SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE - MMA INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE – ICMBIO

RESERVA EXTRATIVISTA ARAPIRANGA TROMAÍ Municípios de Carutapera e Luis Domingues, Estado do Maranhão. Processo nº 02070.002266/2009-35

oares S

Foto: Karina

Anna Karina Araújo Soares Analista Ambiental CNPT/ ICMBio Mestre em Agroecologia /UEMA

Fabiano Pimentel Ribeiro Analista Ambiental CEPENE/ICMBio Mestre em Extensão Rural e D esenvolvimento /UFPE

Alexandre Silva de Oliveira Analista Ambiental COCU C/ICMBio Mestre em Biologia Vegetal/UNICAMP

Maranhão 2016

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE - MMA INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE – ICMBIO

Presidenta da República DILMA ROUSSEFF

Vice-Presidente MICHEL TEMER

Ministro do Meio Ambiente SARNEY FILHO

Presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio RÔMULO MELLO

Diretor de Pesquisa, Avaliação e Monitoramento da Biodiversidade -DIBIO/ICMBio MARCELO MARCELI NO DE OLIVEIRA

Diretor de Ações Socioambientais e Consolidação Territorial em UCs -DISAT/ICMBio CLÁUDIO CARRERA MARETTI

Diretor de Criação e Mane jo de Unidades de Conservação -DIMAN/ICMBio PAULO HENRIQUE CARNEIRO

Coordenadora do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Sociobiodiversidade Associada a Povos e Comunidades Tradicionais – CNPT/DIBIO/ICMBio KATIA REGINA AROUCHA BARROS

INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE - ICMBio Diretoria de Pesquisa, Avaliação e Monitoramento da Bi odiversidade - DIBIO Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Sociobiodiversidade Associada a Povos e Comunidades Tradicionais – CNPT Endereço: Rua das Hortas, nº 223, Centro, São Luis -MA, CEP 65020 -220. Fone: 98-3221 4167/ 98-3221 0191

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SUMÁRIO

Lista de Ilustrações 04

1. Apresentação 07

2. Contexto Regional 08

3. Identificação e Caracterização da População Tradicional 16

4. Infraestrutura básica e o modo de vida nos bairros e povoados 20 de Carutapera/MA

4.1 Caracterização Geral 22 4.2 Sistemas de Produção e Extrativismo 28 4.3 Faina da Pesca 35 4.4 Povoados dentro e no entorno dos limites da Resex 45

5. Infraestrutura básica e o modo de vi da na sede do Município de Luís 68 Domingues/MA e na Ilha Boa Vista

5.1 Caracterização Geral 72 5.2 Sistemas de Produção e Extrativismo 76 5.3 Faina da Pesca 78 5.4 Ilha de Boa Vista 80

6. Considerações Finais 86

Bibliografia 88

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Mapa 1 Localização dos municípios de Carutapera e Luis Domingues, 08 estado do Maranhão. Mapa 2 Contorno da Resex Arapiranga Tromaí/MA 09 Mapa 3 Área Estratégica – Costa Norte do Plano de Ação Nacional para 12 Conservação das Espécies Ameaçadas e de Importân cia Socioeconômica do Ecossistema Manguezal (PAN Manguezal) . Fotos 1 e 2 Oficina participativa em prol da criação da Resex realizada na 21 Colônia de Pescador es Z-1 de Carutapera/MA. Tabela 1 Estrutura do poder executivo de Carutapera com os respectivos 23 responsáveis. Tabela 2 Relação das principais escolas de ensino pré -escolar, fundamental 23 e médio do núcleo urbano de Carutapera, estado do Maranhão. Tabela 3 Calendário cultural de Carutapera/MA. 27 Foto 3 Conhecimentos, da faina pesqueira, sendo transmitidos de pais 37 para filhos no Rio Arapiranga, Carutapera/MA. Foto 4 Zangaria armada à margens do Rio Arapiranga, Carutapera/MA. 39 Gráfico 1 Pr odução pesqueira das principais espécies capturadas no 42 município de Carutapera, em 2005 (IBAMA, 2006). Gráfico 2 Percepção dos pescadores acerca da variação anual da produção 44 (linha contínua) e do preço (linha pontilhada) das principais espécies de pei xes e crustáceos capturados na região de Carutapera, Estado do Maranhão. Tabela 4 Povoados dentro e no entorno dos limites da Resex. 45 Foto 5 Praia da Sardinha, município de Carutapera/MA. 46 Foto 6 Praia do Lombo, município de Carutapera/MA. 46 Fotos 7 e 8 Trapiche do Povoado Ilha de Fora, Município de Carutapera/MA. 47 Foto 09 Templo da Assembleia de Deus na Praia de São Pedro, 47

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Carutapera/MA. Foto 10 Unidade escolar localizada no porto do Povoado Ilha de Fora 48 Carutapera/MA. Fotos 11 Povoado Praia de São Pedro, município de Carutapera/MA. 51 Foto 12 Escola publica municipal localizada no povoado Praia de São 51 Pedro, Carutapera/MA. Foto 13 Hortas cultivadas por morador da praia de São Pedro, município de 52 Carutapera/MA. Foto 14 Gado criado solto nas areias da praia de São Pedro, município de 53 Carutapera/MA. Foto 15 Festejo da Taboca no povoado Livramento. 55 Foto 16 Povoado de Manaus da Beira, município de Carutapera/MA. 57 Fotos 17 e 18 Templo da Igreja Católica e da Assembleia de Deus no Povoado 57 de Manaus da Beira, município de Carutapera/MA. Foto 19 Galinhas criadas soltas pelo Povoado de Manaus da Beira, 60 Carutapera/MA. Fotos 20 e 21 Fachada e interior da Unidade Escolar do Povoado São Lourenço, 61 município de Carutapera/MA. Foto 22 Posto de Saúde do Povoado São Lourenço, Carutapera/MA. 62 Foto 23 e 24 Igreja Católica e Centro Comunitário do Povoado São Lourenço, 63 Carutapera/MA. Foto 25 Mercado Público Municipal do Povoado São Lourenço, 64 Carutapera/MA. Tabela 5 Linha do tempo dos prefeitos que já o governaram Luis 68 Domingues do Maranhão. Foto 26 Prefeitura Municipal de Luis Domingues, Maranhão. 69 Fotos 27 e 28 Colônia de Pescadores Z-61 e membros da diretoria reunidos para 70 discutir sobre a Resex em Luís Domingues/MA. Fotos 29 e 30 Local de realização da reunião sobre Resex em Luis 71 Domingues/MA e explanação do Sr. Alberto Cantanhede sobre a CONFREM e a Resex. Tabela 6 Relação das principais escolas de ensino pré-escolar, fundamental 72 e médio do núcleo urbano de Luís Domingues, estado do Maranhão. Foto 31 Hospital Municipal de Luís Domingues/MA. 73 Tabela 7 Principais eventos culturais do município de Luís do Estado do 75 Maranhão. Tabela 8 Artes de pesca utilizadas pelos pescadores da região, Estado do 78 Maranhão. Tabela 9 Ocorrência de espécies capturadas pelas artes de pesca utilizadas 80 5

na região de Carutapera e Luís Domingues. Foto 32 Ilha de Boa Vista no município de Luis Domingues/MA. 81 Foto 33 Casas de madeira e suspensas do solo tipo “palafitas” na ilha de 82 Boa Vista no município de Luis Domingues/MA. Fotos 34 e 35 Armazenamento de água para consumo e outras atividades diárias 83 na Ilha de Boa Vista no município de Luis Domingues/MA. Foto 36 Banheiro com despejo de esgoto diretamente na área de influencia 83 da maré, Ilha de Boa Vista no município de Luis Domingues/MA. Fotos 37 e 38 Armazenamento de castanha de caju para assar e consumo de coco 84 por morador da Ilha de Boa Vista, município de Luis Domingues/MA. Fotos 39 e 40 Caprinos criados na praia de Boa Vista e abrigos para pernoite 85 destes animais, município de Luis Domingues/MA. Fotos 41 e 42 Galinhas e patos criados na praia de Boa Vista e abrigos para 85 pernoite destes animais, município de Luis Domingues/MA.

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1. Apresentação

Este estudo foi elaborado como premissa à proposta de criação da Reserva Extrativista Arapiranga Tromaí, inicialmente denominada de Resex Carutapera, localizada nos municípios de Carutapera/MA e Luis Domingues/MA, conforme o disposto na Instrução Normativa nº 03 de 18 de setembro de 2007, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, que disciplina as diretrizes, normas e procedimentos para a criação de Unidade de Conservação Federal das categorias de Reserva Extrativista e Reserva de Desenvolvimento Sustentável.

A solicitação de criação desta Resex parte da mobilização da Colônia de Pescadores Candido Loureiro-Z1 do município de Carutapera no ano de 2007 frente ao avanço da pesca predatória sobre seus recursos pesqueiros. Neste contexto diversos eventos vinculados à disseminação de conhecimento, sensibilização e tentativas de regulamentação e acordos relacionados a atividade foram desencadeados pelos pescadores visando à conservação dos manguezais, tais como: i) seminário de conservação de recursos pesqueiros (2003), ii) discussão de acordo de pesca, iii) debates sobre criação da Resex (2007) e iv) seminário para criação da Resex (2008).

O processo nº 02070.002266/2009-35 aberto em 27/08/2009 referente à solicitação de criação da Resex Carutapera/MA esta composto por peças documentais referentes aos eventos citados acima, e ainda, relatório de vistoria previa da área (2007) e relatório de levantamento e caracterização fundiária da área proposta à criação da Resex (2009). Foi pressuposto inicialmente uma área de 59.000 hectares no município de Carutapera e solicitação de expansão desta em mais 37.000 hectares, englobando todo o litoral do município de Luis Domingues ate o limite com o município de /MA, conforme o oficio da Colônia de Pescadores Z-61 de Luis Domingues em 10/07/2009. Em 19/03/2014 o processo de criação desta Resex foi reiniciado marcado pela reunião realizada nas dependências da prefeitura, estando presentes representantes da colônia Z-1, professores municipais, cooperativa de pescadores de Carutapera (COOPEC), CONFREM e CNPT/ICMBio.

O presente estudo é fruto do trabalho integrado entre CNPT/DIBIO, CEPENE/DIBIO e COCUC/DIMAN para ampliação de áreas protegidas nas Reentrâncias Maranhenses pelo Projeto Manguezais do Brasil com apoio da CONFREM, estagiárias do ICMBio (Nayara Marques e Milena Moura) e organizações locais de pesca.

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2. Contexto Regional

A área solicitada para a criação da Reserva Extrativista Arapiranga Tromaí está inserida nos Municípios de Carutapera e Luís Domingues, Estado do Maranhão (Mapa 1). De origem tupi, Carutapera significa “povoação abandonada”. Já o nome Luís Domingues se refere ao jurista natural de Turiaçu, Deputado Geral no Império, Deputado Federal na República e ex-governador do Maranhão, Luís Antônio Domingues da Silva.

Mapa 1: Localização dos municípios de Carutapera e Luis Domingues, estado do Maranhão.

Ambos os Municípios pertenciam à Bragança, estado do Pará. Em 1833, o povoado de Turiaçu foi elevado à categoria de Vila e desmembrada do Município de Bragança. Mas somente em 1852 é que esse povoado passou para a jurisdição do Estado do Maranhão. Em 1886, por meio da Lei Provincial nº 1.377, o povoado de Carutapera foi desmembrado da Vila de Turiaçu e elevado à categoria de Vila, tendo por gentílico carutaperense.

Os limites da Vila de Carutapera passaram a ser: ao Norte, o Oceano Atlântico; ao Sul, município de , Amapá do Maranhão, Maracaçumé e Centro Novo do Maranhão; a Leste, os municípios de Luis Domingues, Godofredo Viana e Turiaçú e; ao Oeste, o Estado do Pará. Atualmente, Carutapera é constituída pela sede do município, localizada nas margens do rio Arapiranga, e por diversos outros povoados. A sede municipal de Carutapera é dividida em onze bairros conhecidos como São Sebastião (Centro), Santo Antônio, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Nossa Senhora da Aparecida, Vila Dourado, 8

Tupi, Santa Luzia, Boa Esperança, São Benedito, São José e Santa Rita. Sendo que desses bairros, os que possuem maior número de moradores envolvidos com as atividades de pesca são aqueles com maior proximidade com o rio e onde existem portos para ancoragem das embarcações. Os principais portos estão localizados nos bairros de Vila Dourado (Porto do Cajueiro), Nossa Senhora da Aparecida (Porto da Mangueira), Santo Antônio (Porto Santo Antônio) e no Centro (Porto do Mercado). Os bairros São Benedito e São José apesar de não possuírem portos, possuem muitas famílias de pescadores devido a sua proximidade com o rio.

O município de Luis Domingues surgiu de um povoado chamado de Olho d'Água, em 1880, caracterizado pela existência de uma nascente e conhecido localmente por Borboletal. Em 1922 a Câmara Municipal deu o título de Vila de Carutapera ao povoado. Sendo elevada a Município em 1961, através da Lei Estadual nº 2176, com a denominação de Luís Domingues. A área proposta para criação da Reserva Extrativista Arapiranga Iriri abrange todo o litoral do Município de Carutapera e do Município de Luis Domingues (Mapa 2), situada entre a fronteira municipal de Godofredo Viana e a fronteira municipal de Viseu (PA), nos limites da Reserva Extrativista Gurupi Piriá/PA.

Mapa 2: Contorno da Resex Arapiranga Tromaí/MA em amarelo, dos municípios de Carutapera e Luis Domingues em roxo e vermelho e da Resex Gurupi Piriá/PA em azul.

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De acordo com classificação política administrativa regional estabelecida pelo IBGE, esses municípios estão localizados na mesorregião geográfica do Oeste Maranhense e na microrregião geográfica do Gurupi. Essa mesoregião abriga a maior área de manguezais do país, bem como, a maior porção do “cinturão” dos manguezais amazônicos, que compreendem o litoral do Maranhão, Pará e Amapá. Os Municípios de Carutapera e Luís Domingues situam-se nesse cinturão de manguezais, também conhecido como Reentrâncias Maranhenses.

Esta mesoregião apresenta clima Equatorial Quente e Úmido, com um período seco de apenas três meses que vai de agosto a outubro. Em relação à altitude, possuem baixos valores de elevação, variando de aproximadamente zero a, no máximo, 80 metros. Na mesorregião predominam dois tipos principais de relevo: a planície fluviomarinha e a superfície do rio Gurupi. Os principais rios que ocorrem na região são o rio Gurupi, Arapiranga, Iriri-mirim, Iriri-açu e Tromaí.

A planície flúvio marinha, também conhecida por litoral de mangues e rios, geologicamente é constituída pela Província Estrutural Costeira, caracterizada por sedimentos predominantemente pelíticos, argilo-siltosos, com muita matéria orgânica, restos de madeira e conchas. Essa formação é de origem mais recente, sendo constituída por depósitos sedimentares quaternários. Apresenta área plana resultante da combinação de processos de acumulação fluvial e marinha estando sujeita a inundações periódicas, podendo comportar canais fluviais, manguezais, cordões arenosos e deltas.

De acordo com dados divulgados pelo Centro de Hidrografia da Marinha, o litoral do Maranhão apresenta uma variação de até seis metros de altura entre a maré alta e baixa num intervalo aproximado de seis horas. Além disso, o solo nessas planícies é do tipo Gleissolo Sálico Sódico e a vegetação predominante é a formação pioneira arbórea do tipo Manguezal, com predominância das seguintes espécies vegetais arbóreas: mangue-vermelho (Rhizophora mangle ), mangue-branco ( Laguncularia racemosa ) e siriba ( Avicennia spp.).

Já o relevo denominado Superfície do rio Gurupi, geologicamente é constituído pela Província Estrutural Gurupi, de formação muito mais antiga e caracterizada pela presença do fragmento Cratônico Riaciano (Cráton São Luís), com ocorrência do Tonalito Cândido Mendes (Grupo Tromaí), do Granito Areal e do Grupo Aurizona. Nessas áreas podem ocorrer os seguintes jazimentos minerais: ouro, manganês e calcário. São caracterizadas por vales bem definidos e vertentes de declividades variadas, entalhadas por sulcos e cabeceiras

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de drenagem de primeira ordem. Os solos são do tipo argissolo vermelho-amarelo distrófico com manchas de plintossolo argilúvico distrófico e a vegetação predominante são as florestas ombrófilas Densa.

O rio Gurupi, rio de domínio federal, é o divisor natural entre os estados do Maranhão e do Pará. Este rio nasce em terras maranhenses, na serra do Gurupi, entre os municípios de Açailândia e São Francisco do Brejão, percorre terreno de baixada em direção Norte, com uma extensão 720 km, até chegar ao Oceano Atlântico. A bacia hidrográfica do rio Gurupi, pelo lado do Estado do Maranhão, possui área de 15.953,91 km², representando cerca de 4,80% da área total do Estado. Esta bacia tem cerca de 70% de sua área contida no Maranhão (NUGEO, 2009).

A área esta inserida nas Reentrâncias Maranhenses e se caracterizada por baías, enseadas, ilhas e manguezais, em uma área de 2.680.911 hectares transformados em Área de Proteção Ambiental (APA), através do Decreto Estadual nº 11.901 de 11 de Junho de 1991, abrangendo além de Carutapera e Luis Domingues, outros 15 municípios, a saber: Alcântara, Apicum-Açu, Bacuri, Bequimão, Cândido Mendes, Cedral, , Godofredo Viana, Guimarães, , Porto Rico do Maranhão, Serrano do Maranhão, Turiaçu e Turilândia. Esta APA também esta dentre as áreas prioritárias para Rede Hemisférica de Defesa das Aves Limícolas devido à importância fundamental para as aves migratórias. Também foi considerada área prioritária pela Convenção sobre Zonas Úmidas por serem ambientes naturais de alta biodiversidade com funções reguladoras dos regimes hidrológicos.

