NRE: CURITIBA Município: CURITIBA Autor: NILO SILVA PEREIRA NETTO e-mail: [email protected] Escola: CE PAPA JOÃO PAULO I Fone: 41 - 88416167 Disciplina: EDUCAÇÃO FÍSICA Nível de Ensino: Fundamental Conteúdo Estruturante: LUTAS Conteúdo Básico: Conteúdo Específico: CAPOEIRA REGIONAL Título: CAPOEIRA: DE MANIFESTAÇÃO MARGINAL À EXPRESSÃO DA CULTURA BRASILEIRA Relação interdisciplinar 1: HISTÓRIA Colaborador 1: Joás Ferreira Silva Colaborador da disciplina do autor: Oswaldo Alcântara Validador disciplina Folhas: Luzia Aparecida Ferro Validador relação interdisciplinar 1: Edgar Cavalli Junior

CAPOEIRA: DE MANIFESTAÇÃO MARGINAL À EXPRESSÃO DA CULTURA BRASILEIRA

Você sabia que a capoeira já foi considerada crime, inclusive pelo código penal? Você sabia que em 15 de julho de 2008 essa mesma capoeira foi instituída como Patrimônio Imaterial da Cultura Brasileira?

Como foi possível ocorrer essa transformação da capoeira, que atravessa momentos de marginalidade, de legalização e atualmente é reconhecida oficialmente e até mesmo internacionalmente?

...abram alas, arquem a biriba: a roda vai começar

Hector Julio Páride Bernabó, Carybé, O jogo da Capoeira. Caderno de nº 3, Coleção Recôncavo, Salvador, 1951.

O COMEÇO DA CONVERSA

Para entendermos a capoeira e a nossa questão principal, precisaremos olhar e pensar um pouco mais profundamente sobre essa manifestação. Pois, não poderemos enxergar algumas questões sobre ela apenas olhando de longe, ou somente praticando seus movimentos. Vamos precisar perceber a história da capoeira e assim, entenderemos o contexto social que lhe dá forma. Mergulhemos então, nessa viagem pelo tempo...

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A HISTÓRIA DE UMA LUTA

Peço licença, porque agora eu vou contar A história de uma luta, a história da escravidão Os negros Bantos eram pegos em Angola Pra cá eram traficados, forçados a trabalhar E na senzala, eles ficavam à ferro, Muitos morreram no tronco de tanto apanhar Dor, só existia dor. O chicote abalava E no repique do tambor, uma luta então nascia: A esperança chegou...

Mestre Caju, Capoeira Muzenza, v.06, Brasil, 1997.

A chegada dos portugueses ao nosso país acabou por ser chamada de ―descobrimento do Brasil‖. No entanto, a historiografia mostrou que essas terras eram habitadas anteriormente por uma população nativa, nomeada pelos colonizadores como índios, pois pensavam estar chegando às Índias. Essa população foi escravizada, ou seja, colocada para realizar trabalhos forçados e sem recebimento de salário em troca de sua produção. Mais tarde, a população vinda da África passou a ser utilizada no trabalho escravo. Essas pessoas eram retiradas de suas terras, separadas de suas famílias e amontoadas em porões de grandes embarcações, conhecidas por navios negreiros. Vinham rumo ao Brasil, onde eram vendidas como mercadorias para serem usadas e exploradas pelos seus donos nos diversos trabalhos. Essa forma de trabalho foi mantida por meio de muita violência contra a população escrava: as chicotadas, os corpos amarrados no tronco e castigados publicamente, assim como as queimaduras com ferro incandescente, são exemplos do tratamento ao qual eram submetidas as pessoas escravizadas. Nesse cenário cruel e de opressão, a população escrava passa a constituir formas de resistência, organizando fugas das fazendas onde trabalhavam. Desse mesmo contexto, a capoeira também começa a dar seus primeiros passos, nascida como uma luta desesperada pela liberdade. Sem muitas opções para conquistar sua libertação, só restavam aos escravos e escravas seus próprios corpos, que usados como armas, imitando movimentos de animais, incorporando elementos de danças tradicionais africanas ou nativas, criaram uma forma ágil de lutar e possibilitar suas fugas. P á g i n a | 3

ATIVIDADE: CONSTRUINDO UMA GALERIA DE ARTE

Marcel Verdier, O castigo das quatro Augustus Earle, Escravos Lutando, Brasil, estacas. Public ado em Hugh Honour, A 1820. Original na Biblioteca Nacional da Imagem do Negro na Arte Ocidental, 1989. Austrália, Canberra.

