política. Rio de Janeiro: FGV, 2003 [1996]. p.167. 28 LORIGA, Sabina. A biografia como problema. In: REVEL, Jacques. (Org.). Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998. p.248-249. 29 LEFORT, Claude. Pensando o político: ensaios sobre democracia, revolução e liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991 [1986]. p.10. 30 Acompanhamos autores que reconhecem a adequação das orientações liberais à experiência monárquica vivida no Brasil. Cf. MARSON, Izabel Andrade; OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780-1860. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2013. FRANCO, Maria Silvia de Carvalho. Homens Livres na Ordem escravocrata. São Paulo: Ed. UNESP, 1997 [1969]. FRANCO, Maria Silvia de Carvalho. “All world was América”: John Locke, liberalismo e propriedade como conceito antropológico. Revista USP, n.17 p. 30-53, 1993. OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. A Astúcia Liberal: relações de mercado e projetos políticos no Rio de Janeiro, 1820-1824. Bragança Paulista: EDUSF, 1999. BRESCIANI, Maria Stella Martins. O charme da ciência e a sedução da objetividade: Oliveira Vianna entre intérpretes do Brasil. São Paulo: Ed. UNESP, 2005. ROCHA, Antônio Penalves. A recolonização do Brasil pelas Cortes: histórias de uma invenção historiográfica. São Paulo: Ed. UNESP, 2009. ROCHA, Antônio Penalves. A economia política na sociedade escravista: um estudo dos textos econômicos de Cairu. São Paulo: Hucitec, 1996; DANTAS, Monica Duarte. Partidos, liberalismo e poder pessoal: a política no Império do Brasil. Um comentário ao artigo de Jeffrey Needell, Formação dos partidos políticos no Brasil da Regência à Conciliação, 1831-1857. Almanack Braziliense, n. 10, p. 40-47, nov. 2009. 31 LEFORT, Claude. Maquiavel: a dimensão econômica do político. As formas da história: ensaios de antropologia política. São Paulo: Brasiliense, 1979. p.144 32 Id. Ibid. 33 Ibid., p.146. 24

exigidos para governar, administrar, e para exercer seu domínio.34 Neste sentido, privilegiamos as falas de Zacarias, dos grupos reunidos na Liga Progressista e de seus adversários veiculadas nas fontes parlamentares e na imprensa para verificar como foi tratada por todos eles a questão da navegação comercial no gabinete 15 de janeiro de 1864. Procuramos esclarecer a complexidade das situações e, também, a “a formação e evolução das racionalidades políticas, ou seja, dos sistemas de representações que comandam a maneira pela qual uma época, um país ou grupos sociais conduzem sua ação e encaram seu futuro”.35 Questão evidenciada com ação enérgica, combativa e “progressista” de Zacarias de Góes ao deixar ao Partido Conservador e organizar a Liga. Depois amainada e “moderada”, quando escolhido para uma vaga no Senado vitalício. Quentin Skinner e John Pocock, nos auxiliaram na análise do debate sobre a navegação comercial no Império. Dessa forma, concebemos os discursos favoráveis e contrários aos projetos discutidos no Parlamento e na imprensa, como atos políticos. Segundo Pocock, o texto “preserva as enunciações do autor em uma forma rígida e literal e as transmite para contextos subsequentes, onde elas estimulam naqueles que respondem interpretações que, embora radicais, deturpadoras e anacrônicas, não teriam sido efetuadas se o texto não tivesse atuado sobre ele”.36 Nesta acepção é possível “mapear o campo do discurso e estudar a ação e a transformação se efetuando nele”37, posto que no âmbito da história do discurso político devemos encarar os atores históricos como pensadores árduos, na medida em que: Muitos deles pertenciam a intelligentsias especialmente treinadas para pensar de maneiras diversificadas. Mas para poder dar a eles ou ao seu pensamento uma história, precisamos apresentar uma atividade ou uma continuidade de ação, constituindo por coisas sendo feitas e coisas acontecendo, por ações e performances, bem como as condições sob as quais essas ações e performances foram representadas e realizadas.38

Demos atenção aos modos ou estilos retóricos, buscando “sublinhar que estamos olhando um discurso articulado por locutores atuando no interior de uma atividade em andamento, atividade de debate e discussão, de retórica e teoria, efetuando atos cujo contexto é o do próprio discurso”.39

34 BALANDIER, Georges. O Poder em Cena. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982 [1980]. p.13. 35 ROSANVALLON, Pierre. Por uma história conceitual do político (nota de trabalho). Revista Brasileira de História, São Paulo: ANPUH, v. 15, n. 30, 1995. p.160. 36 POCOCK, John G. A. Linguagens do ideário político. São Paulo, EDUSP, 2013 [2003]. p.30. 37 Ibid., p.80. 38 Ibid., p.64, grifo do autor. 39 Ibid., p.70. 25

Além do aporte bibliográfico40, nosso estudo se fundamenta em vasta pesquisa documental de fontes manuscritas e impressas. Sobre o primeiro grupo valemo-nos de conferências ministeriais e missivas trocadas por políticos progressistas, especialmente Zacarias de Góes, obtidas nas instituições de guarda do Rio de Janeiro: o Arquivo Histórico do Museu Imperial – que abriga o Arquivo Zacarias de Góes e Vasconcelos41 -, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o Arquivo Nacional e o Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Em nossa transcrição atualizamos a grafia de acordo com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, mas resguardamos o sentido original dos escritos. Sobre o segundo grupo, optamos mormente pelos Relatórios Ministeriais, Anais da Câmara dos Deputados e do Senado do Império, que nos forneceram relevantes aspectos dos projetos, ações da administração pública, das tratativas e embates políticos travados nas Casas legislativas. Do mesmo modo, reconhecendo a imprensa como “força ativa na história”, “um ingrediente do acontecimento”42, elegemos três periódicos disponíveis na Fundação Biblioteca Nacional: o Jornal do Commercio, o Diário do Rio de Janeiro e Correio Mercantil, sem negligenciar a existência e importância de outras folhas. A escolha se deu, em particular, pela periodicidade (publicação diária) e dedicação destes jornais na cobertura da Liga Progressista, o que permitiu o cotejo com as outras fontes que integram nosso corpo documental. Isto posto, no capítulo 1, abordamos a produção historiográfica produzida acerca da Liga Progressista para demonstrar que, mesmo com diversas nuances interpretativas, a interpretação de Joaquim Nabuco sobre essa agremiação partidária vem sendo (re)elaborada de diferentes maneiras na leitura de uma importante parcela dos historiadores da política imperial. De igual maneira, evidenciamos como as fragilidades internas ao Partido Conservador se acentuaram nos denominados “gabinetes financeiros” e proporcionaram as condições ideais para o surgimento da Liga Progressista. Por fim, analisamos como o desempenho de Zacarias de Góes, enquanto líder dos conservadores dissidentes na Câmara dos Deputados, interferiu na derrubada do gabinete conservador Caxias-Paranhos (2 de março de 1861) quando se votou uma “questão de confiança”; e como atuou na formação do primeiro ministério progressista por ele presidido, batizado de ministério dos “Anjinhos” (24 de maio de 1862) em virtude de sua curta duração.

40 As citações em língua estrangeira que aparecem no corpo do texto foram por mim traduzidas nas notas de rodapé. 41 Museu Imperial/Ibram/MinC/nº 09/2017 SGI - 331/2017 e Req. 27/2017 - SGI - 1098/2017-91 42 DARTON, Robert. Introdução. In: DARTON, Robert; ROCHE, Daniel (Orgs.). Revolução Impressa: A Imprensa na França, 1775-1880. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996 [1989]. p.15. 26

No capítulo 2, analisamos a atuação do gabinete comandado por Olinda (30 de maio de 1862) na consolidação da Liga Progressista, procurando demonstrar como a dissolução da Câmara dos Deputados em 1863 e a realização de novas eleições contribuíram com a vitória do grupo de conservadores “moderados” e liberais frente os conservadores “puros”. Abordamos, também, o retorno de Zacarias de Góes à presidência do Conselho de Ministros (gabinete 15 de janeiro de 1864), circunstância na qual se expressou vivamente a não homogeneidade dos “ligueiros” pois, apesar de exitosos no pleito, os membros liberais da Liga divergiram, dentre outras questões, sobre a escolha de um conservador “moderado” para o exercício daquela Presidência. No capítulo 3, tratamos dos projetos e questões enfrentados pelo gabinete de 15 de janeiro de 1864 no que se refere a infraestrutura, transporte e comunicações, certamente os temas mais importantes encaminhados em sua gestão. Demonstramos a competição interna aos membros da Liga na discussão da abertura do Amazonas e, sobretudo, na discussão da melhor proposta para a implantação da linha entre o Rio de Janeiro e Nova Iorque, motivos imediatos do estilhaçamento do grupo progressista e naufrágio do gabinete. Na ocasião, políticos liberais representantes de interesses de diferentes empresários se opuseram, juntamente com conservadores, à forma como o gabinete encaminhou aquelas questões, o que ocasionou a demissão do segundo ministério Zacarias em agosto de 1864. Do mesmo modo, explicamos como se formulavam as tratativas de empresários para angariar subsídios estatais antes e durante a administração daquele gabinete. Abordamos particularmente o caso de um dos competidores, o deputado liberal Irineu Evangelista de Souza, barão de Mauá, em sua determinação de ampliar concessões de sua Companhia de Navegação do Amazonas, fundada nos anos 1850 com apoio do marquês de Paraná.

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CAPÍTULO 1- “A Guarda de Honra dos antigos reis”: hegemonia e fragilidades do Partido Conservador

A liga é como uma guarda de honra dos antigos reis; um regimento de mosqueteiros, um batalhão sem soldados, composto só de oficiais. Quem foi recruta em seu anterior partido, senta praça ali de presidente ou ministro. José de Alencar. Os Partidos. Rio de Janeiro: Typ. de Querino & Irmão, 1866. p.10.

Este capítulo evidencia, primeiramente, a complexidade da Liga Progressista, apontando como a interpretação de Joaquim Nabuco, com algumas nuances, vem sendo (re)elaborada de diferentes maneiras na leitura de uma importante parcela de historiadores da política imperial. Do mesmo modo, destacamos situações políticas nas províncias, anteriores à experiência dos anos 1862-1866, em que a aproximação entre conservadores e liberais ocorreu. Essa abordagem é importante para pontuar fraturas e fragilidades do Partido Conservador no que dizia respeito à coesão partidária, anteriormente aos anos 1860, em especial durante a gestão nos “gabinetes financeiros” (1857-1861). Nesse sentido, percebemos que ensaios de uma aglutinação entre presidentes conservadores e políticos liberais ocorreram na província do Rio Grande do Sul, quando presidida por Silva Ferraz (1857-1859); e no Paraná, quando Zacarias Góes organizou essa nova província. Reconhecemos as fragilidades dos conservadores também na Corte, flagrando o descontentamento de diversos parlamentares com a administração dos ministérios 4 de maio de 1857 e 12 de dezembro de 1858. Por fim, detalhamos a atuação arrasadora de Zacarias na queda dos gabinetes conservadores Ferraz e Caxias-Paranhos, assim como, delineamos o revide de seus adversários, os conservadores “puros”, no impedimento do primeiro ministério presidido por Zacarias, prenúncio da modelação da Liga, denominado “gabinete dos Anjinhos” (24 de maio de 1862), por ter durado apenas 3 dias.

1.1. A Liga Progressista em perspectiva historiográfica

A Liga Progressista tem sido objeto de atenção de muitos historiadores que abordaram a história dos partidos e ideias políticas no Brasil da década de 1860. Recuperando- se em sequência os principais estudos que de alguma forma a interpretaram desde o final do século XIX, observa-se como explicações sistematizadas por Joaquim Nabuco preponderaram nas leituras do tema e, também, da política imperial, apesar de (re)elaboradas em abordagens teórico-metodológicas diversas e diferentes avaliações sobre os grupos políticos e personagens “ligueiros”. Uma retomada desses estudos, além de apontar importantes referências 28

documentais sobre a Liga, é relevante para o entendimento das múltiplas significações conferidas a um mesmo fato histórico, pois como aconselha Michel de Certeau, “fazer história é uma ‘prática’”43 entremeada pelo dado e o criado, já que cada sociedade se pensa historicamente a partir de referenciais próprios e por meio das demandas que permeiam seu presente. Neste escopo, as primeiras publicações que mencionam a Liga Progressista se vinculam à tradição monarquista dominante entre 1889 e 1920. Seus autores – a exemplo de Benjamin Mossé, Joaquim Nabuco e Manuel de Oliveira Lima – nasceram no Segundo Reinado e foram criados sob a égide da Monarquia, a quem permaneceram fiéis exaltando o Imperador e as tradições do antigo regime.44 Suas publicações destacam a política da década de 1860 como desdobramento da Conciliação e resultado da “influência” do elemento liberal nas modificações partidárias. Benjamin Mossé45 explicita que, entre 1853 e 1858, os partidos políticos se confundiram em benefício da Conciliação. Com a ascensão de Caxias após a morte de Honório Hermeto Carneiro Leão, o marquês de Paraná, as legendas voltaram a se separar e passaram a rivalizar nos jornais e no Parlamento. Embora o autor não mencione o surgimento da Liga, caracteriza os gabinetes constituídos por ela como de matizes liberais.46 Na esteira deste texto parece-nos ter se formulado a clássica interpretação de Joaquim Nabuco sobre o episódio em Um Estadista do Império, obra publicada em três volumes, entre 1896 e 1899. Procurando entretecer a biografia de Thomaz Nabuco de Araújo – seu pai – e a história do Império brasileiro até 1878, o autor empreende arguto trabalho de reconstrução da trajetória política do biografado a partir de rica gama de fontes jornalísticas, documentos legislativos e missivas. Como discorre Izabel Andrade Marson, “homenagear a memória do Imperador, dos estadistas, especialmente de seu pai – destacando seu perfil de ‘autêntico reformador liberal’ –, e expor a superioridade das orientações monarquistas sobre as republicanas parecem ter sido as razões mais evidentes do livro”.47

43 CERTEAU, Michel de. “A operação histórica”. In: LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre (org.). História: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. p.28. 44 STEIN, Stanley J. A historiografia do Brasil, 1808-1889. Revista de História, São Paulo, v. 29, n. 59, set. 1964. p.101. 45 D. Pedro II, Empereur du Brésil, foi escrita por José Maria da Silva Paranhos, barão de Rio Branco, mas assinada pelo “escritor e editor francês Benjamin Mossé, grande rabino de Avinhão, em 1889”. Cf. LIMA, Sérgio Eduardo Moreira. Apresentação. In. MOSSÉ, Benjamin. Dom Pedro II, Imperador do Brasil: o Imperador visto pelo barão do Rio Branco. Brasília: Funag, 2015. 46 MOSSÉ, Benjamin. Dom Pedro II, Imperador do Brasil: o Imperador visto pelo barão do Rio Branco. Brasília: Funag, 2015 [1889]. p.85. 47 MARSON, Izabel Andrade. Política, história e método em Joaquim Nabuco: tessituras da revolução e da escravidão. Uberlândia: Edufu, 2008. p.52 29

Para Joaquim Nabuco, a Liga será então aquela aglutinação de políticos conservadores “moderados” e alguns liberais, numa espécie de renovação da Conciliação, estreitamente relacionada ao desempenho de seu pai. Resultara, dentre outras questões, da discordância respeitosa e bem fundamentada de Nabuco de Araújo em relação à hegemonia dos conservadores “puros” ou “emperrados” que haviam se assenhoreado dos postos de mando dentro do Partido. Então, ele anunciaria e lideraria uma nova forma de política liberal “progressista” devidamente distanciada dos liberais radicais e revolucionários remanescentes dos inícios do Segundo Reinado, a exemplo de Teófilo Ottoni. Assim, projeta o biografado como expoente pensador no apogeu da Monarquia profundamente engajado na sua preservação.48 As discordâncias entre conservadores podem ser observadas com clareza quando o autor se dedica aos “gabinetes financeiros”49, ministérios efetivados após a Conciliação (1853- 1856), momento em que divisões permanentes no seio do Partido se estabeleceram, em especial durante as presidências de Ângelo Moniz da Silva Ferraz (10 de agosto de 1859) e Luís Alves de Lima e Silva, marquês de Caxias (2 de março de 1861). Nessas circunstâncias, Joaquim Nabuco considerou a situação que se formatava nas fileiras conservadoras do Parlamento – a oposição entre os “puros” e os autointitulados “moderados” – primeiramente como um renascimento da Conciliação conduzida na década anterior pelo falecido marquês de Paraná e por seu ministro da justiça Nabuco de Araújo, ou seja, como um novo episódio de “ressureição do antigo liberalismo”. Esta interpretação, retomada no final do século para explicar o “espírito” da Liga, emerge na narrativa de Um Estadista numa das raras manifestações de dúvida do biografado: quando demorou a posicionar-se a favor de uma das vertentes do seu Partido. “Ele sentia que uma nova ordem de coisas, na qual se havia de encarnar o espírito da Conciliação, estava em elaboração no país, mais forte do que o antigo Partido Conservador, aquele que imprevista e espontaneamente surgira em 1837 das convulsões da Regência”.50 Joaquim Nabuco justifica a reticência de seu pai em aderir à Liga pelo provável receio da preeminência dos liberais “históricos” já organizados para a campanha eleitoral próxima, fato que sugeria um retorno massivo de antigos nomes “luzias” à Câmara dos Deputados. Do mesmo modo, indica seu

48 Sobre as divisões da obra de Joaquim Nabuco ver: MARSON, 2008, p. 51-52. 49 Classificação de Joaquim Nabuco aos gabinetes de matriz conservadora constituídos entre 1856 e 1861, marcados pelo massivo encaminhamento de projetos de cunho econômico. Cf. NABUCO, 1897. (t.2). 50 NABUCO, 1897, t.2, p. 72. 30

anseio pela prevalência dos conservadores, mesmo que a realidade parlamentar instituída não fosse bem a de seu desejo. A aspiração de Nabuco [de Araújo] era que esse contingente conservador da futura Liga, já que a Conciliação não correspondia mais a divisão dos partidos, tivesse predomínio nela sobre o elemento liberal histórico, cujo espírito ele receava. Na incerteza da constituição dessa Liga, que tudo anunciava ser inevitável, ignorando, para melhor dizer, a porcentagem dos elementos de um e outro lado que a haviam de formar, ele preferia ainda isolar-se, guardar sua liberdade de ação.51

Se Nabuco demonstrava a hesitação de seu pai frente à “nova Conciliação” e a importância da atuação conservadora nas circunstâncias, Tito Franco de Almeida, com quem o historiador estabelece fortuito diálogo52, parece ter construído os termos da interpretação sobre o cenário político que moldou a Liga. O liberal Tito Franco descreveu a “liga oposicionista” como uma “liga dos liberais”, que granjeando dissidentes conservadores “moderados” demonstrava como o “imperialismo”53 tentava dissolver a maioria parlamentar para inutilizar a ação do Partido Conservador”.54 É importante salientar, que em estudo posterior, Franco de Almeida alteraria um pouco essa percepção discorrendo que, entre 1858 e 1864, a tutela da administração financeira do Império permaneceu conservadora e apenas entre 1864 e 1865, com um novo Parlamento sob o predomínio dos liberais, o liberalismo pôde se caracterizar com clareza, porém limitado pelo advento da “administração de guerra” com o Paraguai, deflagrada em 1866.55 Ainda que Nabuco descrevesse o movimento “progressista” como fruto da política conciliatória, a projeção de seu pai como um dos articuladores da Liga - a partir da sessão de 1862 - fez com que o historiador se ativesse à análise dos gabinetes constituídos nos “anos de poder progressista” (1862-1868). Dando a Nabuco de Araújo o título de líder, Um Estadista inauguraria interpretação sobre os motivos da desarticulação da Liga Progressista. Segundo ela, as diferenças entre liberais e conservadores teriam levado à fragilidade dos ministérios

51 Ibid., p. 73. 52 Nos capítulos dedicados a Liga/Partido Progressista em Um Estadista é notória, em notas explicativas, a retomada empreendida por Nabuco das obras de Tito Franco de Almeida. 53 O “imperialismo” é entendido por Franco de Almeida como influência “perversa, desastrosa e maléfica”. Neste contexto, referia-se ao “poder pessoal do monarca, que usava de seu poder privativo, o Moderador, para a perpetuação de um círculo vicioso e pernicioso para o país”. Cf. BARBOSA, Silvana Mota. “Panfletos vendidos como canela”: anotações em torno do debate político nos anos 1860. In: CARVALHO, J.M. (Org.). Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p.173. 54 ALMEIDA, Tito Franco de. O conselheiro Francisco Furtado: biographia e estudo de História política contemporânea pelo conselheiro Tito Franco de Almeida. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1867. p.132. 55 ALMEIDA, Tito Franco de. A grande política. Balanço do Império no Reinado actual: liberais e conservadores. Estudo político-financeiro. Rio de Janeiro: Imperial Instituto Artístico, 1877. (Coleção Maurício Tragtenberg.). 31

“ligueiros”, enfraquecidos pelas cisões entre suas duas frações. Isto se demonstra na análise da demissão do terceiro gabinete Zacarias, quando “substituir o ministério era aprofundar a cisão entre os dois lados que formavam a situação, os históricos, antigos Liberais e os Progressistas, antigos Conservadores; o melhor seria chamar o Partido Conservador, desde que não havia outro meio de consolidar a Liga”.56 Assim como Mossé e Nabuco, Manuel de Oliveira Lima opta pelo entendimento da Liga como continuidade da Conciliação que, em seu argumento, teria perdurado até 1860. Para Lima, o fator determinante na formação do Partido Progressista foi o pânico que afligiu os conservadores com a vitória de nomes liberais importantes, como Teófilo Ottoni, Francisco Otaviano e Saldanha Marinho, nas eleições de 1860. Esclarece ainda como ao longo da administração progressista operou-se uma nova fusão dos partidos “quando o liberalismo se libertou completamente da pressão oficial e apareceu com um partido quase anti-dinástico”.57 Se entre monarquistas, como Joaquim Nabuco e Oliveira Lima, a Liga encontrou espaço significativo, o mesmo aconteceu com os republicanos nos anos 1920 e 1930, em destaque Pedro Calmon, João Pandiá Calógeras, Nelson Werneck Sodré e Vicente Licínio Cardoso. Recorrendo as interpretações anteriores, estes pesquisadores retomam o argumento de prolongamento da Conciliação para explicar o surgimento da Liga, apresentando poucas nuances interpretativas. Para Pedro Calmon, a “conciliação, a Liga ou o Partido Progressista, foram, no Segundo Reinado, fases de uma mesma ideia, qual a destruição do espírito faccioso em proveito de uma política de ‘valores’ e realizações”.58 Contudo, para o autor, a Liga se diferenciou da “fracassada” Conciliação “porque exigia dos partidos um entendimento, não uma fusão – devia- se esboroar-se na represália de outra coligação – a dos ‘históricos’”.59 Diferentemente de Nabuco, Pandiá Calógeras não se aprofunda nos “gabinetes financeiros” dos anos 1850 e concebe a Liga como bloco que governou o país com o nome de Partido Progressista, formado por conservadores “moderados” e liberais, e resultado da divisão ocorrida na Câmara em 1861. No entanto, repete a conhecida explicação para a fragilidade do grupo, segundo a qual “tal justaposição de elementos de orientações divergentes, continha em si o fermento da dissolução, e revelavam-se sintomas de que se separariam na primeira ocasião

56 NABUCO, 1897, t.2, p.414. 57 OLIVEIRA LIMA, Manuel de. O Imperio Brazileiro: 1822-1889. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1927. p.48. 58 CALMON, Pedro. História da Civilização Brasileira. Brasília: Senado Federal, 2002 [1932]. p.239. 59 Ibid., p. 240. 32

os conservadores dos liberais”.60 Segundo este autor, o ponto de desalinhave entre as frações “ligueiras” era a tendência liberal esboçada na construção dos gabinetes, na qual a figura de Zacarias de Góes, um “severo liberal”, se avultou. Seria então, a prevalência do elemento liberal sobre o conservador que teria acarretado a desagregação da unidade dos progressistas. Nelson Werneck Sodré reforça este argumento escrevendo que o Partido Progressista “era uma mistura heterogênea de procedência as mais diversas e de tendências as mais díspares”61, que passou a propor medidas descentralizadoras, como a autonomia das províncias. Vicente Licínio Cardoso também recorre a Nabuco, Mossé e Oliveira Lima para tecer sua interpretação sobre a Liga, denominada de “Conciliação às avessas”. Segundo Stanley Stein, este autor acredita na fragilidade das análises de seus antecessores, “que não lograram entrever com bom êxito o que encobria a fachada parlamentar dos dois partidos monárquicos”.62 Para Cardoso, assistiu-se, então, a “ilusão dos partidos”, o Liberal estava imobilizado e o Conservador se viu fragilizado com a extinção do tráfico, o que levou à tentativa de fusão entre os partidos entre 1853 e 1857, apesar da liderança conservadora até 1862. Em resumo, a situação podia ser assim definida: escravagistas e traficantes, mantendo vivos os dois partidos diferenciados até 1853; fusão, conciliação, confusão política; luta desenfreada de posições de mando depois de 1860, quando os partidos, sem programas definidos, perdem a significação de agremiações políticas, reduzidas tão somente a partidos de governo e da oposição.63

Se nas primeiras décadas do século XX a Liga era temática com significado quase consensual entre monarquistas e republicanos, na década de 1950 as leituras feitas sobre ela foram críticas e apresentaram mudanças sobre estas interpretações. Assim, com abordagens bastante distintas, Caio Prado Júnior e Raymundo Faoro remodelaram as análises propondo perspectivas ainda pouco exploradas por seus predecessores, como a evolução do sistema capitalista no Brasil e o desempenho do Estado e seus agentes. Com abordagem de matiz marxista, Caio Prado Júnior apresenta alternativa ao estudo de Nabuco, a quem atribui análise comprometida com questões pessoais.64 Explica que

60 CALÓGERAS, João Pandiá. Formação histórica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1935 [1930]. p.298. 61 SODRÉ, Nelson Werneck. Panorama do Segundo Império. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939. p.196. 62 STEIN, 1964, p.104. 63 CARDOSO, Vicente Licínio. À margem da história do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938 [1933]. p.184-185, grifo do autor. 64 As críticas de Caio Prado Júnior à Joaquim Nabuco versam, sobretudo, sobre sua análise a respeito da Revolução Praieira, que em seus termos “se ressente de [...] falhas imperdoáveis que o levaram a lamentáveis conclusões”. PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil e outros estudos. São Paulo: Brasiliense: 1969 [1933]. p.10. 33

a formação política da Liga era resultado da luta entre dois grupos burgueses, os “progressistas” e os “conservadores-retrógrados”. O primeiro era constituído pelos que detinham o capital móvel, alinhados ao comércio e as finanças; enquanto o segundo, se compunha dos proprietários rurais cuja riqueza alicerçava-se no trabalho escravo, abalado pela proibição do tráfico. Inicialmente, os conservadores se avolumaram, porém paulatinamente cederam espaço para o desenvolvimento do progressismo. Segundo o autor, “desenvolve-se uma parte ‘progressista’ da burguesia nacional ávida de reformas e cujos interesses estreitamente se vinculavam à transformação econômica do país”.65 Seu argumento é que “a evolução política progressista do Império corresponde assim, no terreno econômico, à integração sucessiva do país numa forma produtiva superior: a forma capitalista”.66 Tratava-se de uma luta contra o conservadorismo-retrógrado firmado nas instituições políticas como o Conselho de Estado e o Senado vitalício. Contudo, discordando de Nabuco e de outros intérpretes, o historiador salienta que foi justamente a prevalência do elemento conservador em suas fileiras que levaram ao seu fim prematuro. A Liga, híbrida composição de forças adversas, não é ainda senão um compromisso com o espírito conservador, que nela domina. Por isso entra logo em crise. Suas figuras verdadeiramente ‘progressistas’, como José Bonifácio e Ottoni, dela se apartam. Nos últimos anos do decênio, o compromisso retrógrado-progressista, representado pela Liga, já não se pode manter.67

Também se distanciando do argumento primacial de Nabuco, Raymundo Faoro procura uma explicação vinculada ao Estado e seus agentes, propondo uma abordagem weberiana.68 Para o autor, a Liga é o contragolpe do Partido Conservador intimidado por um retorno intenso de liberais históricos que ameaçavam o poder da oligarquia no Parlamento. De seu interior, emergiu então a “guarda” que converteu reivindicações radicais a um programa de reformas monárquicas. Seu principal fundamento era que os partidos estavam extintos e era necessária a construção de uma nova situação parlamentar. Divergindo da ideia de que apesar de unidos cada fração da Liga mantinha seu alicerce originário, Faoro propõe que nomes como Zacarias e Nabuco de Araújo, verdadeiramente se converteram ao ideal liberal em uma manobra bem articulada e colaboraram para a divisão da Câmara em sua ala conservadora “puritana” sob chefia de Paulino de Souza e Itaboraí, a liberal “histórica” e a progressista. Estas últimas, somente se fundiram em 1868, dando origem ao novo Partido Liberal.

65 Ibid., p.83. 66 Ibid., p.88. 67 Ibid., p.89, grifo do autor. 68 COMPARATO, Fábio Konder. Raymundo Faoro historiador. Estudos Avançados, São Paulo, v. 17, n. 48, Ago. 2003. p.332. 34

Faoro salienta que a velha corrente conservadora se viu encastelada “com a fundação da Liga Progressista, que lhe furtou uma constelação de líderes, acuado pela virulência liberal, o Partido Conservador se reduz aos puritanos, em recuo diante das forças emergentes”.69 Para ele, a expressão atingida pela Liga se deu por seu direcionamento a questões bastante controversas, como a responsabilidade do Poder Moderador, a defesa da máxima de que “o rei reina e não governa”, o sistema eleitoral, a Lei Hipotecária (1864) e a abertura do rio Amazonas (1866). Se nos anos 1950 assiste-se um nuançamento da interpretação de Joaquim Nabuco, a partir dos anos 1960 nota-se um retorno a sua leitura da Liga em publicações dedicadas à política imperial que revisitaram e aprofundaram a exploração das instituições imperiais e dos seus elementos políticos. Nota-se a retomada de argumentos de Joaquim Nabuco em Sérgio Buarque de Holanda, Francisco Iglésias, Emília Viotti da Costa, José Murilo de Carvalho e Lúcia Maria Paschoal Guimarães, ainda que estes autores divirjam e apresentem especificidades em alguns aspectos. Sistematizando o raciocínio de Nabuco, Sérgio Buarque de Holanda retoma a atuação dos gabinetes do final da década de 1850 como substancial ao aparecimento da Liga e das diferenças ideológicas entre liberais e conservadores, considerando estas últimas como fatores que inviabilizaram o projeto político dos progressistas. Identifica as origens daquela associação política no descontentamento de políticos conservadores com a administração Ferraz, quando, “no intervalo entre as sessões fizeram grandes progressos os trabalhos de aliciamento de políticos para uma oposição combinada de ‘dissidentes’ e liberais. A existência de uma ‘liga’ onde esses vários elementos se reuniram já se fazia notar”.70 De acordo com Buarque de Holanda, a aproximação ensaiada em finais dos anos 1850 fez com que a crise do gabinete Caxias-Paranhos fosse previsível, não causando surpresa a debandada de nomes até então ministerialistas. Sua referência se remete, sobretudo, à Zacarias de Góes e Nabuco de Araújo, lideranças que já haviam ocupado postos importantes e possuíam influência e trânsito entre os conservadores. O argumento de Nabuco encontra espaço em sua análise sobretudo quando pontua o componente de desagregação dos “ligueiros”, destacando a dificuldade de cada grupo abrir mão dos interesses originais. Nesse sentido, a Liga congregava “elementos oriundos de correntes políticas tradicionais que embora aliados, queriam manter por

69 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: a formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2012. [1958]. p.505. 70 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capítulos de história do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p.84. 35

ora suas opiniões próprias”71, o que impedia a formulação de uma política unitária, desaguando na frustrada experiência de Zacarias em sua primeira passagem pela presidência do Conselho de Ministros. Mais adiante, explica com detalhe a malograda tentativa de composição de um gabinete parcial: Ostensivamente essas questões resumiam-se na existência de uma Câmara dividida em dois blocos equivalentes, ou quase, que punham em perigo a solidez de toda a composição ministerial que se tentasse. O revés padecido pelo primeiro governo de Zacarias serviu para melhor firmar-se a aliança da ‘liga’ já existente dos conservadores moderados com os destroços do velho partido liberal, os ‘luzias’.72

Como se observa, Holanda reitera as divergências entre liberais e conservadores como ponto nevrálgico para a primeira derrota da Liga. Porém diverge de Nabuco, que como se demonstrou, reforçou o receio dos conservadores “moderados” de um retorno do poderio liberal como razão da fragilidade da Liga. Corroborando o argumento de “nova Conciliação”, a Liga para Francisco Iglésias é entendida como uma tentativa de se constituir um governo misto. Para ele, a Conciliação de 1853 deu-se sob a diligência conservadora, mesmo que com a participação de liberais em cargos importantes. Alinhando-se a interpretação de Tito Franco de Almeida, explica que “na década seguinte, tenta-se outra – a Liga Progressista –, feita também sob um gabinete conservador, mas realizada mais por liberais: gabinetes com uns e outros, sem exclusivismo, embora com predomínio liberal e de conservadores moderados”.73 Nesta esteira, Nabuco de Araújo e Zacarias, sustentados pelos ensinamentos da Conciliação e da nova corrente liberal, se constituíram como expoentes de um novo Partido Liberal, cada um exercendo liderança em uma das Casas legislativas. Se neste aspecto Iglésias se aproxima de Nabuco, no que concerne a origem da Liga e a importância do elemento liberal o autor se alinha a Holanda. Para o historiador, a queda de Caxias era previsível em decorrência da situação da Câmara que sofria com a perda da unidade dos conservadores, agora fracionados em dois grupos. Do mesmo modo, reforça a clássica interpretação que “a união de liberais e conservadores moderados era bem tênue: logo após as eleições aparecem as divergências, que são por algum tempo abafadas, mas que surgem a propósito de coisas mínimas. Um espera sobrepor-se ao outro, na primeira oportunidade”.74

71 Ibid., p.93. 72 Ibid., p.94. 73 IGLÉSIAS, Francisco. Trajetória política do Brasil: 1500-1964. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p.166. 74 IGLÉSIAS, 2004, p.118. 36

Segundo este autor, dissidências no interior da Liga eram evidentes, sendo os liberais mais propícios a empreender cisões, “há os históricos e os adesistas, como há os progressistas que se batem por maior pureza de princípios”.75 Neste sentido, observam-se variadas trocas de posições, liberais que se tomam pelos conservadores e o inverso na “figura do trânsfuga”. Ainda ressalta que entre os conservadores também se operaram dissidências e adesões, mesmo aqueles desejosos do “aprimoramento das instituições, aderem ao programa progressista, de modo a haver certo remanejamento das filiações partidárias”.76 Emília Viotti da Costa, também recorrendo a Nabuco, precisa o surgimento da Liga como de forte predomínio do espírito conciliador entre membros do Partido Conservador, a exemplo não só de Zacarias e Nabuco de Araújo, mas de Olinda, Saraiva, Sinimbu e Paranaguá. No ano de 1864, quando da publicação de seu programa de reformas, para a autora “a voz dos liberais se faria ouvir novamente e a sua retórica ganhou novo prestígio”.77 Em sua interpretação, a ascensão do liberalismo sob as expressões de “progresso”, “razão” e “ciência” demonstravam o retorno de velhos projetos liberais adiados desde a Revolução de 1848, agora retomados com a aderência de arautos conservadores. Nesta mesma linha, José Murilo de Carvalho busca no Partido Progressista as poucas alterações de importância que aconteceram no sistema partidário do Império. Para este autor, o movimento dos “ligueiros” valia-se da Conciliação principiada pelos conservadores em 1853, agregando liberais “históricos” e os dissidentes do Partido Conservador. Para ele, a política conciliatória adotada por Paraná propiciou uma alteração da estabilidade partidária, acarretou no fortalecimento dos liberais e na sucessão de “gabinetes sem caráter definido” até 1862, com o surgimento da Liga.78 A Câmara entraria assim em sua fase de maior agitação, dividindo em dois grupos o recém criado Partido Progressista, os “históricos” e os dissidentes conservadores, que passaram a concorrer a preeminência de sua gerência, luta “mais ferrenha do que a que se verificava antes entre conservadores e liberais”.79 Ampliando a análise, Carvalho se dedica ao programa publicado pelos progressistas em 1864, que considerou influenciado pelas preocupações de Nabuco de Araújo – a exemplo

75 IGLÉSIAS, 1993, p.166. 76 Ibid., p.167. 77 COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo: Unesp, 2010 [1977]. p.164. 78 CARVALHO, José Murilo de. A vida política. In: CARVALHO, José Murilo de. (Org.) A construção nacional: 1830-1889. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. p.103. 79 CARVALHO, José Murilo de. Liberalismo, radicalismo e republicanismo nos anos sessenta do século dezenove. Centre For Brazilian Studies: University of Oxford, Working Paper 87, Oxford, 2007. p.3. 37

dos processos judiciais80 –, representante da fração conservadora e, também por velhas reivindicações liberais – como a maior descentralização administrativa – todavia, sem aventar modificações substanciais à consagrada organização política do Império. Se seu programa revelava os desejos de suas duas partições, seria justamente este frágil enlace que enfraqueceria seu governo. Para este autor, “o Partido Progressista foi aos poucos minado internamente pela divisão entre liberais históricos e conservadores dissidentes que o formavam. Desde 1866, os históricos começaram a se organizar e a elaborar um programa mais radical”.81 Lúcia Maria Paschoal Guimarães também entende que a política de Conciliação não provocou mudanças no sistema partidário, mas abriu espaço para novas composições, a exemplo da Liga Progressista. Para ela, o discurso de uti possidetis proferido por Nabuco de Araújo mencionando a existência de três grupos no Parlamento derrubou o ministério Caxias e o predomínio da “trindade saquarema”. Segundo esta autora, apesar de conseguir maioria na Câmara, a Liga não se constituía como união coesa que possibilitasse a sustentação do primeiro gabinete Zacarias, principalmente em “virtude das dissidências internas entre liberais históricos e progressistas”.82 Indo além, Jeffrey Needell, Silvana Mota Barbosa, Eide Sandra Azevêdo Abrêu, Roderick J. Barman, Miriam Dolhnikoff e Bruno Fabris Estefanes expandiram os estudos sobre a Liga Progressista demonstrando a importância da atuação dos egressos do Partido Conservador para a desagregação do projeto político concebido pelos progressistas, argumento já aventado por Caio Prado Júnior e Raymundo Faoro e agora retomado sob a luz de novas fontes e perspectivas de análise. Needell diverge de Nabuco e de grande parte da historiografia ao propor que as eleições de 1860 não significaram um furacão liberal. Para ele, em maior medida, expressava novas alianças entre liberais e sua base política urbana. Assim, mesmo com a eleição de importantes figuras ao Parlamento, a força política ainda se concentrava nas mãos de políticos “saquaremas”. Contudo, a crise do gabinete Caxias-Paranhos colocou o Imperador em um impasse, posto que a dissolução da Câmara seria prontamente atacada pela aliança “liberal- moderada”, acentuando a radicalização. Para o autor, a estratégia de se formar uma Liga veio então de Nabuco de Araújo, que empreendeu um “oximoro ideológico de um partido não

80 Segundo Murilo de Carvalho, “Nabuco percebia, com outros conservadores, que a rigor da Lei de 1841 já se tornara desnecessário e que ela deveria ser reformada no sentido de separar as funções judiciais das policias e dar maior autonomia e profissionalização aos magistrados”. Cf. CARVALHO, 2013, p. 206. 81 CARVALHO, 2013, p.206. 82 GUIMARÃES, Lúcia Maria Paschoal. Partidos Políticos. In: VAINFAS, Ronaldo. (Org.). Dicionário do Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. p.565. 38

partidário” sob gerência de conservadores “moderados” com apoio dos “históricos”, dos jovens liberais e dos “moderados”.83 Em outro texto, falando dos conservadores, discorre que é digno de nota que tais homens fossem fundamentais à Conciliação e à Liga Progressista e que muitos deles deslocaram-se entre os dois grandes partidos nas décadas de 1840, 1850 e 1860. Nesse período, em que o imperador começou a assumir maior controle direto sobre assuntos políticos, tais homens, foram aparentemente atraídos para uma corrente de moderação apartidária e para um reformismo gradual, sendo incorporados ao poder no despertar da própria direção política do imperador.84

Em explicação diversa, Silvana Mota Barbosa discorda da aproximação entre a Liga e a Conciliação proposta pela maioria dos estudos, posto que esta justaposição impede uma análise atenta da política da década de 1860. Em apreciação da produção da imprensa do período, argumenta que “a política econômica e financeira adotada pelo Gabinete Ferraz parece ter impulsionado a reordenação dos grupos conservadores e liberais”.85 Neste sentido, para autora a Lei de Entraves foi determinante para formação da Liga, que em meio às estratégias para a disputa do pleito de 1860 irá emergir entre os descontentes conservadores e liberais, contrários ao monopólio de atividades basilares à economia do Império.86 Avançando sob o proposto por estes dois autores, Eide Abrêu concebeu a Liga como uma aglutinação temporária e instável de um grupo de conservadores dissidentes críticos das orientações econômicas dos conservadores “puros” e dos fundamentos do Poder Moderador, com alguns liberais “moderados”: uma aliança de políticos conservadores dissidentes – chamados ‘moderados’, entre os quais os chefes Nabuco de Araújo, Zacarias, Olinda e Saraiva – com liberais também ‘moderados’, para realizar uma oposição aos conservadores ‘puros’. A divisão entre ‘moderados’ e ‘puros’ no interior do Partido Conservador, [...] aconteceu por conta de divergências no que tangia especialmente à aprovação da lei de 22 de agosto de 1860, que impunha grandes limites às liberdades de empresa e crédito. Contrários à medida, considerada prejudicial por consagrar o monopólio de atividades vitais para a economia do período, por parte de um pequeno grupo de negociantes, os ‘moderados’ se afastaram de seus antigos correligionários.87

83 NEEDELL, Jeffrey D. The party of order: the conservatives, the state, and slavery in the Brazilian monarchy, 1831-1871. Stanford: Stanford University Press, 2006. p.213-216. 84 NEEDELL, Jeffrey D. Formação dos partidos políticos no Brasil da Regência à Conciliação 1831-1857. Almanack Braziliense. São Paulo, n. 10, nov. 2009. p.19. 85 BARBOSA, Silvana Mota. A Política Progressista: Parlamento, sistema representativo e partidos nos anos 1860. In: CARVALHO, José Murilo de; NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Repensando o Brasil do Oitocentos: cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. 86 BARBOSA, 2001, passim. 87 ÂBREU, 2011, p.21. 39

A pesquisadora considera que, evidentemente, havia divergências entre liberais e conservadores, mas, nas crises, salientaram-se aquelas entre os próprios políticos de origem conservadora que dominaram o grupo e tinham, entre si, concepções discrepantes sobre quem seriam (se ingleses ou americanos) os melhores aliados do Império, a exemplo de Zacarias (pró- ingleses) e Nabuco de Araújo (pró-americanos). Assim, a explicação de Abrêu, a quem nos alinhamos nesta dissertação, assinala que o desempenho de Zacarias evidenciou em que pontos os conservadores se diferenciavam, as “questões de dinheiro” (destinação do dinheiro público), a exemplo dos subsídios às companhias estrangeiras que se avultaram nas interpelações dos conservadores “puros”.88 Distanciando-se da ideia de Conciliação, Roderick J. Barman, associa o surgimento da Liga a eleição dos liberais para Câmara no princípio dos anos 1860. Para ele, o retorno de Ottoni à política, após seu afastamento em projetos de comércio e colonização, “offering Brazilians a program of nationalism, federalism, and individual freedoms that attracted support”89. O ponto determinante foi a derrota dos apoiadores do gabinete (Caxias-Paranhos) no Rio de Janeiro, que abalou o governo e o próprio d. Pedro II. A partir de então, “Politics became dominated by struggle between the emperor and the revived Liberals who formed a loose alliance with a factions from the Conservatives, composed mainly of the disaffected among the younger generation of politicians”.90 Miriam Dolhnikoff, explica que a Liga foi fruto de uma nova rearticulação política de aproximação de liberais e conservadores “moderados”. Para a historiadora, com a implantação do voto distrital, os dois grupos possuíam representantes na Câmara, criando ambiente para uma nova aliança, que agora, excluía a “ala regressista” do Partido Conservador.91 Por fim, em recente pesquisa, Bruno Fabris Estefanes, aborda a formação da Liga Progressista desde a polêmica bancária em 1857 até o primeiro gabinete Zacarias em 1862 (ministério dos “Anjinhos”). Apesar de demonstrar que os dissidentes representavam uma terceira via política para administração do Estado, e que nesta circunstância se observa uma alteração substancial no debate partidário e no entendimento do sistema representativo, o autor

88 ÂBREU, Eide Sandra Azêvedo. “Um pensar a vapor”: Tavares Bastos, divergências na Liga Progressista e negócios ianques. In: MARSON, Izabel Andrade; OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780-1860. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2013. p.315-317. 89 BARMAN, Roderick J. Citizen Emperor: Pedro II and the making of Brazil, 1825-91. Stanford, CA: Stanford University Press, 1999. p.190. “Ofereceu aos brasileiros um programa de nacionalismo, federalismo, e liberdades individuais que conseguiram apoio”. 90 Id. Ibid. “A política foi dominada pela luta entre o imperador e os liberais reavivados, que formaram uma aliança frouxa com a facção conservadora, composta principalmente por uma geração de jovens políticos descontentes”. 91 DOLHNIKOFF, Miriam. História do Brasil Império. São Paulo: Contexto, 2017. p.97. 40

destaca que o Parlamento continuava distante da população que o havia elegido, problematizando portanto a ideia de que o crescimento da representação liberal tivesse ameaçado a hegemonia dos conservadores na condução dos gabinetes.92 A partir da pesquisa que realizamos sobre a atuação - como deputado e presidente de gabinetes - do líder mais importante da Liga no Parlamento, Zacarias de Góes (entre 1860 e 1864), nosso entendimento é que a Liga Progressista constituiu um fenômeno político bastante complexo em sua constituição e percurso de seus integrantes. Nesse sentido, foi viabilizada pelo poder desempenhado pelo Monarca no direcionamento das questões políticas, em grande medida, recorrendo a nomes conservadores de maior trânsito no Parlamento, porém numa situação política em que aquele Partido estava fragmentado e sofria significativa pressão dos grupos liberais que atuavam na Câmara. Dessa forma, as circunstâncias políticas que deram origem à Liga diferem substancialmente daquelas da Conciliação ocorrida na década anterior. O agrupamento de forças na década de 1860 se deu, assim, vinculado a líderes de diversa origem política sequiosos de espaço político (caso de Zacarias de Góes, Nabuco de Araújo e Saraiva entre os conservadores e Martinho Campos, Teófilo Ottoni e Francisco Furtado, entre os liberais) e do acesso a negócios e concessões até então monopolizados pelos conservadores “puros” e seus eventuais aliados liberais nos anos 1850, a exemplo do barão de Mauá, como demonstraremos no capítulo 3. Empenhada na “moderação política” sob a proteção imperial, a Liga agregou em seus quadros líderes liberais e conservadores, mas, conforme trataremos mais adiante neste trabalho, em ambiente de muita competição e expectativas conflitantes. As divergências internas ao grupo de comando, sobretudo aquele oriundo dos quadros do Partido Conservador (Zacarias, Nabuco e Saraiva) no encaminhamento de projetos econômicos, associadas à pressão de liberais “históricos” e de liberais que tentavam preservar negócios (a exemplo de Mauá) ou que lutavam por ter acesso a eles (a exemplo de Martinho Campos) foram então determinantes para as instabilidades ministeriais e a descontinuidade da administração progressista em 1868.

1.2. Os “gabinetes financeiros”: hegemonia e fragilidades do Partido Conservador

O Partido Conservador permaneceu no poder durante a maior parte do reinado de d. Pedro II, evidenciando sua prevalência no cenário administrativo do Império. Esse domínio,

92 ESTEFANES, Bruno Fabris. A muralha de Bronze: A formação da Liga Progressista no Império do Brasil. Representação, soberania e rearticulação partidária, 1857-1862. 2018. 224 f. Tese (Doutorado) - Pós-graduação em História Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. 41

todavia, não significou homogeneidade de procedimentos no encaminhamento de proposições ou uniformidade entre seus quadros provinciais. Pelo contrário, a manutenção de seu poderio serviu de encorajamento para a troca de orientações políticas, em especial nos denominados “gabinetes financeiros” (1857-1861)93, quando importantes questões concernentes à administração do dinheiro público estavam em jogo. Esta heterogeneidade, além exprimir a maneira de se fazer política em tramas conservadoras, demonstra como a fragmentação da unidade política deste Partido seu deu em benefício da Liga Progressista, e caracteriza como as diferentes demandas econômicas de seus contingentes corroboraram para a cisão entre “puros” e “moderados”. De acordo com Erik Hörner é difícil encontrar “certidões de nascimento” dos partidos da primeira metade do século XIX. No entanto, parece haver consenso em datar o surgimento dos partidos em 1838, assim como fez Joaquim Nabuco.94 A este respeito, Jeffrey D. Needell identificou na Câmara de 1837 a organização do “partido da Ordem”, autointitulado “Conservador” a partir de 1854. Em seus termos, era o primeiro partido “duradouro” formado pela “maioria” dos deputados e proveniente da fração “liberal moderada” atuante no período regencial que se distanciou dos radicais, “exaltados”, muitos deles defensores de um pacto republicano.95 Se a Regência foi determinante para a organização do futuro Partido Conservador, a criação do cargo de presidente do Conselho de Ministros em 184796 marcou a consolidação e enraizamento dos conservadores nas províncias. Como explica Silvana Mota Barbosa, a

93 Apesar da expressão ser de Joaquim Nabuco (1897, t.2, passim), Levy e Andrade reconhecem o sentido do termo em eventos da década de 1850 quando aconteceram medidas norteadoras dos princípios do direito de propriedade direcionados “a integração do País no processo de acumulação e para o delineamento da feição do capitalismo interno. São elas: a Tarifa Alves Branco (1844), a Reforma Monetária e o estabelecimento do Padrão Ouro (1846), o Código Comercial, a Abolição do Tráfico e a Lei de Terras, todas em 1850. Fruto de necessidades improrrogáveis e da administração de conflitos de interesses entre os diversos grupos sociais dominantes, promoveram um rearranjo na composição de forças internas e uma nova rearticulação com o capitalismo inglês”. Nestes termos, as medidas, em especial a abolição do tráfico, fizeram com que empresários como Mauá reunissem “os ‘capitais, que se viam repentinamente deslocados do ilícito comércio, e fazê-los convergir a um centro onde pudessem ir alimentar as forças produtivas do país’”. Cf. LEVY, Maria B.; ANDRADE, Ana Maria R. Fundamentos do Sistema Bancário no Brasil: 1834-1860. Estudos Econômicos, n.15, 1985, p.19, 25. 94 Para uma discussão e análise sobre a formação dos partidos na primeira metade do século XIX, ver: HÖRNER, Erik. Partir, fazer, seguir: apontamentos sobre a formação dos partidos e a participação política no Brasil da primeira metade do século XIX. In: MARSON, Izabel Andrade; OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780-1860. São Paulo: Edusp, 2013. p.219. 95 NEEDELL, 2009, p.8. 96 De acordo com Paulo Pereira de Castro, antes da criação do cargo de presidente do Conselho de Ministros existiam “organizadores de gabinete”, uma espécie de “ministros conselheiros” que auxiliavam o monarca durante seu aprendizado. Durante o “quinquênio liberal” (1844-1848), contudo, o imperador inicia “uma participação mais direta na administração, embora continue ainda sob o influxo – cada vez mais indireto – de seus assessores palacianos”. Cf. CASTRO, Paulo Pereira de. Política e administração de 1840 a 1848. In: HOLANDA, Sergio Buarque de et al. O Brasil Monárquico: Dispersão e Unidade. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1972. (História Geral da Civilização Brasileira; t.2; v.2). p. 510-11. 42

faculdade de formar gabinetes, nomear e demitir ministros era exclusiva do Imperador. No entanto, com o decreto nº 523 de 20 de julho de 184797, a figura do presidente, por ausência de um regulamento, “tomava para si parte destas funções e aumentava, e muito, seu poder político. Ao compor um ministério, era possível reforçar laços políticos, fazer novas alianças e garantir autoridades”.98 Segundo Barbosa, os conservadores foram os que mais conheceram nomeações e ao monopolizar esta função [...], a direção saquarema pode fortalecer seu grupo conservador e consolidar seus laços em diversas localidades. Em outras palavras, a ausência de um regimento facilitava a expansão da direção saquarema e evitava um dos males mais temidos, ou seja, um enfraquecimento do poder real através de um parlamento forte.99

A interpretação primeira sobre a função de presidente do Conselho foi definida na década de 1850 pelo senador e jurista José Antônio Pimenta Bueno, nos seguintes termos: O presidente do conselho de ministros, quando este não trabalha perante o imperador, é o primeiro ministro que toma essa denominação, ordinariamente dada ao organizador do ministério. É ele quem dirige a ordem dos trabalhos e das discussões, quem especialmente zela da unidade de vistas, e dos princípios políticos e administrativos, em todos os assuntos que são sujeitos à deliberação comum; quem deve ter não só o seu voto de membro do gabinete, mas também de desempate. À excepção destas atribuições não conhecemos nenhuma mais que deva pertencer ao presidente do conselho, e julgamos mesmo que seria prejudicial que ele as assumisse uma excessiva preponderância sobre seus colegas, significaria isso que em todas as matérias e em todos os casos ele tinha mais inteligência do que todos os outros ministros reunidos, o que importara a demonstração da má escolha que fizera de seus colegas.100

Como se observa, confortável em sua posição no Senado, Pimenta Bueno se esquiva de questões espinhosas que cercavam as indicações para a presidência e demonstra como a harmonia entre todos os ministros seria salutar ao bom andamento da máquina pública. Entretanto, como demonstraremos, a orientação parece não ter se aplicado majoritariamente aos gabinetes geridos pelo Partido Conservador, recorrentemente divididos e às voltas com crises ministeriais nas quais se destacaram as interferências do Imperador. Tal aspecto não escapou aos estudiosos da política imperial que, com visão matizada, apresentaram diversas propostas de entendimento das intervenções do Monarca.

97 BRASIL. Coleção de Leis do Império do Brasil. (tomo X, parte II). Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1848. p.83. 98 BARBOSA, Silvana Mota. O Conselho de Ministros no Império do Brasil. Locus: Revista de História, Juiz de Fora, v. 13, n. 1, 2007. p.59. 99 Ibid., p.60. 100 PIMENTA BUENO, José Antônio. Direito Público Brazileiro e analyze da Constituição do Império. Rio de Janeiro: Typographia Imp. e Const. de J. Villeneuve & C., 1857. p.265. 43

A este respeito, Oliveira Viana argumenta que em um governo de gabinete o Poder Executivo era delegação de um colegiado encarregado de funções administrativas, unificadas sob a figura de seu presidente. A união entre o ministério, o Parlamento e o Poder Moderador cooperaria para o sistema parlamentar, conquanto este arranjo impusesse pontos de atrito. Sua opinião entendia que o gabinete deveria ser sustentado pelo apoio conferido pelo Parlamento. Ao deixar de existir, obrigava o exercício do controle do príncipe, que organizaria um novo ministério em consonância com a realidade da Assembleia Geral. Porém, nem sempre o Parlamento reflete a imagem fiel da opinião atual do povo. Circunstâncias imprevistas, fatos novos, operados dentro do interregno eleitoral, podem produzir uma modificação na opinião pública, sem que esta modificação se ache revelada no Parlamento, ou mesmo este, pelo jogo íntimo dos interesses partidários, pode afetar uma opinião, sem que esta opinião seja, entretanto, um reflexo da opinião do povo.101

Neste caso, caberia ao Imperador avaliar se o Parlamento expressava a vontade do povo, concedendo ou não a alteração ministerial. A questão basilar desta ponderação reside na movimentação de grupos partidários no poder intermediada pelo Monarca, que poderia se apoiar em grupos opostos de acordo com suas necessidades. No tocante a esta referência, Raymundo Faoro entende que o exercício do governo parlamentar praticado pelo Imperador estava vinculado à sua preocupação “em exercer a suprema inspeção administrativa, guardar um círculo de ação própria de poder sem responsabilidade ministerial e de nomear e demitir os ministros”102, fazendo com que operasse plenamente o Poder Moderador, não obstante tentasse imitar o modelo parlamentarista inglês. Segundo Faoro, a atenuação do absolutismo do monarca fez com que as “vocações políticas” se salientassem, proporcionando a construção de um regime caracterizado pela amplitude e flexibilidade que “não buscará a força, a energia, a ação de baixo para cima: ele se prende, em círculo, aos elementos autônomos de representação, a qual pobre de autenticidade, ganha relevo na força que lhe infunde a pequena camada que o imperador preside”.103 Nesta linha, Francisco Iglésias ratifica que no Brasil “o rei reina, governa e administra”, porquanto o Imperador se fazia representar no ordenamento de todas as esferas da sociedade oitocentista. Com tal propriedade, a posição adotada pelos partidos políticos era continuamente a de aproximação da Coroa, “pois o chefe de Estado chamava um ou outro para a direção dos negócios públicos”104, possibilitando o estreitamento de vínculos entre a figura

101 OLIVEIRA VIANA, Francisco José de. O Ocaso do Império. Brasília: Senado Federal, 2010 [1925]. p.25. 102 FAORO, 2012, p.393. 103 Ibid., p.370. 104 IGLÉSIAS, 1993, p.164. 44

real e alguns de seus partidários, o que se notabiliza com o reiterado retorno de figuras próximas a ele ao cargo de presidente do Conselho105. Se como nota-se o Imperador era o grande artífice do ordenamento político, sua preferência era pela composição ministerial de matriz conservadora, reestabelecida a partir da demissão de Francisco de Paula Souza e a formação do gabinete (29 de setembro de 1848) presidido pelo então visconde de Olinda. Entre este ministério e a Liga sucederam no Conselho nomes majoritariamente vinculados aos conservadores, demonstrando certa deferência por parte do Imperador, a destacar-se a massiva proeminência deste Partido na união “moderada” da Conciliação (1853-1856), quando antigos “saquaremas” retornaram a importantes postos políticos revigorados com títulos de nobreza, como Honório Hermeto Carneiro Leão, visconde e posteriormente marquês de Paraná.106 Este período inaugura a supremacia do Partido Conservador, mas demonstra, também, sérias cisões no interior da legenda, evidenciando que, inclusive, quando no domínio da administração do país, não se alijavam as rivalidades. Pelo contrário, o Partido se fracionou em agrupamentos com interesses e pautas políticas distintas, muitas vezes causando desconforto e instabilidade ministerial. Neste sentido, desde o final da década de 1840 as contendas se revelaram, notadamente em virtude de sua especial participação na repressão da Revolução Praieira, revelando em que pontos se desregulava a gerência deste Partido. Segundo Bruno Fabris Estefanes, a ideia de uma conciliação partidária não era nova e desde 1848 já se distinguira nos debates da Câmara dos Deputados. Todavia, o movimento ocorrido na província de Pernambuco foi a circunstância ideal para que se formasse um governo moderado. A Praieira demonstrou a desenvoltura de d. Pedro II em conter desavenças políticas e as polêmicas questões eleitorais, onde “mandos e desmandos, nomeações e exonerações, somados ao uso de variados graus de violência falseariam por completo o sistema representativo do Brasil monárquico.107 Um partido acusando o outro de influências indevidas e injustiças”.108

105 A este exemplo é valido notar que Antônio Paulino Limpo de Abreu, marquês de Abrantes, foi ministro doze vezes em seis gabinetes. Joaquim José Rodrigues Torres, visconde de Itaboraí, foi ministro nove vezes, assim como Pedro de Araújo Lima, marquês de Olinda. Cf. CALDEIRA, Jorge. Mauá: empresário do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.195. 106 Os dados biográficos dos personagens mencionados nesta dissertação constam no Apêndice A (p. 225). 107 Sobre a Revolução Praieira, as manobras políticas do Partido Conservador e o processo de “pacificação” que viabilizou a política de Conciliação, ver: MARSON, Izabel Andrade. O Império do Progresso: a Revolução Praieira. São Paulo: Brasiliense, 1987. MARSON, Izabel Andrade. "Poupar os submissos e debelar os soberbos": humilhar para "conciliar". In: MARSON, Izabel; NAXARA, Márcia. Sobre a humilhação: sentimentos, gestos, palavras. Uberlândia: Edufu, 2005. 108 ESTEFANES, Bruno Fabris. Conciliar o Império: Honório Hermeto Carneiro Leão, os partidos e a política de Conciliação no Brasil monárquico (1842-1856). 2010. 211 f. Dissertação (Mestrado) -Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. p.118. 45

Conquanto o imperador ainda impusesse nomes para a disputa de pleitos, para este historiador, sua interferência não deve ser encarrada unicamente como entrave para a representação política, mas enquanto parcela importante de discussão sobre seu funcionamento. A Rebelião Praieira significou um verdadeiro ponto de virada na reflexão do assunto, principalmente no que se referia à interferência do governo nas nomeações e nos pleitos das eleições. A revolta de 1848-1849 e a progressiva participação de Pedro II na tentativa de acabar com as rixas partidárias, cobrando justamente uma reforma eleitoral, dividiu os políticos e até mesmo o coeso grupo dos saquaremas.109

Em estudo recente, Pedro Gustavo Aubert avança sobre os descordos entre os conservadores, priorizando a nomeação de Honório Hermeto como presidente da província de Pernambuco e suas divergências a respeito do posicionamento do gabinete Olinda-Monte Alegre (29 de setembro de 1848). De acordo com Aubert, foi no desenvolvimento da Praieira que as dissensões no Partido Conservador se evidenciaram, principalmente no tocante as negociações de rendição de revoltosos. Retomando a argumentação de Estefanes, demonstra que as missivas de Paraná apontam para sua insatisfação com o gabinete, especialmente por não estar a par das transações operadas sob o intermédio do presidente da Bahia, Francisco Gonçalves Martins.110 Se a Revolução Praieira mostrou os pontos de desalinhave no tocante à administração do Estado por parte dos conservadores, de acordo com Iglésias, a Conciliação levada a termo por Paraná acentuou a divisão deste Partido, mesmo contando com a Câmara minoritariamente constituída por liberais. Para ele, “Paraná era o político mais forte para o país. Tinha gosto da administração, sabia dominar os homens, era um dirigente nato”111, principalmente pelo papel desempenhado na Regência e no princípio do Segundo Reinado. Seria ele o responsável pela função “conciliatória” ansiada pelo Monarca e por colocar fim às dissidências que fragmentavam seu Partido, o que só foi possível em parte, haja visto a fragmentação entre a fração “saquarema”, dita “pura”, sob domínio de Eusébio de Queirós, Rodrigues Torres, Paulino e Ferraz, e a de conservadores “moderados” ou “conciliada”, liderada pelo próprio Paraná e Nabuco de Araújo. No entendimento de Sérgio Buarque de Holanda, ventilava-se desde o princípio dos anos 1840 uma aproximação entre os partidos. Já se utilizava, por exemplo, os termos

109 Ibid., p.137. 110 AUBERT, Pedro Gustavo. Entre as idéias e a ação: o visconde de Uruguai, o direito e a política na consolidação do Estado nacional (1850-1866). 2011. 201 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em História Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. p.23-24. 111 IGLÉSIAS, 2004, p.55. 46

conciliação e liga, (re)apropriados nas décadas seguintes. Contudo, se com o operado na Conciliação “o monarca algum dia pensou em beneficiar-se da extinção dos partidos para, com ela, ganhar um acréscimo de força, bem cedo se certificou de que, afastados da lição dos mesmos partidos, acabariam por cair sobre seus ombros todas as críticas que antes lhes eram endereçadas”.112 Jeffrey D. Needell reforça o argumento de falta de unidade entre os conservadores no gabinete de Conciliação. Em seus termos, the Conciliation Cabinet was more of a cabinet loyal to the monarch and to Paraná than a Conservative cabinet in either the ideological sense or personal sense. One can thus make a distinction now which would have been nonsensical earlier: it was a Conservative cabinet, but not a saquarema one. While it is true that most ministers were formally members of the Conservative Party, none save Paraná himself were identified with the saquarema kernel, the reactionary ideology and leaders with whom Paraná was shortly to break. Of the three ministers with historical linkages to the 1830s Regresso (Paraná, Nabuco de Araújo, and Caxias), two had recent or enduring reasons for stepping away from the saquaremas now. Ambition, disappointment, pique, new non-partisanship, ideological disillusion, all of these marked Paraná and Nabuco de Araújo.113

Segundo o autor, os desentendimentos se agravaram ao longo da década de 1850, quando os conservadores “suffered from divisions within their party because of regional and provincial resentments, the Conciliation struggle, the consequent impact of local electoral influences, and an associated loss of national and provincial discipline”.114 Neste sentido, ao se analisar os ministérios constituídos sob a bandeira da Conciliação entre 1857 e 1861, caracterizados por uma série de projetos de ordem financeira, verifica-se a acentuação dos fracionamentos já aludidos. A partir do gabinete Olinda (4 de maio de 1857), as contestações se evidenciaram, dado que os próprios conservadores não creditaram confiança nele “pela presença de Souza Franco e Jerônimo Francisco Coelho115, enquanto os

112 HOLANDA, 2010, p.43-44. 113 NEEDELL, 2006, p.175. “o Gabinete de Conciliação era mais um gabinete leal ao monarca e a Paraná do que um gabinete conservador, seja no sentido ideológico ou no sentido pessoal. Pode-se, portanto, fazer uma distinção agora que antes seria sem sentido: era um gabinete conservador, mas não um gabinete saquarema. Embora seja verdade que a maioria dos ministros era formalmente membro do Partido Conservador, nenhum deles, exceto o próprio Paraná, foi identificado com o núcleo saquarema, a ideologia reacionária e os líderes com os quais Paraná iria em breve romper. Dos três ministros com ligações históricas ao Regresso de 1830 (Paraná, Nabuco de Araújo e Caxias), dois tinham razões recentes ou duradouras para se afastar dos saquaremas agora. Ambição, decepção, ressentimento, novo apartidarismo, desilusão ideológica, tudo isso marcado com Paraná e Nabuco de Araújo”. 114 Ibid., p. 213. “sofreram com divisões dentro de seu partido por causa de ressentimentos regionais e provinciais, a luta de Conciliação, o consequente impacto de influências eleitorais locais e uma perda associada de disciplina nacional e provincial”. 115 Estes políticos não aspiravam confiança por serem os únicos liberais pertencentes ao gabinete Olinda (4 de maio de 1857). Bernardo de Souza Franco foi ministro da Fazenda e Jerônimo Francisco Coelho ocupou a pasta da Guerra. Francisco Coelho foi substituído interinamente por José Antônio Saraiva em 11 de julho de 1858. 47

antigos adeptos da política de conciliação de Paraná tem dúvidas pelo combate violento de Olinda à antiga política”.116 Em nossa acepção, esta organização ministerial, deu assim, os primeiros indícios de rupturas mais profundas na base de sustentação do Partido Conservador.

