Adilson Rodrigues Camacho Departamento de Geografia-FFLCH/USP

Este texto é desenvolvido a partir da con­ mente em princípio seletiva, dirigida aos partici­ cepção do Simpósio em três momentos de síntese. pantes, com privilégios e problemas. O maior privi­ I. A proposta de síntese: ou "o espírito da coisa" légio, ao que parece, é o de poder avançar e corrigir II. A síntese localizada: O 59 Simpósio Nacional de a rota, a trajetória das investigações, o contexto da Geografia Urbana, Salvador-BA. percepção, pois da arena do Simpósio os trabalhos III. A síntese realizada: presenças e ausências... postos assim ao público podem ganhar o mundo, nu­ ma socialização do conhecimento, com o aval de uma I. A PROPOSTA DE SÍNTESE: ou "o espírito da coisa", (quase) criação coletiva que fortalece, estatui acade­ micamente a pesquisa, estando aí também os proble­ A idéia de noticiar o 59 Simpósio Nacional mas: além do rebaixamento da importância da educa­ de Geografia Urbana foi se transformando gradual­ ção e da pesquisa, tem-se os descaminhos, os des­ mente num caminhar mais informal do que nos mol­ vãos que arremetem o trabalho científico/intelectual, des do retrato noticioso, descritivo. Isso, tentando na melhor das hipóteses, às estantes e prateleiras de explicar a idéia de síntese coletiva inerente ao proces­ bibliotecas. Nada de errado se as mesmas estantes so de construção e participação do evento. e prateleiras fossem abundantemente visitadas, pro­ Um simpósio deve reunir pesquisadores com curadas pelos citadinos sobre quem versam os tra­ certa afinidade temática, cristalizar sentidos e dire­ balhos. Por isso, uma das ações mais importantes, ções de linhas e correntes de pensamento, que con­ embora tímida, é o de tornar públicos os resultados figurem indicações para serem pensadas e esten­ dos encontros acadêmicos1 normalmente através didas em alcance e profundidade, pela comunidade dos anais, livros com as apresentações das mesas, acadêmica, através do contato escrito e oral. cadernos de resumo, ou pela transmissão, algures, Um evento de caráter científico deve funcio­ nar como um fórum privilegiado de exposição e 1 Cabe observar que as quatro edições anteriores do difusão das pesquisas, de idéias em desenvolvi­ Simpósio, foram publicadas: CARLOS, Ana Fani A. (org.). mento, em amadurecimento, uma publicizaçào so­ "Simpósio Nacional de Geografia Urbana", 1, 1989, São 110 Revista Geousp, ns 3, p. 109-113, 1998. Adilson Rodrigues Camacho do conteúdo dos tópicos das comunicações de pes­ veniente cobrança epistemológica de uma matriz quisas, além de outras formas já existentes ou a se­ científica que contempla a unidade, a complementa­ rem inventadas para o alastramento do conhecimen­ ridade conformadora das faces da questão existencial to. Tào importante é manter o ideal crítico como com­ humana, numa geografia das relações sociais. ponente metodológico dessa multiplicação dos fatos O 52 SNGU foi, como as edições anteriores, ocorridos, propagá-los, atendo-se ao espírito que mo­ irradiado e promovido a partir da AGB, através de tivou as apresentações, as discussões, os debates. seus membros (quase todos os presentes, imagina- O fundamental é que se vai e se volta de um se), mostrando uma participação regionalmente con­ evento acadêmico a procura de uma síntese (ou sín­ centradora, como se poderia imaginar. Mas é um fato teses?, dadas as idiossincrasias das diversas mani­ quantitativo e formal, o número de presenças aponta festações de um saber específico. Tal síntese não vai o Estado de São Paulo com vinte e quatro (24) pes­ pronta, acabada, mas perfaz-se, realiza-se durante o soas inscritas para apresentar trabalhos, entre me­ encontro, como deve ser, pelo fato simples de não sas e sessões, no segundo lugar em quantidade de serem possíveis conclusões antecipadas, que res­ participantes, com dezessete (17) da USP, ficando peitem a lógica. Daí o caráter participativo, fundante atrás do com trinta e seis (36) pessoas e antecedente básico expresso nas dimensões su­ inscritas, embora superando os números advindos periores do fazer científico, a-científico-intelectual e da Bahia, com doze (12), de com oito a-fraternal, atributos maiores do trabalho do pesqui­ (8), de com seis (6), e um significativo sador engajado na luta pela ascensão do humano, número de Estados com uma (1). Isso, sem contar da pessoa como princípio e finalidade integradores as ausências, é claro, por um cem número de moti­ das construções intelectuais, racionais, pensando aí vos. Se os números referidos, assim, um tanto alea­ a própria sociedade como entidade assustadora tória e livremente podem dizer algo, interessante se­ quando desintegrada, dissociada dessas preocu­ ria analisar os dados para encontrar a razão e a rela­ pações. ção entre inscrições e ausências/desistências, tentan­ As preocupações da geografia urbana pare­ do-se estabelecer uma ponte para as evidentes difi­ cem ir ao encontro da elaboração e trato das ques­ culdades que acompanham a locomoção pelo terri­ tões teóricas relacionadas à vida social, concomitan- tório nacional, com todas as dificuldades e dificul- temente à ênfase dada aos estudos de casos temati- tações conhecidas, além daquelas que ainda, segura­ zadores de construções teóricas. Ou seja, os estudos mente o serão, na hora do preenchimento de um for­ tópicos têm estado junto das teorizações, numa con- mulário.