Publicado no Semanário de Edmund Ollier, Escravos em Jacques Arago, Souvenirs d'un Harper, 1860, vol. 4, pág. 344. uma Plantação. Cassell's aveugle. Voyage autour du Departamento de Coleções History of the United States. monde par M. J. Arago (Paris, Especial, Universidade Virgínia. London, 1874-77, Vol. 2, p. 493. 1839-40), vol. 1, facing p. 119

As imagens acima são reproduções de obras de arte espalhadas pelo mundo, que retratam momentos do cotidiano da escravidão de muitos lugares. Nessa atividade vamos construir com elas uma Galeria de Arte contendo uma pequena representação do período da escravidão brasileira. Observe-as então e em pequenos grupos converse sobre elas com base no texto. Agora, vá até o laboratório de informática de sua escola e realize junto ao grupo uma pesquisa na internet P á g i n a | 4

buscando imagens – obras de arte – que relatem o período, procurando enfatizar a escravidão no Brasil. Alguns artistas são famosos nessa representação, tais como Johann Moritz Rugendas e Jean Baptiste Debret que vocês poderão selecionar como palavra-chave na busca pela internet.

UM GRANDE ACERVO NA INTERNET

Um site importante a ser visitado nessa atividade é o da Fundação Virgínia para as Humanidades, que em parceria com o Laboratório de Mídia Digital da Biblioteca da Universidade de Virgínia, dos Estados Unidos da América, acumulou um grande acervo de imagens em seu site. Para nossa atividade, cada grupo poderá entrar em uma das categorias do site e selecionar as figuras de sua preferência. Por exemplo, a categoria ―Plantation Scenes, Slave Settlements and Houses‖, que significa: Cenas de plantação, assentamentos e casas de escravos. Nessa categoria, os grupos poderão selecionar as imagens desejadas. Outra forma de busca, é digitar no campo ―search‖ que significa busca, a palavra – na grafia em inglês para Brasil – para que se inicie uma seleção específica sobre o contexto brasileiro. http://hitchcock.itc.virginia.edu/Slavery/search.html

ORGANIZANDO A GALERIA

As imagens selecionadas deverão ser impressas, separadas e fixadas em um mural de acordo com os temas abaixo. Isso vai facilitar a observação das pessoas. Chegada: Imagens relativas ao transporte de escravos e à chegada deles no Brasil. Também entra aqui, aquelas que retratem o mercado de escravos, a compra e venda das pessoas. Trabalho: Imagens relativas aos diversos tipos de trabalho realizados por escravos e escravas. A vigilância do trabalho. O trabalho forçado e não remunerado. Tratamento: Imagens relacionadas ao tratamento dado aos escravos e escravas para que trabalhem mais, ou como castigo por alguma fuga ou estafa. Cenas de maus tratos, torturas e agressões. Resistência: Imagens que retratem a fuga dos escravos e escravas, a luta para sua defesa, a capoeira e os quilombos. Aqui também entram outras manifestações de resistência como a dança, a música e a religiosidade.

TEXTO DE APRESENTAÇÃO

Nessa fase da atividade, para cada um dos temas acima, deveremos ter um grupo de alunos e alunas correspondente. O grupo deverá elaborar um pequeno texto de apresentação da temática para ser fixado diante das imagens na galeria. Na escrita, o grupo deve inserir a interpretação sobre as imagens históricas, uma descrição geral e finalizar com um convite às pessoas para admirarem o trabalho. P á g i n a | 5

UM SURGIMENTO CAMUFLADO Segundo André da Silva Mello (2002), a Como visto, a capoeira nasceu no capoeira, enquanto manifestação cultural afro-brasileira, criada pelo povo escravo Brasil, criada pela população escrava na como forma de luta contra a opressão, atuou como resistência nos planos físico sua ânsia por liberdade. Mas como uma e cultural. Conservando em símbolos e luta pela liberdade conseguiu surgir em um movimentos alguns elementos que a tornam especial, por exemplo: a ambiente tão hostil às práticas livres dos musicalidade, a religiosidade e os movimentos acrobáticos. escravos? É nesse ponto que precisamos notar outras partes que compõem a capoeira. A capoeira baiana, por exemplo, surgiu camuflada, escondendo-se em passos e ritmos dançados, inclusive musicados, que contribuíram para que fossem escondidos os verdadeiros motivos daqueles movimentos. A dança no interior da capoeira, se expressa no movimentar do corpo, no balanço centrado nos quadris adequado ao ritmo musical, onde os capoeiristas acabam por imprimir coreografias espontâneas, disfarçando nelas, uma luta letal. Ainda temos outro elemento muito importante no nascimento da capoeira, que é sua forma lúdica. O fato de a capoeira ser usada pelos escravos como forma de jogo e brincadeira, nos momentos em que não estavam trabalhando, auxiliou a construir uma prática corporal diferenciada. Relatos historiográficos afirmam que a luta, que ora se caracterizava como única possibilidade de fuga e conseqüente sobrevivência era também observada sendo praticada na forma de jogo, como uma brincadeira, como uma dança, ou ainda como um possível treinamento para futuros combates. Um movimento fundamental na constituição da Disse-nos Mestre Falcão: Na Capoeira, o jogo, a luta e a capoeira é a GINGA. É a movimentação básica, de dança se interpenetram. onde partem todos os outros movimentos e golpes. Misturam-se. Ao mesmo tempo, é luta, é dança e é jogo. O corpo Ela se caracteriza por ser um passo constante, que luta dançando e dança lutando. fornece a imagem dançada da capoeira. Tem proximidade com os movimentos do caminhar, e de algumas atividades de trabalho, ela se realiza com a oposição entre braços e pernas, onde os pés deslizam para trás alternadamente, buscando sempre o equilíbrio.