1.2.1. Competição e fragilidade na província

Em meados de 1858, os desacordos se apresentaram com clareza na Câmara dos Deputados na ocasião em que se discutia o Tratado de Comércio de 4 de setembro de 1857. Celebrado entre o Brasil e a República Oriental do Uruguai, modificava as disposições do Tratado de 12 de outubro de 1851 e previa revisão de taxas e normativas de navegação do rio Jaguarão e da Lagoa Mirim, até então, de navegação exclusiva dos brasileiros.117 Nesta oportunidade, Luiz Alves Leite de Oliveira Belo, deputado conservador do Rio Grande do Sul, tomou a palavra e proferiu duras críticas ao gabinete e ao presidente de sua província, Ângelo Moniz da Silva Ferraz, protagonizando um extenso debate no qual emergiram os pretensos interesses industriais que Belo agenciava. Tal episódio ilustra o quanto, no embate de ideias ocorrido no Parlamento, também se manifestavam os negócios diligenciados por seus membros. Em 18 de junho, o deputado reclamava dos benefícios concedidos pelo presidente do Rio Grande do Sul a um certo “partido da Liga”, que dificultava a ação da ala conservadora coordenada por ele na Assembleia provincial. Silva Ferraz era uma figura experiente na administração pública, já havia sido deputado provincial e geral, além de ter ocupado cargos estratégicos como inspetor da Alfândega e fiscal do Tesouro. Sua nomeação como presidente de província se deu conjuntamente com sua eleição para o Senado. Porém, sua escolha para presidir a província não foi unanimidade entre os locais. “Ao chegar na capital, Porto Alegre, encontrou alguns desafetos, embora também pareça ter estabelecido laços muitos fortes com personalidades importantes”.118 Entre seus principais opositores estava Oliveira Belo, que se dizia prejudicado pelas ações do recém-chegado Ferraz. Em suas palavras, a nomeação do Sr. conselheiro Ferraz não foi recebida aqui nem na província do Rio Grande do Sul com más prevenções, mas sim sob os auspícios das mais lisonjeiras esperanças [...]. Mas S. Ex., apenas apareceu esta enunciação da oposição, entendeu que devia logo socorrer-se contra nós as influências de toda a Província, especialmente as de seu interior, e, coisa inaudita! Dirigiu-se confidencialmente a um número

116 IGLÉSIAS, 2004, p.78. 117 BRASIL. Ministério dos Negócios Estrangeiros. Relatório da repartição dos Negócios Estrangeiros apresentado à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Typ. Universal de Laemmert, 1859. p.22. 118 SILVA, Matheus Luís da. Trajetória e atuação política de Antônio de Souza Netto (1835-1866). 2015. 108 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em História, Centro de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2015. p.76. 48

considerável de pessoas que lhes eram conhecidas, e até a alguns estrangeiros, pedindo-lhes o seu apoio contra a oposição desleal, que sem motivo algum e sem tino se tinha levantado contra sua administração, só porque S. Ex. estava desenvolvendo e executando a política que lhe tinha sido recomendada por Sua Majestade.119

A chegada de Silva Ferraz coincidiu com discussões acerca de uma das atividades econômicas de maior rentabilidade do Rio Grande do Sul, a indústria de charque. A imposição do novo Tratado com o Uruguai produziu uma onda de reclamações entre os estancieiros e charqueadores, que viram no novo ajuste perdas de natureza fiscal e comercial, tema também polemizado nesta sessão da Câmara.120 Representante deste grupo, Oliveira Belo encarou a nomeação de um novo presidente como circunstância ideal para propor uma aliança política. Todavia, ao invés de se aproximar de seu grupo, Ferraz, em um primeiro momento aliou-se ao “partido da Liga” e em seguida a um “terceiro partido”, o Liberal Progressista, daí a indignação do deputado. Neste imbróglio, apoiado pelos também defensores da indústria de charque, João Jacinto de Mendonça e João Pereira da Silva Borges Fortes, Oliveira Belo passou a fazer oposição ao gabinete Olinda-Souza Franco e a Ferraz, a quem atribuía o desmonte do Partido Conservador na Província, em benefício do “partido da Liga”. Porque o Sr. Ferraz olhou-nos sempre com desconfiança. Tendo rompido logo de princípio conosco, já está indisposto também com o partido que favoreceu, e procura proteger e fortificar um terceiro partido. Nestas circunstâncias não pode S. Ex. deixar de ter necessariamente despertado antigos ódios, que estavam quase amortecidos, e espalhado a discórdia, a desarmonia e a confusão na província do Rio Grande do Sul.121

O “partido da Liga” causava tanto incômodo a Oliveira Belo por ter-se originado de uma fração dissidente do Partido Conservador agenciada por um de seus desafetos, Pedro Rodrigues Fernandes Chaves, barão de Quaraim. Organizado para as eleições gerais de 1852, o grupo aproximou conservadores e liberais formando uma liga que propôs a candidatura de seis nomes, três “luzias” e três “saquaremas”.122 Participaram da agremiação nomes importantes da política regional como Israel Rodrigues Barcelos e Francisco Carlos de Araújo Brusque. Contudo, apesar da presença de liberais, o elemento conservador predominava na coligação,

119 Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Srs. Deputados. (doravante ACD). Segundo anno da decima legislatura. (t.2). Sessão de 18 de junho de 1858. p.217. 120 PICCOLO, Helga Iracema Landgraf. Da descolonização à consolidação da República: a questão do separatismo versus federação no Rio Grande do Sul no Século XIX. Indicadores Econômicos FEE, Porto Alegre, v. 21, n.3, 1993. p.155-156. 121 ACD. Sessão de 18 de junho de 1858. p.222, grifo nosso. 122 FRANCO, Sérgio da Costa. A Assembléia Legislativa Provincial do Rio Grande do Sul (1835-1889): crônica histórica. Porto Alegre: CORAG, 2004. (Os 170 anos do Parlamento Gaúcho, v.1). p.25. 49

como se verifica em carta atribuída a Felipe Bethbezé de Oliveira Nery publicada no Jornal do Commercio: A Liga é o partido pessoal do Sr. Pedro Chaves, hoje barão de Quaraim e senador do Império. Criado sobre as ruínas das antigas opiniões políticas, ninguém lhe sabe ou conhece outra doutrina que não seja o predomínio de seu chefe.123

A justificativa para a preponderância conservadora era a de “acabar com os impasses políticos locais, tendo como objetivo trazer benefícios ao Rio Grande do Sul”.124 Em oposição, neste mesmo ano, organiza-se uma Contra-Liga, também congregando liberais e conservadores, porém, com o predomínio do elemento liberal. Participaram Manoel Marques de Souza – barão de Porto Alegre –, Manuel Luís Osório, Felipe Nery, David Canabarro e Oliveira Belo125. Na disputa entre os grupos políticos, a Liga foi mais exitosa, conquistando o domínio eleitoral da província até 1856, quando perdeu o poder porque sua adversária, a Contra- Liga, venceu o pleito. “Porém, em 1857, o barão de Porto Alegre [contra-ligueiro liberal] optou por aliar-se ao recém-nomeado presidente da província Ângelo Muniz da Silva Ferraz, que era conservador, criando uma nova facção na província chamada baronista, denominando aqueles que seguiram o barão de Porto Alegre”126 e o barão de Uruguaiana. Deste modo, os conservadores no Rio Grande do Sul se dividiram em três grupos que passaram a rivalizar. Como destaca Jonas Vargas, “fazia tempo que o barão de Porto Alegre disputava influência política dentro da Contra-Liga e este apoio ao presidente Ferraz foi uma das suas estratégias para conseguir vencer Belo”.127 Nesta mesma linha, Francisco Doratioto argumenta que o distanciamento de Porto Alegre dos contra-ligueiros e a criação de um terceiro grupo, o Partido Liberal Progressista, deu-se, sobretudo, por sua rivalidade política com Oliveira Belo. Marques de Sousa,

123 Fundação Biblioteca Nacional (doravante FBN). Jornal do Commercio. 10 de fevereiro de 1857. 124 RODRIGUES, Cíntia Régia. A política indigenista entre o Império e os primórdios da República: os nativos no Rio Grande do Sul. Revista Territórios e Fronteiras, v.1., n.2, jul./dez., 2008. p.157. 125 Conforme explica Jonas M. Vargas, Oliveira Belo era primo do então barão de Caxias. “Esta ligação familiar fez com que Lima e Silva apoiasse a facção de seu primo provocando uma dissidência com a ala liderada por Pedro Chaves. Em 1855, ano em que esta posição se consolidou, Belo foi nomeado chefe de polícia da província, acumulando, entre 1855 e 1856, o cargo de presidente da Província”. Cf. VARGAS, Jonas Moreira. Entre a paróquia e a Corte: uma análise da elite política do Rio Grande do Sul (1868-1889). 2007. 279 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007. p.49. 126 BOTH, Amanda Chiamenti. A trama que sustentava o Império: mediação entre as elites locais e o Estado imperial brasileiro (Jaguarão, segunda metade do século XIX). 2016. 119 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016. p.65. 127 VARGAS, 2007, p.52. 50

defendia a política de conciliação e buscou captar a adesão da alta oficialidade do Exército na província, invocando a necessidade de união em torno do presidente, devido à tensão nas relações entre o Império e o Paraguai. Porto Alegre lançou um manifesto, assinado por vários generais e coronéis, defendendo Ferraz.128

Com a divisão da Contra-Liga e distante dos conservadores do “partido da Liga”, Oliveira Belo ficou isolado e sofreu com as duras medidas impostas por Silva Ferraz. Sua insatisfação agora não era apenas com os ligueiros, mas também com o “terceiro partido”, o Liberal Progressista, que o presidente da província queria “proteger”.129 Como se observa, a chegada de Silva Ferraz foi bastante conturbada e agravou a fragmentação e tensão política instaurada na região desde o início da década de 1850 em virtude da disputa por cargos e acesso aos negócios do charque, o que resultou na (re)organização das alianças e pactos dos grupos da província. O conflito no Rio Grande do Sul, deste modo, demonstra como a unidade conservadora era frágil e suscetível quando os privilégios de uma parcela de seus membros, ou daqueles que representavam, era prejudicada. Apesar da disputa entre a Liga e a Contra-Liga se tratar de um conflito singular130, sua ressonância na Câmara dos Deputados, com deputado conservador atacando duramente o governo de seu partido, é elucidativa por evidenciar como os interesses regionais impactavam o posicionamento das lideranças políticas.131

1.2.2. Fragilidades na Câmara dos Deputados

Um mês após as divergências entre os conservadores do Rio Grande do Sul se avultarem na Corte, os dissídios entre setores distintos do Partido tornaram a conduzir os debates da Câmara. Em 19 de julho entrava em segunda discussão o projeto do orçamento do Império referente ao exercício 1859-1860. Nesta oportunidade, a tentativa de prolongamento da política de Conciliação do gabinete Olinda foi duramente criticada por um correligionário,

128 DORATIOTO, Francisco. General Osório: a espada liberal do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p.115. 129 PANIAGUA, Edson Romário Monteiro. A construção da ordem fonteiriça: grupos de poder e estratégias eleitorais na Campanha Sul-rio-grandense (1852-1867). 2012. 414 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós- graduação em História, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2012. p.39. 130 Sobre a historiografia gaúcha acerca da organização dos partidos da província no Brasil Imperial ver: VARGAS, Jonas Moreira. A política rio-grandense no Segundo Império: um balanço historiográfico. In: DOMINGOS, Charles Sidarta Marchado et al. Capítulos de História Política: fontes, objetos e abordagens. São Leopoldo: Oikos, 2018. 131 Muitos dos envolvidos nas contendas do Rio Grande do Sul foram importantes personagens da Liga nacional da década seguinte, a exemplo do barão de Porto Alegre, indicado como ministro no gabinete dos “Anjinhos” (24 de maio de 1862) e Francisco de Araújo Brusque, ministro da Marinha e da Guerra no gabinete 15 de janeiro de 1864. 51

Joaquim Otávio Nébias, que apontou divergências políticas dos membros do ministério e uma tentativa de retorno ao exclusivismo partidário. O Sr. Nébias: [...] Se do ministério desço para diversos membros que compõem a maioria que o sustenta, vejo a mesma divergência, os mesmos protestos. Quando o honrado Sr. ministro da marinha protestava em uma das sessões passadas que conservava-se sempre conservador, o ilustre deputado por Vassouras declarava como em represália, e de modo significativo, que sempre seria também liberal. O Sr. Martinho Campos: - Sempre fui, sou, e hei de ser. O Sr. Nébias: - Assim, pois, me parece que não é possível dar-se entre religiões tão diferentes o casamento misto (Risadas). [...] Os nobres deputados tenham a bondade de ouvir-me; depois tirem as conclusões. Se eu considero as manifestações especiais de alguns Srs. Ministros, ainda temo que a conciliação seja uma falsa bandeira. Não há muito tempo que o nobre Sr. ministro da justiça disse no senado, creio que parodiando até as palavras do Sr. Thiers: - Quem não está conosco é contra nós - ... 132

A insinuação de Nébias de que a política dita “conciliatória” já não assentava mais as decisões do gabinete não foi bem vista pelos ministerialistas que, de pronto, interpelaram o orador com uma série de apartes. Para ele, o ministério havia concedido muitos privilégios “as hosanas dos seus amigos”. Assim, o debate entre Nébias e o deputado do Maranhão, Cândido Mendes de Almeida demonstra com primazia o ponto de desacordo entre as frações conservadoras na Câmara. Enquanto o primeiro afirmava que a Conciliação já não se fazia presente pelas divergências entre os membros do gabinete, o segundo entendia que a maioria se via representar plenamente pela composição ministerial “conciliada”. O Sr. Nébias: Senhores, quando considero a marcha do governo começada pelo desacordo de seus dignos membros, eu tenho meus receios de que a política generosa da conciliação seja desnaturada, que a conciliação assim compreendida e verificada no país seja antes uma bandeira de paz com estragos de guerra, um pretexto para um exclusivismo novo. (Apoiados). Não se é possível casar as opiniões políticas dos membros do ministério, que outrora se achavam em divergência política... O Sr. Mendes de Almeida: - Hoje estão casados até civilmente. (Risadas). O Sr. Nébias: O honrado Sr. ministro da Marinha [José Antônio Saraiva] diz- nos que há de sustentar os princípios conservadores, ao passo que o honrado Sr. ministro da Fazenda [Bernardo de Souza Franco] protesta em sentido contrário...133

A discussão dos deputados revela que apesar de tentar dar prosseguimento à política de Conciliação inaugurada por Paraná, os gabinetes posteriores a essa administração se viram mais distantes da moderação partidária que se costuma atribuir a esse gabinete. Ainda quando

132 ACD. (t.3). Sessão de 19 de julho de 1858. p. 187-188, grifo nosso. 133 Ibid., p.189. 52

o conjunto do ministério congregasse políticos de distintas orientações, a ideia de “pureza” das legendas parecia retornar com força, mesmo a contragosto dos que ansiavam perpetuar o arrefecimento das rivalidades. A formação de uma fração oposicionista e seu embate com o gabinete aventa assim, para o acirramento das rivalidades entre os grupos conservadores discordantes que acreditavam ou não na sobrevivência da Conciliação: a ala de conservadores “puros”, menos flexível e a de conservadores “moderados” ou “conciliados”, de maior diálogo entre os distintos setores políticos. Apoiado por parlamentares contrários ao gabinete, a exemplo do pelotense Jacinto de Mendonça, que ainda se via incomodado com perda de privilégios em sua região em virtude da competição com a carne do Uruguai, Nébias adensou suas críticas. Recorreu a discordâncias emergentes na discussão da Câmara naquele ano, a exemplo da polêmica protagonizada por Oliveira Belo e Silva Ferraz, que no mês anterior havia causado desconforto pelas críticas da bancada de conservadores gaúchos. Em defesa do ministério houve poucas manifestações, a julgar pelas tímidas frases trocadas por Nébias com o ministro da Marinha, José Antônio Saraiva, que se encontrava no plenário. Para Nébias, a questão provincial havia sido deixada a sorte dos desmandos dos presidentes de províncias, que faziam “política pessoal por sua própria conta”, o que em sua acepção se assemelhava às atuais atividades do Parlamento. O Sr. Nébias: - As administrações das diferentes províncias são deixadas ao arbítrio de seus administradores; e se lá acontece o mesmo que no Parlamento geral, se aparece uma oposição, por mais leve que seja, aos governos provinciais, eles fazem a política por sua conta. (Apoiados da oposição). Se por ventura os diferentes partidos chegam a ter tal ou qual contato, a proceder com tal ou qual moderação, ainda bem; mas se aparece uma oposição ainda muito benévola, muito preventiva, os presidentes tratam de considerar logo como adversários aqueles que tem a ousadia de lhes dirigir algumas advertências, e não estarem em tudo e por tudo às suas ordens.134

Se na Câmara, a oposição ao ministério crescia, em novembro o Diário do Rio de Janeiro já evocava pela saída do gabinete e pela agilidade do Imperador em resolver a questão, que segundo o jornal se alongara demasiadamente. Em suas palavras: “Qual é pois a ideia do gabinete atual? Como não compreende que há muito soou a hora em que deve o país libertar dessa pesada e estéril direção que ele lhe dá?”135 O periódico prossegue, e sugere ainda conflitos no seio do próprio ministério: “O Sr. ministro da guerra136 insiste pela sua demissão, mas seus

134 Ibid., p.190, grifo nosso. 135 FBN. Diário do Rio de Janeiro. 27 de novembro de 1858. p.1. 136 Em 11 de julho de 1858, o ministro da Guerra, Jerônimo Francisco Coelho, foi substituído interinamente pelo ministro da Marinha, José Antônio Saraiva. Cf. BOULANGER, Luiz Aleixo (Org.). Demonstração das mudanças de ministros e secretários de estado do Imperio do Brasil de 1822-1863. Rio de Janeiro: E. & H. Laememert, 1864. 53

colegas, vendo nessa retirada uma inevitável queda, o forçam a continuar num cargo que tanto vexa e incomoda a S. Ex.”.137 Como se nota, tais discordâncias entre frações conservadoras se sobressaíram na Câmara de 1858 e no próprio ministério dificultando a administração Olinda, ainda que a oposição não se constituísse enquanto maioria. Este cenário contrariou os desejos da Fala do Trono daquele ano, na qual o Imperador discorreu: “Graças ao Todo Poderoso, o Império tem gozado de paz e tranquilidade. O espírito de concórdia e moderação, que tem presidido a política do meu governo, continua a produzir salutares efeitos”.138 Apesar do otimismo do Monarca, seriam justamente as dissonâncias evocadas no Parlamento que levariam à retirada do gabinete em dezembro.139 Como explicou Nébias, uma oposição qualquer, ainda muito branda e desinteressada, não agrada a governo nenhum do mundo, nem ao governo santo da conciliação, quer seja uma oposição pessoal, quer uma oposição oficial tendente a combater abusos, e menos uma oposição de rivalidade tendente a substituir o governo.140

Em substituição a Olinda, o “convertido conservador” Antônio Paulino Limpo de Abreu, visconde de Abaeté,141 foi convidado a compor o ministério (12 de dezembro de 1858), cuja tarefa também não foi fácil diante da herança que recebeu de seus antecessores. As principais questões se relacionavam ao interregno financeiro, como a autorização da “emissão bancária (42.036:00$ em 1857), com pluralidade emissora, levada a cabo pelo ministro da Fazenda de Olinda, Souza Franco (4 de maio de 1857 a 12 de dezembro de 1858)”142, visando atender à crescente demanda por dinheiro existente no Império. Como explica Carlos Gabriel Guimarães, a política emissionista de Bernardo de Souza Franco “coincidiu com a crise econômica mundial de 1857. A notícia da retomada das exportações russas de cereais, que eclodiu em Nova York com uma espetacular queda dos

137 FBN. Diário do Rio de Janeiro. 27 de novembro de 1858. p.1. 138 BRASIL. Fallas do Throno desde o ano de 1823 até o anno de 1889 acompanhadas dos respectivos Votos de Graças da CamaraTemporaria. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889. p.521. 139 IGLÉSIAS, 2004, p.88. 140 ACD. (t.3). Sessão de 19 de julho de 1858, p.190, grifo nosso. 141 Bruno de Almeida Magalhães, explica que a adesão de Limpo de Abreu a política de Conciliação e aos gabinetes conservadores que se seguiram, deu-se por sua adaptação a nova “contingência política”. Nos termos do autor, “tendo assistindo à formação de dois tradicionais partidos monárquicos e compartilhado das lutas entre eles travadas; conhecendo os motivos determinantes de seu aparecimento e os fatores que lhe alimentavam a existência, chegou a conclusão da desnecessidade da permanência dos mesmos, e tornou-se um adepto entusiasta da anistia partidária a bem do interesse nacional”. Cf. MAGALHÃES, Bruno de Almeida. O visconde de Abaeté. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939. p.254. 142 FAORO, 2012, p.489. 54

preços, repercutiu em cadeia pela Europa Ocidental atingindo bancos e bolsas”.143 Assim, as recomendações do Imperador ao novo presidente sobre estes problemas eram muito claras: Quanto à questão financeira, entendo que se deve proteger a instituição do Banco do Brasil mas, se se fizer lei regulando o estabelecimento das associações comerciais deve ficar livre a aprovação do governo, quando a natureza da Sociedade o exigir, relativamente ao número e lugar.144

Se as condições econômicas deixadas por Olinda a Abaeté não eram as melhores, no tocante a governabilidade não era diferente, pois muitos políticos ficaram receosos em relação à estabilidade do novo gabinete. Assim, poucos meses após assumir a presidência do Conselho, além de lidar com as finanças públicas, Limpo de Abreu sofreu com baixas nos governos provinciais. Nos primeiros meses de sua administração quatro presidentes solicitaram a saída do cargo. Em 19 de fevereiro pediram exoneração os presidentes do Paraná, Francisco Liberato de Matos, da Paraíba, Henrique de Beaurepaire Rohan e de Alagoas, Ângelo Tomás do Amaral. Em 12 de abril foi a vez de Saraiva, então presidente de Pernambuco, que justificou sua retirada em decorrência da crise ministerial que atingia o governo.145 Não bastasse os desarranjos regionais, neste mesmo mês, os resumos das Conferências Ministeriais apontam para dificuldades do ministério em outras nomeações, a exemplo da carta do presidente do Rio Grande do Sul, Conselheiro Ferraz146, que negou a assunção ao cargo de Inspetor da Alfândega da Corte.147

143 GUIMARÃES, Carlos Gabriel. O Banco Mauá & Cia. (1854-1878): um Banco no Brasil do século XIX. In: SZMRECSÁNYI, Tamás; MARANHÃO, Ricardo. História de Empresas e Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Hucitec; Abphe; Edusp; Imprensa Oficial, 2002. p. 304. 144 Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (doravante IHGB). Acréscimos às Biografias de D. Pedro I e D. Pedro II (Parte II). Série Produção Intelectual de Hélio Vianna. DL 1361.014. Também disponível no Jornal do Comércio. 12 de junho de 1964. p.4. 145 As alterações nas presidências de províncias realmente efetuadas foras as seguintes: Francisco Liberato de Mattos foi nomeado em 11 de novembro de 1857 e substituído por José Francisco Cardoso em 2 de maio de 1859. Henrique de Beaureapaire Rohan, depois visconde de Beaurepaire Rohan, assumiu a presidência da Paraíba em 9 de dezembro de 1857 e foi substituído por Ambrósio Leitão da Cunha, depois barão de Mamoré, em 4 de junho de 1859. Em Alagoas, Ângelo Thomaz do Amaral assumiu em 19 de dezembro de 1857 e foi substituído por Agostinho Luís da Gama em 16 de abril de 1859. José Antônio Saraiva foi nomeado em Pernambuco em 27 de janeiro de 1859 e substituído por Luís Barbalho Muniz Fiuza, depois barão do Bom Jardim, em 15 de outubro de 1859. Cf. BRASIL. Câmara dos Deputados. Organisações e programmas ministeriaes desde 1822 a 1889: notas explicativas sobre moções de confiança, com alguns dos mais importantes Decretos e Leis, resumo historico sobre a discussão do Acto Addicional, Lei de Interpretação, Codigo Criminal, do Processo e Commercial, lei de terras, etc., etc., com varios esclarecimentos e quadros estatísticos. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889. 146 Na análise das Conferências Ministeriais observa-se a preocupação com a nomeação do cargo de Inspetor da Alfândega da Corte. Em 4 de fevereiro, o primeiro item de discussão referia-se a negativa do Conselho Ferraz para a função e a exposição de seus motivos. Em 18 de fevereiro, o assunto retorna a pauta. Apresentam-se então, para a escolha do imperador, os nomes do Conselheiro Herculano Ferreira Pereira, Paulino José Soares de Souza, Jerônimo José Teixeira Júnior, Conselheiro José Pedro Dias de Carvalho e Francisco de Paula Negreiros Saião Lobato. Cf. Arquivo Histórico do Museu Imperial (doravante AHMI). Resumo de Conferências Ministeriais do ano de 1859. Coleção da Casa Imperial do Brasil (CIB). Maço 128, Documento 6329. 147 AHMI. Resumo de Conferências Ministeriais do ano de 1859. Coleção da Casa Imperial do Brasil (CIB). Maço 128, Documento 6329. 55

Apesar de uma perda progressiva de prestígio, a ação deste gabinete foi a de colocar em andamento alterações na política econômica de Olinda, agora sob comando do ministro da fazenda Sales Torres Homem. Como discorre Sérgio Buarque de Holanda, “tinha Sales ideias próprias sobre a questão financeira, que se opunham em tudo às de Souza Franco, e deixou transparece-las nas críticas que da tribuna lhe dirige”.148 O novo ministro, era ex-liberal149 e, também “convertido” ao conservadorismo. Principal opositor de Souza Franco, era defensor do monometalismo e da centralização bancária. Neste sentido, a principal medida proposta por ele foi a reforma bancária, projeto de lei nº 50, apresentado à Câmara em 15 de junho de 1859, que “reafirmava os postulados do padrão-ouro e insistia no retorno do monopólio de emissão do Banco do Brasil”.150 Levada a plenário para primeira discussão em 8 de junho, os debates se alongaram e salientaram as intervenções do barão de Mauá, que via prejuízo aos seus negócios em franca ascensão, porquanto “a partir da década de 1850, além da atividade industrial, a ação de Irineu Evangelista de Souza foi guiada pelo binômio banco-serviços”151. Sua amizade com o antigo ministro Souza Franco, com quem partilhava a ideia de que “somente a proliferação de bancos emissores facilitaria o crédito a longo prazo, canalizando os recursos ociosos do setor produtivo”152, agora não era bem vista por uma parcela de políticos. Neste sentido, um dos principais aspectos que incendiaram as discussões referia-se ao papel do Poder Legislativo na aprovação dos bancos de emissão. Sales Torres havia firmado “o princípio de que só ao legislativo competia autorizar novos bancos emissores ou prorrogar o prazo dado àqueles que já existissem, enquanto a lei não marcasse regras que o executivo deveria seguir no exercício dessa faculdade”.153 Nesta lógica, as compreensões díspares da fala

148 HOLANDA, 2010, p.64. 149 Segundo Sacramento Blake, Francisco de Sales Torres Homem, “tendo pugnado em favor da conciliação dos partidos políticos, inaugurada pelo marquês de Paraná, na propaganda dessa política, e sendo nomeado chefe de uma das diretorias do tesouro nacional, os liberais o agrediram com veemência por ter ele aceitado o cargo. Molestado por censuras e doestos que lhe atiravam, ao tempo que tivera uma divergência em matéria de finanças com o conselheiro Bernardo de Souza Franco, um dos chefes liberais, ostentando-se ele em favor da escola restritiva, de que era representante no Brasil o visconde de Itaboraí, um dos chefes conservadores, e quando era afagado pelos conservadores que o elegeram deputado pelo Rio de Janeiro, em 1857, aliou-se então com estes, e fez parte do ministério presidido pelo visconde de Abaeté em 1858 com a pasta da Fazenda”. Cf. BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Diccionario bibliographico brasileiro. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1883- 1902. (v.3). p.115. 150 GUIMARÃES, Carlos Gabriel. A presença inglesa nas finanças e no comércio no Brasil Imperial: os casos da Sociedade Bancária Mauá, MacGregor & Cia. (1854-1866) e da firma inglesa Samuel Phillips & Cia (1808-1840). São Paulo: Alameda, 2012. p.194. 151 MOMESSO, Beatriz Piva. Mauá: um empresário na sociedade escravista. In: CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira; BRANDÃO, Rafael Vaz da Motta. Os Donos do Capital: a trajetória das principais famílias empresariais do capitalismo brasileiro. Rio de Janeiro: Autografia, 2017. p.30. 152 GUIMARÃES, 2002, p.304. 153 HOLANDA, 2010, p.64. 56

do ministro foram o mote de discussão deste dia, indicando certas preferências dos deputados no tocante ao caminho das finanças públicas. A este exemplo, a insinuação do conservador Teixeira Júnior indica pejorativamente a aproximação de Mauá com Souza Franco e os benefícios que este havia tido com a política econômica adotada pelo antigo ministro da Fazenda.154 O Sr. Teixeira Júnior: [...] – Voto pelo projeto, porque vedando ao poder executivo a prática abusiva de prodigalizar a faculdade de emissão... O Sr. Carrão: – O poder executivo está no seu direito procedendo assim. O Sr. Teixeira Júnior: – Está no seu direito? O Sr. Carrão: – Sim, senhor, porque o poder legislativo autorizou isso pelo seu silêncio. O Sr. Barão de Mauá: – Abra o código do comércio. O Sr. Teixeira Júnior: – É justamente no código do comercio que se fundou o chefe da escola a que pertencem os nobres deputados para proibir o uso desse pretendido direito: é na constituição política que o Sr. conselheiro Souza Franco se baseou para demonstrar que a aprovação de bancos de emissão só pode ser dada pelo poder legislativo. (Apoiados). 155

Apesar das tentativas de engavetar o projeto do governo, a matéria foi a votação nominal no fim desta sessão, sagrando-se aprovada por uma diferença de apenas onze votos, 61 a 50, demonstrando certa inabilidade do gabinete no encaminhamento de propostas polêmicas. Em carta confidencial de Abaeté remetida ao Imperador no dia seguinte, este comentou a dificuldade em consagrar a questão na Câmara. Não houve meio, a que não recorrem a coligação dos interesses particulares para sobrepor-se aos tais princípios da ciência econômica, para conservar a posse de pretendidos direitos, que prejudicariam gravemente os interesses públicos, para desvairar a opinião do país, e para alucinar a inteligência da Câmara. Todos estes meios foram baldados, e a Câmara dos Srs. Deputados acaba de dar mais uma prova irrefragável de sua ilustração e firmeza sancionando com seu voto a medida a que refiro.156

Não obstante a vitória na votação, que contou com a desaprovação de muitos conservadores, como Saraiva e Sá e Albuquerque, uma minuta de carta do presidente do Conselho ao Monarca, datada de alguns dias após a discussão da Câmara, torna a discorrer sobre as dificuldades encontradas pela medida fora do Parlamento, em especial a conjuntura de oposição que se formatava nas províncias. Os adversários que o projeto encontra fora das Câmaras tem envidado todos os meios para contrariá-lo, para [aparentar] que a opinião do país o repele.

154 As relações entre o barão de Mauá e Bernardo de Souza Franco são explicadas no capítulo 3. 155 ACD. (v.3). Sessão de 8 de julho de 1859. p.74. 156 AHMI. Carta de Antônio Paulino Limpo de Abreu (visconde de Abaeté) à d. Pedro II, 9 de julho de 1859. Coleção da Casa Imperial do Brasil (CIB). Maço 127, Documento 6312. 57

Para este fim esforçam-se por obter em algumas províncias representações de diferentes Corporações, e cidadãos, e alguns tem sido já apresentadas à ambas as Câmaras Legislativas.157

As missivas nos dão a tônica das atribulações encontradas por Abaeté em colocar em execução as propostas do governo, pressionado pelos setores financeiros prejudicados com o retorno ao exclusivismo de emissão. Da mesma maneira, indicam sua preocupação em informar o Imperador e ressaltar seus esforços para encaminhar o programa ministerial, quase rogando pela sobrevida de sua administração. Entretanto, com a perca de confiança por parte de seus pares, o prosseguimento do gabinete tornou-se insustentável, fazendo com que pedisse demissão antes mesmo de uma contestação no Parlamento.158

1.2.3. Fragilidades no governo: os gabinetes Ferraz e Caxias-Paranhos

Em seu lugar assumiu Ângelo Moniz da Silva Ferraz que, observando a fragmentação dos conservadores, procurou reestabelecer os laços entre as distintas facções do Partido. Figura conhecida pela oposição feita ao marquês de Paraná, abrandada com a conquista de vaga no Senado, sua notabilidade o credenciou para a função, “quando os grandes nomes do Partido Conservador estavam gastos ou não se dispunham a aceitar a incumbência”.159 No entanto, se a administração Ferraz no Rio Grande do Sul reavivou as rivalidades entre a liga provincial e o Partido Conservador, foi em seu gabinete (10 de agosto de 1859), que a arquitetura de uma Liga nacional passou a se estruturar entre os quadros conservadores. Sua atuação no governo demonstrou com clareza as fissuras na unidade do Partido e permitiu que, em 1860, as divisões provinciais se ampliassem para a esfera nacional. Este ano seria marcado pela primeira eleição regulamentada pela segunda Lei dos Círculos160, que aumentava o quantitativo de deputados gerais de 118 para 122 e dividia as províncias em distritos eleitorais de três deputados. Diferentemente do posicionamento adotado no Rio Grande, a política seguida pelo ministério Ferraz visou o reagrupamento das diferentes frações

157 AHMI. Carta de Antônio Paulino Limpo de Abreu (visconde de Abaeté) à d. Pedro II (minuta), 22 de julho de 1859. Coleção da Casa Imperial do Brasil (CIB). Maço 127, Documento 6312. 158 HOLANDA, 2010, p.65. 159 IGLÉSIAS, 2004, p.95. 160 Em 19 de setembro de 1855, a nova lei eleitoral elaborada pela Assembleia geral foi assinada pelo imperador, porém não revogou a lei de 19 de agosto de 1846. Com vinte artigos, ficou conhecida como primeira Lei dos Círculos, uma vez que seu § 3º dizia que “as províncias do Império serão divididas em tantos distritos eleitorais forem os seus deputados à Assembleia Geral”. Em 18 de agosto 1860, um decreto imperial – conhecido como segunda Lei dos Círculos – alterou a lei de 19 de agosto de 1846 e a primeira Lei dos Círculos. As principais modificações foram o aumento do número de deputados – nenhuma província poderia ter menos de 2 eleitos – e a alteração na divisão dos distritos eleitorais, que agora passariam a círculos de três deputados. Cf. FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. Brasília: Senado Federal, 2001. p.192-198. 58

de seu partido, tendo em vista a aproximação do pleito e a manutenção dos conservadores no poder. Todavia, uma lei financeira de forte impacto no cenário comercial do Império colocou por terra seus planos, acentuando ainda mais as dissidências. A crise desencadeada pelo gabinete iniciou-se cerca de um mês após Ferraz assumir o posto, quando uma série de decretos que afetavam os estabelecimentos bancários foram lançados. As recomendações do Imperador sobre as finanças foram as seguintes: A respeito da questão bancária, apenas direi por escrito reservando as explicações para uma conferência, que sempre esposei as ideias econômicas do projeto votado na Câmara dos Deputados, havendo divergido quanto a forma interpretativa.161

Entre as normativas empregadas, destaca-se o decreto nº 2490 de 30 de setembro, que regulava “a fiscalização e arrecadação do selo, que estavam sujeitos o capital das companhias e sociedades anônimas, como também as transferências de suas ações, notas promissórias, bilhetes, vales, obrigações e cautelas”.162163 Alguns meses após os ajustes, em carta ao Imperador que viajava pela costa leste do Brasil, Ferraz empreendeu um minucioso levantamento expondo as condições das instituições bancárias nos últimos meses do ano, tentando tranquiliza-lo a respeito das celeumas políticas referentes às medidas econômicas.164 [...] O Banco da Bahia que em um ofício dirigido a Tesouraria afirmava que sua emissão seria reduzida por força do selo hoje grita que é irremediável sua liquidação para deste modo atuando sobre os seus devedores granjear proveitos para sua causa – E o mais é, Senhor, que alguns homens, que pela sua ilustração, e posição deviam operar em sentido contrário secundam essa grita. O Banco do Rio Grande do Sul cassou sua emissão que toda era de notas de 10$ - Nessa Província que as onças se acham de 35 à 36$, e o comercio de bestas quase paralisados. O Banco Comercial e Agrícola vai substituindo, ainda que devagar, sua emissão de pequenos valores – O Banco Rural e Hipotecário já tem quase toda a emissão de pequenos valores substituída, e a tem contraído – O Banco do Maranhão só tem 680 contos de reis de emissão, sendo quase toda de bilhetes de 50$ - Nada por ora seu sobre o Banco do Pará.165

161 IHGB. Acréscimos às Biografias de D. Pedro I e D. Pedro II (Parte II). Série Produção Intelectual de Hélio Vianna. DL 1361.014. (Também disponível no Jornal do Comércio. 12 de junho de 1964. p.4.). 162 GUIMARÃES, 2012, p.197. 163 Em termos concretos, o decreto “reforçou a política de Ferraz de restrição ao crédito e aos estabelecimentos bancários” Cf. GUIMARÃES, 2012, p.197. 164 Cf. AHMI. Diários do imperador d. Pedro II. v.3. Viagem à costa leste- 2ª parte (Pernambuco). 19/11 a 23/12/1859. 165 AHMI. Carta de Ângelo Muniz da Silva Ferraz à d. Pedro II, 29 de novembro de 1859. Coleção da Casa Imperial do Brasil (CIB). Maço 127, Documento 6325. 59

Apesar de advogar a seu favor, como se observa, a situação bancária não era satisfatória e inspirava cuidados por parte da administração imperial, o que não escapou à visão dos parlamentares conservadores contrários a política econômica instaurada pelo ministério. Iglésias argumenta que a tentativa de unificação praticada por Ferraz era apenas aparente, pois as divergências intrapartidárias serviram como combustível para reascender a oposição dos liberais. Fora do poder desde o gabinete Paula Souza (31 de maio de 1848), eles agora contavam com o apoio de importantes centros urbanos como São Paulo, Rio de Janeiro e Ouro Preto, onde se manifestavam por uma política financeira menos restritiva.166 Aparentemente Ferraz tinha unido o partido Conservador e extremado o Liberal que se insinuava nas suas fileiras, que grande resultado não era esse! Mas para quem observava bem os acontecimentos, ao passo que a ressureição do antigo liberalismo era visível e certa, a união conservadora era superficial e ilusória. O Gabinete não tinha senão aprofundado a separação do Partido Conservador; este iria às urnas sob a bandeira ministerial, mas para aparecer na futura Câmara cindido em duas frações, uma das quais seria o núcleo do novo partido.167

Se os decretos não agradaram a importantes setores conservadores, a promulgação da Lei nº 1083 de 22 de agosto de 1860 piorou as condições de sobrevivência do gabinete. Conhecida como Lei de Entraves, “autorizou o funcionamento de bancos emissores exigindo a obrigatoriedade da conversão das suas notas em ouro (em moeda ou barras); definiu o limite da emissão até o dobro disponível”168 e impôs “maior rigor para a constituição de sociedades anônimas, que, além de dependeram da autorização do Governo, passaram a depender também do Conselho de Estado”.169 De acordo com Raymundo Faoro, o resultado foi a retração do papel moeda e “a diminuição do valor global, sem que, em 1862, dois bancos do Rio de Janeiro pudessem realizar o troco das notas em ouro, resultando daí, com a fusão ao estabelecimento oficial, o quarto Banco do Brasil, de fato o único emissor”170, o que provocou a contratura do mercado financeiro, acarretando a falência de algumas empresas. Como destaca Carlos Gabriel Guimarães, os principais beneficiados por esta medida seriam os grupos agrário-exportadores, “que não eram favoráveis à instabilidade econômica gerada por políticas que beneficiassem aos interesses mercantis urbanos”171.

166 IGLÉSIAS, 2004, p.100. 167 NABUCO,1897, t.2, p.73. 168 SOUZA, Silvia Cristina Martins de. Crise! Crise! Crise! A quebra da Casa Souto nas letras de lundus compostos no Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX. Topoi, Rio de Janeiro, v. 15, n. 29, jul./dez., 2014. p.596 169 GUIMARÃES, 2002, p.305. 170 FAORO, 2012, p.490, grifo do autor. 171 GUIMARÃES, 2002, p.305. 60

O resultado desta política restritiva do crédito consistiu na retração do sistema bancário, de tal forma que entre os anos de 1861-1863, foram organizados somente cinco casas bancárias e bancos, sendo que dois bancos eram de origem inglesa, e houve um aumento do número de falências das casas comerciais da Praça do Rio de Janeiro, chegando ao número de 105 em 1862.172

Como decorrência destas ações do governo, “surgiram os primeiros bancos britânicos no Brasil. A nova legislação, que exigiu o lastro-ouro para emissões, concorreu para os interesses ingleses em operar num mercado em que a conversibilidade da moeda garantisse seus interesses”.173 Se no plano financeiro a política econômica restritiva cooperava para o monopólio de importantes atividades econômicas, no partidário ela contrariava a oposição de liberais e uma parcela de conservadores. De acordo com Silvana Mota Barbosa, “parecia ter sido o ingrediente que faltava para as mudanças partidárias do início dos anos 1860”.174 A insatisfação com o ministério Ferraz levou ao fracionamento total do Partido Conservador – agora divido entre “puros” e “moderados” –, tencionado com o resultado das eleições que marcaram o retorno de lideranças liberais à Câmara, como Teófilo Ottoni, conhecido por seu radicalismo no período regencial. A este exemplo, em junho de 1860, Francisco Otaviano incitou o presidente do Conselho a se pronunciar sobre a alegada maioria parlamentar do gabinete na Câmara. A primeira vez que falei nesta casa pedi com muita instância, animado do zelo que tenho pela glória do Sr. presidente do conselho, que S. Ex. se pusesse francamente à testa da maioria que o deve acompanhar; S. Ex., entretanto parece que espera o dia por dia que a maioria lhe aponte o caminho e lhe faça recriminações.175

Respondendo a provocação feita por Otaviano, Ferraz indicou a dificuldade de governar “todas as vezes que os partidos não se acham bem discriminados; todas as vezes que os partidos não estão bem disciplinados; todas as vezes que um país não conhece opiniões fixas, não obstante existirem os partidos”.176 A situação não perduraria por muito tempo. Tendo em vista a progressiva dificuldade e perda de confiança, assim como Abaeté, Ferraz pediu demissão antes mesmo da reunião do Parlamento. Assumiu em seu lugar o marquês de Caxias, que em conjunto com José Maria da Silva Paranhos, futuro visconde de Rio Branco, organizou o novo gabinete (2 de março de 1861).

172 GUIMARÃES, 2012, p.199. 173 GUIMARÃES, 2002, loc. cit. 174 BARBOSA, 2009, p.296. 175 ACD. (v.1.) Sessão de 16 de junho de 1860. p.225. 176 Ibid., p.226. 61

O ministério demorou a se constituir integralmente e tentou aparentar comedimento convidando às cadeiras apenas políticos conservadores, majoritariamente deputados. Além de seu presidente, que acumulava a pasta da Guerra, contava com os também conservadores “puros”: Francisco de Paula Negreiros de Saião Lobato, no Império e na Justiça, João Maria da Silva Paranhos na Fazenda e nos Negócios Estrangeiros e Joaquim José Inácio na Marinha e na Agricultura. Compuseram ainda em nova organização do gabinete, os conservadores “moderados”: José Antônio Saraiva no Império e Antônio Coelho de Sá e Albuquerque nos Estrangeiros, que protagonizaram a primeira baixa ao deixarem seus cargos em menos de três meses, logo substituídos por José Ildefonso de Souza Ramos e Benevenuto Augusto de Magalhães Taques. Estes dois deputados dissidentes, como já se apontou, há algum tempo se afastavam do núcleo dos conservadores “puros”, a julgar a tendência de votar com parlamentares liberais. Deste modo, como se nota, a situação do ministério não era simples e na Câmara, sucessivamente, perdia maioria, fato que não escapou aos liberais, sob liderança de Ottoni. Em discussão sobre o orçamento, a crítica à política econômica adotada por Ferraz voltou à pauta, agora endossada não apenas pelos liberais, mas também pelos conservadores “moderados” que se encaminhavam para a oposição. A este respeito, Ottoni se pronunciou nos seguintes termos: Sr. presidente, eu aceito, como não podia deixar de aceitar, a lei de 22 de agosto de 1860, lei do Estado tanto como o é a lei de 3 de dezembro de 1841; mas nem por isso posso deixar de considerar a decretação dessa lei como uma grande calamidade para o país. (Apoiados) Aceitando porém, como não podia deixar de aceitar, a execução do que decretou o corpo legislativo, devo apelar para o nobre ministro afim de que ao menos se anulem ou se alisem um pouco as demasiadas asperezas da execução dessa lei. Parece-me que em alguns dos regulamentos o governo foi evidentemente além do que o legislador tinha decretado.177

Se o cenário era desfavorável com a perda de aliados na Câmara, os dirigentes do gabinete possuíam fôlego para o enfrentamento, conseguindo sobrevida até meados do ano seguinte. No entanto, com fileiras enfraquecidas, somada à inabilidade dos ministros, em votação de uma “questão de confiança” em maio de 1862 as pretensões de Caxias e Paranhos foram a cabo pelas mãos de antigos correligionários. Em um movimento político, figuras de importância no Partido Conservador como Nabuco de Araújo, no Senado, e Zacarias de Góes e Vasconcellos, na Câmara, tomaram o poder pela recém-formada Liga de “moderados” e

177 ACD. Sessão de 16 de agosto de 1861. p.170. 62

liberais. Sob o lema do progressismo, fizeram oposição aos “puros” e com pequena margem os alijaram da administração do Estado. Como ressaltou Tito Franco de Almeida, Graças a esta evolução, a grande maioria conservadora desaparecia da Câmara depois de uma sessão apenas; conseguintemente o Gabinete de 2 de março, presidido pelo marquês de Caxias, caia em pedaços ao estampido das picaretas, que dirigiam os imperialistas!178

1.3. Entre liberais e “moderados”: Zacarias e a Liga Progressista

A crise que levou à demissão do gabinete Caxias-Paranhos teve como protagonista na Câmara, Zacarias de Góes e Vasconcellos, figura de respeito no Partido Conservador que já havia presidido províncias do Império, como o Piauí (1845-1847) e o Sergipe (1847-1849). Nas últimas décadas se celebrizara como ministro da marinha do gabinete Rodrigues Torres (11 de maio de 1852), e devido à sua boa atuação, foi escolhido por Honório Hermeto para instalar uma nova província, o Paraná, em 1853. Apesar de dialogar com parlamentares de distintas orientações, quando deputado nunca se inclinou para a ala dissidente de seu Partido, sendo até então, considerado como um conservador “puro”. A este exemplo, em discurso proferido em julho de 1861, discorreu sobre a necessidade da manutenção de apenas dois partidos, o Conservador, encarregado da ordem e o Liberal por “zelar os direitos populares, promover inovações, estimular o progresso, etc.”, tecendo duras críticas à parcialidade que se esboçava nas fileiras de seu partido. A Liga, se conta na alta administração do Estado em número igual de homens de um e outro partido, nada produz que seja de préstimo; porque, assim como em mecânica o equilíbrio é inércia, assim em política a combinação de elementos opostos em proporções iguais traz consigo esterilidade. Se na Liga entram mais homens do estado de uma crença que de outra, a minoria é levada a reboque pela maioria, e sacrifica-se. Eu só compreendo a Liga, Sr. Presidente, como uma combinação transitória e de circunstância, e nada mais: pode havê-la entre nós, como tem havido em, todos os países; mas não é combinação própria do estado normal das sociedades. Em meu humilde modo de pensar, senhores as coisas só marcham para em regra, o sistema constitucional só funciona normalmente quando ou só conservadores ou só liberais dirigem, na suprema administração, os destinos do Estado, mas isso sem excluir a presença, as advertências e as censuras dos seus adversários.179

A tônica do argumento de Zacarias é pela participação dos distintos partidos, mas pela supremacia de apenas um deles na gerência do Estado, o que se configurou na política conciliatória dominada pelos conservadores em seus mais variados graus e que também se

178 ALMEIDA, 1867, p.152. 179 ACD. 5 de julho de 1861 (apêndice). p.91, grifo nosso. 63

confirmou na experiência administrativa da Liga Progressista. Outro aspecto importante evocado por ele refere-se a sua contrariedade sobre a troca de posicionamentos políticos, revivescida nesta sessão por alguns parlamentares. Se algum resquício da moderação partidária da Conciliação insistia em retornar às discussões em vozes isoladas, para ele, pelo contrário, era momento de retorno às proposições originais das legendas, cada qual desempenhando seu papel no arranjo político do Império. Em seus termos: Dizer que o partido conservador é o partido progressista do país, é não atender a índole desse partido, que como o seu nome indica, prima pelo apego a tradição e a estabilidade. Seria como dizer que o partido liberal do país é por excelência o partido da ordem e do princípio da autoridade. Nem é só em nosso país que tais partidos existem com tendências que tenho referido, onde quer que se ache em prática o regime representativo esses dois partidos se encontram, embora com as modificações próprias dos tempos e lugares. Direi mesmo que um partido com tendência a estabilidade e outro ao movimento não só existem em todos os países livres e são inerentes à política, mas se encontram, como se exprime Macaulay, na literatura, nas belas artes, na ciência, na medicina e artes mecânicas, na navegação e agricultura, até nas matemáticas. Eis as palavras do grande historiador: ‘Em toda parte existe uma classe de homens que se afeiçoam com paixão de tudo que é antigo, e que quando razões irresistíveis os convencem de que uma inovação é salutar, consentem nela, mas sempre com receio. Há também por toda parte outra classe de indivíduos ardentes em suas esperanças, cheios de ousadia em suas teorias, sempre dispostos a inovações, etc.180

Inspirado pelas traduções das obras de Thomas Macaulay realizadas por Guizot181, apontado pelos biógrafos como seu autor preferido, Zacarias recorre ao historiador inglês para posicionar sua fidelidade à matriz conservadora e ressaltar a imprescindível necessidade do bipartidarismo, que conferia certa versatilidade às ideias políticas. Demonstra, porém, que apesar de conservador estava aberto ao “novo”, quando este fosse prudente e imperativo. Assim, este discurso de Zacarias, apontado por seus pares quase como manifesto anti-liga, ambiguamente também registra indícios de sua disponibilidade quando as modificações fossem importantes e urgentes, porém mediante a condição de serem regidas pelo espírito conservador. Isto se evidenciará nos gabinetes da Liga, nos quais, mesmo decididos a empreender cessões aos liberais não se desvincularam de uma matriz conservadora, embora flexibilizada. O debate e as ponderações são permitidos por ambas as partes, contanto que o remate das ações de

180 Ibid., loc. cit., grifo nosso. 181 Segundo Marisa Midori Daecto, François Guizot traduziu diversas obras de Macaulay, com quem “estreitou relações de amizade, na época do exílio na Inglaterra”. Destacam-se as traduções de Essais sur l’histoire de l’Angleterre, Essais littéraires e Histoire et critique. Cf. DAECTO, Marisa Midori. Anatole Louis Garraux e o comércio de livros franceses em São Paulo (1860-1890). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 28, n. 55, Jun. 2008. p.104. (ver nota 4). 64

governo seja dado em consonância com a opinião dos dirigentes oriundos do Partido Conservador. Se em seu discurso demonstra certa abertura, sem se desvincular da proeminência conservadora, sua aproximação a alguns liberais demonstra sua habilidade de adaptação a diferentes conjunturas, em um movimento de construção de alianças. As cartas recebidas por ele acerca das eleições gerais na província do Paraná sustentam este argumento. Como já mencionado, Zacarias foi escolhido por Honório Hermeto para empreender a instalação do governo provincial do Paraná, criado pelo decreto nº 704 de 29 de agosto de 1853. Ele fazia parte, como ressalta Wilson Martins, da nova geração que passava a comandar a política brasileira, no que a carreira de Zacarias propõe o que se pode ter como demonstração gráfica: era um dos ‘homens novos’ do gabinete de Conciliação e seria um dos políticos mais eminentes do Segundo Reinado, os que passaram de então por diante a governar o país.182

De acordo com Túlio Vargas esperava-se que a implantação fosse concedida ao deputado Cruz Machado. Porém, a presidência foi destinada a Zacarias de Góes que também apoiava a campanha do desmembramento da província e possuía excelentes credenciais para o exercício da função.183 Como argumenta Alessandro Cavassin Alves, “os partidos políticos no Paraná eram grandes alianças familiares. Mas igualmente, representavam interesses, por vezes específicos, que os levavam a batalhas eleitorais ou até mesmo físicas”.184 Para este autor, o êxito nos pleitos servia para robustecer os “investimentos do Estado necessários às suas atividades econômicas”185, conseguidos por meio de cargos públicos estratégicos. Sem vínculos pessoais com a política paranaense, sob domínio de grandes famílias que rivalizavam pelo poder, ele, “um homem de fora”, teve que se amoldar a situação em que se encontrava. Entre as alianças formuladas destaca-se aquela com um dos principais políticos do Partido Liberal no Paraná, Jesuíno Marcondes de Oliveira e Sá, filho de José Caetano de Oliveira – barão de Tibagi –, expoente criador de gado e muares em Palmeira (região dos Campos Gerais).186 Jesuíno era um político muito jovem e havia tentado se eleger em 1854 para a Câmara, quando sagrou-se o segundo mais votado. Porém, como o Paraná só possuía uma

182 MARTINS, 1999, p.23. 183 VARGAS, 2008, p.55. 184 ALVES, Alessandro Cavassin. A província do Paraná (1853-1889): A classe política. A parentela no governo. 2014. 495 f. Tese (Doutorado) - Curso de Pós-graduação em Sociologia, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014. p.35. 185 Ibid., loc. cit. 186 SANTOS, Zeloi Martins dos. Visconde de Guarapuava: um personagem na história do Paraná. 2005. 208 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005. p.58. 65

vaga, não pôde representar a província. “Apesar de não vencer como deputado geral, foi escolhido, na mesma eleição, para deputado provincial, além de ter sido nomeado como secretário do presidente Zacarias de Góes e Vasconcellos”.187 Esta experiência fez com que em 1857, enfim, conseguisse uma cadeira na Assembleia geral e, em 1861 tentasse se reeleger. A correspondência passiva de Zacarias permite-nos observar que desde as eleições para 10º legislatura (1857-1860)188, uma quantidade significativa de missivas faz menção ao apoio de Zacarias ao filho do barão de Tibagi.189 Contudo, avultam as referentes ao pleito da 11ª legislatura (1861-1863), na qual Zacarias seria eleito pela província que fundara. Em sua passagem pelo Paraná, além de acumular desafetos e adversários, Zacarias conquistara o respeito e deferência de uma parcela importante de políticos, tanto conservadores, como liberais. As modificações estruturais proporcionadas à região, a exemplo do desenvolvimento da estrutura das cidades, a instrução e a higiene pública, foram determinantes para que se consagrasse como autoridade adotada pelas elites dirigentes.190 A este respeito, duas correspondências anteriores à eleição que o sagrou deputado em 1860 são dignas de nota. Em carta “reservadíssima” do presidente da província, José Francisco Cardoso, em setembro de 1860, sobreleva o indicativo de apoio daquele político ao Conselheiro, tendo em vista a eleição para a Câmara. Nesta oportunidade, Cardoso também ressalta seu apoio a Jesuíno e pede a ajuda de Zacarias para o bom andamento da campanha. V. Ex. já sabe meu juízo sobre o Dr. Jesuíno, e reconhece sem dúvida o prestígio da família a que pertence, a qual é toda devotada em extremo à causa de V. Ex. Sendo assim já vê V. Ex., a necessidade de prestar ao Dr. Jesuíno, todo o apoio eficaz e poderoso de que V. Ex. dispõe, no sentido de prevenir, contra qualquer intruso préstimo e importuno, dificuldades que prejudiquem o legítimo e regular andamento das coisas. [...] Ainda uma vez repito, a aliança de V. Ex., há de triunfar sem contestação alguma. A província o acolhe de braços abertos, e creia V. Ex. que contrariá- la, é não apreciar as coisas daqui.191

187 Ibid., p.45. 188 Os períodos que compõem cada legislatura podem ser consultados no Anexo A (p.237) e as mudanças ministeriais entre 1857 e 1868 no Anexo B (p.238). 189 Sobre estas correspondências ver: AHMI. Coleção Zacarias de Góes e Vasconcelos (ZGV). (I-ZGV- 00.12.1856-Car.c). Carta de José Antônio Vaz de Carvalhais a Zacarias de Góis e Vasconcelos. Curitiba, dezembro de 1856. (I-ZGV-06.12.1856-As.c). Carta de Jesuíno Marcondes de Oliveira e Sá a Zacarias de Góis e Vasconcelos, sobre a votação do colégio de Castro. Curitiba, 06 de dezembro de 1856. (I-ZGV-07.12.1856- Gui.c). Carta de Francisco de Paula Guimarães a Zacarias de Góis e Vasconcelos. Curitiba, 07 de dezembro de 1856. (I-ZGV-07.12.1856-Ros.c). Carta de Manuel Gonçalves de Morais Roseira a Zacarias de Góis e Vasconcelos. Curitiba, 07 de dezembro de 1856. 190 MARTINS, 1999, passim. 191 AHMI. Carta de José Francisco Cardoso a Zacarias de Góis e Vasconcelos. Curitiba, 21 de setembro de 1860. Coleção Zacarias de Góes e Vasconcelos (ZGV). I-ZGV-21.09.1860-Car.c. grifo do autor. 66

Nota-se que o presidente direcionava as questões políticas da província, daí seu interesse em incluir Zacarias no arranjo e exercer seu poder para que nenhum “intruso” atrapalhasse seus planos. Jesuíno representava os “interesses tropeiros dos Campos Gerais, pois seu, pai, o fazendeiro José Caetano de Oliveira (futuro barão de Tibagi) possuía ligações comerciais com o barão de Antonina”192. Se Jesuíno era um legítimo representante da província, apesar de não possuir laços consanguíneos com nenhuma família detentora do poder local, Zacarias parece ter construído boas relações com a elite provincial quando presidente do Paraná. Fazendo assim, com que fosse convidado a participar do acerto formulado por José Francisco Cardoso. Neste mesmo dia, Zacarias recebeu outra correspondência de temática eleitoral, agora endereçada por Júlio Cesár B. de B.193, que discorria sobre sua a provável vitória naquela província se aceitasse a coalizão com Jesuíno Marcondes. Sem querer as honras de profeta, posso desde já assegurar-lhe uma fácil e certíssima vitória se se unir ao digno filho do Barão de Tibagi. Não me espraio em considerações sobre a necessidade da aliança que já lhe propuseram e pela qual ora insisto.194

O interessante é que o remetente também faz menção a uma viagem de Jesuíno para “entender-se com V. Ex. [Zacarias], acerca da liga que a ambos interessa”.195 Jesuíno e Zacarias serão figuras aderentes a Liga Progressista anos mais tarde, o primeiro como ministro no gabinete Furtado (31 de agosto de 1864) e o segundo como líder da legenda política. Apesar da pressão feita tanto por Cardoso como por Júlio Cesar, o resultado das eleições não foi bem a que se confabulava nas missivas, pois apenas Zacarias foi eleito. Como ressalta a tese de Alessandro Cavassin Alves, o desfecho deste pleito foi bastante contestado, sobretudo, pela presença de urnas duplicadas.196 Além de Zacarias, foi eleito para a 11ª legislatura, Joaquim Inácio Silveira da Mota, com Jesuíno figurando apenas em terceiro lugar. Nos termos de Túlio Vargas, o Paraná “o recompensava eleitoralmente com o retorno à investidura parlamentar”.197 A esta progressiva abertura e mobilidade de Zacarias no diálogo com liberais, acrescenta-se a publicação de sua clássica obra, Da Natureza e Limites do Poder Moderador –

192 ALVES, 2014, p. 55. 193 Não foi possível a inclusão de dados biográficos do autor da carta. 194 AHMI. Carta de Júlio César B. de B. a Zacarias de Góis e Vasconcelos. Curitiba, 21 de setembro de 1860. Coleção Zacarias de Góes e Vasconcelos (ZGV). I-ZGV-21.09.1860-Vas.c. grifo nosso. 195 Id. Ibid., grifo nosso. 196 ALVES, 2014, p.117. 197 VARGAS, 2008, p.83. 67

cuja primeira edição data de julho de 1860 e a segunda, de 1862198 – em que revela suas considerações acerca do quarto Poder e a responsabilidade ministerial no desempenho das atribuições de governo. Na advertência que anuncia o opúsculo, veiculada no suplemento do Jornal do Commercio, explica que “estava já prestes a publicar-se o pequeno escrito que ai vai – sobre a natureza e limites do Poder Moderador –, quando a tribuna da Câmara temporária veio a tocar nesse mesmo assunto, de que, há pouco a imprensa tão largamente se ocupara”.199 No entanto, é válido ressaltar, que não foi a obra de Zacarias a responsável pelo debate divulgado pelo país a respeito do tema apresentado no texto. A questão estava em pauta desde 1857, quando Pimenta Bueno, jurista e expoente do Partido Conservador, publicou um tratado sobre Direito Público, saindo em defesa da autonomia da Coroa. O marquês de São Vicente argumentava que os dispositivos constitucionais descreviam com precisão os atributos do poder Moderador, determinando que esse poder era ‘delegado privativamente’ ao monarca. Deste modo, não poderia ser exercido por nenhum outro agente, e não estava na dependência dos ministros.200

A esta referência, Cecília Helena de Salles Oliveira discorre que o livro de Zacarias foi “considerado como a versão liberal da teoria e da prática do poder moderador”.201 Apesar disso, o texto “compartilha com juristas e políticos conservadores a interpretação de que a natureza do quarto poder estava definida pela Constituição de 1824”202. Nos termos do próprio Conselheiro, “refletindo-se um pouco sobre o nosso Poder Moderador, impossível é não descobrir nele a teoria engenhosa de um livro francês traduzida na Constituição do Império”.203 Para Oliveira, o ponto de sua argumentação que se distancia de outros autores, como Pimenta Bueno e o visconde de Uruguai, reside no fato de apontar para a necessária inviolabilidade do Imperador, que dar-se-ia por intermédio de indivíduos capazes de assumir a responsabilidades dos atos do Monarca, fazendo com que a figura real não fosse diretamente tocada quando das agitações da imprensa, da Câmara e da opinião pública, ou seja, os ministros intermediariam as pressões imputadas ao soberano.204

198 VASCONCELLOS, Zacarias de Góes e. Da natureza e limites do Poder Moderador. Rio de Janeiro: Typ. Universal de Laemmert, 1862. 199 VASCONCELLOS, Zacarias de Góes e. Da natureza e limites do Poder Moderador. Rio de Janeiro: N. Lobo Vianna, 1860. p.V. 200 OLIVEIRA, 2002, p.31-32. 201 OLIVEIRA, Cecília H. S. O poder moderador no segundo reinado: mediações entre fontes e historiografia. Justiça & História, Porto Alegre, v. 2, n.3, 2003. p.2. 202 Ibid., p.10. 203 VASCONCELLOS, 1860, p.4, grifo nosso. 204 OLIVEIRA, 2002, p.30-32. 68

Nesta perspectiva, a obra de Zacarias serviu-lhe como um texto de propaganda político-eleitoral, assim como a Circular205 de Teófilo Ottoni, datada de 1860. Dirigida aos eleitores de Minas Gerais, a publicação do combativo político liberal rememora suas contribuições para a política nacional e apresenta suas propostas, a exemplo da “oposição aos ministros de qualquer partido que se subordinarem ao governo pessoal”.206 Outra pesquisadora que tem se dedicado com afinco a análise de Da Natureza e Limites do Poder Moderador é Silvana Mota Barbosa, para quem a tese expressa por Zacarias era a que “‘sem responsabilidade ministerial não se compreende que haja equilíbrio possível dos poderes constituídos’. Tal equilíbrio se daria efetivamente através do ministério”207, a quem recaia todo e qualquer comprometimento referente a execução das ações demandadas pelo Poder Moderador. Em sua acepção, a importância do panfleto reside no reavivamento da imprensa em discutir os pontos colocados em debate, “talvez porque sintetizasse as ideias dispersas daqueles que defendiam a responsabilidade ministerial pelos atos do poder moderador, ou talvez porque tenha sido matéria de muitos elogios”.208 Se as publicações de Zacarias e Ottoni se assemelhavam pelas características político-eleitorais e indicavam alterações nas formas de articulação política entre os membros descontentes dos partidos tradicionais, o evento da inauguração da estátua equestre de d. Pedro I, em 1862, assinala o distanciamento de alguns conservadores, em especial Nabuco de Araújo, Zacarias e Saraiva, em relação às lideranças do Partido. “The monument embodied the interpretation of independence that saw the first emperor's actions as central to the founding of Brazil's political institutions - empire, constitution, and dynasty”.209 Nesse sentido, projetaram- se questões em pauta naquele momento no Parlamento, não consensuais entre os próprios conservadores, a exemplo do problema das responsabilidades do Poder Moderador, questão bastante atacada pelos liberais. A este exemplo, folhas liberais publicaram texto atribuído a Ottoni, onde “desenvolveu uma análise histórica cujo principal objetivo era desabonar o protagonismo de d. Pedro em favor de Tiradentes, como iniciador do ideal de emancipação, e José Bonifácio,

205 OTTONI, Theophilo Benedicto. Circular dedicada aos Srs. Eleitores de senadores pela província de Minas Geraes no quadriennio actual e especialmente dirigida aos Srs. Eleitores de deputados pelo 2º districto eleitoral da mesma província para a próxima legislatura. Rio de Janeiro: Typ. Do Correio Mercantil de M. Barreto, Filhos & Octaviano, 1860. 206 Ibid., p.159. 207 BARBOSA, 2001, p.315, grifo do autor. 208 Ibid., p. 321. 209 KRAAY, Hendrik. Days of national festivity in Rio de Janeiro, Brazil, 1823-1889. California: Stanford University Press, 2013. p. 146. “O monumento incorporou a interpretação da independência que viu as ações do primeiro Imperador como centrais para a fundação das instituições políticas do Brasil - império, constituição e dinastia”. 69

verdadeiro defensor da independência”.210 Não obstante, no dia da inauguração da estátua equestre, Ottoni se colocou em posição de moderação, “fez da ausência o seu posicionamento político”.211 Contudo, “outros aproveitaram para, em público, marcar o lugar que assumiram no espectro político. Foi o caso do senador Nabuco de Araújo, cujo discurso na cerimônia de 30 de março reforçava, na visão de alguns as importantes transformações que vinham ocorrendo nas alianças políticas”.212 Nos termos de Hendrik Kraay, que se dedicou com afinco à festividade de inauguração, Almost four decades after the original proposal for a monument to Brazil's first emperor, the equestrian statue finally stood in the capital. Despite the earlier rumors about Liberal revolts, nothing but rain disrupted the conduct of the ceremony, which on the surface looked like a successful civic ritual, although the Liberal press predictably tried to deny legitimacy to the government by claiming poor and unenthusiastic attendance.213

A exposição acima sugere intensos debates políticos travados em torno da cerimônia e da estátua em si e o embate acerca da legitimidade do monumento. Um importante argumento de Kraay, é que apesar de à época da inauguração os liberais “radicais” [históricos] constituíssem minoria no Parlamento, articularam efetivamente temas posteriormente desenvolvidos pelos republicanos nas décadas de 1870 e 1880.214 Como explica Fabris Estefanes, o debate parlamentar subjacente a cerimônia pública pautava-se na legitimação da memória do Império.215 A estátua foi produzida por Louis Rochet, o mesmo que dez anos depois seria o responsável por outra obra, a de José Bonifácio Andrada e Silva, como complemento da primeira (1862).216 Para Zina Valdetaro, a inauguração representou “a singular expansão efetivada pelos dirigentes do Estado imperial, colocando a arte a serviço de intenções políticas, voltando-a para o prisma da construção da identidade nacional”,217 neste caso, a ressignificação do primeiro Imperador como o “fundador” do

210 ESTEFANES, op. cit., p. 176. 211 Id. Ibid. 212 Ibid., p. 178. 213 KRAAY, op. cit., p.165. “Quase quatro décadas depois da proposta original de um monumento ao primeiro Imperador do Brasil, a estátua equestre, finalmente, ficou na capital. Apesar dos rumores anteriores sobre revoltas liberais, nada além de chuva interrompeu a condução da cerimônia, que parecia um ritual cívico de sucesso, embora a imprensa liberal previsivelmente tentasse negar legitimidade ao governo, alegando assistência fraca e sem entusiasmo”. 214 Ibid., p. 175. 215 ESTEFANES, 2008, p. 174. 216 KNAUSS, Paulo; KRAAY, Hendrik. A inauguração da estátua equestre de José Bonifácio na visão de um correspondente estrangeiro, em 7 de setembro de 1872. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, a. 171 (447), abr./jun. 2010. P.279-280 217 VALDETARO, Zina Maria de Teive e Argollo. Lições da ciência do belo: os Saquaremas e a conformação dos brasileiros. 2008. 151 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em História Social da Cultura, Centro de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. p.43. 70

Império. O que não passou desapercebido a uma parcela de políticos. Daí a importância do retorno de Ottoni à política e os debates travados em torno de sua obra e a de Zacarias, que tocavam justamente na recomposição da atribuição dos Poderes, nas ideias de representatividade e soberania. Como demonstrado, o trânsito fluído e interessado de Zacarias entre liberais – observado em suas relações com Jesuíno Marcondes, assim como nas ideias expostas em seu livro sobre o Poder Moderador – acrescido dos debates que cercaram a inauguração da estátua equestre, são indicativos da impossibilidade daquele personagem prosseguir de forma subalterna e sem destacado protagonismo nas fileiras do Partido Conservador. Não por acaso, na sessão de 1862, aliado a Nabuco de Araújo e Saraiva, tornou-se um dos principais responsáveis por agravar a crise do gabinete gerenciado por próceres do seu partido, ninguém menos do que Caxias e Paranhos.

1.3.1. A Resposta à Fala do Trono e a desestabilização do gabinete Caxias-Paranhos

O ponto de rompimento em que Zacarias se destacou consistiu na crescente oposição feita pelos “moderados” aos conservadores “puros” quanto da resposta dada pela Câmara dos Deputados à Fala do Trono. Proferido na abertura do ano legislativo em 4 de maio de 1862, o pronunciamento do Imperador, entre outras medidas, apontou a necessidade de melhorar o sistema administrativo das províncias e a posição de seus funcionários; reformar a lei orgânica das Câmaras municipais; modificar a lei regulamentar das eleições; alterar a lei de 3 de dezembro de 1841; aliviar a Guarda Nacional do serviço ordinário e melhorar a legislação referente ao Exército e a Armada. Terminava, porém, explicando que “no relatório de cada um dos ministérios encontrareis circunstanciadas informações sobre o estado dos negócios a seu cargo”.218 Apresentada a Fala, a comissão responsável pela resposta foi composta pelos deputados João Capistrano Bandeira de Mello, Antônio Gonçalves Barbosa da Cunha e Sérgio Teixeira de Macedo. O projeto, também conhecido como Voto de Graças, regimentalmente possuía apenas “uma discussão em globo, na qual se admite o exame da política geral do ministério”219. Porém, era também, “o momento em que o espírito oposicionista se manifestava, nas críticas, reservas ou censuras, que se colocavam da parte da minoria e mesmo dos

218 ACD. Sessão Imperial da Abertura da Assembleia Geral Legislativa. 4 de maio de 1862. p.1. 219 BRASIL. Câmara dos Deputados. Regimento interno da Camara dos Deputados acompanhado do Regimento Comum, Constituição Política do Império, Acto Addicional, Lei de Interpretação, Lei de Responsabilidade dos Ministros e dos Conselheiros de Estado. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1881. p.62 (nota 68). 71

governistas, discordantes de algum ponto do Governo ou de alguma de suas figuras”220. Desta maneira, nas discussões da peça ministerial, Zacarias passou ao enfrentamento do gabinete, atacando duramente os pontos vulneráveis do ministério enfraquecido. A proposta de resposta foi apresenta pelos deputados em 13 de maio e contemplava as proposituras de modificação administrativa e reformas de legislação elencadas pelo Imperador. Contudo, foram seus parágrafos finais que causaram a discordância entre Zacarias e os “puros”: Senhor! A Câmara, esclarecida pelos relatórios dos ministros sobre as circunstâncias dos negócios do Estado, sente com prazer a convicção de que as indicações que Vossa Majestade Imperial se dignou a fazer sobre as necessidades públicas são também as indicações do patriotismo e da sabedoria.221

Entrando em discussão no plenário no dia 19, Zacarias propôs uma emenda ao final do texto original, estendendo os debates às sessões de 20 e 21 de maio. A propositura do deputado da província do Paraná previa a seguinte redação: A Câmara examinará os relatórios dos diferentes ministérios, apreciando devidamente as informações, que contiverem, sobre o estado dos negócios a seu cargo. Senhor! A Câmara dos Deputados, agradecendo profundamente a Vossa Majestade Imperial a confiança e benevolência com que invoca o patriotismo e as luzes dos representantes da nação para prover como cumpre a respeito de tantas e tão variadas necessidades do país, assegura a Vossa Majestade Imperial que de sua parte prestará a mais leal cooperação, afim de se promoverem os verdadeiros interesses do Estado, com que se identificam os interesses e a glória de Vossa Majestade Imperial.222

Em sua argumentação, explica que o projeto de resposta a Fala do Trono deveria ser uma paráfrase da mesma Fala, “como um discurso em que os representantes da nação, ao mesmo tempo prometem tomar no devido apreço as medidas lembradas pela Coroa, agradecem ao chefe do Estado o zelo e solicitude que mostra pelos interesses do país”.223 Como o “estilo” da resposta foi alterado, a oposição saiu de seu “voto silencioso” para avaliar o “exame da marcha do governo e de suas tendências”.224 Colocando-se então como opositor às ações do gabinete em exercício, Zacarias argumentou que o programa ministerial não era uma “peça inteiriça”, mas composta de várias

220 IGLÉSIAS, 2004, p.28. 221 ACD. Sessão de 13 de maio de 1862. p.19, grifo nosso. 222 BRASIL. Fallas do Throno desde o ano de 1823 até o anno de 1889 acompanhadas dos respectivos Votos de Graças da CamaraTemporaria. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889. p.578, grifo nosso. 223 ACD. Sessão de 19 de maio de 1862. (apêndice). p.3. 224 Id., Ibid. 72

partes e por ideias vagas, fundamentadas apenas na “severa economia e fiel execução das leis”, o que não sustentava um gabinete.225 Outrossim, não se constrangeu por há poucos dias ter estado nas fileiras daqueles que agora atacava duramente. Tornou-se duro oposicionista ao demonstrar a necessidade da transferência do poder das mãos de Caxias e indicar a perda de sustentação do governo apoiado pelos “puros”. Deixando a apreciação dos atos para outra oportunidade, vou examinar as medidas, que o governo promete submeter à discussão da Câmara, e pretendo destacar que, não sendo elas, como não são, conformes aos interesses do país, tem os que negam apoio ao governo razão de sobra não só para repelir o período final do projeto de resposta, mas para desejar que o poder passe a outras mãos. O plano que traço ao meu discurso, Sr. presidente, é além disso determinado pela natureza da emenda, que apresentei, porque o final da resposta a fala do trono trata somente de medidas, e, pois, só de medidas me ocuparei, tocando apenas num e noutro ato da administração que me pareça conveniente discutir.226

De acordo com Eide Abrêu, Zacarias objetivava a desqualificação do apoio da Câmara ao gabinete, acentuando que a parte final da Fala do Trono e da referida resposta eram diferentes. “Enquanto a fala terminava aludindo em geral e amplamente às ‘necessidades do país’, para cujo provimento a Coroa invocava a ‘sabedoria e patriotismo’ dos representantes da nação, a resposta restringia a amplitude dessas necessidades”227, expressando a restrição ao pronunciamento imperial por parte da deputação. Neste sentido, buscava forçar a Câmara a uma formulação oficial mais ampla dos objetivos naquele ano, tendo em vista abrir espaço para o encaminhamento de discussão de temas não contemplados na Fala do Trono. Mas talvez ele estivesse apenas usando brechas da resposta à Fala para, indiretamente, atacar as limitações do leque de questões apresentadas pelo gabinete, e, com isso, inflamar a oposição contra o governo.228

Na mesma sessão, em réplica a Zacarias, um dos autores do projeto de Resposta à Fala do Trono, Barbosa da Cunha, procurou demonstrar a unidade do Partido Conservador que, segundo ele, se mantinha firme em apoiar as decisões do ministério, em contraposição à Liga e suas “ideias contraditórias”. Como já se pontuou, o Partido se via dividido em duas frações em desacordo. Desta maneira, o ministerialista tratou a questão como provocação dos dissidentes, criticando a união de liberais e “moderados” e apontando que o tópico levantado era meramente de cunho político e pretendia depreciar o governo de situação que, em momentos de profundas

225 Id., Ibid. 226 Id., p.4, grifo nosso. 227 ABRÊU, 2011, p.122. 228 Ibid., Id. 73

controvérsias, a exemplo da política bancária do final da década anterior, prezou pelo propósito da moderação. É interessante salientar, à luz destes acontecimentos, que até mesmo ministerialistas exprimiam os desacordos existentes entre os conservadores, confirmando em que aspectos as distintas opiniões se enfrentavam, como na discussão da questão bancária: Senhores, pois mais de uma vez os honrados membros dissidentes se separaram de nós, e tem retirado seu apoio a gabinetes conservadores; e para chegarem ao seu desideratum não duvidam dar o passo que presentemente aparece de ligarem-se com seus antigos adversários para hostilizar o gabinete atual, apesar de sua moderação e de sua justiça; isto, pois, me induz a crer, posso estar em erro, mas emito com franqueza meu juízo, que em minha opinião os diretores desse grupo dissidente a que me refiro entendem que o país não pode ser bem governado, não pode ser convenientemente dirigido, e não podem a mão do Estado chegar a ponto de salvação sem que estejam no poder certas e determinadas pessoas pertencentes a esse grupo...229

Se Zacarias desejava que o poder fosse passado a outras mãos, para Barbosa da Cunha estas seriam as dele próprio e as de Nabuco de Araújo. Em sua acepção, a ausência destes dois articuladores na composição dos últimos gabinetes conservadores fez com que Nabuco (no Senado) e Zacarias (na Câmara) se unissem em benefício da ascensão ao poder, camuflada sob a bandeira de “salvação” do Estado. Para Barbosa, a “coligação” formada em oposição ao ministério deveria se pronunciar a respeito de sua finalidade e supostos projetos, “indicar quais os princípios políticos, quais ideias administrativas que adotarão em comum e que terão de realizar e traduzir em leis, se pela sorte da guerra houvesse a liga de conquistar o poder”.230 A ausência de um programa incentivou o ânimo dos governistas que viram neste ponto as claras intenções dos líderes “ligueiros” em assumir os mais altos postos da administração monárquica, conquanto para êxito fosse necessária a desagregação dos quadros conservadores e a desmoralização de seus antigos correligionários. Assim, municiados com as supostas fragilidades dos “ligueiros”, os defensores do gabinete Caxias-Paranhos passaram a descredenciar os opositores “moderados” na figura de Zacarias pois, quando entre conservadores, havia sido um ávido crítico da Liga hoje por ele encabeçada. O deputado pela província de São Paulo refere-se ao já mencionado discurso de Zacarias na Câmara em 5 de julho de 1861, agora utilizado como argumento para desqualificá-lo, em decorrência de sua frágil troca de posição. Contrário à Barbosa da Cunha discursou Vieira da Silva a respeito da responsabilidade ministerial, fazendo comparações da prática parlamentar adotada no Brasil e

229 ACD. Sessão de 19 de maio de 1862. p.46, grifo nosso. 230 Ibid., p.45. 74

aquelas dos países europeus, como a Inglaterra e a França. Nébias, em contrariedade, interpelou Vieira da Silva, questionando a necessidade daquela retomada e dizendo que seus argumentos não possuíam aplicabilidade na atual conjuntura política. Tomando a palavra Nébias, que na passada legislatura fora crítico do gabinete Olinda (4 de maio de 1857) por ter ele colocado fim a política conciliatória e perseguir seus adversários, agora se posicionou com os ministerialistas e se voltou de maneira irônica para o “chefe dos coligados”, Zacarias de Góes, insinuando que a sua oposição se dava pela perca de poder dos dissidentes, não convidados a compor o governo. É verdade, Sr. Presidente, e lembra-me agora, que o nobre deputado pelo Paraná achou um grande defeito na administração atual, um grande erro, grande crime, que autorizou a oposição desta casa; consiste no poder pessoal do ministério. O nobre deputado faz oposição ao ministério porque outras capacidades do partido conservador não estão sentadas nas cadeiras do ministério. [...] Se hoje, em vez dos ilustres cidadãos que ocupam as cadeiras ministeriais, a oposição olhasse para esses bancos, e visse ali sentadas essas outras capacidades a que aludiu o nobre deputado, ele com seus dissidentes e o grupo liberal da casa ficariam satisfeitos.231

A resposta, “quem sabe?” veio, em tom de ironia, de Teófilo Ottoni, que devido ao adiantando da hora não entrou em conflito direto com Nébias. Se os debates na Câmara davam o indicativo da dificuldade de sustentação do gabinete presidido por Caxias, o sarcasmo também não escapou ao editor do Diário do Rio de Janeiro ao demonstrar a crescente perda de apoio entre os deputados. Ocuparam a tribuna os Srs. Zacarias e Vieira da Silva por parte da oposição e os Srs. Barbosa da Cunha e Nébias por parte da...da maioria? Não pretendemos resumir as ideias dos oradores para que nos não acusem de ajeitar as opiniões conforme as nossas simpatias. Mas a simples exposição das bases em que esses discursos se desenvolvam bastará para que o público ajuíze da seriedade de uns e da pobreza de outros. Homem de tribuna e adestrado no manejo da palavra, ao Sr. Zacarias custou pouco abrir no flanco ministerial a ferida de que há de ou de que deve morrer constitucionalmente.232

Elogiando a postura de Zacarias enquanto orador, este periódico dedica pouco espaço a argumentação dos ministerialistas, e em tom de mofa se posiciona contra o gabinete. Sintetizando o ponto crucial da formação da oposição de conservadores a um ministério constituído por seu próprio Partido na administração dos negócios públicos, considera que se viam “mal geridos por mãos pouco aptas, e sente que em vez de princípios o ministério só cure

231 Ibid., p.53, grifo nosso. 232 FBN. Diário do Rio de Janeiro. 20 de maio de 1862. p.1. 75

de interesses pessoais e de transações, que amesquinham o caráter da autoridade, tirando-lhe toda a força moral”.233 Se o Diário via indícios de uma perda de maioria na Câmara, embora sua argumentação a respeito da queda do gabinete ainda fosse comedida, o noticiário do Correio Mercantil divulgava versão bem diferente argumentando que assistia-se um “espetáculo todo novo”, e um “gabinete moribundo” justamente pelo confronto entre “paladinos da conservação pura”, os pilares da tradição do Partido Conservador, e membros de sua própria deputação que apregoavam a morte do ministério. Vimos uma Câmara ansiosa por explicações do governo; na discussão que se travara ia de envolta a continuação ou a morte do gabinete; um orador eminente [Zacarias] tinha pulverizado as propostas de reforma indicadas à Câmara por esse gabinete moribundo; em derredor dos ministros alguns enfermeiros políticos lembravam, para salvá-los, o meio empírico de uma dissolução do parlamento; - e os ministros silenciosos, impassíveis apenas, e não como parte interessada, dispostos talvez a apelarem para uma votação, sem que o escrutínio precedesse a audiência dos acusados.234

Como previa o Correio, observou-se no dia seguinte certa passividade dos ministros que aparentemente acreditavam na eficácia do debate, os quais não suscitavam naquele momento a possibilidade de uma dissolução da Câmara. Assim, as discussões só fizeram desgastar ainda mais os escolhidos por Caxias, especialmente quando o ministro da justiça, Saião Lobato, tomou a palavra para contestar o pronunciamento de Zacarias. Segundo Túlio Vargas, Saião Lobato, deputado pelo Rio de Janeiro, era um dos poucos a combate-lo [Zacarias] pela frente, quase feroz. A polêmica entre ambos adquiriu, muitas vezes, o gosto amargo da ofensa pessoal. Zacarias contra-atacava virilmente, sem deixar marcas de hesitação ou recuo. Passava à ofensiva até esmagar o contendor. [...] Aguardava-se uma oportunidade de luta em campo aberto, ‘uma batalha campal’, para medirem forças. Na sessão de 19 de maio ao discutir-se a Fala do Trono, Zacarias comandou a ofensiva e apresentou emenda de censura ao governo, estava lançado o desafio, a cartada decisiva.235

Com as provocações de Zacarias, Saião Lobato as rebateu priorizando o comentário do deputado do Paraná sobre a necessária substituição do gabinete. Discordando, reforçou a ideia de que a Liga era uma construção precária e só servia para conquistar castelos e não para administrar um país, mencionando a inexistência de um programa e evocando uma “questão de confiança”.