D. A SÍNTESE LOCALIZADA: O 5- Simpósio Nacional de Geografia Urbana, Salvador-BA. Faulo. In: Os caminhos da reflexão sobre a cidade e o urbano. São Paulo: Edusp, 1994. PINTAUDI, Silvana Maria Reiterando a ótima qualidade dos trabalhos, (org.). "Simpósio Nacional de Geografia Urbana", 2, 1991, este texto almeja contribuir com uma percepção do Rio Claro. In: Boletim de Geografia Teorética, v. 21, n.42, evento. Rio Claro: Ageteo, 1991. (com as comunicações livres). O Simpósio mostrou - além da concentraçáo CORRÊA, Roberto Lobato, etal (orgs.). "Simpósio Nacional de Geografia Urbana", 3, 1993, Rio de Janeiro. AñAIS. das origens estaduais, da freqüência já citada e que, Rio de Janeiro, 1993. (com as comunicações livres). SILVA, sabe-se, não é nova - uma criatividade que pareceu José Borzacchiello da. et al (orgs.). "Simpósio Nacional de Geografia Urbana", 4, 1995, Fortaleza, A cidade e o desejar menos que a complexidade do homem e do urbano: temas para debates. Fortaleza: EUFC, 1997. mundo/do planeta, e isso pensando nas inumeráveis "Noticia de Encontro": 52 Simpósio Nacional de Geografía Urbana de 21 a 24 de outubro/1997 111 linguagens, códigos, subcódigos, preconceitos, mar- duas salas, portanto com falta de tempo, não permi­ ginalidades, as diversas formas de poesia deixados tiram, na maior parte das sessões, debates, discus­ ao largo, paralelos mesmo, aos da ciencia geográfica sões e tampouco simples observações dos participan­ e que não figuraram nas mesas - à exceção da lite­ tes, tornados meros espectadores! É claro que o pro­ ratura, nas artes, o que não parece ser suficiente (...). blema tem ângulos: a comissão organizadora foi de­ Todas as mãos à palmatória, inclusive estas que neste mocrática e se tivesse selecionado as apresentações, instante escrevem! Registre-se que a deficiência des­ seria difícil justificar os critérios, ao passo que as mes­ crita parece ser compreensível quando se considera mas poderiam ter sido dispersas, com um lado nega­ o temor que o cientista, buscando pautar seu traba­ tivo, o da própria dispersão... por outras tantas salas; lho por uma seriedade herdada da visão clássica do e um positivo, o debate, mesmo que com um número fazer ciência, tem de errar na mão, pois o intelectual menor de participantes... Situações como estas de­ caminha (ou vaga!) nos limites entre ciência e poesia, vem ser exemplares e pedagógicas. entre elegância e pieguice, subjetividade e objetivi­ A concentração nas salas possibilitou a per­ dade, entre outras fronteiras, em meio ao tenso, efê­ cepção de que muitos dos presentes eram arquitetos mero equilíbrio que procura alcançar. A lembrança- que se interessaram pelo que os geógrafos tinham a cobrança não ignora que muitas pesquisas procuram dizer, ou ao menos pelo espaço que se oferecia, tão novos caminhos, a exemplo da atual organização das democraticamente, para que pudessem, também, redes geográficas, do ambiental como uma reconquis­ expressar-se, apresentar as suas idéias, provocando ta dos geógrafos e do método geográfico, de uma em algumas das sessões uma outra questão: a das geografia histórica do passado, uma outra do futuro, interfaces do conhecimento geográfico. dos enfoques nas mais diversas escalas das relações Pode-se, além de se fazer comentários sobre humanas, como os bairros, as cidades médias, as as instalações, sobre a organização etc, indagar sobre metrópoles, experiências, explorações lingüísticas, quanto de Salvador chegou através do evento, assim reinterpretações metodológicas de outras disciplinas como qualquer outra cidade que já os tenha sediado. etc. Desculpe-se aqui o etcetera. Os encontros, reuniões de caráter científico para os Arrisco também dizer que ainda falta o Brasil, geógrafos, em geral, deveriam propiciar, estimular tanto aquele das metrópoles quanto o dos interiores, alguma interação (como tem sido