A preservação da identidade germânica através das vivências turísticas e do patrimônio cultural imaterial.

Kelly Raquel Schmidt1 Priscila Vivan2

Resumo A partir de um estudo teórico, analisamos os conceitos de turismo e patrimônio cultural imaterial, próprios de um grupo social, os associando às vivências turísticas. Nossa hipótese considera que ocorra uma articulação da identidade social através das interações proporcionadas pelo turismo. Para tanto, tomamos o exemplo da festa típica da cidade de Igrejinha⁄RS, a Oktoberfest. Nesta pesquisa foram utilizados alguns teóricos e seus conceitos de turismo, patrimônio e cultura. Os resultados deste estudo demonstraram que a continuidade do evento turístico não seria possível sem um elo entre esta tríade, bem como revela a importância da comunidade local no que se refere à preservação do passado no presente.

Palavras-chave: turismo; patrimônio cultural imaterial; identidade; comunidade; Oktoberfest de Igrejinha.

Abstract From a theoretical study, was analyzed the concepts of tourism and intangible cultural heritage, own of a social group, associating with the tourist experience. Our hypothesis considers that occurs an articulation of identity through social interactions afforded by tourism. To this end, we take the example of the typical festival Oktoberfest in Igrejinha / RS, the. In this study we used some theorists and their concepts of tourism, heritage and culture like. The results of this study demonstrated that continuity of tourism event would not be possible without a link between this

1 Bacharel em Turismo, mestranda em Memória Social e Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de /RS, bolsista CAPES. Tem experiência em Pesquisa, Turismo Cultural, Patrimônio Cultural, Planejamento Turístico, Geoprocessamento, Sistema de Informações Geográfico, Área administrativa no setor público, Organização de Eventos e Fotografia. Endereço eletrônico: [email protected] 2 Bacharel em Turismo pela Universidade Federal de Pelotas⁄RS, Especialista em Administração de Empresas – Fundação Getúlio Vargas – Pelotas/RS. Linhas de pesquisas sobre Capital Social no âmbito do Turismo. Experiência profissional em administração hotelaria. Endereço eletrônico: [email protected]

triad, and reveals the importance of the local community with regard in preserving the past in the present.

Key Words: tourism; heritage cultural; culture; identity; communete; Oktoberfest of Igrejinha.

Introdução

O turismo é um fenômeno que está baseado em três elementos fundamentais: o homem, o espaço e o tempo e, segundo Andrade (2002, p. 28), cada vez mais “[...] cresce, em importância e em significado social para todos os que buscam meios de maior integração com novas pessoas, novas culturas e novos recursos naturais”. Jafari (apud BENI, 1998, p.38) apresenta uma definição holística do turismo definindo-o como “o estudo do homem longe de seu local de residência, da indústria que satisfaz suas necessidades, e dos impactos que ambos, ele e a indústria, geram sobre os ambientes físicos, econômico e sócio-cultural da área receptora”. Em outro conceito mais recente afirma que o turismo: […] diz respeito, essencialmente, à experiência do lugar. O ‘produto’ do turismo não é o destino do turismo, mas diz respeito à experiência daquele lugar e do que ali ocorre [o que consiste de] uma série de interações internas e externas.

O turismo é, portanto, uma atividade sócio-econômica complexa e multidisciplinar na medida em que engloba inúmeros setores da economia, utilizando-se do patrimônio natural ou cultural, ao mesmo tempo em que proporciona um envolvimento entre as pessoas que viajam e da localidade visitada. Moesch (2000, p. 9) afirma que: O turismo é uma combinação complexa de inter-relacionamentos entre produção e serviços, em cuja composição integram-se uma prática social com base cultural, com herança histórica, a um meio-ambiente diverso, cartografia natural, relações sócias de hospitalidade, trocas de informações interculturais. O somatório desta dinâmica sociocultural gera um fenômeno, recheado de objetividade/subjetividade, consumido por milhões de pessoas, como síntese: o produto turístico.