Mestre Nestor Capoeira diz que na ginga o capoeira se esconde, se esquiva, engana, prepara o ataque. P á g i n a | 6

ATIVIDADE: ESTUDANDO A GINGA

Embora na ginga cada capoeirista imprima sua própria expressão, sua própria forma de gingar, que tal tentarmos aprender uma forma geral primeiramente? Leia com atenção a descrição do movimento básico da ginga: Na posição em pé, abra as duas pernas paralelamente, aproximadamente cinco palmos de distância, mantenha-as semi-flexionadas, essa será a posição inicial. Afaste a perna direita para trás, arrastando o pé, como se realizasse um Hector Julio Páride Bernabó, Carybé, grande passo para trás. A perna esquerda, que O jogo da Capoeira. Caderno de nº 3, Coleção Recôncavo, Salvador, 1951. está na frente poderá flexionar-se levemente. Retorne a perna direita para o mesmo local de onde ela saiu, tendo novamente a posição inicial. Realize o mesmo movimento com a perna esquerda e da mesma forma sucessivamente. Combine os movimentos dos braços alternadamente – semelhantes ao movimento do caminhar – quando estiver com a perna esquerda à frente, o braço direito estará na frente do rosto, protegendo-o com o cotovelo alto, trocando-os conforme o movimento das pernas. Dessa forma a ginga estará completa. Observe as imagens abaixo:

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VAMOS PRATICAR MAIS: GINGANDO EM DUPLAS

Ginga espelhada e alternada: vamos gingar em duplas, uma pessoa de frente para outra. Os movimentos devem ocorrer juntos, ao mesmo tempo, como se visse a própria imagem no espelho. Depois, vamos alternar os movimentos, enquanto uma pessoa ginga para um lado, a outra deverá pender ao lado oposto. Dessa forma vamos conseguir colocar o movimento do nosso corpo, ao mesmo tempo em que o colega, tanto espelhando quanto alternando. Ginga improvisada: continuem gingando em duplas e tente improvisar alguns movimentos – não golpes – eventualmente mudando para os lados, para frente, para trás, retornando à ginga básica. Durante os improvisos, a outra pessoa deverá se adequar também de improviso em acordo com a movimentação da outra. Assim vamos nos aproximando das formas mais espontâneas e livres do jogo da capoeira.

EXPERIMENTANDO, ESTUDANDO E GINGANDO

Vocês seriam capazes de experimentar algumas variações de ginga? Conseguiriam inserir mais movimentos nessas formas de gingar, ainda sem introduzir golpes? Que tal experimentar as seguintes sugestões: giros em torno do seu próprio corpo, para frente e para trás, abaixar-se rapidamente, saltar, gingar com o corpo baixo, gingar com o corpo alto, gingar como se estivesse em um navio negreiro em noite de mar agitado. Agora cada participante deverá criar uma improvisação diferente e ensinar ao colega. CONHEÇA MAIS

RETOMANDO E GINGANDO No ano de 2004, os diretores Hank Levine, Marcelo Machado e Tocha Alves lançaram o documentário chamado ―Ginga: O texto acima também afirmou que a A Alma do Futebol Brasileiro‖. O ginga se assemelha a alguns movimentos do filme conta a história de personagens de diferentes trabalho que era realizado por escravos. Vocês lugares do Brasil e sua relação com o futebol e a ginga, onde um seriam capazes de identificá-los? Experimente deles é capoeirista. gingar como se estivesse trabalhando com uma enxada, ou carregando sacos grandes de café. Esses movimentos podem combinar com o gingado? Agora usando a imaginação, criem em duplas, novas possibilidades de movimentos laborais – do trabalho – em harmonia com a ginga. P á g i n a | 8