Vale ressalvar que as Reentrâncias Maranhenses integram duas Áreas Prioritárias para a Conservação dos Biomas Brasileiros, no Bioma Amazônia (Código da área nacional: AM-289) e na Zona Costeira e Marinha (Código da área nacional: MC-74) que visam compatibilizar a almejada aceleração do crescimento econômico do País e a conservação dos nossos recursos biológicos, seu uso sustentável e a repartição dos benefícios advindos deste uso. Essa priorização surge da Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB (1992) em um esforço mundial para a manutenção da biodiversidade e uma busca por diretrizes que conciliem o desenvolvimento com a conservação e a utilização sustentável dos recursos biológicos. Assim o Brasil, através do Ministério do Meio Ambiente, realizou entre 1998 e 2000 a primeira “Avaliação e Identificação das Áreas e Ações Prioritárias para a Conservação dos Biomas Brasileiros”, definindo 900 áreas, estabelecidas pelo Decreto nº 5.092 (24/05/04), instituídas pela Portaria MMA nº 126 (27/05/04) e revisadas pela Portaria MMA nº 09 (23/01/07), com o objetivo de orientar as políticas públicas, direcionar 11

pesquisas e estudos e a definir áreas para criação de novas Unidades de Conservação, nas esferas federal e estadual. Neste contexto de priorização agregasse mais elementos à criação desta resex.

Da mesma forma, encontra-se entre as áreas estratégicas (mapa 3) contidas no Plano de Ação Nacional para Conservação das Espécies Ameaçadas e de Importância Socioeconômica do Ecossistema Manguezal (PAN Manguezal) a área do Cinturão Pará- Maranhão que abarca o litoral dos estados do Pará e Maranhão, a ressaltar as áreas foco de nosso estudo, os municípios de Carutapera e Luis Domingues. O objetivo geral é aumentar o estado de conservação dos manguezais brasileiros, reduzindo a degradação e protegendo as espécies-alvo, mantendo suas áreas e usos tradicionais, a partir da integração entre as diferentes instâncias do poder público e da sociedade, incorporando os saberes acadêmicos e tradicionais, até 2019. O PAN Manguezal é coordenado pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Sociobiodiversidade Associada a Povos e Comunidades Tradicionais do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (CNPT/ICMBio), supervisionado pela COPAN/ICMBio, apoio do Projeto Manguezais do Brasil (GEF MANGUE/PNUD BRA 07- G32), que está sendo implementado pela DISAT/ICMBio.

Mapa 3: Área Estratégicas – Costa Norte do PAN Manguezal.

Ainda dentro do âmbito do PAN Manguezal estabeleceu-se ações de conservação para 74 espécies, sendo 20 espécies ameaçadas de âmbito nacional, 09 apenas de âmbito regional e 45 espécies de importância socioeconômica e não ameaçadas, tendo essas sido priorizadas nas reuniões preparatórias com Povos e Comunidades Tradicionais obedecendo aos seguintes critérios: tipo de uso, importância comercial, ameaça, dependência do manguezal e espécie bandeira. 12

Mesmo sem possuirmos um levantamento de espécies da área proposta para criação desta Resex podemos registrar a presença de espécies nacionalmente ameaçadas de extinção, como Mero (Epinephelus itajara) e Peixe-boi ( Trichechus manatus ). Considerando as espécies que constam exclusivamente de listas regionais de espécies ameaçadas de extinção podemos verificar a presença de Ostra-do-mangue ( Crassostrea rhizophorae ), Guará (Eudocimus ruber) , Taquiri ( Nyctanassa violacea ) e Caranguejo-uçá ( Ucides cordatus ). Nas espécies de importância socioeconômica e não ameaçadas temos na área da Resex, Gurijuba (Aspistor luniscutis ), Pescada-amarela ( Cynoscion acoupa ), Tainha (Mugil), Camarão- branco ( Litopenaeus schmitti ), Corvina (Micropogonias furnieri ), Serra ( Scomberomorus brasiliensis ) e Camarão-sete-barbas ( Xiphopenaeus kroyeri ).

No que diz respeito ao desmatamento, segundo informações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), até 2013 o município de Carutapera possuía 651,2 km 2 de área desmatada, o que corresponde a aproximadamente 53% do território do município (1.232km 2). O Município de Luis Domingues apresenta uma área desmatada acumulada de 309,4km 2, o que equivale em torno de 66% do território do município (464km 2).

No entanto, cabe ressaltar, que a maior área desmatada corresponde a Floresta Ombrófila Densa, localizada em terrenos sem influência da maré, com melhor drenagem e mais propícios a formação de pastagem para a criação de gado e plantação de roças. Em contrapartida, as áreas de manguezais, localizadas na planície costeira e na região proposta para a criação da Resex, ainda estão bem conservadas. Além disso, essas florestas de mangue mantêm uma rica biodiversidade de aves que incluem biguás ( Phalacrocorax brasilianus ), guarás ( Eudocimus ruber ), gaivotas ( Leucophaeus atricilla ), garças ( Ardea alba ) e socós ( Butorides striata ) e são o berçário para a reprodução de diversas espécies de moluscos, crustáceos e peixes.

De acordo com os dados socioeconômicos, obtidos pelo IBGE em 2010, os municípios de Carutapera e Luís Domingues juntos possuem quase 30 mil habitantes, distribuídos em uma área aproximada de 1700 km 2, sendo em torno de 22 mil habitantes no município de Carutapera (1232 km 2) e 6500 habitantes em Luís Domingues (464 km 2). Ambos os municípios possuem uma densidade demográfica parecida (17,8 habitantes por km 2 em Carutapera e 14 habitantes por km 2 em Luis Domingues), pois apesar de Carutapera ter uma população quase três vezes maior que a de Luís Domingues, a área territorial do município também aumenta nessa proporção. O Índice de Desenvolvimento Humano de

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Carutapera em 2010 foi de 0,574 e o de Luís Domingues foi de 0,588 segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2014).

Em relação à educação, de acordo com os dados de 2012 do Ministério da Educação, Carutapera possui 27 escolas municipais de ensino pré-escolar, com 68 docentes e 1291 alunos matriculados. Existem 35 escolas municipais de ensino fundamental, com 301 docentes e 4969 alunos matriculados. E em relação ao ensino médio, são apenas quatro escolas estaduais, com 66 docentes e 1431 alunos matriculados. Além disso, existiam em 2013, em torno de 87 alunos matriculados em cursos de graduação regular intensivo, oferecidos pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) no campus de Carutapera. Os cursos oferecidos são de licenciatura na área das ciências (biologia, física e química), história, matemática e letras (IBGE, 2014).

O município de Luis Domingues possui seis escolas municipais de ensino pré- escolar, com 16 docentes e 344 alunos matriculados. São nove escolas municipais de ensino fundamental, com 75 docentes e 1262 alunos matriculados. Além disso, possui uma única escola estadual de ensino médio com 18 docentes e 368 alunos matriculados e não possui nenhum curso de graduação. Cabe ressaltar, que apesar de existirem cinco escolas de ensino médio na região, nenhuma delas participou do Exame Nacional do Ensino Médio 2013, de acordo com dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Sendo que, a nota obtida nesse exame é utilizada no processo de seleção da maioria das universidades públicas do Brasil.

No que diz respeito à saúde, de acordo com as informações do IBGE 2014, existem oito postos de saúde público municipal em Carutapera e apenas três em Luis Domingues. Esses postos não possuem leitos para internação e oferecem apenas os serviços básicos de consultas, vacinação e distribuição de remédios. Além disso, Carutapera também possui um hospital de saúde pública estadual com 47 leitos para internação e alguns aparelhos médico- hospitalar como eletrocardiograma e raio-x.

De acordo com a pesquisa nacional de saneamento divulgada em 2008, dos 1127m 3 de água distribuídos no município de Carutapera, 250m 3 não foram tratados e 877m 3 receberam apenas uma simples desinfecção (cloração e outros). Em Luís Domingues, dos 450m 3 de água distribuídos, 50m 3 não foram tratados e 400m 3 receberam somente a adição de cloro. Ambos os municípios não possuem sistema de tratamento de esgoto e nem coleta

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seletiva dos resíduos sólidos. O esgoto comumente é depositado em fossas sépticas e o lixo coletado pela prefeitura é depositado em um lixão a céu aberto e posteriormente incinerado.

Segundo os dados da produção agrícola municipal de 2013, Carutapera possui 3620 hectares de lavouras temporárias, o que equivale a quase 3% da área total do município. A maior área plantada de lavoura temporária corresponde ao cultivo da mandioca (74,5%), seguido pelas lavouras de milho (9,5%), feijão e arroz (ambos 8% cada). Já a área destinada à plantação de lavouras permanentes é somente de 67 hectares, o que corresponde a menos de 0,05% do território municipal. Desse total, a grande maioria é destinada ao cultivo da banana (77,6%) e o restante ao cultivo de castanha de caju (15%) e coco-da-baía (7,4%). É importante considerar que a quantidade anual de mandioca produzida foi de aproximadamente 28 mil toneladas e o valor da produção anual foi em torno de 17 milhões de reais. Enquanto, a quantidade anual produzida de bananas foi de 529 toneladas e o valor anual da produção foi de 326 mil reais.

O Município Luis Domingues possui 797 hectares de lavouras temporárias, que correspondem a somente 1,7% da área territorial do município. Do total da área dessas lavouras temporárias, a metade foi destinada ao cultivo de mandioca, 18% ao cultivo de arroz, 17,5% ao cultivo de feijão e 13,5% ao cultivo de milho. Em relação às lavouras permanentes, apresentou apenas 23 hectares de área plantada, que também equivale a 0,05% da área territorial do município. Do total da área de lavouras permanentes, 47,8% correspondem à plantação de bananas, 30,5% de castanha de caju e 21,7% de coco-da-baía. A quantidade de mandioca produzida foi 3520 toneladas e o valor da produção foi maior que dois milhões de reais. A quantidade produzida de bananas foi de 106 toneladas e o valor da produção foi de 66 mil reais.

Dados da produção da extração vegetal e silvicultura mostram que em 2013 o município de Carutapera produziu cerca de 1200 toneladas de açaí, 1000 toneladas de carvão vegetal e 4000m 3 de lenha. Os valores da produção desses produtos foram respectivamente, 1,5 milhões de reais, 553 mil reais e 37 mil reais. O município de Luis Domingues produziu em torno de duas mil toneladas de açaí, 266 toneladas de carvão vegetal e 1375m 3 de carvão. O valor da produção desses produtos foram respectivamente, 2,5 milhões de reais, 138 mil reais e 11 mil reais.

De acordo com os dados de 2013 da Produção da Pecuária Municipal, Carutapera possui em torno de 11.275 cabeças de bovinos, 8.015 cabeças de galináceos, 2.094 cabeças

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de suínos, 471 cabeças de equinos, 423 cabeças de bubalinos, 429 cabeças de caprinos e 293 cabeças de ovinos. Além disso, foram produzidos mais de 560 mil litros de leite com o valor da produção de 705 mil reais e 1500 Kg de mel de abelha num valor da produção de oito mil reais.

O município de Luis Domingues possui 8.727 cabeças de galináceos, 4.869 cabeças de bovinos, 905 cabeças de suínos, 626 cabeças de caprinos, 372 cabeças de equinos, 311 cabeças de ovinos e apenas 11 cabeças de bubalinos. A produção de leite de vaca foi de 347 mil litros com valor da produção de 469 mil reais e de mel de abelha foi 6.648Kg com valor da produção de 37 mil reais.

Esses municípios estão num ponto equidistante das capitais de São Luís e Belém consequentemente a cultura local é uma miscigenação das manifestações presentes no estado do Maranhão e do Pará. É preciso considerar que a igreja católica influenciou bastante a cultura regional, pois as festas mais importantes são de cunho religioso. Em Carutapera a principal festividade é a de São Sebastião que ocorre no mês de janeiro e em Luís Domingues é o Círio de Nazaré que ocorre no terceiro domingo do mês de setembro. Além dessas comemorações, há também a encenação da via sacra durante a semana santa e as festas juninas em homenagem a Santo Antônio, São João e São Pedro, com apresentação do bumba meu boi. Típico do Maranhão, o bumba meu boi é registrado como patrimônio cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

3. Identificação e Caracterização da População Tradicional

A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, instituída pelo Decreto nº 6.040 de 07/02/2007, compreende em seu Art. 3º:

I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.

Para a caracterização das comunidades pesqueiras e compreensão de suas formas de organização social nesta região, primeiramente analisamos documentos oficiais e vasculhamos a literatura disponível. De acordo com Silva (2001 apud RAMALHO, 2008, p. 267), no Brasil, no período de 1500 a 1600, a pesca era realizada por homens brancos pobres livres e indígenas, fato que se modificou a partir do século XVII, no Nordeste, devido ao 16

mercado de escravos originados de regiões africanas e ao extermínio dos povos indígenas. “[...] Assim, em inícios do século XVII, o mundo da pesca nordestina – em profunda correlação com o universo dos engenhos e lavouras de cana – começou a mudar radicalmente quanto à composição de sua mão de obra.” O autor alude que o negro antes de se tornar escravo já realizava pesca em sua terra de origem, e que os portugueses pobres também tinham experiência na pesca, contribuindo, assim, para uma hibridização de vivências na atividade da pesca. Essa riqueza de experiências contribuiu para a evolução das técnicas de navegação e pesca no Nordeste, como diz Cascudo (2002 apud RAMALHO, 2008, p. 270):

A jangada histórica, sem leme de governo, sem vela e sem bolina, sem poita e tauaçu, sem banco e espeques, sem toletes e calçadores, era dirigida por um simples remo de uma só folha, olhando a praia, com o indígena sentado, pernas estendidas e linha da mão. Já cento e cinquenta anos depois é uma embarcação dirigida, afastando-se da costa, rumando mar largo, ampla, veloz, útil para vários misteres.

Segundo Costa (2011, p. 115), os pescadores artesanais “... são grupos sociais que vivem da atividade pesqueira realizada em rios, baías, estuários e áreas marinhas mais abrigadas. A pesca artesanal caracteriza-se principalmente pela mão de obra familiar e pela utilização de pequenos barcos [...]”. O processo de transformação que a atividade pesqueira, com suas inovações em artes de pesca, transcendeu a dimensão do modo de fazer, ou seja, a maneira de se inserir na natureza e extrair seu sustento, e alcançou a dimensão das formas de estrutura e organização social. Portanto, há que se considerarem as estruturas sociais, que também influenciaram os pescadores artesanais, no Brasil, como pontua Callou (2007, p. 86-87), em seu estudo acerca da Extensão Rural/Pesqueira no Brasil. Para este autor, os movimentos sociais dos pescadores da costa brasileira foram influenciados negativamente pela Marinha do Brasil, através da imposição de uma “filosofia de vida” estranha às comunidades pesqueiras. Devido à forma como se deu início ao processo de criação das Colônias de Pescadores, no Brasil, onde a Marinha de Guerra ditou todas as regras do processo, desde a educação formal até a modernização da pesca, passando pelo saneamento da costa e organização das atividades da pesca, os pescadores nunca tiveram direito a voz, simplesmente eram passivos às determinações que vinham de fora da realidade em que viviam.

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Em outras palavras, todo o saber-fazer tradicional dos pescadores artesanais foi desconsiderado pela estrutura da Marinha, que impedia qualquer processo de mobilização baseado nessas relações tradicionais, que comportam laços de confiança, solidariedade e cooperação. A Marinha foi a responsável pela criação das colônias de pesca em todo o litoral do Brasil, que passou a ser a única forma de associação dos pescadores, e dessa forma a filosofia militar fragilizou a capacidade de surgimento de movimentos sociais dos pescadores artesanais (CALLOU, 2007 apud RIBEIRO, 2013). Numa perspectiva de mudança na participação do setor artesanal da pesca na gestão pesqueira, Callou (2007) alerta para a importância que pode ter a Extensão Rural/Pesqueira, entendida a partir da comunicação dialógica baseada nas ideias de Freire (apud RIBEIRO, 2013, p. 35), quando este assim refere: “[...] tarefa daqueles que sabem que pouco sabem, em diálogo com aqueles que quase sempre pensam que nada sabem, para que estes, transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam saber mais.” O pensamento de Paulo Freire surgiu na mesma época da Teologia da Libertação, no fim da década de 1960. A Teologia da Libertação influenciou a criação do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), em 1969, cujo trabalho com os pescadores artesanais modificou o contexto sociopolítico da pesca artesanal, na medida em que interfere no modo de atuação dos pescadores diante dos dirigentes das Colônias, na perspectiva de uma participação mais efetiva.

O trabalho do CPP contribuiu para a mudança nos quadros das diretorias das Colônias, e propiciou que os pescadores artesanais começassem a participar efetivamente da entidade, assumindo cargos que em momento anterior eram ocupados apenas por pessoas alheias às comunidades pesqueiras. A luta pela autonomia da gestão das colônias foi subsidiada pela formação de novas lideranças, para que estas fossem representativas da classe de pescadores (RIBEIRO, 2013).

No âmbito de várias lutas do CPP junto aos pescadores [...], destacou-se a transformação da participação dos pescadores da Colônia de Pescadores Z-1 Cândido Loureiro, de Carutapera. Esse momento pode ser verificado por meio do relatório do Seminário “Acordos de Pesca: Desenvolvendo e Preservando os Recursos Pesqueiros na Região de Carutapera”, realizado no período entre 07 a 09 de abril de 2000, na Câmera de Vereadores do município, anexado ao Processo 02070.002266/2009-35 do ICMBio, na Coordenação de Criação de Unidades de Conservação (COCUC). Segue descrição do relato:

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A Colônia existe desde 1978, sendo então dirigida por pessoas alheias a categoria dos pescadores artesanais (militares, vereadores) controlada pelos políticos locais, em 1982 através do trabalho do Conselho Pastoral dos Pescadores inicia a discussão com alguns pescadores das formas de participação na Colônia, começa- se a organizar um grupo denominado “grupo de oposição”, esse grupo inicia um trabalho de conscientização nas praias e ilhas de pescadores que culmina com a tomada da direção da Colônia em 1984, sendo impedido de tomar posse pelo grupo perdeu as eleições, apoiado pelo Prefeito da cidade, conseguindo colocar uma junta governativa. Somente em 1986 os pescadores através desse grupo conseguem assumir a direção da Colônia e traça seu plano de ação que inicia por uma Campanha de Documentação, já que os pescadores não possuíam os documentos básicos de um cidadão... (ICMBIO, PROCESSO 02070.002266/2009- 35).