Desse modo, não se pode conceber a atividade turística como fim em si mesma, mas sim, como meio ou forma que, em conjunto com outras atividades econômicas, busca a melhoria da qualidade de vida da população local envolvida através de ações conjuntas, onde possam contribuir para resultados futuros, trazendo vários benefícios a

quem o pratica e para as comunidades que recebem o turista, gerando um aumento da integração e interesse entre os povos. Dessa forma, o turismo desempenha um dos papéis fundamentais para a preservação e a disseminação do chamado patrimônio cultural imaterial. Assim, este trabalho tem por objetivo discorrer sobre como o patrimônio imaterial ou intangível, presente na cultura de uma sociedade, associado às vivências turísticas experimentadas, reafirma e articula identidades através de intercâmbio de conhecimentos entre os atores sociais. A palavra patrimônio, bem como memória, de acordo com Ferreira (2006, p.79) compõe um vocabulário contemporâneo de expressões cuja característica principal é a pluralidade de sentidos e definições que a elas podem ser atribuídos. Segundo a Unesco (2003)3, Patrimônio Cultural Imaterial compreende

“[As] práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados e que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana” (CASTRO; FONSECA, 2003, p. 11-12).

Desta forma, a exaltação de costumes através da cultura de uma comunidade se dilui temporariamente entre outras identidades e transforma-se em patrimônio, resultando no esforço constante de abrigar o passado no presente e para o futuro. Segundo Gastal (2001, p. 127-129), [...] A cultura passará a ser veículo de socialização entre visitantes e visitados, quando ela for um processo vivo de um fazer de uma determinada comunidade. [...] Cultura é um insumo turístico importante, mas é aquela cultura viva, praticada pela comunidade em seu cotidiano. Não é um espetáculo, que inicia quando o ônibus dos visitantes chega, mas uma atividade que a comunidade exerce rotineiramente. Quando os visitantes chegarem, eles serão bem vindos e convidados a juntos dançar, cantar, saborear o pão, aplaudir o artista.

Para Bacal, a cultura abrange além do produto turístico uma percepção maior do patrimônio material e imaterial, tendo em vista a compreensão e a valorização de um leque maior de possibilidades de estudo e manutenção, preservação da identidade e salvaguarda de bens e em conseqüência, da memória do local. Para a autora,

3 Artigo 2° da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (UNESCO,2003)

[...] a incorporação da cultura ao produto turístico pode contribuir para a restauração da identidade local justamente por meio da relação com o diferente, ou seja, o contraponto de culturas acaba gerando a valorização dos bens tangíveis e intangíveis dos núcleos turísticos receptores (BACAL, 2003, p. 130-131).

Segundo Castro (2008) ao se buscar a identidade, fatalmente chegar-se-á a quem realmente se é. A essência cultural é o que une os povos, permitindo que se reconheçam como grupo, como coletividade diante de sua diversidade. Contribuindo para o estudo sobre turismo, patrimônio e cultura, segundo o Ministério do Turismo4, conceitua-se Turismo Cultural como as “atividades relacionadas à vivência do conjunto de elementos significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os bens materiais e imateriais da cultura”. Entre as características deste tipo de turismo enfatizamos:

Patrimônio histórico e cultural e eventos culturais Considera-se patrimônio histórico e cultural, os bens de natureza material e imaterial que expressam ou revelam a memória e a identidade das populações e comunidades. São bens culturais de valor histórico, artístico, científico, simbólico, passível de tornarem-se atrações turísticas: arquivos, edificações, conjuntos urbanísticos, sítios arqueológicos, ruínas; museus e outros espaços destinados à apresentação ou contemplação de bens materiais e imateriais; manifestações como música, gastronomia, artes visuais e cênicas, festas e celebrações. Os eventos culturais englobam as manifestações temporárias, enquadradas ou não na definição de patrimônio, incluindo-se nesta categoria os eventos gastronômicos, religiosos, musicais, de dança, de teatro, de cinema, exposições de arte, de artesanato e outros. Valorização e promoção dos bens materiais e imateriais da cultura A utilização turística dos bens culturais pressupõe sua valorização, promoção e a manutenção de sua dinâmica e permanência no tempo como símbolos de memória e de identidade. Valorizar e promover significa difundir o conhecimento sobre esses bens e facilitar seu acesso e usufruto a moradores e turistas. Significa também reconhecer a importância da cultura na relação turista e comunidade local, aportando os meios para que tal relação ocorra de forma harmônica e em benefício de ambos (Brasil, 2006 p.13).