233 Ibid., loc. cit. 234 FBN. Correio Mercantil. 20 de maio de 1862. p.1. 235 VARGAS, 2008, p.86. 76

Em qualquer outra circunstância seria muito indiferente a aceitação da emenda; considero-a, encarando por um lado, somente como mera redação, e portanto não duvidaria aceita-a; porém na intenção e circunstancias com que ela foi formulada, é um verdadeiro voto de censura e condenação, e como tal o ministério a aceita; e a aceita requerendo a cada um dos dignos membros desta Câmara que muito conforme à sua consciência se exprima a tal respeito (Muito bem, muito bem!). 236

A “questão de confiança”, como bem retratou a imprensa, causou certo furor entre os parlamentares por ser colocada pelo ministro da justiça e não pelo chefe do gabinete que tinha autoridade para lançar mão de tal medida. Iniciativa que revelava certa displicência dos ministros com a Câmara temporária.237 O posicionamento de Saião Lobato foi visto como atitude equivocada e indicativa do esforço para dar mais alguns dias de vida ao ministério que integrava. Posta em evidencia a incapacidade de Caxias, o Diário alvitrou sua retirada. O ministério está acabrunhado, e tem razão para isso. Diante da enérgica atitude da verdadeira maioria do país, se não já na câmara, reconhece, embora tardiamente, que não pode mais continuar à frente da administração pública. É sem dúvida a consciência de sua fraqueza, se não a habilidade do general que procura operar uma retirada estratégica, que se deve a vantagem da declaração que ontem fez S. Ex., considerando a emenda do Sr. Zacarias uma grave censura, constituindo assim para o ministério questão de gabinete.238

Nota-se que a postura adotada por Zacarias foi encarada pelos ministeriais como depreciação do gabinete, uma crítica e apontamento à inabilidade do governo em lidar com a Câmara, fazendo de uma simples questão de redação elemento para incitar a deputação oposicionista. Mesmo com a manifestação de Saião Lobato os debates não se amainaram, ficando adiadas para a próxima sessão quando entrou em discussão final, que apontava para a aprovação da emenda e a suspeição da “confiança” do gabinete. No dia seguinte, 21 de maio, discursou Bandeira de Mello, da comissão de Resposta, que não poupou críticas aos conservadores dissidentes discorrendo sobre as alegações dos “moderados” na divisão do Partido: “a primeira, que o governo não compreendia bem os meios de satisfazer as necessidades públicas; a segunda, que o governo não estava na altura da sua missão; a terceira, que não tinha satisfeito seu programa”.239 De acordo com o deputado, os que se apartaram do ministério não apreciavam as boas medidas adotadas, mas também não apresentavam projetos a respeito dos temas criticados. Em contraposição, Zacarias argumentou que os parlamentares teriam a mesma liberdade de Bandeira de Mello, em 1852, quando se separou dos conservadores em momento em que estavam no poder. Ao travar uma contenda

236 ACD. Sessão de 20 de maio de 1862. p.65, grifo nosso. 237 FBN. Correio Mercantil. 21 de maio de 1862. p.1. 238 FBN. Diário do Rio de Janeiro. 21 de maio de 1862. p.1, grifo do autor. 239 ACD. Sessão de 21 de maio de 1862. p.72. 77

com Saraiva e Otaviano, em uma espécie de aviso, Mello insinuou aos “moderados” que tivessem cuidado com os liberais: O Sr. Saraiva: - V. Ex. tem medo dos liberais. O Sr. Bandeira de Mello: - Sim, esperávamos construir-nos algum dia em maioria, mas não ligando-nos aos nossos adversários para um fim passageiro... O Sr. Saraiva: - V. Ex. tem medo dos liberais, e nós não. O Sr. Bandeira de Mello: - O nobre deputado não tem medo dos liberais? O Sr. F. Otaviano: - Pois é animoso! O Sr. Bandeira de Mello: - Ouça V. Ex. o que dizem dali: - Pois é animoso! O Sr. F. Otaviano: - O partido liberal é um partido monstruoso! O Sr. Bandeira de Mello: - Sr. presidente, os nobres deputados fizeram uma liga com antigos adversários; mas as consequências de uma liga são demasiado graves, sacrificam-se à necessidade de um dia ideias que representam a necessidade de todos os dias, isto é, os princípios que sustentam uma certa ordem que temos consagrado como indispensável. 240

Encerrando a discussão, Otaviano argumenta que os liberais se aliaram aos conservadores de melhor fé e que possuíam as aspirações para o progresso. Então, invoca o Imperador para “solucionar” e “aclarar” a situação do ministério colocado sob desconfiança. Na acepção do deputado, estava evidente a fragilidade do gabinete e a ausência de maioria, o que indicava a necessidade do estabelecimento de outro governo condizente com o atual cenário da Câmara. Em suas palavras: O grupo liberal aceita a resposta ao discurso da Coroa como homenagem à mesma Coroa; aceita a emenda, apresentada com o nosso concurso (apoiados) pelo nobre deputado representante do outro grupo ilustrado e notável desta casa. (Apoiados) Para nós essa emenda não significa, no momento atual, uma simples cortesia à Coroa; significa um voto de desconfiança ao Gabinete. (Muitos apoiados). A situação é, pois, clara para os da oposição, assim como é também clara para o Ministério. [...] O nobre ministro do império nos disse ano passado que não havia no país partidos, e que eles se formaram na presença das necessidades públicas. (Apoiados). Eu, porém, não pertenço a escola do nobre ministro do império; eu penso que há realmente no país partidos definidos com ideias e aspirações; e, se o nobre ministro do império quis ter a missão inglória de ser ministro a espera de partidos, pode ficar certo que rejeito, por mim e por meus amigos, semelhante missão. Mas se reconheço a existência de partidos, se os meus amigos não se suicidaram por uma renúncia impossível de seus princípios liberais, acaso estão eles impossibilitados de se unirem com os conservadores moderados, quando estes, não são de hoje, mas de há muito, tem confessado na tribuna que é tempo de atender seriamente as ideias liberais e de aceitar-se o progresso como condição de vida para o próprio partido conservador? (Apoiados).241

240 Ibid., p.74. 241 Ibid., p. 75, grifo nosso. 78

Estas proposições de Otaviano, encerrando as discussões da Resposta, apontam para a necessidade de reformulação do Partido Conservador que, no poder desde a Praieira, sofrera com baixas em suas fileiras. Apesar do ministro da Justiça, Saião Lobato, argumentar que as “verdadeiras ideias liberais [eram] dos conservadores (apoiados e não apoiados)”242, a falta de abertura ao liberalismo ascendente fizera com que a legenda se engessasse e não atendesse as demandas dos homens de seu tempo, que extenuados, não encontravam espaço senão fora dos quadros conservadores, partindo rumo ao “progresso” possibilitado pela Liga. Levada a votação, por pequeno contraste, a emenda de Zacarias foi aprovada, demonstrando a perda da supremacia dos conservadores “puros”. Deputados de situação requisitaram a votação nominal da matéria, mas não foi aceita, apesar do apoio de alguns liberais que já reconheciam vitória. O êxito dos “ligueiros” demonstra a primeira oposição de um agrupamento de políticos ainda não denominado enquanto Partido mas que, como sugerem as palavras de Francisco Otaviano, se valia do “progresso” como agente de arregimentação das melhores figuras do Partido Conservador, termo que posteriormente fundamentaria a denominação da mais nova legenda do Império: o Partido Progressista. O Correio descreveu o episódio nos seguintes termos: A câmara dos Srs. Deputados adotou ontem por 42 votos contra 41 a emenda que o Sr. conselheiro Zacarias apresentara em nome da oposição ao último período do voto de graças. Desde que o Sr. presidente do conselho e os ministros senadores abandonaram a discussão na câmara temporária; desde que o Sr. ministro da justiça mostrara ansiedade em que se pusesse termo as condições anormais em que se achava o poder executivo, toda discussão ulterior só serviria para prejudicar os interesses públicos e impedir a livre ação da coroa.243

Para o jornal, a desconsideração do gabinete com a Câmara foi determinante para a vitória dos deputados em desacordo com o governo, pois passou a ideia de que a discussão da mesma matéria no Senado seria mais importante ou mais rendosa ao gabinete. Neste sentido, a inquietude veiculada pelos ministros em resolver tal questão com celeridade na Casa temporária resultou num plano mal pensado e mal executado que, ao invés de proporcionar o prosseguimento do ministério, abreviou sua duração.

1.3.2. Os “Progressistas” no poder: O gabinete dos “Anjinhos”

242 Ibid., p.75. 243 FBN. Diário do Rio de Janeiro. 22 de maio de 1862. p.1. 79

Em função da “questão de confiança”, Caxias e seu ministério pediram a dissolução da Câmara ao Imperador que, se valendo do Poder Moderador, não aceitou o pedido. Em substituição, o soberano convidou Zacarias a organizar um novo gabinete (o de 24 de maio de 1862), sendo esta a primeira vez que um deputado ocupava tal função. Para Holanda, ao escolhe-lo, d. Pedro II procurou seguir a praxes do parlamentarismo à inglesa onde “era mister chamar a organizar ministério o deputado que encabeçasse uma oposição vitoriosa”244. Porém, o aceite “ousado” de Zacarias não agradou seus antigos correligionários conservadores. Se o presidente era deputado, a escolha das pastas também viria majoritariamente da Câmara. Zacarias acumulava a função de ministro do Império, seguido dos “moderados” Carneiro de Campos, nos Negócios Estrangeiros e Sá e Albuquerque na Agricultura. Entre os liberais, Furtado assumiu a Justiça, Dias de Carvalho a Fazenda, José Bonifácio a Marinha e o barão de Porto Alegre a Guerra. O Diário se pronunciou em apoio ao novo gabinete, que “na situação em que estes distintos cavaleiros sobem ao governo do Estado, os seus nomes podem significar o triunfo dos bons princípios, cuja realização imperiosamente reclama o país”.245 E o Correio, escreveu que “esta organização satisfaz as necessidades da situação, e foi geralmente acolhida com prazer”.246 Em 27 de maio, o gabinete se apresentou à deputação, que também ouviu as explicações dos que se retiravam do governo. O orador escolhido foi Paranhos, que de maneira temperada reconheceu a perda de maioria. O Sr. Paranhos: [...] A oposição era numerosa, e, além de numerosa seja-me lícito dizê-lo com toda a franqueza, em seu procedimento se mostrava apaixonada e intolerante. (Apoiados e não apoiados) Alguns Srs. Deputados: - Apoiadíssimo. O Sr. Paranhos: - Em tais circunstâncias, entendemos que a luta era estéril para os interesses públicos, e seria de pernicioso feito para a força moral do governo, que nos cumpre a todos zelar e defender.247

Postura bastante diferente da do ex-ministro da Fazenda foi a dos conservadores “puros” que, alegando que a maioria se deu apenas por um voto, não pouparam intervenções ao presidente do Conselho quando apresentava o programa. Em contraponto, o argumento dos aliados da Liga ressaltou que o gabinete havia se formulado pela boa vontade dos deputados. Em meio às manifestações dos opositores, Zacarias apresentou os objetivos do ministério, priorizando encaminhamentos relacionados à economia e à justiça. Sinalizou para abertura de

244 HOLANDA, 2010, p.86. 245 FBN. Diário do Rio de Janeiro. 25 de maio de 1862. p.1. 246 FBN. Correio Mercantil. 25 de maio de 1862. p.1. 247 ACD. (t.1). Sessão de 27 de maio de 1862. p.79. 80

“diversas opiniões políticas”, a exemplo da participação dos liberais em acordo com o novo gabinete, do mesmo modo que indica questões de interesse público, como os procedimentos das prisões preventivas e as dificuldades da lavoura e do comércio. Se é verdade que as proposições aproximavam as duas frações da Liga, bastante desgostosas com as administrações anteriores principalmente sobre o encaminhamento das finanças, a oposição se fazia representar por Torres Homem. Recorrendo a antigos argumentos procurou descredenciar Zacarias que, em sua acepção, em 1861, se manifestara não contra as “ligas” em geral, mas contra a Liga agora formada, justamente a que o levara ao poder. Suas críticas também retomaram a constante posição de Zacarias externada nas discussões da Fala do Trono sobre a impossibilidade de um governo se constituir sem apoio de um partido dirigente, ainda mais quando fundamentado por posições controversas. Para ele, se das entranhas da liga não podia nascer, como ponderou o Sr. presidente do Conselho, um partido governamental tal qual deve ser entendido, vejamos ao menos se no amalgama dos elementos discordantes poderemos colher algumas ideias que reunidas formem o pendão de seu triunfo.248

Se em sessões passadas, quando pressionado sobre mudança de posicionamento sobre a Liga, Zacarias havia se esquivado, enquanto presidente do Conselho não o poderia fazer. Alegou que seu pronunciamento de 1861 havia sido mal interpretado, porquanto naquela oportunidade apresentava situações em que as “ligas”, em geral, não “eram próprias para o estado normal das sociedades, estado em que só conservadores ou só liberais devem dirigir os destinos do país, com a presença, porém, de seus adversários”.249 No entanto, a parte que expunha circunstâncias onde elas eram indispensáveis fora suprimida do argumento de seus adversários. De acordo com Zacarias, quando a oposição quer governar “deve oferecer o seu programa, mas isso não quer dizer que seja obrigada a fazê-lo quando a maioria o exigir”.250 Para ele, as “atuais circunstâncias exigiam que, tendo o governo transato perdido a confiança da Câmara e do país, os moderados e liberais se ligassem para dar um governo ao país (apoiados), e foi o que sucedeu. Era a solução, o desenlace natural no presente estado das coisas”.251 Como notado, o terreno que o gabinete tinha que conquistar era espinhoso e esbarrava em indefinições que os próprios líderes não eram capazes de solucionar. Se a ausência de um programa havia sido resolvida com o conjunto de proposições apresentado pelo

248 Ibid., p.80. 249 Ibid., p.81. 250 Ibid., p.81-82. 251 Ibid., p.81. 81

ministério na Câmara, antigos pronunciamentos252 e a imprecisão da denominação “liga” parecia incomodar os “ligueiros” que, na defensiva, se valiam do improviso para explicarem contradições. A este exemplo, o opositor Pedreira já não se referia a Liga, mas a um “partido da Liga”, que tentava de modo vacilante impor uma “nova Conciliação”253. Em resposta, falou Saraiva sintetizando as pretensões da aliança e sua força propulsora, já enunciada por Francisco Otaviano em sessão passada: Nós desejamos que as boas ideias, que as reformas úteis sejam realizadas por todos os seus sacerdotes, quer se chamem eles liberais ou conservadores. (Numerosos apoiados.) O poder, senhores, não é propriedade nossa; o país não é somente dos que se dizem conservadores. (Muitos apoiados.) Nossa grande missão está preenchida, porque está morto o princípio revolucionário. O progresso é o que hoje vos disputa o passo.254

A ideia de progresso como fundamento da Liga, como observado, se inspirava, para este grupo de políticos, não no espírito da revolução que caracterizou a ação liberal na Regência. O progresso agora se transfigurava em reformas “progressistas” que propunham a liberação dos negócios do controle do Estado, também desejadas pela fração conservadora. O apelo aos laços de identificação entre liberais e conservadores era neste momento o mote de legitimação deste grupo.255 Neste sentido, se os elementos de agregação já estavam expostos, faltava a caracterização da agremiação como partido. Assim, Saraiva, tomando a palavra sob a animação das intervenções de apoio de Martinho Campos, em um ato falho, acabou chamando a Liga por “Partido Progressista”. Estava feito o batismo. O Sr. Saraiva: [...] – Senhores, nós, conservadores moderados e liberais, ou antes nós que formamos hoje o Partido Progressista do Império...(Murmúrio). (O Sr. Paranhos e outros riem-se.) O Sr. Saraiva: - Podem rir-se os nobres deputados. Acostumados nestes últimos anos a outros sucessos, devem seguramente rir-se em presença do espetáculo mais sério e mais grandioso que o país tem presenciado. Não quero continuar. (Apoiados; muito bem). O orador é cumprimentado por grande número de Srs. Deputados.256

Tal como se vê, o final da fala de Saraiva aparentemente causou desconforto entre seus pares. Contudo, embora tenha acabado por nomear a Liga como um partido, não diminuiu as críticas da oposição. Sobre o pronunciamento de Saraiva interviu Teixeira Júnior, utilizando- o para questionar o ministério: “E agora, senhores, diz-nos o nobre deputado que os partidos se

252 Cf. ACD. 5 de julho de 1861 (apêndice). p.91. 253 ACD. (t.1). Sessão de 27 de maio de 1862. p.82. 254 Ibid., p.85, grifo nosso. 255 MARSON, 1987, p.412 et seq. MARSON, 2008, p.97-104. 256 ACD. (t.1). Sessão de 27 de maio de 1862. p.86. 82

confundiram para formar aquilo a que S. Ex. denomina Partido Progressista, ao passo que o nobre presidente do Conselho intitula, liga, e outros mais modestamente grupo!...” 257. Se a nomenclatura dada ao grupo ascendente ao ministério confundia o deputado, o mesmo se observou com alguns publicistas que descreveram a legenda como desorganizada e imprecisa. A este exemplo, nos escritos do jornalista João de Saldanha da Gama ela é tomada como continuidade das tentativas malfadadas de “conciliar” liberais e conservadores, que somente geravam instabilidade para o país. Muda apenas o apelido de tempos em tempos: foi conciliação, depois liga, depois fusão, hoje é progressismo! Tendo por princípio o ateísmo, por dogmas de governo a conveniência e a impunidade, e por arma de guerra a intriga, ameaça asfixiar-nos. Assim são as facções: dividem para reinar.258

Esta mesma tônica é observada na publicação do magistrado Domingos Antônio Alves Ribeiro, para quem a Liga surgiu enquanto instrumento de associação de antigos nomes da política com a intenção de permanecer no poder. Ligados ou não de boa fé, queriam a realização de certas reformas; e tendo concorrido diretamente para a transformação da passada legislatura queriam a preferência para os seus amigos, e com especialidade nos cargos de confiança política.259

Avançando sobre o cenário político instituído, José de Alencar discorre que nenhum partido era digno de governar o país naquele momento, quando os ministérios não eram formados pela vitória nas urnas, mas sim pela prática do absurdo. Em seus termos, não era nem mesmo possível definir se a Liga caberia o título de partido. Estão em cena política três partidos políticos; prendem todos esta qualificação; talvez a algum não caiba. O certo é que nenhum a satisfaz plenamente, nas circunstâncias presentes; podem amanhã completar-se, e devem. Destes partidos, dois, o conservador e o liberal, estão ligados à história pátria; repousam sobre longas tradições do passado; tem raízes profundas no país. São incontestavelmente, não só os mais fortes, como os únicos regulares e organizados. O terceiro, o partido progressista, fruto da liga, de recente data, improvisado por interesses efêmeros, sem uma sucessão de ideias, é superficial e anômalo. Existe apenas nas altas posições; seu círculo não se estende além de duas províncias. Está porem na posse do poder, a maior força do país na atualidade; e tem em seu favor a guerra, medusa que petrifica os ânimos tíbios; conta em serviço uma cópia de belas inteligências e reputações feitas. Estes elementos lhe

257 Ibid., p.87, grifo do autor. 258 GAMA, João de Saldanha da. Escriptos ao povo. Rio de Janeiro: Typ. Universal de Laemmert, 1868. p.12. 259 RIBEIRO, Domingos Antonio Alves. Um Conto Político: acontecimentos parlamentares do segundo reinado a datar de 1863. Rio de Janeiro: Typ. Cosmopolita, 1879. p.21 83

emprestam um vigor, que não obstante sua fragilidade real, o habilitam a lutar com vantagem.260

Se, como se nota, a Liga, ou agora, Partido Progressista ainda era visto com desconfiança, principalmente por sua ligeira formação e as dissonâncias entre seus membros, a tarefa de se consolidar no poder não era a das mais fáceis. Apesar das tentativas de agregação da Câmara para apoiar o gabinete, a estranheza da nova conjuntura partidária se confundia com o ineditismo de um deputado na presidência do Conselho e a adesão de grandes figuras conservadoras, como o senador Nabuco de Araújo, apontado como aquele que havia ardilosamente arquitetado aquele arranjo político e que não se declarava nem liberal, nem conservador. Como observado, a ascensão deste ministério notabilizou, além da figura do presidente Zacarias de Góes, outros nomes que na última legislatura já demonstravam certo desconforto com o consagrado arranjo partidário e que agora se colocavam à frente do movimento dissidente. Além de Nabuco, destacaram-se nomes de influência regional, como o barão de Porto Alegre, um dos protagonistas da Contra-Liga do Rio Grande. Em apoio, também se somaram os irmãos Ottoni e Francisco Otaviano, avolumando o argumento dos dissidentes e contribuindo para o amadurecimento da Liga. Uma visão conservadora menos radical do que se esboçou no Parlamento foi dada pelo deputado Fernandes da Cunha. Intitulando-se um “conservador progressista”, que não tinha medo do liberalismo, e amigo de Zacarias de Góes, o deputado se coloca contrário ao gabinete pela celeridade com que as trocas partidárias se formataram, vendo nestas ações intempestivas interesses escusos para a tomada do poder. Reportando-se em maior medida à figura de Nabuco Araújo, o deputado apropria-se da figura da mitologia greco-romana de Hércules para explicar como este agiu em benefício da Liga. Homem de administração, homem de talento superior e de recursos, reconhecido como o elemento forte e necessário de que precisava a liga par descarregar a clave de Hércules nos chamados oligarcas, o ilustre conselheiro, compreendendo a necessidade de definir novas ideias e princípios do grande Partido Progressista e reprovando o procedimento da Câmara dos Deputados, onde não se exibira o programa que devia reger a nova situação o fazer prosélitos; o nobre conselheiro, emendando um erro da Câmara, tentou ensaiar no Senado e nele desenrolar a nova bandeira da liga, ou partido progressista, que em nada se parece com o programa do gabinete, ou menos com essa política larga e penosa, que ninguém sabe em que consiste. Quereis, porém, saber, senhores, qual foi o programa do Sr. Nabuco de Araújo? Perdoe- me o carregado dos coros e o odioso da expressão, era o programa da corrupção!261.

260 ALENCAR, José de. Os partidos. Rio de Janeiro: Typ. De Quirino & Irmão, 1866. p.4, grifo nosso. 261 Ibid., p. 90, grifo nosso. 84

Nabuco seria, na analogia do deputado, o herói responsável pela salvação da decadência do Estado e da degeneração do país colocada pelas mãos tenebrosas da “oligarquia”262 assentada no poder. O Senador estaria assim, investido com a clava de Hércules, a arma utilizada em seu trabalho colossal de enfrentar e golpear todos os seus inimigos, os mais perigosos e inescrupulosos. Se em José de Alencar a Medusa, capaz de transformar em pedra quem olhasse seus olhos, é utilizada para referenciar a Liga, aqui se opera o contrário. Em seu combate, após derrotar seus adversários, Hércules ainda se viu ameaçado pela Górgona que, apesar de enfraquecida, demonstrava ânimo para enfrentar o valente filho de Zeus. Mas ele, utilizando de sabedoria e perspicácia soube defender-se e obter êxito. A Medusa representaria assim a “oligarquia” lutando para permanecer no poder embora já demonstrando claros indícios de suas fragilidades. Já Nabuco, não temendo os artifícios do inimigo, soube lançar suas armas no momento correto, colocando fim a quaisquer empecilhos que atrapalhassem seu caminho.263 Enquanto a formalização da união de “moderados” e liberais se deu ao longo de apenas uma semana e não escapou aos olhos atentos de Fernandes da Cunha, sua maturação não aconteceria com a mesma celeridade. Essa falta de maturação fez com que o primeiro gabinete dos denominados “anos de poder progressista” (1862-1868) sucumbisse em apenas três dias, em decorrência do uso do mesmo artifício que levara a Liga ao poder, ou seja a “desconfiança” da Câmara em relação ao inusitado e inovador ministério. Como argumenta Hélio Vianna, a malograda a aceitação de um Gabinete formado por Zacarias de Góis e Vasconcelos, o Ministério por sua curta duração apelidado dos Anjinhos, o outro [que o seguiu], o dos Velhos, organizado pelo Marquês de Olinda, iria preparar nova situação política, para a qual uma prévia e tranquila dissolução da Câmara, em 1863, preparou terreno às eleições, favoráveis aos progressistas.264

Se na ocasião da formação do gabinete “dos Anjinhos” os jornais mostraram entusiasmo, em sua demissão o tom foi de indignação que ressaltou a coragem dos ministros em assumir o governo em meio a uma grave crise. Para o Correio, esperava-se a próxima vítima pois Abaeté rejeitara a proposta, sobrando a incumbência ao experiente Olinda.

262 O termo “oligarquia” era normalmente utilizado para denominar grupos de poder “ambiciosos” e “interesseiros” que dominam o governo por meio do uti possidetis. Em maio de 1862, quando o projeto de Voto de Graças do Senado entrou em discussão, D. Manoel o definiu como “governar exclusivamente, [cuidando] só dos seus interesses, dos de sua prole e de seus prosélitos”. Cf. BRASIL. Anais do Senado do Império (doravante ASI). 9º sessão em 27 de maio de 1862. p.78 263 Sobre o mito de Hércules ver: MENELAOS, Stephanides. Hércules. São Paulo: Odysseus, 2016. 264 VIANNA, Hélio. História do Brasil: Império e República. São Paulo: Melhoramentos, 1966. (v.3). p.78. 85

Aproveitamos o ensejo para tributar a todos os membros do gabinete 21 de maio a homenagem de respeito e gratidão que lhes é plenamente devida. Chamados a uma posição de inevitável sacrifício, não trepidaram um só instante e muitos deixarão à mercê do próximo governo os seus lugares no seio da representação nacional. No primeiro dia de sessão não haverá na Câmara eletiva um só membro daquele gabinete para dar as razões de sua retirada! O seu digno chefe, esse lutador, diante do qual os adversários estremeceram, foi arredado do combate com os seus dignos companheiros, não pela força da argumentação, nem pelo voto do povo, mas por uma deferência ao regime representativo, que impõe sacrifícios aos caráteres mais ilustres.265

O Diário foi além, e duramente criticou Torres Homem, pontuado como o responsável pelo fracasso dos progressistas. Nos termos do periódico: A maneira por que receberam o novo gabinete provava-o de sobejo, e o que se passou ontem na Câmara confirmou a opinião geral, já formada, sobre a índole ambiciosa dos oligarcas. Sem o monopólio do poder não compreendem que a administração possa marchar. O Sr. Salles e seus companheiros bem claro o deixaram ver. A Coroa deve restar toda a liberdade na escolha de seus ministros, contanto que estes sejam tirados das fileiras da oligarquia.266

As palavras do editor deste jornal bem expressam o sentimento de retirada deste ministério: “o gabinete foi vencido, mas com honra. Derrota, é, esta que vale uma vitória”.267 Era apenas o princípio da remodelação das estruturas partidárias em benefício da urgência do liberalismo e da “modernidade” em processo que acentuaria o estilhaçamento de liberais e conservadores sinalizando o quanto aquelas expressões poderiam ter diferentes significados, conforme veremos no capítulo 2.

265 FBN. Correio Mercantil. 30 de maio de 1862. p.1. 266 BN. Diário do Rio de Janeiro. 30 de maio de 1862. p.1, grifo do autor. 267 Ibid., loc. cit. 86

CAPÍTULO 2- “O poder pelo amor do poder”: o desempenho de Zacarias de Góes na desestabilização dos gabinetes conservadores

Ah! como se desfazem as ilusões! Toda a nova política girou dentro do mesmo círculo vicioso! O poder pelo amor do poder, política de nomes próprios, preponderância de um grupo sobre outro grupo em nome do mesmo partido! [...] Nada mais, nada menos do que a pequena política. Domingos Antonio Alves Ribeiro. Um conto político. Rio de Janeiro: Typ. Cosmopolita, 1879. p.16

Este capítulo aborda o desempenho do gabinete Olinda (30 de maio de 1862) na consolidação da Liga Progressista, destacando como a dissolução da Câmara dos Deputados em 1863 e a realização de novas eleições, atuaram na vitória do grupo de conservadores “moderados” e liberais frente os conservadores “puros”. Ressalta ainda, o retorno de Zacarias de Góes à presidência do Conselho de Ministros (gabinete 15 de janeiro de 1864), circunstância na qual se expressou vivamente a não homogeneidade dos “ligueiros”, que apesar de exitosos no pleito, divergiram sobre a escolha de um conservador “moderado” para a função.

2.1. O gabinete dos “Velhos” e a consolidação da Liga

Com a queda do gabinete 24 de maio de 1862, não desejando conferir “ao governo uma feição antipática às tendências correntes no sentido de maior liberalização”268, o Imperador concedeu um voto de confiança à coligação de “moderados” e liberais. Este posicionamento logo repercutiu na imprensa que encarrou a permanência da Liga Progressista como incapacidade dos “puros” – conservadores “exaltados” ou “vermelhos” – atenderem as demandas da sociedade imperial. Nos termos do periódico A Formiga, o problema não era um governo do Partido Conservador, mas de sua fração “retrógrada” sem amor ao país, isto é, ao progresso da nação: O Brasil pode ser feliz estando no poder os conservadores; pode sê-lo estando os liberais; também o pode ser estando os maiores entusiastas do liberalismo. O Brasil não pode ser feliz se a governança cair nas mãos dos vermelhos; porque a exaltação de suas ideias leva-os a retrogradar em uma época em que todo o gênero humano avança. Esse sistema de aferro ao passado sem querer dar um passo para avante não em nome em política. [sic.]269

268 HOLANDA, 2010, p.89. 269 FBN. A Formiga. 7 de junho de 1862. p.1, grifo do autor. 87

Assim, para substituir Zacarias e formar o novo governo, d. Pedro II recorreu novamente a fração conservadora da Liga. Com a recusa de Abaeté, “para fazer governo sem cores partidárias fixas, ligueiro portanto”270, socorre-se de Olinda271, a quem as Cartas de Erasmo, descreveram como experiente em idade e no jogo partidário: Perdão, marquês. Bem sei que os velhos têm, como as damas, certo fraco; não gostam que se lhes toque na idade. Mas, para quem descobriu a eterna mocidade, os anos que se acumulam tornam-se ao contrário uma faceirice. [...] As memórias dos grandes ministros são um inventário útil de suas ações e um roteiro seguro para os novos publicitas. As vossas, como as de Guizot, deviam primar pela riqueza do assunto. Havendo pertencido a todos os partidos, modernos e antigos a datar da constituinte, vossa autobiografia deve ser um tesouro inexaurível de lição e conselho.272

A escolha, contudo, não foi unânime. Uma parcela de liberais não via em Olinda, como em Zacarias, jovialidade para fazer oposição aos “puros” e dar andamento ao projeto de maior liberalização. No entanto, com uma Câmara dividida e propensa à agitação apesar de ressalvas à escolha imperial, os “ligueiros” o aceitaram. Seu encargo seria o de arrefecer os ânimos e afirmar a administração dos dissidentes. Se o presidente do Conselho não era figura consensual entre seus pares, o mesmo se estendia ao corpo ministerial. Formado com clara interferência do Imperador o novo gabinete tomou assento no dia 30 de maio, com cinco senadores e dois militares. Seguindo seu predecessor, Olinda acumulou o ministério do Império, o visconde de Albuquerque assumiu a pasta da Fazenda, o marquês de Abrantes a dos Estrangeiros, o visconde de Maranguape a da Justiça, Joaquim Raimundo de Lamare a Marinha, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão a Guerra, e Cansanção de Sinimbu a Agricultura.273 Mesmo constituído “de homens sem forte vinculação partidária, é a vitória da Liga, uma força nova”.274 Ainda assim, o que chamou atenção foi a idade avançada de seus componentes, logo utilizada para alcunhar o ministério como gabinete dos “Velhos”.

270 CALMON, Pedro. História da Civilização Brasileira. Brasília: Senado Federal, 2002 [1932]. p.240, grifo do autor. 271 Pedro de Araújo Lima, visconde e depois marquês de Olinda, nasceu em 1793 e dedicou-se a diversos cargos públicos ao longo de sua vida. Foi deputado nas Cortes Portuguesas e constituinte no Brasil, reelegendo-se em várias legislaturas. Em 1837 foi escolhido senador por Feijó e logo depois nomeado como regente, cargo que ocupou até a maioridade de d. Pedro II. Ocupou a posição de ministro por oito vezes, em gabinetes conservadores e progressistas, sendo em quatro o presidente do Conselho (29 de setembro de 1848, 4 de maio de 1857, 30 de maio de 1862 e 12 de maio de 1865). Cf. BLAKE, 1883-1902, (v.7), p.16. 272 ALENCAR, José de. Escritos políticos; Cartas de Erasmo; A corte do leão; A festa macarrônica. Brasília: Senado Federal, 2011 [1866]. p.133, grifo nosso. 273 A formação deste gabinete sofreu alterações em três oportunidades: 8 de junho, 8 de outubro e 18 de novembro de 1862. Cf. BOULANGER, 1864. 274 IGLÉSIAS, 2004, p.110. 88

Sobre esta questão, o conselheiro João Manuel Pereira da Silva argumenta que “quatro ministros eram septuagenários, os outros três aproximavam-se de sessenta: gabinete de anciãos, repousados em seus serviços antigos, e alguns impróprios já para os trabalhos assíduos da administração pública”.275 Se não bastasse as críticas, na sessão de apresentação à Câmara, um incidente protagonizado pelo visconde de Maranguape chancelou o epíteto do ministério e reforçou o discurso dos oposicionistas acerca das limitações dos velhos políticos, como nota- se no relato do Correio Mercantil: Temos que lamentar um triste incidente desta sessão. Quando estavam a discorrer os deputados, o Sr. visconde de Maranguape retirou-se da sua cadeira de ministro, sentindo-se incomodado e pediu que lhe chamassem o carro. Infelizmente o incomodo agravou-se, e S. Ex. foi levado em braços para a sala dos ministros. Aí manifestou-se lhe um ataque apoplético, com paralisia de um lado do corpo. Socorrido imediatamente por vários médicos, foi depois transportado para a casa de sua residência à rua de Santa Teresa.276

Embora o fortuito acontecimento tenha causado comoção a quem assistia à apresentação dos ministros, a imagem do gabinete não se alterou. Esperava-se muito de uma composição que pouco tinha a oferecer. A saída foi assentir a situação e adotar medidas para a manutenção do poder, a exemplo de uma espécie de acerto com os “puros”. Como discorre Pereira da Silva, considerou-se, geralmente, o Gabinete transitório, e apenas incumbido de apaziguar a efervescência das paixões, e guardar neutralidade até que, esclarecidas mais claramente as atmosferas políticas, fosse substituído pelos que representavam ideias e orientações decididas. Resolveram, todavia, os conservadores acolher os ministros com certa benignidade e prestar-lhes os meios necessários de governo. Por seu lado os dissidentes, bem angustiados pela dissolução do ministério de Zacarias, desaparecido da cena como um passageiro relâmpago, simularam igualmente aplaudir a nova situação e esperaram que ela os favorecesse. Ao princípio, queixaram-se os liberais de que se infringiam as normas do regime representativo, organizando-se gabinete extraparlamentarmente. Decidiram-se, contudo, a atender ao correr dos acontecimentos.277

Luís da Câmara Cascudo disserta que o ministério Olinda possibilitou a estabilidade do governo ao não recorrer a figuras extremadas, não acentuando a já conturbada situação parlamentar. Para ele, a neutralidade de seus membros foi determinante para a solidificação da

275 SILVA, João Manuel Pereira da. Memórias do meu tempo, pelo conselheiro João Manuel Pereira da Silva. Brasília: Senado Federal, 2003 [1895]. p.292. 276 FBN. Correio Mercantil. 1 de junho de 1862. p.2. 277 SILVA, 2003, p. 293, grifo nosso. 89

Liga, ainda que propostas progressistas tenham sido preteridas em benefício da permanência desse grupo de políticos no Conselho de Ministros. Em seus termos: Olinda vinha com gente que denunciava a velha confiança e solidariedade mútua. Ele, Maranguape, Albuquerque e Abrantes vinham atravessando desde o primeiro Império. Conheciam bem o palco e melhormente ao público. Sinimbu, liberal de boa escola, era a expressão de juventude administrativa. Não competia em viveza e eterna graça com Lamare, vencedor da idade e dos achaques. Sinimbu era, naquele bloco de resistências e de análises a uma situação que vinha surgindo, um observador vigilante e cauto, espécie de piloto-de-costa que por muito conhece-la ainda mais a respeita e estuda. É de prever que Abrantes, Maranguape e Albuquerque fossem o centro da ação. Olinda trazia consigo senão a vitória ao menos o apaziguamento das atitudes.278

Alinhando-se à percepção de Cascudo, Sérgio Buarque de Holanda explica que a figura de Olinda foi substancial para robustecer a administração dos “ligueiros”. Em seu entendimento, apesar da identificação com a tradição conservadora, a exemplo dos cargos exercidos no transcurso do Segundo Reinado, tinha-se conhecimento que “suas divergências com os correligionários, desde que se afastou da chefia do ministério de 29 de setembro de 48, nunca puderam ser superadas”.279 Tendo atacado atrozmente o congraçamento dos partidos, sob a égide do marquês de Paraná, rapidamente foi transformado numa espécie de herdeiro universal da Conciliação. Talvez devido as divergências pessoais com alguns dos seus correligionários mais graduados, desde que em outubro de 1849 largou o ministério de 29 de setembro (1848), a composição do governo que organizou oito anos mais tarde já permitia que o suspeitassem de certa devoção por Santa Luzia, ou seja, de aliada daqueles que tanto o combateram outrora e a seus amigos. Nem por isso, porém, bastava para afastá-lo completamente de boa parte dos conservadores.280

Avançando esta análise, Eide Sandra Azevêdo Abrêu alinha-se a Pereira da Silva e propõe o entendimento da manutenção deste gabinete como resultado de acordos entre conservadores “puros” e progressistas. A historiadora pontua que apesar de ser difícil precisar como se deram estes ajustes, É digno de nota que, neste momento, enquanto os ‘progressistas’, derrotados na votação que derrubou Zacarias, afirmavam-se os únicos representados pelo ministério, os ‘puros’, que tinham conseguido maioria naquela votação, contentavam-se em se declarar dividindo a representação, na combinação constituída pelo gabinete.281

278 CASCUDO, Luís da Câmara. O marquez de Olinda e seu tempo (1793-1870). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. p.262, grifo nosso. 279 HOLANDA, 2005, p.33. 280 Id., 2010, p.105. 281 ABRÊU, 2011, p.150. 90

Acompanhando esta perspectiva, nota-se que ao longo da administração Olinda poucos foram os momentos de oposição da Câmara ao gabinete. Uma das possíveis explicações era o trânsito do marquês entre conservadores e liberais – flexibilidade que o aproximava da postura de Zacarias –, fundamental para combater as vicissitudes dos quadros partidários e evitar a deflagração de uma crise após a queda do gabinete 24 de maio, ministério dos “Anjinhos”. Deste modo, seguindo a cartilha de seu antecessor e, de certo maneira, demonstrando acerto na Câmara, a apresentação do programa ministerial procurou demonstrar coesão no gabinete e disposição ao diálogo: Para manifestar os princípios por que nos havemos de reger, direi, quanto à política, que o nosso programa está nas nossas opiniões, nos nossos atos, aquelas manifestadas, e estes praticados no decurso de muitos anos. No ministério acham-se dois membros que pela primeira vez entram nos conselhos da Coroa. Sisudos, inteligentes e práticos, eles abundam perfeita e completamente nosso modo de pensar.282

Na imprensa liberal que respaldava o governo283, a proposta do gabinete não encontrou resistência, creditando confiança ao novo corpo ministerial, bem como ao traquejo político de seu presidente. O Diário do Rio de Janeiro e A Formiga, por exemplo, encararam com otimismo a propositura de Olinda, como nota-se em seus editorais:

O Sr. marquês de Olinda, presidente do Conselho, expôs o programa do novo gabinete, declarando que nas necessidades já expostas no discurso da Coroa estavam de acordo todos os ministros. S. Ex. acrescentou mais que os nomes, as opiniões e os atos de cada membro do ministério eram garantias das ideias que se propunham realizar.284

Muito, tudo, temos a esperar da nova organização ministerial. A combinação Zacarias augurava bem para o país, a combinação Olinda oferece igualmente todas as probabilidades de governar com justiça e liberdade. Prestemos fé ao programa dos novos ministros; bem longe de hostiliza-los coadjuvemo-los em tudo quanto dependa de cada um e de todos em geral.285

O aparente acolhimento do ministério e a disposição ao diálogo, porém, não provinha de todas as direções. Destacam-se as apreciações negativas advindas de uma fração do quadro liberal, desejosa de maior participação após as eleições de 1860. A este exemplo,

282 ACD. Sessão de 31 de maio de 1862. p.108, grifo nosso. 283 Como explica Silvana Mota Barbosa, artigos publicados nos jornais – com exceção do Jornal do Commercio – , especialmente os do Diário do Rio de Janeiro e o Correio Mercantil, “em linhas gerais, atacavam a política encaminhada pelos conservadores, mais especialmente de um grupo denominado de ‘consistório’, formado por um ‘papa, seus cardeais e espoletas’”. O “papa” era Eusébio de Queirós, que para estes periódicos era o “chefe dos oligarcas”, daí o respaldo destas folhas liberais com gabinetes progressistas. Cf. BARBOSA, 2007, p.157. 284 FBN. Diário do Rio de Janeiro. 1 de junho de 1862. p.1. 285 FBN. A Formiga. 7 de junho de 1862. p.1. 91

Martinho Campos posicionou-se contrário as palavras do presidente, colocando as escolhas de Olinda em suspeição e argumentando sobre suas dúvidas acerca da sinceridade do governo constitucional do Brasil. Sr. presidente, o programa que acabamos de ouvir da boca de um dos homens de Estado que mais respeito e mais veneração me merece, por sua conduta política, por sua ilustração, por suas excelentes qualidades pessoais e longa prática dos negócios, não é de nenhuma forma próprio para tranquilizar-me sobre estas dúvidas. A Câmara dos Deputados compreende que os meus receios a respeito do que entre nós se chama governo representativo não podem ter diminuído, pelo fato, que nós não vemos há muitos anos no nosso país, de uma organização ministerial, a que a Câmara dos Deputados é absoluta e inteiramente alheia!...286

As queixas do deputado referiam-se às interferências do Monarca na organização dos governos do Segundo Reinado. Martinho Campos representava os liberais que desejavam mudanças imediatas e uma composição ministerial alinhada aos desejos da Câmara. Se Zacarias, como líder da oposição vitoriosa e primeiro deputado a presidir o Conselho significou o triunfo da representatividade, Olinda, em sua percepção, denotou o contrário, exprimindo o corolário do poder pessoal do Imperador. Enquanto para o deputado do Partido Liberal as circunstâncias de formação do gabinete representaram a violação do governo representativo, esta ingerência, para Pandiá Calógeras, pode ser entendida como resolutiva para a manutenção do poder político da Liga. Porquanto, foi na administração Olinda que este grupo, posteriormente denominado Partido Progressista, se solidificou. Para o historiador, “muito atento em não ferir o sentimento público, [o Imperador] usava de sua influência para guiar o país e seus representantes em rumo das soluções que ele achava mais adequadas ao bem da comunhão”.287 A este respeito, para Buarque de Holanda, o gabinete 30 de maio conferiu estabilidade à atmosfera de inconstância dos setores políticos criada após a queda de Zacarias.288 Para Joaquim Nabuco, “a probabilidade é que a Liga teve sempre, como teve a Conciliação, a simpatia, o apoio e a cooperação constitucional do imperador, que via nela o desenvolvimento, a evolução da ideia conciliadora de 1853”.289 Neste entendimento, à exceção de divergências em questões menores, ao não propor alterações ao consagrado arranjo político dos conservadores e pela pacificação dos ânimos, o ministério 30 de maio marcou uma administração pouco contestada e segura do ponto de vista

286 ACD. Sessão de 31 de maio de 1862. p.108, grifo nosso. 287 CALÓGERAS, 2009, p.257. 288 HOLANDA, 2005, p.32. 289 NABUCO, 1899, p.78 92

parlamentar. No entanto, ainda que sem grandes dificuldades no terreno partidário, a administração Olinda foi afetada em outro setor de governo, o diplomático, em virtude da contenda com a Grã-Bretanha, conhecida na época como “Questão Christie”. Segundo José Murilo de Carvalho, desde 1861 William Dougal Christie, representante inglês no Rio de Janeiro, procurava pretextos para importunar o governo brasileiro. A altercação inicial foi um saque aos restos da fragata, Prince of Wales, naufragada no Rio Grande do Sul. No ano seguinte, os debates retornaram por “outro incidente no Rio de Janeiro, quando três oficiais ingleses pertencentes à tripulação da fragata Fort foram presos na Tijuca por desacato à polícia”.290 Christie pediu “indenização pelo primeiro caso e satisfações pelo segundo: considerando que o Governo não tomava as providências cabíveis, ordenou que vários navios britânicos se apossassem de navios brasileiros”.291 Como resposta, o Imperador tomou a defesa do país e pagou a requerida indenização, solicitando uma explicação plausível sobre o acontecido. Contudo, “d. Pedro II julgou insuficientes as satisfações e houve rompimento entre as duas nações, com o abandono dos dois países por seus representantes”.292 As negociações entre a Grã-Bretanha e o Brasil se deram inicialmente por intermédio de Portugal. Contudo, tumultuadas, circundadas de boatos e atravancada pelo Senado brasileiro e o gabinete, não foram frutíferas. Nas palavras de W. D. Christie, em seu Notes on Brazilian Question: I had been in the belief, [...] gave notice of a motion for next session for the repeal of the "Aberdeen Act", until the coming of which the "Friend to both Countries" was very anxious to postpone all discussion about Brazil , that those in this country knowing the feelings and watching the interests of the Brazilian government, regarded the mediation as at an end. I had not, therefore, been surprised at the rumour which followed the arrival of a previous mail from Brazil, that the terms recommended by the Portuguese government had been rejected by the Brazilian cabinet.293

Com a demora na solução do litígio, o transtorno no campo diplomático se estendeu ao longo da vigência do gabinete Olinda, sendo definitivamente resolvido no final de 1863, quando o rei Leopoldo da Bélgica, árbitro da causa, e “um amigo de ambos os países” – para

290 CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p.103 291 IGLÉSIAS, 2004, p.111. 292 Id., 1993, p.170. 293 CHRISTIE, William D. Notes on Brazilian Question. , Cambrigde: Macmillan and Co, 1865. p.174- 175. “Eu estava crente, desde a notícia sobre uma moção para a próxima sessão para a revogação do "Aberdeen Act", até a chegada do "Amigo de ambos os países" estava para postergar toda a discussão sobre o Brasil, que todos neste país, conhecendo os sentimentos e observando os interesses do governo brasileiro, consideravam a mediação [sic] como que acabada. Desta forma, eu não estava surpreso sobre o rumor que se seguiu à chegada de uma mensagem anterior do Brasil, de que os termos aconselhados pelo governo português haviam sido rejeitados pelo governo brasileiro”. 93

utilizar as palavras de Christie – deu vitória ao Brasil. As relações entre os dois países, no entanto, permaneceram abaladas até 1865, quando o novo enviado inglês, Edward Thornton, pediu desculpas e o congraçamento foi reestabelecido.294 Para Pedro Calmon, “o governo do Brasil apelou para as nações cultas, tratou de aparelhar-se para a guerra, recusou a tratar com Christie se não mandasse restituir as presas, e teve a satisfação de ver seu ponto de vista vencedor, no laudo arbitral do rei dos belgas”.295 Como argumenta Richard Graham, os “dois incidentes [Prince of Wales e Fort] não ofereciam explicação suficiente para os acontecimentos que se seguiram. Parece que a Grã- Bretanha procurava uma ocasião para exibir seu domínio de poder”.296 A este respeito, W. D. Christie em seus Notes, traçou o percurso que levou ao rompimento entre as duas nações. Salienta a demora da disposição do Brasil em não adotar os postulados ingleses de libertação dos escravos, a situação dos africanos no Brasil e as reivindicações da Grã-Bretanha desde a década 1850. Por fim, explica o desfecho do imbróglio, denominado por ele como “Represálias no Brasil”.297 Para Robert Edgar Conrad, a obra de Christie, Observed that one effect of the suspencion of relations in 1863, for which his own undiplomatic procedures were evidently responsible, was the hastening of emancipation of free Africans. Christie claimed that the Brazilian government had followed policies of delay when dealing which the question free Africans which could be compared with their former policies on the slave trade question.298

Sobre este aspecto, Daniel Jacuá Sinésio consolida a explicação que a motivação implícita ao conflito foi a escravidão, em virtude da contenda se estabelecer através “de um discurso nacionalista do Império, contra uma pressão de décadas por parte da Grã-Bretanha em relação ao fim do tráfico”.299 Assim, a “Questão Christie” não foi um fato isolado, mas resultado de uma série de desentendimentos entre os dois países, como os problemas concernentes ao

294 CARVALHO, 2007, p.105-106. 295 CALMON, 2002, p.240. 296 GRAHAM, Richard. Os fundamentos da ruptura de relações diplomáticas entre o Brasil e a Grã-Bretanha em 1863: "A questão Christie". Revista de História, São Paulo, v. 24, n. 49, mar. 1962. p.117. 297 CHRISTIE, 1865, passim. 298 CONRAD, Robert Edgard. The Destruction of Brazilian Slavery, 1850-1888. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press, 1972. p. 43. “observou que um efeito das relações de desconfiança em 1863, para o qual seus próprios procedimentos não diplomáticos eram evidentemente responsáveis, foi aceleração da emancipação dos africanos livres. Christie alegou que o governo brasileiro havia seguido políticas atrasadas ao lidar com a questão dos africanos que poderiam ser comparadas com suas políticas anteriores sobre a questão do comércio de escravos”. 299 SINÉSIO, Daniel Jacuá. A Questão Christie e a atuação do secretário João Batista Calógeras (1862-1865). 2013. 147 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2013. p.132. 94

tráfico e a renovação do tratado de comércio em 1842. Seu desfecho, significou então, uma demonstração do poder do Imperador àqueles que atacassem a dignidade do Brasil.300

2.1.1. A dissolução da Câmara e as eleições de 1863

Fortemente envolvido com a “Questão Christie”, o ministério Olinda se arrastou até janeiro de 1864, pois, quando solucionado o conflito, teve dificuldades para acertar-se com a deputação, bastante dividida, terminando por se extenuar. Como explica Francisco Iglésias, na Fala do Trono de 1863 observa-se que as antigas teses liberais, como a necessidade de alteração no Código de Processo Criminal, na Guarda Nacional e no recrutamento já eram patrimônio comum.301 Assim, logo aberta a Sessão Legislativa, a Câmara foi dissolvida. Em momentos anteriores, Caxias e Zacarias haviam realizado o pedido de dissolução da Câmara, que negados, impuseram a entrega dos respectivos gabinetes.302 Todavia, com Olinda a apreciação do Imperador foi diferente. O gabinete estava desfalcado com a doença de Lopes Gama, o falecimento de Holanda Cavalcanti, a exoneração a pedido de Polidoro da Fonseca, além de abalado com a “Questão Christie”. Logo, os ministros da ativa tiveram que acumular as pastas ministeriais. Como explica o conselheiro J. M. Pereira da Silva, “permaneciam os partidos em sua anterior situação: a maioria compacta conservadora, e por meia dúzia de votos dela distanciados os liberais e dissidentes”.303 Aberta a Assembleia Geral e escolhida a comissão de resposta a Fala do Trono, antes mesmo de alguma ação dos conservadores “puros” para derruba-lo, Olinda recorreu ao monarca: “Estavam discriminadas as fronteiras dos partidos. De um lado, o conservador genuíno, repelido pelo Ministério, e de outro, as duas facções liberal e dissidente”.304 De acordo com Joaquim Nabuco, esperava-se que Olinda fizesse o pedido no ano anterior, Passam-se, entretanto, os meses, e o Ministério mostra-se cada dia mais vacilante perante a dissolução. Sem ela a sorte da Liga é precária. Na sessão seguinte o Gabinete pode achar-se em minoria na Câmara e talvez a Coroa chame novamente ao poder a oposição Conservadora. A dissolução tarda para os que se adiantaram; os Liberais, sobretudo os Mineiros, sentem-se bem, qualquer que seja a resolução, mas os Moderados arriscam-se, com ministério adverso, a ficar entre dois fogos, o da reação conservadora e o do Liberalismo

300 IGLÉSIAS, 2004, p. 111; CALÓGERAS, 2009, p.257. 301 IGLÉSIAS, 2004, p. 111-112. 302 HOLANDA, 2005, p.16; HOLANDA, 2010, p.88. 303 SILVA, 2003, p. 302 304Ibid., 303 95

histórico que ele reanimasse para castiga-los, em Pernambuco, por exemplo, no Ceará, no Pará, onde quer que ele tivesse elementos.305

A dissolução da Câmara, efetivada apenas em maio de 1863, era ansiada por uma parcela de progressistas desde o término do ano anterior, como nota-se na correspondência trocada entre Zacarias de Góes e José Antônio Saraiva quando se discutia a disputa pela presidência da Bahia306. Naquela ocasião, apesar de insatisfeito com a demora no encerramento do ciclo legislativo, Zacarias mostra-se fiel ao ministério Olinda, a quem atribuí maioria amiga. Mas ressalta que alguns ministros não “cediam lugar” e se “agarravam às pastas”: “Esteve ele [Olinda] ponderando-me as razões porque inclinou-se a mandar proceder logo a eleição: a dissolução é coisa incerta, e, pois, não há tempo a perder”.307 Se a dissolução era ainda coisa incerta no final de 1862, cinco meses depois ela foi concretizada. Machado de Assis descreveu a situação como uma das crônicas políticas mais “fartas” e “interessantes” e parece fazer analogia da política brasileira com as pretensões dos ingleses sobre o Brasil que sucumbiram na “Questão Christie”: Com efeito a situação a que pôs termo o decreto de 12 corrente marca, na história do império, um dos mais graves e embaraçosos momentos; e a mais simples exposição do meu pensamento em relação à gravidade do caso e ao alcance da medida, bastaria para encher o espaço de três crônicas. Os ingleses têm, entre outras manias, a mania de grandes e singulares apostas. Não menos ingleses foram muitos dos nossos políticos que, confiados cada qual na sua impressão ou na esperança, lançaram-se à aventura e ao azar da fortuna. Qual, apostava em bilhetes da loteria afirmando a confirmação da câmara temporária; qual, punha a sua fortuna em jogo, se alguém a quisesse aceitar, afirmando a conservação do gabinete; e neste movimento escoaram-se os dias que mediaram entre a abertura do parlamento e a dissolução da câmara.308

Ao atender Olinda, o Imperador utilizou a prerrogativa constitucional do Poder Moderador, “prorrogando, ou adiando a Assembleia Geral, e dissolvendo a Câmara dos Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação do Estado; convocando imediatamente outra, que a substitua”309, como nota-se no decreto nº 3092 de 12 de maio de 1863: Usando das atribuições que me confere a Constituição no art. 101, § 5º, e tendo ouvido o Meu Conselho de Estado: Hei por bem dissolver a Câmara dos

305 NABUCO, 1897, t.2, p.97 306 As missivas de Zacarias à Saraiva indicam o desejo do primeiro pela reeleição de Antônio Coelho de Sá e Albuquerque à presidência da província da Bahia ainda na administração Olinda. Cf. IHGB. Carta de Zacarias de Góes e Vasconcellos à José Antônio Saraiva. Rio de Janeiro, 10 de agosto de 1862. Coleção Saraiva. DL 270.46. 307 IHGB. Carta de Zacarias de Góes e Vasconcellos à José Antônio Saraiva. Rio de Janeiro, 22 de dezembro de 1862. Coleção Saraiva. DL 270.47., grifo nosso. 308 ASSIS, Machado de. O Futuro. Campinas: Editora da Unicamp, 2014. p.137 309 BRASIL. Constituição política do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1824. p.24. 96

Deputados e convocar desde já outra, que se reunirá no dia 1º de janeiro do ano próximo futuro. O marquês de Olinda, Conselheiro de Estado, Senador do Império, Presidente do Conselho de Ministros, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império, assim o tenha entendido e faça executar.310

A dissolução da Câmara dos Deputados era, assim, de competência exclusiva do Imperador. E como nota-se no quadro abaixo, era utilizada com parcimônia pelo Monarca, especialmente em crises políticas expressivas.311

Quadro 1. Dissoluções da Câmara dos Deputados no reinado de d. Pedro II Classificação dos atos Anos Data dos Decretos Resumo dos Decretos 1844 24 de maio Convoca logo outra Câmara para reunir-se no 1º de janeiro de 1845 1849 9 de fevereiro Convoca logo outra Câmara para reunir-se no 1º de janeiro de 1850 1863 12 de maio Convoca logo outra Câmara para reunir-se no 1º de janeiro de 1864 1868 18 de julho Convoca logo outra Câmara para reunir-se no Dissoluções da Câmara dia 3 de maio de 1869 1872 22 de maio Convoca logo outra Câmara para reunir-se no dia 1º de dezembro do mesmo ano. 1878 11 de abril Convoca logo outra Câmara para reunir-se no dia 15 de dezembro do mesmo ano 1881 30 de junho Convoca logo outra Câmara para reunir-se no dia 31 de dezembro do mesmo ano. Fonte: (Adaptado). Secretaria do Senado, em 12 de março de 1883. O oficial-maior, Manuel Paulo de Mello Barreto. In: BRASIL. Senado. Regimento interno do Senado acompanhado do Regimento Comum, dos quadros demonstrativos da abertura e encerramento da Assembleia Geral Legislativa, e das prorrogações, convocações extraordinárias, adiamentos da Assembleia Geral, bem como da dissolução da Câmara dos Deputados, e do quadro dos senadores do Império do Brazil, desde o anno de 1826 até o de 1883. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1883. p.52-53.

310 BRASIL. Coleção de Leis do Império do Brasil. (tomo XXVI, parte II). Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1863. p.205. 311 De acordo com Sergio Eduardo Ferraz, a dissolução da Câmara dos Deputados em 1844 se deu em virtude da alternância de um gabinete liberal por um conservador. Naquela circunstância, a 5ª legislatura contou com a Casa quase que unanimemente dominada por parlamentares conservadores. Em 1849, operou-se o contrário, a substituição de um gabinete conservador por um liberal e uma Câmara majoritariamente composta pelo Partido Liberal na 7ª legislatura. Em linhas gerais trata-se do início e término do denominado “quinquênio liberal” Cf. FERRAZ, 2012, p.67. 97

Por meio do decreto, com comissão já constituída, o Voto de Graças relativo a Fala do Trono de 3 de maio não foi realizado, convocando-se eleições imediatas. De acordo com Hélio Vianna, a ação do Imperador, em “uma prévia e tranquila dissolução da Câmara”312 interveio precisamente no campo eleitoral e foi benéfica ao fortalecimento do grupo progressista. Para Holanda, o encerramento antecipado da 11ª legislatura (1861-1863) significou o prolongamento do gabinete Olinda, mas sinalizou para o “coro crescente das vozes denunciadoras dos ‘quatorze anos de domínio da oligarquia’”.313 Sobre a dissolução, o editorial do Correio Mercantil descreveu a situação da seguinte forma: Impotente para fortalecer a qualquer governo, a Câmara não satisfazia as condições do sistema representativo. Era um embaraço para todas as opiniões e para todos os partidos; era a negação de todos os sistemas: destruía, sem poder edificar. [...] Sem embargo, a Coroa, querendo por seu espírito conciliador adiar até o último momento o recurso da dissolução, confiou o governo a um ministério, que não era a expressão genuína de nenhum dos partidos em luta, mas que tendo grande prática dos negócios do Estado e uma imparcialidade de vistas em relação aos interesses legítimos e aspirações daqueles partidos, podia obter do Parlamento as medidas essenciais, e assim realizar o pensamento da Coroa de evitar-se a dissolução.314

Como se verifica, o jornal posiciona-se pela dissolução, apontando a fraqueza do governo ministerial presidido por Olinda, que não encontrava dentro e fora da Câmara o respaldo para continuar a administrar. Para o Correio, somente duas alternativas se faziam legítimas nesta circunstância: a dissolução ou a demissão. Em vista do apreço da Coroa pelo gabinete, a medida foi o encerramento do ciclo legislativo, atendendo os apelos da opinião nacional e evitando constrangimento com o marquês e seus ministros. Semelhante ao Correio, o Diário do Rio de Janeiro se mostrou satisfeito com a ação monárquica de atender o desejo geral da sociedade brasileira. Em seus termos, “o respeitoso silêncio e a atitude digna e nobre com que o povo recebeu a notícia dessa evolução política demonstrou que, se a dissolução da Câmara correspondia a uma exigência da situação. Traduzia também a aspiração e desejo geral” [sic].315 Estas folhas, representativas da ressonância que as ideias progressistas tinham no Rio de Janeiro, prestigiaram a ação do Imperador, e também mencionaram indícios das fragilidades inscritas no Conselho de Ministros. Noticiaram que dissolvida a Câmara, o ministro

312 VIANNA, 1966, p.78. 313 HOLANDA, 2010, p.118. 314 FBN. Correio Mercantil. 13 de maio de 1863. p.1, grifo nosso. 315 FBN. Diário do Rio de Janeiro. 13 de maio de 1863. p.1. 98

da Guerra, Quintanilha Jordão, pediu demissão do cargo e foi substituído às pressas por Antônio Manuel de Mello, em uma tentativa de demonstrar a estabilidade do governo. Com os problemas diplomáticos aparentemente superados, as eleições dadas sob a tutela do ministério Olinda ocuparam o noticiário político a partir de agosto. Enquanto a governança do país voltava aos trilhos, as articulações regionais para a escolha de candidatos acentuaram a rivalidade de “puros” e “moderados”. Ataques e provocações partiram de ambos os lados, que chegaram a véspera do pleito com ânimos exaltados. Se a Liga sinalizava um programa de reformas, os antigos conservadores indicavam fragilidades e inconsistências da direção progressista. Se os “puros” divulgavam o retorno à estabilidade conservadora, os “ligueiros” apontavam para a necessidade do progresso. O panorama eleitoral, porém, era favorável aos dissidentes, que encontravam nos veículos jornalísticos, a exemplo do Diário e do Correio Mercantil, notáveis aliados. Mesmo que em momentos pontuais a imprensa liberal não concordasse com a política progressista, a manifestação de apoio à passagem de poder dos “puros” aos “ligueiros” foi importante desde a instalação do gabinete 24 de maio de 1862. Com as eleições, o desejo geral de recomposição da Câmara noticiado pelo Diário do Rio de Janeiro e o Correio Mercantil serviu para que estes jornais se manifestassem mais claramente, marcando posicionamento acerca dos grupos políticos concorrentes. Nesta oportunidade, o Diário e o Correio, alinharam-se aos dissidentes, dando como certa uma imperativa vitória progressista e criticando aqueles que questionavam sua capacidade de constituir uma maioria no Parlamento. Em seus termos: O desacordo nos votos dos progressistas daria a nossos adversários dois importantes triunfos: - o triunfo numérico, apesar de sua minoria real e o triunfo moral porque se apresentariam unidos e formando partido disciplinado. Recomendamos, portanto, toda a abnegação e disciplina aos nossos aliados, que não puderam ser contemplados para o eleitorado. 316

Divulgando a lista de candidaturas da chapa progressista, as edições do Diário e do Correio de 8 e 9 de agosto foram dedicadas a propagandear a candidatura dos “moderados” e liberais. De acordo com os jornais, o resultado das eleições de 1863 daria a sentença das urnas ao que se operava no país. Esperava-se que o pleito demonstrasse qual dos partidos representava verdadeiramente a opinião nacional. O problema, como destaca Joaquim Nabuco, era explicar as nomenclaturas dadas à união em cada região do Império: “liga”, “fusão”, “coalisão”.