A mudança organizacional da Colônia de Pescadores Z-1 Cândido Loureiro, a partir de meados da década de 1980, pode ser considerada um divisor de águas na trajetória da participação social dos pescadores nas instituições que os representam, visto que a partir da década de 1990 foram observados os primeiros resultados dessa mudança. Em 1992, foi iniciada discussão para elaboração do Estatuto da Colônia de Pescadores Z-1 Cândido Loureiro considerando as características locais como norteadoras para o desenho organizacional da instituição. Em 1994, o Movimento de Pescadores do Estado do Maranhão mobiliza e sensibiliza vinte e cinco famílias ligadas à Colônia para discutirem alternativas de comercialização do pescado, e em 1996 é criada a União dos Pescadores Artesanais de Carutapera (UPAC), que por sua vez, em 1999, origina a Cooperativa de Pescadores Artesanais de Carutapera (COOPEC). Essa trajetória dos movimentos dos pescadores de Carutapera evidenciam potencialidades locais que vêm ao encontro do conceito de Desenvolvimento Local aqui compreendido

...como um processo endógeno de mudança, que leva ao dinamismo econômico e à melhoria da qualidade de vida da população em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos. Para ser consisitente e sustentável, o desenvolvimento local deve mobilizar e explorar as potencialidades locais e contribuir para elevar as oportunidades sociais e a viabilidade e competitividade da economia local ; ao mesmo tempo, deve assegurar a conservação dos recursos naturais , que são a base mesma das suas potencialidades e condição para a qualidade de vida da população local (grifos do autor) (BUARQUE apud RIBEIRO, 2013).

Esse processo endógeno que leva ao dinamismo econômico, do qual o autor se refere, em alguma medida é observado em Carutapera. De acordo com o Processo do ICMBio, citado anteriormente, a participação dos pescadores na gestão da Colônia de

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Pescadores Z-1 Cândido Loureiro, que originou a Cooperativa de Pescadores Artesanais de Carutapera evidencia um movimento social local focado na estruturação da comercialização do pescado para inserção em um mercado mais amplo. Para além da atividade econômica, a COOPEC em articulação com o Centro Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPT), que na época fazia parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), iniciaram discussão para elaboração de um Acordo de Pesca para a região de Carutapera, onde foram tratados questões e conflitos locais relacionados à atividade pesqueira sustentável. Os pescadores artesanais dos Municípios de Carutapera e Luis Domingues são potenciais beneficiários da Resex, considerando que após a criação da unidade inicia-se um processo de discussão integrada e participativa conforme rege a IN nº 35 de 27/12/2013 que disciplina, no âmbito do ICMBio, diretrizes e procedimentos administrativos para elaboração e homologação do perfil da família beneficiária, nessa categoria de unidade de conservação. Diante do observado nas viagens de campo, iremos, a princípio, categorizar os beneficiários como aqueles que moram nos bairros das sedes dos municípios e os que moram em comunidade e ilhas. As ilhas habitadas são: Ilha da Sapeca, Ilha do Dezoito, Ilha do engatado, Ilha de São Pedro, Ilha de Fora, Ilha do Canta Galo, Ilha da Saracura e Ilha de Boa Vista. Nesse sentido, fica evidente a importância os modos de vida dessas comunidades constituídas por pescadores artesanais, pois possuem um modo particular de relacionamento com seus territórios.

4. Infraestrutura básica e o modo de vida nos bairros e povoados de Carutapera/MA

O levantamento de dados in loco foi realizado através de varias ferramentas em diferentes etapas: i) grupos de trabalho na oficina participativa ocorrida em Carutapera, ii) depoimentos durante a realização de vistoria dos limites, iii) reunião realizada na Ilha de São Pedro, iv) conversas informais, v) entrevistas semi estruturadas com moradores locais e com lideranças de ambos os municípios, vi) grupos de trabalho na oficina realizada em Luis Domingues, vii) observação direta e viii) vistoria técnica da área e do entorno. No dia 10/04/2015 na Colônia de Pescadores de Carutapera (Fotos 1 e 2) realizou-se uma oficina em prol da criação da Resex vale ressaltar que a mobilização dos participantes

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ficou a cargo da diretoria da colônia em parceria com a COOPEC (Cooperativa de Pescadores de Carutapera) que citam a divulgação através do “boca a boca” e o uso de bicicleta com sistema de som convidando os moradores dos bairros a participar da oficina. Estavam presentes 108 pessoas, lista de presença em anexo, em maioria absoluta pescadores, pescadoras e marisqueiras, e ainda integrantes de outros setores, secretários municipais, agentes de saúde e professores.

Fotos: Karina Soares Fotos 1 e 2: Oficina participativa em prol da criação da Resex realizada na Colônia de Pescadores Z- 1 de Carutapera/MA.

A abertura do evento foi realizada pela Presidente da Colônia, Sra. Maria Socorro dos S. Tavares seguida pelo representante da COOPEC, Sr. Jose Carlos Diniz, ambos agradeceram a presença de todos e falaram sobre a importância de criar a Reserva Extrativista. Prosseguimos com a apresentação da equipe e optamos pela apresentação dos demais através de seus respectivos bairros ou comunidades, e não de forma individual, considerando um contingente de mais de 100 pessoas no local, assim registramos a presença destes em tarjetas coloridas de forma a se visualizarem dentro do processo. Estavam presentes moradores dos bairros Nossa Senhora Aparecida, Santa Luzia, Centro, Santa Rita, Nossa Senhora do Perpetuo Socorro, São Benedito, Santo Antonio, São Jose, Vila Dourado e Comunidade São Lourenço. A analista ambiental Anna Karina Soares (CNPT) através de uma linha do tempo resgatou a memória das atividades promovidas em empenho à criação da reserva, ou ainda visando à sensibilização e o ordenamento da pesca local. Mencionou ainda sobre a retomada do processo e a parceria CNPT, CEPENE e COCUC com apoio do Projeto Manguezais do Brasil e CONFREM. A seguir o analista Alexandre Oliveira (COCUC) explicou sobre os procedimentos indispensáveis à criação da Resex, situou sobre o atual estágio do processo, e adentrou a 21

necessidade de elaborar um estudo socioambiental da área proposta. No intuito de angariar informações para tal estudo separamos a plenária de forma aleatória em 03 grupos de trabalho (GT) correlacionados aos moderadores e temas. a) Caracterização Geral moderado pelo analista Alexandre oliveira (COCUC) b) Sistemas de Produção e Extrativismo facilitado pela analista Anna Karina Soares (CNPT) c) Faina da Pesca moderado pelo analista Fabiano Pimentel (CEPENE) A metodologia consiste em os 03 grupos dialogarem sobre os 03 temas, através de rodízio dos moderadores entre os grupos. Este momento foi conduzido pelo pescador Alberto C. Lopes (CONFREM) responsável pelo controle do tempo, disponibilização de material solicitado e pela ordenação no rodízio. A etapa de GT foi realizada em parte da manha, interrompida para almoço, que foi disponibilizado pelo ICMBio no local, e retomado no período da tarde. Os grupos complementaram essa atividade com a alocação de informações sob as imagens de satélite da área, assim os participantes localizaram os povoados e áreas de relevante importância conforme o foco de cada temática. Após intervalo para o café da tarde, surgiram propostas de nome para a Resex, considerando manter o nome “Resex Carutapera”, no intuito de valorizar e divulgar o nome do município, ou “Resex Arapiranga” como forma de homenagear o rio Arapiranga e por fim o nome “Resex Arapiranga-Iriri” que por voto da maioria foi escolhida por representar de forma mais abrangente e homenagear o rio Arapiranga e a baía do Iriri. Ao final da oficina realizamos uma avaliação utilizando à dinâmica “que bom, que tal e que pena” para facilitar a exposição de opiniões e identificar aspectos positivos, negativos e sugestões. As informações relatadas a seguir foram produtos dos GTs onde buscamos não abarrota-los de perguntas estruturadas aguardando respostas precisas, que podem ser levantadas em fontes secundárias, e sim, motiva-los a expor suas opiniões, suas expectativas, seus conflitos e insatisfações frente à realidade local.

4.1 Caracterização Geral

Prefeitura e Secretárias O poder executivo de Carutapera é constituído pela Prefeitura Municipal e por oito Secretarias (Tabela 1). Além disso, existe um departamento de Guarda Municipal, com 108

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agentes que prestam serviço de vigilância nas escolas e apoia na segurança durante os eventos públicos.

Tabela 1. Estrutura do poder executivo de Carutapera com os respectivos responsáveis. Prefeitura Municipal de Carutapera Amin Quemel Secretaria de Administração José Filomeno Gonçalves Teixeira Secretaria de Educação Cleonice Lisboa Secretaria de Assistência Social Celiane Ricarla Araújo Secretaria de Infraestrutura George Santabrigida Aragão Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Afonso Celso Agricultura, Pesca e Abastecimento Secretaria de Saúde Ana Carolina Rabelo Secretaria de Finanças Petrônio Mesquita Secretaria de Cultura, Esporte, Lazer, Turismo e Tadeu Nunes e Rosiane Meio Ambiente

Educação

As principais escolas de ensino pré-escolar, fundamental e médio do núcleo urbano de Carutapera, bem como o número de salas, funcionários e alunos de cada uma delas estão listadas na tabela abaixo (Tabela 2). Em relação ao Ensino Técnico e Profissionalizante foram citados os cursos de Administração, Secretariado e Estética oferecidos pela FAEME e os cursos de Pedagogia ofertados pelo polo da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA. Os participantes relataram a necessidade de serem oferecidos na região os cursos de carpintaria naval, mecânica e refrigeração (fábrica de gelo). Além disso, solicitaram que os cursos sejam realizados em módulos para garantir uma maior participação dos pescadores, pois a maioria deles, por causa da pesca, não tem tempo para frequentar as aulas todos os dias. Em relação à qualidade da educação oferecida no município de Carutapera eles disseram que o transporte escolar atende apenas a zona rural, reclamaram que esse ano as escolas estão sem merenda escolar e solicitaram uma capacitação continuada dos professores.

Tabela 2: Relação das principais escolas de ensino pré-escolar, fundamental e médio do núcleo urbano de Carutapera, estado do Maranhão.

Nome da Escola Número de Número de Número de Matrículas Salas Funcionários CE Dr. Tarquínio Lopes Filho 822 8 62 23

UI Moacir Heráclito dos Remédios 810 14 70 CE Profa. Olímpia Oliveira 674 8 50 UE Doralice Dourado 556 10 54 UI Ver. Laércio Fernandes Oliveira 552 9 65 UE Sonho Dourado 463 10 35 Inst. Infantil Padre Mario Racca 338 7 47 Escolinha Padre Luciano Gariglio 287 8 32 UE São Benedito 264 7 31 CEI Profa. Maria Isabel Silva Amorim 235 6 26 UE Profa. Ordalinda Freitas 199 4 23 UI Vila Dourado 184 6 25 UE Nossa Senhora Perpetuo Socorro 136 4 21

Saúde

Em relação à saúde, os participantes mostraram-se bastante insatisfeitos, pois segundo eles o único hospital regional estadual existente em Carutapera não está funcionando devido a uma reforma que já dura mais de seis meses. E que apesar de existirem aparelhos de raio-x e mamografia eles não estão funcionando. Também relataram que muitas vezes faltam medicamentos e que apesar de existirem postos de saúde nos bairros e o Centro de Saúde da Mulher, eles não possuem leitos e nem uma estrutura adequada para atendimento e internação, fazendo com que os casos mais graves sejam encaminhados para o hospital do município de , localizado a cerca de 120 quilômetros de distância. As doenças mais comuns relatadas foram viroses que causam diarreias e vômitos. Eles relataram que os pescadores frequentemente possuem dor de coluna, problemas de vista, hipertensão e reumatismo.

De acordo com os entrevistados, os casos de malária são menos frequentes que os de dengue. Eles acham que o atendimento no Hospital Regional precisa ser melhorado e que seja instalado um asilo no município, tendo em vista os numerosos idosos desassistidos.

Saneamento

Em relação ao saneamento é notório o descontentamento da população, tendo em vista que a maioria dos participantes declarou que água utilizada para consumo é proveniente de poços artesianos e cisternas, perfurados no próprio quintal e que não possuem nenhum tratamento químico. Além disso, disseram que existe uma distribuição de água encanada realizada pela Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão –

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CAEMA, onde a mesma também é extraída de poços artesianos e o único tratamento é a adição de cloro.

No que diz respeito ao esgoto sanitário não existe nenhum tipo de coleta e tratamento, sendo que o mesmo é jogado ao ar livre ou em fossas sépticas. Em relação à coleta dos resíduos sólidos, existe uma coleta parcial realizada pela Prefeitura que atende apenas alguns bairros de Carutapera e o destino final desses resíduos é o lixão, onde ocorre o depósito e queima do material a céu aberto. Nos locais onde não há coleta dos resíduos sólidos, eles são acumulados a céu aberto ou então queimados. Em conversa realizada com o secretário municipal de infraestrutura, Sr. George Aragão, existe um projeto de construção de aterro sanitário envolvendo um consorcio de municípios (Carutapera, Luis Domingues, Amapá do Maranhão e Cândido Mendes).

Meio Ambiente

Os principais problemas citados estão relacionados com a pesca predatória, com uso de zangaria, curral, rede de tapagem, rede apoitada, rede bagreiro, pescaria com bulha, pesca com bomba e utilização de substâncias tóxicas como o timbó. Em relação à coleta de caranguejos, disseram que os catadores não fazem uma classificação dos indivíduos coletados e acabam retirando da natureza os indivíduos pequenos e do sexo feminino, quando deveriam coletar apenas os machos de tamanho maior. Também não deveriam utilizar o puçá de arrasto, a camaroeira e a rede de tapagem para a coleta de camarões e nem utilizar a pá para retirada de sururu.

Outros problemas citados foram o depósito de lixo nos mangues e rios e a poluição sonora. O desmatamento de algumas árvores frutíferas e palmeiras, além da retirada desordenada de areia e barro também foram relatados pelos participantes como problemas relacionados ao meio ambiente.

Segurança

De acordo com os participantes da oficina existem apenas uma delegacia de policia civil e uma delegacia de policia militar em Carutapera, ambas mantidas com recursos do governo estadual. Eles relataram que a abertura da estrada, na década de 90, facilitou o acesso a Carutapera e isso atraiu ladrões vindos de outras regiões para a cidade. Ultimamente vêm ocorrendo diversos roubos de celulares e recentemente houve um assalto

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ao Banco do Brasil, onde os caixas eletrônicos foram explodidos com uso de dinamite. Além disso, existem apenas três policiais para atender todo o município.

Assistência Social, Trabalho e Renda

Em relação a esse assunto, os participantes declararam que existem recursos provenientes das três esferas do Governo. Sendo que na esfera federal, muitas famílias recebem recursos financeiros relacionados ao programa Bolsa Família. Além disso, os pescadores recebem o seguro defeso no período em que a pesca de algumas espécies é proibida. Os idosos recebem a aposentadoria e há também o salário maternidade. Na esfera estadual existe a promessa de pagamento do 13º salário às famílias beneficiadas pelo programa Bolsa Família, e na esfera municipal existe o programa de apoio aos deficientes.

Indústria, Comércio e Turismo

Os participantes relataram que a única indústria existente em Carutapera é a fábrica de tijolos (cerâmica) pertencente ao grupo R. Soares, mas está prevista a construção de estaleiros na região (Porto do Capeta e São Benedito). No comércio local predomina as lojas de roupas, eletrodomésticos, materiais de pesca e materiais de construção. Em relação ao turismo, as localidades com maior beleza cênica e que possuem potencial para exploração turística são Praia de São Pedro, Praia da Gaivota, Praia do Lombo, Ilha de Fora e passeio pelo rio Gurupi (Praia da Sardinha, São Lourenço e Praia Enseada).

Infraestrutura e Transporte

Antes da construção da rodovia estadual (MA-202) a única forma de acesso ao município de Carutapera era através do rio Arapiranga, partindo do porto de Viseu, município localizado no estado do Pará. No entanto, apesar da abertura da estrada ter ocorrido nos anos 90 e o asfaltamento no inicio dos anos 2000, ela se encontra em péssimas condições de conservação, sendo necessárias quase duas horas para percorrer cerca de 80 quilômetros. Essa condição precária da rodovia dificulta o escoamento da produção, principalmente do pescado que é a principal fonte de renda da maioria das famílias de Carutapera. Além disso, apesar do município ser o principal porto de exportação regional, ele não possui um trapiche adequado.

Em relação ao transporte, a empresa de ônibus Rota do Mar faz viagens diariamente para São Luís, capital do Maranhão, nos horários das 06h30min e 18h30min, no valor de

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R$70,00, sendo que o tempo de viagem é em torno de 11 horas. A empresa Continental faz viagens para Belém, capital do Pará, diariamente às 6 horas por R$60,00, com duração da viagem de seis horas. E a empresa RA faz viagens para Teresina, capital do Piauí. Além dessas empresas, existem algumas vans e micro-ônibus que fazem transporte alternativo. Existe também o transporte por embarcações (lanchas e voadeiras) para Viseu/PA pelo valor de R$15,00 e com duração aproximada de 20 minutos.

Hospedagem e Alimentação

Os principais hotéis e pousadas citados pelos participantes foram Hotel R. Soares, Pousada da Brenda e Pousada dos Lençóis. Os restaurantes e bares citados foram Restaurante do Ernane, Restaurante da Marina, Bar Paraíso (do Tetéu), Bar Amarelinho, Bar do Paulo e os bares da orla.

Calendário Cultural

Para elaborar o calendário cultural de Carutapera (Tabela 3), os participantes citaram as principais festas e comemorações que ocorrem a cada mês. Diante dos festejos citados ficou evidente a influência da Igreja Católica nas manifestações culturais existentes no município, tendo em vista que a maioria delas está relacionada a alguma santidade. Ressaltando que também se fazem presentes diversos terreiros de manifestações afro- religiosas. A relação das comemorações e o período de ocorrência das mesmas estão descritas no quadro a seguir.

Tabela 3: Calendário cultural de Carutapera/MA. Meses do Ano Comemorações Janeiro Festa de São Benedito (Dia 06) Festa de São Sebastião (De 11 a 20) Fevereiro Carnaval (Desfile de escolas de samba e blocos) Março Semana Santa (Encenação da via sacra) Abril Festa de Santa Bárbara (Povoado de Livramento) Maio Dia das Mães (Festa no Benesom) Junho Aniversário de Carutapera (Dia 03) Festa do Boi (Dia 6 a 30) Festa de Santo Antônio (Dia 13) Festa de São João (Dia 24) Festa de São Pedro (De 27 a 29) Julho Festa na Praia de São Pedro Festival do Camarão (Povoado de Livramento)

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Festival do Caranguejo (Povoado de Estiva) Agosto Festa de São Lourenço Dia dos Pais (Festa no Benesom) Setembro Independência do Brasil (Dia 07) Festa de Perpétuo Socorro Outubro Festa Nossa Senhora da Aparecida (Dia 12) Festa de Nossa S. da Conceição (Círio de Livramento) Novembro Festa de São José (Povoado de Manaus da Beira) Dezembro Festa de Santa Luzia e São Benedito Festa de Cosme e Damião (Bairro Perpétuo Socorro) Natal (Dia 25)

4.2 Sistemas de Produção e Extrativismo

Em relação ao sistema de agricultura podemos afirmar se tratar de um sistema de subsistência, não adentraremos aos diversos conceitos em torno de “subsistência”, mas consideraremos como a produção voltada prioritariamente para o consumo. Não almejamos caracterizar a atividade agrícola municipal, já mencionada na caracterização regional, aqui nos compete relatar a atividade descrita pelos participantes da oficina em Carutapera, frisando que a maioria dos presentes são pescadores e moradores em bairros na sede do município e colocam a agricultura como atividade secundária e para alguns, ate inexistente.