DEBATENDO: RODA DE CONVERSAS

Vamos sentar em roda para uma conversa sobre a ginga. As duplas deverão lembrar-se das principais explicações para a formação da ginga na capoeira, iniciando a conversa coletiva. Depois, cada pessoa deverá relatar quais as sensações durante a prática, quais os efeitos sobre o corpo, o equilíbrio, a exigência do movimento em relação aos membros inferiores, a beleza, a graciosidade, o sentimento. Também será importante descrever quais os improvisos criados durante a prática. Por fim, o grupo deverá conversar sobre o que se ouve dizer a respeito da ginga, suas relações com a cultura brasileira, suas relações com esportes como o futebol, por exemplo.

INTENSIFICAÇÃO DA RESISTÊNCIA ESCRAVA

Uma das mais importantes formas de resistência à escravidão era a organização de comunidades de escravos fugitivos das fazendas, conhecidas como quilombos. Dessas organizações, a mais conhecida foi o Quilombo de Palmares, uma comunidade auto-sustentável formada por pessoas até então escravizadas que haviam escapado das fazendas brasileiras. Ocupava uma área próxima ao tamanho de Portugal e situava-se onde era o interior da Bahia, hoje estado de Alagoas. Sua população chegou a alcançar vinte mil pessoas. Zumbi dos Palmares (1655-1695) foi um de seus principais ícones, nasceu livre em Palmares e ainda jovem assume a liderança do quilombo. Zumbi foi muito perseguido pelos governos escravistas, seu comando e a existência do Quilombo de Palmares eram exemplos ameaçadores para o regime de escravidão e em 20 de novembro de 1695 o líder foi morto. Esta mesma data, desde 1995, foi adotada no Brasil como o dia da Consciência Negra.

ZUMBI DOS PALMARES

Zumbi foi chefe de um dos mais importantes dos quilombos – arraiais de escravos fugitivos – o dos Palmares, que se localizava na Serra da Barriga, atual município de União dos Palmares (AL). Zumbi foi alfabetizado pelo padre Antônio Melo, com quem aprendeu latim. Resistiu à invasão da praça-forte do quilombo, tomada pelo bandeirante e capitão-do-mato Domingos Jorge Velho, em 1694, e retirou-se, para organizar ações de guerrilha. Traído, teve o esconderijo descoberto e foi morto na atual Serra dos Dois Irmãos, em Viçosa (AL), em 1695.

Fonte: www.camara.gov.br

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A DECADÊNCIA DA ESCRAVIDÃO

O crescimento da resistência escrava foi um elemento importante para o declínio da escravidão brasileira. Porém, diferentes fatores contribuíram para o fim desse período histórico do país, tais como leis nacionais e internacionais, o desenvolvimento da industrialização na Região Sudeste, entre outros. Vamos então pesquisar alguns deles...

PESQUISA

O grupo da sala deverá ser dividido de TEMAS acordo com o número de temas ao lado. Para  Carta de Alforria; esse estudo, podem-se utilizar três fontes de  Proibição do tráfico de escravos;  Abolição da escravidão na Europa; pesquisa: 1) busca em livros e revistas na  Lei do ventre livre;  Lei dos sexagenários; biblioteca, 2) busca na internet em sites de  Lei Áurea. enciclopédia, associações e outros, 3) entrevista gravada com a professora ou professor de história. Após a coleta das informações, deve-se formar na sala de aula, a Roda de Conversas e cada grupo apresenta seus elementos. Depois, junto do professor ou professora, o grupo deverá conversar sobre as condições de vida – trabalho, moradia, saúde, lazer, educação – que restaram aos escravos e escravas após a Abolição da Escravidão.

A CRIMINALIZAÇÃO DA CAPOEIRA

Com a abolição da escravidão no Brasil, e a ocupação de grande parte dos postos de trabalho por emigrantes europeus na forma de trabalho assalariado, muitos grupos de ex-escravos enfrentaram problemas para encontrar emprego. Muitos destes com habilidades em capoeira foram contratados como seguranças em fazendas. Outros sobreviviam de trabalhos braçais, como nas construções de estradas de ferro. A formação de maltas – grupos, bandos ou gangs de capoeiristas – nos centros urbanos como no , acontecia desde os tempos escravistas e continuou com mais força nesse período. Foi quando a capoeira acabou se tornando crime, inclusa até no Código Penal Brasileiro em 1890. Vamos conferir... P á g i n a | 10

CÓDIGO PENAL DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. DECRETO NÚMERO 847, DE 11 DE OUTUBRO DE 1890.