316 FBN. Diário do Rio de Janeiro. 8 de agosto de 1863. p.1. Correio Mercantil. 8 de agosto de 1863. p.1, grifo nosso. 99

Em cada província os ministeriais explicavam a seu modo a aproximação que se tinha operado; em umas, como Minas e S. Paulo, onde os elementos liberais eram os mais fortes e a defecção conservadora quase nula, dizia-se que era o partido Liberal, por pouco não dizia Luzia, que tinha atraído o grupo de Conservadores convertidos às ideias de progresso e lhes abria os braços; em outras, como a Bahia, onde o contingente Liberal histórico era insignificante e a força do partido era dos Moderados, a explicação era que, tendo passado a época das revoluções, tinha passado também a da repressão, e que a minoria esclarecida do antigo partido Conservador não hesitara em aceitar o concurso dos seus adversários de outras épocas para iniciar, a despeito da oligarquia do partido encastelada no Senado, uma época de reformas liberais [...].317

Se a explicação da Liga Progressista era complexa e não consensual, com o processo eleitoral não foi diferente. Enquanto os progressistas se valiam das páginas do Diário e do Correio, os conservadores “puros” recorreram ao Jornal do Commercio para fazer oposição e criticar a traição de seus antigos aliados. Nas publicações a pedido, Francisco de Sales Torres Homem assinou um manifesto intitulado Aos eleitores do 1º distrito da província do Rio de Janeiro, onde expõe que a dissolução da Câmara fora uma trama criada em benefício de seus opositores. Segundo o antigo liberal, agora tornado conservador “puro”, quando a tribuna ia levantar a voz e dirigir-se à razão pública, um decreto de dissolução veio impor-lhe silêncio, e privar o país da apreciação de tão grave medida. Assim, do acordo unânime da Câmara dos Deputados com o ministério na sessão passada ao golpe que a dissolveu, ainda antes de haver manifestado pensamento diverso, nada permeou para explicar a transição. Suprimida a discussão, só ficou entre estes dois fatos extremos um abismo sem fundo e sem luz, onde em vão se procuraria encontrar as causas constitucionais desta estupenda sucessão.318

Reforçando o argumento de acerto proposto por Pereira da Silva e Eide Abrêu, o manifesto de Sales Torres Homem demonstra que até a dissolução da Câmara os “puros” trabalharam em “harmonia” com o gabinete, cedendo, mesmo que a contragosto, às pressões ministerialistas para dar prova de sua “cordialidade”. Em relação ao problema, o conservador “puro” cita duas questões administrativas, nas quais renunciaram da posição para conservar esta “harmonia”: A primeira referia-se a redução em grande escala, que havíamos proposto, das despesas públicas, para aproximá-las da receita tanto quanto possível fosse e fechar o golfão dos enormes déficits dos últimos orçamentos, que atribulam o presente e ameaçam devorar o patrimônio do futuro. A segunda questão foi a da supressão do privilégio do pavilhão nacional na navegação costeira; supressão que desorganizaria um dos ramos mais dignos de proteção da indústria brasileira, e cortaria em flor todas as aspirações ao engrandecimento marítimo deste Império.319

317 NABUCO, 1897, t.2, p. 99-100. 318 FBN. Jornal do Commercio. 8 de junho de 1863. p.1, grifo nosso. 319 Id. Ibid. 100

Este cenário de conflito entre progressistas e “puros” se tornou mais sério com a divulgação dos primeiros boletins de mesas eleitorais apresentados a partir de 10 de agosto. Para Iglésias, as eleições apresentaram “muitos problemas regionais: aqui era preciso falar que ela é a própria imagem do Partido Liberal, em outra Província que é o espírito conservador moderado, que se entende com as ideias do adversário no que lhe parece razoável”.320 Todavia, a tendência que se esboçava com as primeiras apurações era a da vitória progressista. Um exemplo das disputas regionais é retratado pelo barão de Mauá em carta a Ricardo José Ribeiro, gerente do Banco Mauá em Montevidéu. Na missiva, Mauá expõe sua insatisfação com dois deputados, que além dele, sagraram-se eleitos pelo 2º círculo do Rio Grande do Sul, o que denota o seu isolamento dentro da bancada da sua própria província. O também liberal Antônio Gomes Pinheiro Machado e o conservador Joaquim José Afonso Alves. Eleições – Não posso deixar de sentir-me lisonjeado e agradecido pelo fato da minha reeleição, posto que na verdade me desgosta os dois companheiros que segundo consta são dois grandes tratantes. A culpa foi do Amaro que nunca quis entender com o barão de Porto Alegre. Estou pois em posição um tanto esquerda, porque é impossível cordialidade, ou outras relações que não sejam, apenas, de cortesia entre mim e alguns Deputados da província. Creio que removerei todos os obstáculos para seguir para Europa no mês de Abril a ver se por lá posso prestar melhores serviços, ao nosso País, do que o poderei fazer na Câmara, desde que não há consideração alguma que me arraste para a Política, especialmente a política mesquinha de nossa terra que eu cada dia mais detesto.321

Além das críticas ao modo de se “fazer política” no Império, do qual ele próprio não se privava, verifica-se no relato de Mauá como as alianças regionais eram determinantes para resultados favoráveis nas eleições de dois graus. Cita que um deputado liberal de sua estima, Amaro José de Ávila da Silveira, não se reelegeu ao não propor coligação com um dos líderes progressistas da região, Manuel Marques de Souza, barão de Porto Alegre. Da escola liberal, Porto Alegre, desde a década de 1850 expressava sua capacidade de confronto e de dominar os redutos eleitorais da região. Homem de confiança dos progressistas no Rio Grande do Sul, seu desempenho credenciou-o a ser ministro da Guerra no gabinete dos “Anjinhos” (24 de maio de 1862). Zacarias percebeu seu alcance na política do sul do Império, suas habilidades no interregno militar e no estabelecimento de acordos e parcerias relevantes ao jogo partidário. Parece-nos que reconhecia em Porto Alegre a

320 IGLÉSIAS, 2004, p.112. 321 IHGB. Carta do barão de Mauá à Ricardo José Ribeiro. Montevidéu, 4 de novembro de 1863. Coleção Mauá. DL 513.9. grifo do autor. 101

mobilidade política necessária para transitar entre conservadores e liberais – era figura que não apresentava contrariedade. Reeleito pelo 1º distrito, trazia para a 12ª legislatura (1864-1866) o arbítrio da política local que se refletiu na eleição de uma maioria progressista nos seis cargos da província, a contar o próprio Mauá, que diferentemente, não contava com o mesmo respaldo de Marques de Sousa. Contudo, foi beneficiado por suas relações com Porto Alegre. Como destaca Rui Mateus Ramos, “Manuel Marques de Sousa, [então] Conde de Porto Alegre, manteve constante amizade com Mauá, indicando-o espontaneamente desde 1853 para deputado pelo Partido Liberal do Rio Grande do Sul”.322 O envolvimento de Irineu Evangelista com a Revolução Farroupilha parece ter os aproximado. Naquela circunstância, recebeu em sua residência no Rio de Janeiro variados revolucionários, o que lhe rendeu capital político para se candidatar. No entanto, Mauá não era figura consensual no Partido, tinha em Gaspar Silveira Martins seu principal concorrente, fazendo com que disputassem voto a voto uma vaga na Câmara dos Deputados.323 Outra competição eleitoral importante deu-se no município neutro entre o liberal “histórico” Chichorro da Gama, que fora presidente de Pernambuco durante a gestão praieira, e o conservador “moderado” José Caetano. Nesta circunstância, sagraram-se eleitos os liberais Saldanha Marinho, Francisco Otaviano, e José Caetano, este último candidato apoiado por Zacarias, fato que levou os chichorristas a questionarem a legitimidade da Comissão Central. Sobre este assunto, escrevendo ao amigo Saraiva, Zacarias aponta a vitória de seus candidatos, mas sugere possíveis dissidências no grupo: Também aqui triunfou, como era de esperar, o nosso lado; mas declarada a vitória, seguiu uma dissidência bem desagradável, conforme verá nos jornais; dissidência que se pega pela suposta preferência dada pelo Diretório ao nome de José Caetano dos Santos sobre o de Chichorro da Gama.324

Como se nota, atritos entre liberais “históricos” e conservadores “moderados” ao longo do processo eleitoral” já indicavam possíveis dissidências na Liga, como relatado pelo próprio Zacarias. Assim, no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro o resultado das eleições revelou vitória progressista, fato que se consumou nas reuniões iniciais da Câmara recém-eleita,

322 RAMOS, Rui Mateus. A visão do Barão de Mauá sobre a política externa brasileira no Rio da Prata: 1850- 1865. 2009. 126 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2009. p.17. 323 Id. Ibid. 324 IHGB. Carta de Zacarias de Góes e Vasconcelos a José Antônio Saraiva. Rio de Janeiro, 06 de setembro de 1863. Coleção Saraiva. DL. 270.47, doc. 6. 102

convocadas dezoito dias antes da abertura da Assembleia Geral, quando as comissões encarregadas da validação dos eleitos penderam para os progressistas.325 O sentimento dos “puros” acerca das Comissões de Poderes pode ser sintetizado pelas palavras do deputado Costa Pinto: “Não sei se a Câmara tem cumprido o seu dever, mas sei que tem deixado de aprovar diversos pareceres nas partes que dizem respeito a eleições de amigos, e neste sentido tem sido aprovadas emendas que importarão uma condenação ao proceder das comissões”.326 Outro exemplo de desentendimento entre os partidos deu-se com as eleições da província de São Paulo. Discutindo o processo eleitoral, José Bonifácio, eleito pelo 1º distrito, mostrou-se, em tom de ironia, contrário à anulação de votos de alguns candidatos conservadores que receberam apoio de eleitores liberais. Para ele, o pleito “não é uma eleição política, é uma eleição de afeições e amizades” e que os “conservadores [de sua província] que triunfaram nessa peleja de afeições serão conservadores na forma, mas não são conservadores no fundo”.327 Este posicionamento incomodou aos “puros”, que reagiram com Antônio da Costa Pinto e Silva, deputado pelo 3º distrito: O nobre deputado, quem me refiro, reconhecendo-nos como deputados pelo 3º distrito eleitoral de São Paulo, pretendeu, todavia, pôr em dúvida a legitimidade de nosso mandato. E por que, senhores? Porque pareceu surpreendente ao nobre deputado que a onda do progresso e da opinião pública que tinha transformado o país em pouco mais de sete meses não tivesse chegado ao sertão da nossa província. Houve uma má apreciação do nobre deputado. Essa onda de progresso não deixou de chegar só ao sertão da nossa província; deixou de penetrar em toda ela, pois que na realidade não vi que ali se desse em parte alguma essa transformação de opiniões.328

Se investidura no cargo por parte dos “puros” não era beneficiada pelas Comissões, eles também não poderiam recorrer à mesa interina, coordenada pela massiva presença de progressistas. Reeleito deputado, Zacarias, era o responsável por presidir os trabalhos, assessorado pelos liberais Cristiano Ottoni, Franco de Almeida e Saldanha Marinho. Como destaca Silvana Mota Barbosa, Zacarias e Teófilo Ottoni foram os líderes da Liga na Corte nas

325 Conforme o artigo 2º do Regimento Interno da Câmara dos Deputados: “Às onze horas da manhã ocupará a cadeira da presidência o deputado, que for mais velho em idade dentre os presentes; e convidará para servirem interinamente de secretários os quatros deputados, que mais moços lhe parecem: havendo reclamação de que existam outros mais moços, os presentes decidirão, por meio de votação, quais devam ser chamados.” Cf. BRASIL. Câmara dos Deputados. Regimento interno da Camara dos Deputados acompanhado do Regimento Comum, Constituição Política do Império, Acto Addicional, Lei de Interpretação, Lei de Responsabilidade dos Ministros e dos Conselheiros de Estado. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1881. p.1. 326 ACD. Sessão de 15 de janeiro de 1864. p.287, grifo nosso. 327 ACD. Sessão de 2 de janeiro de 1864. p.151. 328 ACD. Sessão de 4 de janeiro de 1864. p.159. 103

eleições de 1863 e seu predomínio nas sessões preparatórias era um indicativo da situação parlamentar que se configurava. Zacarias, agora, não era somente o chefe da oposição, era um deputado bem votado e com popularidade entre seus pares.329 Se o cargo era apenas temporário, a composição dava indícios de como a Câmara se comportaria com a abertura da Assembleia Geral e a eleição de uma mesa definitiva.

Quadro 2. Mesa diretora interina da Câmara dos Deputados (12ª legislatura)

Nome Cargo Cédulas Votos Província Orientação Zacarias de Góes e Presidente 36 34 Bahia Conservador moderado Vasconcellos Cristiano Benedito Ottoni Vice- 36 34 Minas Gerais Liberal presidente Tito Franco de Almeida 1º secretário 33 30 Pará Liberal Pedro Luís Pereira de Souza 2º secretário 33 31 Rio de Janeiro Liberal Henrique Limpo de Abreu 3º secretário 31 28 Minas Gerais Liberal José Ângelo Márcio da Silva 4º secretário 31 27 Alagoas Liberal Joaquim de Saldanha Suplente - - Rio de Janeiro Liberal Marinho Afonso Celso de Assis Suplente - - Minas Gerais Liberal Figueiredo Fonte: (Adaptado) BRASIL. Câmara dos Deputados. Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Senhores Deputados. Primeira sessão preparatória em 14 de dezembro de 1863. p.6.

Com sessões conturbadas e repletas de contestações, foram necessários quinze dias de trabalho em dezembro para que artigo 10º do Regimento Interno fosse executado:

Verificada a legalidade dos poderes, si acharem-se presentes deputados em número de metade e mais um, se fará a devida comunicação ao Senado e ao governo, por intermédio do ministro e secretário dos Negócios do Império, remetendo-se a este a lista nominal dos deputados presentes e pedindo-se na mesma ocasião a declaração do dia e hora que o Imperador receberá a deputação, que tem de requerer a designação do dia e hora da missa do Espírito Santo, na Capela Imperial, assim como da hora e lugar da sessão imperial da abertura da Assembleia Geral.330

Com o número mínimo de deputados atingido, deu-se a comunicação ao Senado e foi realizada a missa do Espírito Santo no dia 31 de dezembro. A Sessão Imperial de abertura do ano legislativo aconteceu, como planejado, em 1º de janeiro de 1864. Dominado por homens do Direito, o quadro final de eleitos – finalizado apenas em março331 – consagrou o retumbante êxito da Liga em todas as províncias, consolidando seu espaço como legenda política majoritária na Câmara. Como argumenta Buarque de Holanda,

329 BARBOSA, 2009, p.318-319. 330 BRASIL, 1881, p.7. 331 Os deputados eleitos constam no Anexo C (p.243). 104

“o resultado das eleições é exatamente o que temiam os conservadores dos vários matizes, com o triunfo de seus adversários até em alguns dos seus redutos tradicionais”.332 Para o Diário do Rio de Janeiro, o resultado do processo eleitoral demonstrou o bom senso da opinião pública. Em suas palavras: A nação provou praticamente que tinha direito a ser mais bem correspondida na sua confiança e no seu patriotismo. A dissolução da Câmara dos Deputados, dando à opinião nacional essa satisfação, concorreu para mais se apertarem os laços constitucionais que unem e devem unir o poder soberano com os mais poderes que o representam. A eleição a que se procedeu nos dias 9 de Agosto e 9 de Setembro do ano findo, demonstrou plenamente que o país era razoável na sua exigência, e que que a Coroa fora prudente e patriótica em apelar para as urnas, afim de conhecer qual era a verdadeira opinião nacional. A história há de dizer que eleição geral do ano de 1863 foi uma das mais pacíficas que se tem celebrado no Império e que a vitória da opinião liberal nesse pleito solene foi um dos mais legítimos triunfos que se tenha alcançado.333

Com a Câmara já renovada, chegara o momento de modificações no Conselho de Ministros.

2.2. A pressão liberal e o naufrágio do “palhabote ministerial” de Olinda

Com o término do processo eleitoral, a permanência do marquês de Olinda na presidência do Conselho de Ministros tornou-se precária. Os problemas orçamentários que marcaram sua administração, encobertos pela “Questão Christie” e posteriormente pela dissolução da Câmara, emergiram em janeiro de 1864. Como explica, Liberato de Castro Carreira, “a história financeira de um país compreende a sua vida econômica e a administrativa, as quais se acham tão ligadas entre si, que a prosperidade de uma dá a medida do bem estar e da excelente organização da outra; daí o grande princípio ou axioma administrativo – boas finanças, boa política”.334 Contudo, o equilíbrio entre política e finanças não foi um atributo do gabinete Olinda. Tito Franco de Almeida, a este exemplo, não poupou esforços em criticar os exageros cometidos no biênio 1862-1863, sobretudo, pela aprovação de créditos extra

332 HOLANDA, 2010, p.118. 333 FBN. Diário do Rio de Janeiro.1 de janeiro de 1864. p.1. 334 CARREIRA, Liberato de Castro. História financeira e orçamentária do Império do Brasil desde a sua fundação precedida de alguns apontamentos acerca da sua Independencia. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889. p.5, grifo do autor. 105

orçamentários 335, que em seus termos era uma característica de “governos conservadores”. O deputado argumentava que o ministro da Fazenda, Durante os três primeiros trimestres parece reviver Holanda Cavalcanti, o antigo ministro da fazenda do gabinete liberal de 2 de maio de 1846. Parece resistir, porque não é aberto nenhum só crédito. Chega, porém, o último trimestre, e depois a liquidação do exercício; cessa a resistência, e levanta altaneiro a fronte esquálida o sistema financeiro conservador. [...] Nenhum embaraço sente o governo imperial tendo à sua disposição a fábrica de créditos. [...] O balanço definitivo deste exercício parece destinado a mostrar à luz da mais esmagadora evidência o resultado do pernicioso sistema financeiro do partido que quase sempre governa o império.336

Se o liberal Franco de Almeida demonstrava preocupação com o comprometimento do orçamento pelos créditos adicionais, no aditamento ao relatório apresentado à Assembleia geral, o ministro da Fazenda, marquês de Abrantes337, informou que “infelizmente, os receios, que se nutriram a respeito da diminuição da renda no [exercício] de 1862-63, não eram infundadas”.338 Porém, não informa qual a dimensão do impacto nos cofres do Tesouro. A situação deixada pelo gabinete Olinda foi posteriormente explicitada por José Pedro Dias de Carvalho.339 Corroborando o argumento de Franco de Almeida, expõe “elevado algarismo a que [a despesa pública] tem atingido nestes últimos tempos”.340 Para Dias de Carvalho, a guerra civil dos Estados Unidos havia afetado a principal fonte de receita do Brasil, os direitos de importação e exportação, que representavam mais de 4/5 da renda do Estado. Apesar de mostrar-se esperançoso com a retomada dos rendimentos, principalmente, pela colheita de café e o desenvolvimento da indústria agrícola, aponta para a prudência, recomendando cautela e providências legislativas. Em suas palavras:

O Corpo Legislativo tem já manifestado que se acha animado das melhores intenções para cortar todas as despesas desnecessárias e reduzi-las tanto quanto o permitirem as conveniências do serviço público; mas sem qualquer que seja a economia, que daí resulte para os cofres públicos, não poderá fazer face ao avultado déficit que se anuncia. Assim, embora se faça nas despesas do Estado, como é de rigoroso dever do Governo, a mais severa economia e o Corpo Legislativo reduza a despesa às

335 A primeira série de créditos extra-orçamentários (nº 3065, 3071, 3078, 3080 e 3081) foi lançada em abril de 1863 e totalizou 4,019:224$354. A segunda (nº 3097, 3113, 3116, 3158 e 3214), entre maio e dezembro de 1863, totalizou 449:183$379. Cf. ALMEIDA, 1877, p.89-90. 336 ALMEIDA, 1877, p.89-90. 337 Acumulou interinamente o ministério da Fazenda e dos Negócios Estrangeiros, em substituição ao visconde de Albuquerque, entre 9 de março e 5 de abril de 1863. Foi consolidado na função em 8 de abril do mesmo ano. 338 BRASIL. Ministério da Fazenda. Aditamento ao relatório do ministério da Fazenda apresentado à Assembleia Geral Legislativa em 8 de maio de 1863. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1864, p.5. 339 Ministro da Fazendo no gabinete 15 de janeiro de 1864, presidido por Zacarias de Góes e Vasconcellos. 340 BRASIL. Ministério da Fazenda. Proposta e relatório do ministério da Fazenda apresentados a Assembleia Geral Legislativa da segunda sessão da décima segunda legislatura. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1864. p.4. 106

proporções do absolutamente necessário, não se conseguirá obter soma, que possa ocorrer à importância do déficit dos dois exercícios, sem recorrer à conversão da dívida flutuante, proveniente dos bilhetes do Tesouro por antecipação de renda.341

Com receitas diminuindo e despesas majorando, antes mesmo do relatório de Dias de Carvalho, a Fala do Trono de 1º de janeiro de 1864 não desprezou o tema, contabilizado a outros que inspiravam cuidado da nova Câmara. Nesta oportunidade, o Imperador pronunciou- se sobre questões gerais do bem-estar da nação, como as notícias de abundância dos gêneros alimentícios, a tranquilidade nas províncias e a saúde pública. Abordou, também, o prosseguimento da suspenção de relações diplomáticas com a Grã-Bretanha e sua apreensão com o estremecimento da paz entre a República Oriental do Uruguai e a Confederação Argentina. Entretanto, apesar de arrolar várias medidas importantes – como o melhoramento da legislação relativa ao Exército e a Armada, os meios de comunicação, a introdução de braços livres, a reforma judiciária e da Guarda Nacional, dentre outras – o que chamou atenção foi a preocupação do Imperador com o descontrole da arrecadação das rendas públicas e a necessidade de reformas na legislação:

As rendas públicas, posto que se avantajassem mais no segundo semestre que no primeiro do exercício findo, contudo não chegaram a igualar a soma total arrecadada no anterior. Confio do vosso patriotismo e zelo que procurareis equilibrar a receita com a despesa pública. O governo seguirá os preceitos de verdadeira economia. Augustos e digníssimos senhores representantes da nação, recorrendo à vossa dedicação pela causa pública, e às vossas luzes, espero que vos ocupareis com esmero do melhoramento da legislação relativa ao exército e a armada, assim como dos meios de comunicação, de introdução de braços livres, do aproveitamento dos que já existem entre nós. Não é menos urgente que trateis da reforma judiciária, da que reclama a guarda nacional, da melhor organização das administrações provincial e municipal, e das modificações do regime hipotecário, exigidas pelo desenvolvimento de nossa lavoura.342

Para responder ao pronunciamento do Imperador formou-se uma comissão especial encarregada de organizar um projeto de Resposta a ser apresentado na sessão de 23 de janeiro. Participaram José Bonifácio, Paes Barreto e Martinho Campos. No entanto, até que a proposta estivesse em condições de ir a plenário, trataram de finalizar as pendências referentes a validação da documentação eleitoral. Enquanto nos primeiros dias de janeiro a pauta da Câmara

341 Ibid., p.5-6. 342 BRASIL, 1889, p.588-589, grifo nosso. 107

ficou emperrada com a eleição das comissões permanentes e a nomeação dos últimos deputados, com o término do expediente burocrático, as demandas ensejadas na Fala do Trono começaram a aparecer, apontando as fragilidades do gabinete Olinda.

Quadro 3. Mesa diretora da Câmara dos Deputados (12ª legislatura)

Nome Cargo Cédulas Votos Província Orientação Zacarias de Góes e Presidente 68 64 Bahia Conservador moderado Vasconcellos Teófilo Benedito Ottoni Vice- 68 63 Minas Gerais Liberal presidente Tito Franco de Almeida 1º secretário 70 63 Pará Liberal Pedro Luís Pereira de Souza 2º secretário 66 59 Rio de Janeiro Liberal Henrique Limpo de Abreu 3º secretário 68 57 Minas Gerais Liberal José Ângelo Márcio da Silva 4º secretário 68 55 Alagoas Liberal Fonte: (Adaptado) BRASIL. Câmara dos Deputados. Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Senhores Deputados. Sessão de 2 de janeiro de 1864. p.145.

Com uma mesa diretora da Câmara eleita com poucas alterações àquela das sessões preparatórias, e repleta de liberais, os questionamentos sobre as ações do gabinete Olinda começaram a aparecer. O primeiro confronto entre o ministro da Fazenda e a nova Câmara deu- se logo na primeira quinzena de janeiro e partiu da interpelação de um deputado conservador. Nesta ocasião, Abrantes foi convidado a dar explicações sobre um empréstimo contraído pelo governo brasileiro em Londres com o banqueiro & C.343 Os debates revelaram o desconforto do ministério acerca de questões econômicas, principalmente, quando o que se questionava implicitamente era a capacidade de prosseguimento da administração de Olinda.

343 Os primeiros empréstimos contraídos pelo Império na praça de Londres datam da Independência, em expediente que se repetiria ao longo de todo século XIX. Em agosto de 1824, o governo obteve a importância de £ 3.000.000, em três séries de £ 1.000.000, com os banqueiros Bazeth, Faqhuar, Crawford & Co., Fletcher, Alexander & Co., e Thomas Wilson & Co. Porém, somente a primeira série foi efetivada, fazendo com que as duas restantes, £ 2.000.000, fossem contratadas com a casa de Nathan Mayer Rothschild em janeiro de 1825. Dado que o empréstimo de 1824-25 não sanou as dificuldades orçamentárias, em 1829, o então ministro da Fazenda, Miguel Calmon du Pin e Almeida – marquês de Abrantes – conseguiu a autorização do Parlamento para um novo montante capaz de suprir o déficit do exercício de 1829, orçado em cerca de 5.600:00$000. Responsável pelas negociações, o visconde de Itabaiana, negociou novos recursos em duas séries, uma pela firma Thomas Wilson & Co. e outra pela de Nathan Mayer Rothschild, que foram quase totalmente utilizados para cobrir os débitos de juros da operação de 1824. Em 1837, novamente buscando suprir déficits, o Parlamento autorizou Alves Branco a contratar um empréstimo externo, consolidado por Calmon du Pin em 1839, com Samuel & Philips e de capital nominal de £ 411.200. Em 1843, o governo recorre mais uma vez a praça de Londres, agora com Sir Isaac Lyon Goldsmid e com valor nominal de £ 732.600. Em 1852, com a política econômica de Itaboraí, obteve-se a importância de £ 1.040.600, intermediada pela Casa Rothschild. Seis anos mais tarde, 1858 – quando era ministro da Fazenda, Bernardo de Souza Franco – em favor das companhias Estrada de Ferro d. Pedro II e Estrada de Ferro do Recife a São Francisco, recorre-se novamente a Casa Rothschild no valor de £ 1.526.500, a quem no ano seguinte solicita- se mais £ 508.000 para liquidar o empréstimo de 1829. Em 1860, Rothschild franqueia mais recursos ao governo no montante de £ 1.373.000, cujo um porcentual foi direcionado à Estrada e Ferro de Recife a São Francisco, à Companhia União e Industria e à Mucury. Por fim, em 1863, sob intermédio do barão de Penedo, um novo empréstimo de £ 3.855.300 foi firmado com a Casa Rothschild. Cf. BOUÇAS, Valentim F. História da dívida externa da união. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio: Rodrigues & C., 1956. p. 21-75. 108

A interpelação veio de João José de Oliveira Junqueira Júnior, para quem o orçamento era a “fotografia da situação política e econômica de qualquer povo”.344 No entendimento do deputado da Bahia, o empréstimo deu-se sobre as piores condições para o governo, “foram emitidos os bonds desse empréstimo a 88; houve a comissão de 2%; houve uma corretagem de ¼ além de imposto novíssimo lançado pelo governo britânico que orça por 1/8, sobre as quantias a tomar”.345 Para o deputado, se o orçamento do Império já estava comprometido, o empréstimo, na circunstância e termos em que foi adquirido, agravava ainda mais as condições financeiras do país. Era necessária uma boa explicação por parte do gabinete. Respondendo a Junqueira Júnior, a justificativa do ministro da Fazenda foi que as condições foram as melhores encontradas no momento, argumentando que a casa de Rothschild & Sons fixou os preços porque emitiu os bonds, títulos da dívida, e “convidou a quem quisesse concorrer para subscrever. Este tem sido o método por que tem sido contraído todos os empréstimos no mercado de Londres”346, concluiu Abrantes. O debate se estendeu ao longo da sessão e sem consenso entre o ministro e o deputado a questão foi adiada sem previsão de retorno a pauta. O que se observou foi a exaustão das relações entre a Câmara e o gabinete. Nesta discussão, por exemplo, poucas foram as intervenções em apoio a Abrantes dignas de nota, demonstrando que o governo de Olinda, mesmo com a recomposição da Câmara, não encontrava apoio no Parlamento. Dois dias após esta interpelação, o gabinete pediu demissão. Se o embate protagonizado pelo marquês de Abrantes demonstrou as fragilidades do ministério em lidar com a Câmara, uma outra questão econômica nos possibilita entender como a substituição de Olinda era vista como necessária e emergente desde dezembro do ano anterior. Em 8 de janeiro de 1864, dos treze requerimentos enviados pelo gabinete à Câmara, quatro correspondiam a solicitações de ordem financeira. Porém, destaca-se um do ministério da Fazenda, que encaminhava o mapa das operações de substituição do papel-moeda em abril de 1863. Diferentemente dos demais requerimentos, o relativo ao papel-moeda parece ter chamado atenção de um dos deputados, que no dia seguinte defendeu projeto de tema correlato, a emissão de notas do Banco do Brasil. O parlamentar em questão, era um político de destacada trajetória no setor bancário, o liberal barão de Mauá.347 Na situação de membro da comissão de Fazenda, arguiu sobre o seguinte esboço de projeto: A Assembleia geral resolve:

344 ACD. Sessão de 12 de janeiro de 1864. p.244. 345 Id. Ibid. 346 Ibid., p.250. 347 Abordaremos as especificidades dos posicionamentos políticos de Mauá, entre conservadores liberais, no capitulo 3, demonstrando como o desenvolvimento de seus empreendimentos, marcadamente o binômio banco- serviços, estavam imbricados com suas relações nos círculos políticos conservadores. 109

Artigo único. As notas do Banco do Brasil emitidas pela caixa central do mesmo banco serão recebidas como moeda legal nas estações públicas de todo o Império, enquanto forem realizáveis em ouro na referida caixa no ato de sua apresentação.348

Para Mauá era necessário que o meio circulante fosse melhor distribuído no país, satisfazendo as exigências das transações comerciais e industriais. Seu argumento era que desde de 1856, o Banco do Brasil não se atentava a estas necessidades, especialmente, pela maneira com que seus estatutos estavam organizados. Era coerente, em sua opinião, a generalização da circulação das notas deste banco em todo o Império, como nota-se no trecho a seguir: Não há razão alguma para que este estabelecimento continue a ser peado em sua ação por semelhante forma, em dano não só dos legítimos interesses dos seus acionistas, porém sobretudo do país, porque eu entendo que a elevada taxa de descontos que o banco tem sido obrigado a sustentar é em grande parte devido a não ter em circulação de suas notas o elastério de que é suscetível, o que se acha provado exuberantemente com as oscilações do fundo disponível [...].349

As reclamações de Mauá sobre ação do governo brasileiro acerca dos problemas de circulação da moeda, revelam, no entanto, outros interesses do barão. Em sua correspondência com Manoel Antônio da Rocha, conde de Nioac, a demissão de Olinda é assunto deste dezembro. Nestas missivas, verifica-se como Mauá entendia o cenário político constituído após a eleição para a Câmara, e mais especificamente, a notícia não oficial de que seu amigo, Bernardo de Souza Franco, seria o novo ministro da Fazenda. Sobre esta questão, em 22 dezembro de 1863, ainda nas sessões preparatórias, Mauá escreve a Nioac relatando a vitória triunfante da Liga e a factível queda de Olinda, que não podia mais concorrer frente a nova composição camarária: Com prazer saberá o meu amigo que aqui aportamos anteontem sem ter suportado a menor contrariedade na viagem. O palhabote350 Ministerial está a desfazer-se e isso não é possível apesar nada de enérgico e decisivo de semelhantes pilotos– Estive hoje de manhã com o capitão Mór, que se mostra firme nas ideias antigas de abstenção como regra, não deixando porém de concordar que as exceções são as vezes a confirmação, e que uma interferência indevida, Argentina351, traria a necessidade de fazer aparecer a exceção:

348 ACD. Sessão de 09 de janeiro de 1864. p.218. 349 Id., Ibid. 350 A palavra palhabote deriva-se do inglês “pilot-boat”, isto é, “barco-piloto”. Este tipo de embarcação era utilizado para o transporte de membros da tripulação e carregamentos diversos entre terra-firme e os navios. Sugere então, neste contexto, a impossibilidade do prosseguimento de um gabinete encarado como “provisório” ou que servia de “intermediário”. Um barco à vela, “palhabote”, quando a navegação a vapor já estava plenamente configurada no Império sugere, outrossim, uma crítica de Mauá a desatualização de Olinda em muitos assuntos – um político ultrapassado Cf. VARZEA, Virgílio. Histórias Rústicas. Lisboa: Officinas Typographica e de Encadernação, 1904. p.15. 351 Mauá sugere que o objetivo deste país com uma invasão era “firmar [no Uruguai] a influência argentina na região”. Explica ainda, esperar que os anarquistas de dentro e de fora sejam vencidos e que o governo brasileiro, 110

veremos o pessoal do novo Gabinete – Se o Souza Franco entrar, o que é natural por que o vento sopra desse lado, creio que poderei conseguir o que for necessário em proteção dessa República [...] [sic]352

Antevendo assuntos abordados na Fala do Trono de janeiro de 1864, como a postura de neutralidade do gabinete frente a guerra civil que assolava o Uruguai e o perigo de uma interferência do governo argentino na região, Mauá vai além. Faz comentários sobre a organização de um novo gabinete antes mesmo da demissão formal do marquês, ocorrida apenas em 14 de janeiro. Esperava uma posição favorável aos liberais, a exemplo de ocuparem a presidência do Conselho. No entanto, o que mais chama atenção é seu entusiasmo pelo retorno, quase certo, de Souza Franco à pasta da Fazenda, o que beneficiaria seus empreendimentos, notadamente os bancários. Com a crise de 1857 e a reforma de 22 de agosto de 1860, os bancos independentes foram submetidos a uma série de restrições, especialmente quanto a emissão, como destaca João Pandiá Calógeras: Nenhum dos bancos independentes poderia emitir soma superior à média de sua circulação durante o primeiro semestre do ano em curso (1860), enquanto não demonstrasse estar em condições de reembolsar seu papel-moeda à vista e em ouro, salvo se possuísse, além de seu fundo de garantia estatutária, um encaixe em ouro amoedado ou em lingotes, ou em lingotes de prata de título legal (na relação de 25%, no máximo, de prata e 75% de ouro), equivalente ao que excedesse dessa emissão média..353

Desde a morte de Antônio Francisco de Paula de Holanda Cavalcanti de Albuquerque, visconde de Albuquerque, então ministro da Fazenda de Olinda, a escolha do substituto ocupou os debates políticos. Três nomes pareciam concorrer ao cargo: “Quem será o escolhido para a pasta da Fazenda? É esta questão de todos os círculos e reuniões. Alguns propalam ser o Sr. conselheiro Dias de Carvalho, outros o Sr. conselheiro Souza Franco, e a maior parte afirmam que é o Sr. conselheiro Paranhos”.354 Contudo, nenhuma das figuras ventiladas assumiram efetivamente o posto. O interino, marquês de Abrantes, foi confirmado na pasta em 8 de abril de 1863, acumulando o ministério dos Negócios Estrangeiros. Com o resultado das eleições e a provável demissão do gabinete 30 de maio, o nome de Souza Franco foi novamente suscitado, agora com maior possibilidade de efetivação, como

com a formação de um novo gabinete ministerial, assuma posição política sobre a questão. Cf. AHMI. Carta de Irineu Evangelista de Souza a Manuel Antônio da Rocha Faria, 22 de dezembro de 1863. Coleção Conde de Nioac (ACN), I-ACN-22.12.1863-Mau.d. grifo do autor. 352 AHMI. Carta de Irineu Evangelista de Souza a Manuel Antônio da Rocha Faria, 22 de dezembro de 1863. Coleção Conde de Nioac (ACN), I-ACN-22.12.1863-Mau.d. grifo do autor. 353 CALÓGERAS, João Pandiá. A política monetária do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1960 [1910]. p.125. 354 BN. A Formiga. Rio de Janeiro. Ano II, n. 3. s/d (1863?). 111

se nota no entusiasmo do barão de Mauá. O apoio de um ministro da Fazenda com quem dialogava em ideias e princípios seria bastante interessante e proveitoso. Assim, a notícia da possibilidade Souza Franco assumir a Fazenda, explica a animação de Mauá com a queda de Olinda. Como se verifica, a aproximação de Mauá e Souza Franco se deu no campo das ideias financeiras e nos favores que compartilhavam. Todavia, se em dezembro de 1863, Mauá se mostrava esperançoso com o retorno do amigo, três dias antes de encaminhar o projeto de emissão de notas do Banco do Brasil o sentimento era outro: mostrava-se insatisfeito com novas notícias recebidas sobre a formação do ministério. Novamente em missiva a Nioac, demonstra que seus desejos eram por um gabinete de face totalmente liberal. Mas que, contudo, havia esbarado na “governação pessoal” do Imperador: Continuamos a julgar impossível que o corpo Ministerial como está constituído navegue – o homem tem de aceitar um Ministério liberal que governe, desmamando-o da governação pessoal; porque dissolver a Câmara, o que seria um absurdo e ele é demasiado prudente para o fazer.355

Provavelmente, com a percepção de que a nomeação de Souza Franco não se realizaria, Mauá tratou de sugerir um projeto relativo à emissão. O ministro da Fazenda era quem normalmente presidia as reuniões da seção de finanças do Conselho de Estado.356 Na impossibilidade de Souza Franco intervir em seu favor, Mauá propôs então um caminho legislativo para assunto. Pautado por Franco de Almeida, presidente em exercício da Câmara, a proposição entrou em discussão em 18 de janeiro, porém foi adiada por solicitação de um de seus partidários, o liberal Martinho Campos, a quem não parecia justo a Câmara se ocupar com assuntos legislativos sem terminar tarefas que o Regimento declarava urgente.357 Se Mauá se precaveu com o encaminhamento do projeto antevendo como o novo gabinete se comportaria, parece-nos que sua leitura sobre o cenário político foi acertada. Em 16 de janeiro o Diário do Rio de Janeiro reproduziu a publicação do Diário Oficial: “O ministério presidido pelo Sr. marques de Olinda pediu demissão. Acha-se encarregado de organizar o novo gabinete o Sr. conselheiro Zacarias de Góes e Vasconcellos”.358 O ministério anunciado em 15 de janeiro para substituir o “palhabote”, foi o oposto às expectativas de liberais como Mauá. O Imperador escolheu novamente um conservador “moderado” para a presidência e apenas três liberais tiveram a oportunidade de participar do

355 AHMI. Carta de Irineu Evangelista de Souza a Manuel Antônio da Rocha Faria, 06 de janeiro de 1864. Coleção Conde de Nioac (ACN), I-ACN-06.01.1864-Mau.d. grifo do autor. 356 SCHULZ, 2013, p.23. 357 ACD. Sessão de 18 de janeiro de 1864. p.300. 358 FBN. Diário do Rio de Janeiro. 16 de janeiro de 1864. p.1. 112

governo. José Mariano de Matos tornou-se ministro da Guerra, José Bonifácio dos Negócios do Império e cargo de maior esperança de Mauá, o de ministro da Fazenda, ficou com José Pedro Dias de Carvalho. Entre os conservadores, Zacarias acumulou a presidência do Conselho com o ministério da Justiça, Francisco Xavier Paes Barreto assumiu os Negócios Estrangeiros, João Pedro Dias Vieira a Marinha e Domiciano Leite Ribeiro a Agricultura. Papelista como Mauá, Dias de Carvalho tinha uma vasta experiência na administração pública. Foi diretor do Banco do Brasil entre 1854 e 1857, ministro do Império no gabinete 31 de maio de 1848 e da Fazenda nos ministérios 8 de março de 1848 e 24 de maio de 1862.359 Nesta última ocasião, substituiu Souza Franco que foi barrado pelo Imperador, possivelmente pela crise de 1857.360 Em 1864, parece que a desconfiança sobre o ministro da Fazenda de Olinda (4 de maio de 1857) ainda ecoava, fazendo com que mais uma vez fosse preterido por Dias de Carvalho. Além da visível insatisfação de Mauá com o corpo ministerial, ele não foi único liberal a ficar descontente. Como argumenta Buarque de Holanda, “apesar da aliança de opiniões anunciada pelo novo Presidente do Conselho e dos apoiados que acolheram as palavras onde anunciou a transformação do ‘Progresso’ em verdadeiro partido, o Partido Progressista”361, não passou despercebida a discreta presença de liberais no novo ministério. Segundo o historiador, esta organização indicou uma parcialidade em favor dos conservadores dissidentes. A esta questão, a correspondência passiva de Zacarias sugere uma hesitação do liberal José Bonifácio, o moço, em aceitar participar do gabinete. Em 14 de janeiro, o deputado por São Paulo escreveu a Zacarias:

Rogo-lhe o obséquio de dispensar-me da honra que me foi conferida. Decididamente não posso fazer parte do gabinete. Depois que falei com Vossa Excelência não pude encontra-lo, mais infelizmente estou convencido que minha presença de nada serve, e vejo sintomas de desunião entre meus amigos. Na Câmara farei mais serviços ao novo governo [...].362

Como se verifica, o fator colocado como impedimento por José Bonifácio era a falta de entendimento entre seus partidários. Assim como Mauá manifestou seu desagrado com a

359 GALVÃO, Miguel Archanjo. Relação dos cidadãos que tomaram parte no governo do Brazil no periodo de março de 1808 a 15 de novembro de 1889. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1894. 360 CALDEIRA, 1995, p.389. 361 HOLANDA, 2002, p.35. 362 AHMI. Carta de José Bonifácio de Andrada e Silva (o moço) a Zacarias de Góis e Vasconcelos. 14 de janeiro de 1864. Coleção Zacarias de Góes e Vasconcelos (ZGV). I-ZGV-14.01.1864-Sil.c. grifo nosso. 113

nova organização ministerial, o mesmo parece ter acontecido com os outros liberais, desgostosos, especialmente, por serem a maioria da Câmara. Esperavam mais espaço no governo. Contudo, o Imperador recorreu novamente aos conservadores “moderados”, causando desconforto a algumas frações do grupo progressista. Com a negativa de Bonifácio, Zacarias escreveu a Francisco Otaviano para informar a situação. A resposta veio, às pressas, por um terceiro, Martinho Campos, que confirmou a disposição do deputado de São Paulo em participar do ministério. Em resposta a carta que Vossa Excelência escreveu ao nosso Otaviano venho dizer-lhe que o Conselheiro José Bonifácio não tem mais objeções e está a disposição de Vossa Excelência, recomendo-nos sem explicações.363

Campos ressalta ainda, a “difícil e honrosa” missão de Zacarias ao compor o gabinete, mostrando-se satisfeito com a escolha do colega Bonifácio. No entanto, o acontecido dá bons vislumbres da insatisfação liberal, a contar por um aceite que não veio diretamente do indicado ao cargo. Enquanto os liberais mostravam-se incomodados, mas ainda assim aceitaram participar do governo, o retorno de Zacarias, foi bem recebido pela imprensa liberal que apoiava os progressistas. O Correio Mercantil foi breve e agradeceu os esforços do ministério que deixava o poder, salientando a difícil situação do país quando assumira o governo. Em suas palavras, “a nação compreende e agradece aos dignos membros do gabinete de 30 de maio os sacrifícios que fizeram a causa pública, aceitando há dois anos a árdua tarefa que desempenharam com dedicação”.364 Nas publicações a pedido do Jornal do Commercio, um artigo foi além, argumentando que a simples troca do Conselho de Ministros não resolveria os problemas do Império. Explica que a herança deixada pela administração Olinda foi a de problemas sem resolução, fazendo-se necessária uma rápida intervenção no setor econômico. Era preciso que o sucessor do marquês agisse principalmente nas questões orçamentárias. Faleceu o gabinete de 30 de Maio. O passado, passado, parce sepultis; mas é que em tudo está passado. Muitas coisas há que, principiadas e não concluídas, terão de ser acabadas pelos sucessores. Seja a terra leve aos defuntos, mais leve do que a herança que deixam. [...] A questão dos empréstimos em duplicata, presa ao atrapalhamento das finanças, ao decrescimento das rendas, a subida do déficit, e outras coisitas mais.365

363 AHMI. Carta de Martinho Álvares da Silva Campos a Zacarias de Góis e Vasconcelos. 15 de janeiro de 1864. Coleção Zacarias de Góes e Vasconcelos (ZGV). I-ZGV-15.01.1864-Cam.c. 364 FBN. Correio Mercantil. 15 de janeiro de 1864. p.1. 365 FBN. Jornal do Commercio. 17 de janeiro de 1864. p.1. 114

Seja com a insatisfação dos liberais ou com as cobranças da opinião pública, a segunda passagem de Zacarias foi recebida com menos animação do que o ministério dos “Anjinhos”. A situação parlamentar era outra e os desafios novos. O gabinete 15 de janeiro teria que lidar com as finanças e com os conflitos intrapartidários que passaram a se expressar mais vivamente no grupo progressista.

2.3. Zacarias e o “castelo de cartas”: contestação liberal ao programa do gabinete 15 de janeiro

Os programas, Sr. Presidente, com que tem sido entretido o nosso parlamento de certo tempo a esta parte, são comparáveis aos romances históricos que a literatura moderna criou; servem apenas para matar o ócio daqueles a quem o ócio estava matando, mas no fim de contas ninguém sabe onde está a verdade e onde a mentira. (Risadas).366

As palavras do deputado da província do Sergipe, Felipe Lopes Neto367, na sessão de apresentação do novo ministério, indicam a dimensão da insatisfação dos liberais com a escolha de um conservador “moderado” para presidir o Conselho. Como demonstrado anteriormente, desde o momento de organização do gabinete a fração liberal da Liga dava sinais de desunião, o que se acentuou com a apresentação do programa ministerial em 18 de janeiro. Segundo Eide Abrêu, apesar do novo gabinete encontrar pouca oposição na Câmara, a contrariedade levantada por alguns parlamentares, liberais e conservadores, é salutar para compreender seu “desempenho decisivo, no questionamento das efetivas matrizes liberais do gabinete”.368 O ponto de partida para uma oposição mais enérgica dos deputados desgostosos foi o pronunciamento de Zacarias de Góes na Câmara. Além de pontuar medidas prioritárias de sua administração, polemizou ao mencionar uma “fusão” da ala liberal e conservadora “moderada” em um único partido, sugerindo que a “aliança” da Liga estava superada. Este aspecto, soou como provocação a alguns “ligueiros”, especialmente liberais “históricos” que se viram usados

366 ACD. Sessão de 18 de janeiro de 1864. p.309. 367 Felipe Lopes Neto foi deputado na 6ª e 7ª (1845-48) legislaturas e teve especial participação na Revolução Praieira de 1848. Com o julgamento dos praieiros foi condenado a prisão perpétua e cumpriu pena no presídio de Fernando de Noronha. Em 1852 foi anistiado, passando a advogar até 1859, quando se mudou para a Europa. De volta ao Brasil foi eleito deputado geral por Pernambuco na 12ª (1864-66) legislatura. Deste modo, o ano em que trava o debate aqui discutido, 1864, marca seu retorno à Câmara dos Deputados após um longo período de afastamento da política. Nesta circunstância, eleito pelo Sergipe e não pela sua província de origem, seu discurso representa a ala “histórica” do Partido Liberal, distinguindo-se do tom moderado observado nas missivas do liberal Mauá. Os Anais da Câmara apontam que em 15 de janeiro Lopes Neto dialoga com outro líder praieiro, Urbano Sabino, contudo, os apartes não foram publicados. Cf. MARSON, 1987, passim. BLAKE, 1883-1902, (v.2), p.356 368 ABRÊU, 2011, p.152. 115

pelos conservadores para conquistar o poder. Apontaram que diferente da homogeneidade pregada pelo presidente do Conselho, as ideias dissonantes ainda se faziam presentes no grupo, sobretudo, na esfera provincial. Mas voltemos ao programa lido por Zacarias, entendido por alguns parlamentares como um “castelo de cartas”. Em 18 de janeiro, o presidente do Conselho foi recebido com seus ministros na Câmara para apresentar o planejamento para o ano legislativo. Representando o gabinete findo, o ex-ministro da Marinha, Joaquim Raimundo de Lamare, expôs, como de costume, os motivos que levaram ao término da administração iniciada em 30 de maio de 1862: O estado das coisas no começo da sessão do ano passado deixava claramente ver que os espíritos permaneceram nas antigas disposições, e estas deviam de trazer necessariamente os mesmos resultados. Fazia-se, pois, necessário que a nação fosse consultada. Atentos os motivos que aconselharam a dissolução da Câmara, entendeu o gabinete que tive a honra de pertencer que, terminando o processo eleitoral, devia dar uma prova de que havia sempre sido inspirado dos mais nobres sentimentos, e que para isso devia entregar a um novo ministério a direção dos negócios públicos.369

Enquanto Lamare foi cordial, expressando que era momento de a nação ser ouvida, o pronunciamento de Zacarias foi mais enérgico e polêmico. Em encontro as demandas financeiras, colocou a economia como questão prioritária de sua gestão, encarada como “dever indeclinável e de honra”. Seu projeto era “que os orçamentos se tornem no país uma verdade, e o equilíbrio entre a receita e a despesa do Estado se possa estabelecer”370. Além de reiterar a preocupação financeira, continuou ressaltando que as necessidades atuais do Império eram as mesmas contempladas no programa ministerial de 24 de maio de 1862, não executado pela brevidade de sua duração. Deste modo, com mais uma oportunidade de gerenciar os negócios públicos, as ações anunciadas em 1862 teriam novamente espaço em seu governo. Do mesmo modo que em 1862, hoje entra em plano do governo alterar-se a lei de 3 de dezembro de 1841, no sentido de dar mais garantias à liberdade individual, e separar a polícia judiciária da administrativa; rever-se a legislação sobre a guarda nacional, no intuito de particularmente aliviar o mais possível o ônus do serviço ordinário; auxiliar a lavoura e o comércio, que lutam com tão graves embaraços, por todos os meios que lhe parecem mais adequados, distinguindo entre eles a reforma da legislação hipotecária e o desenvolvimento das vias de comunicação.371

369 ACD. Sessão de 18 de janeiro de 1864. p.311. 370 Ibid., p.305, grifo nosso. 371 Id. Ibid. 116

Por fim, estabeleceu a polêmica, argumentando que a diferença entre o ministério de 1862 e o atual residia na uniformidade das ideias da fração conservadora “moderada” e liberal, sugerindo a superação da Liga em benefício de um partido, o extraoficialmente intitulado, Progressista: Em 1862 o ministério aludia ao concurso de duas opiniões com que contava para levar por diante o seu pensamento político. As duas opiniões políticas, porém, que este salão viu naquela quadra, após debates públicos e solenes, aliaram-se, sem quebra de princípios, nem da dignidade de ninguém (muito apoiados), formam hoje uma só opinião (muito apoiados), um só partido, cujo alvo é promover sinceramente, sem nada alterar na constituição do Império, a prosperidade do país. (Muito apoiados).372

A respeito do programa ministerial, em si, nota-se que as proposições de Zacarias se referiam especialmente a reavaliação das medidas da centralização conservadora.373 A primeira, acena para alteração da lei nº 261, de 3 de dezembro de 1841, que reformou o Código de Processo Criminal instituído em 1832. Esta reforma alterou sensivelmente a forma de atuação da força policial no Império, principalmente pela substituição do juiz de paz374 – cargo criado pela Constituição de 1824 e regulado pela legislação de 1832 – por funcionários de nomeação do governo central.375 Como explica Raymundo Faoro, criou-se “no município da corte e em cada província, um chefe de polícia, com os delegados e subdelegados a ele subordinados, nomeados pelo imperador e pelos presidentes. O juiz de paz despede-se da sua majestade rural, jugulado pela autoridade policial”376 que também assumiu competências judiciárias. Era justamente sobre este acumulo de funções que Zacarias propunha revisão. O segundo ponto, menciona a necessidade de reexame da legislação da Guarda Nacional. Instituída em 1831 pelos liberais do período regencial, “a milícia cívica progressivamente constituiu-se em símbolo nacional que procurava traduzir uma imagem para o Brasil como nação independente, e particularmente em sua face mais imediatista, garantir a pacificação e a manutenção da ordem”.377 Com a lei nº 602, de 19 de setembro de 1850, a

372 Id. Ibid. 373 Cf. FAORO, Raymundo. A reação centralizadora e monárquica. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2012. p.361-388. 374 Os juízes de paz desempenharam nas províncias as atribuições exercidas desde de 1808 pelos intendentes-gerais de polícia, a exemplo da investigação de crimes e captura de criminosos. Com o Código de Processo Penal de 1832, “o juiz de paz significou uma profunda mudança na estrutura de dominação até então existente. Por serem eleitos, esses juízes acabaram ficando sob a influência das lideranças políticas locais e não mais do governo central”. Cf. COSTA, Arthur Trindade Maranhão. Entre a lei a e ordem: violência e reforma nas polícias do Rio de janeiro e Nova York. Rio de Janeiro: FGV, 2004. p.87. 375 Ibid., p.88. 376 FAORO, op. cit., p.383. 377 SALDANHA, Flávio Henrique Dias. Os oficiais do povo: a guarda nacional em Minas Gerais oitocentista, 1831-1850. São Paulo Annablume; Fapesp, 2006. p.15. 117

Guarda foi reorganizada, passando a se reportar ao ministro da Justiça e aos presidentes de província. De acordo com Jeanne Berrance de Castro, a medida não encontrou resistência por parte dos liberais da Assembleia. Contudo, Uma das metas defendidas pelos conservadores, a centralização, ‘paradoxalmente um princípio revolucionário’, foi transformada por eles em princípio de acomodação. Provinha, aliás, dos tempos do absolutismo, mas, completado pelos revolucionários franceses. O ideal da Nação, une et indivisible há de ser copiado trinta anos mais tarde pelos nossos constituintes. O programa de centralização e o espírito de resistência às reformas caracterizam toda a longa existência da facção conservadora.378

Enquanto as duas primeiras propostas pesavam na centralização tocada pelos conservadores, a última era claramente uma demanda liberal e havia sido indicada pelo Imperador na Fala do Trono de 1º de janeiro, a reforma da legislação hipotecária. O assunto era discutido desde a década de 1850 e foi aprovado apenas no ministério seguinte, presidido pelo liberal Francisco José Furtado (gabinete 31 de agosto de 1864). Como explica Renato Leite Marcondes, a reforma previa uma nova organização dos registros, maiores garantias a quem fornecia empréstimos, bem como a expansão do crédito. Estas questões são significativas por incidirem diretamente na lavoura, dado que os juros para agricultura figuravam entre os mais elevados, pelos ricos de reembolso. Contudo, apesar da reforma legal e do início dos registros hipotecários de forma mais organizada, os volumes destinados pelos bancos aos empréstimos à lavoura continuaram restritos, apenas o Banco do Brasil se adaptou com uma nova carteira hipotecária independente da comercial em 1866, e começou a operar mais expressivamente na década de 1870.379

Se o programa ministerial se alinhava perfeitamente à proposta da Liga de maior liberalização das questões econômicas do controle do Estado, não foram estas medidas que ressoaram na Câmara em 18 de janeiro. Foi a ideia de partido unificado defendida por Zacarias, que pareceu não ter agradado uma parcela dos deputados. Nesta discussão, destaca-se a arguição do deputado Lopes Neto, que não escutou o programa ministerial, mas solicitou esclarecimentos. Distanciando-se, então, das medidas indicadas pelo novo gabinete, seu discurso concentrou-se em atacar o ministério – que só contava com três liberais, denotando o quanto a maioria da Câmara não se sentia ali representada – e a ideia de “fusão” proposta pelo presidente do Conselho.

378 CASTRO, Jeanne Berrance de. A Milícia Cidadã: a Guarda Nacional de 1831 a 1850. São Paulo: Ed. Nacional, 1977. p. 213. 379 MARCONDES, Renato Leite. Crédito privado antes da grande depressão do século XX: o mercado hipotecário. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 44, n. 4, dez. 2014. p.754-755. 118

Inicialmente criticou a indicação de Zacarias, argumentando “que a notícia de sua composição foi recebida quase pela totalidade de [seus] honrados colegas como um silêncio quase ameaçador”.380 Declaração que reforçou o desconforto pontuado por José Bonifácio quando negou, em um primeiro momento, ocupar a pasta do Império. No entanto, nem o agora ministro foi poupado pelo colega liberal. Para Lopes Neto, o predomínio dos liberais era notório na Câmara. Contudo, provocativamente, o novo gabinete estava novamente à margem da maioria da deputação, em razão da pequena ala liberal que o integrava não ter se posicionado “inteiramente liberal”. Segundo Lopes Neto, para representar a Câmara naquele momento, o corpo ministerial deveria manifestar-se “absolutamente liberal”. O debate a seguir demonstra como esta altercação inicial levou à discussão sobre as denominações das frações que compunham o grupo progressista:

O Sr. Lopes Neto: - Se a maioria da casa é liberal, como demonstra a votação da mesa que a está representando perante a Câmara e perante o país, eu vejo um ministério três membros que nunca quiseram declarar-se liberais. O Sr. Viriato: - Mas declaram-se progressistas; hoje não conheço diferença entre liberais e progressistas. O Sr. Urbano: - Se não há diferença, declarem-se liberais. O Sr. Lopes Neto: - Dizem os nobres deputados que se declaram progressistas, e não há diferença entre a palavra progressista e a palavra liberal. (Apoiados). Uma voz: - Ou conservador moderado. O Sr. Urbano: - É tudo a mesma coisa. O Sr. Lopes Neto: - Eu não quero, Sr. presidente, contrariar o nobre deputado nesta parte; respeito muito a sua autoridade para pôr-me em oposição aberta com ele. Mas desejo ao menos que um desses nobres ministros a quem me refiro, e provoco positivamente nesta ocasião solene, nos diga se é liberal: estou certo que nenhum deles há de dizê-lo. Uma voz: - Realize o ministério as ideias liberais é quanto basta.381

Enquanto os liberais “históricos” Lopes Neto e Urbano Sabino Pessoa de Melo se esforçavam por fazer distinção entre liberais, progressistas e conservadores, o deputado do Maranhão, Viriato Bandeira Duarte, tentava apaziguar, sem sucesso, os ânimos. A discussão continuou e Lopes Neto explicou, com maiores detalhes, o que gostaria de ouvir dos ministros para poder apoiar o governo: O nobre presidente do Conselho não me quis compreender nesta parte. Estou me referindo ao passado dos nobres membros do gabinete a quem aludo, estou me referindo ao silencia que mantem nesta situação. Ainda os provoco para que declarem se são ou não liberais; se se declararem liberais, hipoteco-lhes desde já o meu voto; porque, Sr. presidente, eu, membro do partido Liberal,

380 ACD. Sessão de 18 de janeiro de 1864. p.305, grifo nosso. 381 Id. Ibid., grifo do autor. 119

não quererei nunca estar em oposição com os meus amigos, quando se tratar da realização das ideias do meu partido.382

As palavras de Lopes Neto sugerem que o aceite dos liberais José Bonifácio, Dias de Carvalho e Mariano de Matos em compor o ministério fora uma espécie de traição ao genuíno Partido Liberal que dominava a Câmara, integrado por políticos que pensavam como os Ottoni e pernambucanos como ele e Urbano Sabino, apoiadores das revoltas liberais da década de 1840. Outrossim, remonta a questões políticas do passado – não identificadas explicitamente nessa fala – nas quais os ministerialistas se mostraram vacilantes em relação a ideias e posicionamentos verdadeiramente característicos do Partido. Sem liberais “autênticos”, o gabinete 15 de janeiro não era, então, representante legítimo da nova imagem do Parlamento. Este debate demonstra que além de diferenças entre conservadores “moderados” e liberais, largamente creditadas pela historiografia como fator de desestabilização dos progressistas, o grupo era heterogêneo e atingido por divergências internas que expunham os pontos de desalinhave entre suas facções. Observa-se, por exemplo, interpelações que visavam discutir quem era “mais” ou “menos” liberal, como se verifica em: “O nobre deputado não é mais liberal do que aqueles que aqui se sentam”.383 Nota-se assim, que diferente da Câmara de 1862, a de 1864, conquistada pelo elemento liberal, era mais ousada e oferecia objeção não só ao presidente – um conservador “moderado” –, como aos próprios partidários mais afinados com as motivações da Liga, demonstrando como as diferenças de leitura da prática liberal e das questões de poder impactavam a organização do grupo. Se por algum motivo os liberais da Liga se viam submetidos à gestão dos conservadores “moderados”, parece-nos que a vitória nas eleições de 1863 serviu para reclamarem mais espaço e discordar da escolha dos membros do ministério. Voltando suas críticas para Zacarias, Lopes Neto não poupou esforços para desqualificá-lo: Portanto, se eu considero que o ministério na sua organização não desmentiu a própria origem, antes se afastou das práticas do sistema representativo, não devo perguntar quais são os amigos que nele tenho, donde vieram e para onde vão estes amigos e seus companheiros? Na ausência de resposta satisfatória, corre-me sem dúvida o dever de retirar- lhes a minha confiança...384

A menção a “falta de confiança” deu lugar para o deputado de Sergipe recorrer ao discurso de Zacarias de 5 de julho de 1861385, quando tratou da esterilidade das “ligas”:

382 Id. Ibid., grifo nosso. 383 Id. Ibid. 384 Ibid., p.306, grifo nosso. 385 Cf. ACD. 5 de julho de 1861 (apêndice). p.91. Tratamos deste discurso no capítulo 1. 120

Pedirei, pois, a V. Ex. licença para ler um trecho de um discurso proferido pelo nobre presidente do Conselho, acerca de uma organização de ministério semelhante a que S. Ex. acaba de oferecer-nos; não tenho o mérito da novidade, não exijo por isto o diploma de inventor; alguns deputados que me ouvem, e pertenceram à Câmara de então, ouviram as próprias palavras de S. Ex.; também essas palavras já foram repetidas por adversários de S. Ex. nesta casa e na imprensa, em idênticas ocasiões. Portanto, não faço mais do que escudar-me com a autoridade do nobre presidente do Conselho para resistir aos repetidos ataques de tantos e tão formidáveis campeões, que, felizmente para mim, acreditam também em S. Ex., e professam os tão aferrados princípios liberais, que eu defendo e defenderei sempre.386

Com tom de ironia, o deputado fez menção ao momento em que, entre os conservadores “puros”, Zacarias criticou a administração de parcialidades onde elementos liberais e conservadores se dão na mesma proporção, a exemplo das “ligas”. Para Lopes Neto, se os “liberais” do gabinete agiram de maneira traiçoeira com o restante do Partido ao aceitar participar do ministério, Zacarias também o fez quando criticou arduamente as “ligas” e aproximou-se, em momento oportuno, dos liberais para formar o grupo progressista. Sugere que o presidente do Conselho, assim como seus ministros, praticava ações políticas vinculadas a seus próprios interesses, não levando em consideração se para tanto declarar-se-ia liberal ou conservador. Esta “fusão” anunciada seria, então, mais uma maneira de Zacarias dar prosseguimento a seu projeto político de poder. Em seus termos: “Oh! Senhores! Fusão de que? Fusão para que? Fusão feita por quem? Quem autorizou o nobre presidente do Conselho a fundir-me no seu cadinho, sem ao menos a ouvir-me?”.387 Procurando contrariar a ideia de “fusão”, Lopes Neto buscou demonstrar que nas últimas eleições ao invés de ter acontecido um estreitamento de laços entre liberais e “moderados”, em algumas províncias acontecera o contrário. Citando Pernambuco e Alagoas, argumentou que os partidos não haviam oferecido candidaturas unificadas. Neste sentido, na apuração, por exemplo, se conferira vitória a liberais e conservadores e não a progressistas. Contestado por parlamentares destas províncias, explicou “que não foi por consequência um dislate388 o que praticaram os meus amigos de Pernambuco quando reconheceram que, em vez de aliados sinceros, haviam introduzido nos nossos arraiais inimigos rancorosos, que procuravam aniquila-los por todos os meios imagináveis”.389 O entendimento

386 ACD. Sessão de 18 de janeiro de 1864. p.306. 387 Ibid., p. 307, grifo nosso. 388 Lopes Neto sugere que os liberais de Pernambuco ao aceitarem os conservadores “moderados” como seus aliados agiram pela autoridade de Zacarias de Góes e não por um dislate, uma ingenuidade. “Quando não tivessem tido eles razões tão poderosas para obrarem dessa maneira, bastava-lhes a autoridade do Sr. presidente do conselho, que eu não me cansarei de invocar sobre matéria tão importante, para justificar seu procedimento”. Id., Ibid. 389 Id., Ibid. 121

do deputado sugere que o Partido Liberal, agora com a maioria da Câmara, já não mais necessitava dos conservadores “moderados” que só lhes acarretaram malefícios. O indicativo era então de retorno às posições originais dos partidos. “Ora, se a liga não pode ser levada à altura de uma situação permanente, como é que nós havemos de aguenta-la, depois da eleição da Câmara dos deputados, que deu a maioria ao partido Liberal?”.390 Encerrando sua longa manifestação, Lopes Neto, explicou não acreditar em programas ministeriais, “castelos de cartas” que estavam “mais no passado das pessoas do que no presente”.391 A este respeito, retoma assuntos não destacados no programa ministerial e apresenta três questionamentos a Zacarias: Pergunto mais a S. Ex. qual é o pensamento do ministério acerca das aposentadorias que acabam de receber diversos membros da alta magistratura do país? Pergunto ainda como encara o governo a questão suscitada com a Câmara municipal desta Corte, vulgarmente conhecida por questão do matadouro? Pergunto, finalmente, a S. Ex. qual é o seu pensamento, qual é o pensamento do governo acerca de outra questão, também altamente importante; falo da questão relativa ao presente de entrada de ano feito à Companhia União e Indústria, presente que ameaça os cofres públicos com um sacrifício não inferior a 10,000.000$000?392 393

Os ministerialistas, que pouco interpelaram Lopes Neto durante o discurso, ocuparam em seguida a tribuna para contrapor as inquirições. O primeiro foi o presidente do Conselho, que utilizou do mesmo tom de ironia para objetar Lopes Neto. Também discursaram José Bonifácio e Dias de Carvalho, os liberais acusados de não serem “tão liberais”. Zacarias considerou o pronunciamento do deputado do Sergipe alheio ao programa ministerial e requereu a palavra para responde-lo sobre os três últimos questionamentos, oportunos para ocasião. No entanto, não se privou de reagir ao opositor, explicando serem os “liberais mais adiantados” justamente aqueles que haviam se aproximado dos “moderados”: Falou o nobre deputado, Sr. presidente, da fisionomia do ministério, que acha má porque compõe-se de elementos diversos. Nova prova de que o nobre deputado esteve fora do salão, e não ouviu o programa, porque se assim fosse, ter-me-ia ouvido dizer o que está na consciência de todos, a saber: que as duas opiniões que há dois anos nesta Câmara se consagram para debelarem o inimigo comum formam hoje um só partido (apoiados), embora a paixão e o

390 Id., Ibid., grifo nosso. 391 Ibid., p.309. 392 Ibid., p.308. 393 A questão do matadouro ou “carnes verdes”, refere-se a indagações feitas à Câmara Municipal do Rio de Janeiro sobre a fiscalização, apreensão e, sobretudo do monopólio, de carnes frescas comercializadas na Corte. Os debates se expandiram para outras regiões e foram grandemente noticiados pelos jornais, a exemplo das edições de 11 e 19 de fevereiro de 1864 do Correio Mercantil, onde os diferentes posicionamentos foram sintetizados. Acerca do questionamento sobre a Companhia União e Indústria, Lopes Neto foi alertado por alguns deputados presentes, que o assunto ainda não havia sido objeto de deliberação da Câmara. Zacarias respondeu que avaliaria a questão e agiria com justiça. 122

despeito, que nada compreendem (apoiados), persistam em ver no indivíduo A um conservador e no indivíduo B um liberal, em lugar de ver neles dois amigos intimamente vinculados por um pensamento comum. (Muito bem).394

Zacarias reconheceu que as “paixões” de cada uma das frações do grupo progressista ainda existiam. Mas demonstra que a aproximação para combater os conservadores “puros” e a convivência “harmônica” proporcionou à Liga uma união, aqui caracterizada como “pensamento comum”, capaz de constituir um verdadeiro Partido, o Progressista. A Liga, como condição provisória, deveria ser superada por uma legenda composta de “moderados” e liberais na qual não existiria distinção entre os elementos de um ou outro partido. Segundo o presidente do Conselho, Lopes Neto estava sendo mal-intencionado em sua interpretação, tentando causar desconforto aos presentes na sessão. Para ele, se ninguém “deu ao ministério nem a [autorização] para fundi-lo em um cadinho, [esqueceu-se] de que também ninguém deu ao nobre deputado faculdade para apreciar a situação pela bitola de seu despeito”.395 Terminando a discussão acerca da “fusão” ou de haver um presidente conservador em Câmara dominada por liberais, Zacarias falou de seu afastamento dos “puros”. Explicou que os conservadores “emperrados” não conseguiram compreender as necessidades do país, fazendo com que ele buscasse apoio dos liberais. Está claro. Pela minha parte não procurei fundi-lo, nem a ninguém: tenho consciência do apoio de um partido numeroso. Aludiu o nobre deputado a qualidade de conservador com respeito a mim, e, pois devo-lhe dizer-lhe com franqueza que, apartando-me do partido Conservador quando a experiencia mostrou-me que, por seu emperramento, não compreendia a situação do país, querendo manter-se sempre no poder, como se ao lado oposto nunca fosse lícito governar, aliei-me aos liberais no pensamento de concorrermos, como em nós couber, para a prosperidade do país. (Apoiados; muito bem). 396

Superando as críticas acerca da composição ministerial, Zacarias respondeu brevemente as três perguntas de Lopes Neto. Sobre as aposentadorias, afirmou ser questão já resolvida por Olinda, restando ao deputado ler o relatório onde “encontrará resposta cabal, sendo que nele meu antecessor francamente pede a Câmara um bill de indenidade”397, ou seja, uma compensação do Parlamento para o erro. A respeito dos matadouros, o presidente ironizou dizendo que Lopes Neto levou a mal o programa não se reportar as “carnes verdes”: “Mas, senhores, o que tem com a polícia do país o negócio do matadouro? Como, pois, tratar de

394 Id., Ibid. 395 Id., Ibid. 396 Id., Ibid. 397 Ibid., p.309-310, grifo do autor. 123

semelhante assunto por ocasião do programa ministerial?”.398 Reportando-se a Companhia União e Industria, explicou que iria analisar a situação com justiça, mas prezando pela “severa economia”. Conclui insinuando ser o deputado do Sergipe um radical adversário do regime monárquico representativo ao se opor a todos os programas. Se o presidente do Conselho respondeu a parte dos questionamentos relativos a fração conservadora da Liga, pela parte liberal argumentaram o ministro do Império, José Bonifácio, e o da Fazenda, Dias de Carvalho. Como a maioria das repreensões aos membros liberais do ministério foram realizadas por correligionários, seus discursos são de grande relevância. Passemos ao primeiro. Divergindo da postura adotada por Lopes Neto acerca do programa ministerial, José Bonifácio declarou que o deputado do Sergipe esqueceu da evolução dos partidos no Segundo Reinado. Afirmou que a Liga não correspondia a um agrupamento de políticos em busca de poder, mas união de princípios em vista das necessidades da nação. “A ideia de liga não significa seguramente o conluio de alguns homens, ou o acordo de pessoas, mas sim o triunfo, a vitória de uma ideia que chegou ao estado de madureza, e que, em sua marcha progressiva, por muito tempo manifestou-se no país. (Apoiados; muito bem)”.399 Sobre as provocações de ser ou não “verdadeiramente liberal”, o ministro do Império foi bastante enfático ao se posicionar liberal. Não havia, então, necessidade de solicitar ao governo o título de origem de cada um dos ministros: O nobre deputado falou em liberais e conservadores unidos hoje. Esta questão de nomes, eu peço licença para esclarecer que, em minha consciência, é uma questão pequena. (Apoiados). Que me importa, se a ideia for a mesma em seu desenvolvimento, que me chamem liberal moderado ou conservador moderado? (Apoiados). Que interesse há em recordar paixões e desenterrar desgraças? (Muito bem).400

De acordo com José Bonifácio, as palavras de Lopes Neto, ao contrário de tentarem instituir princípios “verdadeiramente liberais” à Câmara, procuravam impor sua opinião pessoal ao Parlamento, violando um dos princípios liberais mais respeitosos: a governação do país pelo país. Para o ministro, a deputação estava bem representada no gabinete e era o momento da moderação se consolidar como regra da administração pública, acabando com a cizânia e dando ao país uma governança que prezasse pelo o bem-estar da nação e não por ambições individuais. A moderação qualifica o caráter dos indivíduos, ou exprime a tranquilidade dos temos e o temperamento dos partidos. O aspecto da Câmara demonstra o

398 Ibid., p.310. 399 Id., Ibid., grifo nosso. 400 Id., Ibid. 124

valor das ideias: as urnas deram a sua sentença, o pleito ficou decidido, a vitória foi do país. (Apoiados.) Eis o título de nossa incontestável legitimidade. Sr. presidente, confiando na justiça da Câmara, na ilustração dos representantes do povo, e finalmente na situação atual, espero que a [eleição] de uma geração brilhante saberá, zelando a gloriosa tarefa de que foi incumbida por seus comitentes, depor no altar da pátria todos os ódios do passado e todas as ambições do presente. (Apoiados; muito bem, muito bem).401

O outro ministro liberal a se pronunciar foi o da Fazenda, Dias de Carvalho. Para ele as denominações, liberal “moderado” ou progressista, não importavam. A Liga não era mais composta de elementos heterogêneos, mas de um pensamento comum. Logo, as críticas formuladas pelos opositores não tinham propósito, dado que o gabinete contava com o apoio da maioria da Câmara. Em suas palavras, todos os membros do grupo progressista possuíam os mesmos desejos, “marchar segundo as regras prescritas na Constituição do Império; não conhecemos hoje necessidade alguma de que ela seja alterada nos seus pontos fundamentais”.402 Conclui, mostrando-se cordial ao ministério que deixava o poder, deixando a critério do Parlamento a questão das aposentadorias dos magistrados: Reconheço, senhores, a solidariedade que deve haver entre os gabinetes que se sucedem, e não me parece muito conveniente que o ministério que sucede a outro institua esse exame minucioso em todos e em cada um dos atos praticados pelos seus antecessores, para revogar uns e aprovar outros, quando eles estão consumados.403

Manifestou-se ainda a favor do gabinete o liberal Martinho Campos. Lembrou que na apresentação do programa de 30 de maio de 1862 já tinha feito ponderações acerca dos abusos do governo representativo, oportunidade na qual constituiu-se um ministério com “a posição esquerda e inconstitucional que havia ficado a Câmara dos Deputados”.404 O deputado de Minas Gerais explicou que em alguns aspectos concordava como o colega Lopes Neto, a exemplo da crítica ao retrospecto histórico das organizações ministeriais, majoritariamente formuladas pelo elemento conservador. Contudo, contestou a falta de confiança creditada ao novo governo. Em sua acepção, via “com prazer na organização do atual gabinete, como já havia visto na do ministério de 21 de maio, a renúncia de semelhantes práticas e o ingresso no verdadeiro caminho constitucional”.405

401 Ibid., p. 311. 402 Ibid., p.316, grifo nosso. 403 Id., Ibid. 404 Id., Ibid. 405 Id., Ibid., grifo nosso. 125

Como se nota, Martinho de Campos era favorável aos dois ministérios organizados por Zacarias, mas contrário ao de Olinda, como demonstrou em sua enérgica oposição quando do pronunciamento do marquês na Câmara em 1862.406 Seu argumento era que tanto em 1862, quando se organizou o primeiro gabinete presidido por Zacarias, o gabinete “dos Anjinhos”, quanto agora, a escolha do corpo ministerial mostrou o renascimento da influência legítima da Câmara dos Deputados, influência de muitos anos morta, e que tinha inteiramente desaparecido, desde o cataclismo de 1849407 afastou de todas as posições políticas os membros desta Câmara, que, como o ilustre deputado e outros nossos amigos, nos anos anteriores tinham aqui representado brilhantemente o partido Liberal. (Apoiados).408

Para o deputado, os gabinetes presididos por Zacarias demonstravam confiança pela presença de importantes nomes da política liberal, bem como pela participação massiva de membros da Câmara em suas composições. É valido lembrar que Zacarias, em 1862, foi o primeiro deputado a presidir o Conselho de Ministros, dando exemplo do “legítimo” sistema representativo. Seu entendimento sugere, então, que se o ministério deve formar-se alinhado com a deputação, o gabinete deve ser constituído com elementos da Câmara. Martinho de Campos prega, deste modo, que o apoio ao governo: “era necessário que nós outros, membros da maioria, nos apressássemos a manifestar ao país que a simples chamada do honrado presidente desta Câmara para organizar o ministério era para nós um programa mais que suficiente na atualidade. (Apoiados)”.409 Enquanto os ministerialistas contaram com o apoio do liberal Martinho Campos, a oposição veio do conservador José Otávio Nébias. O deputado por São Paulo, desde o gabinete Caxias-Paranhos (2 de março de 1861), já mostrava seu desacerto com os dissidentes conservadores e a formação da Liga. Nesta oportunidade, em que contestações partiam dos próprios quadros liberais, aproveitou para fazer coro com Lopes Neto e desqualificar Zacarias.