Pela falta de área para plantar na sede, próximo aos locais de morada, poucos possuem roças e estas ficam distantes da sede, e alguns plantam nas ilhas, se atendo ao máximo de quatro linhas onde cultivam mandioca, milho, jerimum, feijão e arroz, respectivamente em ordem de preferência, sendo que utilizam principalmente sementes crioulas e raramente usam insumos externos. Na descrição identificamos o uso de técnicas rudimentares, por instinto ou tradição, sem nenhuma ajuda tecnológica no momento de preparar a terra, caracterizando a roça no toco. A coivara é uma das práticas tradicionais das populações locais, caracteriza-se pela derrubada da vegetação florestal seguida de queima dos resíduos, constituindo um sistema alternado, assim a regeneração da terra ocorre de forma natural durante o pousio ou descanso que tende a recuperar a fertilidade dos solos. Os conhecimentos tradicionais os levam a desenvolver calendários “mentais” para planejar as atividades agrícolas, se orientando segundo as fases da lua ou períodos de chuvas.

Na produção e extrativismo vegetal relacionado ao cultivo e extração de frutas, não obstante também ocorra a exploração da madeira, carvão vegetal e lenha, em quantidades 28

necessárias a realização de afazeres domésticos, falaremos de espécies vegetais frutíferas, estrategicamente organizamos as espécies pelos locais de coleta destas, sendo algumas produzidas nos quintais ou roças e outras coletadas nas praias e ilhas. Essa divisão surgiu espontaneamente das colocações dos pescadores ao abordarem o tema.

Nos quintais, a diversidade é clara e a espécie escolhida depende do espaço disponível, mas cita como de maior frequência o açaí, laranja, limão, coco, banana, maxixe, maracujá, manga e acerola. Relatam que a maioria possuem canteiros nos quintais e a divisão de trabalho por gêneros ficou evidente, pois estes são construídos pelos homens e a escolha da hortaliça e o cultivo ficam a cargo das mulheres. Observa-se que tal como a realidade de outras comunidades de cuja produção é de cunho familiar, os conhecimentos da mulher estão voltados principalmente para as tarefas domésticas, de cuidar da casa e da família, adentrando a atenção à saúde e a alimentação.

Geralmente cultivam cheiro verde, cebolinha, tomate, pimentão, pimentinha de cheiro, coentrão (chicória) e joão gome (cariru). Ao indagar sobre o grau de dificuldade para o cultivo, entoam que é simples, e questiono porque o cultivo não ocorre de forma mais ampla e organizada visando à comercialização, a resposta é unanime, “não temos costume de vender a produção dos canteiros, somos pescadores”. A produção é somente para a família, em caso de excedente, inicialmente, é repartido com vizinhos, compadres e parentes, fato que por si só já caracteriza não ser uma atividade comercial, caso ainda haja excedente, realizam uma venda na feira. Em alguns momentos a produção é insuficiente para as necessidades da família, e a opção é comprar hortaliças no mercado local, ressalvam que são produtos oriundos de outros municípios e de outros estados. Apesar de mostrarem interesse em formas de cultivo individual, ao comentar sobre algo mais ousado e em coletividade gerou murmurinhos de desconfiança e descrédito.

Ainda nos quintais mencionam a disponibilidade de plantas medicinais, e consequentemente ocorre uma “chuva” de saberes sobre o uso terapêutico para as principais doenças, principalmente pelas mulheres, e mais ainda pelas senhoras mais idosas. Dentre as plantas medicinais relatam as mais usadas e conhecidas, que consequentemente são as mais cultivadas, e associadas aos usos mais comuns, conforme citação dos próprios. Entretanto alerto que tais citações não podem ser caracterizadas como indicações terapêuticas, mesmo as de cunho medicinal comprovado, devido aos riscos proeminentes de intoxicação e necessitam de acompanhamento adequado, ademais, os nomes vulgares de algumas destas

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não foram consenso dentro do grupo, alem das diferenças regionais, o que caberia um levantamento e inventario fitoterápico da riqueza de princípios ativos aliado ao etnoconhecimento comprovado pelo uso secular.

Mencionam açoita cavalo, barbatimão, arruda, mastruz e verônica para diversas inflamações; sete sangrias e salsa como chá para coceira; capim limão, hortelã, hortelãozinho, erva-cidreira, canela, coquinho para problemas respiratórios e calmantes; Patcholi para banho de cheiro; babosa para queda capilar e como antinflamatório de ferimentos; manjericão, caatinga de mulata e arruda para dor de cabeça.

Como a região é abundante em açaí, não obstante, relata a considerável produção de açaí, característico dos brejos no período de janeiro a abril. Ao falar de organização para extração deste fruto, mencionam que existe um grupo constituído e estão articulados com o Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) do município de Carutapera, pois em suma são agricultores e esporadicamente pescadores. Entretanto os pescadores também lançam mão deste recurso, seja para consumo ou para venda, porém não estão organizados em entidades findando o uso do açaí. Enfatizam com propriedade o amplo mercado consumidor do açaí, seja pelo sabor característico ou pelos benefícios a saúde, o fato, é que tem venda garantida e o valor pago pode ser alto, a depender da época do ano. Muitos retiram o fruto de áreas “sem donos” ou plantam nos quintais, e esbarram na ausência de área para realizar o plantio do açaí, fato que limita a produção a atender o consumo da própria família e ao comercio local.

Descrevem que as ilhas e praias são riquíssimas em quantidade e diversidade de frutas que compõe sua dieta e incrementam a renda no mercado local. Dentre a ampla diversidade, enfatizam o murici, no período de janeiro a abril e o caju, na época de agosto a dezembro. Muito comuns na região, estes frutos são utilizados para consumo e venda local, contudo não sabem estimar a quantidade extraída, mas a frase “nós coletamos murici até sentado”, aliada as expressões exacerbadas que demonstram ao falar da abundância de murici e caju, nos remete a uma grande produção frutífera, principalmente nas praias do Lombo, Caboco, Cabo e São Pedro. Citam que a polpa do murici é vendida por R$ 10,00/kg e o litro do fruto por R$5,00; a polpa do buriti custa R$ 5,00 e em relação ao caju e a manga, surpreendentemente não vendem a polpa, apenas utilizam para consumo e esporadicamente vendem o fruto in natura. Algumas destas ilhas são ditas como “adonadas”, termo usado localmente para definir as ilhas que possuem “dono”, seja como proprietário ou como posseiro, onde se 30

precisa pedir permissão aos moradores locais para coletarem os frutos, relação que aparentemente foi colocada de forma tranquila e sem grandes conflitos. Ao falar de frutas com boa produtividade, remetem ainda ao coco, jambo, melancia, goiaba, manga, graviola e guajiru, este último é coletado o ano todo, mas tem pouca procura no mercado. O tucum é trazido das ilhas para alimentar criações de galinhas e porcos, todavia pouco consumido diretamente pelos moradores. Tal como grande parte das comunidades tradicionais a criação de animais é uma atividade desenvolvida secularmente e mesmo que de forma complementar a pesca apresenta peso de importância socioeconômica a estes bairros. Como moradores na sede de Carutapera o espaço os limita a criação de galináceos, entretanto apresentam-se em maior número de indivíduos e como apreciada fonte de proteína. A criação de galinha ocorre de forma extensiva, ou seja, solto e sem maiores cuidados sanitário (vacinação e vermifugação) e nem nutricional (dieta balanceada). Em geral fornecem restos de alimentos, complementados com milho eventualmente ocorre à oferta de ração. A finalidade primaria da criação é para consumo próprio e de forma secundaria para venda local, mesmo com a facilidade em vendê-las, os criadores não possuem nenhum tipo de organização frente a esta atividade, alegam diversos fatores, tais como falta de espaço para criar, alto custo para construir instalações adequadas e de forma clara e evidente a dificuldade de se organizar em projetos coletivos. Alguns criam patos e alertam para dificuldades quanto ao consumo excessivo quando comparados às galinhas, “criamos poucos por que comem muito”. Passaremos agora a discorrer sobre a criação de gado que segundo os participantes da oficina são criados em quase todas as Ilhas, com destaque para São Pedro, Cabo e Lombo. Relatam que nas ilhas é bom para criar, pois tem espaço e oferta de alimentos aos animais com variedade de frutas, mangue novo e um “pasto natural”. Dentre as dificuldades citam os problemas com plantações, pois tais animais soltos comem as roças, gerando inimizades atreladas a prejuízos econômicos. Enxergam na criação uma garantia de pronta renda, para alguns em pequena escala e sem fins de comercialização a famosa “poupança” das comunidades tradicionais, para outros poucos, como atividade comercial visando o lucro sem grandes investimentos, estes possuem ate 50 cabeças por criador. Mesmo considerando a margem de 05 a 10 cabeças de gado por proprietário sem fins de comercialização, ao somarmos todos do local, há ilhas com mais de 150 cabeças conforme as informações dos moradores, como não serão destinadas a venda ao atingir seu

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tempo ideal de abate a tendência é aumentar progressivamente. Analisando superficialmente os fatos colocados já podemos antever os impactos sobre as praias e ilhas, pela simples presença de bovinos soltos, desde a compactação do solo, com diminuição da permeabilidade, favorecimento da erosão, retirada ou pisoteio da vegetação de cobertura do solo, contaminação das fontes de aguas pelos dejetos e por fim a disseminação de zoonoses, com ênfase as verminoses. Com certeza será necessário um diagnostico para levantarmos as reais consequências desta criação nestes ambientes frente à quantidade de animais e sua forma de distribuição.

As demais criações de suínos, caprinos e ovinos também não fogem destas consequências, entretanto as visualizamos como de menor impacto, pois apareceu de uma forma muito tímida e contida. Sobre os caprinos e ovinos afirmam que não são criados em todas as ilhas, e a principal seria ilha de São Pedro, onde são criados de forma extensiva. Apesar de serem animais pouco exigentes na alimentação e resistentes a doenças necessitam de um aprisco, uma “casa” de abrigo e são “atentados”, esta expressão refere-se ao comportamento curioso característico destes animais que buscam alimentos nas plantações que carecem de cercas reforçadas, evidenciando a desvantagem na criação destes.

Ao falarem sobre os suínos afirmam com presteza “já foram muito criados nas ilhas, mas todos já são conscientizados para criar preso”, explicam que muitos anos atrás eram criados soltos e além de causarem prejuízos nas plantações dos outros, ainda deixavam as ilhas sujas e transmitiam doenças. Ao tentarmos identificar tais doenças apenas sabem informar que eram verminose e doenças na pele, o que nos leva a um leque de possíveis diagnósticos relacionados a estes animais e a outros fatores também. Contam que na localidade do Caboco porcos selvagens mordiam as pessoas e invadiam as casas em busca de comida sendo decisivo para eliminação destes. Atualmente por serem criados presos, o custo de mantê-los em cativeiro torna inviável a criação devido ao custo da alimentação em cocho e o tempo e mão de obra dispensada aos cuidados com estes animais. Das ilhas também retiram mel, de colmeias que acham eventualmente, por desconhecer o manejo adequado falam naturalmente da expulsão das abelhas com o uso do fogo e destruição total das colmeias para uso exclusivo do mel. Pela ampla variedade de frutíferas e a distribuição destas ao longo do ano, aliada ao mercado promissor, visualizamos a potencialidade para meliponicultura.

Sobre as aves presentes no mangue de Carutapera relataremos as colocações dos pescadores com ênfase aos seus conhecimentos locais, ressalvo que não houve nenhum tipo 32

de catalogação de aves no intuito de confirmar a identificação das espécies e subespécies, a serem almejadas futuramente dentro do plano de manejo da UC, entretanto, tomamos algumas citações bibliográficas referentes às aves encontradas no local. Os pescadores narram que as ilhas em Carutapera são áreas de abrigo, reprodução e alimentação de diversas espécies de aves, parte destas foram avistada durante a vistoria técnica e deslocamento para realização de reunião na Ilha de São Pedro, são estas: garça branca real (Casmerodius albus), garça pequena ( Egretta thula) , taquiri ou garça morena, gavião, colhereiro, gaivota, martim pescador, saracura ( Aramides mangle) , maçarico ( Actitis macularius) , papagaio ( Amazona amazônica ), pato do mangue e pato mergulhão ( Mergus octosetaceus) .

Dentre estas também avistamos de forma corriqueira, durante a vistoria técnica, o guará (Eudocimus ruber), que adota algumas destas ilhas como local de reprodução e dormida, principalmente praia da Sardinha, ilha de Cantagalo e Ilha dos Pássaros, e exibe espetáculos deslumbrantes na revoada da aurora e do crepúsculo. Os pescadores afirmam que partes destas aves servem de alimento a população, sejam quando achados durante as pescarias ou propositalmente caçados. A caça a esta ave já foi intensa e veio diminuindo drasticamente nestes últimos 20 anos. Informam que algumas das aves capturadas possuem um anel no pé, o que automaticamente nos remetem as aves anilhas que são monitoradas em seu plano de migração. Ocorre o consumo de filhotes e ovos de guará por pessoas da sede e das ilhas que os retiram dos ninhos, já os indivíduos adultos de maguari são caçados para consumo ou por “esporte”, e recriminam de forma rude “são ruins e não tem necessidade por fome apenas pelo gosto de caçar, esses não são pescadores”. Sabe quem são os integrantes deste grupo e que estes trazem guará, garça, gaivota, pato mergulhão ou os ovos (de guará, maguari, taquiri, garça e pato) para venda e consumo na sede de Carutapera, vão além e identificam uma cadeia de trafico de guará. Os pescadores identificam a praia da Sardinha, ilha de Canta Galo e de Laranjal como as detentoras do maior número de aves.

Os filhotes do taquiri do mangue são capturados e criados nas casas, de forma semelhante ao papagaio-do-mangue, conhecido como curica de cabeça amarela e azul, que são capturados para venda dos filhotes e ovos, geralmente essas pessoas adentram o mangue neste intuito e não vivem da pesca. O consumo de pato mergulhão pelos pescadores apenas ocorre quando estes caem nos currais de pesca, e alegam ser difícil de pegar, entretanto os

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filhotes de maguari, garça e guará quando capturados são usados como isca para os espinheis. Ao perguntarmos sobre a criação de pássaros em gaiolas, os pescadores alegam que não tem tempo pra isso não, e este costume são de moradores, agricultores e raramente alguns filhos de pescadores.

Perante os dados secundários levantados, identificam-se ausência de estudos específicos ao município de Carutapera, entretanto a uma ampla literatura sobre as reentrâncias maranhenses. Entre 1991 e 1995 e entre 2001 e 2005, expedições foram realizadas pelo CEMAVE/IBAMA (Centro Nacional de Pesquisa para Conservação das Aves Silvestres) para a captura, marcação e coleta de dados biológicos de aves neárticas na região apontando a unidade como importante ponto de parada para descanso, alimentação e invernada, para completar o ciclo de mudas de penas de vôo, para aquisição de plumagem reprodutiva e para ganho de massa corporal para migração (CEMAVE 2005).

No livro Conservação de aves migratórias neárticas no Brasil (2001) citam-se pelo menos 16 espécies de aves neárticas das famílias Charadriidae e Scolopacidae. Entre as espécies da família Charadriidae estão o batuiruçu (Pluvialis dominica), o batuiruçu-de- axila-preta (P. squatarola) e a batuíra-de-bando (Charadrius semipalmatus). Entre as espécies da família Scolopacidae estão o maçarico-de-costas-brancas (Limnodromus griseus), o maçarico-galego (Numenius phaeopus), o maçarico-pintado (Actitis macularius), o maçarico-solitário (Tringa solitaria), o maçarico-grande-de-perna-amarela (T. melanoleuca), o maçarico-de-asa-branca (T. semipalmata), o maçarico-de-perna-amarela (T. flavipes), o vira-pedras (Arenaria interpres), o maçarico-de-papo-vermelho (Calidris canutus), o maçarico-branco (C. alba), o maçarico-rasteirinho (C. pusilla), o maçariquinho (C. minutilla) e o maçarico-de-sobre-branco (C. fuscicollis).

Com este exuberante manguezal seria redundante descrever a diversidade biológica presente, entretanto algumas espécies de mamíferos e repteis foram destacadas pelos pescadores por se apresentarem de forma mais frequente, tais como, iguana, jacaré-açu, guaxinim e macaco prego. Em especial no caso da Iguána houve relatos sobre o consumo dos ovos deste animal como parte do café da manhã, entretanto, não há consumo da carne. Na época da desova que ocorre nos meses de setembro e outubro pescadores procuram pelos rastros da Iguana e localizam os ninhos embaixo dos pés de frutas nas areias das ilhas e

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praias. Registram ainda, mesmo que em pequena escala, que localmente ocorre à venda de filhote e o consumo de indivíduos adultos de macaco prego.

Facilmente podem-se avistar na região os locais de desova de tartaruga e com maior frequência nas praias do Caboco e do Lombo, segundo os pescadores, além dos botos Sotalia guianensis e golfinhos que estão presentes em toda região, também existe peixe-boi marinho ( Trichechus manatus manatus ), que fica mais restrito a praia do Lombo, Sardinha e Ticam. Sendo o mamífero aquático mais ameaçado de extinção no Brasil, dentre as ameaças a sua existência citadas pela literatura identificamos localmente, através da vivencia dos pescadores, a captura acidental em armadilhas de pesca e a degradação do seu habitat.