Até um passado recente, o patrimônio era considerado apenas por seu aspecto “material”. No entanto, nos discursos contemporâneos, criou-se a categoria do “imaterial ou intangível” usado para designar modalidades de patrimônios que fugiriam

4 Documento Turismo Cultural – Orientações Básicas, organizado pelo Ministério do Turismo e OngTour – Organização Não-Governamental para o Desenvolvimento do Turismo, 2006.

de uma definição convencional como prédios, espaços urbanos, monumentos. No entanto, ao analisarmos, nunca foram tão tangíveis e materiais as festas, os lugares, os espetáculos, as tradições em função de suas características fortes e marcantes. De certa forma, essa noção de patrimônio imaterial expressa à moderna concepção antropológica de cultura, onde a ênfase está nas relações sociais e⁄ou simbólicas, mas não precisamente nos objetos materiais ou nas técnicas (GONÇALVES, 2005, pág.06). Estas relações que se dão através de manifestações com aspectos culturais diversos, transformadas em patrimônios imateriais pelos governos ou federação atraem um interesse crescente nas atividades turísticas. Essa trilogia entre turismo, patrimônio e cultura, trabalhada de forma coesa, resulta em ganhos econômicos para a comunidade local e para a preservação dos patrimônios imateriais existentes em nosso país. Neste contexto, determinadas festas típicas são um exemplo de como esta trilogia pode perdurar através do tempo, fazendo com que a tradição seja considerada como um fator revelador de identidades locais. No caso específico de festas populares, a sua realização forma a expressão simbólica mais fiel da vida de uma comunidade. De acordo com Alcade e González (apud Ribeiro, 2004 pág. 49) podemos distinguir quatro dimensões que são específicas das festas, e em geral, de todo o fenômeno festivo: simbólica, sociopolítica, econômica e estética. Sendo que segundo os autores, a mais importante destas vem a ser a dimensão simbólica, pois está presente em todo fenômeno festivo, definindo e reproduzindo simbolicamente a identidade de uma coletividade ou grupo social. Usando como exemplo neste trabalho o caso da Oktoberfest, que vem a ser nosso objeto de estudo, Seyferth (1994, p.25) discorre que “[...] a Oktoberfest, de fato valoriza – como folclore – a própria colonização e alguns aspectos da cultura alemã que no passado ajudaram a construir uma identidade teuto-brasileira – caso das danças e canções executadas durante os festejos atuais”. A autora fala ainda que tais festas têm caráter de símbolo étnico, marcando diferenças em relação aos outros brasileiros, reafirmando a tradição e valores culturais próprios. Assim, ressalta-se a possibilidade de reviver tradições, criar novas formas de expressão, afirmar identidades. Ressalva-se as oportunidades que as festas criam, seja através de projetos ou outras transformações, tanto sociais, como políticas e econômicas, de gerar subsídios de progressos na própria comunidade. Estas

características se apresentam também, de modo representativo, na Oktoberfest de Igrejinha. Todo este embasamento teórico deu suporte para a apreciação da pesquisa empírica no desenvolver deste trabalho. Esta análise foi desenvolvida através do questionário realizado com cento e sessenta voluntários da 19ª Oktoberfest de Igrejinha – RS no ano de 2006 e depoimentos de turistas postados no site da Oktoberfest de Igrejinha no ano de 2007. A pesquisa busca relacionar experiências vividas durante o evento nos períodos citados, relacionando-as com a afirmação da identidade e a preservação do patrimônio imaterial da comunidade.