Capítulo XIII, Dos vadios e .

Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação Capoeiragem: andar em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordem, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal.

Pena: de prisão celular por dois a seis meses.

Parágrafo único. É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta. Aos chefes ou cabeças, se imporá a

pena em dobro.

Nesse momento, os capoeiristas já não eram mais identificados apenas como sujeitos negros. Na formação de maltas urbanas, a presença de mulatos também foi notada. O historiador Carlos Eugênio Soares (2004) percebe em seus estudos, que a capoeira estava articulada com a cultura das cidades, que era formada pelas camadas populares e por trabalhadores marginalizados, atraindo não apenas negros, mas emigrantes brancos pobres, que se amigavam pela afinidade com os golpes velozes e pela camaradagem dos grupos de Soares tem registros de rua. Essa forma de ser dos capoeiristas era estrangeiros que estavam praticando a capoeira. Esse identificada pela polícia que realizava perseguições e número era de impressionantes 30 %. Estavam envolvidos prisões. Nesses conflitos, por vezes os capoeiristas portugueses, espanhóis, finlandeses, suecos, entre saiam vitoriosos, ainda usando apenas seus próprios outros. Na sua grande maioria corpos ágeis. marujos.

A DES-CRIMINALIZAÇÃO DA CAPOEIRA

A capoeira era aprendida nas ruas, nas rodas, observava-se e tentava-se imitar os movimentos. A figura do mestre de capoeira poderia, com sorte, indicar uma ou outra movimentação para algum aprendiz. Mesmo com sua prática criminalizada e reprimida, a luta continuou a ser transmitida geração a geração. Manoel dos Reis Machado, conhecido como Mestre Bimba, segundo Benedito Araújo Hector Julio Páride Bernabó, Carybé, (2008), era um homem de origem humilde, O jogo da Capoeira. Caderno de nº 3, Coleção Recôncavo, Salvador, 1951. trabalhador portuário, de pouca escolaridade, P á g i n a | 11

com fama de grande lutador nas ruas de Salvador. Mestre Bimba é personalidade central da capoeira moderna, pois criou a chamada Luta Regional Baiana, na década de 1930. Tal criação era a conhecida capoeira, mas sistematizada em uma forma específica de ensiná-la, e com noções de defesa pessoal ressaltadas. Essa nova forma foi criada com a colaboração de José Cisnando Filho, aluno de Mestre Bimba e aluno da Faculdade de Medicina da Bahia. Mestre Bimba passou a ensinar a capoeira no interior de uma academia, fato incomum na época, e sua proximidade com estudantes de medicina, praticantes em sua academia, aumentava a influência de sua capoeira na elite nordestina do período. Até que em 1934, Getúlio Vargas, então presidente do Brasil, numa atitude nacionalista, reconhece a herança cultural da capoeira, e extingue o decreto lei que proibia e criminalizava a capoeira, o candomblé e a prática de outros cultos afro- brasileiros.

ATIVIDADE: ESTUDANDO OS MOVIMENTOS DA CAPOEIRA

Como já conhecemos a movimentação básica da capoeira, a ginga, contando até com algumas variações improvisadas, passemos agora ao estudo de outros movimentos da capoeira. Pratique os seguintes movimentos junto à sua professora ou professor:

Esquivas: são movimentos ou posições usadas para desviar de golpes

negativa negativa fechada queda de quatro

negativa com rolê resistência cocorinha P á g i n a | 12

Acrobáticos: são movimentos de destreza, servem ao ataque, à defesa ou à beleza

aú completo

macaco completo

Golpes: servem ao ataque e à defesa. São traumáticos ou desequilibrantes

meia-lua de frente

queixada P á g i n a | 13

meia-lua de compasso

armada

rasteira giratória

negativa derrubando

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EXPERIMENTANDO, ESTUDANDO E JOGANDO

Agora que conhecemos diversos movimentos, golpes (traumáticos e desequilibrantes), acrobacias e esquivas, vamos buscar encaixá-los na ginga? O exercício é fácil, apenas procure gingar por algumas vezes antes de realizar algum dos movimentos acima, encerrando o movimento, volte a gingar normalmente. Procure realizar todos os movimentos aprendidos com a inserção da ginga. Então formem duplas e experimentem todos esses movimentos encaixados.