LUNA (2001) cita que “o litoral maranhense abriga importantes grupos remanescentes de peixes-boi marinho, distribuídos descontinuamente entre , na Baía do Tubarão e Carutapera, na divisa com o Pará”, remete tal ocorrência à baixa ocupação humana na maioria do litoral maranhense e o status de conservação dos manguezais parecem ser fatores importantes na distribuição e ocorrência dos peixes-boi nessa região. Da mesma forma Alvite et al (2006) retrata que o Maranhão por possuir um vasto litoral, perfazendo o segundo maior do Brasil, e extensos manguezais conservados, detém importantes grupos remanescentes de peixes-boi, que encontram um habitat adequado para sua sobrevivência. As principais ameaças à espécie no litoral norte têm sido atribuídas à captura intencional e à captura incidental em redes de pesca.

No relatório de vistoria da área elaborado pelos analistas ambientais do IBAMA em 08 a 11 de novembro de 2007 (conforme consta no processo) , através da aplicação de questionários ou inquéritos associado à observação direta, foram identificadas 10 espécies de aves, 11 espécies de mamíferos e 01 espécie de réptil, obviamente que esta citação tratasse apenas de uma descrição mínima considerando a vasta biodiversidade do local, assim se faz necessário após a criação da Resex a elaboração de um levantamento aprimorado da fauna e da flora.

4.3 Faina da Pesca

Conforme observações de campo, a pesca na região de Carutapera é basicamente artesanal, sendo praticada por pequenas embarcações, no interior do estuário, e por embarcações maiores, na zona costeira da plataforma continental. As artes de pesca utilizadas: redes de emalhar, anzóis em diversas disposições, e diversos tipos de armadilhas 35

fixas e móveis; refletem a diversidade de técnicas de captura e corroboram com a pontuação de Cascudo, citada anteriormente, a qual fala das transformações das técnicas de navegação e pesca. Nas reuniões realizadas com os pescadores foi elaborado um calendário de pesca com objetivo de compreender melhor as dinâmicas produtivas desses pescadores ao longo do ano. A elaboração do calendário de pesca consistiu, basicamente, na eleição, pelos pescadores, das principais espécies capturadas na região com os respectivos períodos de variação de produção e variação do preço, categorizadas em: bom, regular, ruim.

A participação dos pescadores em grupos sociais constitui um fator que em alguma medida contribui para compreensão dos seus modos de vida. Para análise dos modos de vida desses pescadores seguimos a pista de Laville e Dionne quando nos diz acerca da “amostra típica” a qual “... de acordo com as necessidades do estudo, o pesquisador seleciona casos julgados exemplares ou típicos da população-alvo, ou de uma parte desta [...]” (LAVILLE; DIONNE apud RIBEIRO, 2013). Dessa maneira, a confiança e a cooperação dos pescadores da Colônia de Pescadores Z-1 Cândido Loureiro, de Carutapera, consistiu a base para análise dos modos de vida dessa população tradicional.

Com o objetivo de analisar a compreensão acerca da confiança e cooperação dos pescadores artesanais da região de Carutapera, foram realizadas vinte (20) entrevistas estruturadas, com perguntas fechadas e abertas. As entrevistas estruturadas foram aplicadas de maneira não probabilista, ou seja, é o caso da “amostra típica,” (LAVILLE; DIONNE apud RIBEIRO, 2013), já citada anteriormente.

As relações de confiança dos pescadores da região de Carutapera, no âmbito da atividade pesqueira, envolvem amplo processo de aprendizagem, desde a confecção das artes de pesca até a comercialização do pescado, e se mostraram importantes como elemento de caracterização dos modos de vida dessa população tradicional. Os pescadores ao serem perguntados “Com quem aprendeu a pescar?” responderam que os pais e os familiares são as pessoas responsáveis pelos ensinamentos passados acerca das atividades da pesca.

Essa forma de transmitir conhecimentos e interpretações para pessoas do mesmo grupo familiar denota certo grau de confiança interpessoal. Infere-se, neste sentido, que essas relações de confiança, no processo de aprendizagem das atividades pesqueiras, como elemento dos modos de vida dessas comunidades, é importante para criação da Resex na região de Carutapera. A isso, Storper apud Santos V. (2007) denomina de bonding , ou seja,

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relações interpessoais com pessoas mais próximas, entre elas, pais, filhos, amigos e colegas de trabalho.

Os conhecimentos da faina pesqueira, passados de geração a geração, se desdobram em diversos aspectos, igualmente importantes para a criação de uma Resex que envolve a pesca artesanal, como é o caso da compreensão dos pescadores acerca da dinâmica do ecossistema marinho-estuarino e das interpretações do ambiente natural. A atividade da pesca artesanal, que é própria das populações tradicionais, consiste num modo de vida em que as formas do saber-fazer marítimo e sua transmissão pelos familiares e amigos denotam uma confiança interpessoal intrínseca à atividade.

Para entender mais os modos de vida desses pescadores, foram-lhes perguntados “Você pesca isolado (a) ou em grupo?” a maioria, quatorze dos vinte entrevistados, respondeu que pesca em grupo, relatando que esses grupos variam de duas a seis pessoas, e são formados por familiares e amigos.

Esse tipo de cooperação genuína, na atividade da pesca, se assemelha ao que Sennett (2012 apud RIBEIRO, 2013, p.17) denominou de trocas diferenciadas, em que o equilíbrio entre a competição e a cooperação é mais provável e onde acontecem “[...] os momentos ritualizados que celebram as diferenças entre os membros de uma comunidade, que afirmam o valor especial de cada pessoa, [que] podem diminuir o ácido da cooperação invejosa e promover a cooperação.” (Foto 3).

Foto 3: Conhecimentos, da faina pesqueira, sendo transmitidos de pais para filhos no Rio Arapiranga, Carutapera/MA.

A cooperação genuína, própria da cultura tradicional da faina da pesca artesanal, constitui fator elementar para compreensão dos modos de vida desses pescadores, e de 37

elevada significação para o processo de criação da Resex na região de Carutapera, considerando que as trocas diferenciadas entre esses pescadores os subsidiam para participarem como protagonistas na gestão de seus territórios. Prosseguindo o processo investigativo, questionou-se aos pescadores acerca da existência de regras informais nos locais de pesca, sendo que doze afrimaram que haviam esse tipo de regras enquanto que oito negaram a existência dessas regras. Seguem os relatos:

... na pesca de camarão, no lançamento, é proibido colocar a rede na cabeceira que já tem dono (entrevistado 1). ... se tiver uma zangaria não pode colocar rede (entrevistado 2). ... os igarapés de camarão tem dono, e os locais podem ser comercializados (entrevistado 3). ... só catar caranguejo de braço e gancho (entrevistado 6). ... o ponto de pesca tem dono e é repassado para familiares ou é vendido (entrevistado 7). ... só se pesca nos lugares livres (entrevistado 8). ... não pode colocar as redes perto das armadilhas fixas (entrevistado 9). ... os igarapés de camarão tem dono, e os locais podem ser comercializados (entrevistado 11). ... não pode colocar as redes perto das armadilhas fixas (entrevistado 12). ... não pode pescar com tapagem (entrevistado 16). ... não pode botar malhadeira nos igarapés porque estraga muito peixe (entrevistado 17). ... não pode pescar na piracema (entrevistado 18).

O fato de os pescadores terem citado algumas regras informais como a restrição de uso a determinados locais de pesca, seja pela apropriação dos igarapés, por determinadas pessoas, seja pelo respeito em colocar redes pertos das da zangaria 1 (Foto 4), e, ainda, a restrição de alguns tipos de pesca como a tapagem 2 e a coleta de caranguejo que não seja com gancho e com o braço, indica que regras informais entre diversos grupos de pescadores estão instituídas pelo conhecimento tradicional, as quais contêm um saber-fazer no que tange à relação entre cooperação e competição.

1 A zangaria , descrita pelos pescadores locais, se assemelha à descrição de armadilha fixa, do Boletim Estatístico da Pesca Marítima e Estuarina do Nordeste do Brasil, como panagens que são colocadas nas enseadas dos manguezais quando nas marés altas, presas em estacas de madeira fincadas na lama. Quando as marés baixam grande diversidade de pescado fica retida nessas redes ou esteiras. (IBAMA, 2005)

2 A tapagem consiste em uma rede, confeccionada com fio de algodão e/ou nylon multifilamento, onde sua tralha inferior é presa por pedaços de madeira fincados no substrato. Os pescadores fixam a rede na maré baixa, e na maré alta as redes são armadas até o momento da despesca. (IBAMA, 2005) 38

Foto 4: Zangaria armada à margens do Rio Arapiranga, Carutapera/MA.

Acerca dos modos de vida dos pescadores da região de Carutapera, por meio da análise da cooperação, questionou-se “Em sua opinião, a cooperação entre as pessoas pode ajudar a resolver os problemas da comunidade?,” a maioria dos pescadores entrevistados respondeu afirmativamente que a cooperação contribui de forma positiva para a comunidade, salientando o diálogo e a ajuda entre as pessoas como importantes na vida comunitária, enquanto que a minoria ão souberam explicar . Eis alguns relatos:

... tem que ter interesse pela comunidade (entrevistado 1). ... emitindo opiniões pode ajudar (entrevistado 2). ... ajudar as pessoas (entrevistado 3). ... não sabe explicar (entrevistado 4). ... propostas de melhoria (entrevistado 5). ... trabalhando unidos (entrevistado 6). ... através de acordos, diálogo (entrevistado 7). ... união, boas ideias, dialogando (entrevistado 8). ... emitindo opiniões pode ajudar (entrevistado 9). ... para emitir opiniões (entrevistado 10). ... contribuindo com trabalho, ajudando as pessoas com documentação (entrevistado 12). ... discussão, emitindo opiniões (entrevistado 13). ... ouvindo as pessoas, união das pessoas (entrevistado 14). ... quer fundar uma associação de pescadores (entrevistado 15). ... indicando assunto que pode melhorar a comunidade (entrevistado 17). ... colaborando com todos, conversando (entrevistado 19).

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Para aprofundar a compreensão dessa opinião dos pescadores em relação ao diálogo e à ajuda entre as pessoas na comunidade, os pescadores foram questionados “Nos últimos anos, tentou resolver algum problema da sua comunidade junto com outras pessoas?.” De modo que treze pescadores responderam que não se mobilizaram para resolver problemas comuns, e sete pescadores responderam que tinham se mobilizado coletivamente para alguma reivindicação. Segue alguns relatos:

... já nos juntamos para fazer um roçado (entrevistado 4). ... mobilização para consertar a escola da comunidade da Praia de São Pedro (entrevistado 7). ... nos reunimos para resolver o problema da energia na Praia de São Pedro (entrevistado 8). ... fizemos uma mobilização para não deixar a pesca de tapagem (entrevistado 10).

A cooperação entre os pescadores da região de Carutapera se mostrou em ações pontuais. Ainda com foco na ação cooperativa entre os pescadores, outra questão, proposta a esses pescadores, foi: “Se um projeto da comunidade não lhe beneficia diretamente, você ajudaria com seu tempo?,” no sentido de investigar acerca se eles estariam dispostos a trabalhar, como voluntários, para a comunidade, de modo que todos os entrevistados responderam afirmativamente, salientando a ajuda ao próximo como uma atitude importante em suas vidas. Esse tipo de cooperação se aproxima, em parte, ao que Sennett (apud RIBEIRO, 2013) denominou de “trocas altruísticas.” Este termo, porém, se enquadraria perfeitamente, caso os pescadores entrevistados tivessem agido de forma genuína e não esperassem nada em troca. Entretanto, os pescadores esperavam o reconhecimento de suas reivindicações e o atendimento de suas necessidades. Esses fatos pontuais de cooperação, portanto, indicam que a ausência do serviço público e de gestão pesqueira na região, e em alguma medida, contribui para a cooperação forçada (SENNETT apud RIBEIRO 2013). Aspecto que deverá ser levado em consideração na inserção dos pescadores como protagonistas no Conselho Deliberativo de uma Resex. Ainda no contexto da cooperação no âmbito da faina de pesca, perguntou-se aos pescadores: “Em sua opinião, a pesca pode melhorar?,” no sentido de investigar se na perspectiva de melhora na pesca está inserido algum indício de prática cooperativa. A maioria dos pescadores respondeu afirmativamente, indicando a existência de normas e

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regras e o cumprimento delas para uma melhora na atividade pesqueira. Assim se referem os pescadores entrevistados:

... parar de pescar com puçá (entrevistado 1). ... ajudar os pescadores a manterem os trastes de pesca (entrevistado 2). ... ampliar a área de pesca (entrevistado 3). ... parar de pesca com malha miúda (entrevistado 4). ... fiscalização para combater a pesca predatória (entrevistado 5). ... os pescadores com apoio do governo, para aquisição de material de pesca (entrevistado 7). ... apoio aos pescadores para compra de material de pesca, seguro defeso (entrevistado 8). ... com mais fiscalização da malha pequena que estraga muito o peixe (entrevistado 9). ... controlar o número de pescadores na região (entrevistado 10). ... reunindo para discutir os conflitos, acabar com o batimento de poço (entrevistado 11). ... estabelecendo regras de pesca (entrevistado 12). ... inovações no sistema de pesca, criar peixe ou camarão (entrevistado 13). ... com a ajuda do governo, seguro defeso (entrevistado 15). ... com a ajuda do governo (entrevistado 17). ... tem que acabar com a bagunça no rio (entrevistado 18).

O fato de os pescadores apontarem que para melhoria da atividade pesqueira, além de medidas de fomento à atividade, há necessidade de se criarem novas regras para a pesca na região, desde a restrição de tipos de pesca até medidas de seguro-defeso, e também há a necessidade de fazer com que as regras existentes sejam cumpridas por todas as pessoas que utilizam os recursos pesqueiros, a exemplo da legislação ambiental. Diante da presente discussão, impõe-se a seguinte questão: considerar a confiança e a cooperação como sendo endógenas ou exógenas ao indivíduo? Segundo Lundasen (2002, p.307), “[...] ainda que a confiança não pareça ter bases puramente racionais e informacionais, ela também não se parece com uma variável completamente exógena, fixada de uma vez para sempre.” É nesse sentido, que a interferência do Estado, é evidente, seja pela sua ausência ou ineficiência local, seja pela proposição de políticas públicas que atendam as especificidades locais. Os elementos que compõe os modos de vida dos pescadores da região de Carutapera, a exemplo da confiança e da cooperação, são

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provenientes não apenas de uma estrutura endógena à sua cultura, mas, também, da ação do Estado nas localidades. Apesar dos dados de estatística pesqueira oficiais estar defasado, os mesmos pode indicar a relevância das capturas de determinadas espécies na região. De acordo com o Boletim Estatístico da Pesca Marítima e Estuarina do Nordeste do Brasil, em Carutapera, no ano de 2005, as dez espécies mais capturadas foram pescada amarela (846,5 toneladas), serra (239,1 toneladas), caíca (219,6 toneladas), bandeirado (189,3 toneladas), bagres (166 toneladas), pescada gó (150,1 toneladas), tainha (135,2 toneladas), camurim (67,9 toneladas), corvina (61,1 toneladas) e uritinga (58,6 toneladas) (Gráfico 1). (IBAMA, 2006) Segue figura:

uritinga tainha serra pescada-gó pescada -amarela corvina camurim caíca bandeirado bagres

0 200 400 600 800 1000 Biomassa (ton)

Gráfico 1 – Produção pesqueira das principais espécies capturadas no município de Carutapera, em 2005 (IBAMA, 2006).

As dez espécies mais representativas, em termos de produção, no Município de Carutapera, no ano de 2005, segundo Ibama (2006), estão presentes no grupo de espécies listadas pelos pescadores, dessa localidade, no momento da elaboração coletiva do calendário de pesca, nas visitas de campo. Nesse sentido, as análises das percepções desses pescadores, referentes à variação da produção e à variação do preço das capturas, ao longo do ano, foram realizadas para as dez espécies mais capturadas de acordo com o Ibama (2006), além do camarão branco e do caranguejo, uma vez que esses crustáceos representam significativa importância comercial para região. As produções das principais espécies de peixes ao longo do ano, de acordo com as percepções dos pescadores de Carutapera, apresentaram um padrão de variação. A partir das categorias ruim, regular e bom (como descrito anteriormente), as produções, das espécies analisadas, apresentaram-se capturas regular e bom entre os meses de março à julho. 42

Nos outros meses não houve uniformidade, sendo que algumas espécies de peixes mantiveram-se com altas capturas e outras espécies caíram de produção. Essa dinâmica de variação na captura foi explicada pelos pescadores como uma variação que depende do regime de chuvas na região. Em outras palavras, o período chuvoso, entre janeiro e julho, a produção é de regular para boa. Entretanto, a produção de algumas espécies de peixes mantém-se regular ou boa no período seco como é o caso da caíca, que, de acordo com o relato dos pescadores, é capturada em grandes quantidades durante todo o ano (Gráfico 2).

As menores capturas de peixes, categoria ruim , se dão no período de estiagem, de agosto à dezembro (Gráfico 2). Entretanto, essa diminuição na produção de peixes, de acordo com o relato dos pescadores, pode, eventualmente, se estender ao período chuvoso devido ao fenômeno denominado localmente de água preta 3. Portanto, de maneira geral a maior produção de peixes de Carutapera se dá entre os meses de março à julho. A captura de camarão apresentou-se mais expressiva entre os meses de agosto e novembro, ou seja, no período de estiagem. Essa variação anual da captura de camarão é diametralmente oposta à variação de captura da maioria dos peixes, de acordo com os pescadores (Gráfico 2). Outro crustáceo de importância na região é o caranguejo, e a variação de sua captura, segundo os pescadores, se mantém alta durante todo o ano, com exceção dos meses de julho e agosto, quando a produção cai devido à troca de casco (muda) do crustáceo, e por isso a espécie para de ser capturada (Gráfico 2). A percepção dos pescadores com relação à variação dos preços dos pescados capturados ao longo do ano, também, foi categorizada em bom, regular e ruim . Observou-se mais de um padrão de variação de preço de peixes e crustáceos ao longo do ano. O primeiro padrão de variação de preços correspondeu ao aumento do preço com a diminuição da captura, ou seja, espécies que alcançam os melhores preços quando a oferta de determinada espécie diminui na região. Esse padrão foi descrito, pelos pescadores artesanais, para o bandeirado, o camurim, a pescada amarela e a pescada gó (Gráfico 2). De acordo com relatos dos pescadores, o preço da pescada gó influencia o preço de todo os peixes da região. Quando entra na safra da pescada gó o preço desta espécie diminui e influencia todos os preços de outros peixes para baixo. Outro padrão de variação de preço observado tem relação com a época de estiagem. Esse padrão foi observado para a caíca e para o camarão os quais alcançam maior valor

3 De acordo com os pescadores, a água preta consiste na influência do Rio Amazonas na região, que escurece as águas dos estuários e diminui drasticamente a produção de peixes. Esse fenômeno acontece no início do ano, entre janeiro à maio. 43

comercial com a procura de pescado por turistas na região. A tainha, de acordo com os pescadores, diferentemente das outras espécies, não apresenta variação no seu preço durante todo o ano (Gráfico 2).