O município de Igrejinha - RS

Em 18 de julho de 1824 chega a o navio “Anna Luise”, vindo do porto de Hamburgo, trazendo os primeiros imigrantes alemães, que, seguindo viagem, desembarcam em São Leopoldo em 25 de julho. Inicia então a colonização do Vale do Rio dos Sinos, começando a grande colônia alemã no , contribuindo para o seu desenvolvimento social, cultural e econômico. No ano de 1847, Tristão Monteiro (que fundara em 1846, do Mundo Novo, município sede do Vale do Paranhana, tendo Igrejinha como distrito), chegou a esta altura do vale para proceder à demarcação dos lotes de terra que venderia, a seguir, a colonos e imigrantes vindos, em sua maioria, da região do Hunsrück (ao sul da Alemanha, divisa com França e Suíça)5. A indústria calçadista contribuiu para que a cidade prosperasse, sendo hoje conhecida internacionalmente através do mercado nacional e internacional. Localiza-se no caminho da Serra Gaúcha e possui hoje 31.113 habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia – IBGE6. O município de Igrejinha figura entre as colônias alemãs fundadas no sul do país, conservando características européias, tanto pela arquitetura quanto pela geografia, instalada ao longo do Rio Paranhana e cercada de morros, cobertos de vegetação nativa. Entre outras características estão os costumes que foram repassados através de gerações incitando a tradição germânica.

5 http://www.igrejinha.rs.gov.br/ acessado em 11/12/2009. 6 www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao - Contagem da População 2007 - População residente em 1º de abril de 2007 acessado em 10/04/2010

Oktoberfest de Igrejinha7

A Oktoberfest de Igrejinha foi organizada pela primeira vez em 1988 em homenagem às tradições dos imigrantes alemães. Hoje é considerado um dos maiores eventos culturais/populares do Estado. Desde 1994, a festa é organizada pela AMIFEST – Associação de Amigos da Oktoberfest de Igrejinha, e envolve aproximadamente três mil voluntários, quase 10% da comunidade. Durante mais de uma semana de festa os “igrejinhenses” divulgam para todo o país a tradição que ainda continua presente na vida cotidiana juntamente com suas riquezas culturais, preservando os valores e costumes dos antepassados vindos da Alemanha para formar suas colônias na Região Sul. A festa oferece comida típica, venda de produtos coloniais, apresentação de danças folclóricas, bandinhas, bailes, concursos, desfiles de rua com atrações diversas como o Bierwagen, um “carro” decorado que distribui chope gratuitamente pela cidade, grupos de danças, ternos de atiradores de Ano Novo, entre outros8. Os igrejinhenses evidenciam a tradição como forma de expressão da identidade de um povo formando um conjunto de significados. Quando a tradição cultural e a valorização dos esforços são percebidos, observa-se certa bairricidade9 quando encontramos obras em que são expostas opiniões, como

A cidade de Igrejinha cresceu e desenvolveu-se graças ao trabalho dos imigrantes alemães que chegaram para colonizar a região por volta de 1847. A parte cultural sempre ocupou lugar de destaque em Igrejinha, através de suas escolas, instituições sociais e, principalmente da música. Entre os valores étnico-culturais que trouxeram com eles, destaca-se a forte religiosidade, a união de esforços, o trabalho incansável, características do povo germânico (FLECK, 2004, p. 322).