feito nos Encontros como falta também transportá-lo para as salas de aula Nacionais de Geógrafos) com os locais-sede. Painéis, de geografia do primeiro, segundo e até, dos terceiros algumas sessões específicas sobre a cidade que sedia graus, para todos nós! Questões pedagógicas ligadas o evento, seus pontos de vista como membro fede­ ao conhecimento desse imenso território brasileiro e rativo, bem como suas ligações com as vizinhanças, à geografia como instrumento deste. Antes de finalizar suas redes, seu contexto urbano poderiam ser apre­ o parágrafo, deve-se colocar o problema e a impor­ sentados pelos pesquisadores locais como um exer­ tância, pouco falados, dos estudos dos lugares, do cício fundamental da(s) experiência(s) dos anfitriões. Brasil, por exemplo, relacionados a outros, de outras Tudo isso, de certa forma, é feito, pedindo ao que partes do planeta, utilizando-se de antigas ferramentas parece, muito mais, de todos! da geografia: a correlação de locais. Assim, os países dos demais continentes não seriam tão superficial­ DU. A SÍNTESE REALIZADA: entre presenças e mente reportados e desconhecidos - da maior parte de ausências ••• nós! em suas especificidades. Os problemas da programação das sessões Os eixos temáticos das apresentações de de comunicações que, por estarem concentradas em 1989 a 1997 mantiveram-se, se não com o mesmo 112 Revista Geousp, ns 3, p. 109-113, 1998. Adilson Rodrigues Camacho nome, próximos em seu espírito, fundamentos e em sua opinião, sempre lhe rendeu boas fundamen­ idéias centrais, possibilitando a emergência da idéia tações, um bom aparato teórico-metodológico, princi­ de processo, no caso, de progresso... Basta compará- palmente diante da exacerbação crescente do econô­ los, enfileirá-los um a um (...) para perceber as mico na vida social. variações sobre os temas, as recorrências, na maior Paulo César Gomes: destacou a importância parte das vezes saudáveis. da busca, na análise geográfica, da lógica, da coerên­ A homenageada, Maria Adélia, mostrou-se cia do arranjo das formas e objetos, com seus limites muito esperançosa com a atuaçáo do geógrafo no de­ e descontinuidades e, principalmente, seu(s) uso(s) vir, que se devem transformar em conjunto, consi­ no espaço, dando exemplos de cidades atuais e da derando a prática do geógrafo juntamente às demais antigüidade. relações sociais que o formam e informam existen- ciandoo no espaço, para onde dirige seus esforços de compreensão e interpretação. 2. Redes Geográficas: redes urbanas e outras Das falas se depreendeu a preocupação com redes os temas do espaço, do tempo, da natureza, dos pro­ cessos e objetos no espaço urbano, nas cidades, co­ Roberto L. Corrêa: expôs a trama conceituai mo também da natureza neles; o homem, as socie­ e factual das redes geográficas. O assunto lhe é dades, ditando cada vez mais os ritmos do movimen­ caro e vem sendo contínua e proveitosamente ela­ to, do desenvolvimento das relações... borado por ele nos Simpósios Nacionais de Geografia Seguiram, apanhadas, captadas das apresen­ Urbana. Falou também sobre espacialidades e tempo­ tações, frases ilustrativas de pessoas que com seus ralidades singulares, de acordo com os objetos e pro­ trabalhos representam a geografia urbana brasileira cessos em questão. em construção: Sylvio Mello e Silva: expõs/propõs uma com­ paração entre as políticas territoriais de governos brasileiros. 