3 3

2 2

1 1 jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez jan fevmarabrmai jun jul ago set outnovdez

Bandeirado Bandeirado Caica Caica

3

3 2 2 1 1 jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez

Camurim Camurim Corvina Corvina

3 3

2 2

1 1 jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez jan fev marabr mai jun jul ago set out nov dez

Pescada amarela Pescada amarela Pescada gó Pescada gó

3 3

2 2

1 1 jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez Serra Serra Tainha Tainha

3 3

2 2

1 1 jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez jul set fev jan jun abr out dez mai ago nov Camarão branco mar Caranguejo

Gráfico 2 – Percepção dos pescadores acerca da variação anual da produção (linha contínua) e do preço (linha pontilhada) das principais espécies de peixes e crustáceos capturados na região de Carutapera, Estado do Maranhão.

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4.4 Povoados dentro e no entorno dos limites da Resex

Os povoados de Ilha de Fora, Praia de São Pedro e Ilha de Boa Vista são os únicos povoados localizados dentro da área proposta para criação da Resex Arapiranga Tromaí, os dois primeiros pertencentes ao município de Carutapera/MA e o derradeiro ao município de Luis Domingues/MA, há ainda ilhas com casas isoladas, tais como Sapeka (05 casas), Barreira (02 casas), Dezoito (02 casas), Pedra Branca (01 casa) e Canta Galo (01 casa). Com exceção a estes, os demais lugarejos que serão descritos abaixo são povoados no entorno da Resex, mas despendem especial atenção por serem parte do território, bem como potenciais usuários dos recursos da UC.

Tabela 4: Povoados dentro e no entorno dos limites da Resex.

Localidades Estimativa de famílias potenciais beneficiárias/usuárias Ilha de Fora 60 Praia de São Pedro 37 Boa Vista 19 Estiva 60 Livramento 40 São Lourenço 240 Manaus da Beira 125 Canadá 50 Sede 4.500 Total 5.158

Ainda dentro da área proposta para criação da Resex Arapiranga Tromai estão praias de rancharias, caracterizadas como abrigo temporário aos pescadores, tais como a praia da Sardinha (Foto 5) e a Praia do Lombo (Foto 6).

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Foto: Karina Soares Foto 5: Praia da Sardinha, município de Carutapera/MA.

Foto: Karina Soares Foto 6: Praia do Lombo, município de Carutapera/MA.

Povoado Ilha de Fora

O povoado possui aproximadamente 60 casas e está localizado nas margens do rio Iriri-mirim, a 25 km da sede de Carutapera. Até o inicio do ano 2000, quando foi construída a estrada, o único acesso a esse povoado era através do rio utilizando embarcações. A estrada construída durante o Governo de Adilson Lunado (PE) trouxe melhorias como energia, escola, caixa d’água e trapiche (Fotos 7 e 8). Diariamente uma van faz o transporte das pessoas para Carutapera, o horário de saída das vans é por volta de 05:30h retornando as 10:00h, o valor cobrado é de R$8,00 por trecho.

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Fotos: Karina Soares Fotos 7 e 8: Trapiche do Povoado Ilha de Fora, Município de Carutapera/MA.

Em Ilha de Fora a maioria dos moradores estão associados à Colônia de Pescadores e a minoria ao Sindicato Rural. Ao falarmos de outras formas de organização e mobilização comunitária remontam a uma Associação de Moradores que não mais existe e ao grupo de jovens da Assembleia de Deus (Foto 9). A minoria participa da Igreja Católica e esta ainda não possui uma estrutura física construída.

Foto Karina Soares Foto 09: Templo da Assembleia de Deus na Praia de São Pedro, Carutapera/MA.

No que se refere à educação, a comunidade possui apenas uma escola, a Unidade Escolar Adilson Dourado (Foto 10), que possui duas salas e ministra somente até o quinto ano do ensino fundamental, os alunos em séries superiores precisam se deslocar até o povoado de Livramento para continuar os estudos e utilizam o transporte escolar disponibilizado pela prefeitura. Há denuncias referente à falta de merenda escolar que fica disponível somente poucos dias a cada mês.

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Foto: Karina Soares Foto 10: Unidade escolar localizada no porto do Povoado Ilha de Fora Carutapera/MA. Fora, Carutapera/MA.

Não existe posto de saúde e o agente de saúde (Sr. Adilson) auxilia a população em alguns casos. Os atendimentos são realizados uma vez ao mês por um médico do PSF (Programa da Saúde da Família) e uma enfermeira através de agendamentos prévios. O oftalmologista comparece ao povoado conforme a demanda existente e esporadicamente um dentista também realiza atendimento na escola, com procedimentos simples de prevenção (aplicação de flúor) e extração. As doenças mais comuns são viroses, tosses, diarreias e febres. Nos casos mais graves ou emergenciais é preciso entrar em contato com o hospital na sede de Carutapera e solicitar uma ambulância para deslocamento do paciente, em casos mais brandos o atendimento aos primeiros socorros podem ser realizados no povoado de Livramento.

A água provém de poços artesianos e pelas encanações e é distribuída para a população sem nenhum tratamento. A água para consumo geralmente é comprada em Carutapera, onde um galão de 20 litros custa o valor de R$4,00 a R$5,00. O lixo geralmente é queimado ou enterrado, entretanto no inverno, este é deixado a céu aberto. Por não existir sistema de esgoto os dejetos das moradias, em sua maioria, são armazenados em cintinas (“casinhas”) ou em fossas e até jogado a céu aberto.

Apesar de não possuir posto policial, relatam que o povoado é tranquilo e quase não ocorrem ações ilícitas. Em casos de incidentes ligam para Policia Militar localizada na sede de Carutapera, e geralmente estão relacionados a brigas por embriaguez e ao roubo de galinhas.

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No povoado existe rede elétrica através da empresa CEMAR e o sistema de comunicação é realizado através da telefonia fixa (orelhão) ou móvel (operadora Claro).

Na paisagem destaca-se a abundancia dos babaçuais, entretanto é pouco utilizado pelos moradores, em contrapartida há poucos açaizais, e estes estão em áreas plantadas nos quintais, mas há grande procura pelo produto. Outro fruto em demasia é a manga porem é utilizado somente para o consumo humano e para alimentação dos animais de produção como gado e galinhas. Ressalvo que há potencial para o aproveitamento deste fruto, frente a grande quantidade espalhada pelo povoado e o sabor agradabilíssimo. Não há produções significativas de hortaliças, em pequenas e isoladas hortas encontramos apenas cheiro verde e cebolinha.

Dentre os animais criados a criação de gado é desenvolvida por poucos moradores e de forma extensiva, entretanto não ficam plenamente soltos e são criados em área coletiva, relatam que este cercado iniciasse na beira do mangue e prossegui até a terra firme, porém não possuem maiores cuidados relacionados à dieta, condições sanitárias e seleção genética, o que caracteriza uma criação sem fins comerciais.

As galinhas são criadas solta nos quintais, de fácil manuseio e importante fonte de proteína também é de rápida venda e geração de recurso, como os moradores descrevem “é boa pra comer e pra vender”. Uma dos principais problemas relatados na criação de galinhas foi à doença do caroço. Também conhecida como bouba aviária, pipoca ou verruga é ocasionada por vírus e transmitido por diversos mosquitos causando uma ampla dispersão principalmente em locais próximos a águas paradas. Pode ser prevenida por meio de vacinação do plantel e desinfecção dos galinheiros. Não registramos criações de caprinos, segundo os moradores “os bodes perturbam demais”, já em relação às criações de porcos, também não observamos tais animais no povoado, entretanto afirmam que antes havia criações de porcos, porém a comunidade se reuniu e proibiu a criação destes, mesmo que seja em cercados ou chiqueiros.

As caças que ainda existem na área, segundo os moradores, são cutia, tatu (poucos), macaco, quati e maguari. Contam que não há grupos especializados em caça, mas ainda há o consumo destes, principalmente o maguari quando caem nos currais de pesca. Em frente à Ilha de Fora existe uma ilha considerada como dormitório de guarás, citam que há centenas deles que passam em revoadas e que poucas pessoas tem o hábito de consumir sua carne ou ovos, entretanto alguns moradores o criam em cativeiro. Ressalto que o tema caça é de

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extrema delicadeza para ser indagado junto aos moradores e que gerou claro desconforto nas colocações dos mesmos, não sendo aqui relatado como denúncia, mas como desabafo de moradores e que deverá futuramente, dentro de nossas, competências, ser averiguado junto à gestão e fiscalização da Resex.

Em relação aos recursos pesqueiros o sururu é encontrado em uma croa localizada em frente à ilha, já possui pouco, e acreditam que morreram após serem retirados com a inchada e atualmente no lugar só tem lama podre, entretanto ainda resta sururu na cabeceira da rocha (“porque não conseguiram raspar”) e há também o sarnambi, em quantidade menos expressiva, mas ainda encontrado nas croas. As ostras são encontradas nas pedras e nas raízes dos mangues, quando não há a possibilidade de raspá-las ou cata-las, os pescadores “tocam fogo” assim elas abrem e possibilitam a coleta.

O caranguejo, recurso que se encontra em abundancia, é tirado no braço sem uso de qualquer tipo de armadilha. Geralmente é vendido por R$40,00 o cento para um atravessador proveniente do povoado Canadá, porém somente é retirado após a encomenda feita por este e geralmente é instável, o que não possibilita uma renda fixa a partir da cata do caranguejo. A comunidade pega também na época da andada, entretanto apenas para consumo, pois alegam que não compensa vender, como a oferta esta grande o preço cai muito.

Os peixes mais comuns na área são a pescada amarela, bagre, tainha e a corvina vermelha e branca. A maioria dos pescadores locais possui curral, zangaria (alta) e tapagem, mas também pescam de linha e espinhel. O camarão é capturado através da muruada e da tapagem, principalmente as espécies conhecidas como branco e piticaia do inverno, e a quantidade depende da encomenda feita pelo marreteiro (atravessador).

Povoado Praia de São Pedro

Localizado numa ilha marinha pertencente ao município de Carutapera/MA, a Praia de São Pedro (Foto 11) possui 37 famílias e é bastante conhecida por apresentar belezas naturais e cênicas. O povoado é conhecido pela famosa festa realizada no mês de julho, a Festa de São Pedro ou festa da beirada, atraindo moradores de toda região.

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Foto: Karina Soares Foto 11: Povoado Praia de São Pedro, município de Carutapera/MA.

Possui uma escola pública municipal (Foto 12) com todas as séries do ensino fundamental. As aulas são ministradas por professores que moram na ilha durante a semana e no final de semana vão para Carutapera. Os alunos que terminam o ensino fundamental precisam mudar para sede do município se quiserem continuar os estudos. Em alguns casos, quando o aluno não possui família na cidade, ele acaba abandonando os estudos por falta de condições financeiras para viver na cidade.

Foto: Karina Soares Foto 12: Escola publica municipal localizada no povoado Praia de São Pedro, Carutapera/MA.

O sistema de saúde público é precário, pois não existe posto de saúde e apenas uma agente comunitária de saúde (Dona Leda) presta apoio básico, pelo menos uma vez ao mês ocorre à visita de um medico pelo PSF que utiliza as dependências da escola para realização de consultas. Em relação a preceitos religiosos a comunidade possui seguidores do Catolicismo e da Assembleia de Deus.

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Em relação ao saneamento, a água é coletada da chuva ou então em poços artesianos de aproximadamente sete metros de profundidade. O esgoto é jogado em fossas ou então a céu aberto. O lixo quando não é queimado, é enterrado ou depositado na praia, sendo levado pelas águas do mar durante o enchimento da maré. A energia é fornecida por gerador a óleo diesel, que funciona no período das 18:20 horas às 22:20 horas, sendo os custos financiados pelos moradores (R$60/mês/casa) e complementado com recursos da prefeitura de Carutapera.

Na Ilha não há roças implantadas e todo suprimento agrícola e de mercearia são provenientes do comercio de Carutapera e transportados nos barcos de pesca. De cultivo na ilha, temos cerca de dez pequenas hortas apenas com a finalidade de suprir a necessidade de tempero para o peixe, afirma moradora da ilha. Ao observar a cerca reforçada envolta das hortas é presumível a presença de animais de produção criados soltos pela ilha, conforme observamos na foto 13.

Foto: Karina Soares

Foto 13: Hortas cultivadas por morador da praia de São Pedro, município de Carutapera/MA.

Observou-se a criação de gado em sistema extensivo e com concentração na faixa de areia da ilha (Foto 14), ao perguntar sobre esta distribuição do gado em local de pouca oferta de alimento o pescador afirma que o gado fica na praia nos meses de janeiro a abril, pois o vento é mais forte e lá eles sofrem menos com as picadas das carapanãs, entretanto nas casas do povoado, os moradores utilizam muito repelente industrializado e natural (fumaça de siriba) para se proteger das carapanãs.

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Foto: Karina Soares Foto 14: Gado criado solto nas areias da praia de São Pedro, município de Carutapera/MA.

Na comunidade apenas dois moradores criam bode, e há desavenças pelos hábitos curiosos e buliçosos destes animais, assim a vizinhança reclama que os animais entram nas casas para mexer ou dormir e também comem as hortaliças cultivadas nos quintais. A criação de porco já foi extinta nesta ilha que por consenso dos moradores não aguentaram a sujeira feita por estes animais. Com todas as adversidades citadas acima os pescadores explicam que a calma do local e a riqueza do pescado os prendem a esta ilha.

Povoado de Livramento

Livramento está localizado a cerca de 20 Km da sede do município e é um dos principais povoados de Carutapera. Parte das informações sobre esse povoado foi fornecida por alguns adolescentes que estavam no centro comunitário ensaiando para a apresentação do Bumba meu boi que ocorrerá no mês de junho. A comunidade possui cerca de 40 famílias e boa parte destas participa da Associação de Moradores, além do grupo de jovens integrante da Igreja Católica.

Segundo informações desses moradores, Livramento possui apenas duas escolas públicas municipais, Unidade Integrada (UI) Vereadora Yolanda Dourado e UI Vereador Otávio Lauro Correa. Enquanto o ensino fundamental é oferecido nas duas escolas, apenas a segunda possui ensino médio. Segundo opinião desses alunos, o ensino fundamental que está sob a responsabilidade do poder municipal é bom, mas o ensino médio que é mantido pelo poder estadual é regular. Os professores geralmente não possuem qualificação para dar aula e os alunos que querem continuar o estudo superior precisam deixar o povoado. Eles relataram que apesar de muitos serem filhos de pescadores eles não pretendem seguir essa

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profissão, pois sabem das dificuldades enfrentadas pelos pais. Além disso, disseram que se houvessem instituições de ensino superior na região eles estudariam nelas.

Em relação à saúde, existe um único posto de saúde na comunidade, onde apenas um enfermeiro realiza atendimento uma vez por semana, mas contam ainda com dois agentes comunitários de saúde. Nos casos mais graves é necessário deslocamento até Carutapera, mas às vezes não possuem lugar para ficar. Segundo eles, as doenças mais comuns ocorrem no período do inverno amazônico (janeiro a junho) e são viroses, caracterizadas por febres, diarreias e vômitos. Geralmente faltam remédios e vacinas.

As moradias da comunidade são de alvenaria e uma pequena parcela ainda de taipa, em sua totalidade possui fornecimento de energia elétrica distribuída pelo sistema da CEMAR. No que diz respeito ao saneamento, a água utilizada pelos moradores é retirada de poços artesianos e distribuída por encanações às casas, sem cobranças mensais aos beneficiários, pois os poços são mantidos pela Prefeitura. Como não há rede de captação de esgoto os dejetos são armazenados em fossas, casinhas e até jogado a céu aberto, já o lixo é queimado ou enterrado.

A segurança pública foi considerada ausente tendo em vista, que não existe nenhum posto policial no local, consequentemente, o roubo de celulares e o tráfico de drogas têm aumentando. Em relação ao meio ambiente, elencaram como os principais problemas, o desmatamento das florestas para produção de carvão, as queimadas, o destino inadequado do lixo, o uso de zangaria na pesca e a retirada de ostras do rio Iriri-Açu.

As comemorações culturais citadas foram semelhantes àquelas relatadas pelos participantes da oficina realizada na sede de Carutapera, porém cabe ressaltar, que três dessas festas são típicas desse povoado. Em abril, ocorre a festa de Santa Barbara citam ainda a Festa de Macumba ou Festa da Cabocla Mariana, conhecida como pajelança ou festa do Taboca (Foto 15), este evento dura 03 dias com programação que incluem rodas de tambor e festas dançantes. Em Junho tem a quadrilha Sedução Caboca, Boi Bumbá (com sotaque semelhante ao Boi de Parintins) e Bumba Meu Boi. No 1º domingo de Julho tem o Festival do Camarão e do Caranguejo com o baile sexta da saudade e o sábado da culinária. Em agosto ocorre o Festejo religioso do sagrado coração de Jesus, em outubro a Festa de Nossa Senhora do Livramento, e em dezembro o Festejo de São Benedito. Além das festas e

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festejos o lazer da comunidade também ocorre em atividades como jogar bola, banhar no trapiche e no lago do Perenoca.

Foto: Karina Soares Foto 15: Festejo da Taboca no povoado Livramento.

A área possui bastante babaçu, entretanto este não tem uso pelos moradores, exceto em forma de óleo para consumo próprio. O bacuri encontra-se em pequena quantidade e é extraído principalmente para consumo local, entretanto o buriti apresenta-se de forma mais abundante e beneficiado em polpa serve tanto para consumo próprio como para venda, o valor de venda custa R$ 5,00. Outro fruto que observamos em abundancia e utilizam para consumo e venda é o açaí, extraído principalmente no período de safra que permeia de setembro a janeiro, pode ser vendido em fruto in natura ou batido, este beneficiamento favorece o valor de venda, seja para o consumidor final ou para o atravessador, que geralmente são provenientes do povoado Canadá.

Como principal cultura cultivada na comunidade o destaque é a mandioca através do sistema de plantio conhecido como roça no toco, com pousio de 8 anos, área media plantada de 2 linhas por família e a produção esperada variando com o local da roça e o índice de chuvas em um ano e meio, geralmente esta produção é armazenada para consumo ao longo do ano e poucos paneiros excedentes são vendidos.