A Oktoberfest se tornou uma festa típica, atraindo a população e gerando turismo através da recordação e reinvenção de uma antiga tradição germânica, o baile de Kerb, recriado no município, dando origem à festa de outubro. O Kerb se origina do nome “Kirchwein” (festa dedicada à inauguração do templo) e como em todo município de origem germânica, era uma festa tradicional. Nesta festa, era servida comida típica e as bandinhas tocavam para animar os bailes. O Kerb começava com um culto evangélico pela manhã e após as pessoas acompanhavam

7 Dados documentais e bibliográficos, impressões e registros das observações feitas durante a experiência da pesquisadora Kelly Raquel Schmidt como voluntária na 19ª Oktoberfest. 8 Dados da Prefeitura Municipal de Igrejinha, Boletim Informativo, 2003. 9 “Defensor exagerado dos interesses do bairro ou da sua terra ou em detrimento dos demais” conforme Dicionário Aurélio online (http://www.dicionariodoaurelio.com/)

uma bandinha musical que já esperava em frente à igreja e seguia para o salão de baile, onde continuava a festa com comida, bebida e danças típicas. A época de Kerb era, sem dúvida, o período mais aguardado. Nestes dias, as famílias reuniam-se em torno do acontecimento que marcava o aniversário de inauguração da igreja, com preparativos que duravam vários dias para receber ao melhor estilo, parentes, amigos e familiares. Os festejos tinham a duração de três dias, com baile. A festa envolvia toda a comunidade. Era costume, no terceiro dia da festa, que uma banda saísse pelas ruas da vila executando, em frente às casas, vibrantes marchas e valsas, convidando o povo a última noitada de Kerb. Não faltava o tradicional pau-de- sebo, o “Kervenbaum” que, fiel aos costumes trazidos pelos imigrantes, fazia parte inseparável do Kerb (BRUSIUS; FLECK, 1991, p. 66). A rotina dos moradores de Igrejinha também é alterada durante a organização da festa, bem como nos antigos Kerbs. A Oktoberfest de Igrejinha também se destaca pela participação dos voluntários, pessoas da comunidade que dedicam suas horas de lazer ao trabalho na festa, em benefício do desenvolvimento da comunidade local. No entanto, a partir da fundação da AMIFEST a festa é organizada e gerida pela instituição. Porém o trabalho dos voluntários ainda é expressivo e colabora para o sucesso da festa. A Oktoberfest de Igrejinha pode ser vista como um ato de responsabilidade social ao repassar as divisas oriundas de um trabalho em equipe para as entidades assistenciais do município e até mesmo da região do Vale do Paranhana e Região das Hortênsias, além de cultivar a tradição, se tornando um atrativo turístico. Como comprovação da discussão sobre a festa num âmbito maior, no ano de 2008 foi aprovado na Assembléia Legislativa o Projeto de Lei 09/2008 declarando a Oktoberfest de Igrejinha “Patrimônio Cultural do Estado”. De autoria do Deputado João Fischer e do deputado Marquinho Lang10. Com este feito, o evento passa a integrar oficialmente o calendário da cultura do Estado, sendo reconhecida pela sua importância na preservação da etnia alemã. Para compararmos o crescimento deste evento, os dados da primeira edição da festa mostram um público de 34 mil visitantes, com crescimento constante durante os anos seguintes, chegando ao total de, aproximadamente, 2.932.000 (dois milhões,

10http://www2.al.rs.gov.br/marquinholang/Imprensa/DetalhesdaNot%C3%ADcia/tabid/1567/IdOrigem/1/IdMateria/2 07672/Default.aspx acessado em 10/04/2010.