406 Na sessão de 31 de maio de 1862, o marquês de Olinda, então presidente do Conselho, expôs seu programa de governo e seus ministros, considerados no período como de pouca experiência e idade avançada, daí a alcunha “gabinete dos Velhos”. Nesta ocasião, o liberal Martinho Campos, pronunciou um crítico discurso de oposição, no qual demonstrou que o ministério era “alheio” à Câmara dos Deputados, sobretudo, por ausentar-se em sua composição um número significativo de deputados – apenas Joaquim Raimundo de Lamare, ministro da Marinha. Cf. ACD. Sessão de 31 de maio de 1862. 407 O “cataclismo de 1849” aludido por Martinho de Campos, refere-se à dissolução da Câmara dos Deputados em 9 de fevereiro de 1849, em meio a repressão à Revolução Praieira. Como explica Izabel Andrade Marson, “a ascensão do gabinete Olinda a 29 de setembro de 1848, testemunhando a finalização de um período no qual os liberais haviam atuado com destaque na Corte; a suspenção dos trabalhos da Câmara dos Deputados a 5 de outubro encerrando as atividades parlamentares daquele ano e indicando uma próxima dissolução; e a designação do político conservador Herculano Ferreira Pena para presidir Pernambuco, foram eventos que sinalizaram uma inversão na política no Império em geral e na Província em particular, e a eclosão da guerra civil na qual se hostilizaram conservadores (gabirus) e liberais (praieiros)”. MARSON, Izabel Andrade. Política e memória: Revolução Praieira e suas fontes. Idéias, ano 5, n. 1, janeiro/junho, 1998. p.75-76. 408 Id., Ibid., grifo nosso. 409 Id., Ibid., grifo nosso. 126

Para ele, o presidente do Conselho não se diferenciava, em grande medida, dos conservadores “puros” ou “emperrados”, o que provocou uma discussão com Cristiano Ottoni. O Sr. Nébias: - É verdade, Sr. presidente, que o honrado presidente do Conselho separou-se dos conservadores: mas é verdade também que até certa época S. Ex., por sua conta e risco, mostrou-se tão emperrado como os outros conservadores, mostrou-se tão perseverante como os estadistas deste partido, aos quais S. Ex. aludiu em seu programa. O Sr. C. Ottoni: - Na parte que é confissão devemos aceitar. O Sr. Nébias: - Estou me referindo ao emperramento, e não tenho de recuar. Mas, o Sr. presidente do Conselho até certa época, por sua conta e risco, por política própria, por convicção sua e não imposta por ninguém... O Sr. Presidente do Conselho: - E ninguém é capaz de impor-me. O Sr. Nébias: -...S. Ex, seguiu as ideias ultramontanas do partido Conservador. Vozes: - Oh! Oh!410

A provocação de Nébias refere-se à denominação “emperrados”, utilizada por Zacarias para denominar os políticos conservadores que não se aproximaram dos liberais na Liga Progressista. Como explica Joaquim Nabuco, naquela oportunidade Zacarias queria “desemperrar”, isto é, desprender, os conservadores que compunham o gabinete Caxias- Paranhos da ala “pura” do Partido, aquela menos propensa a ideias progressistas.411 Agora, Nébias afirmava que Zacarias também havia sido “emperrado” ao fazer oposição à “grande” reforma constitucional apresentada pelo marquês de Paraná.412 Atribuindo a este episódio o motivo de seu afastamento dos conservadores “puros”, a fala de Nébias demonstra que o ingresso de Zacarias na Liga ainda não havia sido superado pelos “puros”, inconformados com a grande vitória dos “ligueiros” nas eleições e pelo fato do Imperador mais uma vez tê-lo convidado a organizar o Conselho de Ministros. Terminada a discussão na Câmara, a repercussão foi imediata nos jornais liberais. Pronunciaram-se a favor do gabinete e criticaram a pequena oposição formada especialmente por Lopes Neto e Nébias. A este exemplo, O Diário do Rio de Janeiro abordou a coerência do ministério, salientou a polêmica instaurada pelo deputado Lopes Neto e a resposta de José Bonifácio, que de improviso derrubou os argumentos dos opositores. Tomando a palavra o Sr. ministro do Império firmou, em um eloquente improviso, a verdade da situação. Apreciando a transformação histórica dos partidos e as circunstâncias que criaram no país a atual ordem de coisas, S. Ex. demonstrou que as novas necessidades correspondiam ideias e princípios elevados, que aos homens políticos não se lhes devia mais pedir a significação

410 Ibid., p.312, grifo nosso. 411 NABUCO, 1897, t.2, p. 77-78. 412 A “grande reforma constitucional” proposta pelo marquês de Paraná, na qual Nébias afirma que Zacarias combateu “palmo a palmo”, refere-se a “reforma constitucional das eleições por círculos”. Nos termos de Nébias, o projeto de Paraná era “um princípio liberal, se não uma conquista, uma bela concessão ao Partido Liberal” objetada por Zacarias. Cf. ACD. Sessão de 18 de janeiro de 1864, p. 312. 127

de antigas individualidades, mas que, aproveitando-se o concurso de todas as opiniões sinceras; cujas tendências liberais e moderadas mais de acordo se acham com as aspirações do país, deviam todos depor no altar da pátria os ódios do passado e as ambições do presente!413

O Correio Mercantil, diferentemente, priorizou o desempenho de Zacarias. Caracterizou-o como estadista e legítimo representante da Câmara, sobretudo, por grande parte de sua trajetória parlamentar ter sido construída nesta Casa legislativa. Igualmente, destacou o programa ministerial, que representava com precisão as demandas do Império. Exibindo ontem na Câmara dos Deputados o programa do gabinete de 15 de janeiro, o Sr. presidente do Conselho sustentou, ainda uma vez, a justa reputação de estadista consciencioso e leal aos seus amigos. S. Ex. disse que, saindo das fileiras da maioria do Parlamento, o gabinete reduz o seu programa à realização das aspirações conhecidas do partido representado por essa maioria. Não quis hastear a bandeira vulgar, em que tantas vezes escreveram as frases vagas de justiça e tolerância ministérios cuja fraqueza consistia justamente na ausência de solidariedade entre a maioria e o governo.414

Na sessão de apresentação do gabinete 15 de janeiro à Câmara, como se verifica, as questões propriamente relativas ao programa ministerial foram deixadas em segundo plano em benefício da discussão do prosseguimento ou não da Liga “Progressista” de conservadores e liberais “moderados”. Estas proposições se assemelham em grande medida aos debates sobre a continuidade da política de Conciliação no final da década de 1850, abordada no capítulo 1. Enquanto naquele momento, em uma Câmara majoritariamente composta de conservadores, vozes dissonantes questionavam se os partidos retornavam a suas posições originais e se exclusivismo imperava na política dos gabinetes, em 1864, com composição camarária contrária, era a vez dos liberais indagarem se a Liga continuava servindo-se dos ideais dos dois partidos. Destaca-se nesse confronto as diferentes demandas das facções integradas no Partido Liberal, que conformaram diferentes grupos organizados grosso modo em “históricos” e “progressistas”. Buscando se afirmar como “mais” ou menos “liberal”, uma parcela encarava com bons olhos uma “fusão” com os conservadores “moderados”, ao passo que outra, tomou como traição não ser contemplada para a presidência do Conselho.

2.3.1. A Resposta à Fala do Trono e a discussão sobre as “liberdades”

413 FBN. Diário do Rio de Janeiro. 19 de janeiro de 1864. p.1, grifo meu. 414 FBN. Correio Mercantil. 19 de janeiro de 1864. p. 1, grifo nosso. 128

Com a apresentação ministerial em 18 de janeiro de 1864, o expediente da Câmara dos Deputados foi liberado para demandas da Fala do Trono. Nos pouco mais de sete meses de governo, a deputação tratou de muitas proposições, sobretudo, em relação as emergentes intervenções no orçamento e reformas na legislação.415 Nestas discussões notabilizou-se a preocupação dos parlamentares com as questões financeiras e as múltiplas interpretações sobre a destinação do “dinheiro público”. Uma análise ampla do encaminhamento e votação dos projetos na Câmara revela como diversos grupos se confrontavam naquela Casa, colocando em oposição até mesmo políticos que afirmavam ser a Liga um todo homogêneo, especialmente após a “fusão” apregoada pelo presidente do Conselho.

Gráfico 1. Sessões da Câmara dos Deputados (1864)

25

20

15

10 NÚMERO DE SESSÕES

5

0 Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro MESES

Sessões de efetivo trabalho parlamentar Sessões não abertas por ausência de número legal

Elaborado a partir de: BRASIL. Câmara dos Deputados. Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Senhores Deputados. 1864.

Conforme se observa no gráfico 1, entre janeiro e agosto de 1864 os trabalhos da Câmara foram expressivos, com poucas sessões encerradas pela falta de número legal de membros – a metade mais um, de acordo com o artigo 57 do Regimento Interno.416 Zacarias pediu demissão no final de agosto de 1864 e em setembro os trabalhos legislativos foram encerrados, o que explica a queda brusca de sessões. Porém, a efetividade da deputação nos

415 A lista dos projetos mais importantes com tramitação na Câmara dos Deputados no ano de 1864 pode ser consultada no final deste trabalho. Cf. apêndice B (p.233). 416 BRASIL. Câmara dos Deputados. Regimento interno da Camara dos Deputados. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1857. p.12. 129

meses anteriores sugere o afinamento dos legisladores em viabilizar medidas enfatizadas no Programa Ministerial e especialmente na Fala do Trono como “indispensáveis para o engrandecimento do Brasil, alvo dos nossos constantes desvelos”.417 Entre os temas congruentes com a Fala e o Programa aparecem as finanças públicas, as comunicações, a legislação da Guarda Nacional e o auxílio à lavoura e ao comércio. Como nota-se no Apêndice B (p.233) – que trata das proposições e projetos com tramitação na Câmara – estes temas foram recorrentes e bastante debatidos na gestão Zacarias. Entre as propostas que tramitaram é válido destacar o Código Militar, a Lei de Recrutamento, o Regulamento para o Exército e a Guarda Nacional, a Linha Telegráfica entre o norte e o sul do Império, subsídios às companhias de navegação, abertura de rios à navegação comercial, estradas de rodagem e a Lei Hipotecária e de Crédito Rural. Cumprindo em certa medida o prometido quando se apresentou naquela Casa, com gabinete quase inteiramente constituído de deputados, o novo ministério fez com que o argumento de “governo alheio à deputação”, associado ao gabinete dos “Velhos”, não encontrasse ressonância na situação política estabelecida. Porém, conforme vimos, o expediente não agradou o suficiente e Zacarias encontrara ruidosa oposição encabeçada por uma parcela de liberais “históricos” e por conservadores “puros”. Ela já incomodava o presidente do Conselho desde o início do mandato ao cobrar propostas convincentes da política liberal anunciada, sinalizando assim os primeiros indícios da futura desagregação. Questionavam, principalmente, os distintos “modos de ‘ser’ liberal”, fato extensamente debatido na discussão do projeto de Resposta à Fala do Trono, que contou com uma declaração contundente do governo no sentido de declarar-se “liberalíssimo”.418 Lido inicialmente na sessão de 23 de janeiro, o projeto escrito para o gabinete pelos deputados liberais Martinho Campos e Saldanha Marinho e pelo conservador “moderado” Tavares Bastos tratou essencialmente das questões pontuadas por d. Pedro II em 1 de janeiro. O texto dedicou-se, em grande medida, as relações do Brasil com a Grã-Bretanha e a prosperidade das lavouras. Também destacou a situação financeira e o papel da Câmara sobre o assunto, como nota-se no trecho final da Resposta: “A Câmara dos Deputados,

417 ACD. Sessão imperial da abertura da Assembleia geral legislativa. 01 de janeiro de 1864. p.1. 418 Em resposta aos questionamentos do deputado Lopes Neto, o ministro do Império, José Bonifácio, declarou o seguinte sobre os membros do gabinete: “Declaro que somos liberais, muito liberais, liberalíssimos”. Cf. ACD. Sessão de 27 de janeiro de 1864. p. 420. grifo nosso. 130

compreendendo o estado das rendas públicas do Império, e guiada pelos mais severos princípios de bem entendida economia, procurará equilibrar a receita com a despesa pública”.419 Três dias após lido em plenário, o projeto entrou em primeira discussão, interrompido pelas manifestações de “Votos! Votos!”, que sugeriam a aprovação sem alterações de texto. No entanto, Nébias, deputado conservador “puro” pela província de São Paulo, que na apresentação ministerial se associou aos liberais “históricos” para fazer oposição a Zacarias, empreendeu questionamentos acerca das “liberdades” não abordadas no projeto. A exemplo do comércio e do crédito, apontados pelo parlamentar como fatores desencadeadores da divisão do Partido Conservador na década anterior: Temos outras muitas liberdades que devem fazer parte do novo código da administração. Assim, por exemplo, a liberdade do comércio, a liberdade do crédito, são duas questões palpitantes que conservam sempre o espírito público em ansiedade ou expectativa. Seria, pois, conveniente que S. Ex. [Zacarias], sem tomar um compromisso prévio, ou tomando, como julgar melhor sua sabedoria, nos declarasse se tem um plano feito, ideias, concepções formadas acerca da liberdade do comércio, acerca da liberdade bancária.420

Além de demonstrar que a divisão do Partido Conservador ainda não havia sido superada, a provocação de Nébias foi além. Incidiu em questão cara a uma parcela dos progressistas não contemplados no programa do gabinete, como o barão de Mauá que ansiava pela liberdade bancária. Como exploramos no item anterior, Mauá desejava um ministério mais “liberal” e alinhado a seu pensamento econômico. Contudo, o Imperador designara novamente a um conservador “moderado” para a presidência do Conselho. Na análise de Jorge Caldeira, A combinação de restrições as empresas e contenção monetária foi sufocando o otimismo que surgira com o fim do tráfico. A necessidade de mudanças alimentou a oposição liberal e matou a política de Conciliação: o visconde de Uruguai tinha razão quanto à total incapacidade de ‘empreender e levar a efeito’ do conservadorismo implícito no Poder Moderador. Em 1864, os liberais se firmaram no poder com uma maioria sólida. E logo tiveram que lidar com duas crises gigantescas421 [...]422

Percebendo que, apesar de apoiar o governo, uma fração dos parlamentares almejava reformas que flexibilizassem a legislação bancária423, o conservador “puro” Nébias, recorreu à discussão da Resposta à Fala do Trono para forçar uma manifestação de Zacarias

419 ACD. Sessão de 23 de janeiro de 1864. p.361. 420 ACD. Sessão de 26 de janeiro de 1864. p.395. 421 Jorge Caldeira refere-se à falência do Banco Souto e a Guerra do Paraguai. 422 CALDEIRA, Jorge. História da Riqueza no Brasil: cinco séculos de pessoas, costumes e governos. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2017. p.271. 423 Além das manifestações do barão de Mauá sobre a questão bancária, é importante ressaltar a posição adotada por outro liberal, Teófilo Ottoni, quando se pronunciou contrário à política econômica adotado no início da década de 1860, conforme exploramos no capítulo 1. Cf. ACD. Sessão de 16 de agosto de 1861. p.170. 131

sobre a temática e tentar demonstrar, senão acentuar, a existência de uma ruptura no grupo progressista. Se almejava tumultuar a sessão acirrando discordâncias entre frações do Partido Liberal sobre os rumos da administração pública, suas ponderações, revelam o panorama agitado de tramitação de projetos na Câmara, nos meses seguintes. A julgar a movimentação disposta no Apêndice B (p.233), Nébias parecia ter razão pois poucas foram as oportunidades nas quais a deputação se dedicou, por exemplo, à questão bancária ou ao crédito e o comércio. Pelo contrário, aplicou-se nas propostas apresentadas pelo governo anterior de créditos extra orçamentários aos ministérios, medidas bastante criticadas pelo liberal Tito Franco de Almeida, conforme vimos no item anterior. Outra insinuação de Nébias a provocar Zacarias destacou o retorno ao exclusivismo partidário que excluía os conservadores dos postos de poder em favor do Partido Progressista. Contudo, antes mesmo de um pronunciamento dos ministros, o também deputado por São Paulo, Martim Francisco Ribeiro de Andrada, tomou a palavra para questionar a acusação de Nébias da existência de um “exclusivismo partidário”, ressaltando a participação dos conservadores “puros” no “acerto” entre os partidos durante o ministério dos “Velhos”, presidido por Olinda, de 30 de maio de 1862: O nobre deputado declarou que posteriormente à organização do Partido Progressista voltamos à reação e ao exclusivismo. Pergunto: qual é a reação e o exclusivismo a que voltamos durante o domínio do gabinete de 30 de maio, quando eram conservados presidentes ultraconservadores, como no Ceará e na Paraíba (apoiados), quando esses presidentes protegiam ostensivamente a candidatos conservadores, quando esses presidentes preparavam e forneciam documentos para defesa dos interesses de tais candidatos (apoiados e reclamações), e sobretudo quando não é oculto que alguns presidentes de província até manifestavam claramente que desejavam a eleição de candidatos conservadores? (apoiados). 424

A orientação tomada pelo liberal Martim Francisco ratificou o “acerto” entre liberais e conservadores e esmoreceu o discurso de ataque de Nébias, que logo deu por encerrado seu pronunciamento. O deputado oposicionista de São Paulo visava em um primeiro momento questionar o gabinete sobre a efetiva “liberalidade” defendida pelo governo. E em um segundo, reforçar o argumento de alguns liberais “históricos”, a exemplo de Lopes Neto, que a Câmara tomada pela “febre amarela” ou “febre liberal”425 , isto é, a superioridade numérica na Casa, não mais necessitava dos conservadores “moderados” para administrar.

424 ACD. Sessão de 26 de janeiro de 1864. p. 403. grifo nosso. 425 Expressões de Martim Francisco para confrontar Lopes Neto, que associava a atuação situação camarária ao quinquênio liberal. Cf. ACD. Sessão de 26 de janeiro de 1864. p.403. 132

Com ataques tão incisivos dirigidos ao presidente do Conselho, Zacarias tratou de responder ao inquiridor. No entanto, o ponto nevrálgico apontado por Nébias, as liberdades comercial e bancária, foi o menos atendido, sob a justificativa de que, na ocasião, o agora presidente, não era membro do Parlamento e “que o governo está na intenção de cumprir com lealdade a legislação que temos”: Sr. presidente, direi que, achando-me fora do Parlamento na legislatura em que tais questões mais vivamente se agitaram, não tive ocasião de pronunciar- me a tal respeito. Sendo, porém, certo que existe legislação sobre o assunto, e que me parece terem chegado os ânimos a acordo acerca dos pontos cardeais da matéria, basta-me ponderar que o governo está na intenção de cumprir com lealdade a legislação que temos, e na qual não lhe parece que a opinião reclame atualmente alteração profunda na parte essencial [...].426

A posição de Zacarias em não propor alteração na legislação bancária evidentemente não era consensual entre os progressistas e a maneira de se ausentar do debate com Nébias foi incomum. Sempre proativo em debater sobre tudo e combater a todos quando deputado, Zacarias efetivamente se colocou na posição de “moderado”: se já há resolução não há motivo para alteração. Outrossim, sua resposta revela a concreta atitude do governo em fazer cumprir a legislação existente estabelecida em gabinetes anteriores, especialmente pelo retrospecto negativo da gestão financeira encabeçada por Souza Franco, conhecida no período como “carnaval financeiro” ou “pânico de 1857”, e que em muito desagradara o Monarca. Se acerca da questão bancária Zacarias procurou tergiversar, o mesmo se visualiza com a questão do exclusivismo partidário e da polêmica da “fusão”, criada por ele próprio, em sua apresentação ministerial. A nação não é um partido: a nação observa, aprecia a marcha que levam os partidos que se debatem em seu assentimento e apoio, esse é que deve governar. (apoiados). E as circunstâncias claramente indicavam que a nação prestava a sua adesão e apoio ao Partido Progressista (apoiados gerais), o qual entra assim no governo conforme as boas práticas do regime representativo. (muito apoiados; muito bem.).427

Ao que parece, acompanhando vários liberais a exemplo de Mauá, Nébias tentou questionar a “liberalidade” de um governo autodenominado “liberalíssimo”, em especial quando tocou na questão bancária, sugerindo assim, que o presidente do Conselho não era tão “liberal” como propunha. A oposição do deputado por São Paulo, além do efeito político de efervescer os ânimos na Câmara, destacou tópico importante sobre resquícios de posicionamentos conservadores de Zacarias de Góes em termos da legislação econômica.

426 ACD. Sessão de 26 de janeiro de 1864. p. 404. grifo nosso. 427 Id. Ibid. 133

No dia seguinte, dando prosseguimento a discussão do projeto, Saldanha Marinho – apoiado por Francisco Otaviano – respondeu pela Comissão de Resposta e salientou que as intervenções de Nébias serviam para colocar em oposição o governo e os liberais:

O Sr. Saldanha Marinho: [...] As intrigas tão ardilosamente levantadas outrora entre o Partido Liberal e a Coroa estão já sem crédito. (Apoiados). Pretender reergue-las na atualidade é uma leviandade sem justificação. O Sr. Francisco Otaviano: - O primeiro que tem o bom senso para não crer é a Coroa.428 O projeto foi enfim aprovado em 28 de janeiro de 1864429, mas as dificuldades encontradas por Zacarias não pararam por aí. Estava montado o “castelo de cartas” indicado por Lopes Neto.430

2.4. Diferentes modos de “ser” liberal

Os debates do projeto de Resposta à Fala do Trono na Câmara e as sobressalentes discussões sobre as formas de “ser” liberal, nos indicam a importância de se atentar para a multiplicidade de entendimentos e práticas imbricadas nessa expressão no Brasil em meados do século XIX. Sobre as diferentes formas do “liberalismo”, Zília Osório de Castro, diz que quando o substancial da reflexão se trata da ideia de liberdade, devemos falar em “liberalismos” e não apenas em “liberalismo” ou “liberalismo autêntico”: Falar em liberalismo enquanto regime político que consubstancia a ideia de liberdade implica lembrar a exaltação da razão enquanto valor em si, e perspectivar o ser humano entendido na individualidade da sua natureza, e a emergência do temporal como condição da existência. Mas implica igualmente considera-lo do ponto de vista da subjetividade romântica dos sentimentos, com filiação numa comunidade histórica ou contratualmente formada e denominada nação, e a adoção da temporalidade, do tempo que se vive, como característica humana. Ou seja, se bem que liberalismo postule a liberdade, nem esta tem um sentido unívoco, nem ser liberal pressupõe um único modo de ser e de estar, nem as sociedades e os estados que a invocam lhe aplicam o mesmo significado.431

Promovendo uma reavaliação das instituições políticas na América no período das independências, Elias José Palti argumenta que ocorrera ali uma ruptura no entendimento que os súditos tinham do pacto monárquico vigente desde o século XVII, o qual concedia ao rei, e

428 ACD. Sessão de 27 de janeiro de 1864. p.413. 429 ACD. Sessão de 28 de janeiro de 1864. p.438. 430 Ibid., p.309. 431 CASTRO, 2000, p.17. 134

a seus ministros, plena “soberania” sobre a nação, soberania identificada como emanação imediata da figura divina432. Neste pacto “absolutista”, porquanto “la voluntad popular se encontraba en el origen de la instituición monárquica, pero no era su fundamento”.433 Para ele, o próprio pensamento absolutista ao acentuar a brecha entre a esfera do político – pondo em relevo sua natureza convencional – e a esfera social – os sistemas de hierarquias e subordinações espontâneas presentes na sociedade – , no seu afã de afirmar seus próprios fundamentos abriria o campo para a emergência de um conceito que minaria as premissas em se sustentava. Faria finalmente possível a concepção da existência de uma comunidade política organizada com independência daquilo que até então era o centro articulador de que necessariamente emanava: a autoridade real.434

Com as discordâncias em relação do pacto monárquico até então praticado, inclusive, na América hispânica, em virtude da vacância do trono espanhol, opera-se a transladação da “soberania” do rei para o “pueblo”, mais especificamente para os que eram considerados “cidadãos” e compunham a “nación”. Ou seja, a “nación debía ahora asumir su propia representación”.435 Estes “cidadãos” foram responsáveis pelo gerenciamento, em seu próprio interesse, da autoridade política, integrada em instituições como o Parlamento, as Assembleias provinciais e as Câmaras municipais. Também determinavam quem possuía direito de representação e como governar o conjunto dos súditos do Monarca ou de uma parcela deles;436 quem era portador legítimo de uma vontade autônoma e quem não.437 Nos termos de Palti, “un modo de delimitar quiénes están habilitados a pactar entre sí y construirse como portadores legítimos de una voluntad soberana”.438 Estas instituições, compostas e gerenciadas pelos “cidadãos”, reunia e representava o conjunto de proprietários, figuras beneméritas, de alta graduação, comerciantes e fazendeiros, que se destacaram dos outros seres existentes na natureza pela conquista e posse de bens apropriados desta mesma natureza.439 Dotados, assim, dos requisitos para vivenciar uma “humanidade” de cunho político: a propriedade privada e a partir dela a liberdade.

432PALTI, Elias José. El tiempo de la politica. El siglo XIX reconsiderado. Buenos Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2007. p.109. 433 Ibid., p.107. “a vontade popular estava na origem da instituição monárquica, mas não foi sua fundadora”. 434 PALTI, Elias José. Entre a natureza e o artifício: a concepção de nação nos tempos da independência. Lua Nova, São Paulo, n.81, 2010, p. 31-32. 435 PALTI, 2007, p127; 132. “nação devia agora assumir sua própria representação”. 436Ibid., p.106-130. 437 Ibid., p.144. 438 Ibid., p.148. “uma maneira de definir quem está autorizado a negociar entre si e construir-se como portadores legítimos de uma vontade soberana”. 439 Ibid., p.142 135

Se Palti demonstra as restrições à participação do processo político no século XIX aos “cidadãos”, isto é, a apenas àqueles que cumpriam os requisitos para compor e administrar legitimamente a nação, Maria Sylvia de Carvalho Franco – em estudo crítico da interpretação de C. B. Macpherson sobre os princípios liberais de John Locke – analisa as circunstâncias históricas de origem desta concepção liberal. Nesse sentido, avalia a extensão dos conceitos de igualdade e liberdade naquele teórico, tendo em vista a problematização da tese de que, segundo os princípios liberais, “todos os entes humanos são iguais”.440 Para a autora, O pensamento liberal se regenera no ardil de produzir e reconciliar esses incompossíveis. Propõe os universais que o configuram – racionalidade, igualdade, liberdade, justiça – e traz em si a negação desses termos, tendo o poder de manter-se justamente por força dessas antinomias.441

Carvalho Franco, argumenta que no pensamento liberal a igualdade é ao mesmo tempo absoluta e determinada, porque “a qualidade do novo homem, isto é, ser proprietário, [...] fundou sua racionalidade e sua liberdade, tanto no sentido de minar as prerrogativas reais quanto de legitimar a dominação de classe e disciplina dos inferiores”.442 Deste modo, a liberdade “se processa materialmente,[pela propriedade de bens] determinada e referida a certos homens”.443 A propriedade se torna condição essencial da “humanidade” dotada de razão e discernimento para o comando de todos os seres. “No mundo físico ou no político, ou nas passagens de uma esfera para outra, a rede de relações é, essencialmente, de dominação”.444 Aplicando as concepções de Carvalho Franco na análise da política praticada no Rio de Janeiro nas duas primeiras décadas do século XIX, que resultou na superação do pacto colonial no Brasil, Cecília Helena Lorenzini de Salles Oliveira arrazoa que aqui, já neste período, a atuação dos “proprietários” pode ser caracterizada com primazia na opção pela construção de uma monarquia constitucional. A autora se refere a um movimento interno de reajustes e pela emergência de múltiplos interlocutores em um jogo político, fluído e complexo, que expressava a luta pela conquista de mercados, terras e capitais. Isso implicava o acesso a cargos públicos decisórios e a articulação de vínculos pessoais e de favor que possibilitassem o exercício de pressões junto ao monarca, no sentido da realização de interesses e ambições.445

440 FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. “All the word was America”: John Locke, liberalismo e propriedade como conceito antropológico. Revista USP, n.17, 1993. p.32 441 Ibid., p.33. 442 Ibid., p.35-36. grifo do autor. 443 Ibid., p.39. grifo do autor. 444 Ibid., p.45. grifo do autor. 445 OLIVEIRA, Cecília Helena L. de Salles. A astúcia liberal: relações de mercado e projetos políticos no Rio de Janeiro (1820-1824). Bragança Paulista: EDUSF e ÍCONE, 1999, p.80. 136

Por sua vez, em estudo sobre a experiência da prática liberal no Brasil, Christian Edward Cyril Lynch, considera que, desde o período joanino, ainda que com vagar, a difusão do ideário político liberal já se manifestava, sobretudo, por meio do jornal de Hipólito José da Costa446, o Correio Brasiliense ou Armazém Literário. Publicado em Londres entre 1808 e 1823, tinha destinação e ampla circulação no Brasil e “das páginas de seu moderado periódico circularam pela primeira vez, escritos defendendo abertamente a liberdade de imprensa e a necessidade de se reformar a monarquia à maneira das instituições inglesas”.447 As ideias ditas liberais foram paulatinamente encontrando adeptos e propiciando a formação de grupos políticos. Como explica Lynch, já tratando do período imperial, com a formação do Partido Liberal ou luzia, após a criação do Partido Conservador ou saquarema, o termo “liberal deixava de ser meramente antônimo de absolutista, para se tornar sinônimo de pessoa de ideias avançadas, isto é, progressistas”448. Nesta direção, é valido pontuar o estudo de Richard Graham, sobre o “liberalismo brasileiro”.449 O historiador elenca quatro perfis da classe média britânica comprometida com construção de uma modalidade de estado liberal nos meados do XIX, que também poderiam ser reconhecidos no Brasil Para tanto, analisa o desempenho de quatro líderes liberais “progressistas” atuantes na década de 1860 e seguintes (Francisco Otaviano de Almeida Rosa, Zacarias de Góes e Vasconcellos, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa) que considera sensibilizados pelo sistema político inglês. É importante ressaltar que o autor empreende uma distinção entre “liberais” e efetivos membros do Partido Liberal, constatação significativa para entendermos o multifacetamento da vivência liberal no Brasil. Deste modo, para Graham, ter ou praticar ideias “liberais” não seria sinônimo de ser filiado ao Partido Liberal. Sobre os conceitos compartilhados pelos liberais considera que o primeiro deles estabelecia o imperativo de “cancelar todos os privilégios de grupos ou indivíduos”450, os quais deveriam se submeter a uma mesma lei, incluso a família real. O segundo, baseava-se na ideia de as leis serem “promulgadas visando uma solução racional dos problemas existentes, mesmo que isso significasse a radical transformação de velhas tradições”,451 sobretudo, por se tratarem de industriais e comerciantes que fundamentavam seus direitos políticos nas posses resultantes

446 Para mais informações sobre o personagem ver: PAULA, Sergio Goes de. Hipólito José da Costa e o Correio Braziliense ou Armazém Literário. In: COSTA, Hipólito José da Costa. Hipólito José da Costa. São Paulo: Ed. 34, 2001. p. 11-47. 447 LYNCH, Christian E. C. O Conceito de Liberalismo no Brasil (1750-1850). Araucaria (Madrid), v. 9, 2007. p.218. 448 Ibid., p. 230. Grifo do autor. 449 GRAHAM, 1973, p. 261-286. Cf. “A classe média britânica e o liberalismo brasileiro”. 450 Ibid., p.261. 451 Ibid., p.262. 137

dos frutos de seus empreendimentos. O terceiro objetiva tornar o indivíduo o mais livre possível para atuar e atingir seus objetivos. E o quarto conceito, fundamento de todos os outros, estabelecia que somente deveriam fazer parte dos órgãos governamentais pessoas cuja contribuição para a melhoria das comunidades a que pertencessem fosse publicamente reconhecida. Seriam, em resumo, os capitalistas, os homens de empresa e outros, que enriquecendo-se com seus negócios, contribuíam também para o enriquecimento da nação.452

Grosso modo, os autores mencionados sustentam o entendimento de todo liberal ser partidário de um pacto político negociado entre os membros qualificados da nação, o que justificaria a prática do voto censitário tanto na Europa e nos Estados Unidos quanto no Império. Nesse sentido, os liberais eram favoráveis à liberdade de imprensa, de ideias e de associação, possibilitando o estabelecimento de acordos e alianças sustentadas por interesses pessoais. Todavia, no que diz respeito aos monopólios, em princípio eram contrários, porém desde que não usufruíssem de um contrato ou empreendimento regido por esse regime. O exemplo de Mauá é lapidar nesse sentido: ao mesmo tempo que batalhava pela liberdade bancária na Câmara, conforme vimos, defendia também os contratos exclusivos a ele concedidos em vários empreendimentos, a exemplo da exploração da navegação no Amazonas que trataremos no capítulo seguinte. Deste modo, podemos considerar o perfil contraditório das relações liberais e a possibilidade de várias práticas e pactos de cunho liberal, mas sem esquecer que princípios autoritários e excludentes as fundamentam desde a origem. Izabel Andrade Marson e Cecília H. L. de Salles Oliveira453 indicam que a partir das últimas décadas do século XX, novos estudos sobre a história política do Império vem, reconhecendo práticas e princípios liberais em várias circunstâncias454, por exemplo, na “ sua

452 Id., Ibid. 453 MARSON, Izabel A.; OLIVEIRA, Cecília H.L.S. Liberalismo, monarquia e negócios: laços de origem. In: ____Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780-1860. São Paulo: Edusp, 2013. p.9. 454 Destacam-se as pesquisas de: ALVES, Walquiria de Rezende Tofanelli. Expectativas para a "nação portuguesa" no contexto da independência: o projeto de Joaquim José da Silva Maia (1821-1823). 2018. 231 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2018. FERRAZ, Paula Ribeiro. O Gabinete da Conciliação: atores, ideias e discursos (1848-1857). 2013. 159 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós- graduação em História, Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2013. HÖRNER, Erik. Em defesa da constituição: a guerra entre rebeldes e governistas (1838-1844). 2010. 376 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em História Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. BITTENCOURT, Vera Lucia Nagib. Da alteza real a imperador: o governo do príncipe D. Pedro, de abril de 1821 a outubro de 1822. 2007. 394 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em História Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. ABREU, Eide Sandra Azevedo. O evangelho do comercio universal: o desempenho de Tavares Bastos na liga progressista e no Partido Liberal (1861-1872). 2004. 402 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós- graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004. SCANAVINI, João Eduardo Finardi Alvares. Anglofilias e anglofobias: percursos historiográficos e 138

cultura, na formação da opinião pública, na constituição de projetos políticos, na atuação de estadistas e dos grupos sociais e nas relações da sociedade imperial com a escravidão”.455 Nesta perspectiva, compartilhando argumentos de Osório de Castro, Palti, Oliveira, Marson e Graham, compreendemos o “ser” liberal de maneira ampla, como prática assentada desde a independência, especialmente consolidada pela elite política que rejeitou o pacto absolutista, recusou o desempenho de Pedro I e fundou a nação nos moldes concebidos durante o período regencial e o Segundo Reinado. Isso implica reconhecer procedimentos “liberais” não apenas em figuras vinculadas aos quadros do Partido Liberal, mas também considerar a participação dos conservadores na constituição de uma nação liberal. A partir destas referências admitimos diferentes formas de composição liberal no Império, tendo-se em vista o pacto de governo e o exercício das “liberdades”. Como vimos, na apresentação do gabinete 15 de janeiro de 1864 e na discussão da Resposta à Fala do Trono, colocou-se com clareza a questão dos diversos entendimentos do “ser liberal”, quando o principal alvo das críticas foi o perfil do “liberalismo” do presidente do Conselho de Ministros, Zacarias de Góes e do Partido Progressista que ele anunciava. Nesta circunstância, Zacarias foi questionado duramente pelos liberais “históricos”, representados por Lopes Neto, que se consideravam liberais “autênticos” para se diferenciar dos conservadores “moderados” e até mesmo dos liberais “moderados” ou liberais “modernos” , ou ainda liberais “progressistas” nas palavras de Dias de Carvalho (pg. 123) – no geral parlamentares que não haviam vivenciado a Regência, a Maioridade e as rebeliões da década de 1840 por terem adentrado a política na década de 1860.456 O debate em torno do “liberalismo de Zacarias nos possibilita identificar distintos modos de “ser” liberal expressos na Câmara entre janeiro e fevereiro de 1864. O “liberalismo” de Zacarias, recusado pela artilharia dos “históricos” e dos conservadores “puros”, determinados a questionar as propostas do gabinete, é plenamente reconhecido por Richard Graham. Para ele o presidente do Conselho fora um dos “mais

políticos da questão do comercio de africanos (1826-1837). 2003. 293 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003. FERREIRA NETO, Maria Cristina Nunes. Memória, política e negócios: a trajetória de Theophilo Benedicto Ottoni. 2002. 302 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002. BARBOSA, Silvana Mota. A Sphinge Monárquica: o poder moderador e a política imperial. 2001. 414 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001. 455 MARSON; OLIVEIRA, op. cit., p.11. 456 CARVALHO, José Murilo de. Clamar e agitar sempre: os radicais da década de 1860. Rio de Janeiro: Topbooks, 2018. Passim. 139

importantes líderes liberais brasileiros”.457 A natureza “liberal” de Zacarias procedia da moda, na época de sua formação na Academia de Recife, das leituras de Jeremy Bentham e John Stuart Mill traduzidas por um editor de Recife. Para o historiador, “o conhecimento da História Britânica e dos autores ingleses era mais difundido entre os possuidores de um nível de cultura mais amplo”.458 Zacarias, neste aspecto, abusava das citações de Thomas Babington Macaulay, Henry Peter e Lorde Brougham em seus discursos.459 Tendo passado por diversos cargos administrativos provinciais sob a égide do Partido Conservador, com a política de Conciliação suas “concepções liberais” foram se desenvolvendo, com exceção da questão da Igreja460, posicionamento que servia para alimentar os questionamentos sobre seu verdadeiro “caráter liberal”. Apesar disso conclui que Zacarias “contribuiu substancialmente para o progresso da ideologia liberal no Brasil”461, especialmente por seu prestígio e força nos setores políticos. Para ele “os liberais brasileiros alimentaram-se assim das concepções transmitidas pelos escritores ingleses, que lhes permitiram prosseguir em sua luta contra as pressões exercidas sobre os indivíduos pela sociedade tradicional”.462 Podemos assim definir, que a prática liberal adotada por Zacarias de Góes no gabinete 15 de janeiro de 1864, não fugiu ao explicado em seu polêmico discurso em 5 de julho de 1861, quando afirmou: “inovação é salutar, [...] mas sempre com receio”.463 Sendo assim, seu modo de “ser” liberal, tão questionado, sugere-nos uma posição moderada do liberalismo. A este respeito, José Murilo de Carvalho afirma que No segundo gabinete desse político, em 1864, a Liga já se transformara no Partido Progressista, o primeiro a redigir e publicar um programa, tornado público no Senado em 6 de junho de 1864 pelo senador Silveira da Mota. Muito moderado, o programa afirmava explicitamente não buscar reformas na Constituição, eleição direta, descentralização política. Mantinha-se muito preso às temáticas de Nabuco e Zacarias.464

457 GRAHAM, 1973, p. 271. 458 GRAHAM, 1973, p.268. 459 As referências aos autores citados por Richard Graham podem ser conferidas no catálogo da biblioteca pessoal de Zacarias leiloada após sua morte. Cf. FBN. VASCONCELOS, Zacarias de Goes e. Catálogo da Livraria de Zacarias de Góes e Vasconcelos a ser leiloado. [S.l.: s.n.], 02/07/1878. Seção de Manuscritos - I-03,11,009. 460 Na década de 1870, Zacarias se envolveu no conflito denominado à época como “Questão Religiosa”. Ferrenho católico, defendeu judicialmente os bispos de Olinda e do Pará, considerados ultramontanos, e processados pelo próprio imperador por desobediência. Este episódio determina com clareza o caráter “conservador” de Zacarias em relação a religião, onde os dogmas e orientações do Papa não eram passíveis de interpretação no contexto nacional e o catolicismo mantido como religião oficial do Império. Cf. SANTOS, Eduardo. J. N. A batina e o malhete: A 'Questão Religiosa' no Brasil Império sob a perspectiva de fontes documentais. ARS HISTORICA, v. 11, p. 206-217, 2015. Entre outros ver: NEVES, Guilherme Pereira das. Questão Religiosa. In: VAINFAS, Ronaldo. (Org.). Dicionário do Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. 461 Ibid., p.271. 462 Ibid., p.272. 463 ACD. 5 de julho de 1861 (apêndice). p.91, grifo nosso. Cf. (Cap. 1) Entre liberais e “moderados”: Zacarias e a Liga Progressista. 464 CARVALHO, 2018. p. 25. 140

A afirmação de José Murilo de que o Partido Progressista não queria alterações significativas na Constituição contrasta com o programa do gabinete de Zacarias enunciado por Silveira da Mota, que elencou 19 pontos cardeais como meta, sendo que alguns deles interferiam no texto constitucional.465 Destacam-se a responsabilidade dos ministros pelos atos do Poder Moderador, a liberdade individual como regra, a execução do Ato Adicional, a economia do dinheiro público, reforma da lei eleitoral, reforma judiciária, separação da polícia e justiça, reforma hipotecária e organização do crédito territorial, revisão do Código Comercial e a reforma da Guarda Nacional.466 Temas que foram, em algum momento, propostos ou/e discutidos no plenário da Câmara entre janeiro e agosto, conforme observa-se no Apêndice B (p. 233). A este respeito, a política “liberal” de Zacarias e sua relação com a monarquia após 1862 – como também ocorre com Olinda, Saraiva e Sá e Albuquerque – sugere o exercício de um “conservadorismo progressista”, na denominação de Fernandes da Cunha (p. 83), ou de um “conservadorismo moderno”, nas palavras do ministro José Bonifácio (p. 123). Isto é, dizia respeito à prática de um grupo de políticos oriundos do Partido Conservador que flexibilizara orientações do pacto monárquico do Antigo Regime remanescentes na Constituição de 1824, dentre elas a intervenção direta do Monarca na política parlamentar. Mostravam-se favoráveis a alterações na legislação, a exemplo da lei nº 261 de 3 de dezembro de 1841, que reformava o Código de Processo Criminal e estabelecia a separação da polícia judiciária da eleitoral; reformas na legislação da Guarda Nacional promulgada em 1850; no recrutamento; na legislação hipotecária (retirar direitos de hipotecas); nas emissões bancárias; no relacionamento com a Câmara e, sobretudo, um entendimento moderado acerca do exercício do Poder Moderador467. Ademais, este grupo propunha a liberação dos monopólios nos negócios, facilitando a atuação de investidores estrangeiros. Esta sistematização do posicionamento dos conservadores progressistas pode ser claramente verificada nos Programas dos gabinetes dos “Anjinhos”, dos “Velhos” e do de 15 de janeiro de 1864. Se a partir da década de 1860 Zacarias expressava-se claramente como um “conservador progressista” ou “conservador moderado”, ou ainda um “conservador moderno”,

465 A íntegra do Programa do Partido Progressista (1864) pode ser consultada no Anexo D (p.247). 466 MELO, Américo Brasilense de Almeida e. Os programas dos partidos e o 2º Imperio. São Paulo: Typ. de Jorge Seckler, 1878. p.15-22 467 A discussão acerca do poder Moderador proposta por Zacarias de Góes em seu opúsculo Da Natureza e Limites do Poder Moderador pode ser retomada no capítulo 1. Cf. seção 1.3. Entre liberais e “moderados”: Zacarias e a Liga (p.66-70). 141

ao longo de grande parte de sua trajetória havia composto a fração dos “puros” ou como ele próprio denominou: “emperrados”.468 Este grupo de políticos, congregava proprietários com poder econômico e políticos consolidados, a “nobreza”, constituída no Império: grandes proprietários de terras e escravos e comerciantes de grande porte. Em nosso período podem ser representados pela “trindade saquarema” (Paulino Soares de Souza, visconde de Uruguai, Joaquim José Rodrigues Torres, visconde de Itaboraí e Eusébio de Queirós Matoso), por Ângelo Muniz da Silva Ferraz e Joaquim Otávio Nébias. Concordavam com os preceitos do pacto monárquico estabelecidos na Constituição de 1824. Também não eram maleáveis com os direitos relativos à escravidão e as determinações das reformas realizadas em 1841 que restringiram poderes estabelecidos no Ato Adicional. Economicamente advogavam a política cambial metalista, não eram flexíveis a Lei Hipotecária e defendiam alguns monopólios, como a restrição de emissão a bancos específicos e o monopólio da força de trabalho (a escravidão). Se entre conservadores o liberalismo se manifestou de diferentes formas e em distintos agrupamentos políticos, o mesmo acontece com aqueles que se declaravam “autênticos” liberais. Em grande medida opositores do programa do gabinete Zacarias, os liberais históricos defendiam as reformas contidas no programa oficial dos Praieiros e dos revolucionários mineiros de 1842. Suas principais reivindicações eram “a quebra da vitaliciedade do Senado, reforma administrativa, redivisão territorial (criando-se, além de novas províncias, departamentos com assembleias próprias e autônomas, milícias locais e presidentes nomeados pelas assembleias)”.469 Podem aqui ser representados pelas intervenções de Lopes Neto e Urbano Sabino na apresentação ministerial, onde defenderam maior sintonia entre o programa do gabinete e as reivindicações da Câmara.470 Enquanto Lopes Neto e Urbano Sabino se mostraram desde o início contra o programa ministerial e a Zacarias, outra parcela de liberais “históricos”, como José Bonifácio, Mariano de Matos, Martinho de Campos, Dias de Carvalho, Martim Francisco, Teófilo Ottoni, Francisco Otaviano e Saldanha Marinho, assumindo, juntamente com o grupo de Zacarias, o título de “progressistas” e “modernos”, saíram em defesa do gabinete e se propuseram a abrir mão de orientações clássicas que questionavam os vestígios “absolutistas” no pacto político, a

468 Sobre a manifestação de Zacarias em denominar seus antigos partidários de “emperrados”, ver neste capítulo a seção 2.3. Zacarias e o “castelo” de cartas: contestação liberal ao Programa do gabinete 15 de janeiro (p. 126-127). 469 MARSON, 1987, p.78. grifo do autor. 470 As intervenções de Lopes Neto podem ser observadas neste capítulo na seção 2.3. Zacarias e o “castelo” de cartas: contestação liberal ao programa do gabinete 15 de janeiro (p.117-121). 142

exemplo da abolição do Senado vitalício, do Poder Moderador, autonomia provincial e a liberdade de emissão e de comércio. Consideravam-se então liberais modernos e progressistas. Tendo em vista as distintas manifestações do “ser” liberal e a reorganização das frações políticas que deram origem a Liga de conservadores e liberais “progressistas” na década de 1860, o novo grupo, que desde o ministério dos “Anjinhos” ocupava o poder, via a progresso a partir de uma flexibilização das posições tanto conservadoras, como liberais tradicionais (em vigor entre os anos 1830 e 1850).471. Este movimento de aproximação, é tomado por Zacarias como algo verdadeiramente novo, uma espécie de “revolução liberal”, pois para ele o Partido Progressista consolidaria a “fusão” das duas tendências – liberal e conservadora – que encontraria na “moderação” da prática do liberalismo o caminho para governar. No entanto, como ficou claro neste capítulo, a associação empreendida na Liga Progressista foi tênue e precária dada a prevalência dos conservadores progressistas na condução dos ministérios “ligueiros”, o que fez com que muitos liberais, simpatizantes da flexibilização de orientações, se questionassem acerca da possibilidade de concretização de uma administração equitativamente compartilhada, ponto acordado com os conservadores “moderados” ou “progressistas” quando da formação da Liga. Abordando os anos finais da década de 1850 e os anos 1860, Richard Graham explica que “os liberais reconheceram sua derrota e [...] abandonaram a política, ou juntaram- se a uma coligação governamental, onde as pretensões liberais eram geralmente ignoradas”.472 A suposta “coligação” aludida pelo autor, a Liga Progressista – depois transformada em Partido Progressista –, reforça nosso argumento do grupo constituído ser direcionada por lideranças oriundas do Partido Conservador, a exemplo de Nabuco de Araújo e Zacarias de Góes. Ao mesmo tempo indica a insatisfação dos liberais por não terem anseios atendidos. Não obstante, a nova situação política, em suas palavras, foi impactada pelo “desenvolvimento econômico desse período [e] fomentou o crescimento de poderosos grupos urbanos interessados em mudanças políticas radicais”.473 A insatisfação proveniente da Conciliação de 1850 e o caráter indefinido do “Partido Liberal Progressista”, fizeram com que “alguns membros remanescentes [...] Partido Liberal [liberais “históricos”] [impacientam-se] e começaram a exigir uma reforma completa em suas pretensões, em lugar da coalisão com os conservadores”.474

471 MARSON; OLIVEIRA, 2013, p.13-19. 472 GRAHAM, 1973, p. 264. 473 Id., Ibid. 474 Ibid., p. 265. 143

De acordo com José Murilo de Carvalho, desde a 10ª legislatura (1857-1860) o número de liberais na Câmara passou a crescer exponencialmente. A partir de 1860 a Casa contava com “um grupo aguerrido formado pelos irmãos Ottoni, Teófilo Benedito e Cristiano Benedito, eleitos pelos 2º e 3º distritos de Minas Gerais, Francisco Otaviano e Saldanha Marinho pelo 1º distrito do Rio de Janeiro, e José Bonifácio o Moço, pelo 1º distrito de São Paulo”475, políticos e protagonistas importantes nas reviravoltas na coalização progressista. O primeiro foi Cristiano Ottoni, que apesar de algumas situações de desacerto com o ministro da Fazenda e liberal, Dias de Carvalho, manteve-se fiel a Zacarias. Mas depois passou a ser um dos maiores opositores da Liga, se somando a Urbano Sabino, Godoy e Lopes Neto. Segundo Eide Abrêu, existiam significativas “divergências entre os liberais, como ele, e os conservadores moderados, no interior da liga, evidência que sinaliza a fragilidade desse empreendimento”.476 Sobressai-se também a deserção de um conservador “moderado”, Bezerra Cavalcanti, deputado pelo Rio Grande do Norte, que criticou extensamente a Liga. Abrêu destaca ainda, outros deputados que até então declarados ministerialistas, paulatinamente foram se afastando governo após discordâncias pontuais, caso de Saldanha Marinho.477 Se, por um lado, a moderação de Zacarias parece ter sido empecilho aos planos de uma parcela de liberais “progressistas” a exemplo de Mauá e, por outro, a relação do presidente do Conselho com alguns de seus aliados conservadores “moderados” se desgastou, o mesmo não parece ter ocorrido na aproximação entre Zacarias e o Imperador, que se estreitou ainda mais no início daquele ano, 1864. Além da presidência do Conselho em janeiro, no mês seguinte Zacarias foi escolhido senador pela província da Bahia na vaga de Manuel dos Santos Martins Velasques. Contabilizou 2694 votos, em lista tríplice que também contava como os nomes de Espíndola e de seu amigo Saraiva.478 Escrevendo a este último dois dias antes da nomeação, Zacarias antecipa, em sigilo, seu êxito: Procurei-o hoje na Câmara para lhe dizer em confiança, pois não está assinada a carta que S.M. escolheu-me senador e como o não encontrasse, sirvo-me deste meio para lhe o particular. Trataremos agora da substituição, que espero seja como desejamos.479

Do mesmo modo que a nomeação mostrava a deferência de d. Pedro II por Zacarias e a concordância com o Programa “moderado”, a Câmara perdia a confiança em um de seus

475 CARVALHO, 2018. p.24. 476 ABRÊU, 2011, p.156. 477 Ibid., p.155-163. 478 VARGAS, 2008, p.90. 479 IHGB. Carta de Zacarias de Góes e Vasconcellos a José Antônio Saraiva. Rio de Janeiro, 08 de fevereiro de 1864. Coleção Saraiva, DL. 270.48. 144

mais efusivos intérpretes e praticamente esvaziava sua presença na presidência do Conselho de Ministros. O primeiro presidente de Conselho proveniente da Casa temporária agora se rendia a estabilidade do poder proporcionado pela vitaliciedade do Senado, questão tão polêmica quanto a navegação comercial, a qual derrubaria o gabinete Zacarias e instauraria uma séria crise no Partido Progressista conforme veremos no capítulo 3.

145

CAPÍTULO 3- “O temporal nos altos poderes”: embates e estilhaçamentos na Liga Progressista

Houve grande temporal pela região dos altos poderes e o ministério de 15 de Janeiro (charrua de marcha lenta mas que diziam construída de madeira de lei) deu à costa nos arrecifes da Câmara baixa. Dr. Semana. Semana Illustrada. Typ. do Imperial Instituto Artístico, n.195, 1864.

A segunda passagem de Zacarias de Góes pela presidência do Conselho de Ministros, diferentemente do fatídico gabinete dos “Anjinhos”, aspirava maior probabilidade de sobrevivência após a renovação da Câmara em 1863. Apesar da oposição encabeçada pelos conservadores “puros” e uma fração de liberais “históricos” maneada por Lopes Neto, o sentimento geral era de estabilidade e continuidade da administração progressista. No entanto, a aspiração de longevidade do governo não durou muito tempo, arrasada por “um grande temporal pela região dos altos poderes” quando se discutiam projetos para a navegação comercial no Império. O gabinete Zacarias, construído de “madeira de lei”, sucumbiu após 229 dias. Os desentendimentos entre os próprios progressistas sobre as prioridades e direcionamento do “dinheiro público” foram, juntamente com a pressão dos conservadores “puros” e liberais “históricos” o motivo de seu malogro. Acrescente-se a isso, o fato de Zacarias ter assumido uma vaga no Senado, fato indicativo de que a Câmara perdia sintonia com a chefia do gabinete. Deste modo, dada a importância dos desencontros na discussão da navegação comercial, este capítulo aborda projetos e questões enfrentados pelo gabinete relacionados à infraestrutura, transporte e comunicações, com destaque para a navegação comercial (linha entre Nova Iorque e o Rio de Janeiro e a abertura do Amazonas). Demonstramos como os líderes políticos do Partido Progressista se colocaram em oposição, levando Zacarias de Góes e todo o mistério de 15 de janeiro a pedir demissão no final de agosto de 1864. Igualmente, explicamos como se formulavam as tratativas de empresários para angariar subsídios estatais, apontando a importância das boas relações com o Parlamento para a prosperidade de seus empreendimentos – caso de Irineu Evangelista de Souza, barão de Mauá, e sua Companhia de Navegação no Amazonas.

3.1. “Charrua de marcha lenta”: O gabinete 15 de janeiro e a navegação comercial

146

Deixou de existir no dia 30 do mês passado o ministério de 15 de janeiro pelos motivos constantes nos jornais. Estou, pois, restituído a vida privada d’onde me arrancara a fatal emenda à Resposta à Fala do Trono da Câmara em 1862.480

Dirigindo-se ao amigo José Antônio Saraiva, o agora ex-presidente do Conselho de Ministros Zacarias de Góes, comentava brevemente a demissão do gabinete de 15 de janeiro, decorrente da derrota frente a uma “questão de confiança” colocada quando a Câmara dos Deputados debatia a concessão de uma linha de vapores entre o Rio de Janeiro e Nova Iorque. Ironicamente, ali se reproduzia a mesma manobra política que lhe permitira ser o primeiro deputado a chefiar um ministério, o dos “Anjinhos”, em 1862, só que agora praticada como um artifício de seus “aliados” para retirá-lo do poder. Os noticiários da imprensa sugerem que a queda de sua segunda atuação na chefia do gabinete rendeu diminutos comentários se comparada ao momento de ascensão da Liga Progressista, em maio de 1862. Nesse sentido, o relato do pedido de demissão ao Imperador, que sem hesitar escolheu Francisco José Furtado para suceder Zacarias na presidência do Conselho, foi pouco debatido nas grandes folhas, a exemplo do Correio Mercantil, Diário do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio. Muito provavelmente porque, diferentemente da situação que derrubou o gabinete Caxias-Paranhos em 1862, nesta circunstância os “progressistas” não eram vistos mais como a expressão do “novo” e sólido, na política partidária. Nota-se também, a mudança de posicionamento de alguns periódicos que haviam apoiado o segundo ministério Zacarias, uma provável demonstração de como a fragmentação do Partido Progressista em frações concorrentes repercutiu negativamente na opinião pública, uma vez que desfazia a ideia de legenda “fundida” e bem articulada – de conservadores “moderados” e liberais – anunciada por Zacarias quando da apresentação do ministério. Entre os periódicos de grande circulação na Corte, o Correio Mercantil utilizou a segunda página e a seção Notícias Diversas para informar seus leitores sobre a decisão oficial da Coroa, até porque já se divulgara no Rio de Janeiro que o ministro José Bonifácio e Zacarias haviam se dirigido à Quinta da Boa Vista ao término da polêmica ocorrida na Câmara. O Correio, por sua vez, circunscreveu-se a indicação do substituto a organizar o ministério: “Tendo sido aceita por Sua Majestade o Imperador a exoneração pedida pelos membros do ministério de 15 de janeiro, o sr. Conselheiro Francisco José Furtado foi incumbido de organizar o novo gabinete”.481

480 IHGB. Carta de Zacarias de Góes e Vasconcellos a José Antônio Saraiva. Rio de Janeiro, 6 de setembro de 1864. Coleção Saraiva. DL 270.48, doc.2. grifo nosso. 481 FBN. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 01 de setembro de 1864. p.2. 147

O mesmo tom do Correio se visualizou no Jornal do Commercio, limitado a decisões oficiais e atos de governo: O novo ministério acha-se assim organizado: Presidente do Conselho e ministro da Justiça, o Sr. Senador Francisco José Furtado. Império, o Sr. Deputado José Liberato Barroso. Fazenda e interino dos Estrangeiros, o Sr. Senador Carlos Carneiro de Campos. Guerra, o Sr. Brigadeiro Henrique Beaurepaire Roham. Marinha, o Sr. Deputado Francisco Xavier Pinto Lins. Agricultura, Comércio e Obras públicas, o Sr. Deputado Jesuíno Marcondes de Oliveira e Sá.482

Diferente do Correio e do Jornal do Commercio que não empreenderam considerações nos editoriais e estabeleceram a notícia entre outras de menor importância, o Diário do Rio de Janeiro, por dias seguidos se manifestou claramente e em tom crítico, a favor da modificação do governo. Em 29 de agosto, posicionou-se pela necessidade de retirada do corpo ministerial argumentando que o governo não representava bem seu papel de defender os interesses públicos e a soberania nacional, e deveria ser imediatamente substituído. A justificava era que ao corpo legislativo não se devia negar informações,

sob pretexto de reservado não possa o governo ocultar qualquer documento que por parte das câmaras legislativas lhe seja solicitado. Se o governo tivesse o arbítrio de dar ao corpo legislativo somente do que ele quisesse, as ele pudesse vedar o conhecimento dos atos oficias que lhes aprouvesse, mortas estavam as liberdades públicas, as garantias constitucionais.483

Para o Diário, cujo editor principal era Saldanha Marinho, nesta época já afastado de Zacarias e do Partido Progressista,484 o gabinete, em especial, o ministro da Fazenda, o liberal Dias de Carvalho, em suas repartições fiscais havia promovido “indivíduos condenados na opinião pública como prevaricadores”.485 Para o jornal, este posicionamento não era condizente com ministério “liberal”, aliás “liberalíssimo”. No dia seguinte, 30, as afirmações do Diário foram mais contundentes, ressaltando o papel de alinhamento da Câmara e do gabinete como ponto fundamental para sustentar o governo:

482 Arquivo Edgard Leuenroth (doravante AEL). Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 01 de setembro de 1864. p.1. 483 FBN. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 29 de agosto de 1864. p.1. 484 O movimento de afastamento de Saldanha Marinho e as críticas a membros do próprio Partido podem ser observados com clareza nas missivas trocadas com seu amigo Francisco Otaviano. Cf. Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (doravante AGCRJ). Coleção Saldanha Marinho. CP/SM/CÓD. 41-1-48, 49 e 54. Correspondência de Saldanha Marinho com parlamentares e amigos. (1863-1891) 485 Ibid. Id. 148

Os nossos leitores estarão lembrados de que havemos afirmado por vezes [a exemplo da edição anterior] que a maioria do atual gabinete, na Câmara temporária, era uma maioria de condescendência forçada. E que os desgostos que a trabalhavam, dando à situação política um caráter vacilante, tirava ao governo todo o prestígio e tornava a sua posição precária e incerta.486

Como nota-se, o periódico indica claramente sua posição crítica à administração, que em seus termos se perpetuava por uma suposta “maioria”, assentada de maneira duvidosa e artificial. Esta disposição sugere também a efetiva insatisfação dos deputados com o aceite de Zacarias para o Senado vitalício, decisão que tirava da Casa temporária a presidência do Conselho e aproximava sua prática dos gabinetes conservadores, nos quais somente senadores ocupavam o cargo. Como explica Buarque de Holanda, no Senado, Zacarias encontrou-se com Nabuco de Araújo, cofundador da Liga Progressista e que na lista tríplice de 1858 o havia desbancado, mesmo obtendo menos votos.487 Tal ascensão na trajetória política de ambos parece ter amainado o tom de crítica aos “conservadores puros” e os afastado do vigor dos debates travados na Câmara. “Para os detentores de cargos vitalícios o risco da degola não existia. Para eles, valia mais a pena continuar fiéis ao imperador e esperar até o próximo giro de sorte que apostar em mudanças radicais”,488 posicionamento visto como traição a outros integrantes da Liga, não tão beneficiados como eles. Avançando sobre o derradeiro pedido de demissão, reportado por Zacarias ao amigo Saraiva, o Diário e outras folhas menores deram atenção ao episódio que derrubou o gabinete, com detalhes precisos e tom nuançado, mais especialmente a polêmica em que se defrontaram dois liberais - o deputado Martinho Campos (mais apoiadores) e o ministro do Império José Bonifácio, o primeiro reclamando a urgência do projeto de navegação Rio de Janeiro-Nova Iorque e o segundo propondo o adiamento do assunto. Nos termos do Diário:

Entrando em discussão o projeto relativo à linha de navegação a vapor que se quer estabelecer entre o Brasil e os Estados-Unidos, o sr. Ministro do Império obtendo a palavra propôs o adiamento da discussão do projeto, para que fosse remetido à comissão de comércio, indústria e artes. O autor do projeto, o sr. Deputado Martinho Campos opondo-se a esse adiamento, estranhou em termos expressivos que o nobre ministro do Império quisesse por esse modo matar o projeto, que fora por ele orador apresentado à Câmara, de acordo e combinação com os outros membros do ministério; ponderando além disso que semelhante adiamento mais parecia uma trica de deputado do que recurso próprio de um ministro de Estado.489

486 Id. Ibid. 487 HOLANDA, 2010, p.118-119. 488 CALDEIRA, 1995, p.195 489 FBN. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 29 de agosto de 1864. p.1. 149

Pouco tempo mais tarde, O Fluminense, em sua primeira edição, se alinhou a postura crítica à administração Zacarias e depositou sua confiança no presidente do Conselho, recém-nomeado, o liberal Francisco José Furtado: A atual administração ou governo do Estado, tem sobre seus ombros uma grave e melindrosa missão a desempenhar. É chamada a reparar os desastres de administrações anteriores, que malbarataram as forças da nação, e comprometeram profundamente o espírito público, tornando-o talvez por demais ascético ou descrente. Sobretudo ela deve salvar a situação nova, em que o país julgara entrar a contar dos acontecimentos de janeiro do ano passado, e que infelizmente os gabinetes dos Srs. Olinda e Zacarias tão gravemente comprometeram, fazendo descrer das instituições e dos homens públicos.490

Diferente do Diário e do Fluminense. O Constitucional, se pronunciou em defesa do ex-ministro do Império, José Bonifácio. Discorreu que sua proposição de adiamento da matéria tinha como objetivo os “interesses da administração”. Argumenta também, que de onde deveria aparecer auxilio apareceu a resistência: O gabinete de 15 de janeiro, tão fiel representante da maioria da Câmara temporária, tão eminentemente parlamentar quanto um ministério pode sê-lo, acaba de sucumbir inopinadamente, não aos esforços da oposição constitucional, mas estrangulado às mãos da própria maioria. Discutia-se a concessão de um estipendio anual de duzentos contos à companhia estrangeira que se encarregasse de criar uma linha de vapores entre os Estados-Unidos e vários portos do Império. Estando a encerrar-se a sessão, e sem haver tempo de ser aprovado, este ano, estipendio projetado, teve por melhor o nobre ministro do Império propor o adiamento da questão.491

Se “moderadas”, como o desempenho de Zacarias, foram as considerações dos periodistas após a sua segunda queda, a Semana Illustrada, destaca-se pela troça e criatividade ao noticiar, valendo-se do imaginário náutico (já que o assunto era a navegação entre Nova Iorque e o Rio de Janeiro) – em sua seção Novidades da semana – a exoneração do gabinete de 15 de janeiro. Também, por sinalizar a amplitude maior e a complexidade do problema: Temos desta vez moscas por cordas e mosquitos por arames [...] A navegação ia sendo feita sem maior novidade. Depois de alguns aguaceiros e de ventos ponteiros, aproximava-se o xaveco ministerial do termo da sua viagem de oito meses, quando por descuido dos homens da sonda, encalhou na maré baixa em latitude és não és ao norte do Império e entre os portos de New-York e Rio de Janeiro, pontos marcados na carta da navegação entre os Estados-Unidos e o Brasil. O casco, avariado bastante virado de crena, permaneceu nesse estado por algumas horas, mas despeito de todos os esforços empregados para ver ao menos se salvava parte da carga, foram infrutíferos, até que soçobrou de todo com tripulação e passageiros.492

490 FBN. Fluminense. Rio de Janeiro: 10 de setembro de 1864. p.2. 491 FBN. Constitucional. Rio de Janeiro: 2 de setembro de 1864. p.1. 492 FBN. Semana Illustrada. Rio de Janeiro: 4 de setembro de 1864. p.2. 150

Assinado pelo personagem fictício Dr. Semana493, o semanário demonstra com humor as alterações ministeriais. Enquanto o gabinete Zacarias é tomado pelo sustento de “moscas” e “mosquitos”, o presidido por Francisco Furtado, aos olhos do editor, parecia mais robusto: com suas “cordas” e “arames” ao fincar-se no poder. A Semana também demonstra a temática da navegação entre os Estados Unidos e o Brasil como motivo de saída de Zacarias, mas argumenta que não foi o único fator a afundar um barco de “casco avariado”. O “barco avariado” de Zacarias subentende que a questão da navegação comercial no Império, temática tão proeminente, havia sido deixada em segundo plano pela administração do ministério 15 de janeiro, que tinha se oposto ao andamento daquela matéria na Câmara dos Deputados. O jornal parece indicar a postura adotada por Zacarias e seu corpo ministerial como em desencontro não apenas ao acordo firmado com deputados ministerialistas, mas com a ideia de “liberdade” fundamental de navegação defendida pelo grupo “progressista” e aconselhado pelo próprio Imperador. Salienta, portanto, um desalinhamento entre a postura da deputação e do governo no encaminhamento de questões importantes, visto que divergiam em suas ações e, sobretudo, prioridades. Desta maneira, o ministério exonerado é tomado também como “charrua de marcha lenta”494, pois lhe faltava os meios de articulação política para fazer passar pelo Parlamento os projetos de seu interesse. Conquanto o tema da navegação protagonizasse intensas discussões no Parlamento desde do final da década de 1840, na última legislatura o assunto fora preterido em virtude do conflito entre o Brasil e a Grã-Bretanha que ocupou grande parte do expediente. Não obstante, superada esta questão, as pautas “verdadeiramente” progressistas pareciam retornar às discussões plenárias. Ainda que a navegação não tenha aparecido na Fala do Trono de 1 de janeiro, em correspondência endereçada à Zacarias no dia 14 do mesmo mês, o recado do Imperador foi claro: A abertura do Amazonas a todas as nações, é negócio que também muito me ocupa, mas convém que antes dela realizar-se, tenhamos os meios precisos

493 Como destaca Renan Rivaben Pereira, o personagem do “Dr. Semana” foi criado por Henrique Fleiuss e era acompanhado de seu companheiro “O Moleque”. Como sustenta o autor, “o Dr. Semana e o Moleque trouxeram os ‘tipos sociais’ e os problemas urbanos para as páginas da revista. Preocupados com a nação, o progresso, a moral, as artes, a instrução pública, a religião e tudo que envolvia a ‘boa sociedade’ junto da cidade negra, a revista emitira opiniões, ora propondo soluções ora julgando penosamente, mas nunca deixando de rir.” Cf. PEREIRA, Renan Rivaben. Semana Ilustrada, o Moleque e o Dr. Semana: imprensa, cidade e humor no Rio de Janeiro do 2º Reinado. 2015. 188 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em História, Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Assis, 2015. p.16. 494 “Charrua” refere-se a um instrumento de tração utilizado para rasgar o solo agricultável. Na exposição da Semana Illustrada a o termo é utilizado para fazer troça do gabinete de 15 de janeiro de 1864, que em assuntos relacionados ao ministério da Agricultura mostrou demasiadamente “moderado”. 151

para fazer respeitar nossa nacionalidade, entre os quais o principal é uma esquadrilha de vapores de guerra, próprios para esse gênero de serviço.495

Como nota-se, d. Pedro II apontava para a necessidade de retorno dos debates sobre a abertura do rio Amazonas, com as devidas precauções para a manutenção da soberania nacional. Na Câmara a temática foi recorrentemente discutida, o que se observa com clareza no Gráfico 2, onde ocupou o total de dezoito sessões. Se o Amazonas foi largamente debatido, a navegação, em termos gerais, foi a questão da Casa naquele ano e ao mesmo tempo problema do gabinete Zacarias. Assuntos ligados a Companhia de navegação à vapor da Bahia, a derradeira linha Rio-Nova Iorque, a Companhia Brasileira de Paquetes à vapor e a navegação de cabotagem também figuram entre os dez objetos mais pautados em 1864.