O ENSINO DA CAPOEIRA

Vimos anteriormente, que é Mestre Bimba quem inicia com a prática de ensinar a capoeira de forma sistematizada. Foi ele quem levou a capoeira para dentro de uma academia e passou lecionar a grupos de alunos a sua Luta Regional Baiana. Uma das formas de ensinar de Bimba era através de seqüências de movimentos. Como Hector Julio Páride Bernabó, Carybé, O jogo da Capoeira. Caderno de nº 3, disse Mestre Nestor Capoeira, são oito Coleção Recôncavo, Salvador, 1951. conjuntos predeterminados de golpes, contragolpes, esquivas, quedas e aús para serem realizadas por duplas de alunos. Isso foi uma grande mudança para a capoeira da época, pois o aprendizado era feito na base do olhar e imitar. Antes de Bimba não tínhamos aulas de capoeira, a pessoa iniciante tinha que observar os jogadores na roda e aprender intuitivamente. Vez por outra, fora da roda, o mestre ou algum jogador mais experiente dava uma dica que ajudava o aprendiz. Vamos conhecer um pouco dessa forma de ensinar...

ATIVIDADE: ESTUDANDO UMA SEQÜÊNCIA DE MESTRE BIMBA

A seqüência do Mestre Bimba que será apresentada é a primeira das oito. Todas elas devem ser feitas a partir da ginga e o ritmo será determinado pelo domínio dos movimentos das duplas executantes, podendo ser rápido ou lento. Dominados os movimentos que estudamos ali em acima, a prática da seqüência será moleza. P á g i n a | 15

PRIMEIRA SEQÜÊNCIA

Nesse exercício, os jogadores e jogadoras executarão cada um, uma série de movimentos próximos um do outro partindo sempre da ginga. Após realizarem uma vez a seqüência, troca-se a ordem de movimentos de cada jogador, quem começou atacando, começará defendendo. Segundo o sistema de Mestre Bimba, os capoeiristas apenas passarão para segunda seqüência, caso dominem bem a primeira e assim por diante.

Jogador esquerdo: meia-lua de frente, meia-lua de frente, armada e aú. Jogador direito: cocorinha, cocorinha, negativa fechada e cabeçada.

Acompanhe atentamente pelas figuras.

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PESQUISA

Vamos pesquisar agora as outras seqüências do Mestre Bimba. Tente também descobrir se algum outro mestre sistematizou seqüências de ensino semelhantes, procure conhecê-las. As formas de pesquisa poderão ser 1) busca em livros e revistas na biblioteca, 2) busca na internet em sites sobre capoeira, 3) visita a academias de capoeira e centros culturais. Vocês poderão realizar essa pesquisa em grupos e ao retornar, deverão apresentar para o conjunto da turma.

ATIVIDADE: CINE-CAPOEIRA

FILME: MESTRE BIMBA, A CAPOEIRA ILUMINADA

Vamos assistir ao filme-documentário sobre a história de vida de Mestre Bimba. Inspirado no livro ―Mestre Bimba, corpo de mandinga‖ de Muniz Sodré, o filme conta com depoimentos de antigos alunos do mestre, familiares e colegas a biografia de . O filme foi dirigido por Luís Fernando Goulart e foi lançado em 2007 nos cinemas. Anote todas as questões importantes do filme, mesmo que não tenham sido trabalhadas em aula e traga para a próxima atividade.

DEBATE

Conforme nossos estudos, vimos que o ensino da capoeira realizou um movimento, das ruas e da espontaneidade, para o interior das academias, precisando ser pago de alguma forma. Vamos avaliar nesse debate quais as vantagens e desvantagens desse movimento? Dividiremos dois grupos, um deles vai discutir anteriormente as vantagens, e sistematizará em cartolina para apresentar ao outro grupo. Por sua vez, outro grupo discutirá as desvantagens, que também deverá ser sistematizada em cartolina para apresentação. Depois das duas apresentações, cada grupo terá de fazer 3 perguntas ao outro grupo, questionando seus argumentos.

É IMPORTANTE CONSIDERAR

 O ponto de vista dos mestres de capoeira;  O ponto de vista dos aprendizes que não podem pagar;  A transformação no ensino da capoeira para dentro da academia;  Entre outros assuntos que deverão aparecer. P á g i n a | 17

ATIVIDADE: CONSTRUINDO NOSSA PRÓPRIA SEQÜÊNCIA

Utilizando-se das práticas do estudo da seqüência de Mestre Bimba, somando- se à apresentação da última pesquisa sugerida acima, das observações do filme e dos resultados do debate, dividam-se em equipes de 4 pessoas e procurem criar uma seqüência de movimentos para prática da capoeira. Depois disso, os grupos deverão trocar apenas uma dupla com outro grupo. Essa troca terá o objetivo de que o novo grupo de 4 pessoas possua 2 seqüências para praticar. Deverão fazê-lo por alguns minutos e trocar de novo, sucessivamente.