novecentos e trinta e dois mil)11 visitantes até o ano de 2009 provenientes de vários lugares, tanto do estado como do exterior. Tendo em vista o desenvolvimento local este número é expressivo se relacionado à economia e ao turismo. Através destas informações podemos perceber que os turistas provenientes de outras localidades, sendo de imigração alemã ou não, acabam por se reunir em benefício da disseminação da cultura local, às vezes sem mesmo estar ciente de tal fato. Ele vive essa identidade, criando uma relação de troca com a comunidade local, colaborando assim para a expansão desse patrimônio cultural imaterial do Estado do Rio Grande do Sul, que vem a ser a Oktoberfest. O que chega a ser benéfico para ambos, turistas e comunidade local, como uma forma de reafirmação das tradições, da cultura e da identidade de cada um, porém respeitando e havendo uma interação positiva entre eles. Para atingir os objetivos expostos foi utilizado como embasamento teórico a pesquisa realizada por SCHMIDT (2007), onde a autora discorre sobre a relação do trabalho voluntário existente na Oktoberfest, com o turismo. Tais dados que serão expostos no decorrer do artigo, demonstram como se dão as manifestações da afirmação da identidade através do singelo ato do trabalho voluntário e como tal fator associado ao turismo gerado pela demanda da festividade típica podem juntos gerar a valorização e preservação do patrimônio cultural imaterial. Dessa forma, abaixo podemos ver alguns depoimentos12 de turistas que se deslocaram para a cidade de Igrejinha com motivação específica de participar da festa típica alemã. Através destes podemos identificar as interações relatadas anteriormente: “Adotei a cidade de Igrejinha como minha cidade. Gosto demais desta terra, porque foi nela, durante uma Oktober, que fiz verdadeiras amizades...Que encontrei meus grandes amigos... Agora falta pouco para mais uma Oktober e com certeza estarei presente, curtindo a festa e curtindo meus amigos.” (Peterson Rangel – Porto Alegre-RS)

“Está chegando. Mesmo estando longe já posso imaginar todo o empenho dos Igrejinhenses em recepcionar a todos nessa maravilhosa cidade. Realmente é a melhor festa do Rio Grande do Sul.” (Carlos – Pelotas-RS)

...”Parabéns o Amifest por esta Oktober...Não podemos esquecer a vila Germânica cada ano mais linda e mais rica em detalhes.” (Karin Kraemer – Taquara-RS)

11 O número anual de visitantes foi retirado do site oficial da festa (www.oktoberfest.org.br) sendo que, para uma melhor exemplificação, foram somados para se obter um número total. 12 Depoimentos de visitantes da Oktoberfest 2007. Disponível em: http://www.oktoberfest.org.br/2007/mural_todos.php Acessado em: 12/04/2010.

“A melhor festa do Rio Grande do Sul, incomparável, não existe nada igual na região, participo a 10 anos consecutivos, e estarei lá esse ano novamente” (Simeile Marins – Porto Alegre-RS)

Tais depoimentos demonstram não somente admiração pela festa em si, mas também pela cultura que está sendo difundida através dela. Citando novamente Castro (2008), fica explicito quando o autor argumenta que “A essência cultural é o que une os povos, permitindo que se reconheçam como grupo, como coletividade diante da sua diversidade” Tal fator fica exemplificado pelos depoimentos descritos acima, pois em suma a admiração pela festa típica e pela cultura germânica se expressa de modo a fazer com que as pessoas já se sintam como parte desta comemoração, independente de sua etnia. Em uma breve análise, também podemos apontar a importância da preservação das tradições através da cultura alemã por parte da comunidade de Igrejinha, de modo que um número expressivo de pessoas se dispõe voluntariamente a realizar a organização da festa todos os anos. Para Aurélio Braun, Presidente da 19ª edição,

“O do sucesso da Oktoberfest de Igrejinha, é sem dúvida a grandeza deste sentimento de comunidade, de união, de solidariedade e de desprendimento em favor de uma causa tão nobre. E esta magia vem se perpetuando nas novas gerações que já se dispõem a doar seu tempo livre para realização desta Oktoberfest. Quando pessoas de uma cidade se unem para realizar um evento comunitário desta magnitude, deixando seus interesses pessoais de lado em prol do coletivo, no mais puro exercício da cidadania, o resultado só poderia ser um evento alegre, seguro, brilhante e com um resultado final expressivo. E no final deste grande esforço, repassar este resultado para esta mesma comunidade de Igrejinha e região, e ver no olhar de cada um a satisfação deste exercício, é o ápice do sentimento de solidariedade. É por isso que continuamos trabalhando. Para manter vivo o amor desta comunidade por este evento. Pois através dele conseguiremos dar continuidade ao objetivo de auxiliar as instituições de cunho social e cultural da região. E neste esforço permanente é que buscamos a cada ano parceiros e patrocinadores que queiram vincular a sua empresa, a sua marca e a sua filosofia a este evento. Pois com certeza esta parceria terá peso favorável no balanço social destas empresas13”.