Gráfico 2. Debates sobre infraestrutura, transporte e comunicações realizados na Câmara (1864)

Número de sessões

25

18

11

7 6

4

2 2 2 2

Estrada de Navegação Companhia Companhia Navegação Navegação Companhia Estrada de Linha Navegação Ferro d. em rios do União e de entre o do Rio São Brasileira de ferro de S. telegráfica de Pedro II Pará e Indústria Navegação à Brasil e os Francisco Paquetes à João D'El entre o norte Cabotagem Amazonas vapor da Estados vapor Rei a Goiás e o sul do Bahia Unidos Império Elaborado a partir de: BRASIL. Câmara dos Deputados. Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Senhores Deputados. 1864.

495 Transcrição de Hélio Vianna. Cf. VIANNA, Helio. D. Pedro I e D. Pedro II, acréscimos às suas biografias. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1966. p.177. 152

Se o gabinete Olinda foi tratado como “palhabote”, o presidio por Zacarias era um “navio” que afundou na “Câmara baixa” sem concluir seu trajeto sugerido pela “carta náutica” do Imperador. Como bem explorou o Constitucional: Cada chefe da Liga procura, porque triunfou saciar suas ambições; não é possível satisfazer aos interesses de tanta gente nem entregando-lhes todas as posições retribuídas e de meia confiança política, nem outras tantas que se criassem de novo. Os interesses ofendidos vão avultando e apenas em maioria rompem com a situação para criarem outra que lhes seja mais favorável. O 15 de janeiro caiu esmagado pela aluvião das ambições malogradas que ele não pode satisfazer, porque não estava em suas mãos fazer o impossível. 496

3.1.1. As propostas de navegação entre o Brasil e os Estados Unidos

Como pontuaram os periódicos, os debates acerca da navegação comercial no Império, em especial o estabelecimento da linha entre o Brasil e os Estados Unidos, foram o ponto nevrálgico para a queda do gabinete de 15 de janeiro. A navegação subvencionada, desde a criação da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras públicas – decreto nº 1067 de 28 de julho de 1860 – passava a ser responsabilidade do ministro da Agricultura e não mais do dos Negócios do Império. Deste modo, para a compreensão do que se estabeleceu na Câmara em 1864 e a exoneração do gabinete Zacarias, o entendimento das atribuições e a atuação dos que chefiaram a pasta é salutar. Neste sentido, segundo Louise Glaber, Os negócios relativos a iluminação pública da Corte, telégrafos, o serviço da extinção dos incêndios e companhias de bombeiros, vieram do Ministério da Justiça. As atribuições originárias da pasta do Império eram mais numerosas, tais como os assuntos relativos ao comércio, à indústria e à agricultura, e também os seus meios de fomento, desenvolvimento e ensino, introdução e aclimação de espécies, os jardins botânicos e passeios públicos, os institutos agrícolas, assim como a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e quais quer outras que se propusessem aos mesmos fins, os assuntos relativos à mineração, a autorização para incorporação de companhias ou sociedades relativas aos ramos da indústria, a concessão de patentes e prêmios pela introdução de indústria estrangeira, os negócios concernentes ao registro de terras, a colonização, a catequese e civilização dos índios, as missões e aldeamentos, as obras públicas gerais no município da Corte e nas províncias e as repartições encarregadas de sua execução e inspeção, as estradas de ferro, de rodagem e quaisquer outras, bem como as companhias ou empresas

496 FBN. Constitucional. Rio de Janeiro: 02 de setembro de 1864. p.1. 153

encarregadas de sua construção, conservação e custeio, a navegação fluvial, os paquetes e os correios terrestres e marítimos. 497

Apesar da citação ser longa, ela explica fundamentalmente as atividades desempenhadas pelo novo ministério e, sobretudo, o desafogo de ocupações até então conferidas aos Negócios do Império. Quanto às concessões firmadas entre o governo e particulares, a secretaria da Agricultura passou a administrar todos os acordos. Abundantes nas atividades do ministério do Império na década anterior – se observarmos os números de concessões e subsídios fornecidos – a nova pasta era agora visada pelos “capitalistas” e industriais interessados em negociar com o Império. Entre os principais beneficiários, destaca- se o barão de Mauá, que nos anos 1850 conseguiu administrar nada menos que treze empreendimentos,498 figurando, assim, entre os mais favorecidos pelos gabinetes conservadores, mesmo sendo filiado ao Partido Liberal. No ano seguinte a criação do ministério da Agricultura, uma normativa organizou e regulou o funcionamento da pasta. Segundo o artigo 1º do decreto nº 2748 de 16 de fevereiro de 1861, a secretaria seria composta por quatro repartições: 1º Diretoria Central e dos Negócios da Agricultura, Comércio e Indústria; 2º Diretoria de Obras Públicas e Navegação; 3º Diretoria das Terras Públicas e Colonização; e 4º Diretoria dos Correios.499 Acerca da Diretoria de Obras Públicas e Navegação, o decreto, em seu artigo 10º, indica de maneira genérica suas atribuições: o § 3º simplesmente cita “os negócios relativos à navegação fluvial e aos paquetes”. Apesar do indistinto papel conferido pela legislação, esta seção ministerial era de extrema importância e evocada nos discursos no Parlamento como determinante ao andamento de projetos relacionados à navegação comercial. Os relatórios apresentados com certa periodicidade à Câmara dos Deputados pelos ministros eram abundantemente mencionados na apresentação de proposituras, seja pelos argumentos do governo neles contidos, seja pelos dados de seus quadros e tabelas que apontavam as estimativas de possíveis ganhos e perdas e os balanços financeiros. A navegação subvencionada era assunto obrigatório nestes relatórios. Os ministros deveriam assinalar as condições das concessões em atividade, a necessidade de reforma ou revisão dos contratos, bem como noticiar novas propostas e os termos oferecidos ao governo brasileiro. Criado ainda no

497 GLABER, Louise. A Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e a modernização do Império (1860-1891). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2012. p.10-11. grifo nosso. 498 A evolução dos empreendimentos de Mauá pode ser observada no Quadro 5 (p.174). 499 BRASIL. Coleção de Leis do Império do Brasil. (tomo XXIV, parte II). Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1861. p.129.

154

gabinete Caxias-Paranhos, o ministério contou com uma rotatividade expressiva na chefia, mesmo após a ascensão do grupo progressista. Como nota-se no quadro abaixo, durante seus primeiros oito anos de vida a pasta contou com onze ministros, o que em média, restringe a passagem de cada um por menos de um ano.

Quadro 4. Ministros e Secretários da Agricultura (1861-1868)

Ministro e Secretário Entrada Saída Gabinete Presidente do Conselho Joaquim José Inácio 02/03/1861 21/04/1861 Luís Alves de Lima e Manuel Felizardo de Souza 21/04/1861 24/05/1862 02 de março de 1861 Silva, marquês de e Melo Caxias Antônio Coelho de Sá e 24/05/1862 30/05/1862 24 de maio de 1862 Zacarias de Góes e Albuquerque Vasconcellos João Lins Vieira Cansansão 30/05/1862 09/02/1863 de Sinimbu 30 de maio de 1862 Pedro de Araújo Lima, Pedro de Alcântara 09/02/1863 15/01/1864 marquês de Olinda Bellegarde Domiciano Leite Ribeiro 15/01/1864 20/07/1864 15 de janeiro de 1864 Zacarias de Góes e João Pedro Dias Vieira 20/07/1864 31/08/1864 Vasconcellos Jesuíno Marcondes de 31/08/1864 26/10/1864 Oliveira e Sá 31 de agosto de 1864 Francisco José José Liberato de Barroso 26/10/1864 12/05/1864 Furtado Antônio Francisco de Paula 12/05/1864 03/08/1866 12 de maio de 1865 Pedro de Araújo Lima, e Souza marquês de Olinda Manuel Pinto de Souza 03/08/1866 16/07/1868 03 de agosto de 1866 Zacarias de Góes e Dantas Vasconcellos Elaborado a partir de: GLABER, Louise. A Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e a modernização do Império (1860-1891). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2012. p.111.

Se a criação do ministério da Agricultura e de uma diretoria dedicada exclusivamente à navegação significou um passo importante para os debates sobre a abertura dos rios brasileiros e o estabelecimento ou/e estreitamento de relações comercias com outras “nações amigas”, a questão que levou “pelos mares” os planos de Zacarias chefiar um gabinete mais duradouro que o dos “Anjinhos” teve suas raízes fincadas na extinta administração do marquês de Olinda, especialmente em três proposições herdadas do último relatório do ministro Pedro de Alcântara Bellegarde. O ponto inicial foi um requerimento apresentado em 29 de janeiro de 1864 pelo deputado da província do Amazonas, Antônio José Moreira, que solicitou “à comissão competente dar ela seu parecer a respeito, [d]as três propostas de navegação a vapor entre o Brasil e os Estados Unidos, anexas ao relatório do ministério da Agricultura”.500 Naquela

500 ACD. Sessão de 29 de janeiro de 1864. p.439. 155

circunstância, Alcântara Bellegarde, no tópico Navegação Subvencionada discorrera sobre as três propostas que haviam sido apresentadas ao governo, duas norte-americanas e uma brasileira: Tenho em meu poder três propostas para o estabelecimento de uma linha de vapores entre a Corte e a cidade de New-York com escalas por algumas províncias do Império. Pertence a primeira ao ministro plenipotenciário dos Estados Unidos, o honrado Sr. General Webb, que em setembro do ano findo [1863?] se propôs a organizar uma companhia para tomar a si aquele serviço. [...] O governo a recomenda à vossa consideração. Posteriormente recebi uma do dr. Bealy, dos Estados Unidos, e outra da Companhia Brasileira de Paquetes por vapor. [...] Estou convencido da alta conveniência de se estabelecer relações diretas, entre estes dois pontos, ainda com sacrifício do Tesouro público; porém não me acho de todo preparado para resolver de pronto este negócio. Trato, pois, de o estudar e de coligir os meios de levar a efeito esta empresa, cujos efeitos para as relações internacionais dos dois países são de evidente vantagem.501

O teor das propostas foi transcrito na íntegra nos anexos do relatório. A primeira delas foi colocada pelo diplomata James Watson Webb, procurador de Robert S. Webb. A principal justificativa deste projeto residia na aproximação das duas Américas por intermédio de “carreira de vapores”, uma necessidade “palpitante e indispensável, e ainda mais, uma como garantia à estabilidade das relações comerciais, e de amizade, que existem entre elas”.502 A linha inicial previa escalas na Bahia, Pernambuco, Pará e ilhas das Índias Ocidentais, além de seus portos de embarque e desembarque: o Rio de Janeiro e Nova Iorque. E deixava a disposição do Brasil, desde que o governo retribuísse de maneira “razoável e liberal” o serviço extraordinário, a designação de outras localidades onde as embarcações pudessem aportar com segurança. O programa de concessão apresentado por Webb era composto de oito artigos, que disponha as condições do acordo. O governo brasileiro deveria pagar ao concessionário da linha transatlântica no fim de cada viagem redonda, pela chegada de um dos vapores mensais de Nova Iorque, a quantia de £ 6.000 durante os primeiros cinco anos: a de £ 5.000 de cada viagem redonda, nos termos declarados, durante cinco anos seguintes; e a de £ 4.000 durante o terceiro período de cinco anos, época em que cessará a concessão, ficando por conseguinte entendido que é feita pelo tempo de quinze anos, que começarão a contar do dia em que o vapor da linha proposta sair do Rio de Janeiro, devendo os pagamentos sempre ser feitos sobre Londres a dez dias de vista, ou no Rio de Janeiro ao câmbio do dia.503

501 BRASIL. Ministério da Agricultura. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na primeira sessão da décima segunda legislatura pelo ministro e secretário de Estado do Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Rio de janeiro: Typographia Perseverança, 1864. p.36-37. 502 Ibid. Anexo D- 4ª Diretoria. grifo nosso. 503 Id. 156

Ademais, o programa previa o transporte de documentos oficiais entre os dois países e o tempo empregado para efetuar a viagem, que não deveria exceder “25 dias de 24 horas”. Webb também propunha que os produtos relacionados ao abastecimento dos vapores fossem isentos de taxas: importar no Brasil, livres de direito, não somente o carvão e outros fornecimentos e provisões necessárias ao consumo de seus vapores, como também as provisões necessárias ao consumo de seus vapores e qualquer fornecimento para uso e consumo dos passageiros e empregados. E os seus vapores ficarão isentos de todas as despesas do porto e da alfândega nos portos do Brasil.504

A segunda proposta para a linha Brasil-Estados Unidos também veio de norte- americanos, chegando ao conhecimento do governo brasileiro em 6 de outubro de 1863 pela Legação Imperial do Brasil nos Estados Unidos. Efetivamente começou a ser analisada pelo ministério da Agricultura em 19 de novembro. Diferentemente do itinerário da primeira proposta, o alvitre do dr. J. C. Beales e M. Cornelius Garisson previa o estabelecimento de uma linha de vapores entre Nova Iorque e o Pará, com apenas uma escala em São Tomás, no Caribe. Miguel Maria Lisboa, depois barão de Japurá, como ministro plenipotenciário da Coroa, foi o responsável pelas negociações na Legação. Demonstrou, este último, interesse na oferta, que em seus termos libertava o Brasil “da espécie de tutela da Grã-Bretanha, em que está o nosso comércio com os Estados Unidos por não haver correspondência entre os dois países, senão dispendioso e tardio circuito de Southampton ou Bordéus”.505 Distanciando-se da primeira propositura, a encabeçada por Beales e Garisson apresentava-se de maneira descerimoniosa, em três missivas, e prometia solicitar apenas uma “módica subvenção” ao governo brasileiro. Como bom estrategista, Maria Lisboa não garantiu que a subvenção fosse aceita aqui, sobretudo, pela dificuldade do governo fazer passar pelas Câmaras a proposta enquanto outras empresas que operavam no Brasil também a reclamavam. Na versão oficial enviada ao Brasil, a concepção da dupla norte-americana se modificou: a linha partia de Nova Iorque, passava pelo Pará e aportava no Rio. O contrato seria de dez anos, com os mesmos privilégios fornecidos a linha britânica de vapores. A questão do subsídio aparece no artigo 5º da missiva nº 2 como lacuna, o que sugeria uma posterior negociação de valores e também da tonelagem a ser transportada.506

504 Id. 505 Id. 506 Cf. Id. 157

A terceira proposta foi a única de iniciativa nacional, empenhada pela Companhia Brasileira de Paquetes à vapor, em novembro de 1863 por seu gerente, Francisco Rocha Miranda. O apelo inicial fundamentou-se a questão comercial: Uma das principais fontes de nossa riqueza, o café, encontra grande e pronto consumo nas praças da América do Norte, mas da falta de notícias transmitidas com rapidez e de comunicações certas e em épocas sabidas, podem resultar, como efetivamente resultam, grandes prejuízos ao comércio e lavoura nacionais prejuízos que vão influir na renda pública.507

A justificativa era de que as relações comerciais com os ingleses e franceses estava consolidada e era necessário o estreitamento com as nações da América que pudessem adquirir nossos produtos, melhorando, assim, a situação das receitas, que como indicamos no capítulo anterior, se deterioraram na administração do marquês de Olinda. Ademais, a proposta da Companhia Brasileira de Paquetes à vapor foi a mais incisiva ao destacar a questão nacional, atacando as anteriores e proferindo vários questionamentos pertinentes, a exemplo de: “Quem deve fazer esse serviço? Nacionais ou estrangeiros?”.508 Como última a se pronunciar e fornecer uma proposta ao governo brasileiro, a Companhia tinha conhecimento das ofertas anteriores. Neste sentido, seus argumentos fundamentavam-se basilarmente nas perdas que a Companhia nacional estaria sujeita, bem como a dificuldade de “controle” de uma iniciativa estrangeira: A um país como o Brasil, que podemos dize-lo com orgulho e ufania, marcha nas sendas do progresso e civilização, convém entregar a estrangeiros todas as linhas de navegação à vapor? A um país que encerra em si os recursos e meios necessários para o estabelecimento da linha de que me ocupo, convém dar capitais à estrangeiros, em lugar de conserva-los em si, e assim aumentar sua riqueza? O estabelecimento de uma linha estrangeira que, tocando em nossos principais portos, inclusive o Pará, não arruinará em parte a companhia brasileira, que tantos sacrifícios tem custado, quer ao Estado, quer aos particulares? Se estabelecer-se essa companhia, não terá talvez a brasileira de entrar em liquidação forçada? 509

Desta maneira, ofereceu uma linha que partisse da Corte duas vezes ao mês. Em uma das viagens, à escolha do governo, tocaria nos portos da Bahia, Pernambuco, Maranhão, Pará, Barbados, São Tomás, Charleston e Nova Iorque. Em contrapartida, indicava que a subvenção brasileira deveria ser de 50:000$000.

507 Id. 508 Id. grifo do autor. 509 Id. 158

Na Câmara, o Regimento Interno, em seu artigo 36, determinava que a temática fosse submetida à Comissão de Comércio, Agricultura, Indústria e Artes.510 A resposta do requerimento de 29 de janeiro, do deputado Antônio José Moreira acerca das propostas que detalhamos acima, retornou à pauta da Casa em 22 de abril. O parecer da Comissão foi elaborado pelos deputados Aureliano Cândido Tavares Bastos e Jesuíno Marcondes de Oliveira e Sá. O texto preparado pela Comissão retomou, inicialmente, com detalhes, o teor das três propostas anexadas ao relatório do ministério da Agricultura. Acerca da primeira nenhum ponto de insatisfação foi relatado pelos pareceristas. Já sobre a segunda, destacaram suas lacunas, como a ausência do valor da subvenção, a capacidade dos paquetes, o número de viagens e o prazo do contrato. Na encaminhada pela Companhia Brasileira de Paquetes à Vapor, salientaram o aumento da subvenção que o dito empreendimento já recebia do governo para operar suas linhas no Brasil e ressalta a ausência de maiores dados sobre a proposta da linha internacional. Tavares Bastos e Jesuíno Marcondes justificaram que “cumpre lembrar que entre o Brasil e os Estados Unidos não se trata de criar relações novas; trata-se de servir às vastas relações já existentes entre os dois países”.511 Pelo indicativo dos parlamentares, a ligação entre os Estados Unidos e o Brasil sem intermédio da Grã-Bretanha facilitaria e expandiria as relações entre as nações “amigas” e dava alternativa para os negócios brasileiros após o rompimento das relações diplomáticas com os ingleses em razão da “Questão Christie”. Argumentam que o saldo entre a nossa exportação e a importação norte-americana é pago pelos Estados Unidos em ouro. Mas o ouro não vem ao Brasil; é remetido para a Grã- Bretanha aos comerciantes ingleses, que são hoje os intermediários forçados do negócio entre os dois países. Não valeria mais que os paquetes nos trouxessem diretamente o ouro federal? Mas o nosso prejuízo atualmente é ainda muito maior; porquanto, não sendo geralmente diretas as transações entre os dois povos americanos [pela ausência de conexão direta de vapores], não havendo o Brasil número suficiente das casas filiais diretas de estabelecimentos norte-americanos, resulta que o ouro remetido para a Grã- Bretanha fica nos bancos ingleses, e em lugar dele recebemos mercadorias inglesas, ou mesmo norte-americanas reexportadas da Europa, enquanto podíamos receber idênticas dos Estados Unidos diretamente.512

Assim, a plausibilidade da proposta se respaldou pela crítica dos pareceristas sobre à intermediação dos comerciantes ingleses e as grandes perdas desta prática à economia

510 BRASIL, 1857, p.7. 511 ACD. Sessão de 22 de abril de 1864. p.244. grifo nosso. 512 Ibid. Id. grifo nosso. 159

brasileira. Justificaram o pedido de conexão direta com a América do Norte por meio de uma série de comparações de balanços de importações, exportações e os valores pagos à Companhia Inglesa. Tavares Bastos e Jesuíno Marcondes recomendaram ao colegiado de deputados: Que, na lei do orçamento do Império para o exercício próximo seguinte, se inclua na verba do § 17 (subvenção às companhias de navegação à vapor) do art. 8º (Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas) a soma de 600:000$, ficando o governo autorizado para prestar essa quantia anualmente à empresa que estabelecer uma linha direta de paquetes à vapor entre o Rio de Janeiro e Nova Iorque, com escala pelos portos que o mesmo governo designar.513

O interessante deste indicativo se registra em dois pontos: além de avalizar a possibilidade da linha e inclui-la junto as demais subvenções relacionadas a navegação comercial, denota a evidente preferência dos dois deputados pelas propostas dos estadunidenses, em especial pela de Webb, e na justificação do impedimento da Companhia brasileira de operar a linha: Um serviço regular de navegação à vapor, como a que se trata, não existirá nunca sem um impulso forte, uma direção de habilidade, paquetes vastos e rápidos, grande pontualidade e perfeita segurança. Isso tudo exige uma larga subvenção; e não é natural que o governo dos Estados-Unidos haja de presta- la a uma companhia brasileira. Para que uma companhia nacional pudesse desempenhar a tarefa, fôra pois, mister que a Assembleia geral a coadjuvasse com alguns milhares de contos; ora isto é impraticável.514

Observando a argumentação disposta no parecer, esperava-se que o governo dos Estados Unidos subvencionasse uma quantia superior a que o Brasil estava disposto a oferecer, possibilitando a efetividade do negócio. Nesta perspectiva, a proposta de Beales e Garisson se mostrava comprometida por não mencionar valores, deixados para negociação posterior. E a da Companhia Brasileira de Paquetes à Vapor, inviável, pela necessidade de investimento extra do governo brasileiro ao que o empreendimento já recebia. Sendo assim, para Tavares Bastos e Jesuíno Marcondes a linha fornecia um meio de abertura aos empreendimentos estatais à iniciativa internacional, do mesmo modo que possibilitava o estreitamento de relações com a nação que mais rapidamente havia se “desenvolvido” na América, possibilitando uma melhora substancial ao problema financeiro do Brasil, já que os Estados Unidos importavam mais mercadorias do que exportavam para o Império. Era o início e um instrumento para edificar outras “liberdades”, como a de navegação, em especial a do Amazonas, de quem Tavares Bastos era o principal propagandista.

513 Ibid., p.246. 514 Ibid., p.245. 160

Em uma perspectiva que leva em consideração apenas o teor formal das propostas apresentadas ao governo brasileiro, a de Webb se apresentava completa e com todas as cláusulas contratuais pré-estabelecidas. Beales e Garisson, diferentemente, se mostravam abertos ao diálogo com as autoridades nacionais, parecendo-nos que o alvitre era apenas um indicativo de interesse, até mesmo pela maneira de apresentação: repleto de lacunas. Já a da Companhia Brasileira sustentou a necessidade de manter controlada as operações de navegação às empresas nacionais e a possibilidade de atender, com suas embarcações, o dito percurso. Para tanto, solicitava um acréscimo substancioso a subvenção que já recebia do governo para operar em território nacional. Sobre esta última, as negociações para a reforma do contrato inicial também figuraram na Câmara em 1864, como nota-se no Gráfico 2 (p.151). Tratava-se então de mais um aditivo aos gastos, o que parece não ter sido bem visto. Acerca dos responsáveis pelo parecer, Jesuíno Marcondes, deputado liberal pela província do Paraná, era conhecido do presidente do Conselho de Ministros. Como exploramos no Capítulo 1 (p.64), o filho do barão de Tibagi era influente figura quando Zacarias chegou ao Paraná para implantação da nova província em 1853. Estreitaram suas relações para fins de governabilidade e nas eleições da 10º legislatura concorreram para vagas de deputado geral. Precisamente por seu desempenho nas questões da Comissão, Jesuíno tornou-se paulatinamente uma figura de destaque, em especial nas questões relacionadas ao “dinheiro público” e as concessões estatais. Se Jesuíno Marcondes era conhecido de Zacarias e uma figura ainda nova na Câmara, seu colega Tavares Bastos era um entusiasta pela liberdade de navegação e um analista da organização e funcionamento do Império. É autor de sete obras, publicadas em grande medida na década de 1860: Os males do presente e as esperanças do futuro (1861), Cartas do Solitário (1862), O vale do Amazonas (1866), Memória sobre a imigração (1867), A província: estudo sobre a descentralização no Brasil (1870), A situação e o Partido Liberal (1872) e A reforma eleitoral e parlamentar e Constituição da magistratura (1873). Segundo Gabriela Nunes Ferreira, a visão de Tavares Bastos acerca do poder político e administrativo e sua relação com os particulares era expressiva em suas publicações. Ele “via no Estado um constante perigo potencial para a liberdade do indivíduo: entre os polos ‘estado’ e ‘indivíduo’, a relação era necessariamente negativa. A força do poder central [...] era a base de um sistema pernicioso que minava o progresso da sociedade”.515

515 FERREIRA, Gabriela Nunes. Centralização e descentralização no Império: o debate entre Tavares Bastos e visconde de Uruguai. São Paulo: Editora 34, DCP-USP, 1999, p.71. 161

Eide S. A. Abrêu, estudou a trajetória de Tavares Bastos na Liga Progressista, dando especial atenção ao debate travado sobre a linha de navegação Rio-Nova Iorque. De acordo com a historiadora, o que se presenciou em 1864 foi uma reverberação de discussões iniciadas em 1862, ocasião em que Tavares Bastos já havia sugerido aditivos ao orçamento, reafirmados pelo parecer de 22 de abril. Para Abrêu, o texto repetia os argumentos publicados nas Cartas do solitário.516 Propunha a quebra do monopólio dos ingleses sobre as importações brasileiras e como indica sua decisão: “somente os Estados Unidos poderiam fazer concorrência em pé de igualdade com a Inglaterra, em virtude da importância adquirida pela indústria norte- americana”.517 A pesquisadora destaca que os argumentos de Tavares Bastos sobre o assunto, especialmente no que toca a tendência favorável às empresas estrangeiras, não era resultado da situação de “dependência” do Brasil. Explica que nas Cartas do solitário, observa-se “um posicionamento em que, se não concordava completamente com as ‘pressões inglesas’, também não se colocava totalmente contra elas, justificando-as pela má conduta do governo brasileiro face à questão do tráfico”.518 Agora, sua posição parece ter se consolidado, defendendo os norte- americanos e o Brasil da “força” empreendida pelos ingleses. O estudo de Eide Abrêu traz grande contribuição para o entendimento da questão da navegação ao analisar a correspondência particular de Tavares Bastos, em especial suas conversas com um dos interessados pela operação da linha Rio-Nova Iorque: o ministro plenipotenciário dos Estados Unidos no Brasil, James Watson Webb, que atuava em nome de Robert S. Webb. A proposta de Webb foi justamente a sinalizada por Bastos e Jesuíno Marcondes como a mais vantajosa para o governo brasileiro. O trabalho minucioso de recuperação e análise das missivas, feito pela autora, sugere o engajamento de Tavares Bastos com o empreendimento de Webb e como as tratativas se estenderam entre as administrações Olinda e Zacarias. Do mesmo modo, expressa uma laboriosa articulação política desempenhada pelos deputados fora das dependências da Câmara, em longa negociação que culminou com o retorno do projeto à pauta apenas em 1864, mas com o poder de derrubar um gabinete inteiro.519 Se o parecer da comissão de Comércio, Agricultura, Indústria e Artes era favorável a propositura de Webb, a resposta definitiva sobre a conveniência e melhor opção se daria

516 BASTOS, Aureliano Cândido Tavares. Cartas do solitário: estudos sobre Reforma administrativa, Ensino Religioso, Africanos livres, Tráfico de escravos, Liberdade da cabotagem, Abertura do Amazonas, Communicações com os Estados Unidos, etc. Rio de Janeiro: [s/i], 1863. [1862]. 517 ABRÊU, 2011, p.180. 518 Ibid., p. 180-181. 519 Ibid., p. 182-193. 162

apenas no plenário da Câmara, onde posições dissonantes se apresentaram com clareza. Ali opinariam representantes de todas as províncias do Império, detentores de interesses políticos e comerciais distintos, proprietários habilitados para avaliar a emenda ao orçamento. Apresentado o parecer da Comissão em 22 de abril, nos termos aqui expostos, a questão da linha Rio-Nova Iorque aparece nos debates do orçamento do ministério da Agricultura, haja vista que se tratava de uma emenda.

Gráfico 3. Discussões do Orçamento dos Ministérios na Câmara dos Deputados (1864)

Número de sessões

9

6 6

5 5

4

3

Agricultura, Marinha Negócios Fazenda Justiça Império Guerra Comércio e Obras Estrangeiros Públicas

Elaborado a partir de: BRASIL. Câmara dos Deputados. Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Senhores Deputados. 1864.

A discussão do orçamento do Ministério da Agricultura, como observa-se no Gráfico 3, foi a que mais demandou tempo da Câmara dos Deputados por se tratar de uma das mais dispendiosas pastas. Em 27 de abril a proposta foi apresentada com 2,531:000$000 para subvenção das companhias de navegação à vapor, que acrescida de emendas chegou ao montante de 3,115:000$000. Destaca-se a já inclusão no orçamento de uma subvenção de 163

60:000$ para a linha Rio-Nova Iorque.520 Um mês após a apresentação da emenda, vários aditivos foram propostos, o que não agradou a uma parcela dos parlamentares sobretudo os conservadores “puros”. Mostrou-se contrário à subvenção o deputado desta facção Antônio da Costa Pinto e Silva, que justificou os altos gastos com a navegação mas também considerou que, apesar das boas relações comerciais com os Estados Unidos, não julgava a necessidade de uma quantia “tão larga”. Ironizando o texto de Tavares Bastos e Jesuíno Marcondes, e apoiado por Casimiro de Senna Madureira, o deputado de São Paulo se pronuncia nos seguintes termos: Ora, uma nação [Estados Unidos] que tem grande porção de navios, que tem uma navegação tão extensa, que com os seus barcos mercantes vai a todas as partes do mundo, que não há mar que ela não tenha devassado, precisará de favores do governo do Brasil para estabelecer uma linha de vapores para este porto?521

No dia seguinte, outras vozes se somaram a de Costa Pinto e C. Madureira. O deputado do Maranhão Viriato Bandeira Duarte criticou uma subvenção a uma companhia estrangeira e salientou a importância da valorização da Companhia Brasileira de Paquetes à Vapor, que também havia se oferecido para realizar o percurso: “formada com capitais brasileiros, e que tem lutado com desgraçadas ocorrências, que lhe tem abalado quase a existência será vencida nessa concorrência com um inimigo poderoso, que vai ser necessária, inevitável”.522 O deputado Viriato, ademais de defender a empresa brasileira, criticou os propositores do projeto, que não levaram em consideração o interesse da Companhia de Navegação do Amazonas, de propriedade do barão de Mauá, em efetuar o trajeto entre os dois países:

Esqueceu-se a nobre comissão de que a Companhia do Amazonas se oferecia a abrir comunicação regular do país com a América Inglesa por meio ainda mais barato, o que nos dava se não resultados iguais, ao menos aqueles que podemos desejar no estado de penúria dos nossos cofres. A Companhia de Navegação do Amazonas se oferecia a fazer, em condições muito favoráveis para o tesouro, uma viagem regular todos os meses do Pará para Demerara, donde partem vapores constantemente para todos os pontos da União-Americana. (Apoiados.)523

Bandeira Duarte foi na época da concessão do Amazonas, 1852, um dos defensores do privilégio de exclusividade de navegação à Mauá, bem como da subvenção, e agora parecia novamente agir em favor do mesmo. Como explica Vitor Marcos Gregório, em 1853, quando

520 ACD. Sessão de 27 de abril de 1864. p. 307. 521 ACD. Sessão de 27 de maio de 1864. p. 204. 522 ACD. Sessão de 28 de maio de 1864. p. 230. grifo nosso. 523 Ibid., p.231. 164

o empreendimento de Irineu Evangelista foi alvo de intensas discussões na Câmara, Viriato argumentou: “o exclusivismo na navegação não só era um bem, como mostrava congruente com a política do governo que sempre havia dado algum tempo de exclusividade para as empresas que se prestassem à navegação no Brasil”.524 Em 30 de maio, na continuação da discussão do orçamento, pronunciou-se o ministro da Agricultura, o liberal progressista Domiciano Leite, que brevemente destacou seu posicionamento sobre a polêmica instaurada acerca da comunicação direta entre o Brasil e os Estados Unidos. Nos termos do ministro, a subvenção poderia ser adiada, visto as condições do tesouro e a guerra que flagelava os Estados Unidos. Esperava condições “mais felizes” e terminou questionando: “Não estamos tão ricos que vamos dar desde já 600:000$ anuais para essa navegação, quando os Estados Unidos nenhum auxílio prestam”.525 Como já demonstrou Eide Abrêu, a intervenção de Domiciano “é bastante significativa ao denotar as diferenças no interior do agrupamento progressista, em relação ao destino dos recursos públicos”.526 Observa-se como o grupo que apoiava o gabinete de 15 de janeiro passa a se desentender sobre questões de grande relevância, como o orçamento do ministério da Agricultura, que nas palavras de alguns deputados dedicava-se mais ao financiamento da navegação do que suporte ao desenvolvimento da agricultura do país.527 Avançado sobre a questão apontada por Abrêu, notamos um recuo substancioso da administração Zacarias sobre as “liberdades” prometidas na apresentação ministerial. Enquanto uma parcela dos apoiadores se apressava em executar um programa mais “liberal”, o ministério, visualizando as finanças públicas avariadas, propunha um ritmo moderado às modificações, recusando reformas radicais que pudessem colocar em rico os próprios cargos e a economia do país. Certamente, muito em virtude do receio de retorno do “carnaval financeiro”, mencionado no capítulo 1 (p.53), protagonizado por Souza Franco, que colocou o próprio Imperador em posição cautelosa acerca de alterações drásticas no arranjo da política adotada pelo Estado em relação a economia. Outrossim, a orientação d. Pedro II à Zacarias em “respeitar a nacionalidade” parece ter sido seguido à risca. O gabinete, deste modo, ao pronunciar-se pontualmente nas discussões deixou a cargo dos deputados o enfrentamento mais contundente e esquivou-se inicialmente de questões

524 GREGÓRIO, Vitor Marcos. Um face de Jano: A navegação do rio Amazonas e a formação do Estado brasileiro (1838-1867). 2008. 338 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Programa de Pós-graduação em História Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. p.72. 525 ACD. Sessão de 30 de maio de 1864. p. 248. 526 ABRÊU, 2011, p. 196. 527 Cf. ACD. Sessão de 27, 28 e 30 de maio de 1864, passim. 165

espinhosas. A este exemplo, Mauá, que não teve o projeto considerado, precisou se entender com a Comissão e o ministério – na figura de Domiciano – que o preteriram em relação a outros interesses, visto que a decisão de tramitar e selecionar uma companhia estrangeira era de competência do Parlamento. Neste aspecto, o discurso enfático do deputado conservador Viriato Bandeira Duarte, um dos membros da Comissão de Agricultura da Câmara quando se concedeu à Irineu Evangelista de Souza a navegação do Amazonas528, é significativo na defesa do barão de Mauá. Mesmo porque este último não utilizou de sua prerrogativa regimental de deputado que lhe permitia recurso para submeter sua proposição à Comissão da Câmara. Parece-nos que Mauá não quis confrontar a Câmara por sua sabida ligação com comerciantes e banqueiros ingleses. Em um contexto de estremecimento das relações entre o Brasil e a Grã-Bretanha após a “Questão Christie”, diferentemente de alguns liberais que passaram a atacar veementemente a nação inglesa e seus laços econômicos com o Brasil, Mauá serviu-se de intermediários, como Viriato, para manifestar sua insatisfação com o contrato de navegação que estava pleiteando. Posição que não causaria conflito com seus amigos ingleses, que posteriormente poderiam ser parceiros em um novo empreendimento e, também, de forma a manter a “soberania” do Brasil mediante a operação de uma companhia nacional. Se as fraturas no grupo progressista, dividido entre o projeto de concessão direta de subvenção a estrangeiros norte-americanos ou a uma empresa nacional associada a investidores ingleses, já se delineavam com clareza em maio, o debate sobre os projetos apresentados se estenderia por junho, mas sem obter a aprovação do colegiado de deputados. A temática, no entanto, retornaria em 19 de agosto com novo projeto encabeçado por Martinho Campos e subscrito por mais quarenta deputados - liberais, ligueiros529 e conservadores “puros”530 - que autorizava o governo a subvencionar com 200:000$ àquele – brasileiro ou não – que contratasse com o governo dos Estados Unidos a linha mensal de vapores entre os dois países, “tocando em Belém, Bahia e Pernambuco, e entre outros quaisquer portos intermediários, conforme parecer conveniente”.531 É importante destacar que, numa inversão de iniciativas, a versão apresentada por Martinho Campos se definia como abertura de uma concorrência pública delineada em seus

528 GREGORIO, Vitor Marcos. O poder da representação: a relação entre Executivo e Legislativo na política imperial de meados do século XIX. Almanack, Guarulhos, n. 13, p. 56-82, Ago., 2016. 529 ABRÊU, 2011, p.179. 530 Subscreveram o projeto: Sá e Albuquerque, José Barros Barreto, Pedro Luís, Henrique Limpo de Abreu, Souza Carvalho, Leitão da Cunha, Carvalho Reis, M. Dantas, Raiol, Franco de Almeida, Lima Duarte, A. Fleury, F. de Paula Santos, Lopes Neto, José Caetano, Carlos Ribeiro, Silveira Lobo, Fialho, A. Lobo, Afonso Celso, Chagas Lobato, Andrade Pinto, Jesuíno Marcondes, Henriques de Almeida, Moreira, barão de Porto Alegre, Flores, P. Machado, Esperidião, Moreira Brandão, Liberato, Pedro Moniz, C. Paranaguá, Fonseca Viana, Jacobina, Martim Francisco, Carneiro de campos, José Ângelo e Aragão e Melo. Cf. ACD. Sessão de 19 de agosto de 1864. p.175. 531 ACD. Sessão de 29 de agosto de 1864. p. 255. 166

requisitos pelo governo e não, como anteriormente, a disputa entre três projetos já definidos em suas proposições de antemão pelos empresários que concorrentes . A Assembleia Geral resolve: Art. 1º. O governo fica autorizado a conceder uma subvenção anual que não excederá a quantia de 200:000$ durante dez anos à companhia ou empresário que contratar com o governo dos Estados Unidos uma linha mensal de barcos de vapor em número suficiente para efetuar doze viagens redondas por ano entre um dos portos dos Estados Unidos e o Rio de Janeiro, tocando em Belém, Bahia e Pernambuco, e outro ou outros quaisquer portos intermediários, conforme parecer conveniente. Art. 2º. Ficam revogadas as disposições em contrário.532

Como desdobramento da proposta aprovada pela comissão dirigida por Tavares Bastos e Jesuíno Marcondes, o projeto anunciando uma concorrência pública também não escapou a polêmica, desta vez, estimulada pelo ministro do Império, o liberal José Bonifácio, e deflagrada assim que a autorização entrou em primeira discussão na Casa. Possivelmente tentando evitar um assunto problemático por contrapor membros da Liga no que dizia respeito ao uso do dinheiro público e colocar em risco o acerto progressista e a própria estabilidade do gabinete, repetindo a medida tomada por Domiciano em maio, Bonifácio propôs adiamento da matéria, alegando haver muitas pendências em relação à decisões que cabiam ao governo dos Estados Unidos, à tramitação no Senado, além de projetos de maior urgência para a avaliação da deputação: Sem me opor à ideia capital contida nesta autorização, entendi todavia que devia chamar a atenção da Câmara para alguns pontos de sua natureza importantes. O projeto, como está, não me parece útil, deve ser substituído. Em primeiro lugar a autorização está dependendo daquela que foi aceita pelo governo dos Estados Unidos; esta dependência peia até certo ponto a ação do governo, porque a limita às condições contidas nessa outra autorização. (Apoiados) Em segundo lugar entendo que não sendo possível fazer passar esta autorização este ano no Senado, ao mesmo tempo que vai ser uma animação às empresas, pode impedir as modificações que o tempo exija da Câmara dos Srs Deputados (apoiados), ou se for emendado terá de voltar à Câmara, não aproveitando com ela os dois países.533

Interpelado pelo proponente, Martinho Campos, Bonifácio foi informado que o gabinete estava de acordo com o projeto, comentário que insinuava uma possível desinformação do ministro sobre o assunto: “É, pois, um assunto de que devia ter conhecimento particular o nobre ministro por informações de muitos de seus amigos; não sei, pois, em que consiste a objeção de S. Ex.”.534 José Bonifácio justificou que comparou a proposta atual e a da

532 ACD. Sessão de 19 de agosto de 1864. p. 175. 533 Ibid. Id. 534 Ibid. Id. 167

urgente discussão do orçamento. Mas, Martinho Campos não poupou o ministro, argumentando que a nova proposta representava, em custo, um terço da inicialmente apresentada. Quando nós temos experiência dos benefícios que a navegação a vapor entre a Europa e os nossos portos tem trazido, não creio que se pôr em dúvida a utilidade geral desse assunto. (Muitos apoiados.) Não compreendo, pois, nem vejo razão para ficar de acordo em uma matéria desata ordem com a opinião do nobre ministro, e peço a S. Ex., licença para, apesar de ministerial, poder votar pela navegação direta entre o Rio de Janeiro e Nova Iorque, conquanto a ideia não seja aceita por S. Ex. O S.r. Ministro do Império:- Não disse que não a aceitava. O S.r. Martinho Campos: - A impugnação do projeto em 1ª discussão consiste em contestar a utilidade do mesmo. O S.r. Lopes Neto: - V. Ex. está mais ministerial que o próprio Sr. Ministro do Império. 535

O interessante do debate agora travado entre dois liberais progressistas, José Bonifácio e Martinho Campos é que, como vimos páginas antes, Campos havia sido o responsável por garantir a Zacarias que Bonifácio aceitaria a pasta do Império. Naquela ocasião, a relação entre os dois parecia consistente, e mesmo após diversos deputados romperem com o gabinete, Martinho Campos continuaria fiel e a se declarar ministerialista. O tom de troça empregado por Lopes Neto para questionar a disputa entre aparentes aliados sugere a estranheza e/ou surpresa da deputação com a atitude de Bonifácio, visto que a primeira discussão de um projeto tinha apenas o intuito de analisar sua utilidade, como destaca o artigo 128 do Regimento Interno.536 A posição do ministro do Império foi vista por uma parcela de deputados, a exemplo de Antônio Alves de Souza Carvalho537, como uma imposição do gabinete ao processo legislativo, que possuía seus ritos e trâmites sacramentados regimentalmente. Uma luta entre os poderes Legislativo e Executivo. Para Bonifácio, o projeto como se encontrava não poderia ser alvo de deliberação da Câmara, devendo ser remetido com urgência à Comissão responsável, o que só aconteceria se algum parlamentar recorresse ao artigo 118 do Regimento e obtivesse apoio da maioria presente na sessão. Na ocasião, o próprio ministro empreendeu o pedido: “Requeiro que o projeto vá à Comissão de Comércio, Indústria e Artes para dar com urgência seu parecer”.538 Contudo, o entendimento da mesa diretora foi o do artigo 121: Quando a matéria do projeto for de simples intuição, e o projeto constar de muitos poucos artigos, ou mesmo em qualquer caso de urgência e absoluta

535 Ibid., p. 256. 536 BRASIL, 1857, p. 23. 537 Cf. ACD. Sessão de 29 de agosto de 1864. p. 256. 538 Ibid., p.259. 168

necessidade, a Câmara poderá dispensar a impressão à requerimento de qualquer deputado, e por simples votação, independente de discussão.539

Nestes termos, aos gritos de “Votos! Votos!” de outros parlamentares, o deputado Manuel Pinto de Souza Dantas enviou um aditamento à mesa, que foi lido e apoiado para que a discussão do projeto fosse considerada sem prejuízo em primeira discussão. Os ânimos na Câmara se acirram e após ataques recíprocos de Bonifácio e Martinho Campos, o ministro se retirou brevemente do plenário:

(O sr. Ministro do Império retira-se da sala, e momentos depois volta ao seu lugar. O orador [Martinho Campos] queixa-se da brusca retirada do sr. Ministro, e contra suas palavras reclama com força o sr. Martim Francisco) (Cruzam-se diversos apartes de todos os pontos da sala; o sr. Presidente reclama atenção)540 Se Bonifácio perdeu apoio de alguns deputados que até então pareciam aliados, outros, como Martim Francisco, se mantiveram leais ao ministro. Após o debate amainar, passou-se, então, às questões procedimentais, destacando-se as palavras dos liberais Viriato Bandeira e Caetano Xavier da Silva Pereira, para contrapor a decisão de adiar a discussão do projeto, o que poderia significar uma desautorização da proposta do ministro. Em outros termos, a mesa da Câmara desconsiderava a orientação de um membro importante do ministério:

O Sr. Viriato: - S.r., presidente, antes de tudo desejo que V. Ex., descida uma questão preliminar que vou propor. Parece-me que pelo Regimento da Casa não se pode tratar desta matéria, visto como já foi apresentada no orçamento, e caiu. A ideia é a mesma que apareceu formulada em uma emenda do orçamento: esta emenda tinha por fim estabelecer uma subvenção de seiscentos e tantos contos para contratar a navegação direta entre os portos do Rio de Janeiro e de Nova Iorque; foi discutida nesta Casa, e depois de longa discussão caiu. Pela força do Regimento não pode inovar a ideia nem apresenta-la à discussão da Casa este ano, e na mesma sessão [legislativa]. O Sr. Silva Pereira: - Eu penso que é o contrário; o que caiu foi uma emenda e não um projeto.541

O entendimento da mesa era que o projeto não estava prejudicado e passaria à segunda discussão. No dia 31, os debates retornaram com menos intensidade e em 1 de setembro ocorreu à votação e habilitação do projeto para uma terceira discussão.542 Com o encerramento da sessão legislativa no início de setembro, não se observou nenhuma movimentação adicional referente a temática. Não obstante, somente a primeira discussão foi

539 BRASIL, 1857, p.21. 540 ACD. Sessão de 29 de agosto de 1864. p.262. grifo do autor 541 Ibid., p.264. 542 Cf. ACD. Sessão de 31 de agosto e 1 de setembro de 1864, passim. 169

suficiente para demonstrar o estremecimento das relações entre a Câmara e o gabinete, em especial com José Bonifácio, que no mesmo dia, 29, pediu demissão. De acordo com Francisco Iglésias, o ministério de 15 de janeiro, desde maio de 1864, já contava com o desacerto entre seus apoiadores. “Não há acordo entre o Gabinete e a Câmara, as opiniões continuam bem divididas”.543 Para o autor, apesar de ser considerado como dos progressistas, o gabinete Zacarias era “visto com frieza pelos liberais, que desejavam do Presidente do Conselho a afirmação de que abraçava os princípios do partido, renegando suas convicções conservadoras”.544 Este posicionamento dissonante fazia com que as matérias apresentadas pelo ministério fossem preteridas pelas proposições dos deputados, emperrando a atividade de Zacarias: “O que interessa a Ministros é frequentemente posto de lado, enquanto o que eles não desejam é objeto de consideração”.545 Acerca desta questão é preciso destacar o importante trabalho de Sérgio Eduardo Ferraz546, que analisa todo o período de governo de d. Pedro II (1840-1889). Apesar de não tratar das especificidades das administrações que se sucederam no poder, destaca justamente que a rotatividade ministerial estava vinculada aos conflitos existentes entre os gabinetes e o Poder Legislativo, o que corrobora com o argumento de Iglésias. A justificativa dada por José Bonifácio em 1 de setembro, quando se apresentou o gabinete que sucedeu o de Zacarias, presidido por Francisco José Furtado, difere das considerações de Iglésias e Ferraz sobre um decisivo confronto entre a Câmara e o ministério. Nos termos do ex-ministro do Império, que suavizaram suas discordâncias com Martinho Campos atendo os motivos da retirada do gabinete a uma inversão de pauta, direcionada a “uma proposta do poder Executivo autorizando operações de crédito para despesas cuja conveniência e necessidade o corpo legislativo já tinha reconhecido em uma lei, e o reconheceu logo depois”547, por um projeto de linha entre o Rio de Janeiro e Nova Iorque. Para ele, esta questão de hierarquia, ou inversão de ordem havia sido o motivo da perda de confiança e o enfraquecimento do governo perante o país. Compreendi pela minha parte que não podia continuar como ministro; dirige- me imediatamente à casa do Sr. Presidente do Conselho, e declarei-lhe que desde aquele momento eu me julgava impossibilitado de conservar a pasta do Império. S. Ex., e todos os meus colegas, pesando com a dignidade que lhes é própria todas as circunstâncias em seu encadeamento e consequências,

543 IGLÉSIAS, 2004, p.118. 544 Ibid. Id. 545 Ibid. Id. 546 FERRAZ, Sérgio Eduardo. O Império Revisitado: Instabilidade Ministerial, Câmara dos Deputados e Poder Moderador 91840-1889). 2012. 355 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Ciência Política, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. 547 ACD. Sessão de 1 de setembro de 1864. p. 279. 170

entenderam que deviam acompanhar-me na retirada. Dirigiu-se o Sr. Presidente nesse mesmo dia ao paço de S. Cristóvão; Sua Majestade respondeu-lhe que precisava de algum tempo para refletir. No dia seguinte instamos pela nossa retirada, e ela nos foi concedida.548

Contudo, destoando da explicação oficial proferida por José Bonifácio acerca da retirada do gabinete, o Conselheiro José Manuel Pereira da Silva, argumenta que Diligenciou Zacarias acalmá-lo; não atendeu-o José Bonifácio, e partiu Zacarias para São Cristóvão a noticiar ao Imperador o acontecimento. Propôs a Sua Majestade a substituição de José Bonifácio na pasta do Império por Francisco José Furtado, presidente então da Câmara dos Deputados.549

Para Pereira da Silva, percebendo que o Imperador não se dispunha a recompor a organização ministerial, Zacarias suspeitou de falta de confiança e todo o gabinete pediu demissão. Nos termos do Conselheiro, percebeu que o Imperador “preferia composição ministerial mais colorida de liberalismo, do que fora a do Gabinete que presidia”.550 Como se pode observar a queda do gabinete 15 de janeiro é questão controversa. O desajuste entre o Legislativo e Executivo parece ter sido o ponto final de uma sessão legislativa tumultuada na qual se discutiu, ao longo de todo o ano de 1864, a destinação do “dinheiro público” se para a navegação subvencionada ou para outros projetos preferidos pelo governo. Como bem destacou a Semana Illustrada, o ministério presou pela moderação e acabou derrubado por seus próprios aliados que ansiavam por maior agilidade no sentido da “liberalização” dos negócios da navegação. Se Zacarias não era capaz de colocar em execução tais medidas, era novamente a hora do poder passar a outras mãos: as de Francisco José Furtado, considerado um “verdadeiro” liberal.

3.2. O Império dos “negócios”: conceder, pactuar e governar

As “questões de dinheiro”, como se salientou na seção anterior, foi temática recorrente no Parlamento no ano de 1864, e as concessões e a subvenção foram o assunto de desacerto no grupo progressista. A indisposição de José Bonifácio e Martinho Campos, que na composição ministerial pareciam dialogar, sugere como a negociação com a Câmara sobre a destinação dos recursos financeiros era importante para a governabilidade. Matéria em que o extinto governo Zacarias não soube praticar o “jogo político” de pactuar para governar.

548 Id. Ibid. 549 SILVA, 2003, p. 328. 550 Id. Ibid. 171

Como explica Maria Cristina Nunes Ferreira Neto, “em meados do século XIX configurou-se um novo cenário para economia do Império. Após a proibição do tráfico de escravos, o capital apropriado na esfera da circulação da ‘mercadoria’ permitiu investimentos em negócios próprios ou em títulos, o financiamento das atividades agrícolas e a incorporação de bancos”.551 Isto significa que com a cessação do tráfico de escravos os recursos financeiros até então utilizados na atividade se redirecionaram para outros eixos por uma “elite mercantil capitalizada”. Alguns comerciantes investiram em atividades agrícolas visando a exportação, enquanto outros, a exemplo de Irineu Evangelista de Souza, se dedicaram às finanças, objetivando a multiplicação de suas riquezas e a ascensão social.552 Segundo Jorge Caldeira, “enquanto o grosso da elite chorava suas pitangas pela morte de uma época, havia na cidade um homem muito agitado. Irineu Evangelista de Souza pensava e agia como se o país atravessasse o melhor dos mundos”.553 Tratava-se da inauguração do Banco do Brasil, privado. Para compor os estatutos da nova instituição, recorreu-se não somente a pessoas ligadas ao mercado financeiro, mas também a políticos que auxiliaram nas negociações no Parlamento. Destacaram-se para as funções, Teófilo Ottoni e João Manuel Pereira da Silva. “Acostumados com as lides parlamentares e forenses, os dois logo controlaram a comissão, dando-lhe o andamento dos trabalhos a que estavam acostumados. Transformaram o estatuto em ‘projeto’”.554 Como muitos traficantes tinham dinheiro e não sabiam o que fazer com ele, em apenas três semanas o capital foi integralizado. Mais complicado foi passar pelo crivo do governo: três meses foram consumidos em verificações de toda ordem feitas por representantes do Poder Moderador, que examinaram os estatutos e exigiram as alterações que lhe pareceram necessárias para que a sociedade fosse digna do governo. Obtida enfim a autorização, o Banco do Brasil passou a emitir títulos comerciais para muitas operações, fazendo diminuir os prazos de giro e custo do dinheiro.555

Thiago Gambi destaca que este banco “era totalmente distinto do primeiro Banco do Brasil e daquele banco previsto pela lei de 1853 e não concretizado. O Banco do Brasil do futuro barão de Mauá não mantinha relações formais com o Estado, embora membros de sua diretoria estivessem ligados ao governo”556, caso de Honório Hermeto Carneiro Leão, ministro da Fazenda entre 1853 e 1855.

551 FERREIRA NETO, 2002, p.163. 552 Id. Ibid. 553 CALDEIRA, 1995, p.224. 554 Ibid., p.228. 555 CALDEIRA, 2017, p.260. 556 GAMBI, 2012, p. 249. 172

Analisando o desempenho de Teófilo Ottoni, Ferreira Neto disserta que apesar de estar envolvido com as “questões do Mucuri”, em 1851, o político mantinha estreitas relações no Rio de Janeiro e figurava enquanto acionista do Banco. Os estatutos dos quais Ottoni participou da elaboração, em seus termos “seguiam os ditames do liberalismo econômico da época, [e] foram formulados de maneira que driblassem a regulamentação do Governo e permitissem fazer empréstimos garantidos por ações de empresas, inclusive o próprio banco”.557 Assim sendo, para a historiadora, inaugurava-se uma nova forma de fazer negócios no Brasil, na qual os “empreendedores montavam negócios com sucessivos empréstimos para multiplicar o capital, utilizando dinheiro de terceiros”.558 Se o novo empreendimento de Mauá integrava políticos desejosos de ganhos apoiados no Estado, como Ottoni vinha realizando desde os anos 1840559, é importante lembrar que Irineu também já havia recebido concessões do ministério de 29 de setembro de 1848 no empreendimento de Ponta da Areia, no valor de 300 contos de réis.560 Seu prestígio e fama como empresário se difundiu no início da década de 1850, fazendo com que até Honório Hermeto Carneiro Leão se associasse a ele. Em 1852, apenas um ano após a fundação do Banco do Brasil, o marquês de Paraná se tornou acionista da Estrada de Ferro de Petrópolis, depois Estrada de Ferro Mauá. Como nota-se, se as formas de fazer negócios haviam se alterado, tendo por norte a hegemonia dos conservadores no governo, também as relações políticas sofriam modificações. Por isso, o liberal Mauá estabelecia seus empreendimentos associado com políticos de distintos posicionamentos, sejam filiados ao Partido Liberal ou ao Partido Conservador. O que interessava era a prosperidade dos projetos privados e a obtenção de lucros. Com o estabelecimento da lei bancária de 1853 e a criação do segundo Banco do Brasil em julho deste mesmo ano, Mauá dedicou-se tenazmente a estes meios de enriquecimento, como nota-se no Quadro 5 (p.174). Após o ministério de Conciliação os empreendimentos ou serviços prestados por ele se expandiram exponencialmente, haja vista que “o Estado brasileiro apresentou plena disposição para favorecer seus ‘protegidos’”.561 Irineu Evangelista de Souza, sob este aspecto, bem soube utilizar deste recurso para colocar em andamento seus projetos. A experiência em lidar com políticos, quando da redação

557 FERREIRA NETO, 2002, p. 164. 558 Id. Ibid. 559 Como explica Ferreira Neto (2002, p.175): “ao contrário do que Ottoni anunciou na Circular (que fora tomado por uma súbita conscientização de fazer algo em nome da pátria) e, também, do que afirmam seus biógrafos, a documentação permitiu perceber que desde 1841 o parlamentar já estava envolvido com o empreendimento do Mucuri, e que em 1846 apresentou-se oficialmente aos Governos provincial e imperial. O político de 1841 ainda não era o moderado que redigira a Circular de 1860). 560 CALDEIRA, 1995, p.191. 561 FERREIRA NETO, op. cit., p. 188. 173

dos estatutos do Banco do Brasil privado, conferiu seu diferencial: saber pactuar. Isso fica claro quando o chefe do gabinete, o marquês de Paraná, entra na sociedade por seu filho, genro e pai deste, ato que sugere a participação do político nos negócios. A intervenção do governo não se circunscreve às finanças e ao crédito. Ao contrário, desse centro ela se irradia sobre todas as atividades, comerciais, industriais e de melhoramentos públicos. O Estado autoriza o funcionamento das sociedades anônimas, contrata com os bancos, outorga privilégios, concede estradas de ferro e portos, assegura fornecimentos e garante juros. A soma destes favores e dessas vantagens constitui a maior parte da atividade econômica, senão a maior na soma, a mais relevante e ativa, regulada, incentivada e só possível pela vida que o cordão umbilical do oficialismo lhe transmite. Atuante é a intervenção do Estado, secundária a presença dos particulares, agentes públicos mascarados de empresários.562

Nesta perspectiva, se encontra a disposição de Mauá de entrar para a política, sobretudo, por intermédio do marquês de Paraná, com quem estabeleceu afinidades. De acordo com Raymundo Faoro, o que se observa no posicionamento de Mauá é o dilaceramento de tendências opostas: reclama a liberdade para a empresa, mas não dispensa, senão reclama estímulo oficial, envolvendo o Estado nos negócios, no esquema global. [...] O empresário quer a indústria, mas solicita a proteção alfandegária e o crédito público. Duas etapas constituem o ideal do empresário: na cúpula, o amparo estatal; no nível da empresa, a livre iniciativa.563

Como explica Roberto Ruiz, o jovem Mauá “soube fazer amigos, sempre, amigos que seduzia com suas ideias audaciosas, progressistas, mas sempre assentadas em boas possibilidades de investimento”564, que convenciam grandes nomes da política. Para este autor, “em 1850, vamos encontra-lo como peça decisiva na orientação política do visconde de Uruguai e do Partido Conservador, no Governo”, quando atuou como intermediário do Império na questão do Prata. De acordo com Caldeira, para os conservadores “Irineu valia como importante instrumento para que fossem realizados certos projetos bastante complexos que tinham em vista”.565 Nesta mesma linha, argumenta Edgardo de Castro Rebello: As ligações entre Mauá e os homens públicos de então eram notórias. Durante sua mocidade é o Partido Conservador, que principalmente domina. Suas ligações são, por isto, de preferência com os chefes dele: Paraná, Monte Alegre, Uruguai, Itaboraí e Eusébio. A amizade que lhes dispensavam era tal que em um dos perseguidos pela parte que teve na Revolução Liberal Mineira (1842), chegou a acusa-lo publicamente, de influir na repressão.566

562 FAORO, 2012, p.496. grifo nosso. 563 Ibid., p.495. 564 RUIZ, Roberto. Mauá, o patrono do Ministério dos Transportes. Rio de Janeiro: SD, MT, 1972., p.20. 565 CALDEIRA, 1995, p.195. 566 REBELLO, Edgardo de Castro. Mauá: Restaurando a Verdade. Rio de Janeiro: Universo, 1932.p.17-18. 174

Este movimento empreendido por Mauá nos termos de Beatriz Piva Momesso, pode ser dividido em dois momentos, no que tange sua aproximação com conservadores e liberais. Para a autora, entre setembro de 1848 e maio de 1852, Irineu Evangelista se atinha especialmente a ligações com figuras conservadores de destaque, a julgar: Eusébio de Queirós, Joaquim José Rodrigues Torres (visconde de Itaboraí) e José da Costa Carvalho (visconde e depois marquês de Monte Alegre) – políticos de quem recebeu muitos incentivos e benefícios. A partir de maio de 1852, o apoio a Mauá passou a ser variável, de acordo com os gabinetes ministeriais. Em suas palavras, “a leitura de sua correspondência particular denota, à primeira vista, a configuração de uma rede de relações formada por pessoas de todo tipo de filiação partidária”.567 Entre os que se relacionaram com o barão, além dos mencionados, pode-se destacar os liberais Francisco Otaviano, Teófilo Ottoni, Manuel Alves Branco (visconde de Caravelas) e os conservadores José Maria da Silva Paranhos (visconde de Rio Branco), Nabuco de Araújo, José Pimenta Bueno (marquês de São Vicente) e Luís Pedreira de Couto Ferraz (visconde de Bom Retiro).568 Nesta acepção, conclui-se pela mobilidade de que Mauá valia-se para sustentar seus empreendimentos e manter-se como empresário. Quando definitivamente entrou para a política, este círculo delineado por Beatriz Momesso se expandiu ainda mais. Preteria, deste modo, a questão partidária pela dos negócios. É valido mencionar sua participação com 100 contos na Companhia do Mucuri do liberal Teófilo Ottoni – só menor do que o capital despendido pela própria família Ottoni na quantia 300 contos. E o auxílio prestado a tipografia de Francisco de Paula Brito569, que no Segundo Reinado estabeleceu fortes alianças com políticos conservadores, como argumenta Rodrigo Camargo de Godoi.570 Não obstante, avultam-se seus negócios subvencionados pelo Estado, especialmente na década de 1850, como demonstra o quadro abaixo:

Quadro 5. Empreendimentos de Irineu Evangelista de Souza

Vigência Empreendimento/serviço prestado 1846-1877 Estabelecimento da Ponta de Areia 1849-1850 Companhia de Rebocadores para a barra do Rio Grande 1850-1851 Serviços prestados à política do governo imperial no Rio da Prata, a pedido dos ministros 1851-1853 Banco do Brasil (privado) 1851-1865 Companhia de Iluminação a gás do Rio de Janeiro

567 MOMESSO, 2017, p.35. 568 Ibid., p. 35-37. 569 Estes dois investimentos foram anotados por Claúdio Ganns na Autobiografia de Mauá. Cf. MAUÁ, 1998, p. 99. nota 7. 570 GODOI, Rodrigo Camargo de. Um Editor no Império: Francisco de Paula Brito (1809-1861). São Paulo: EDUSP, FAPESP, 2016. Cf. parte II: Imparcialidade Saquarema. 175

1852 Companhia Fluminense de Transportes 1852 Companhia de Diques Flutuantes 1852-1872 Companhia de Navegação a vapor do Amazonas 1852-1875 Companhia Estrada de ferro de Petrópolis (depois Mauá) 1853 Serviços prestados à organização da Estrada de ferro de Pernambuco em Londres 1853 Serviços prestados à realização da Estrada de Ferro da Bahia 1854-1866 Mauá MacGregor & Co. 1854-1864 Companhia de Luz Esteárica 1855 Companhia Estrada de Ferro d. Pedro II 1855-1858 Canal do Mangue 1855-1868 Estrada de ferro de Santos a Jundiaí 1856-1868 Caminho de ferro da Tijuca 1860-1869 Companhia de Cortumes 1861-1868 Botanical Garden’s, Rail Road Cy 1862 Montes Aureos Brazilian Gold Mining Company 1867-1878 Banco Mauá & Cia (ramificações dentro e fora do país) 1871-1874 Estrada de ferro do Paraná a Mato Grosso 1872-1874 Cabo submarino 1874-1877 Abastecimento de água a capital do Império 1875 Estrada de Ferro do Rio-Verde Fontes: SILVA, Jair Ribeiro da. Mauá em face da economia nacional. São Paulo: Rumo: Secretaria de Cultura, 1983. p.52-69. SOUZA, Irineu Evangelista de. Exposição do Visconde de Mauá aos credores de Mauá & C e ao publico. Rio de Janeiro: Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve & C., 1878. p.6-7. SOUZA, Irineu Evangelista de. Autobiografia (“Exposição aos credores”) seguida de “O Meio Circulante no Brasil”. (edição prefaciada e anotada por Cláudio Ganns). Rio de Janeiro: Topbooks, 1998. p.98-99. É notável, neste sentido, a multiplicidade de empreendimentos e serviços prestados por Mauá nos anos de 1850: do setor bancário ao de infraestrutura, fortemente alicerçados por alianças políticas, dentre elas, além de Honório Hermeto, as mantidas com o liberal Bernardo de Souza Franco.

3.2.1 Os vínculos entre Mauá e Souza Franco

Portanto, ao longo de seu percurso, Mauá fez parceria com políticos importantes. Dentre eles, após a morte de Paraná, seu principal aliado continuaria a ser o liberal Bernardo Souza Franco, que atuou como ministro da fazenda a partir de 1857 e com quem partilhava orientações econômicas. Figura marcante da política econômica do final da década de 1850, o liberal Souza Franco celebrizou-se em 1848 pela crítica da estrutura bancária do país. Com a publicação de, Os Bancos do Brasil, argumentou que, “bem regulados e dirigidos os bancos podem ser de grande vantagem ao Império, e pelo contrário até nocivos se lhe tornarão, e muito ao Tesouro, acionistas e fregueses, se os consentirem abandonados aos estímulos desregrados do interesse privado e da ambição individual”.571

571 FRANCO, Bernardo de Souza. Os Bancos do Brasil: sua história, defeitos da organização actual e reforma do systema bancário. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1848. p.1-2. 176

Carlos Manuel Peláez e Wilson Suzigan esclarecem que parte do plano de Souza Franco, “consistia na criação de um sistema bancário no qual as instituições de crédito das províncias seriam independentes tanto do Governo local como da Corte, argumentando ele que, com essa liberdade, as necessidades locais poderiam ser melhor supridas”.572 Suas ideias, contudo, encontravam oposição do conservador Joaquim José Rodrigues Torres, depois visconde de Itaboraí, que possuía convicções distintas para a administração financeira do Império. Rodrigues Torres e a lei bancária de 1853 prezavam por um banco controlado pelo governo e responsável por administrar os bancos provinciais e o crédito em todo o Brasil, opondo-se, em certa medida, as propostas de Souza Franco. Itaboraí “foi provavelmente o mais importante técnico de política na monarquia brasileira. De 1848 a 1853, dominou a política monetária como ministro da Fazenda e posteriormente como presidente do Banco do Brasil”.573 Entre suas medidas, destacam-se a Lei de Sociedades Anônimas de 1849 e o Código Comercial de 1850. No entanto, foi com a criação do segundo Banco do Brasil574, em 1853, que os debates sobre a política monetária brasileira passaram a ser polemizados, em especial pelas correntes “papelista” e “metalista”. Distinções que nos levam a entender o desejo de Mauá, em 1864, durante o segundo ministério Zacarias, pelo retorno de Souza Franco à pasta da Fazenda. De acordo com Thiago Fontelas Rosado Gambi, no concerne à emissão,

o grupo papelista defendia a pluralidade de instituições emissoras privadas não só por uma questão de liberdade – o livre mercado e a livre iniciativa deviam vigorar apesar da escravidão –, como por uma questão geográfica, isto é, a dificuldade de capilarização das notas de um banco emissor centralizado num ponto específico do vasto território brasileiro. Somente a pluralidade seria suficiente para garantir o giro dos negócios e a efetivação das transações. Eram os homens do crédito. Já o grupo metalista, que pretendia sustentar a paridade [com a libra esterlina] fixada em 1846, defendia a criação de uma única instituição emissora sob a tutela do Estado, que se encarregaria de regular o volume de emissões de acordo com a necessidade da economia. A provisão de liquidez ao mercado ficaria subordinada à manutenção do valor da moeda. 575

572 PELÁEZ, Carlos Manuel; SUZIGAN, Wilson. História Monetária do Brasil: análise da política, comportamento e instituições monetárias. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981 [1976]. p.82. 573 Ibid., p.72. 574 Como argumenta Thiago F. R. Gambi, a expressão “segundo Banco do Brasil” leva em consideração ter sido o segundo a ser criado pela iniciativa pública e por ter entrado em operação efetivamente. Cf. GAMBI, Thiago Fontelas Rosado. O segundo Banco do Brasil como banco da Ordem (1853-66). In. NEVES, L.M.B.P; BESSONE, T. (Org.). Dimensões políticas do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2012. p. 245. 575 GAMBI, Thiago Fontelas Rosado. Centralização política e desenvolvimento financeiro no Brasil império (1853-66). Varia história, Belo Horizonte, v. 28, n. 48, dez. 2012. p.811. 177

Apesar de não constituírem grupos homogêneos, é possível caracterizar como de disposição “papelista” nomes como Irineu Evangelista de Souza – barão de Mauá –, Francisco de Paula Santos, José Pedro Dias de Carvalho e Bernardo de Souza Franco. Entre os “metalistas”, Silva Ferraz, Sales Torres Homem – depois visconde de Inhomirim –, Jerônimo Teixeira da Silva – depois visconde do Cruzeiro –, e José Machado Coelho Castro.576 Rodrigues Torres, no entendimento de Peláez e Suzigan, apesar de propensão “metalista” estabelece-se em terreno intermediário, por isso “eclético”. Sua principal distinção em relação a ortodoxia “metalista” refere-se as questões concernentes a industrialização e o crescimento.