A CAPOEIRA NO MUNDO

Em busca de apoio e reconhecimento, a partir do inicio da década de 1970, muitos capoeiristas brasileiros começaram sair do país para rumo à Europa e Estados Unidos. Mal sabiam eles que 30 anos depois a capoeira estaria espalhada pelos quatro cantos do mundo, sendo a atividade brasileira mais praticada em todo planeta. Atualmente, a capoeira é praticada em mais de 150 países, nos 5 continentes desse mundo. Mulheres, homens e crianças de diversas nacionalidades, etnias e credos praticam a luta escrava, que vem sendo levada por mestres brasileiros, cada vez mais reconhecidos. No Brasil, já são mais de 5 milhões de praticantes.

O TOMBAMENTO DA CAPOEIRA NO BRASIL

Durante a reunião dos conselheiros do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) junto ao Ministério Federal da Cultura, em 15 de julho de 2008, deliberou-se pelo reconhecimento da capoeira como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. Essa decisão tem objetivo de oficialmente adotar a capoeira como fundamental na construção cultural brasileira, assim como reconhecer o esforço dos mestres na guarda dos fundamentos dessa manifestação. Tal acontecimento, reconhecido como o tombamento da capoeira, foi comemorado por praticantes de todo o Brasil.

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ATIVIDADE: IÊ DÁ VOLTA AO MUNDO, CAMARÁ...

É hora de encontrar pela internet quais os lugares do mundo em que a capoeira se encontra. Vá até o laboratório de informática. Através dos sites de busca, digite palavras-chave que possam trazer notícias e artigos sobre a capoeira em outros países. Por exemplo: Capoeira + Canadá, Capoeira + Espanha. Da mesma forma, vá ao site de compartilhamento de vídeos ―http://www.youtube.com‖ e assista vídeos da capoeira sendo praticada nesses países. Em grupos, pesquisem também imagens, fotos dessa prática pelo mundo e organizem uma apresentação de fotos, que junto aos textos e artigos serão a explicação para os demais alunos e alunas, no momento da exposição do trabalho. Cada grupo deverá responder a pelo menos uma pergunta da platéia.

Capoeira é atitude brasileira que reconhece Uma história escrita pelo corpo, pelo ritmo E pela imensa natureza libertária do homem Frente a intolerância

Luta e dança e ritmo e vigor físico Os negros criaram a capoeira Tanto para servir ao prazer Quanto ao combate Realizaram na própria carne Essa imagem de vida

Gilberto Gil, então ministro da Cultura do Brasil, Genebra, ONU, 19 de agosto de 2004.

Dedico esse FOLHAS ao Mestre Candeeiro, meu mestre, verdadeiro “mestre que dá lição”.

Agradeço as contribuições de Benedito Araújo, cujas reflexões inspiraram esse FOLHAS, mestre e companheiro Bené da Bahia, obrigado.

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REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Benedito Carlos Libório Caíres. A capoeira na sociedade do capital: a docência como mercadoria-chave na transformação da capoeira no século XX. Dissertação (mestrado em educação) – Faculdade de Educação. Universidade Federal de Santa Catarina, 2008.

CAPOEIRA, Nestor. (Nestor Sezefredo dos Passo Neto). Capoeira: fundamentos da malícia. 5ª ed. Record, Rio de Janeiro, RJ. 1999

CAPOEIRA, Nestor. Capoeira: pequeno Manual do jogador. 7ª ed. Record, Rio de Janeiro, RJ. 2002

CÓDIGO PENAL DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. CÓDIGO PENAL DE 1890; LIVRO III – DAS CONTRAVENÇÕES EM ESPECIE – Capitulo XIII — Dos vadios e capoeiras (arts. 399 a 404). Decreto 847, de 11 de outubro de 1890

FALCÃO, José Luiz Cirqueira. Capoeira. In: Elenor Kunz. (Org.). Didática da Educação Física 1. 1 ed. Ijuí: Unijuí, 1998, v. 1, p. 55-94.

FALCÃO, José Luiz Cirqueira. O jogo da capoeira em jogo e a construção da práxis capoeirana. 2004. 409 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2004.

FALCÃO, José Luiz Cirqueira. O jogo da capoeira em jogo. In: Revista brasileira de ciências do esporte. Campinas, Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. V. 27, n. 2, janeiro de 2006.. pp. 59-74.