Retomando um trecho da definição de Patrimônio Cultural Imaterial da UNESCO (2003) já citada, podemos perceber que [...] Patrimônio Cultural Imaterial são

13 Depoimento retirado de material informativo, distribuído durante a 19ª Oktoberfest de Igrejinha.

as práticas, as representações, expressões [...] que as comunidades e indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural [...] Este patrimônio que se transmite de geração para geração, é constantemente recriado pelas comunidades em função de seu ambiente [...] gerando um sentimento de identidade e continuidade. Podemos identificar facilmente estes aspectos em parte da população de Igrejinha - RS que doa seu tempo para manter viva a tradição germânica, sendo estas pessoas e as futuras gerações um dos pilares mais importantes para o sucesso e continuidade da festa. Identificamos a continuidade desse empenho repassado através de gerações, como forma de preservar essa identidade e esse patrimônio cultural imaterial ilustrado no Gráfico1, que demonstra a variação na faixa etária dos voluntários da Oktoberfest.

Faixa Etária dos Voluntários

10,63% 6,25% 6,88% De 15 a 19 anos 15,63% De 20 a 29 39,38% anos De 30 a 39 21,25% anos De 40 a 49 anos De 50 a 59

Gráfico 1: Pesquisa realizada com voluntários da 19ª Oktoberfest em 2007. Fonte: Schmidt (2007, p.47)

Esses dados são significativos pelo fato de que, a partir do momento em que gerações mais novas fazem parte da organização da festividade, acabam por vezes sem perceber, preservando um patrimônio cheio de significados como o caso do patrimônio imaterial. O Gráfico 1 revela que mesmo os mais jovens, ou seja, cidadãos entre 15 a 19 anos já percebem a importância de continuar com as tradições de sua etnia, sendo que a maior parcela de participação de voluntários vem a ser na faixa etária de 20 a 29 anos, dados que expressam a definição do que vem a ser patrimônio cultural imaterial

segundo a UNESCO (2003), ou seja, a participação da comunidade local é fator fundamental para a preservação e exaltação deste tipo de patrimônio. O Gráfico 2 vem a ser mais uma sustentação das interpretações citadas acima. Este por sua vez, demonstra há quanto tempo estes voluntários se doam para que a Oktoberfest e a disseminação da cultura germânica venha atingir a cada ano um aumento de público e de turistas que participam de modo vivenciar tal festividade como algo singular. Quanto tempo é voluntário na Oktoberfest de Igrejinha

10,63% 1,88% 9,38% De 1 a 5 anos De 6 a 10 anos 55,63% 24,38% De 11 a 15 anos De 16 a 19 anos Não responderam

Gráfico 2: Pesquisa realizada com voluntários da 19ª Oktoberfest em 2007. Fonte: Schmidt (2007, p.47) De certa forma, tanto turistas quanto voluntários incorporam a mesma cultura em função do esforço tido pelos voluntários para o bom andamento da festa típica e pelo reconhecimento dos turistas em relação a diferente vivência experimentada. Não há mais neste momento o “estranhamento” e o que se percebe é que tais aspectos acabam por serem propulsores da disseminação de um patrimônio imaterial que agora pertence a todas as culturas e não somente a germânica. Nesse sentindo, Ribeiro (1995, p.131) discorre que as pessoas: [...] chegam a ser uma gente só, que se reconhece como igual em alguma coisa tão substancial que anula suas diferenças e os opõe a todas as outras gentes. Dentro do novo agrupamento, cada membro, como pessoa, permanece inconfundível, mas passa a incluir sua pertença a certa identidade coletiva.