Discordava veementemente da liberdade total do comércio exterior e da atividade econômica. O Governo deveria tentar diversificar as atividades econômicas para evitar a dependência dos mercados estrangeiros, e assim, evitar as flutuações periódicas que impediam o crescimento econômico acelerado.577

A aproximação do barão de Mauá com Bernardo de Souza Franco se deu, assim, por um mesmo entendimento sobre a política monetária a ser adotada no Brasil, e principalmente, pelo papel que Souza Franco desempenhou sobre seus negócios quando ministro da Fazenda do gabinete Olinda de 1857. Com a criação do segundo Banco do Brasil, fruto da fusão do Banco Comercial do Rio de Janeiro e do Banco do Brasil – privado –, Mauá se tornou diretor deste último e acabou conflitando com a forma administrativa da nova instituição criada por Itaboraí. No ano seguinte, 1854, fundou a casa bancária Mauá-MacGregor & Cia., sociedade estruturada em comandita578. Todavia, em dezembro deste ano uma lei proibiu o funcionamento de empresas com estas características. Enquanto Itaboraí permanecesse na gestão financeira conservadora, os negócios de Mauá teriam sido prejudicados. 579 A situação, contudo, se alterou com o ingresso de Souza Franco no Conselho de Ministros – gabinete de 4 de maio de 1857 – onde a imposição da legislação foi quebrada. Como

576 GAMBI, Thiago Fontelas Rosado. O banco da Ordem: política e finanças no império brasileiro (1853-1866). 2010. 527 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em História Econômica, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. p.86. 577 PELÁEZ; SUZIGAN, 1981, p.75. 578 O Código Comercial de 1850, em seu artigo 331, define sociedade em comandita, “quando duas ou mais pessoas, sendo ao menos uma comerciante, se associam para fim comercial, obrigando-se uns como sócios solidariamente responsáveis, e sendo outros como simples prestadores de capitais, com a condição de não serem obrigados além dos fundos que forem declarados no contrato”. Cf. BRASIL. Código Comercial do Império do Brasil. Coleção de Leis do Império do Brasil. (tomo XI, parte I). Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1850. p.111 579 PELÁEZ; SUZIGAN, 1981, p.86. 178

ressalta John Schulz, “Souza Franco took care that his new banks would be tightly regulated”.580 Na ocasião, o empreendimento de Mauá já estava desenvolvido e contava com ramificação internacional. Com Souza Franco à frente do ministério da Fazenda entre 1857 e 1858, a política econômica do Império sofreu significativas modificações, daí a alcunha de “ministério Olinda- Souza Franco”. Como explica Gambi, se Rodrigues Torres “privilegiava o saneamento do meio circulante, Souza Franco tendia à expansão do crédito. Se Rodrigues Torres argumentava a favor da centralização e do monopólio de emissão, Souza Franco defendia a provincialização e a pluralidade de emissão”581. Logo que assumiu a pasta, o novo ministro, de origem liberal, decretou a pluralidade de emissão, acabando com o monopólio do Banco do Brasil e afastando Rodrigues Torres da instituição.582 Não obstante, no mesmo ano, uma crise eclodiu nos Estados Unidos e se espalhou por outros países, inclusive o Brasil.583 O pânico se difundiu e gerou uma corrida ao banco, fazendo com que o troco de notas por ouro fosse suspenso, acarretando uma crise cambial propagada rapidamente.584 O retorno à estabilidade só foi possível quando a sociedade de Mauá interveio em auxílio, “através de um cronograma de saques junto a sua filial em Londres, [que] tornou possível o restabelecimento do câmbio para a paridade, e a crise superada”.585 Mas o gabinete acabou caindo no final de 1858. Como esclarece Buarque de Holanda, o acontecido com Souza Franco ficou conhecido como “carnaval financeiro” e fez com as preocupações se estendessem até mesmo a

580 SCHULZ, John. Souza Franco and Banks of Issue as Engines of Growth. História e Economia. Brazilian Business School, São Paulo, v.11, n.23, 2013. p.23. “Souza Franco cuidou que seus novos bancos fossem rigidamente regulados”. 581 GAMBI, Thiago Fontelas Rosado. Bancos Nacionais do Brasil: os casos de 1808 e 1853. In: MARICHAL, Carlos; GAMBI, Thiago F. R. (Org.). Historia bancaria y monetaria de América Latina (siglos XIX y XX): Nuevas perspectivas. Cantábria: Editorial Universidad Cantabria, 2017. p. 92. 582 De acordo com Carlos Gabriel Guimarães, a escolha do liberal Bernardo de Souza Franco para o ministério da Fazenda pelo marquês de Olinda, em 1857, provocou a reação de uma parcela relevante do Partido Conservador (sob comando de Silva Ferraz e Justiniano José da Rocha) que já havia se oposto no passado à Conciliação promovida pelo marquês de Paraná. Agora se mostravam ainda mais insatisfeitos, sobretudo, por Souza Franco ser um dos mais proeminentes críticos da política econômica adotada pelo governo, que seguia a orientação metalista de Torres Homem e de Itaboraí. Cf. GUIMARÃES, Carlos Gabriel. O Banco Commercial e Agrícola no Império do Brasil: o estudo de caso de um banco comercial e emissor (1858-1862). João Pessoa: Saeculum – Revista de História, Jul./Dez., 2013, p. 233. 583 Como explica John Schulz, “the panic of 1857 began with the suspension of banks in the United States (that had become over exposed to loss-making railroads) and spread rapidly to and the Continent. The British government authorized the to issue in excess of the amount permitted by the Bank Charter Act. This permission proved to be sufficient to restore confidence, and the Bank of England did not actually have to violate its limit. Many banks and commercial houses had to be liquidated, especially in the States”. Cf. SCHULZ, 2013, p.24. 584 GAMBI, op. cit., p.93. 585 GUIMARÃES, 2012, p.191. 179

figura do Imperador.586 A imagem do ex-ministro da Fazenda, no período, pode ser observada na descrição de Sisson: Progressista em finanças, o conselheiro Sousa Franco tem sabido adotar as vantagens do progresso sem os perigos das bruscas inovações; o crédito, desenvolvido por meio da criação dos estabelecimentos bancários, o foi contudo com tão grave madureza, que a crise financeira que sobreveio no mundo comercial não encontrou o Império envolvido nessas excessivas especulações, que têm sido uma das principais causas dos desastres de muitas outras praças comerciais.587 Com a organização de novo ministério, presidido por Abaeté (12 de dezembro de 1859), o “metalista” Sales Torres Homem assumiu a pasta da Fazenda. Alinhado com Rodrigues Torres, propôs o retorno ao monopólio de emissão do Banco do Brasil, o que não era benéfico a sociedades privadas como a de Mauá. Em razão da crise de 1857, nenhum outro político de matriz liberal conseguiu retornar à pasta e propor modificações ao sistema bancário.588 Poucos anos depois, a sintonia de Mauá com Souza Franco animou-o a desprestigiar o “palhabote” de Olinda e a participar do movimento, conforme vimos, que levou ao naufrágio do gabinete. Também, a considerar que Franco poderia assumir o ministério Zacarias de 1864 na pasta da Fazenda, e auxiliar o agora empresário deputado na intenção de ampliar os negócios da Companhia de Navegação do Amazonas estendendo-os até Nova Iorque, expectativa que, conforme víamos, não só não se concretizou como foi um dos motivos de rompimentos dentro do Liga. Vejamos como os interesses de Mauá na ampliação da Companhia foi justamente um dos pivôs deste rompimento.

3.2.2. Mauá e a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas

Nenhum benefício colhi, pois, do grande capital e insano trabalho que durante um quarto de século dediquei à ideia: tal é a justiça dos homens!...589

As palavras do barão de Mauá acerca dos benefícios adquiridos com a Companhia do Amazonas (1852-1872) depois de 25 anos dedicados ao empreendimento, são bastante distintos dos balanços financeiros realizados pelos ministros da Agricultura entre os anos de 1860 e 1866.

586 HOLANDA, 2010, p.63. 587 SISSON, Sébastien Auguste. (Ed.) Galeria dos brasileiros ilustres. v.1. Brasília: Senado Federal, 1999 [1861]. p.120. 588 A exceção foi Dias de Carvalho, sem efetividade na breve passagem do primeiro gabinete Zacarias (24 de maio de 1862). 589 SOUZA, Irineu Evangelista de. Exposição do Visconde de Mauá aos credores de Mauá & C e ao publico. Rio de Janeiro: Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve & C., 1878. p.38. grifo nosso 180

A este respeito, Manoel Felizardo de Souza, utilizou o qualitativo “próspero” para designar a condição da Companhia em 1860. Em seus termos, “sua receita, no ano findo, não só permitiu-lhe pagar aos acionistas os dividendos, na razão de 12%, mas também deixou um saldo de 250:158$571, que foi levado ao fundo de reserva”.590 Acompanhando o estado financeiro o número de passageiros, contando suas três linhas, também aumentou para 6082,591 o que em termos concretos significou um crescimento de 1922. Deste total, 1693 foram transportados por conta do governo imperial, “1055 tiveram passagem gratuita na forma do contrato; e 287 por conta do governo do Peru”592 de quem o empreendimento também recebia subvenção. O então encarregado pela pasta da Agricultura detalha os números da navegação do Amazonas do seguinte modo: A receita da Companhia, compreendendo a subvenção do governo imperial, na importância de 720:000$, e do governo do Peru, na de 22:276$520 elevou- se, no ano de 1860, à soma de 1.286:585$418, cabendo portanto ao tráfico a quantia de 285:264$476, a saber: Importe das passagens 84: 078$076 [e] Frete de cargas: 201:186$476.593

O crescimento, para Felizardo de Souza, resultou de várias causas. A mais importante, a animação dos mercados estrangeiros com o comércio dos produtos do Amazonas, seguida do reestabelecimento de comunicações com os portos peruanos. Em termos comparativos, sob o importe de passagens houve “excesso” de 26:666$819 e no frete de cargas de 99:071$857. O ministro destaca ainda a possibilidade de conexão com outros países vizinhos via rio Amazonas, fazendo com que “receba, em breve, maior desenvolvimento como convém aos interesses do Império, e dos Estados limítrofes”.594 O anexo G do mesmo relatório do diretor das Obras Públicas e Navegação, demonstra como a Companhia de Navegação e Comercio do Amazonas estava organizada e prestava serviços ao governo brasileiro e peruano no início da década de 1860. A operação se dava por meio de três linhas: 1ª. De Belém, capital do Pará até Manaus, capital do Amazonas, com escala por Breves, Gurupá, Prainha, Santarém, Obidos, Vila Bela e Serpa, duas viagens por mês. 2ª. De Manaus até Tabatinga, com escala por Coari, Tefé, Fonte Boa, Tocantins, e S. Paulo, chegando os vapores desta linha até Nauta na província do Peru, enquanto a Companhia tiver contrato com o Governo peruano, seis viagens por ano.

590 BRASIL. Ministério da Agricultura. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na primeira sessão da décima primeira legislatura pelo ministro e secretário de Estado do Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1861. p. 37 591 Número corrigido no relatório seguinte para 6085 passageiros. 592 Id. Ibid. 593 Ibid. p. 38 594 Ibid., p.39. grifo nosso. 181

3ª. Linha de Belém à Cametá.595 Recebe esta Companhia do Estado uma subvenção de 612:000$ por ano.596

O relatório ressalta também a importância para o crescimento da província do Pará das linhas operadas no Amazonas. Destaca a conveniência da subvenção estatal que retornava aos cofres do Tesouro por meio “da receita geral dentro do mesmo ano, e com juro não pequeno”.597 E recomenda que o governo não se “atemorize” com despesas desta natureza, visto que são valorosos investimentos que retornam aos cofres públicos. No relatório do ano de 1861 o ministro Felizardo de Souza aponta as alterações na operação da Companhia do Amazonas, dadas pelo decreto nº 1988, com as alterações dos decretos nº 2107 de 20 de fevereiro de 1858 e nº 2591 de 9 de maio de 1860. O valor anual da subvenção aumentou para 720 contos de réis anuais e a periodicidade das viagens também sofreu modificações. A segunda linha, de seis viagens anuais, passou a viagens mensais. Também demonstra a fabricação de mais dois vapores além dos oito que a Companhia já possuía. Em análise comparativa entre os anos de 1859 e 1860, o aumento de passageiros rendeu 85:078$076, uma diferença em números concretos de 26:666$819 em rendimentos. Já os fretes produziram 201:186$400. O lucro da Companhia cresceu no montante de 125:738$676.598 Passando para os dados do segundo gabinete Zacarias (15 de janeiro de 1864), apresentados por Jesuíno Marcondes de Oliveira e Sá, ministro da Agricultura do gabinete seguinte, presidido por Francisco Furtado, a situação da Companhia do Amazonas era muito parecida com a relatada na virada das décadas. A subvenção continuava a mesma e o serviço continuava a ser prestado com regularidade.599 Deste modo, ainda que a situação do Império no período não fosse economicamente a mais promissora, como destacado na sessão anterior deste capítulo, não parecia ter impactado a navegação no Amazonas. Avançando em dois anos, no terceiro gabinete Zacarias (3 de agosto de 1866) quando decreto de abertura do rio Amazonas seria assinado, o ministro Manuel Pinto de Souza ressaltou a prosperidade do negócio do barão de Mauá, que recebeu elogios pela maneira com que conduzia a Companhia. Em seus termos: “A poderosa subvenção que percebe dos cofres

595 O relatório explicita a periodicidade de duas viagens por mês da linha na tabela nº 4. 596 Ibid. Anexo G. p.17. 597 Id. Ibid. 598 BRASIL. Ministério da Agricultura. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na segunda sessão da décima primeira legislatura pelo ministro e secretário de Estado do Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1861. p.29. 599 BRASIL. Ministério da Agricultura. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na terceira sessão da décima segunda legislatura pelo ministro e secretário de Estado do Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1865. p.105. 182

públicos, e o progressivo incremento do comércio, junto a inteligente administração, tem colocado esta empresa nas mais prósperas condições”.600 Como observado, a declaração de Mauá em sua Exposição aos Credores destoa em grande medida dos ganhos documentados nos relatórios do ministério da Agricultura e até mesmo das palavras de seu biógrafo, Jorge Caldeira601, que caracterizou a Companhia do Amazonas como um de seus empreendimentos mais rentáveis.

Conceder e pactuar

De acordo com João Pandiá Calógeras, a partir da década de 1850 a questão da navegação comercial começou a preocupar os governantes não apenas no Brasil. “Era questão velha e muito debatida, mas que, tanto quanto possível, se havia deixado ficar na penumbra e na inércia, pois bulia com opiniões numerosas dominantes nos conselhos imperiais”.602 Enquanto Alemanha, Áustria e Rússia adotaram o princípio de liberdade de uso de suas águas, a Inglaterra era contrária e a França se mostrava indiferente. Nas Repúblicas da América do Sul, observa-se a tendência de abertura de seus rios à navegação comercial. O Brasil, diferentemente, firmou-se como “exceção a este acordo quase unânime, e assim procedia apesar da contradição de sua situação geográfica nas duas bacias, a norte e a sul, no Amazonas e no Prata”.603 Depois da Argentina admitir a livre navegação dos rios Paraná e Uruguai em 1852, o Brasil passou a ser a única nação que ainda impunha restrições. Não que o Governo brasileiro se mostrasse essencialmente contrário a tal política liberal; sabiam por demais que fora impossível nadar contra a corrente nesse ponto. Mas pesavam ambos os lados da questão, vantagens e inconvenientes, e queriam chegar a acordo mediante convenções isoladas e seriadas, destinadas a prevenir perigos que previam.604

À medida em que a questão da navegação se tornava cada vez mais imperativa, era momento de o governo posicionar-se com mais segurança sobre a política adotada. Era época de substituir as frotas até então utilizadas por embarcações mais modernas e movidas à vapor, mas havia falta de capital. Porque não seria possível continuar a Amazônia submetida ao regime de comércio interior operado pelos fretes de pequenas ou grandes embarcações a vela e a remo que a cortavam em todos os sentidos, mobilizavam milhares de

600 BRASIL. Ministério da Agricultura. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na primeira sessão da décima terceira legislatura pelo ministro e secretário de Estado do Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Rio de Janeiro: Typographia Perseverança, 1867. p. 201. 601CALDEIRA, 1995, passim. 602 CALÓGERAS, 2009, p. 210. 603 Ibid., p.211. 604 Ibid., p.212. 183

brasileiros, constituíam um negócio de alto rendimento, transportando mercadorias e passageiros, mas evidentemente constituíam sinal vivíssimo do passado próximo que todos desejam ver distante.605

Se a questão da abertura dos rios ainda não era consensual no Brasil, como bem demonstrou Calógeras, medidas para usufruir das “riquezas” e manter a soberania nacional foram tomadas, mantendo no controle nacional as operações, mas avançando no sentido da exploração e colonização por meio de concessões. Como demonstrado na seção anterior, para prosperarem neste período, os empreendimentos requeriam do empresário bons relacionamentos com os políticos encarregados de encaminhar no Parlamento as autorizações de funcionamento e conseguir subsídios do governo. No caso do rio Amazonas não foi diferente. Como concessionário da Companhia de Navegação do Amazonas, Mauá esclareceu o postulado da prática liberal de “administrar” e “prosperar” usufruindo dos recursos oferecidos pela natureza. Discorrendo acerca da concessão explicita que teve por objeto o aproveitamento de riquezas, já criadas pela natureza, sob a forma de produtos naturais, e que jaziam perdidas no território banhado pelo vasto oceano fluvial que cortas em todas as direções a região privilegiada, na extrema setentrional do Império. Era uma tentativa que a experiencia devia confirmar e regular para o futuro.606

Apesar de Mauá, em sua Exposição, concluir que nada lucrou com Companhia do Amazonas, não nega que foi uma das grandes empresas de sua criação e que contou com o “entusiasmo” de alguns amigos políticos para se aventurar na bacia norte. Em seus termos: Amigo pessoal e dedicado de um dos ministros deste período de descrença, fui instado para encarregar-me da missão civilizadora que esse fato levava em suas entranhas, e aceitei um contrato pelo qual modestos favores me foram concedidos, avultando, porém, entre eles o privilégio exclusivo da navegação do Amazonas e seus afluentes por trinta anos.607

Segundo Paulo Roberto Palm, desde 1839 se pensava a criação de uma nova província que desse mais agilidade administrativa e condições de colonização ao norte do Império. O projeto que elevava a Comarca do Rio Negro a província do Amazonas foi aprovado pela Câmara em 1843 e concluído no Senado apenas em 1850. Há indícios, segundo o autor, “da interferência de Paulino Soares de Souza no desengavetamento do projeto, com a finalidade

605 REIS, Arthur Cezar Ferreira. A Amazônia e a cobiça internacional. Rio de Janeiro: Companhia Editora Americana, 1972. p.63. 606 SOUZA, 1878, p.35. grifo do autor. 607 Ibid., p. 31. grifo do autor. 184

de se reforçar a soberania brasileira no Alto Amazonas, frente a possíveis ameaças estrangeiras”.608 Nesta mesma linha, somada a várias tentativas fracassadas de empresários de explorarem o rio Amazonas, surge a necessidade de fundação de uma Companhia de Navegação e Comércio. Soares de Souza recomentou que o empreendimento fosse administrado por Irineu Evangelista de Souza, e, para convence-lo, recebeu auxilio do ministro Monte Alegre, amigo de Mauá. “A autorização da empresa foi concedida em 6 de setembro de 1850, no dia seguinte ao da criação da Província do Amazonas, e seu funcionamento efetivo principiaria em 1853, com privilégio exclusivo de 30 anos e uma subvenção de 160 contos”.609 Para Roberto Ruiz, “as dificuldades [eram] enormes. Mauá não encontrou quem o apoiasse, quem entre com ele no negócio. Tem afinal que subscrever setenta por cento das ações. Os vapores para o Amazonas saem de Ponta da Areia e a empresa entra a prosperar”.610 Como afirma Anyda Marchant, para conseguir mais investimento enviou-se ao Peru o agente diplomático Duarte da Ponte Ribeiro, com o objetivo realizar tratativas para cooperação da exploração do rio Amazonas, excluindo os Estados Unidos. Esta última nação, empreendia uma massiva negociata por meio de J. Randolph Clay para conseguir aliados na bacia Amazônica. Contudo, On October 23, 1851, Ribeiro signed a treaty at Lima, on provision of which declared that the navigation of the Amazon should belong exclusively to the states owning its banks, and another wich requered Peru to give a subsidy of twenty thousand dollars annualy to a Brazilian steam-navigation company to be organized for service on the Amazon and its tributaries. The treaty was ratified in spite of Clay's protests.611

Na realidade, se analisada a velocidade da operação das tratativas com o Peru para melhor obter a subvenção a Mauá, nota-se que a pressão estabelecida pelos Estados Unidos passava a incomodar o governo brasileiro. Era momento de agir, tendo em vista a manutenção da soberania nacional. Como explica Arthur Cezar Ferreira Reis, quando o ministro brasileiro nos Estados Unidos, Sérgio Teixeira de Macedo chegou ao país, percebeu o quão interessados os norte-

608PALM, Paulo Roberto. A abertura do rio Amazonas à navegação internacional e o parlamento brasileiro. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. p.48. 609 Id. Ibid. 610 RUIZ, 1972, p.40. 611 MARCHANT, Anyda. Viscount Mauá and the Empire of Brazil. A biography of Ireneu Evangelista de Souza (1813-1889). Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 1965. p. 106. “Em 23 de outubro de 1851, Ribeiro assinou um tratado em Lima, em cuja disposição declarava que a navegação da Amazônia deveria pertencer exclusivamente aos estados proprietários de suas margens, e outra que demandava o Peru para dar um subsídio de vinte mil dólares anuais a uma Companhia Brasileira de Navegação a Vapor organizada para serviço na Amazônia e seus afluentes. O tratado foi ratificado apesar dos protestos de Clay”. 185

americanos estavam nas potencialidades da região amazônica. “Fora sondado por membros do governo e homens de negócio, parlamentares [...], todos submetidos à influência das notícias correntes sobre o potencial que a Amazônia representaria e surpresos com o comportamento brasileiro”612, especialmente, pela incapacidade financeira e técnica de desenvolver a região. Para autor, os Estados Unidos dava, passos muito decisivos no sentido de uma expansão que se não reduzia aos espaços interiores do norte do continente. Suas ambições extravasavam e se lançavam sobre as Antilhas. Maury613, num de seus arrazoados ao governo, sustentara que a América do Sul não passava a seu ver, no que diz respeito à vida econômica, de uma península da América do Norte, de que por isso mesmo devia considera-se e ser mesmo uma dependência.614

Preocupado com as notícias, Teixeira de Macedo escreveu ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulino Soares de Souza (visconde de Uruguai). A solução foi então a criação de uma Companhia de Navegação a Vapor com capitais brasileiros, “para o giro mercantil, a civilização, o desbravamento e a ocupação dos ermos amazônicos”.615 Aí se explica a insistência pela participação de Mauá, que teria o capital necessário para colocar a Companhia em operação com uma contribuição financeira do Estado brasileiro. Nesta perspectiva, o decreto nº 1037 de 30 de agosto de 1852 concedeu a Irineu Evangelista de Souza o privilégio exclusivo para a navegação a vapor no rio Amazonas por trinta anos. O contrato previa ainda que Mauá empregasse nunca menos que mil e duzentos contos de réis para efetuar duas linhas de navegação. Nas palavras de Mauá:

Oferecidas as ações da empresa ao público, não encontrei subscritores nem para metade do capital necessário. Foi sempre um dos defeitos radicais do meu modo de se contemplar com energia, e mesmo entusiasmo, os serviços de que me encarregava, sem dúvida no intuito de colher honesto proveito, porém como ninguém pode desconhecer correndo risco de perder assim o capital já adquirido, quando me fiz empresário, como o bom nome que começava a aparecer. 616

612 REIS, 1972, p.66. 613 Reis refere-se aos argumentos polêmicos do tenente da Armada americana Matthew F. Maury em seu livro Exploration of the Valley of the Amazon. A resposta e refutação de todas as propostas elencadas pelo tenente acerca da exploração da livre navegação do Amazonas foram refutadas em 1854, pelo Dr. João Baptista de Castro Moraes Antas. Cf. ANTAS, José Baptista de Castro Moraes. O Amazonas: breve resposta à memória do tenente da Armada Americana-Inglesa F. Maury sobre as vantagens da livre navegação do Amazonas. Rio de Janeiro: FUNAG/CHDD, 2013. 614 REIS, 1972, p.66. 615 Ibid., p. 85. 616 SOUZA, 1878, p.31. grifo do autor. 186

Figura 2. Região banhada pelo Rio Amazonas

Fonte: FBN. VILLIERS DE L'ILE-ADAM, J. de. Carta topographica e administrativa das provincias de Gram Para e alto Amazonas erigida sobre documentos mais modernos. Rio de Janeiro, RJ; Paris, França: Garnier, 1850. 1 mapa, 43,5 x 63,5. Coleção Benedicto Ottoni (ARC.009,12,018 – Cartografia) 187

Diferentemente das três linhas operantes na década de 1860 que tratamos na seção anterior, no início seu compromisso era com apenas dois trajetos: o primeiro partindo de Belém, capital do Grão Pará até Barra do Rio Negro, capital do Amazonas. A segunda, de Barra do Rio Negro até Nauta, na República do Peru. A representação cartográfica (Figura 2, p.186) dá um indicativo do desafio da Companhia de Mauá e a dimensão do rio Amazonas que deveria percorrer para cumprir as obrigações firmadas. Em argumentação elogiosa ao aceite do barão, Arthur C. Ferreira Reis disserta que “Mauá, contra cujos objetivos mercantis se levantam, de quando em quando, os que lhe fazem a acusação de monopolista, de argentarista, com a coragem que o distinguia, foi ao contrário, a força cuja sombra se desenvolveu a hiloe brasileira [sic.]” 617 O contrato também previa o valor da subvenção que Mauá receberia. Nos primeiros quinze anos o valor seria de 160 contos de réis anuais pelos serviços prestados na primeira linha, repartidos pelo número de viagens. Pela segunda linha, a subvenção partiria do governo peruano, nunca menor que 40 contos por ano, também repartidos pelo número de viagens. A periodicidade das viagens foi estipulada da seguinte maneira: Nos cinco primeiros anos do contrato é obrigada a fazer uma viagem redonda cada mês na primeira linha; nos cinco anos subsequentes três viagens em cada dois meses, e daí em diante duas mensalmente, enquanto durar o privilégio. Na segunda linha fará no primeiro ano três viagens, quatro no segundo, e seis em cada um dos três seguintes.618

Um importante ponto do decreto é a nacionalização dos vapores da Companhia, independentemente de seu local de construção. E os benefícios adicionais que o governo receberia gratuitamente, a exemplo do transporte de malas de Correio, Correspondência Oficial e o transporte em cada viagem de quatro passageiros do Estado, somas de dinheiro pertencentes aos Cofres Públicos, uma carga por conta do governo de até duas toneladas e dez Praças. Elaborado e publicado o decreto, o mesmo foi submetido a aprovação da Câmara dos Deputados. Vitor Marcos Gregório, em seu estudo dos debates sobre a temática naquela Casa, explica que o primeiro passo foi o encaminhamento do texto para a Comissão de Comércio, Indústria e Artes, naquela circunstância composta pelos deputados Viriato Bandeira Duarte da

617 REIS, Arthur Cezar Ferreira. Panorama econômico-financeiro do Segundo Reinado: e) navegação fluvial, especialmente a do Amazonas. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1942. p. 29. Coleção Oficina do Livro "Rubens Borba de Moraes" (BCCL-OL) 618 BRASIL. Coleção de Leis do Império do Brasil. (tomo XV, parte II). Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1853. p.360. 188

província do Mato Grosso, Augusto Frederico de Oliveira, representando Pernambuco e Frederico de Almeida e Albuquerque a Paraíba. O voto da Comissão aprovou a concessão das terras feitas pelo governo, tanto para a fundação das colônias como para a construção do dique em Belém. Permitia-se ainda à companhia alienar e contratar os ditos terrenos com empresas de colonização, famílias ou indivíduos para a transferência de colonos [...]. O voto não dizia nenhuma palavra acerca da concessão pelo governo da subvenção pecuniária, nem do privilégio de exclusividade por trinta anos.619 Ainda que a Câmara continuasse com as discussões a respeito dos privilégios concedidos, Mauá passou a organizar a nova Companhia buscando atender as condições do contrato. “A inauguração ocorreu a 1 de janeiro de 1853, com o vapor Marajó, do comando do capitão Marcos Pereira de Salles. Dez dias de ida e seis de volta. O movimento de passageiros no primeiro ano foi de 691 indivíduos”.620 No entanto, a Câmara propôs em 1853 que os termos da concessão fossem alterados. Nas palavras do barão, para a reforma do contrato foi inicialmente contatado pelo amigo visconde de Uruguai, que lhe sugeriu que a política do governo em relação ao Amazonas deveria ser modificada Aproximava a época em que seria preciso declarar o grande rio aberto ao comércio do mundo, para evitar complicações políticas que se consideravam possíveis e até prováveis, além de que, forçoso era ao governo imperial harmonizar a sua política com as ideias do século, que condenavam a exclusão ao comércio do mundo do vasto território banhado pelo Amazonas e seus afluentes.621 Como Mauá não quis enfrentar oposição no Parlamento, que poderia dificultar ainda mais a situação, a medida foi negociar as condições e pactuar a bom termo a compensação da perda de exclusividade, que pelo decreto só terminaria em 1882. Como explica Marchant: On October 2, 1854, Mauá's original contract was altered by an imperial decree which obliged his company to establish twelve colonies of six hundred persons each on the banks of the Amazon and its tributaries. The government intended this as a first step in increasing the population of the area with individuals whose allegiance was to the empire, as a protective measure against the possible infiltration of unfriendly foreigners. It was a reflection of the growing concern over the power of rising public opinion for a change in the status of the valley.622

619 GREGÓRIO, 2008, p. 62. 620 REIS, 1942, p. 30. 621 SOUZA, 1878, p.32. 622 MARCHANT, 1965, p.110. “Em 2 de outubro de 1854, o contrato original de Mauá foi alterado por um decreto imperial que obrigava sua empresa a estabelecer doze colônias de seiscentas pessoas, cada uma, nas margens do rio Amazonas e seus afluentes. O governo pretendia que isso fosse um primeiro passo para aumentar a população da área com indivíduos cuja lealdade era ao império, como uma medida de proteção contra a possível infiltração de estrangeiros hostis. Foi um reflexo da crescente preocupação com o poder da crescente opinião pública para uma mudança no status do vale”. 189

De acordo com o próprio Mauá, seu posicionamento sobre as alterações que lhe impactavam diretamente, era a de ser exigente e firme. Mas como seu “modo de ser” era compreensivo, propôs apenas um aumento da subvenção que já recebia. É evidente que com o aumento de subvenção poderia ampliar o capital da empresa e se precaver frente a concorrentes, de imprevistos de ordem financeira. Mauá, como experiente negociante, e sabendo das dificuldades de operação em área erma como Amazonas, não viu problemas em ter concorrentes que dificilmente usufruiriam dos benefícios concedidos a ele. Destaca ainda que o papel desempenhado pelo marquês de Paraná foi determinante para que aceitasse as novas condições: Tive de ceder à exigência peremptória do finado marquês de Paraná, que me honrava com sua amizade e exercia sobre mim grande influência; - a navegação do Amazonas é agora uma necessidade reconhecida e provada, me disse S. Ex., o aumento que se lhe oferece parece ao governo bastante; se, porém, o primeiro ano do novo serviço provar que não chega, não haverá governo que lhe negue o necessário, mas não quero que se diga que, por sermos amigos, estamos prontos a dar-lhe quanto pede. À vista desta promessa aceitei o segundo contrato.623 Se Mauá contou com o apoio de Paraná no “acordo de cavalheiros” que viabilizou sua anuência com as exigências da Câmara, explicita também que, após a morte do marquês, as negociações com os gabinetes seguintes não foram fáceis, conforme apontou Beatriz P. Momesso .624 A única exceção foi o gabinete Olinda (4 de maio de 1857), em que Souza Franco era ministro da Fazenda. Acerca deste último, Mauá não poupa elogios, “o homem de ideias mais claras em finanças que eu tenho conhecido no Brasil [...] e sendo ele demais a mais Paraense, compreendia melhor que outros a necessidade da navegação a vapor naquelas águas”625. Explica-se, assim, o grande desejo de Mauá para o retorno de Souza Franco a pasta da Fazenda ao longo da década de 1860, o que, conforme vimos, não aconteceu, nem mesmo no gabinete chefiado pelo liberal Francisco Furtado (31 de agosto de 1864). Apesar de alguns entraves após a morte do marquês de Paraná e das críticas de Mauá acerca da “módica” subvenção recebida, Almir Chaiban El Kareh, em análise dos relatórios anuais empreendidos pela Companhia a seus acionistas, observa que entre 1853 e 1872 “a maior fonte de renda da companhia advinha das subvenções do Estado, seguida da renda advinda do transporte de cargas e, por último, da de passageiros, o que era natural numa região de tão baixa densidade populacional”.626

623 SOUZA, 1878, p.33. 624 MOMESSO, 2017, p.35. 625 SOUZA, op. cit., p. 33. grifo do autor. 626 KAREH, Almir Chaiban El. A Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas e a defesa da Amazônia brasileira: "O imaginado grande banquete comercial". Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro: IHGB, v. 418, Ano 164, 2003. p.116. 190

A alegação do barão de Mauá que nada ganhou com o empreendimento, como demonstramos ao longo deste item, revela-se, portanto, improcedente. O tom utilizado por ele em sua Exposição nos parece um artifício retórico para apaziguar os ânimos dos credores em momento em que seus negócios estavam em baixa. Os volumes dos lucros da Companhia de Navegação Amazonas são significativos, e como demonstramos por meio dos relatórios do ministério da Agricultura, as finanças do negócio sempre foram tratadas como “prósperas”. De acordo com Vitor Marcos Gregório, “apesar de ter sido criada sob a sombra da ameaça de invasão estrangeira [americana] e, portanto, como uma peça importante na manutenção da soberania brasileira sobre a região amazônica, a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas acabaria enfrentando grande oposição”627 de um político em ascensão nos anos 1860, Aureliano Cândido Tavares Bastos, em especial no período dos gabinetes progressistas. O fato em destaque nessa oposição era o crescimento exponencial do empreendimento graças as subvenções do Estado.

3.3. Os incompossíveis? Mediações entre o “político” e o “capitalista”

Com os gabinetes progressistas dos anos 1860 a lógica da expansão dos negócios do barão de Mauá se alterou profundamente. Diferente da década anterior, agora, o que se visualizava era a dificuldade em conseguir pactuar e angariar apoio do governo. O Quadro 5 (p.174) reflete com primazia a redução de seus empreendimentos naquele período, se comparados com os ministérios conservadores pós-Conciliação. Como arrazoa Almir Kareh, no que concerne a Companhia de Navegação, nota-se que

ao passo que a empresa crescia em capital flutuante, em extensão navegável e em tráfico de mercadorias e passageiros, crescia também a corrente política, liberal, favorável à abertura do Amazonas a todas as nações amigas, e ao fim da subvenção do Estado ou a à limitação dos lucros da companhia.628

Castro Rebello salienta longamente que os desafios de Mauá se ampliariam. Se na década de 1850 possuía apoio de uma importante camada de políticos que dominavam o poder, com a Liga Progressista sua situação não era minimamente favorável.

Os tempos eram outros os homens com quem, agora Mauá tem que se haver chamam-se Saraiva, Nabuco. O primeiro nunca foi dos seus. Estavam, além disso, muito crentes as peripécias que precederam a intervenção do governo

627 GREGÓRIO, 2008, p.64. 628 KAREH, 2003, p.117. 191

brasileiro no Uruguai, onde, mais de uma vez, os interesses do Banco Mauá se terão anteposto aos objetivos de sua missão diplomática junto ao governo daquela República. Nabuco devia amargar ainda a lembrança do atrito grave que, anos atrás, tecera com o barão; sabia o de que este era capaz na defesa de seus negócios. Zacarias, o invulnerável, foi-lhe sempre desafeto. Era impossível a Mauá contar com o compadrio desses homens.629

Rui Mateus Ramos amplia a lista de desafetos de Mauá, que também contava com oposição “feroz” de Francisco Sales Torres Homem (visconde de Inhomerim) e Joaquim Rodrigues Torres (visconde de Itaboraí).630 Se as divergências de Mauá com figuras progressistas foram delineadas por Castro Rebello e com conservadores “puros” por Mendes, ambos destacam a especial oposição com Zacarias de Góes. Jorge Caldeira, também nesta linha, explica a rusga entre o barão e o presidente do Conselho:

Zacarias era um homem que odiava maçons – por conta de seu catolicismo radical – e interesseiros; e via em Mauá, acima de tudo, um maçom interesseiro, gente que colocava moralmente abaixo de muitos criminosos. Isso gerava um ódio que possivelmente o fato de precisar de Mauá para comprar a casa-retiro onde morava em Santa Teresa (o barão comprou a casa à vista e vendeu-a uma semana depois ao deputado a perder de vista) tornava ainda mais agudo; não seria por causa dessa tentativa torpe de aproximação que ele iria se dobrar.631

Avançando sobre os desentendimentos entre Zacarias e Mauá, o autor argumenta que o primeiro nunca esboçou simpatia pelos “negócios privados”, especialmente os diligenciados pelo barão. Reproduzindo uma missiva trocada entre Mauá e Ricardo José Ribeiro, deixa claro embate travado com Zacarias e seus prejuízos. Zacarias que me mostra um ódio estranhável, a ponto de perseguir-me com as mais estupendas maldades ainda depois de caído! [...] Quanto a mim, além do desejo de ser útil aos outros, espero legar a meus filhos um nome que só não fará respeito a homens do tipo especial de um Zacarias, que fazem mal só pelo prazer diabólico de fazer mal.632

Como se observa na correspondência transcrita por Caldeira, Mauá parecia nutrir rancor por Zacarias, ao mesmo tempo que se coloca em posição de perseguido. Na análise das cartas, depositadas no Arquivo Histórico do Museu Imperial, não se nota nenhum posicionamento semelhante de Zacarias acerca de Mauá.633 As missivas trocadas se restringiam

629 REBELLO, 1932, P.36 630 RAMOS, 2009. p.18. 631 CALDEIRA, 1995, p.409. 632 Ibid. p.500. 633 Cf. Arquivo Zacarias de Góis do Museu Imperial de Petrópolis-RJ. 192

a assuntos da Guerra do Paraguai e as provisões dos soldados, não transparecendo pela parte do presidente do Conselho, o ressentimento avultado inscrito na fala de Irineu Evangelista. Para Caldeira, o que mais impactou a discórdia entre eles foi Zacarias negligenciar a importância, para o Brasil, dos empreendimentos de Mauá no Prata, uma vez que poderiam facilitar a atuação do governo brasileiro na zona de Guerra. No entanto, o presidente do gabinete preferiu privilegiar concorrentes do barão “de suas próprias mãos saíram ordens para comprar gado no Uruguai – alimentar as tropas –, buscar navios e canhões na Europa (a Ponta de Areia estava fechada), encontrar cavalos na Argentina, arrebanhar toda a farinha de mandioca e mulas [...] de São Paulo para levar ao Paraguai”.634 Mauá possuía empreendimentos financeiros em todas as regiões e poderia ter agido como agente facilitador para os negócios do governo, mas Zacarias lhe fechou todas as portas e, consequentemente, as possibilidades de lucro. Para Flávio Azevedo Marques de Saes, a ação de Mauá era ao mesmo tempo econômica e política: Entretanto, sua ação política sempre está superposta a empreendimentos econômicos: no Prata, ao financiar o governo uruguaio; na política interna brasileira, ao defender o apoio do governo a certas empresas (não necessariamente de sua propriedade) ou um certo rumo para a política econômica (especialmente a monetária).635

Nos parece, a partir da análise traçada nesta dissertação, que o distanciamento entre Zacarias e Mauá reverberou nos rumos que a nação deveria seguir. O perfil de Zacarias como político empenhado na atuação partidária da máquina do Estado, comprometeu-se com uma modalidade de política liberal zelosa do patrimônio imperial e da tradição, opondo-se em muitos aspectos ao perfil de Mauá, antes de tudo, um político empresário preocupado com seu patrimônio particular e poder pessoal. Embora também zeloso de seu poder pessoal, Zacarias neste aspecto, não via com bons olhos aqueles que enriqueciam valendo-se de benefícios do Estado, daí sua preocupação em manter a moderação em assuntos que exigiam grandes quantias de capital do governo. Mauá, em outro entendimento, visualizava nos recursos do Estado algo a se explorar no sentido de construir uma riqueza/poder a ser partilhada por ele e, de forma indireta, também pelo governo. Como explica Marchant, as três escolhas do nome de Zacarias para presidir gabinetes feitas de d. Pedro II, se fundamentaram nas peculiaridades que pautaram sua trajetória política, iniciada no seio do Partido Conservador e terminada no Liberal, mas sempre pautada

634 CADEIRA, op. cit., p. 440. 635 SAES, Flávio Azevedo Marques de. Mauá na economia brasileira do século XIX. In: Barão de Mauá: Empreendedor do Império. [recurso digital]. 2018. p.21 193

no respeito à tradição e às instituições. Nunca procurou se fazer ou criar por outros meios que não fossem os políticos, e nunca resistia ao enfrentamento. He [Dom Pedro II] had no objection to outspoken criticism provided that the attacker was a man of honest, if misguided, purpose and that the attack was not fortified and directed in such a way that it posed any real threat to the imperial regime. Both these elements were present with Zacarias. He was proud, disinterested, narrow, sterengthening his own self-importance by becoming the searcher-out of knaves in public office, the smeller-out of interested motive in the most exalted.636

Noutra percepção do desempenho liberal muito praticado nos anos 1850, que pode ser reconhecido também na atuação do marquês de Paraná, Teófilo Ottoni, Bernardo de Souza Franco dentre outros, Mauá objetivava na política um meio de ascensão social e financeira, significativa de uma parceria que permitiria tanto o acumulo da propriedade privada quanto o prestígio do Estado, ambos fundadas na argúcia em relação aos negócios e o trabalho pessoal de investidores. Dessa perspectiva, talvez se possa compreender suas parcas manifestações na Câmara. Nestes termos, como explica Faoro, o movimentado percurso de Mauá demonstra como o “intercâmbio entre os negócios e o Estado confere à economia vibratilidade especuladora, ao tempo que confunde o empresário e o político, cobertos pela mesma sombra”.637 Como argumenta Vicente Licínio Cardoso, o próprio barão explicou os motivos de sua riqueza e inserção na política: “Percebendo soltos os capitais depois de 1850, fez-se banqueiro: canalizou-os, dirigiu-os, reproduziu-os. Isso era a realidade. Certo, não a vislumbravam os políticos do tempo”.638 Para Nelson Werneck Sodré:

Irineu Evangelista de Souza esteve envolvido em todos os acontecimentos importantes do seu tempo. Quando o segundo império se inaugurava, através do golpe da maioridade, ele percorria a Inglaterra. Fizera a sua aprendizagem numa casa comercial inglesa, a de Carruthers. Galgara, pouco a pouco, apoiado em qualidades pessoais eminentes, os degraus que o levariam ao fastígio. Quando termina a sua ascensão pessoal, que se faz toda na casa do inglês que fora seu patrão e depois seu sócio, Mauá ingressa nos negócios de vulto, em que desdobra a sua ação, até o colapso final, já não pela ação pessoal, mas através do amparo do estado, que lhe não faltou, direto ou indireto, em nenhuma das suas empresas em nenhum dos seus empreendimentos.639

636MARCHANT, 1965, p. 173. grifo nosso. “Ele [Dom Pedro II] não tinha objeções à crítica aberta quando quem fazia o ataque era um homem de propósito honesto, embora equivocado, e que o ataque não era fortificado e dirigido de tal maneira que representasse uma ameaça real ao regime imperial. Ambos os elementos estavam presentes em Zacarias. Ele era orgulhoso, desinteressado, reto, fortalecendo sua própria importância, tornando-se o procurador de facas em cargos públicos, o farejador externo interessado nas causas mais extremas”. 637 FAORO, 2012, p. 498. 638 CARDOSO, 1938, p. 143. Grifo nosso. 639 SODRÉ, 1939, p. 262. 194

Como exploraram Licínio Cardoso e Werneck Sodré, os benefícios do envolvimento de Mauá com a política também representavam uma espécie de infiltração dos interesses privados no Estado Imperial. Para Lídia Besouchet, sua teoria financeira, fruto da cultura inglesa, da experiencia provada em terras norte-americanas, mas adaptadas totalmente à situação, ao caso brasileiro [...], indica Mauá como um representante típico da burguesia liberal. Da burguesia liberal que em todo o mundo fez, à força do livre cambio, do livre comércio (e que em matéria espiritual corresponde ao livre arbítrio...) sai força e seu poder.640

Cláudio Ganns opta por um Irineu Evangelista que paulatinamente se empenhou na causa política. Primeiro em 1855 e 1856, como suplente de deputado; e como titular entre 1857 e 1867, apoiado pelos liberais do Rio Grande do Sul. Segundo o autor, foi eleito em 1872, pela fração liberal, “quase à sua revelia – quando se achava ausente, na Europa, tratando da organização para o cabo submarino – , por influência exclusiva de Osório”641, mesmo declarando aos íntimos que estava “sem interesses partidários”. Figuras que se compatibilizam em polêmicas, mas também em compromisso comum em favor das premissas e práticas liberais, Mauá e Zacarias parecem ter sido antinomias dentro do processo político das décadas de 1850 e 1860. Constituíram-se de maneiras diferentes enquanto cidadãos envolvidos com os negócios do Estado imperial, mas partilharam do mesmo espaço parlamentar e círculos de amizades onde amealharam diferentes tipos de cabedal – um financeiro e o outro, especialmente político – ambos essenciais para o exercício do poder. Nesse sentido, não foi possível um alinhamento de ideias em relação ao uso do “dinheiro público”, visto que operava pela parte de Zacarias, a incompossibilidade de ser ao mesmo tempo “político” e “capitalista”, o que para Mauá acontecia de forma natural – postura evidente na aceitação do compadrio político para viabilizar muitos de seus negócios. Se como se infere, Mauá e Zacarias nutriam certa antipatia, vejamos como aconteceram os debates acerca da abertura do Amazonas a navegação internacional, quando um dos empreendimentos mais rentáveis de Mauá esteve nas mãos da administração de Zacarias de Góes, tanto na vigência do gabinete de 15 de janeiro de 1864, quanto do gabinete de 1866, quando o decreto foi assinado.

640 BESOUCHET, Lídia. O pensamento vivo de Mauá. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1944. p.23. 641 GANNS, Cláudio. A trajetória de um pioneiro: em torno da vida de Mauá. In: SOUZA, Irineu E. Autobiografia: “Exposição aos credores e ao público” seguida de “O meio circulante no Brasil”. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998. p. 49. 195

3.3.2. A abertura do Amazonas à navegação internacional

Enquanto na véspera do Natal de 1863 o Diário do Rio de Janeiro e o Jornal do Commercio se dedicavam à 9ª sessão preparatória da Câmara, o Correio Mercantil publicou em primeira página, a matéria de título A livre navegação no Amazonas. Ela incluía de fato, a primeira parte da missiva de Aureliano Cândido Tavares Bastos642 ao presidente e secretários da Assembleia Provincial do Amazonas, na qual prometia movimentar aquele assunto na Câmara dos deputados na próxima sessão legislativa a iniciar-se em janeiro de 1864.643 Como observa-se no Gráfico 2 (p.151), neste ano figurou como segunda questão mais pautada, ficando atrás apenas da Estrada de Ferro d. Pedro II, também um empreendimento de Mauá criado no ano de 1855. A navegação do Amazonas era um tema que há algum tempo interessava Bastos. Em 1862, havia publicado as Cartas do Solitário, onde expôs posicionamento muito objetivo e incisivo sobre o assunto. Ali, o Solitário antecipara a necessidade da linha Rio-Nova Iorque – que como mostramos, vinha sendo alvo de discussão desde o gabinete Olinda – e deixara claro seu incomodo com as subvenções conferidas a Companhia do Amazonas: O paralelo mais interessante [...] é o que eu desejaria fazer entre as subvenções pagas às companhias transatlânticas e as somas que nos custam a nossa companhia costeira e a do Amazonas. Este, porém, é um ponto muito importante, e que caberá melhor nas cartas em que eu tratar da navegação direta a vapor entre New-York e o Rio de Janeiro, e mostrar a conveniência de conectarmos, com a companhia que realizar esse serviço geral, o serviço especial de pequena cabotagem entre os seus grandes portos de estação e os das pequenas províncias do Império. É uma reforma radical a que vou propor: mas vereis, meu amigo, que não é tão estranha como se afigura à primeira vista.644

Na perspectiva de Bastos, as subvenções eram demasiado vultosas e o Amazonas, já aberto a navegação internacional, deveria ser integrado a este novo projeto de desenvolvimento do país. Em outra missiva, aponta para as vantagens de se explorar o vale do Amazonas e necessidade eminente de abertura de seus rios a navegação internacional: Nossa tribuna parlamentar tem permanecido quase indiferente à questão que vou discutir. Recordo-me somente do discurso proferido, na sessão de 20 de agosto de 1860, por um dos mais notáveis deputados brasileiros, o sr. Tito Franco. O nobre representante do Pará, cujo espírito ousado só podia ter recompensa, o fuzilamento político que foi vítima, fez sobre a importância do vale do Amazonas considerações que ainda vivem na memória de quantos o ouviram ou leram. O sr. Tito Franco desdobrou perante o país o quadro magnifico das riquezas do luxuriante vale; e conquanto não formulasse a

642 Continua em 28 de dezembro de 1864. 643 FBN. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 24 de dezembro de 1864. p.1. 644 BASTOS, 1863, p.246.(carta XX) 196

consequência final, isto é, a livre navegação do rio, ninguém esqueceu das palavras sensatas com que o jovem deputado fulminou o sistema chinês a que está sujeita a sua província natal.645

Se Tavares Bastos se considerava um Solitário no que diz respeito à questão do Amazonas, embora se dissesse alinhado à postura de Tito Franco sobre o assunto, foi justamente este último o parlamentar a iniciar as discussões na Câmara sobre a concessão da navegação do Amazonas a empresários não brasileiros. Em 13 de fevereiro de 1864, Franco de Almeida se pronunciou sobre a temática retomando o argumento da liberdade de comércio de navegação, de que já se valera, anteriormente, em 5 de julho de 1860:

Quero ainda a liberdade de indústria, por isso que é uma condição indispensável para o nosso florescimento. Neste ponto desejo a completa liberdade do comércio e da cabotagem pelas nossas costas, bem como a completa liberdade do comércio e navegação do Amazonas, concedida a todas as nações que conosco celebrarem tratados a esse respeito.646 Na mesma ocasião apresentou dois projetos. O primeiro, também subscrito pelos deputados Araújo Brusque, Raiol, Leitão da Cunha, Antônio José Moreira, Ângelo M. Matos e o próprio Tavares Bastos, previa a abertura do Amazonas em toda sua extensão brasileira e para tal feito o governo estabeleceria acordos com as nações interessadas. O segundo, de autoria dos mesmos parlamentares, mandava proceder “sem demora às explorações dos rios Xingu, Tapajós, Madeira, Purus, Japurá, Iça e Rio Negro nas províncias do Para e Amazonas”.647 Como explica Vitor Marcos Gregório, o breve discurso empreendido por Franco de Almeida deu “origem a debates que se estenderiam por meses a fio e que trariam à tona uma série de questões fundamentais para a compreensão do processo de formação do Estado nacional e dos diferentes projetos a ele relacionados”. 648 Para Arthur Cezar Reis, o problema da disputa da de abertura do Amazonas não se localizava nas nações que compartilhavam da extensão do rio, e sim com os interesses da Inglaterra e dos Estados Unidos: Neste rio, tínhamos o domínio da maior extensão. Na verdade, apenas um país, o Peru, a essa altura, tinha conosco uma presença na calha central do grande rio. Bolívia, Colômbia e Venezuela apenas se beneficiavam das águas dos afluentes. Equador estava sendo arredado de qualquer participação mais intensa dos cursos de afluentes. Suas desavenças com o Peru e com a Colômbia já haviam surgido de certo modo afastando aquele país de qualquer contenda conosco.649

645 Ibid., p. 275. (carta XXIII) 646 ACD. Sessão de 13 de fevereiro de 1864, p. 93. grifo do autor. 647 Ibid., p. 9. 648 GREGÓRIO, 2008, 176. 649 REIS, Arthur Cezar Ferreira. Pedro II e a navegação fluvial. Petrópolis, RJ: [s.n.], 1970. p.12-13. Coleção Sérgio Buarque de Holanda (BCCL-SBH). 197

Para este autor, a Inglaterra exerceu seu poder sobre a economia de vários países sul-americanos, mas no caso brasileiro, “esse domínio era contrabalançado, sem muito vigor pela França, modeladora nesse período, de muitos hábitos”.650 No entanto os britânicos possuíam muitos interesses no vale do Amazonas, que vinham de séculos atrás. Chegando pela Guiana, procuraram empreender viagens de exploração científica que atingissem até o vale do Rio Branco. Nos termos do autor: “A navegação do Amazonas, no interesse da humanidade, ia servir aos britânicos para a tese de que o Império, que sustentava a tese da necessidade de abertura do Prata, não podia manter posição diferente em relação ao Amazonas”.651 Acerca dos desejos dos Estados Unidos, além do que já abordamos neste capítulo, Reis argumenta que fundados no princípio do “‘destino manifesto’, a que se agarravam para justificar a expansão, [lhes fora dado] espaço a oeste da linha marcada pelo domínio britânico durante a fase colonial”.652 Para o autor, “a expansão norte-americana sobre os seus territórios interiores, suas vistas mais intensas sobre as Antilhas, Cuba em particular, de certo modo valiam para uma parada nas ambições sobre a Amazônia”.653 Se como discorre Reis, as ambições dos Estados Unidos enfraqueceram, era momento do Brasil tomar medida definitiva sobre o Amazonas. Na Câmara em 1864, o que se visualiza era o debate sobre subvencionar ou não a segunda proposta de Franco de Almeida, acerca dos rios Negro, Madeira e Tapajós. Tavares Bastos, contrário ao incentivo financeiro estatal, discordou da proposição, acompanhado por José Liberato Barroso, José Antônio Saraiva, Lindolfo Correia das Neves e Martinho Campos.654 Na situação estabelecida anteriormente, entre 1853 e 1854, na qual o Conselho de Estado fora convidado a opinar – como demonstra o vasto relatório disponível no Arquivo Nacional655 - o Imperador mostrara-se atuante, como destaca Reis:

Os interesses brasileiros, em todos os instantes foram defendidos bravamente pelas decisões do Conselho de Estado que, em nenhum momento, claudicou ou abandonou as teses que, desde os primeiros momentos, [...] adotou com muito acerto e muito senso cívico. Esses interesses não significavam, de qualquer modo, atos de impeditivos do progresso, do bem estar e da segura de outros países. [...] Presidia às reuniões do Conselho de Estado, na Seção dos

650 13 651 Id. ibid. 652 Id. Ibid. 653 REIS, 1972, p.90-91. 654 Cf. ACD. Sessão de 20 de fevereiro, 2 de abril, 7 de abril, 8 de abril de 1864. 655 Arquivo Nacional (doravante AN). Auto de abertura dos rios Amazonas, Tocantins e outros à navegação comercial das nações amigas do Brasil. BR RJANRIO 1R.COD.0.760, v.1 198

Negócios Estrangeiros, Sua Majestade D. Pedro II que, seguramente estaria integrado ao espírito dominante na corporação.656

Agora, 1864, o contexto se modificara pois, diante da crise financeira, os deputados opositores à subvenção se inclinavam a recusar a continuidade e expansão da participação do Estado no apoio à Companhia de Mauá. Após dez anos de amortecidos os embates, a Câmara novamente retomava com altivez a situação.

A ideia principal deste grupo de deputados é que a criação de uma nova subvenção pecuniária no exato momento em que se discutia a abertura do rio Amazonas a todos os países era contrária ao espírito desta medida. Dos argumentos apresentados em defesa desta tese pode ser percebida uma mudança nítida de pensamento em relação aos debates de 1853. Se naquela ocasião o privilégio de exclusividade era entendido como sério obstáculo ao desenvolvimento da região amazônica, sendo preferível, a ele, um aumento substancial da subvenção para pela o Estado, agora era a vez de a própria ideia de auxílio pecuniário ser combatida, em prol dos mesmos valores liberais de livre concorrência pregados onze anos antes”.657

O posicionamento destes deputados, maneados por Tavares Bastos, colocava em questão os privilégios, senão o monopólio concedido a Companhia de Navegação do Amazonas, fundamentado na ideia de preservar a soberania nacional frente aos interesses estrangeiros. Em suas cartas, Bastos não negou a importância do empreendimento de Mauá, uma “ideia patriótica”. Mas afirma que o próprio barão “reconhece certamente que trancar o Amazonas é impor às nossas ricas províncias do equador e às Repúblicas vizinhas a lei do monopólio da florescente e poderosa companhia de navegação fundada em 1852”.658 É evidente que ao referir-se ao “monopólio”, o Solitário faz menção as vantagens da Companhia de Mauá em relação a quaisquer outras companhias, especialmente pelo capital empenhado e seu fundo de reserva. Em seus termos: A subvenção que o estado lhe paga anualmente achar-se, portanto, em grande desproporção. Só isto basta para a companhia prosperar. Ela está garantida por isso e por um contato solene. Pode-se, pois, afirmar que tal subvenção importa tanto como um privilégio. Atualmente o vale do Amazonas é para essa Companhia o mesmo que o Indostão foi para as Índias: ela navega-o, explora- o, compra, vende, governa.659 O ataque contundente de Bastos a Mauá pesava justamente sobre sua vinculação com o Estado e os benefícios excessivos que recebia, fazendo com que qualquer outro empresário que visava participar da concorrência não tivesse condições de fazê-lo. Era

656 REIS, 1970, p. 17. 657 GREGÓRIO, 2008, 182-183. 658 BASTOS, 1863, p. 315. (carta XXVII). Grifo nosso. 659 Ibid. Id. 199

momento de uma atitude definitiva sobre o Amazonas, mas especialmente, sobre a maneira com que o Império lidava com o “dinheiro público”. Esta nos parece ter sido a questão substancial apreciada pela Câmara na sessão de 1864, seja em relação ao Amazonas, ou à linha Rio-Nova Iorque, que tratamos anteriormente. Se Mauá considerava Zacarias um adversário poderoso que tentava boicota-lo, nesta circunstância Tavares Bastos se mostrou um grande opositor. A despeito do que o barão pensava, segundo Reis, Zacarias não era contrário a companhias de navegação: “o presidente Zacarias de Góes e Vasconcelos, em 1844, no relatório que apresentou à Assembleia Provincial, insistia no assunto, assinalando-o como o de necessidade premente da Província. Em 1854, o legislativo regional autorizava uma subvenção de 10:000$000 à companhia que se encarregasse do empreendimento”.660 Contudo, Zacarias não pactuava com acertos quase privados entre “homens de negócios” e “políticos”, conforme Mauá fizera nos anos 1850, inclusive com figuras agora integradas aos chamados conservadores “puros” ou “emperrados”, com o objetivo de obter altas quantias do Tesouro para seus empreendimentos quando, a situação financeira do Império aspirava cuidado. A questão da navegação do Amazonas não se resolveu em 1864, tendo sido mesmo motivo forte, conforme vimos, da queda do segundo gabinete Zacarias. Por isso, Tavares Bastos continuou a fazer, nos anos seguintes, o papel de algoz de Mauá, minando suas chances de negócio. Também continuou acreditando que “se a abertura do Amazonas é uma grande medida, não ficará todavia completa sem o estabelecimento de uma linha de vapores entre New-York e o Rio de Janeiro”,661 enquanto Zacarias esperava sua chance de retornar ao poder para encaminhar esta e outras questões. Com a queda de Zacarias em agosto, ele foi substituído pelo liberal histórico Francisco Furtado (31 de agosto de 1864), que, contudo, não conseguiu estabilizar os conflitos internos da Liga e preservar seu gabinete por muito tempo. Hélio Vianna argumenta que “não era sem divergências íntimas que a Liga ia caminhando, ao mesmo tempo que dificuldades econômicas, a crise comercial de 1864, e as externas, como a Questão Christie, as Guerras no Uruguai e com o Paraguai, pareciam aconselhar a maior conveniência de governos mais fortes, que se não deixassem prender pelos dissídios simplesmente partidária”.662 Ademais, o “Pânico

660 REIS, 1942, p. 42. 661 BASTOS, 1862, p. 333. Grifo nosso. 662 VIANNA, 1977, p.484. 200

de 1864”, como ficou conhecida a quebra da Casa A. J. Alves Souto & Cia., exigiu rápida intervenção governista663 e abalou profundamente a administração Furtado.664 O Imperador então convocou mais uma vez Olinda para formar um novo gabinete, o 21º ministério do Segundo Reinado, que foi denominado gabinete das “Águias”. O título inspirou-se no fato de ter reunido experientes nomes da política imperial de diversa origem política, a exemplo de Nabuco de Araújo, Saraiva, Carrão, Dias de Carvalho, Silva Ferraz e Paula e Souza. Não obstante a credibilidade do ministério em virtude do histórico de seus membros, “falava-se em duplicidade e mesmo pluralidade de direção: o Governo não era uno, pois cada Ministro se julgava com autonomia”.665 Assim, logo vieram as críticas e falta de apoio. O adiamento da Assembleia Geral para 4 de março de 1866 colocou um ponto final nesta administração. D. Pedro II então recorreu novamente a uma convocação de Zacarias, que só se foi aceita mediante a insistência do Imperador em 3 de agosto de 1866, conforme revelou aquele político, ao amigo Saraiva: Neste momento (1/2 dia) chego de São Cristóvão. Declarei a S.M. que, a vista [ilegível] da Câmara, não posso de modo algum organizar o novo gabinete. Ele porém insiste com que o faça e retirei-me prometendo voltar a noite àquele Paço.666

Apesar de administrações conturbadas, a proposta da linha Rio-Nova Iorque e a questão da navegação do Amazonas continuaram a tramitar na Câmara e no Senado, embora interrompidas várias vezes pelos recessos e adiamentos dos trabalhados legislativos. Não por coincidência, retornaram a pauta para um veredito final em 1866. Como destaca Eide Abrêu, a proposta da linha Rio-Nova Iorque foi aprovada em terceira discussão na Câmara em 19 de maio de 1865. No Senado, o projeto se deparou com resistências dos ingleses e do visconde de Itaboraí, mas com apoio enfático de Nabuco de Araújo, que em conjunto a Tavares Bastos, agiu pela United States and Brazilian Mail Steamship Co. gerenciada por J. Navarro. A proposta foi aceita em 28 de junho de 1865 e a companhia de J. Navarro obteve aprovação do contrato em 17 de fevereiro de 1866, ainda na administração Olinda.667 Já a questão do Amazonas e a derrota das pretensões de Mauá, se deram no governo Zacarias, pelas mãos do ministro da Agricultura, Antônio Coelho de Sá e Albuquerque.

663 PELÁEZ; SUZIGAN, 1981, p.104-105. 664 IGLÉSIAS, 2004, p.122. 665 Id. Ibid. 666 IHGB. Carta de Zacarias de Góes e Vasconcellos a José Antônio Saraiva. Rio de Janeiro, 2 de agosto de 1866. Coleção Saraiva. DL 270.48, doc.9. 667 ABRÊU, 2011, p.267-270. 201

No intuito de promover o engrandecimento do Império, facilitando cada vez mais as suas relações internacionais, e animando a navegação e o comércio do rio Amazonas e seus afluentes, dos rios Tocantins e São Francisco, ouvido Meu Conselho de Estado, Hei por bem decretar o seguinte; Art. 1º. Ficará aberta, desde o dia 7 de setembro de 1867, aos navios mercantes de todas as nações, a navegação do rio Amazonas até a fronteira do Brasil, do rio Tocantins até Cametá, do Tapajós até Santarém, do Madeira até Borba, e do rio Negro até Manaus.668

Na data de comemoração do quadragésimo sexto aniversário da Independência do Império, o Conselho de Estado convocado pelo Imperador para deliberar sobre a questão concluiu seus trabalhos e lavrou o Auto de Abertura dos rios Amazonas, Tocantins, Tapajós, Maneiro e rio Negro669, colocando fim aos debates transcorridos desde a década de 1840. A abertura também significava o cumprimento de um importante ponto do programa do grupo progressista, que a esta altura já se encontrava enfraquecido e fragmentado após sucessivos enfrentamentos intrapartidários. Nesta circunstância, Zacarias possuía desafios maiores que o da navegação comercial. Apesar do gabinete de 1866 ser o mais longevo sob sua administração, enfrentava problemas muito complexos, em virtude da Guerra do Paraguai, que o fizeram soçobrar em 1868 frente a novos “temporais pelos altos poderes”, desta feita gerados pelo conflito de opinião, com o poderoso Caxias, sobre a condução da guerra. Encerrava-se assim sua trajetória no Conselho de Ministros, mas se abriam outros campos de combate, tanto no Senado quanto à frente de uma reforma do Partido Liberal.

668 BRASIL. Coleção de Leis do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1866. (tomo XXIX, parte II). p.362 669 AN. Auto de abertura dos rios Amazonas, Tocantins e outros à navegação comercial das nações amigas do Brasil. BR RJANRIO 1R.COD.0.760, v.2. 202

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por intermédio do percurso político de Zacarias de Góes e Vasconcellos entre o final da década de 1850 e início dos anos 1860, esta dissertação demonstrou seu perfil de estadista e seu desempenho na situação particularmente complexa da Liga Progressista. Abordou, especialmente, os desacordos existentes entre as várias frações desta agremiação, que teve pretensões de ser um novo partido político, no que se refere aos negócios de controle do Estado. Inicialmente destacou-se as fragilidades do Partido Conservador no que diz respeito à coesão partidária ao longo da década de 1850, na Corte e nas províncias. Também, o progressivo afastamento de importantes figuras do núcleo conservador “puro”, a exemplo Zacarias, Nabuco de Araújo, Saraiva e Sá e Albuquerque. Demonstra como estas fragilidades acabaram contribuindo para a formação de uma terceira via política para de ascender ao poder, denominada por Liga Progressista, ou até mesmo Partido Progressista. A Liga, constituída de conservadores e liberais “moderados” já nas exéquias do gabinete conservador Caxias-Paranhos (2 de março de 1861) perdurou até meados de 1868, período caracterizado por contestação às práticas políticas partidárias até então vigentes e pela controvérsia entre seus membros. Diferente da interpretação que associa este agrupamento político às formas de atuação e ao contexto da Conciliação praticada por Honório Hermeto Carneiro Leão, marquês de Paraná, no princípio dos anos 1850 – momento de domínio conservador quase absoluto na Câmara – acreditamos na singularidade e complexidade da situação estabelecida pela Liga na década de 1860. Nesse sentido, entendemos que essa década se caracterizou pela força política dos liberais na Câmara e pela emergência de diferentes percepções dos procedimentos liberais, seja entre membros oriundos do Partido Liberal, como do Partido Conservador. Nosso argumento é que enquanto os ministérios dos anos 1850 se empenhavam no prosseguimento de uma precária tentativa de prolongamento da Conciliação, majoritariamente dominada por políticos conservadores, a Liga contabilizou o crescimento parlamentar dos liberais e os consequentes enfrentamentos entre suas distintas frações. Nestes termos, a queda do segundo gabinete Zacarias (15 de janeiro de 1864), quando se discutia uma linha de vapores que ligava o Rio de Janeiro a Nova Iorque, demonstra não apenas às cisões dos segmentos conservadores que a compunham, mas também a pressão liberal enfrentada por esse governo. 203

Em 1864, notabiliza-se o estilhaçamento da “união”, depois “fusão” partidária apregoada por Zacarias de Góes na forma do Partido Progressista. Observa-se divergências em todo o transcurso de sua administração e a inabilidade do presidente do Conselho e de seus ministros em administrar os conflitos, estabelecendo-se uma situação singularmente complicada que opunha um Parlamento multifacetado e o gabinete. O que se assiste em agosto de 1864 é o questionamento da habilidade do Poder Executivo em administrar o “dinheiro público” e a demonstração do poderio do Legislativo perante uma gestão vacilante. Ao mesmo tempo que liberais “históricos”, a exemplo de Lopes Neto e Urbano Sabino, se associavam aos conservadores “puros” para criticar Zacarias, os liberais “ligueiros” disputavam entre si, e com membros provindos do Partido Conservador, a exemplo de Tavares Bastos, o poder e as concessões e financiamentos proporcionados pelo Estado monárquico. Tal fato pode ser exemplificado com a divergência entre os liberais José Bonifácio, o moço, e Martinho Campos, próximo de Tavares Bastos, na fatídica sessão em que se discutia a abertura da navegação a companhias estrangeiras, a qual resultou na demissão do ministério 15 de janeiro de 1864. Até então, Bonifácio e Campos pareciam partilhar uma relação harmoniosa, como explicamos na circunstância da indicação de Bonifácio ao cargo de ministro dos Negócios do Império, intermediada por Campos, embora, tenazmente combatida pela ala “histórica” dos liberais. Não obstante, pouco mais de seis meses após as negociações para composição do governo, o debate entre ambos na Câmara rompeu a suposta “unidade” liberal, o que pode indicar que não apenas conservadores litigavam por espaço na administração e pela participação nos negócios do Estado. Se, por um lado, Zacarias atuara no sentido de cindir o Partido Conservador e aproximar os dissidentes do Partido Liberal, por outro, sua imobilidade perante as demandas da Liga e da própria Câmara dos Deputados, sem ao menos um pronunciamento pacificador, foi um catalizador de rupturas que provinham de todos os lados e culminaram no estilhaçamento da Liga Progressista. Ademais da fragmentação e desestabilização do grupo progressista, esclarecemos neste estudo o imbricamento entre a política e o encaminhamento dos interesses privados por meio do delineamento de dois perfis, que apesar de conflitantes, compuseram o cenário político do Império nos anos 1860: o conservador dissidente Zacarias de Góes e o liberal barão de Mauá. Profissional do direito, formado na Academia de Olinda e pertencente a uma geração que se dispôs a estruturar a Monarquia constitucional após a Regência, a trajetória de Zacarias está entremeada à história do Segundo Reinado, especialmente aos “negócios do Estado” como retrata este opúsculo publicado quando do seu falecimento em 1877: 204

A tribuna parlamentar foi o ponto de apoio em que ele se firmou para elevar- se aos mais altos cargos do Estado sem outro auxílio mais que seus merecimentos, e o seu nome acha-se vinculado a quase toda legislação contemporânea do Brasil nas discussões em que tomou parte em uma ou outra Câmara por ocasião da apresentação dos projetos de leis. Parlamentar da melhor escola, os seus discursos são modelos das boas doutrinas constitucionais. Se ambicionou o poder, foi pelo bem que ele julgava prestar ao seu país; nunca, porém sacrificou os seus princípios ao apego dessa suprema magistratura todas as vezes que suas opiniões se achavam em desacordo com os outros poderes constituídos. [...] O futuro dirá até onde a sua falta foi sensível aos negócios do Estado.670

Magistrado e político por profissão, cultivou afinidades com d. Pedro II que, no atribulado contexto dos anos 1860, lhe confiou três presidências do Conselho de Ministros, colocando-o ao lado do marquês de Olinda como um dos egrégios políticos dos denominados “anos de poder progressista”. Ferrenho opositor na Câmara e homem de poucas amizades, Zacarias dedicou sua vida à burocracia e à política partidária, não vendo com bons olhos políticos que se valiam de outras performances para ascensão nos círculos de poder. Se Zacarias construiu carreira fundada em princípios liberais, alinhada à administração pública, em outra posição, Irineu Evangelista de Souza, barão e depois visconde de Mauá, cresceu econômica e socialmente valendo-se também de orientações inscritas na prática liberal. Assim, explorou fase de recursos abundantes no Império, após a abolição do tráfico, em que o Estado, visando um aparelhamento da infraestrutura no campo das comunicações, interessou-se em construir parcerias com a iniciativa privada. Apesar de sempre filiado ao Partido Liberal, Mauá valeu-se de seu trânsito entre os conservadores para implementar muitos negócios naquela especialidade (Quadro 5, p.174), e prosperar financeira e politicamente, mormente na década de 1850, momento da hegemonia conservadora. Nos anos 1860, contudo, observamos uma disputa mais acirrada para a participação em empreendimentos que contavam com subsídios do Estado. Assim, a prevalência de Mauá passa então a ser questionada e a ter dificuldades, pois ganha proeminência a ideia de uma abertura das empresas de navegação do Império à concorrência de investidores estrangeiros. Nesse embate, ganha destaque a atuação de políticos brasileiros, como Tavares Bastos e Nabuco de Araújo que, especialmente após a “Questão Christie”, também fazem oposição à prevalência dos investidores ingleses no Império, justamente os principais aliados de Mauá nos negócios. Buscando alternativas de negócios durante a administração progressista, vários políticos da Liga, a exemplo do liberal Martinho Campos e dos conservadores dissidentes

670 MACHADO, Manoel Joaquim Alves; RABELLO, Manoel José. O senador Zacarias de Góes e Vasconcellos julgado pela imprensa do seu paiz na ocasião do seu falecimento. Porto: Typ. Lusitana, 1879. 205

Nabuco de Araújo e Tavares Bastos, contestaram contratos antigos como os realizados pelo liberal Mauá, e apoiaram a expansão das relações empresariais do Império com outras nações, particularmente, conforme bem expôs Eide Abreu, com os Estados Unidos. Demonstramos como estas fraturas internas à Liga se revelaram no momento da discussão sobre a concessão da linha entre o Rio de Janeiro e Nova Iorque e abertura do rio Amazonas, quando Mauá disputou com empresários norte-americanos. Nessa circunstância, expuseram-se com clareza as “múltiplas faces” do entendimento liberal sobre as relações entre política e negócios congregadas na Liga, certamente uma das razões de sua desagregação poucos anos depois, em 1868.