1. Matrizes da Geografia Urbana Pedro P. Geiger: ressaltou tenazmente o pa­ 3. Espaço, Poder e Cultura: identidades e pel do espaço, defendendo a existência de vários es­ territorialidades paços correspondendo às ações humanas... Arlete M. Rodrigues: lembrou a vigente mo­ Silvana Pintaudi: Discorreu sobre espaços so­ dernização econômica sem desenvolvimento social ciais do simulacro, da encenação, como conseqüên­ geral e que a modernização em questão somente po­ cia do reducionismo econômico e dos problemas liga­ de ocorrer com altíssimos custos humanos (à saú­ dos à separação da atividade real da sociedade de de, pelas poluições, por exemplo, mas também à sua representação. educação, à dignidade...), lembrando também do au­ Amélia Luisa Damiani: sugeriu o movimento mento dos espaços de circulação com diminuição dialético para entender a tríade poder, cultura e es­ dos espaços de viver como fatos interligados. paço com a mediação deste último, na relação. Maria Encarnação Sposito, a Carminha: apre­ Ignês Ferreira: abordou o poder no planeja­ sentou uma reflexão sobre as relações entre as geo­ mento territorial. grafias urbana e econômica, uma revisão naquilo que Marília Peluso: tratou das identidades e pre­ a primeira teria deixado de se beneficiar desta que, conceitos com relação aos sujeitos sociais em meio "Notícia de Encontro": 52 Simpósio Nacional de Geografia Urbana de 21 a 24 de outubro/1997 113 ao trabalho pela vida, à luta pela moradia/habitação, devem ser observadas na direção do passado, o que em Brasília. lhe rendeu várias interlocuções... Ambos desenvol­ Edivãnia Gomes: resgatou a importância da veram esforços metodológicas de conexão do tempo- paisagem em seus componentes predominantemen­ espaço na reflexão geográfica das sociedades, ge­ te humanos, continente de técnica e de cultura. rando muita polêmica...

4. Espaço e tempo no urbano: passado, presente 5. Dinâmica Sócio-Espacial e formas de intervenção e futuro Fanny Davidovich.: discutiu os problemas da Ana Fani A. Carlos: abordou a ampliação da habitação no Rio de Janeiro-RJ, no contexto sócio- avenida Faria Lima em São Paulo, com suas apro­ espacial da favela. priações, desapropriações, transformações nos usos José B. da Silva: pensando em Fortaleza-CE, e os novos significados, tomando a percepção de um expôs algumas contradições das imagens produzidas segmento de sujeitos que vivem esse espaço. Fez as dentro e as emitidas de fora, para a cidade, estabele­ colocações oportunas em meio ao debate - de que o cendo uma ponte entre o local e o global no nordeste. empírico já é uma elaboração teórica! - além de afir­ Dá para se ter idéia dos avanços ou, pelo me­ mar que tempo e espaço são abstratos, pois quanti­ nos, através deste breve e superficial m em orando tativos, advertindo, também, que não se deve trans­ (notícias e conversas um tanto inconclusas e, talvez por conceitos construídos a partir de pressupostos por humanidade, subjetivas!), ter em mente que, o metodológicos diferentes. acontecimento - mais ainda uma reunião de aconteci­ Marcelo L. Souza: anunciou uma geografia mentos faz-se algo arejado e inclusivo (de tendên­ do futuro, instaurando uma polêmica com relação às cias, escolas e procedências, respeitando os cânones suas propostas de cenários e tendências como pro­ acadêmicos, é claro!). Cabe aplaudir o esforço dos jeções históricas. que se propõem a organizar, pois todos que se Maria Clélia L. Costa: falou em mudanças de interessam pelo tema central e contigüidades têm a valores políticos e econômicos associados a mudan­ ganhar. É por aí que se pode imaginar como serão ças geopolíticas, ascensão e decadência de cidades, as comemorações do primeiro decênio do Simpó­ com o exemplo de Fortaleza-CE. sio..., em Presidente Prudente, São Paulo, em 1999! Pedro Vasconcelos e Maurício de Abreu: de­ Imaginar e trabalhar para manter o interesse, (re) criar fenderam a existência de uma geografia histórica (ou e ampliar a legitimidade da geografia como corpo história geográfica?, ao que perguntam alguns!), com teórico, instrumental interpretativo da realidade que ensaios e exercícios metodológicos, como a proposta se volta de uma determinada maneira para a reali­ do Maurício das dez (10) leis que, na sua opinião, dade. Até lá!

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