Todo esse conjunto analisado anteriormente, agregado ao turismo, faz com que a preservação da cultura local de Igrejinha seja cultuada por diversas pessoas e culturas diferentes e que vão levar consigo uma experiência real. De acordo com Bueno (2006), com o turismo as festas populares ganharam elementos inovadores e recuperaram o espaço público para as atividades criativas. A importância da sua preparação e o orgulho do resultado predispõe as pessoas ao

acolhimento e, além disso, permite a esses grupos de habitantes se exporem ao exterior de modo positivo. O autor ainda discorre sobre alguns aspectos das modificações geradas nas festas populares em função do turismo. O aspecto polêmico dessas modificações, dessas incorporações em função da presença do turista não está verdadeiramente ligado à presença do turista, da mercantilização ou espetacularização. A cultura popular e suas manifestações estarão ameaçadas somente na medida em que houver interferência estranha ao grupo – quando o grupo não puder expressar seu imaginário – quando seus valores forem apropriados e expressos por elementos estranhos ao universo da comunidade (BUENO 2006, Pág.6).

Verifica-se desse modo que não somente a participação da comunidade vem a ser o mais importante, mas sim a preservação de atos e ritos culturais pertencentes a esta comunidade desde o período de sua colonização. Isso poderá ser, entre outros, um dos condicionantes do sucesso e a propagação da festa típica, quanto o aumento de turistas interessados em se relacionar e viver a cultura local no período de realização da mesma. Assim, a comunidade e os turistas atrelados a outras forças importantes para a realização da Oktoberfest, tornam-se atores fundamentais para a existência desse patrimônio que ultrapassa gerações, chamado de “imaterial”.

Considerações Finais

A Oktoberfest de Igrejinha é um evento turístico pautado na tradição e nos costumes germânicos originários de imigrantes que deram início à colonização na região do Vale do Paranhana. É dessa forma que a comunidade típica local de Igrejinha se expressa para o mundo, ou seja, exaltando os aspectos envoltos a uma trajetória da cultura germânica que através da Oktoberfest mantêm-se viva através da memória e da identidade das gerações. Cascudo (1971, p.9) ressalta a importância da memória, definindo-a como o alicerce para a identidade regional. Afirma que o conjunto de memórias de uma sociedade tem uma função de convocar tanto o passado quanto o futuro. Tem, portanto, um lado de permanência e outro de produtividade à espera de quem com ela entre em contato.

Discorrendo sobre o tema “Turismo e Patrimônio Cultural Imaterial”, baseado nas informações que a Oktoberfest de Igrejinha transmite, constatamos que o papel da comunidade, como grupo social, faz a grande diferença quando relacionado à continuidade da festa. A comunidade pode ser considerada como mediadora da evolução da festividade e vem a ser um elemento fundamental para a valorização e promoção do evento. Isso se deve, sobretudo, ao turismo, pois a preservação dessas manifestações abre um campo enorme a ser incorporado nas suas atividades e, dessa forma, o patrimônio da cultura passa a cumprir um papel econômico e social. Assim, como conseqüência deste movimento entre cultura, patrimônio cultural imaterial e identidade, observou-se um panorama turístico pautado num crescimento anual de visitantes e no desenvolvimento regional, gerido através de um dos objetivos principais da festa que é a manutenção de costumes, o trabalho voluntário e a sustentabilidade social. A relação entre comunidade e turista é singular, gerando progresso e desenvolvimento, numa relação mantenedora de uma simbologia através de uma coletividade diferenciada. Desse modo, podemos concluir que o patrimônio imaterial está presente em nosso cotidiano, na cultura e na identidade de um povo, porém passa despercebido se a comunidade como ator social não cumpre o seu papel preservando-o e exaltando-o. Assim, no caso da Oktoberfest, o turismo torna-se um elo entre comunidade local e o turista que possibilita a expansão e divulgação dessa cultura e, portanto solidifica o patrimônio imaterial da comunidade germânica de Igrejinha⁄RS.

Referências Bibliográficas

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