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REFERÊNCIAS

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COLEÇÃO SALDANHA MARINHO

CP/SM/CÓD. 41-1-48. Correspondência de Saldanha Marinho com parlamentares e amigos. (1865-1878)

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2. ARQUIVO HISTÓRICO DO MUSEU IMPERIAL DE PETRÓPOLIS/RJ

ARQUIVO DA CASA IMPERIAL DO BRASIL – Pedro de Orleans e Bragança (POB) Diários do imperador d. Pedro II, v.3. Viagem à costa leste- 2ª parte (Pernambuco). 19/11 a 23/12/1859.

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207

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Maço 127, Documento 6325. Carta de Ângelo Muniz da Silva Ferraz à d. Pedro II, 29 de novembro de 1859.

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3. ARQUIVO NACIONAL

FUNDO CONSELHO DE ESTADO

BR RJANRIO 1R.COD.0.760, v.1- Auto de abertura dos rios Amazonas, Tocantins e outros à navegação comercial das nações amigas do Brasil.

BR RJANRIO 1R.COD.0.760, v.2. -Auto de abertura dos rios Amazonas, Tocantins e outros à navegação comercial das nações amigas do Brasil

4. INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO 208

COLEÇÃO MAUÁ DL 513.9. Carta do barão de Mauá à Ricardo José Ribeiro. Montevidéu, 4 de novembro de 1863.

COLEÇÃO SARAIVA DL 270.46. Carta de Zacarias de Góes e Vasconcellos a José Antônio Saraiva. Rio de Janeiro, 10 de agosto de 1862.

DL 270.47. Carta de Zacarias de Góes e Vasconcellos a José Antônio Saraiva. Rio de Janeiro, 22 de dezembro de 1862.

DL 270.47. doc.6. Carta de Zacarias de Góes e Vasconcellos a José Antônio Saraiva. Rio de janeiro, 6 de setembro de 1863.

DL. 270.48. doc.1. Carta de Zacarias de Góes e Vasconcellos a José Antônio Saraiva. Rio de Janeiro, 08 de fevereiro de 1864.

DL 270.48. doc.2. Carta de Zacarias de Góis e Vasconcellos a José Antônio Saraiva. Rio de Janeiro, 6 de setembro de 1864.

DL 270.48. doc.9. Carta de Zacarias de Góis e Vasconcellos a José Antônio Saraiva. Rio de Janeiro, 2 de agosto de 1866.

SÉRIE PRODUÇÃO INTELECTUAL DE HÉLIO VIANNA DL 1361.014. Instruções de d. Pedro II aos presidentes do Conselho. Acréscimos às Biografias de D. Pedro I e D. Pedro II (Parte II).

A.2. Fontes Impressas

1. Publicações oficiais e relatórios

BRASIL. Câmara dos Deputados. Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Senhores Deputados. (1858-1866).

BRASIL. Câmara dos Deputados. Organisações e programmas ministeriaes desde 1822 a 1889: notas explicativas sobre moções de confiança, com alguns dos mais importantes Decretos e Leis, resumo historico sobre a discussão do Acto Addicional, Lei de Interpretação, Codigo Criminal, do Processo e Commercial, lei de terras, etc., etc., com varios esclarecimentos e quadros estatísticos. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Regimento interno da Camara dos Deputados. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1857.

209

BRASIL. Câmara dos Deputados. Regimento interno da Camara dos Deputados acompanhado do Regimento Comum, Constituição Política do Império, Acto Addicional, Lei de Interpretação, Lei de Responsabilidade dos Ministros e dos Conselheiros de Estado. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1881.

BRASIL. Coleção de Leis do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1850, 1851, 1860, 1863 e 1866.

BRASIL. Constituição política do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1824.

BRASIL. Fallas do Throno desde o ano de 1823 até o anno de 1889 acompanhadas dos respectivos Votos de Graças da Camara Temporaria. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889.

BRASIL. Ministério da Agricultura. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na primeira sessão da décima primeira legislatura pelo ministro e secretário de Estado do Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1861.

BRASIL. Ministério da Agricultura. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na segunda sessão da décima primeira legislatura pelo ministro e secretário de Estado do Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1861. BRASIL. Ministério da Agricultura. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na primeira sessão da décima segunda legislatura pelo ministro e secretário de Estado do Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Rio de Janeiro: Typographia Perseverança, 1864.

BRASIL. Ministério da Agricultura. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na terceira sessão da décima segunda legislatura pelo ministro e secretário de Estado do Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1865. BRASIL. Ministério da Agricultura. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na primeira sessão da décima terceira legislatura pelo ministro e secretário de Estado do Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Rio de Janeiro: Typographia Perseverança, 1867.

BRASIL. Ministério da Fazenda. Aditamento ao relatório do ministério da Fazenda apresentado à Assembleia Geral Legislativa em 8 de maio de 1863. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1864.

BRASIL. Ministério da Fazenda. Proposta e relatório do ministério da Fazenda apresentados a Assembleia Geral Legislativa da segunda sessão da décima segunda legislatura. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1864.

BRASIL. Senado. Anais do Senado do Império do Brasil. Secretaria Especial de Editoração e Publicações - Subsecretaria de Anais do Senado Federal. 1862. 210

BRASIL. Senado. Regimento interno do Senado acompanhado do Regimento Comum, dos quadros demonstrativos da abertura e encerramento da Assembleia Geral Legislativa, e das prorrogações, convocações extraordinárias, adiamentos da Assembleia Geral, bem como da dissolução da Câmara dos Deputados, e do quadro dos senadores do Império do Brazil, desde o anno de 1826 até o de 1883. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1883.

2. Almanaques e periódicos

2.1. ARQUIVO EDGARD LEUENROTH (AEL)

AEL. Jornal do Commercio. Rio de Janeiro.1864.

2.2. FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL (FBN)

COLEÇÃO JOSÉ CARLOS RODRIGUES FBN. I-03, 11, 009 - Catálogo da Livraria de Zacarias de Góes e Vasconcelos a ser leiloado.

HEMEROTECA DIGITAL BRASILEIRA FBN. A Formiga. Rio de Janeiro. 1862-1863.

FBN. Constitucional. Rio de Janeiro. 1864.

FBN. Correio Mercantil. Rio de Janeiro. 1858-1866.

FBN. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 1858-1866.

FBN. Fluminense. Rio de Janeiro. 1864.

FBN. Jornal do Commercio. Rio de Janeiro. 1857-1866.

FBN. Semana Illustrada. Rio de Janeiro. 1864.

3. Bibliografias e dicionários

BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Diccionario bibliographico brasileiro. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1883-1902. (v.1-7)

211

BOULANGER, Luiz Aleixo (Org.). Demonstração das mudanças de ministros e secretários de estado do Imperio do Brasil de 1822-1863. Rio de Janeiro: E. & H. Laememert, 1864.

GALVÃO, Miguel Archanjo. Relação dos cidadãos que tomaram parte no governo do Brazil no periodo de março de 1808 a 15 de novembro de 1889. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1894.

GUIMARÃES, Lúcia Maria Paschoal. Partidos Políticos. In: VAINFAS, Ronaldo. (Org.). Dicionário do Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

NEVES, Guilherme Pereira das. Questão Religiosa. In: VAINFAS, Ronaldo. (Org.). Dicionário do Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

4. Livros

ALENCAR, José de. Escritos políticos; Cartas de Erasmo; A corte do leão; A festa macarrônica. Brasília: Senado Federal, 2011 [1866].

ALENCAR, José de. Os partidos. Rio de Janeiro: Typ. De Quirino & Irmão, 1866.

ALMEIDA, Tito Franco de. A grande política. Balanço do Império no Reinado actual: liberais e conservadores. Estudo político-financeiro. Rio de Janeiro: Imperial Instituto Artístico, 1877.

ALMEIDA, Tito Franco de. O conselheiro Francisco Furtado: biographia e estudo de História política contemporânea pelo conselheiro Tito Franco de Almeida. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1867.

ANTAS, José Baptista de Castro Moraes. O Amazonas: breve resposta à memória do tenente da Armada Americana-Inglesa F. Maury sobre as vantagens da livre navegação do Amazonas. Rio de Janeiro: FUNAG/CHDD, 2013. [1854]

ASSIS, Machado de. O Futuro. Campinas: Editora da Unicamp, 2014.

ASSIS, Machado de. O velho senado. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2004 [1898].

BASTOS, Aureliano Cândido Tavares. Cartas do solitário: estudos sobre Reforma administrativa, Ensino Religioso, Africanos livres, Tráfico de escravos, Liberdade da cabotagem, Abertura do Amazonas, Communicações com os Estados Unidos, etc. Rio de Janeiro: [s/i], 1863. [1862].

CARREIRA, Liberato de Castro. História financeira e orçamentária do Império do Brasil desde a sua fundação precedida de alguns apontamentos acerca da sua Independencia. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889.

212

CHRISTIE, William D. Notes on Brazilian Question. London, Cambrigde: Macmillan and Co, 1865.

DEIRÓ, Pedro Eunápio da Silva. Estadistas e parlamentares. por Timon [pseud.]. Rio de Janeiro: Molarinho & Mont'Alverne, 1883.

FRANCO, Bernardo de Souza. Os Bancos do Brasil: sua história, defeitos da organização actual e reforma do systema bancário. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1848.

GAMA, João de Saldanha da. Escriptos ao povo. Rio de Janeiro: Typ. Universal de Laemmert, 1868.

MACHADO, Manoel Joaquim Alves; RABELLO, Manoel José. O senador Zacarias de Góes e Vasconcellos julgado pela imprensa do seu paiz na ocasião do seu falecimento. Porto: Typ. Lusitana, 1879.

MELO, Américo Brasilense de Almeida e. Os programas dos partidos e o 2º Imperio. São Paulo: Typ. de Jorge Seckler, 1878.

MOSSÉ, Benjamin. Dom Pedro II, Imperador do Brasil: o Imperador visto pelo barão do Rio Branco. Brasília: Funag, 2015 [1889].

NABUCO, Joaquim. Um Estadista do Império: Nabuco de Araújo: sua vida, suas opiniões, sua época, por seu filho Joaquim Nabuco. t.2. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1897.

PIMENTA BUENO, José Antônio. Direito Público Brazileiro e analyze da Constituição do Império. Rio de Janeiro: Typographia Imp. e Const. de J. Villeneuve & C., 1857.

RIBEIRO, Domingos Antonio Alves. Um Conto Político: acontecimentos parlamentares do segundo reinado a datar de 1863. Rio de Janeiro: Typ. Cosmopolita, 1879.

SILVA, João Manuel Pereira da. Memórias do meu tempo, pelo conselheiro João Manuel Pereira da Silva. Brasília: Senado Federal, 2003 [1895].

SISSON, Sébastien Auguste. (Ed.) Galeria dos brasileiros ilustres. v.1. Brasília: Senado Federal, 1999 [1861].

SOUZA, Irineu Evangelista de. Autobiografia (“Exposição aos credores”) seguida de “O Meio Circulante no Brasil”. (edição prefaciada e anotada por Cláudio Ganns). Rio de Janeiro: Topbooks, 1998.

SOUZA, Irineu Evangelista de. Exposição do Visconde de Mauá aos credores de Mauá & C e ao publico. Rio de Janeiro: Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve & C., 1878.

TAUNAY, Alfredo d'Escragnolle Taunay, Visconde de. Reminiscências. São Paulo: Melhoramentos, 1923. [1908].

VASCONCELLOS, Zacarias de Góes e. Da natureza e limites do poder moderador. Rio de Janeiro: N. Lobo Vianna, 1860. 213

VASCONCELLOS, Zacarias de Góes e. Da natureza e limites do poder moderador. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1862.

VIANNA, Hélio. D. Pedro I e D. Pedro II, acréscimos às suas biografias. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1966.

A.3. Fontes Iconográficas

1. ARQUIVO HISTÓRICO DO MUSEU IMPERIAL DE PETRÓPOLIS/RJ

ARQUIVO ZACARIAS DE GÓIS E VASCONCELOS (ZGV) III-8-1-Nº 196. Zacarias de Góis e Vasconcelos. Foto de Alberto Henschel. In: Brazileiros. Rio de Janeiro, 1886. (Museu Imperial/Ibram/MinC/nº 09/2017)

2. FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL (FBN)

COLEÇÃO BENEDICTO OTTONI FBN. (ARC.009,12,018 – Cartografia) VILLIERS DE L'ILE-ADAM, J. de. Carta topographica e administrativa das provincias de Gram Para e alto Amazonas erigida sobre documentos mais modernos. Rio de Janeiro, RJ; Paris, França: Garnier, 1850. 1 mapa, 43,5 x 63,5.

B. BIBLIOGRAFIA

B.1. Teses e dissertações universitárias

ÂBREU, Eide Sandra Azevêdo. O evangelho do comercio universal: o desempenho de Tavares Bastos na liga progressista e no Partido Liberal (1861-1872). 2004. 402 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.

ALVES, Alessandro Cavassin. A província do Paraná (1853-1889): A classe política. A parentela no governo. 2014. 495 f. Tese (Doutorado) - Curso de Pós-graduação em Sociologia, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014.

ALVES, Walquiria de Rezende Tofanelli. Expectativas para a "nação portuguesa" no contexto da independência: o projeto de Joaquim José da Silva Maia (1821-1823). 2018. 214

231 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2018.

AUBERT, Pedro Gustavo. Entre as idéias e a ação: o visconde de Uruguai, o direito e a política na consolidação do Estado nacional (1850-1866). 2011. 201 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em História Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

BARBOSA, Silvana Mota. A Sphinge Monárquica: o poder moderador e a política imperial. 2001. 414 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001.

BITTENCOURT, Vera Lucia Nagib. Da alteza real a imperador: o governo do príncipe D. Pedro, de abril de 1821 a outubro de 1822. 2007. 394 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em História Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

BOTH, Amanda Chiamenti. A trama que sustentava o Império: mediação entre as elites locais e o Estado imperial brasileiro (Jaguarão, segunda metade do século XIX). 2016. 119 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.

ESTEFANES, Bruno Fabris. Conciliar o Império: Honório Hermeto Carneiro Leão, os partidos e a política de Conciliação no Brasil monárquico (1842-1856). 2010. 211 f. Dissertação (Mestrado) -Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

FERRAZ, Paula Ribeiro. O Gabinete da Conciliação: atores, ideias e discursos (1848-1857). 2013. 159 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2013.

FERREIRA NETO, Maria Cristina Nunes. Memória, política e negócios: a trajetória de Theophilo Benedicto Ottoni. 2002. 302 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós- graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002.

GAMBI, Thiago Fontelas Rosado. O banco da Ordem: política e finanças no império brasileiro (1853-1866). 2010. 527 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em História Econômica, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

HÖRNER, Erik. Em defesa da constituição: a guerra entre rebeldes e governistas (1838-1844). 2010. 376 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em História Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

215

PANIAGUA, Edson Romário Monteiro. A construção da ordem fonteiriça: grupos de poder e estratégias eleitorais na Campanha Sul-rio-grandense (1852-1867). 2012. 414 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em História, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2012.

PEREIRA, Renan Rivaben. Semana Ilustrada, o Moleque e o Dr. Semana: imprensa, cidade e humor no Rio de Janeiro do 2º Reinado. 2015. 188 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em História, Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Assis, 2015.

RAMOS, Rui Mateus. A visão do Barão de Mauá sobre a política externa brasileira no Rio da Prata: 1850-1865. 2009. 126 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós- graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2009.

SANTOS, Zeloi Martins dos. Visconde de Guarapuava: um personagem na história do Paraná. 2005. 208 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005.

SCANAVINI, João Eduardo Finardi Alvares. Anglofilias e anglofobias: percursos historiográficos e políticos da questão do comercio de africanos (1826-1837). 2003. 293 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003.

SINÉSIO, Daniel Jacuá. A Questão Christie e a atuação do secretário João Batista Calógeras (1862-1865). 2013. 147 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2013.

VARGAS, Jonas Moreira. Entre a paróquia e a Corte: uma análise da elite política do Rio Grande do Sul (1868-1889). 2007. 279 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós- graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.

B.2. Livros e obras gerais

ÂBREU, Eide Sandra Azêvedo. “Um pensar a vapor”: Tavares Bastos, divergências na Liga Progressista e negócios ianques. In: MARSON, Izabel Andrade; OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780-1860. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2013.

ÂBREU, Eide Sandra Azêvedo. O evangelho do comércio universal: Tavares Bastos e as tramas da Liga Progressista e do Partido Liberal (1861-1872). São Paulo: Annablume: FAPESP, 2011.

BALANDIER, Georges. O Poder em Cena. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982. [1980].

216

BARBOSA, Silvana Mota. “Panfletos vendidos como canela”: anotações em torno do debate político nos anos 1860. In: CARVALHO, J.M. (Org.). Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

BARBOSA, Silvana Mota. A Política Progressista: Parlamento, sistema representativo e partidos nos anos 1860. In: CARVALHO, José Murilo de; NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Repensando o Brasil do Oitocentos: cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.

BARBOSA, Silvana Mota. O Conselho de Ministros no Império do Brasil. Locus: Revista de História, Juiz de Fora, v. 13, n. 1, p.52-62, 2007.

BARMAN, Roderick J. Citizen Emperor: Pedro II and the making of Brazil, 1825- 91. Stanford, CA: Stanford University Press, 1999.

BATISTA, Antônio P. Figuras do Império e outros ensaios. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1934. [1931].

BESOUCHET, Lídia. O pensamento vivo de Mauá. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1944.

BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. [1949].

BOUÇAS, Valentim F. História da dívida externa da união. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio: Rodrigues & C., 1956.

BRESCIANI, Maria Stella Martins. O charme da ciência e a sedução da objetividade: Oliveira Vianna entre intérpretes do Brasil. São Paulo: Ed. UNESP, 2005.

CALDEIRA, Jorge. Mauá: empresário do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

CALDEIRA, Jorge. História da Riqueza no Brasil: cinco séculos de pessoas, costumes e governos. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2017.

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224

APÊNDICES 225

Apêndice A. Informações Biográficas

Nome Título Profissão Partido Cargos/Funções Deputado provincial na Bahia por várias legislaturas e deputado geral pela mesma província entre a 5ª e 7ª legislaturas. Foi inspetor da Alfândega da Corte em 1848. Ângelo Moniz da barão de Ocupou a presidência do Rio Grande do Sul de 1857 a 1859. Entre 1859 e 1861 SILVA FERRAZ URUGUAIANA Magistrado Conservador acumulou, no gabinete 10 de agosto de 1859, a presidência do Conselho de (1812-1867) Ministros e o ministério da Fazenda. Foi ministro da Guerra nos gabinetes 12 de maio de 1865 e 3 de agosto de 1866. Exerceu o cargo de senador do Império entre 1856 e 1867. Ângelo Tomás do Presidente das províncias do Amazonas (1857), Alagoas (1857, 1857-58, 1858- Amaral - Negociante Conservador 59) e Pará (1860-61). Deputado geral pela província do Amazonas na 11ª, 14ª e (1822-1901) 15ª legislaturas. Presidente das províncias da Paraíba (1851-53), Alagoas (1854), Pará (1859-60) Antônio Coelho de SÁ e Bahia (1862-64). Deputado geral pela província de Pernambuco entre a 10ª e a E ALBUQUERQUE - Bacharel Conservador 12ª legislaturas. Foi ministro dos Negócios Estrangeiros no gabinete 2 de março (1821-1868) de 1861 e no 3 de agosto de 1866. Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas no gabinete 24 de maio de 1864. Entre 1864 e 1868 exerceu o cargo de senador do Império. Deputado geral pela província de Pernambuco em diversas legislaturas. Antônio Francisco de Escolhido senador em 1838. Ministro da Fazenda no gabinete 4 de outubro de Paula de HOLANDA Visconde de 1830, no de 18 de março de 1831 e 3 de agosto de 1832. Ministro dos Negócios CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE Militar Liberal do Império no 3 de agosto de 1832. Ministro da Marinha no gabinete 24 de julho Albuquerque de 1840, no de 2 de janeiro de 1844, quando também assumiu a pasta da Guerra (1797-1863) e no de 2 de maio de 1846. Em 30 de maio de 1862 assumiu o ministério da Fazenda. Antônio Gonçalves BARBOSA DA - Bacharel Conservador Deputado provincial em São Paulo de 1850 a 1863. Deputado geral, CUNHA representando, a mesma província na 9ª, 10ª e 11ª legislaturas. * Deputado geral pela província de Minas Gerais entre a 1ª e 6ª legislaturas. Ocupou a presidência de Minas Gerais entre 1833 e 1834. Acumulou os ministérios da Justiça e dos Negócios do Império nos gabinetes 14 de outubro de Antônio Paulino 1835, 5 de fevereiro de 1836 e 26 de maio de 1845. Ministro da Justiça no LIMPO DE ABREU visconde de ABAETÉ Magistrado Liberal/ gabinete 24 de julho de 1840. Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Fazenda (1798-1883) Conservador no gabinete 8 de março de 1848 e 6 de setembro de 1853. Foi presidente do

* Não foi possível identificar o ano de nascimento e morte. 226

Conselho de Ministros no gabinete 12 de dezembro de 1858, quando acumulou o ministério da Marinha. Exerceu o cargo de senador do Império entre 1847 e 1883, ocupando a presidência do Senado entre 1861 e 1873. Benevenuto Augusto Deputado geral pela Bahia na 7ª, 8ª, 9ª e 11ª legislaturas. Exerceu a presidência de Magalhães das províncias do Rio Grande do Norte (1849), Maranhão (1857), Pernambuco TAQUES - Magistrado Conservador (1857-58) e Rio de Janeiro (1868-69). Foi ministro dos Negócios Estrangeiros no (1818-1881) gabinete 3 de março de 1861 e nomeado conselheiro de Estado em 1879. Deputado geral pelo Pará entre a 4ª e 8ª legislaturas. Presidiu as províncias do Pará (1839-40, 1841-42), Alagoas (1844) e Rio de Janeiro (1864-65). Ministro Bernardo de SOUZA visconde de SOUZA Bacharel Liberal dos Negócios Estrangeiros no gabinete 31 de maio de 1848 e da Fazenda no 31 FRANCO FRANCO de maio de 1848 e 4 de maio de 1857. Exerceu o cargo de senador do Império a (1805-1875) partir de 1855 e conselheiro de Estado a partir de 1859. Juiz de Fora em Pernambuco, onde passou à ouvidor. Durante a Independência foi eleito presidente do governo provisório e deputado constituinte pela mesma província. Primeiro presidente de Goiás, que o elegeu deputado geral para a 2ª Caetano Maria Lopes Visconde de legislatura. Foi também presidente de Alagoas (1822), Rio Grande do Sul (1829- Gama MARANGUAPE Magistrado Liberal 30). Escolhido senador e conselheiro de Estado pelo Rio de Janeiro em 1842. (1795-1864) Exerceu o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros no gabinete 1 de setembro de 1839 e 4 de maio de 1857; e da Justiça no de 2 de maio de 1846 e 30 de maio de 1862. Aposentou-se como ministro do Superior Tribunal de Justiça. Cândido MENDES Deputado geral pelo Maranhão entre a 8ª e 10ª legislaturas. Foi escolhido senador DE ALMEIDA - Bacharel Conservador em 1871. Destacou-se, junto a Zacarias de Góes, como defensor dos bispos (1818-1881) processados na Questão Religiosa da década de 1870. Primeiro diretor da estrada de ferro d. Pedro II e professor honorário da Academia CRISTIANO - Lente de Liberal de Belas Artes. Foi deputado provincial no Rio de Janeiro em 1835. Deputado Benedito OTTONI matemáticas geral por Minas Gerais na 7ª, 11ª, 12ª e 13ª legislaturas. Escolhido senador do (1811-1896) Império em 1880. DAVID José Martins Participou ativamente de diversas empreitadas militares ao longo do século XIX. CANABARRO - Militar Liberal Destaca-se seu papel na guerra Cisplatina (1825-28), na Revolução Farroupilha (1796-1867) (1835-45), nos conflitos envolvendo o Uruguai e a Argentina (década de 1850) e na guerra do Paraguai (1864-70). Chefe de polícia na Corte até 1844 e juiz de Direito. Deputado geral por diversas EUZÉBIO DE legislaturas e escolhido senador pela província do Rio de Janeiro em 1854. Foi QUEIRÓS Coutinho - Magistrado Conservador conselheiro de Estado e ministro da justiça no gabinete 29 de setembro de 1848. Matoso da Câmara Ficou conhecido pela lei que leva seu nome, de 4 de setembro de 1850, na qual (1812-1868) determinou-se o fim do tráfico negreiro e pelo Código Comercial do mesmo ano. Deputado geral por Pernambuco na 6ª e 7ª legislaturas e por Sergipe na 12ª. Felipe LOPES NETO Exerceu o cargo de ministro plenipotenciário na Bolívia no ano de 1865. (1814-1895) - Bacharel Liberal Participou da Revolução Praieira de 1848 e foi condenado a prisão perpétua. Em 227

1852 foi anistiado, passando a advogar até 1859, quando passou a residir na Europa. Filipe Bethbezé de Deputado provincial no Rio Grande do Sul entre 1856 e 1863 e em 1866. OLIVEIRA NERY - Militar Liberal Deputado geral na 12ª legislatura. Foi redator do Correio do Sul e líder do Partido (1820-1869) Liberal Progressista, fração gerenciada pelo barão de Porto Alegre. Francisco LIBERATO DE - Bacharel Liberal Presidente da província do Paraná entre 1857 e 1859. MATOS (1813-1892) Francisco Carlos de Deputado geral pelo Rio Grande do Sul na 9ª e 10ª legislaturas. Ministro da ARAÚJO BRUSQUE - Bacharel Liberal Marinha e da Guerra no gabinete 15 de janeiro de 1864. Foi presidente da (1822-1886) província de Santa Catarina (1859-61) e Pará (1861-63). Deputado geral entre 1834 e 1850. Foi nomeado senador do Império em 1851. Francisco Gonçalves Presidente da província da Bahia (1848-52 e 1868-71). Ministro dos Negócios do Martins Visconde de SÃO Magistrado Conservador Império no gabinete 11 de maio de 1852, quando participou de importantes (1807-1872) LOURENÇO negociações, a exemplo do desenvolvimento da primeira estrada de ferro no Brasil e a navegação a vapor no Amazonas. FRANCISCO Deputado geral pela província do Rio de Janeiro na 9ª, 10ª, 11ª e 12ª legislaturas. OTAVIANO de Tornou-se senador em 1867. Durante a Guerra do Paraguai foi ministro Almeida Rosa - Bacharel Liberal plenipotenciário e enviado extraordinário no Uruguai e Paraguai. (1825-1889) Deputado geral por Minas Gerais na 6ª legislatura, pelo Rio de Janeiro na 7ª, 8ª, 10ª e 11ª legislaturas. Ministro da Fazenda no gabinete 12 de dezembro de 1858 Francisco de SALES visconde de Médico/ Liberal/ e no de 29 de setembro de 1870. Presidente do segundo Banco do Brasil de 1866 TORRES HOMEM INHOMIRIM Bacharel Conservador a 1869. Exerceu o cargo de senador do Império representando a província do Rio (1812-1876) Grande do Norte a partir de 1870. Henrique Pedro Carlos de visconde de Presidente das províncias do Paraná (1855-56), Pará (1856-57) e Paraíba (1857- BEAUREPAIRE BEAUREPAIRE Militar Liberal 59). Ministro da Guerra no gabinete 31 de agosto de 1864. ROHAN ROHAN (1812-1894) Deputado pela província de Minas Gerais na 2ª e 3ª legislaturas. Ministro da Justiça no gabinete 13 de setembro de 1832 e no 20 de janeiro de 1843, quando Honório Hermeto acumulou os Negócios Estrangeiros. Presidente do Rio de Janeiro entre 1841 e Carneiro Leão marquês de PARANÁ Magistrado Conservador 1843 e de Pernambuco entre 1849 e 1850. Presidente do Conselho de Ministros (1801-1856) no gabinete 6 de setembro de 1853, quando acumulou a pasta da Fazenda. Exerceu o cargo de senador do Império e conselheiro de Estado a partir de 1842. Deputado geral pela província do Rio Grande do Sul na 10ª, 11ª, 12ª e 15ª legislaturas. Presidente do Banco do Brasil, privado, e destacado empreendedor, 228

Irineu Evangelista de Barão e depois Visconde Negociante Liberal a destacar: a Fundição e Companhia Estaleiro da Ponta da Areia, a Companhia Souza de MAUÁ de Iluminação a Gás, a Companhia de Navegação do Amazonas, a Estrada de (1813-1889) Ferro d. Pedro II e a Casa Bancária Mauá. ISRAEL Rodrigues - Deputado provincial no Rio Grande do Sul por diversas legislaturas. Deputado BARCELOS Bacharel Liberal geral pela mesma província na 7ª, 9ª e 11ª legislaturas. Foi membro do “partido (1817-1890) da Liga” no Rio Grande do Sul. Deputado provincial em Santa Catarina entre 1835 e 1847 (da 1ª a 6ª legislatura) Jerônimo Francisco e deputado geral pela mesma província na 4ª, 5ª, 6ª e 10ª legislaturas. Foi Coelho - Militar Liberal presidente do Pará entre 1848 e 1850 e do Rio Grande do Sul entre 1856 e 1857. (1806-1860) Exerceu o cargo de ministro da Marinha no gabinete 2 de fevereiro de 1844 e da Guerra nos gabinetes 2 de fevereiro de 1844 e 4 de maio de 1857. Jerônimo José Deputado geral pela província do Rio de Janeiro em diversas legislaturas. Foi TEIXEIRA JÚNIOR Visconde do Bacharel Conservador diretor da estrada de ferro d. Pedro II e diretor do Banco do Brasil. Ocupou (1830-1892) CRUZEIRO cadeira no Senado em 1873 e foi ministro da Agricultura no gabinete 29 de setembro de 1870. João JACINTO DE Deputado provincial no Rio Grande do Sul por diversas legislaturas. Em 1851 e MENDONÇA - Médico Conservador 1857 foi vice-presidente e em 1857 presidente da Assembleia. Na Câmara dos (1817-1869) Deputados participou da 9ª, 10ª e 14ª legislaturas. Foi presidente da província de São Paulo entre 1861 e 1862. João José de Oliveira Deputado geral e provincial pela Bahia em diversas legislaturas. Escolhido JUNQUEIRA - Magistrado Conservador Senador em 1873. Foi presidente das províncias do Piauí (1857-58), Rio Grande JÚNIOR do Norte (1859-60) e Pernambuco (1871-72). Ministro da Guerra nos gabinetes (1832-1887) 7 de março de 1871 e 20 de agosto de 1885. Presidente das províncias de Alagoas (1838, 1840), de Sergipe (1841) e do Rio João Lins Vieira Grande do Sul (1852-55). Foi ministro residente no Uruguai em 1843, deputado CANSANÇÃO DE provincial por diversas legislaturas e deputado geral de 1842 a 1844 e de 1853 a SINIMBU Visconde de SINIMBU Magistrado Liberal 1856. Em 1857 foi escolhido senador. Ministro dos Negócios Estrangeiros no (1810-1906) gabinete 9 de agosto de 1859 e da Agricultura no 30 de maio de 1862. Exerceu o cargo de presidente do Conselho em 5 de janeiro de 1878, quando também serviu na pasta dos Negócios Estrangeiros, da Guerra, da Agricultura e da Fazenda. Deputado geral pela província de Minas Gerais por variadas legislaturas. Em José Pedro DIAS DE 1842, comprometeu-se com a Revolução Liberal, depois preso e processado. Foi CARVALHO - - Liberal ministro dos Negócios do Império no gabinete 31 de maio de 1848 e da Fazenda (1805-1881) nos de 24 de maio de 1862, 15 de janeiro de 1864 e 12 de maio de 1865. Escolhido senador em 1861. Exerceu o cargo de presidente do Banco do Brasil entre 1857 e 1859 e presidente da província de Minas Gerais (1847-48). Deputado provincial no Rio Grande do Sul em várias legislaturas. Participou da João Pereira da Silva - Médico Conservador mesa diretora da Assembleia Legislativa como vice-presidente em 1869 e como BORGES FORTES 229

(c. 1816-1893) presidente em 1871 e 1872. Foi eleito deputado geral pela mesma província na 7ª legislatura. Joaquim Inácio SILVEIRA DA - Médico Liberal Deputado provincial em São Paulo entre 1850 e 1851. Eleito deputado geral pela MOTA província do Paraná na 11ª legislatura. (1818-1891) Deputado geral pelo Rio de Janeiro entre 1834 e 1844. Foi escolhido senador pela mesma província em 1844. Foi ministro da Marinha nos gabinetes 10 de julho de Joaquim José 1831, 13 de setembro de 1831, 17 de setembro de 1837, 18 de maio de 1840 e 20 RODRIGUES Visconde de ITABORAÍ Lente de Liberal/ de janeiro de 1843. Ocupou a pasta da Fazenda nos ministérios 29 de setembro TORRES matemáticas Conservador de 1848, 14 de julho de 1853 e 16 de julho de 1868. Presidiu o Conselho de (1802-1872) Ministros em duas oportunidades: gabinete 11 de maio de 1852 e 16 de julho de 1868. Foi presidente do Banco do Brasil (1855-57 e 1859) e inspetor geral de instrução pública. Deputado provincial por São Paulo na 3ª, 5ª (1844-45), 7ª (1848-49), 11ª (1856- 57), 12ª (1858-59), 13ª (1860-61), 14ª (1862-63) e 18ª (1870-71) legislaturas. Foi Joaquim Otavio vice-presidente da Assembleia entre 1840 e 1841 e presidente em 1857 e 1859. NÉBIAS - Magistrado Conservador Eleito deputado geral pela mesma província, ocupou o cargo na 5ª, 8ª, 9ª, 10ª, 11ª, (1811-1872) 12ª e 14ª legislaturas. Assumiu a presidência da Câmara dos Deputados em 1869 (14ª legislatura). Foi Ministro da Justiça no gabinete 16 de julho de 1868. Joaquim Raimundo Deputado geral variadas vezes pelo Mato Grosso. Presidente das províncias de de LAMARE Visconde de LAMARE Militar - Mato Grosso (1858-59) e Pará (1866-68). Foi ministro da Marinha no gabinete (1811-1889) 30 de maio de 1862 e 6 de junho de 1884. Foi nomeado senador e conselheiro de Estado em 1876. Deputado geral pela província do Ceará na 7ª legislatura, pelo Rio de Janeiro na Joaquim de 12ª, por Pernambuco na 13ª e pelo Amazonas na 17ª. Foi presidente da Câmara SALDANHA - Bacharel Liberal dos Deputados em 1866 (12ª legislatura), presidente de Minas Gerais por duas MARINHO vezes (1865-1866 e 1866-1867) e de São Paulo entre 1867 e 1868. Dedicou-se a (1816-1895) advocacia entre 1848 e 1860, quando assumiu o cargo de redator do Diário do Rio de Janeiro. João Capistrano Deputado geral pela província do Ceará entre 1838 e 1842, de 1850 a 1856, de BANDEIRA DE - Lente de Direito Conservador 1861 a 164 e em 1871. Foi escolhido senador em 1873. Presidiu a província de MELLO Alagoas entre 1848 e 1849, da Paraíba entre 1873 e 1875 e Minas Gerais de 1877 (1811-1881) a 1878. João da Silva Deputado geral por São Paulo em diversas legislaturas. Presidente da província CARRÃO - Lente de Direito Liberal do Pará entre 1857 e 1858 e de São Paulo entre 1865 e 1866. Foi ministro da (1814-1888) Fazenda 12 de maio de 1865. Em 1879 foi escolhido Senador do Império. Presidente das províncias do Mato Grosso (1836-38), e Rio Grande do Sul (1850). Deputado geral por São Paulo na 6ª legislatura. Foi ministro da Justiça e dos 230

Negócios Estrangeiros no gabinete 22 de maio de 1847 e 8 de março de 1848. Ministro dos Negócios Estrangeiros no gabinete 22 de maio de 1847 e presidente José Antônio do Conselho no gabinete 29 de setembro de 1870. Exerceu o cargo de conselheiro PIMENTA BUENO Visconde e depois Magistrado Conservador de Estado e senador do Império a partir de 1853. Foi juiz de Direito e juiz da (1803-1878) Marquês de São Vicente Alfândega de Santos, além de desembargador do Superior Tribunal de Justiça. Escreveu diversos livros de temáticas jurídicas, entre os quais se destaca Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império, publicado originalmente em 1857. Foi juiz municipal e procurador na Bahia. Ministro da Marinha no gabinete 4 de maio de 1857 e 12 de maio de 1865; da Guerra no gabinete 4 de maio de 1857 e 12 de maio de 1865; do Império no gabinete 2 de março de 1861; dos Negócios José Antônio Estrangeiros no gabinete 12 de maio de 1865; e da Fazenda e da Agricultura no SARAIVA - Magistrado Conservador gabinete 28 de março de 1880. Em 6 de maio de 1885 tornou-se presidente do (1823-1895) Conselho de Ministros, acumulando a pasta da Fazenda. Foi eleito deputado geral pela Bahia entre a 9ª e 13ª legislaturas. Foi escolhido senador do Império em 1869. Entre 1850 e 1853 foi presidente da província do Piauí, entre 1853 e 1854 e em 1856 de Alagoas e em 1859 de Pernambuco. No ano de 1864 participou de missão diplomática no Rio da Prata. José Caetano de Criador de gado e muares na região dos Campos Gerais da província do Paraná. Oliveira Barão de TIBAGI Proprietário - É pai de Jesuíno Marcondes de Oliveira e Sá, expoente líder liberal da mesma (1794-1863) região. Presidente das províncias do Piauí (1843-44), Minas Gerais (1848-50), Pernambuco (1850-51). Ministro da Justiça no gabinete 11 de maio de 1852 no José Idelfonso de Barão das Três Barras e 29 de setembro de 1870, e dos Negócios Estrangeiros no 2 de março de 1861. SOUZA RAMOS depois Visconde de Bacharel Conservador Deputado geral eleito pela província do Piauí na 6ª (1845-47) e pelo Rio de (1812-1883) Jaguari Janeiro na 8ª (1850-52) e 9ª (1853-56) legislaturas. Presidente da Câmara dos Deputados na 8ª (1850-52) legislatura. Foi nomeado conselheiro de Estado e Senador por Minas Gerais em 1853. José Francisco Cardoso - Bacharel Liberal Presidente da província do Paraná entre 1859 e 1861. (1830-1885) Professor jubilado da Escola Politécnica e honorário da Academia de Belas Artes. No gabinete 6 de setembro de 1853 foi ministro dos Negócios Estrangeiros e da Marinha. No de 12 de dezembro de 1858 acumulou a pasta dos Estrangeiros e da Guerra. Entre 1858 e 1859 foi presidente da província do Rio de Janeiro. No ministério de 2 de março de 1861 ocupou a Fazenda e no de 16 de julho de 1868 José Maria da Silva visconde de RIO Lente de Conservador os Estrangeiros mais uma vez. Em 7 de março de 1871 presidiu o Conselho de PARANHOS BRANCO Matemáticas Ministros acumulando o ministério da Fazenda. Participou como secretário da (1819-1880) Missão Especial no Rio da Prata em 1851, chefiada pelo marquês de Paraná. Foi 231

nomeado enviado plenipotenciário na Argentina, Uruguai e Paraguai. Eleito deputado pelo Rio de Janeiro e Sergipe em variadas legislaturas e escolhido senador pelo Mato Grosso em 1862. José Thomáz Promotor e juiz em Pernambuco. Exerceu advocacia na Corte e foi eleito NABUCO DE deputado geral em variadas legislaturas. Em 1850 foi escolhido para o Senado. ARAÚJO - Magistrado Conservador Presidiu a província de São Paulo em 1852 e foi ministro da Justiça nos gabinetes (1813-1878) do Império entre 1853 e 1859, retornando ao posto em 12 de maio de 1865. Deputado geral eleito pela província do Maranhão em 1842. Presidente das Luís Alves de Lima e províncias do Rio Grande do Sul (1851-55). Com a morte do marquês de Paraná, Silva Marquês, Conde e depois Militar Conservador passou à presidente do Conselho de Ministros em 3 de setembro de 1856, para (1803-1880) Duque de CAXIAS onde retornou em 2 de março de 1861. Ministro da Guerra nos gabinetes 6 de setembro de 1853, 2 de março de 1861 e 25 de junho de 1875. Foi escolhido senador em 1845. Luiz Alves Leite de Deputado provincial e geral pelo Rio Grande do Sul diversas diversas OLIVEIRA BELO - Magistrado Conservador legislaturas. Foi presidente da mesma província em duas oportunidades, entre (1817-1865) 1851 e 1852 e em 1855. Também presidiu o Rio de Janeiro entre 1861 e 1863. Manuel Antônio da Barão, Visconde e depois Deputado geral pela província do Rio Grande do Sul na 10ª legislatura. Dedicou Rocha Faria Conde de NIOAC Militar Liberal grande parte de sua vida a carreira na Marinha. (1830-1894) Deputado pela província do Rio Grande do Sul na 10ª, 11ª e 12ª legislaturas. Manuel Marques de Barão, visconde e depois Ministro da Guerra no gabinete 24 de maio de 1862. Foi fundador do Partido Souza Conde de PORTO Militar Liberal Liberal-Progressista no Rio Grande do Sul. Participou da Revolução Farroupilha, (1804-1875) ALEGRE participou das incursões brasileiras na bacia do Prata e na Guerra do Paraguai. MARTINHO Alvares - Deputado geral em diversas legislaturas. Foi escolhido senador e conselheiro de da Silva CAMPOS Médico Liberal Estado em 1882. Presidente do Rio de Janeiro entre 1881 e 1882. Presidente do (1816-1887) Conselho de Ministros em 21 de janeiro de 1882. Deputado constituinte pela Bahia, reeleito em variadas legislaturas. Foi ministro Miguel CALMON DU Visconde e depois da Fazenda nos gabinetes 20 de novembro de 1827, 19 de setembro de 1837 e a PIN e Almeida Marquês de ABRANTES Bacharel Conservador partir de 23 de março de 1841, ficando no cargo até janeiro de 1843. Ministro dos (1796-1865) Negócios Estrangeiros no gabinete 4 de dezembro de 1829 e 30 de maio de 1862. Foi escolhido senador do Império em 1840. Deputado geral pelo Rio de Janeiro em diversas legislaturas. Foi escolhido senador em 1849 e conselheiro de Estado, após longo período como juiz PAULINO José municipal e depois juiz de Direito na Corte. Foi presidente da província do Rio Soares de Souza Visconde de URUGUAI Magistrado Conservador de Janeiro entre 1836 e 1840. Ministro da Justiça no gabinete 18 de maio de 1840 (1807-1866) e 23 de março de 1841. Ministro dos Negócios Estrangeiros no 20 de janeiro de 1843 e 11 de maio de 1852. Escreveu importantes obras de conteúdo jurídico, destacando-se o Ensaio sobre o Direito Administrativo (1862) e Estudos Práticos sobre a Administração das Províncias no Brasil (1865). 232

Deputado nas Cortes Portuguesas e constituinte no Brasil, reelegendo-se em várias legislaturas. Em 1837 foi escolhido senador por Feijó e logo depois Pedro de Araújo marquês de OLINDA Bacharel Conservador nomeado como regente, cargo que ocupou até a maioridade de d. Pedro II. Lima Ocupou a posição de ministro por oito vezes, em gabinetes conservadores e (1793-1870) progressistas, sendo em quatro o presidente do Conselho (29 de setembro de 1848, 4 de maio de 1857, 30 de maio de 1862 e 12 de maio de 1865). PEDRO Rodrigues Deputado pela Paraíba na 5ª legislatura e pelo Rio Grande do Sul na 8ª e 9ª. Fernandes CHAVES barão de QUARAIM Magistrado Conservador Escolhido senador do Império em 1853. Líder do “partido da Liga” no Rio Grande (1810-1866) do Sul. Foi presidente da província da Paraíba entre 1841 e 1843. Polidoro da Fonseca QUINTANILHA Visconde de SANTA Militar Conservador Oficial-geral do exército brasileiro. Foi ministro da Guerra no gabinete 30 de JORDÃO TERESA maio de 1862. (1802-1879) Sérgio TEIXEIRA DE Agente diplomático em Paris, Lisboa e Roma. Foi deputado pelo município MACEDO - Bacharel Conservador neutro em 1856 e depois por Pernambuco (1861-64). Foi presidente da província (1809-1867) de Pernambuco entre 1856 e 1857. Foi ministro dos Negócios do Império no gabinete 12 de dezembro de 1858. Tito FRANCO DE Deputado provincial e geral em diversas legislaturas. Foi diretor do Diário do Rio ALMEIDA - Bacharel Liberal de Janeiro e da secretaria dos negócios da Justiça. (1829-1899) Deputado provincial e geral em variadas legislaturas. Em 1842 foi preso e TEÓFILO Benedito processado enquanto um dos chefes da Rebelião Mineira. Em 1850, como OTTONI - Bacharel Liberal suplente, recusou-se a assumir lugar na Câmara dos Deputados. Retirou-se da (1807-1869) vida pública e dedicou-se os negócios, a exemplo da navegação e colonização do Mucury. Foi escolhido senador em 1864. Fontes: BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Diccionario bibliographico brasileiro. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1883-1902. (v.1-7). BOULANGER, Luiz Aleixo (Org.). Demonstração das mudanças de ministros e secretários de estado do Imperio do Brasil de 1822-1863. Rio de Janeiro: E. & H. Laememert, 1864.BRASIL. Câmara dos Deputados. Organisações e programmas ministeriaes desde 1822 a 1889: notas explicativas sobre moções de confiança, com alguns dos mais importantes Decretos e Leis, resumo historico sobre a discussão do Acto Addicional, Lei de Interpretação, Codigo Criminal, do Processo e Commercial, lei de terras, etc., etc., com varios esclarecimentos e quadros estatísticos. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889. 233

Apêndice B. Principais assuntos apresentados e discutidos na Câmara dos Deputados (1864)

Setor Assunto Data de movimentação Alteração no regulamento do Banco do 26/06 Brasil Bancos de Crédito Mútuo 01/09 Comércio de Carnes Verdes/ Negócios do 01/02, 16/03, 01/04, 20/06, 11/08, Matadouro público 16/08 Companhias e sociedades anônimas 16/02 Bancos, comércio e Concessão de loterias 26/06, 05/07 finanças Emissão de apólices da dívida pública 27/07, 17/08 Emissão de notas do Banco do Brasil 18/01 Imposto do café 14/05 Lei Hipotecária e de crédito rural 06/04, 06/08 Leilões de escravos 04/02, 31/03, 05/04, 08/04 Reforma Bancária 01/04 Reforma do Código Comercial 05/03 Reforma do regulamento das Alfândegas 15/02, 01/04 Troca de notas do Tesouro 05/07, 21/07, 25/07 Código criminal militar e do processo 13/02, 16/06, 26/06, 05/08 criminal/ Código Militar 11/02, 24/02, 25/02, 29/02, 01/03, Fixação da Força Naval 02/03, 14/03, 16/03, 17/03, 18/03, 25/04, 06/05, 25/05, 25/07, 12/08, 16/08, 17/08, 18/08, 26/08, 27/08 Forças Militares 21/03, 30/03, 31/03, 06/04, 07/04, Fixação das Forças de Terra 06/05, 08/06, 09/06, 01/07, 04/08, 05/08, 10/08, 11/08, 19/08, 22/08, 24/08 Lei do Recrutamento 22/01 Regulamento para o Exército e a Guarda 21/03 Nacional 05/03, 23/04, 26/06, 28/06, 30/06, Companhia União e Indústria 01/07, 23/07, 25/07, 02/08, 04/08, 05/08 Companhia Brasileira de Paquetes à vapor 05/04, 19/04 Companhia de Navegação à vapor da 09/04, 25/04, 18/05, 02/06, 06/06, Bahia 23/06, 01/07 Companhia Pernambucana 05/03 Companhia de Pesca e Navegação na Ilha 15/02 de Trindade Estrada de ferro de Cachoeira e a Chapada 22/04 Diamantina (Bahia) 05/03, 09/04, 25/04, 06/05, 09/05, 14/05, 17/05, 18/05, 19/05, 20/05, Estrada de ferro d. Pedro II 23/05, 24/05, 25/05, 27/05, 01/06, 18/06, 20/06, 23/06, 26/06, 27/06, 28/06, 19/07, 20/07, 25/07, 03/09 Infraestrutura, Estrada de ferro de Maceió a Pernambuco 16/03 transporte e Estrada de ferro da província de São Paulo 05/03 comunicações Estrada de ferro de S. João D’El Rei a 26/01, 30/01 Goiás Estrada de Manés ao Rio Tapajós 29/01 Estrada Minas-Espírito Santo 31/03 Estrada de Rodagem São Paulo- Mato 30/07 Grosso 234

Fundação de duas colônias no Amazonas e 27/02 Pará Linha telegráfica entre o norte e o sul do 15/02, 01/02 Império Navegação entre o Brasil e os Estados 29/01, 22/04, 19/08, 29/08, 31/08, Unidos 01/09 Navegação de cabotagem 21/03, 28/04 Navegação do Rio São Francisco 30/01, 14/03, 06/04, 18/04 13/02, 19/02, 20/02, 18/03, 31/03, Navegação do Rio Amazonas/ Navegação 01/04, 07/04, 08/04, 22/04, 23/04, em rios do Pará e Amazonas 25/04, 27/04, 08/06, 09/06, 10/06, 11/06, 15/06, 16/06 Abolição da pena de morte 03/02, 28/05 Incompatibilidade dos Senadores e 30/01 Deputados Reforma das administrações provinciais/ 28/01, 30/01, 04/02, 06/02, 13/02, Aumento das atribuições dos presidentes 18/02, 29/02, 02/03, 03/03, 31/03 de província Reforma da Constituição 13/02, 25/02 25/01, 26/01, 13/04, 06/06, 11/07, Reforma Judiciária 13/07, 14/07, 15/07, 18/07, 19/07, Legislação 20/07, 21/07, 22/07, 25/07, 27/07, 28/07, 01/08, 02/08, 03/08, 04/08, Reforma da lei nº 1090 de 01/09/1860 05/03, 26/06 (furto de gado) Reforma do Regimento da Câmara/ 21/01, 22/01, 03/02, 11/02, 24/02, Reforma do Regimento Comum 10/03 Reforma do regulamento das Faculdades 05/03, 16/06 de Medicina e Direito Reforma do Processo Civil e Criminal 05/03, 10/03, 23/05, 18/08, 31/08 Reforma das qualificações dos votantes/ 04/02, 06/02, 07/03, 16/03, 07/05, Reforma eleitoral/ Negócios eleitorais 14/05, 18/06, 04/07 03/03, 04/03, 07/03, 08/03, 10/03, Ano financeiro 1864-1865 11/03, 08/04

Crédito suplementar ao ministério da 09/04, 15/04, 18/04, 19/04 Guerra Crédito suplementar ao ministério da 01/04, 09/04, 18/04, 19/04 Marinha Crédito suplementar ao ministério dos 24/05, 04/06, 10/06, 01/07, 24/08, Negócios do Império 26/08 Dívidas das Câmaras municipais 18/02 Dotação das altezas imperiais/ Credito 27/05, 03/06, 06/06, 08/06, 27/08, para casamento das altezas 31/08, 01/09 Empréstimo ao governo 20/02, 02/04, 09/04 Interpretação da lei orçamentária sobre 18/03 estabelecimentos pios Orçamento Orçamento do ministério da Agricultura, 27/04, 27/05, 28/05, 30/05,01/06, Comércio e Obras Públicas 02/06, 03/06, 04/06, 06/06

Orçamento do ministério da Fazenda 20/04, 10/06, 11/06, 13/06, 15/06

Orçamento do ministério da Guerra 04/06, 09/06, 10/06

Orçamento do ministério do Império 11/04, 13/04, 14/04, 15/04

Orçamento do ministério da Justiça 14/04, 18/04, 19/04, 20/04, 22/04 Orçamento do ministério da Marinha 06/05, 10/05, 11/05, 12/05, 16/05, 17/05 Orçamento do ministério dos Negócios 23/04, 27/04, 28/04, 29/04, 02/05, Estrangeiros 06/05 Proposta de Lei do Orçamento 1865-1866 07/05 235

Orçamento da receita geral do Império 11/06, 15/06, 16/06, 17/06, 18/06, 04/07, 05/07, 06/07, 07/07, 08/07 Contrato com o visconde de Barbacena 08/02, 24/02, 07/04, 11/08 Privilégios/ (minas de carvão de pedra) Concessões Mineração em terras diamantinas 17/02 Privilégio a Luiz Bouliech (mina de 22/04, 29/04, 16/06 carvão) Sociedade Montravel, Silveiro e Cia. 28/04, 02/05 Negócios de Minas Gerais 18/06 Questões Provinciais Negócios de Pernambuco 23/04 Negócios do Rio Grande do Norte 09/04, 23/04, 06/08 Relações Convenções consulares 22/08 Internacionais Missão especial à República Oriental do 20/04 Uruguai Elaborado a partir de: BRASIL. Câmara dos Deputados. Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Senhores Deputados. 1864.

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ANEXOS

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Anexo A. Legislaturas (1826-1889)

Legislatura Início Término 1ª 1826 1829 2ª 1830 1833 3ª 1834 1837 4ª 1838 1841 5ª 1842 1844 6ª 1845 1847 7ª 1848 1848 8ª 1849 1852 9ª 1853 1856 10ª 1857 1860 11ª 1861 1863 12ª 1864 1866 13ª 1867 1868 14ª 1869 1872 15ª 1872 1875 16ª 1876 1877 17ª 1878 1881 18ª 1882 1884 19ª 1885 1885 20ª 1886 1889

Fonte: (Adaptado) BRASIL. Câmara dos Deputados. Organisações e programmas ministeriaes desde 1822 a 1889: notas explicativas sobre moções de confiança, com alguns dos mais importantes Decretos e Leis, resumo historico sobre a discussão do Acto Addicional, Lei de Interpretação, Codigo Criminal, do Processo e Commercial, lei de terras, etc., etc., com varios esclarecimentos e quadros estatísticos. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889.

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Anexo B. Gabinetes Ministeriais (1857-1868)

Ano Datas Mudança Presidente Império Fazenda Estrangeiros Justiça Marinha Guerra Agricultura Francisco 1857 4 de maio Geral Marquês de Marquês de Bernardo de Visconde de Diogo José Jerônimo Olinda Olinda Souza Maranguape Pereira de Antônio Francisco Franco Vasconcelos Saraiva Coelho José Antônio 11 de julho Guerra ------Saraiva (Inter.) 1858 José Maria

12 de Geral Visconde de Sérgio Francisco de José Maria José Visconde de da Silva

dezembro Abaeté Teixeira de Salles Torres da Silva Thomaz Abaeté Paranhos

Macedo Homem Paranhos Nabuco de (Inter.) 1860. Araújo Manuel 12 de fevereiro Guerra ------Felizardo de Souza e 1859 Mello Ângelo José de Ângelo José Lins João Francisco 10 de agosto Geral Moniz da Almeida Moniz da Vieira Lustosa da Xavier Paes Sebastião de Silva Ferraz Pereira Silva Ferraz Cansanção Cunha Barreto Rego Criado pelo decreto 1.06728 nº de 28 dede julho Filho de Sinimbu Paranaguá Barros Francisco de Francisco de Paula de José Maria José Maria Paula de Joaquim Marquês de Joaquim 2 de março Geral Marquês de Negreiros da Silva da Silva Negreiros José Inácio Caxias José Inácio Caxias Saião Paranhos Paranhos Saião (Inter.) Lobato (Inter.) Lobato (Inter.) 1861 Império, Antônio Manuel 21 de abril Estrangeiros - José Antônio - Coelho de Sá - - - Felizardo de e Agricultura Saraiva e Souza e Albuquerque Mello José Benevenuto 10 de julho Império e - Ildefonso de - Augusto de - - - - Estrangeiros Souza Magalhães Ramos Taques 239

Zacarias de Zacarias de José Pedro Carlos José Antônio 24 de maio Geral Góes e Góes e Dias de Carneiro de Francisco Bonifácio Barão de Coelho de Sá Vasconcellos Vasconcellos Carvalho Campos José de Andrada Porto e Furtado e Silva Alegre Albuquerque José Polidoro da José Lins 30 de maio Geral Marquês de Marquês de Visconde de Marquês de Visconde de Raimundo Fonseca Vieira Olinda Olinda Albuquerque Abrantes Maranguape de Lamare Quintanilha Cansanção Jordão de Sinimbu José Lins 1862 Vieira 8 de junho Justiça - - - - Cansanção - - - de Sinimbu (Inter.) Marquês de 8 de outubro Império Abrantes ------(Inter.) 18 de Império Marquês de ------novembro Olinda José Lins Pedro de 9 de fevereiro Justiça e - - - - Vieira - - Alcântara Agricultura Cansanção Bellegarde de Sinimbu Marquês de 9 de março Fazenda - - Abrantes - - - - - (Inter.) 1863 6 de abril Fazenda - - Visconde de - - - - - Albuquerque 8 de abril Fazenda - - Marquês de - - - - - Abrantes Antônio 12 de maio Guerra ------Manoel de - Mello José 15 de janeiro Geral Zacarias de Bonifácio de José Pedro Francisco Zacarias de João Pedro José Domiciano Góes e Andrada e Dias de Xavier Paes Góes e Dias Vieira Mariano de Leite Ribeiro Vasconcellos Silva Carvalho Barreto Vasconcellos Matos 240

- - - João Pedro - - - - 9 de março Estrangeiros Dias Vieira (Inter.) Francisco 31 de março Marinha - - - - - Carlos de - - Araújo Brusque Francisco Carlos de 23 de maio Guerra ------Araújo - Brusque 1864 (Inter.) João Pedro 20 de julho Agricultura ------Dias Vieira (Inter.) José Carlos Carlos Francisco Francisco Henrique de Jesuíno 31 de agosto Geral Francisco Liberato Carneiro de Carneiro de José Xavier Beaurepaire Marcondes José Furtado Barroso Campos Campos Furtado Pinto Lima Rohan de Oliveira e (Inter.) Sá 4 de outubro Estrangeiros - - - João Pedro - - - - Dias Vieira José Liberato 26 de outubro Agricultura ------Barroso (Inter.) 12 de fevereiro Guerra ------Visconde de - Camamu Francisco José José Pedro Otaviano de Thomaz José Ângelo Antônio 12 de maio Geral Marquês de Marquês de Dias de Almeida Nabuco de Antônio Moniz da Francisco de Olinda Olinda Carvalho Rosa (não Araújo Saraiva Silva Ferraz Paula Souza assumiu) José Antônio 1865 12 de maio Estrangeiros - - - Saraiva - - - - (Inter.) Francisco de 27 de junho Estrangeiros - - - José Antônio - Paula da - - e Marinha Saraiva Silveira Lobo 241

José Antônio 8 de julho Guerra ------Saraiva - (Inter. na Corte) Ângelo Moniz da 10 de Guerra ------Silva Ferraz - novembro (de volta na Corte) José 27 de janeiro Marinha - - - - - Antônio - - Saraiva (Inter.) Francisco de 17 de fevereiro Marinha - - - - - Paula da - - Silveira Lobo Francisco de 4 de março Fazenda - - Paula da - - - - - Silveira Lobo 1866 (Inter.) 7 de março Fazenda - - João da Silva - - - - - Carrão Zacarias de José Zacarias de Martim José Lustosa Afonso Ângelo Manoel 3 de agosto Geral Góes e Joaquim Góes e Francisco da Cunha Celso de Moniz da Pinto de Vasconcellos Fernandes Vasconcellos Ribeiro de Paranaguá Assis Silva Ferraz Souza Torres Andrada Figueiredo Dantas José Lustosa 7 de outubro Guerra ------da Cunha - Paranaguá (Inter.) Estrangeiros, Antônio Martim José Lustosa 27 de outubro Justiça e - - - Coelho de Sá Francisco - da Cunha - Guerra e Ribeiro de Paranaguá Albuquerque Andrada José Lustosa 1867 9 de dezembro Estrangeiros - - - da Cunha - - - - Paranaguá (Inter.) 242

1868 14 de abril Estrangeiros - - - João Silveira - - - de Souza Fonte: (Adaptado). BOULANGER, Luiz Aleixo (Org.). Demonstração das mudanças de ministros e secretários de estado do Imperio do Brasil de 1822-1863. Rio de Janeiro: E. & H. Laememert, 1864.

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Anexo C. Deputados eleitos para a 12º legislatura (1864-1866)

Província Distrito Deputado Profissão Amazonas Único Antônio José Moreira Médico Francisco de Araújo Brusque Bacharel Ambrósio Leitão da Cunha Magistrado Pará Único Domingos Antônio Raiol Bacharel Tito Franco de Almeida Bacharel Antônio Marcelino Nunes Gonçalves Magistrado 1º Carlos Fernando Ribeiro Autor Maranhão Fábio Alexandrino de Carvalho Reis Bacharel Francisco José Furtado Magistrado 2º Joaquim Gomes de Souza Doutor em matemáticas Viriato Bandeira Duarte Magistrado Francisco José Fialho Tabelião Piauí Único João Lustosa da Cunha Paranaguá Magistrado Polidoro César Burlamaque Bacharel Antônio Pinto de Mendonça Padre 1º Frederico Augusto Pamplona Bacharel José Liberato Barroso Lente de Direito Antônio Joaquim Rodrigues Júnior Bacharel Ceará 2º José Antônio de Figueiredo Lente de Direito Raimundo Francisco Ribeiro Padre 3º Bernardo Duarte Brandão depois barão do Crato Leandro Chaves de Melo Ratisbona Bacharel Rio Grande do Norte Único Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti Bacharel José Moreira Brandão Castelo Branco Bacharel Felinto Henrique de Almeida Magistrado 1º José da Costa Machado Bacharel Paraíba Lindolfo José Corrêa das Neves Padre 2º Antônio Manuel de Aragão e Melo Magistrado João Leite Ferreira Júnior Bacharel Antônio Vicente do Nascimento Feitosa Doutor 1º Francisco Xavier Paes Barreto Magistrado 244

Urbano Sabino Pessoa de Melo Magistrado Antônio Alves de Souza Carvalho Bacharel 2º Antônio Coelho de Sá e Albuquerque Bacharel Silvino Cavalcanti de Albuquerque Bacharel Pernambuco Antônio Herculano de Souza Bandeira Bacharel 3º Inácio de Barros Barreto Bacharel Luís Felipe de Souza Leão Bacharel 4º Antônio Epaminondas de Melo Bacharel José Leandro de Godói Vasconcelos Bacharel 5º Francisco Carlos Brandão Bacharel Inocêncio Serafico de Assis Carvalho Bacharel Ambrósio Machado da Cunha Cavalcanti Bacharel 1º Aureliano Cândido Tavares Bastos Doutor Alagoas Esperidião Elói de Barros Pimentel Magistrado 2º Aristides da Silveira Lobo Bacharel José Ângelo Márcio da Silva Bacharel 1º Felipe Lopes Neto Bacharel Sergipe Francisco Bittencourt Sampaio Bacharel 2º José de Barros Pimentel Doutor Luís Antônio Barbosa de Almeida Magistrado 1º João José Barbosa de Oliveira Médico Salustiano Ferreira Souto Médico Francisco Xavier Pinto de Lima Magistrado 2º João Augusto Chaves Bacharel Bahia Pedro Muniz Barreto de Aragão Bacharel 3º Casimiro de Senna Madureira Bacharel Justiniano Batista Madureira Magistrado Zacarias de Góes e Vasconcellos Lente de Direito 4º João Ferreira de Moura Bacharel José Antônio Saraiva Bacharel Manuel Pinto de Souza Dantas Magistrado 5º Antônio de Souza Spínola Coronel Frederico Augusto de Almeida Bacharel João José de Oliveira Junqueira Júnior Magistrado Espírito Santo Único José Feliciano Horta de Araújo Bacharel José Ferreira Souto Magistrado Francisco Otaviano de Almeida Rosa Bacharel 245

1º Joaquim Saldanha Marinho Bacharel José Caetano dos Santos Bacharel Eduardo de Andrade Pinto Bacharel 2º Manoel de Jesus Valdetaro Magistrado Rio de Janeiro Pedro Luís Pereira de Souza Bacharel Frederico Carneiro de Campos Militar 3º Joaquim Manuel de Macedo Médico José Fernandes Moreira Bacharel Antônio de Araújo Ferreira Jacobina Bacharel 4º Manoel Joaquim da Silva Médico Pedro de Alcântara Bellegarde Marechal de campo Francisco de Paula da Silveira Lobo Bacharel 1º Francisco de Paula Santos Negociante Manoel de Melo Franco Médico Antônio da Fonseca Viana Médico 2º Martinho Álvares da Silva Campos Médico Teófilo Benedito Ottoni - Barão de Prados depois visconde de Prados 3º Cristiano Benedito Ottoni Lente de matemáticas José Rodrigues de Lima Duarte Médico Minas Gerais 4º Domiciano Leite Ribeiro depois visconde de Araxá João das Chagas Lobato Bacharel Agostinho José Ferreira Bretas Médico 5º Evaristo Ferreira da Veiga Bacharel Joaquim Delfino Ribeiro da Luz Bacharel Antônio Joaquim César Advogado 6º Joaquim Felício dos Santos Advogado José Joaquim Ferreira Rabelo Bacharel 7º Afonso Celso de Assis Figueiredo Bacharel Henrique Limpo de Abreu Bacharel Antônio Francisco de Paula e Souza Médico 1º João da Silva Carrão Lente de Direito José Bonifácio de Andrada e Silva Lente de Direito Antônio Moreira da Costa Guimarães - São Paulo 2º Francisco Gomes dos Santos Lopes Bacharel Martim Francisco Ribeiro de Andrada Lente de Direito Antônio da Costa Pinto e Silva Bacharel 246

3º barão de São João do Rio Claro Fazendeiro Joaquim Otávio Nebias Magistrado Goiás Único André Augusto de Pádua Fleury Bacharel Teodoro Rodrigues de Moraes Médico Mato Grosso Único Caetano Xavier da Silva Pereira Bacharel Joaquim Raimundo de Lamare Vice-almirante Paraná Único Jesuíno Marcondes de Oliveira e Sá Bacharel Laurindo Abelardo de Brito Bacharel Santa Catarina Único João Silveira de Souza Lente de Direito João de Souza Melo e Alvim Militar barão de Porto Alegre Tenente coronel, depois conde Felipe Bethbezé de Oliveira Nery Coronel São Pedro do Rio 1º Luís da Silva Flores Médico Grande do Sul barão de Mauá Negociante 2º Antônio Gomes Pinheiro Machado Bacharel Joaquim José Afonso Alves Bacharel Fonte: (Adaptado) BRASIL. Câmara dos Deputados. Organisações e programmas ministeriaes desde 1822 a 1889: notas explicativas sobre moções de confiança, com alguns dos mais importantes Decretos e Leis, resumo historico sobre a discussão do Acto Addicional, Lei de Interpretação, Codigo Criminal, do Processo e Commercial, lei de terras, etc., etc., com varios esclarecimentos e quadros estatísticos. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889. p.334-340.

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Anexo D. Programa do Partido Progressista (1862)

O Partido Progressista é um partido novo. Não toma sobre si a responsabilidade das crenças e tradições dos extintos partidos a que pertenceram os indivíduos que o compõem, e aceita sem distinção, e qualquer que fosse o seu passado, o concurso de todos os que o quiserem acompanhar no pensamento de fazer realizar na administração pública do país os princípios e regras consagradas no seguinte programa.

O Partido Progressista não quer: 1º A reforma da constituição política, à qual, como ao imperador e à sua dinastia, consagra o maior respeito e adesão. 2º A eleição direta. Não sendo possível realizá-la por meio do sufrágio universal, a base do imposto, ou de qualquer outra distinção de classes sociais, privaria a muitos cidadãos brasileiros do exercício de seus direitos políticos. 3º A descentralização política, que considera incompatível com a integridade e força do Império. 4º O exclusivismo nos cargos públicos. Reconhece que todos os brasileiros têm a eles direito igual, sem outra distinção mais que a proveniente de seus talentos, salvos os de confiança necessários à manifestação e execução de seu pensamento político. 5º A jurisdição administrativa em matéria penal, nem nas questões cíveis concernentes à propriedade.

O Partido Progressista quer: 1º A regeneração do sistema representativo e parlamentar pela sincera execução e amplo desenvolvimento do dogma constitucional da divisão dos poderes políticos para que não sejam uns absorvidos ou anulados por outros. Assim tem como máximas sagradas: A responsabilidade dos ministros de Estado pelos atos do poder Moderador; A verdade do orçamento. 2º A realização prática da liberdade individual em todas as suas relações. 248

Assim consagra a liberdade individual como regra, e as atribuições da autoridade, a tutela do Estado e as restrições no interesse coletivo como exceções, que só devem ser determinadas por evidente utilidade, expressas e literais. 3º A defesa dos direitos e interesses locais da província e do município. Assim tem como máximas sagradas: A sincera e efetiva execução do Ato Adicional. A descentralização administrativa necessária à comodidade dos povos. 4º A economia dos dinheiros públicos combinada com as necessidades demonstradas do serviço e sem prejuízo da honra, crédito e dignidade nacionais. 5º A responsabilidade efetiva dos empregados públicos. 6º A severa punição dos crimes. 7º A reforma e sincera execução da Lei Eleitoral de modo que as qualificações sejam verdadeiras e a eleição a expressão real da vontade nacional. Como meios tendentes a este fim: A representação necessária das minorias. 8º A reforma e organização judiciária sob as seguintes bases: 1. Julgamento definitivo dos juízes de Direito no crime e cível – Por consequência julgamento em 2ª instância competindo exclusivamente às Relações – Relações em todas ou na maior parte das províncias. 2. As funções dos juízes municipais reduzidas ao preparo e execuções dos processos crime e cíveis. 3. Garantias necessárias para a nomeação, substituição e independência pessoal dos magistrados. 4. Criação e organização do ministério público no crime e no cível. 9º Separação da polícia e justiça neste sentido. A polícia prende o criminoso, faz o corpo de delito, colige as provas e remete-as à autoridade judiciária. Os juízes municipais formam culpa exclusivamente nos crimes inafiançáveis, e nos afiançáveis cumulativamente com os juízes de paz – O juiz de direito pronuncia e julga. 10º Competência do júri para julgar todos os delitos, compreendidos os dos empregados públicos não privilegiados e os excetuados pela lei de 2 de julho de 1850. Excetuam-se desta regra aqueles, cuja pena no máximo exceder a 1 ano de prisão, desterro ou degredo, e a 1:000$000 de multa, Os crimes de responsabilidade, porém, e os de abuso de liberdade de imprensa, qualquer que seja o máximo da pena, serão sempre julgados pelo júri. 249

11º As absolvições do júri, vigorando, não obstante as nulidades do processo, cujo efeito será somente no interesse da lei, para correção e responsabilidade dos que a elas deram causas salva, todavia, a disposição do art. 79§ 1º da lei de 3 de dezembro. 12º Código Civil. É disposição do art. 179§ 18 da Constituição. Organizar-se-á quanto antes um Código Civil. 13º Reforma Hipotecária e sucessivamente a organização do crédito territorial. 14º Revisão do Código Comercial, especialmente na parte relativa às falências, às sociedades e aos seus julgamentos. 15º Reforma municipal, separando-se a deliberação da execução, pertencendo aquela à Câmara e esta ao seu presidente. 16º Nos municípios cuja renda exceder de 100:000$, as Assembleias provinciais, e na Corte a Assembleia geral, poderão criar e retribuir administradores municipais pagos pelos cofres das Câmaras, eleitos como os vereadores e substituídos por estes. Art. 10§§ 4º e 7º do Ato Adicional. 17º Reforma da Guarda Nacional para que seja devidamente qualificada, sem prejuízo do Exército e Armada, e aliviada quanto ser possa do serviço ativo. 18º Em favor da liberdade individual: Prisões preventivas, decretadas somente no caso facultativo do art. 175 do Código do Processo e pelos juízes de direito. As fianças reguladas por uma tabela calculada somente na proporção da pena do crime, na qual se fixe o máximo e o mínimo, dentro das quais e atendendo a possibilidade dos réus e as condições domiciliarias deverá o juiz julgar a fiança; Ficam salvos os meios cíveis quanto ao valor do dano causado e das custas do processo, o qual é demandando por ação cível conforme a lei de 3 de dezembro, O tempo de detenção computado na pena, logo que excede 3 meses. A fiança mais extensiva para os domiciliários. 19º A educação e regeneração do clero.

Finalmente o Partido Progressista aceita a administração pública como fato comum e respeitável para todos os partidos, salvas as alterações que a conformidade dos princípios políticos, a experiência do serviço público e as necessidades ocorrentes houverem de justificar. Fonte: (Adaptado) MELO, Américo Brasilense de Almeida e. Os programas dos partidos e o 2º Imperio. São Paulo: Typ. de Jorge Seckler, 1878. p.15-21.