MELLO, André da Silva. A história da capoeira: pressuposto para uma abordagem na perspectiva da cultura corporal. VIII Congresso Brasileiro de História da Educação Física, Esporte, Lazer e Dança. Anais. Universidade Estadual de Ponta Grossa, 2002.

PEREIRA NETTO, Nilo Silva. A capoeira no município de Campo Largo, estado do Paraná: uma experiência educacional a partir da abordagem crítico-superadora em Educação Física escolar. VII Congresso Nacional de Educação (EDUCERE). Curitiba. Anais, 2007.

PEREIRA NETTO, Nilo Silva, FERREIRA, Fernando Dandoro, JOAO, Cleverson São. Políticas públicas em educação, esporte e cultura: a capoeira no interior do projeto contra-turno escolar do município de Campo Largo. Notas de um caso atípico? In: I Encontro da Asociación Latinoamericana de Estudios Socioculturales del Deporte, Curitiba. Anais, 2008.

SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro (1808 – 1850). Campinas-SP: Editora da Unicamp, 2004.

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PARECER: HISTÓRIA

Curitiba, 27 de fevereiro de 2009.

Professor Nilo Silva,

O seu trabalho (Projeto Folhas), somado aos trabalhos de tantos companheiros nossos, são a garantia que a Lei 10639/03, que instituiu o ensino da História da África e da cultura afro-brasileira nas escolas veio para ficar. É pertinente o seu projeto no momento em que tanto se discute a vivência democrática de uma sociedade plural, que passa obrigatoriamente pela valorização e respeito da diversidade étnica e cultural. Ao estudar com seus alunos a capoeira, o professor faz com que eles se aproximem da África, pois dentre as influências africanas, com certeza, a dança e a música aparecem significativamente. Sendo ―a felicidade do negro uma felicidade guerreira‖ foi oportuno inserir no estudo com os alunos a questão da resistência como um dos elementos que fez com que os negros criassem ou recriassem um jogo, uma dança, e uma ginga que, de outra forma, talvez já existissem na África, mas não eram usadas como instrumento de defesa e ataque. Seu projeto não para na capoeira, pois são vários os desdobramentos que ele pode oferecer, tendo em vista as identidades negras presentes nela (dança, jogo, linguagem, religiosidade, musicalidade, etc). Não deixando de mencionar um item que considero como um dos mais importantes: o aprendizado na roda. Círculo é a forma dos elos da corrente, da aliança, da união e, nada mais didático do que a idéia do saber compartilhado. Enfim, que a tua experiência seja positiva e se junte à experiência vitoriosa de Zumbi, , João Cândido, Mestre Bimba e tantos outros negros que trabalharam para que o Brasil fosse pensado sem excluídos, mais justo e solidário. Boa sorte!

Professor Joás Ferreira Silva RG 3.130.500 – 4 PR

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PARECER: EDUCAÇÃO FÍSICA

Curitiba, 10 de março de 2009

Professor Nilo Silva,

O trabalho realizado pelo professor (Projeto Folhas), nos garante que a Lei 10639/03, que instituiu o ensino da História da África e da cultura afro- brasileira nas escolas, permite que possamos entender melhor essa manifestação da cultura corporal tratar pedagogicamente esse conteúdo estruturante e sua concepção teórica na origem das lutas. As lutas sempre estiveram presentes na história da humanidade na necessidade de defesa ou de ataque ou somente como manifestação da cultura de um povo como é o caso da capoeira em que pode se distinguir a técnica e a sabedoria de vida em que ela está inserida a partir da observação dos movimentos dos animais. O seu projeto vai além de discutir se a capoeira é de origem africana ou uma arte brasileira, em discussões que o seu desenvolvimento e sua prática passaram a ter um estudo mais aprofundado, haja visto fazer parte de um conteúdo estruturante e dos conteúdos básicos da educação pública no estado do Paraná, dando uma importância aos princípios filosóficos que a fundamentam compreender o processo de esportivização, e tratar pedagogicamente esse conteúdo estruturante, ter uma visão crítica e diferenciar as lutas de somente brigas de rua e consequente aumento da violência pela violência. O trabalho apresentado nos fornece mais subsídios para que a capoeira seja sistematizada a sua prática a partir de uma intervenção consciente dos profissionais de educação física em que busca consolidar essa luta de origem brasileira permitindo que mesmo os professores que nunca praticaram capoeira possam ministrar esse conteúdo com um embasamento teórico metodológico junto com uma interação professor e aluno e proporcionando um bem estar físico e mental.

Professor Oswaldo Alcântara RG 33125968 PR