Relatam que a maior dificuldade para manutenção das roças são os tratos culturais necessários para retirada de plantas invasoras e limpeza da plantação, e em segundo lugar a escassez de chuvas, pois as roças estão implantadas em locais altos e longe dos corpos d’água. Utilizam sempre as manivas retiradas da roça da safra anterior. A segunda cultura mais importante é o milho, que produz uma safra por ano e parte é consumido em espiga de

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milho verde e outra parte do milho é seco e debulhado para fornecer alimento aos animais, este também é vendido por cerca de R$1,00 por kg.

Entre as linhas destas culturas citadas acima plantam ainda maxixe, jerimum, macaxeira e melancia, ambas para consumo pela própria família . Não utilizam produtos químicos nas roças e a mão de obra geralmente são membros da família, se necessário contratam trabalhadores a um custo diário de R$35,00. Na divisão de tarefas referente à agricultura as mulheres da comunidade colaboram na fase de plantação e na época de colheita das roças, neste espaço de tempo dedicam-se as horta cultivando geralmente tomate, cebolinha, pimenta e cheiro.

Ao se referir as criações, os moradores criam galinhas e patos soltos nos quintais e alimentados pelo milho proveniente das roças e restos de vegetais das hortas, alegam como principal problema a doença do “gôgo”. No povoado há poucos criadores de porcos, e estes são criados em chiqueiros nos quintais, alegam que cria-los de forma confinada causa mau cheiro próximo às casas, encarecem a criação pelo fornecimento de alimentos em cochos e “necessita de gente”, entende-se que mão de obra disponível para realizar estes tratos diários com os animais.

Mencionam apenas um grande criador de gado na comunidade que possui cerca de 200 cabeças e realiza a atividade para fins comerciais, este possui um açougue no povoado e ainda fornece para povoados vizinhos. As demais cabeças de gado mantidas na comunidade são criadas de forma extensiva, sem fins comerciais diretos e por intentos diversos, como animais de tração para transporte das produções agrícolas, como fonte de leite e como “poupança”. Em relação à caça, moradores informam que ainda há disponibilidade destas presas principalmente paca, cutia e tatu, e que moradores caçam eventualmente para satisfação da família pelo sabor peculiar da caça e não por necessidade de sanar a fome, afirmam que não há grupos de caçadores com intuitos comerciais sobre este recurso.

Povoado Manaus da Beira

Localizado nas margens do rio Gurupi, há aproximadamente 50 quilômetros da sede do município, o povoado de Manaus da Beira (Foto 16) possui mais de 70 anos e é um dos maiores de Carutapera. Residem no povoado 125 famílias que vivem da pesca e principalmente da agricultura, assim a maioria dos moradores participam do Sindicato de

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Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais e alguns poucos participam da Colônia de Pescadores. Atualmente a associação de moradores encontra-se inativa.

Foto: Karina Soares Foto 16: Povoado de Manaus da Beira, município de Carutapera/MA.

O acesso ao povoado ocorre pelo rio Gurupi ou por estrada asfaltada (trecho de 30Km) até o povoado de Bajaco e dessa localidade segue por estrada sem pavimentação asfáltica (trecho de 20Km). Existe uma lancha que diariamente faz o percurso entre o município de Viseu e o povoado de Manaus da Beira através do rio Gurupi. As moradias são em sua maioria de alvenaria e madeira e apenas uma casa de taipa, predominantemente cobertas de telha e apenas 3 casas de cobertura de palha.

Na comunidade estão presentes grupos religiosos da Assembleia de Deus e da Igreja Católica (Fotos 17 e 18), que promove grande festejo de São Sebastião no mês de Novembro. Outros eventos típicos do local é o torneio de futebol das Palmeiras de Manaus em setembro e o concurso Garota Gurupi.

Fotos: Karina Soares

Fotos 17 e 18: Templo da Igreja Católica e da Assem bleia de Deus no Povoado de Manaus da Beira, município de Carutapera/MA.

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Em relação à educação, existe apenas uma escola de ensino fundamental no povoado, com seis salas de aulas e 11 professores. Os alunos do ensino médio precisam se deslocar até a sede do município para estudarem. Nesse caso, a prefeitura oferece um ônibus escolar que sai às 17 horas do povoado e retorna por volta da 1 hora da madrugada. No que diz respeito à saúde, existe apenas um posto de saúde com atendimento médico e odontológico uma vez ao mês, que ocorre de forma imprevisível, pois há meses que não há atendimento, e contam apenas com 02 enfermeiras que ficam diariamente no posto. Os moradores reclamaram que o posto não possui remédios e nem vacinas. As doenças mais comuns são as viroses com sintomas de febre e dor de cabeça, também há muitos casos de diabetes.

Em relação à comunicação, nenhuma operadora de celular ou rádio funciona no povoado, os canais de televisão só são sintonizados com a instalação de antena parabólica e existe um único telefone público que apenas recebe ligações. Existe rede de energia elétrica que é de responsabilidade da CEMAR e os custos arcados pelos consumidores, pois não estão no programa conta paga do governo federal.

O abastecimento de água ocorre por meio de poços artesianos nas casas (com cerca de 5 metros de profundidade), por sistema de poço comunitário e encanação (com custos arcados pela Prefeitura) ou por poço/cacimba (maioria). O esgoto é jogado em fossas de 2,5 metros de profundidade e que está presente em poucas casas, na maioria da comunidade ocorre o uso de “casinhas” (cintinas). No verão o lixo é queimado ou enterrado, entretanto no inverno fica exposto a céu aberto.

O povoado não tem posto policial apesar de existirem problemas com roubos e venda de drogas. Os principais problemas ambientais são o desmatamento e a caça de animais silvestres como tatu, paca, veado, porco do mato, jaburu, cutia, capivara, jacaré e veado. Os instrumentos mais comuns utilizados para caça são a espingarda, as armadilhas fixas e o uso de cachorro de caça.

Alegam que a prática da caça ocorre por esporte ou por fator cultural, descartando o uso da caça como fonte de alimento em caso de necessidade extrema de fome, ademais, a caça seria consumida pelos próprios caçadores, e ate criadas em suas residências, e não comercializadas. Novamente ressaltamos o quanto é melindroso falar sobre caça, pois notoriamente as falas se contradizem e em determinado momento é apenas para consumo em outro se torna um problema ambiental a ser repreendido e que atrai caçadores de outros povoados com fins de comercialização. Por fim, será imprescindível investigar tal questão.

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Os moradores também têm o hábito de capturar algumas espécies de pássaros que são criados em gaiolas, para veneração de seus belos cantos, e até destinada a comercialização, tendo como principais exemplares o curió, bigode, coleira e sabiá. Ressalva-se que além da quantidade considerável de pássaros criados em gaiolas os moradores também criam em cativeiro animais como papagaio, macaco e curica.

Quanto ao extrativismo vegetal, a grande abundância de babaçuais não exprime o uso deste fruto, pois poucos moradores o utilizam em forma de azeite. O bacuri apresenta-se em grande quantidade e seu uso ocorre tanto para consumo próprio quanto para venda, seja em polpa congelada como o fruto in natura, onde o cento de bacuri custa R$25,00. Buriti é pouco utilizado e somente para consumo próprio, através da extração da polpa para fabricação de suco e chopp (geladinho ou suquinho).

O açaí encontra-se em abundância e possui um mercado de venda garantido, é geralmente extraído nos meses de novembro a janeiro, e no restante do ano em pequenas “safrinhas” ou entressafra, assim o valor de venda varia com o período do ano, respectivamente, o caroço é vendido a uma faixa de R$16,00 a R$40,00 a lata. O principal comprador é um morador do povoado que “atravessa” os frutos para outros povoados, e o restante é vendido para quem possui maquina de bater açaí. Também encontramos bacaba, seu consumo é inferior ao do açaí, mas é extraída para fabricação do leite de bacaba e utilizada para consumo próprio e para venda, a lata custa em torno de R$25,00 e geralmente é extraída nos meses de fevereiro a abril.

Costumam cultivar nas roças de toco a mandioca, arroz, milho e feijão . A mandioca possui período de safra de 1,5 a 2 anos “dependendo da capoeira que queimou para esta roça”, afirmam que os principais problemas para implantação das roças são provenientes da falta de mecanização, logo precisam de mais mão de obra para trabalhar e de mais terra para realizar o rodízio, o que gera aumento do desmatamento e maior distanciamento das roças em relação ao povoado. A produção é essencialmente para fabricação de farinha destinada ao consumo da família e alguma venda na comunidade.

Plantam o milho entre as linhas de mandioca e com a finalidade de consumo das espigas, mas principalmente para secar e produzir alimento aos animais. De forma consorciada cultivam ainda jerimum, maxixe e melancia , em quantidades menores mais importantes para a diversidade alimentar da família. Relatam que utilizam inseticidas quando aparecem gafanhotos, pois precisam defender as plantações. Nas casas são

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cultivados pequenos canteiros ou hortas com espécies comumente utilizadas como temperos: cebolinha e cheiro. A principal horta esta localizada na escola. Nos quintais as espécies plantadas são goiaba, banana, manga, laranja, caju, jambo, coco, cabaça e açaí.

No povoado ocorre à criação de cabeças de gado e de búfalos, em sua maioria estão confinados em cercado, e poucos perambulam soltos pelos campos inundáveis naturais. Alguns criadores cercam tais campos para propiciar um local para criação do gado, fato que gera descontentamento entre os comunitários que declaram perder espaços que antes eram de uso comum. Outros animais como cavalos e jumentos também são criados, porém, em pequenas quantidades visando apenas à força de tração destes animais no transporte de pessoas e produtos entre o povoado e as roças.

A criação de galinhas , muito corriqueira em comunidades rurais, são criadas soltas nos quintais e ruas do povoado (Foto 19) e apenas retornam as casas nos horários de alimentação e dormida, poucos possuem galinheiros para contenção destes animais. Não há relatos de criações de caprinos ou ovinos e informam que não há costume nem tradição de criar estes animais. Os porcos são criados obrigatoriamente presos, isso foi tema de vários debates dentro do povoado e a regra foi instituída sob o argumento de transmissão de doença e geração de sujeira causada pelos suínos soltos.

Foto: Karina Soares Foto 19: Galinhas criadas soltas pelo Povoado de Manaus da Beira, Carutapera/MA.

Os principais recursos pesqueiros citados pelos moradores locais são espécies de água doce, como a traíra, aracú, surubim, piranha, tambaqui, tucunaré, piaba, mandi, cascudo e anujá. Também citaram a ocorrência do camarão cascudo. Os principais apetrechos de pesca utilizados são malhadeira, espinhel, tarrafa e curral. 60

Povoado São Lourenço

Localizado nas margens do rio Gurupi, há 26 quilômetros da sede do município, o povoado de São Lourenço é um dos mais importantes de Carutapera. O acesso ocorre pelo rio Gurupi ou então por estrada asfaltada até o povoado de Abelha (trecho de 16 km) e daí segue por estrada sem pavimentação asfáltica (trecho de 10 km).

Em São Lourenço residem aproximadamente 240 famílias e a maioria destas possuem como principal fonte de renda a agricultura, consequentemente, o Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Luis Domingues possui muitos sócios neste povoado, ao contrario da Colônia de Pescadores que possui poucos colonizados. As moradias da comunidade são predominantemente de alvenaria, em segundo plano, as de madeira e poucas são de taipa, a cobertura feita principalmente de telha e algumasFoto: Karina de Soares palha.

Em relação à educação, o povoado possui duas escolas. A escola São Lourenço possui apenas quatro professores que ministram aulas nas séries iniciais do ensino fundamental. E a escola João Lisboa (Fotos 20 e 21) que possui 13 professores que ministram aulas para o ensino infantil, fundamental e médio (noturno). Geralmente os professores não têm formação profissional na área que lecionam.

Fotos: Karina Soares Fotos 20 e 21: Fachada e interior da Unidade Escolar do Povoado São Lourenço, município de Carutapera/MA.

Em relação à saúde, existe apenas um posto de saúde (Foto 22), e o atendimento é realizado por um médico cubano, do programa mais médico, uma vez por mês. O atendimento de enfermagem é realizado uma vez por semana por dois técnicos de enfermagem e no dia-a-dia contam com dois agentes de saúde, entretanto denunciam que não há atendimento odontológico e que não há disponibilidade de remédios e vacinas. As doenças comumente relatadas também são as viroses. O atendimento de casos mais graves é

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feito em Carutapera e o transporte até a sede do município é feito por transporte particular já que na maioria das vezes a ambulância está quebrada.

Foto: Karina Soares Foto 22: Posto de Saúde do Povoado São Lourenço, Carutapera/MA.

No que diz respeito ao saneamento, a água para o abastecimento é coletada de dois poços artesianos, mantidos pela prefeitura, que armazena a água em caixas para posterior distribuição através de encanação às casas, em algumas casas o abastecimento ocorre por poço próprio tipo cacimbão. O esgoto é jogado em caixas sépticas de um metro de profundidade ou então em fossas sépticas com até dois metros, na minoria das casas, pois a maior parte ainda utiliza as “casinhas” também conhecidas como cintinas. O lixo é queimado ou depositado a céu aberto e uma minoria tem o hábito de enterra-lo.

Em relação à segurança também não existe nenhum posto policial, apesar de existirem roubos, sobretudo de gado e um fluxo grande de pessoas que se envolvem em brigas e confusões. Apesar da existência da rede de energia elétrica, não há sinais de telefonia móvel, sendo a comunicação realizada por meio do celular com antena rural da operadora TIM. A rádio sintonizada é da sede de Carutapera e os canais de TV são sintonizados por antenas parabólicas.

A Associação de Moradores está atualmente inativa e as manifestações religiosas presentes na comunidade são da Igreja Católica (Foto 23) e da Assembleia de Deus. No centro comunitário (Foto 24), no mês de janeiro, realiza-se o Festejo de São Benedito e em agosto, no 2º final de semana, ocorre o Festejo do padroeiro da comunidade, São Lourenço. Ao observarmos à imagem deste santo nos chama atenção à representação de uma grelha, assim o morador nos informa que São Lourenço foi grelhado vivo. 62

Em meados do século III o diácono Lourenço era responsável pela administração dos bens da Igreja que sustentava muitos necessitados, com a perseguição do Imperador Valeriano, o prefeito local exigiu de Lourenço os tesouros da Igreja e ele reuniu os órfãos, os cegos, os coxos, as viúvas, os idosos e com bom humor – disse: “Eis aqui os nossos tesouros, que nunca diminuem, e podem ser encontrados em toda parte”, o prefeito mandou colocá-lo sobre um braseiro ardente e no auge do sofrimento na grelha, disse: “Vira-me que já estou bem assado deste lado”.

Fotos: Karina Soares Foto 23 e 24: Igreja Católica e Centro Comunitário do Povoado São Lourenço, Carutapera/MA.

O extrativismo na área é expressivo pela presença marcante da açaí, este fruto é utilizado para consumo e para venda, onde cada lata custa em media R$ 30,00. Com menor expressão e basicamente voltados ao consumo, temos ainda babaçu, bacaba, bacuri e buriti.

A atividade agrícola é a principal fonte de renda da comunidade com destaque para o cultivo da mandioca. O plantio usa técnicas rudimentares caracterizando a tradicional “roça no toco”, em média a área plantada varia de 2 a 5 linhas, distribuídas em área “alta” (terra firme) e em área baixa (susceptíveis a alagamento). Não há utilização de produtos químicos na roça, pois dizem “que custam caro e acaba com toda a roça”. Os trabalhadores desta lida são geralmente membros da família, e se necessário, contratam conhecidos que recebem cerca de R$30,00 na diária, além do café e das refeições durante o trabalho.

O principal desafio para ter uma boa produção de mandioca é evitar o apodrecimento da raiz, para o cultivo do milho e do feijão é combater o ataque de lagartas, para as plantações de arroz o problema que causa mais prejuízos são os pulgões. Informam que alguns anos atrás cultivavam batata e banana, porém o constante apodrecimento antes da colheita causou desânimo em plantar. Toda a produção em sua essência tem a finalidade de consumo exceto a mandioca que através da fabricação da farinha possibilita uma venda fora do povoado.

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As isoladas e individuais hortas são somente para consumo e plantam principalmente cebolinha, cheiro e tomate. Apesar de afirmarem que há procura pelos vegetais não houve ainda nenhum tipo de mobilização coletiva com esta finalidade e apenas relatam a vontade de fazer uma feira na praça da comunidade para promover a venda destes produtos e incentivar a produção, ou ainda incluí-las nos produtos vendidos no mercado público municipal (Foto 25). Segundo os moradores, o que eles precisam é de assistência técnica para as roças e hortas.

Foto: Karina Soares

Foto 25: Mercado Público Municipal do Povoado São Lourenço, Carutapera/MA.

Como nas demais comunidades rurais a criação de galinhas é de fundamental importância, além de atividade tradicional em sistema extensivo, contribui para segurança alimentar da família. A criação de gado é tímida, com poucas cabeças de gado por criador, esses vivem em locais cercados, mas sem os devidos cuidados sanitários e nutricionais por fim não caracteriza uma atividade voltada a fins comerciais. Alguns poucos moradores criam porcos, mas estes ficam presos e quando se soltam geram reclamações na vizinhança, pois fuçam os campos e comem as roças, gerando também prejuízos econômicos. São criados também animais de tração, como cavalo e burro, utilizados para o transporte da produção agrícola e de pessoas.

Dentre as espécies eletivas para a caça os moradores relatam a existência de paca, cutia, tatu, capivara, veado, quati e macaco, ainda enfatizam grande quantidade de macacos e de diferentes espécies, tais como guaríba, prego, amarelo, vermelho e macaco da noite. Como já mencionado no início deste estudo há uma grande diversidade faunística e florística na área e será de grande valia para gestão da UC um levantamento destas espécies. Como instrumentos de caça utilizam principalmente a espingarda, alguns possuem cachorro de caça, em segundo lugar vêm às armadilhas fixas. Afirmam que a caça é para consumo 64

próprio e de forma esporádica, não existem famílias que tem a caça como atividade comercial e nem há fornecimento para atravessadores. Infelizmente, como em muitas comunidades rurais, a prática de criar animais em gaiolas esta presente na comunidade de São Lourenço, provendo além da criação também a comercialização de aves de canto, como curió e sabiá. Os moradores informam que o comércio de roupas, medicamento e móveis é feito basicamente na sede de Carutapera. Os únicos produtos comercializados nos dez comércios existentes no povoado são os utilizados na alimentação. Outra fonte de renda é o trabalho na cerâmica localizada no povoado, o proprietário desta mora na sede do município, e esta gera emprego na fabricação, transporte e venda de tijolos. Ao perguntarmos sobre possíveis impactos gerados pela fábrica responde que há grandes escavações e que a fumaça incomoda, mas logo muda o rumo da conversa e volta a afirmar que gera empregos para os filhos dos lavradores. Este deverá ser outro ponto a ser averiguado pela gestão da futura Resex.

Povoado Estiva

Este povoado está localizado a 15 km da sede de Carutapera/MA, nas proximidades do rio Iriri-mirim. Possui em torno de 45 casas e 60 famílias. As moradias da comunidade são predominantemente de alvenaria, algumas de madeira e poucas de taipa; as casas em sua maioria são cobertas de telha e poucas de palha. As principais atividades desenvolvidas pelos moradores locais são o plantio de roça (mandioca, arroz e milho), a pesca (bagre, pacamão, uriacica, peixe pedra, traíra e piaba) e a extração do açaí.

Existe uma única escola pública municipal, Unidade Escolar João Paulo II, que oferece até o quinto ano do ensino fundamental. Como os professores são de Livramento comumente faltam deixando os alunos sem aula. Esse ano os alunos ainda não receberam merenda escolar. Os alunos matriculados nas séries superiores precisam se deslocar até o povoado de Livramento para estudarem e utilizam o transporte escolar fornecido pela prefeitura.

Não existe posto de saúde no povoado e há apenas uma agente de saúde que dá assistência quando necessário. O posto de saúde mais próximo fica no povoado de Livramento, e conta com um dentista, um médico e uma enfermeira que atendem uma vez por mês, segundo informações dos moradores de Estiva. Os casos mais graves são

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encaminhados para sede de Carutapera ou então para o município de Governador Nunes Freire (conhecido como Encruzo). As doenças mais comuns são gripe e dengue, com sintomas de febre e diarreias. A água é coletada de poços artesianos e distribuída através de encanações para os moradores, estes não possuem custos financeiros com a mesma, pois a manutenção do poço é realizada pela prefeitura, entretanto não há tratamento desta água. O esgoto é jogado a céu aberto ou em fossas sépticas, as “casinhas” ou cintinas ainda são predominantes na comunidade. O lixo é queimado no verão, contudo no inverno fica exposto a céu aberto e ate mesmo carreado pelas águas das chuvas. O povoado possui fornecimento de energia elétrica através da empresa CEMAR, entretanto pagam pelos serviços, pois não são beneficiários do programa do governo federal –conta paga-.

Não existe posto policial, no entanto o povoado é tranquilo e relatam que quase não há roubos ou brigas entre os moradores. Para comunicação existe um telefone público (orelhão) que geralmente não funciona e a única operadora de telefonia móvel é a operadora Claro. Os festejos locais são o Festival do Caranguejo que acontece no mês de julho, a Festa do Cristo Rei em novembro e o Festival do Açaí em dezembro.

No povoado de Estiva poucos participam da Colônia de Pescadores e a Associação de Moradores está inativa. Como a principal atividade é a agricultura e o extrativismo vegetal a maioria dos moradores estão sindicalizados no Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Carutapera. No extrativismo vegetal realizado no povoado os principais recursos são o murici, cupuaçu e açaí. Possuem ainda o babaçu, encontrado em grande quantidade, mas com restrito uso a fabricação de óleo para consumo próprio. Já a bacaba está em quantidade razoável, porém não possui um mercado tão aberto quanto o do açaí, é um fruto caracterizado por uma casca preta e a polpa branca que é preparado de forma semelhante ao açaí, onde os frutos são batidos, manual ou em máquina, fabricando um suco chamado “leite de bacaba”, que geralmente é destinado ao consumo próprio.

O murici apresenta-se em grande quantidade e pode ser coletado em áreas coletivas ou “sem dono”, na época de safra que dura dos meses de fevereiro a maio, este fruto de sabor forte e característico é utilizado para consumo e também possui venda garantida na própria comunidade e na sede de Carutapera com valor médio de R$2,00/litro do fruto in natura. A produção de cupuaçu está restrita a poucas áreas, geralmente extraído no mês de março e abril, contudo seu alto valor e sua grande demanda pelo mercado mobilizam a comunidade a utiliza-lo para consumo e para comercialização da polpa. 66

O açaí é o carro chefe de frutos comercializados, encontra-se em grande quantidade, sendo extraído principalmente nos mês de outubro a março, onde utilizam o caroço para produção do “suco” ou “papa” de açaí destinado ao consumo e a comercialização no valor de R$ 6,00/l. Também vendem o fruto in natura pelo valor de R$ 20,00/lata, em época de safra, duplicando em período de entre safra.

A modalidade de sistema agrícola é a típica roça tradicional sem uso de tecnologias e tem por base a mão de obra familiar. O plantio inicia-se geralmente em dezembro e janeiro de acordo com o fluxo das chuvas e cada família cultivam, em media, duas linhas de roça devido à escassa disponibilidade de mão de obra. Usam localmente o período de “descanso da terra” ou pousio em torno de quatro anos, após este período, escolhem a área em partes mais alta e sem a presença de “outeiro” ou “manchas de pedras”. A “semente” plantada são as manivas retiradas da roça da produção anterior.

Destacam como principal dificuldade para o cultivo a necessidade constante de realizar a capina e o ataque das plantações pela “lagarta rajada”. A colheita é realizada após um a um ano e meio a depender das chuvas e da incidência de doenças e pragas que venham a acometer a plantação, tal produção é destinada principalmente ao consumo próprio e a comercialização depende da quantidade produzida. O principal cultivo é da mandioca com a finalidade de fabricar farinha. E dentre as linhas de mandioca plantam de forma consorciada a macaxeira, o milho, o jerimum, quiabo e melancia.

O milho esta em segundo lugar de importância na produção, no intuito de suprir as necessidades alimentícias da família e das criações de animais. Este também é plantado no mês de janeiro, porém a colheita ocorre em tempo mais curto de aproximadamente quatro meses. Parte da produção é armazenada em recipientes fechados como garrafas pet e guardados como sementes para a próxima plantação. Enfatizam como principais entraves ao cultivo do milho o ataque da lagarta rajada e da saúva. Os moradores por não utilizar produtos químicos nas roças lançam mão de saberes populares para combater as doenças e pragas nas plantações como os realizados pelas “rezadeiras” ou “benzedeiras de roça”.

Os criadores de bovinos criam seus animais em um local cercado no lugarejo chamado de cana verde que fica a 5 km de distância do povoado. A criação tem por finalidade manter uma fonte de renda imediata a ser utilizada em caso de necessidades, ou seja, o famoso “gado-poupança”. Dentro do povoado são criados galinhas e patos, seja preso nos quintais ou solto pelas ruas. A criação destina-se ao consumo próprio e esporadicamente

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vendem para alguém da vizinhança, ate porque a maioria criam estes animais e não possuem necessidade de comprar de terceiros. Colocam como principais problemas a criação destes, o surgimento de doenças como o caroço ou verruga e o gógo. Apenas um morador cria bode nesta comunidade, inusitadamente cria os animais soltos durante o dia e preso no período da noite. A criação de porco não é permitido no povoado conforme decisão em assembleia, entretanto alguns poucos ainda insistem em criar.

Moradores afirmam que na área existem animais de caça, tais como paca, tatu, catitu e veado, este nos últimos anos se tornou mais difícil de encontrar. A caça é realizada apenas por moradores como atividade tradicional e com a mera finalidade de satisfação do paladar. Algumas poucas pessoas da comunidade criam espécies de caça para reprodução em cativeiro, entretanto pelo receio em torno do assunto não procuramos os tais criadores. Citam como instrumentos utilizados para caça, principalmente a espingarda e a espoleteira, além dos habituais cães de caça.

5. Infraestrutura básica e o modo de vida na sede do Município de Luís Domingues/MA e na Ilha Boa Vista.

Como já mencionado na contextualização até o inicio da década de 60 o município de Luís Domingues/MA pertencia a Carutapera/MA e era denominado Olho D´água. Como o município foi criado há poucos anos, é possível fazer uma linha do tempo dos prefeitos que já o governaram.

Tabela 5: linha do tempo dos prefeitos que já o governaram Luis. \ Domingues do Maranhão. 1961/1962 Benedito Pantoja Costa 1963/1968 Deolindo Antônio de Lima 1969/1972 Benedito Paiva Sodré 1973/1976 Floriano Catarino Matos 1977/1982 Valmir 1983/1988 Auremar Teixeira Soares Ribeiro 1989/1992 Didi Queiroz 1993/1996 Auremar Teixeira Soares Ribeiro 1997/2000 João Pinto de Lucena 2001/2008 Creusa da Silva Braga Queiroz 2009/2016 José Fernando dos Remédios Sodré

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O município de Luis Domingues não estava inicialmente na solicitação de criação da Reserva Extrativista de Carutapera, entretanto em 10/07/2009 a colônia de pescadores Z-61 encaminhou ao CNPT/IBAMA um oficio que requeria novo limite da Resex com a inclusão do litoral de Luis Domingues, tal documento encontra-se no respectivo processo. Considerando que o município de Luís Domingues é constituído por quatro povoados principais: Odorico Mendes (Pedra de Fogo), Caxias, Manaus (da estrada) e Praia de Boa Vista, frisamos que apenas esta ultima esta incluída na área proposta a criação da Resex.

As informações apresentadas a seguir foram coletas durante a oficina participativa, com plenárias e grupos de trabalho, realizada na sede do município de Luís Domingues pelos depoimentos de pescadores e pela observação direta realizada durante as vistorias técnicas realizadas na área e no entorno dos limites. Bem como, mais especificamente na praia de Boa Vista, as conversas informais e as entrevistas semi-estruturadas aplicadas aos moradores locais e lideranças.

Na manhã do dia 13/05/2016 comparecemos a Prefeitura Municipal de Luís Domingues (Foto 26) para a realização de reunião agendada previamente com o Prefeito do Município Sr. José Fernando Sodré com a pauta pertinente ao processo nº 02070.002266/2009-35 que solicita a criação da Resex. O prefeito apresentou-se receptivo a proposta e buscou entender mais sobre esta categoria de unidade de conservação, por fim, colocou-se a disposição e explanou sobre a riqueza pesqueira do local que esta subexplorada.

Foto: Karina Soares Foto 26: Prefeitura Municipal de Luis Domingues, Maranhão.

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No período da tarde deste mesmo dia realizou-se uma reunião com membros da diretoria da Colônia de Pescadores Z-61 (Foto 27 e 28), na sede de Luis Domingues/MA, o objetivo principal foi informar sobre o processo para inclusão dos territórios pesqueiros do município nos limites da área proposta para criação da Reserva Extrativista em conjunto com Carutapera/MA, bem como discutir sobre a realização da oficina e se necessário alterar sua estruturação conforme as propostas dos presentes.

Fotos: Karina Soares Fotos 27 e 28: Colônia de Pescadores Z-61 e membros da diretoria reunidos para discutir sobre a Resex em Luís Domingues/MA.

Brevemente nos relataram sobre a criação da colônia fundada em 2002 por Jefferson Braga e que atualmente possuem 298 colonizados, enfatizam que a maioria dos trabalhadores do município são sindicalizados como trabalhador rural. Como desabafo as adversidades sofridas pelos pescadores informaram que destes colonizados apenas 48 recebem seguro defeso, pois os demais carecem de regularização da documentação necessária e ainda descreveram as dificuldades em comercializar o pescado em um valor melhor em virtude da ausência de fabrica de gelo em seu município. No dia 14/05/2015 no Bar Cezarina (Foto 29 e 30) no município de Luís Domingues/MA realizou-se a oficina participativa para levantamento de dados sobre a população solicitante da criação da Resex, esta ocorreu a partir da articulação entre o CNPT e a Colônia de Pescadores Z-61 que foi a responsável pela organização do espaço e mobilização dos participantes. Ressalvo que a equipe idealizadora e executora destas atividades em Luis Domingues foram os analistas ambientais do ICMBio, Karina Soares (CNPT), Alexandre Oliveira (COCUC) e Fabiano Pimentel (CEPENE), e o representante da CONFREM, Alberto Cantanhede.

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Conforme lista de presença em anexo teríamos na oficina 66 pessoas, vale frisar que o numero de pessoas que estavam presentes nesta reunião era superior ao registrado na lista citada, pois alguns não quiseram assinar a lista e alegaram que vieram apenas para escutar. Assim achou-se necessário reforçamos que o ato de assinar a lista é meramente um registro de presença e não um cadastro ou um termo de concordância com a criação da Resex.

Fotos: Karina Soares Foto: Karina Soares Fotos 29 e 30: Local de realização da reunião sobre Resex em Luis Domingues/MA e explanação do Sr. Alberto Cantanhede sobre a CONFREM e a Resex.

Iniciamos o evento explanando sobre os motivos pelos quais a equipe do ICMBio e CONFREM encontrava-se no local, relatando todo o histórico do pedido por oficio para expansão da área da reserva extrativista do município de Carutapera/MA para parte do município de Luís Domingues/MA. Prosseguimos com a apresentação da equipe seguido da apresentação dos participantes com sua respectiva atividade produtiva principal. A oficina teve programação semelhante à realizada em Carutapera conforme descrita no inicio do estudo, resumidamente resgatamos a memória das atividades promovidas em empenho à criação da reserva em Carutapera, a retomada do processo e a parceria CNPT, CEPENE e COCUC com apoio do Projeto Manguezais do Brasil e CONFREM. Explicamos sobre os procedimentos indispensáveis à criação da Resex e o atual estágio do processo. Para coleta de informações separamos a plenária de forma aleatória em 03 grupos de trabalho (GT) correlacionados aos moderadores e temas, tal qual a metodologia utilizada em Carutapera. a) Caracterização Geral moderado pelo analista Alexandre oliveira (COCUC); b) Sistemas de Produção e Extrativismo moderado pela analista Anna Karina Soares (CNPT); c) Faina da pesca moderado pelo analista Fabiano Pimentel (CEPENE).

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Ao final da oficina apresentamos a proposta de nome para a Resex proveniente da oficina realizada em Carutapera, “Reserva Extrativista Arapiranga Iriri”, contrapondo esta, surgiu a proposta do nome “Arapiranga Tromaí” considerando ser mais abrangente e incluir a área de Luís Domingues. A avaliação da oficina ocorreu através da dinâmica “que bom, que tal e que pena” para facilitar a exposição de opiniões e identificar aspectos positivos, negativos e sugestões. Abaixo explanaremos sobre as informações obtidas através dos GTs no intuito de adquirir informações primarias necessária ao estudo socioambiental motivando-os a expor suas opiniões, suas expectativas, seus conflitos e insatisfações frente à realidade local.

5.1 Caracterização Geral

Educação

No que diz respeito à educação, existem uma escola de ensino infantil, cinco escolas municipais de ensino fundamental e uma escola estadual de ensino médio. As condições de ensino foram consideradas péssimas pelos participantes da oficina, pois as salas de aula possuem infraestrutura precária, falta água e merenda, os professores não são formados na área que atuam e os ônibus escolares atendem apenas os povoados.

Tabela 6: Relação das principais escolas de ensino pré-escolar, fundamental e médio do núcleo urbano de Luís Domingues, estado do Maranhão.

Nome da Escola Número de Número de Número de Matrículas Salas Funcionários UE Chave do Saber 296 1 42 UE José Soares Ribeiro 584 7 65 UI Auremar Teixeira Ribeiro 284 8 46 UI Dom Carlo Ellena 148 4 26 EM Professora Romana Maria Ramos 147 4 23 UE Corina dos Anjos Ferreira 130 4 12 UI Almeida Braga (Estadual) 368 8 53

Uma das demandas dos participantes foi à implantação de um polo universitário, pois os alunos precisam se mudar para São Luis/MA ou para Belém/PA em busca do ensino superior. E ainda implantação permanente de cursos profissionalizantes, com destaque para informática e mineração, vislumbrando empregos na Mineração Aurizona, que alegam ter o

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dever de empregar pessoas dos municípios que estão na rota para a empresa. Mais a frente, em produção e renda, discorreremos um pouco mais sobre esta mineradora.

Saúde

Em relação à saúde, existe apenas um hospital municipal onde dois médicos (Dr. Márcio e Dr. Castelo) atendem três vezes por semana. Existe uma obra de construção de um hospital (Foto 31), com recursos financeiros estadual, que está parada desde 2012. As doenças mais comuns são as viroses que ocorrem principalmente no inverno. Os atendimentos mais graves precisam ser encaminhados para os municípios de Carutapera/MA, Governador Nunes Freire/MA, ou então para a capital São Luís/MA. No entanto, existem muitos casos de câncer que precisam ser investigados devido à proximidade desse município com a extração de minério de ouro pela empresa Aurizona.

Foto: Karina Soares Foto 31: Hospital Municipal de Luís Domingues /MA.

Saneamento

A água para consumo é coletada em poços artesianos, armazenadas em caixas d´água e distribuída por rede encanada para as moradias. O único tratamento realizado pela Companhia de Abastecimento e Esgoto do Maranhão (CAEMA) é a adição de cloro. Pela inexistência de rede de esgoto os dejetos são jogados em fossas sépticas custeadas pelo próprio morador. O sistema de coleta de lixo ocorre através de caminhões da prefeitura três vezes por semana e é depositado em um lixão a céu aberto.

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Segurança

Em relação à segurança, apesar de existirem casos de roubos (sobretudo, celulares) e trafico de drogas, existe só uma delegacia com três policiais.

Produção e Renda

A principal fonte de renda do município é a extração de açaí e a produção de mandioca, banana e milho. A criação de gado também é bastante expressiva pela existência de fazendas na região. Nos quintais são criados porcos e galinhas e é comum o plantio de manga, caju, coco, abacate, mamão, goiaba, laranja, banana, tamarindo, graviola, acerola, murici, taperebá, jambo, açaí e pupunha. As principais espécies vegetais utilizadas para produção de carvão são murici, ingá e maravuvuia. Essa última, juntamente com o ipê, também é utilizada na construção das casas. Para confecção de canoas são utilizadas o camarú, pequi, angelim, louro e sucupira.

Apesar de existirem muitos pescadores artesanais, a pesca não é de grande escala. Além disso, por não terem condições adequadas para armazenamento do pescado (o município não possui fábrica de gelo), os produtos são vendidos por um preço menor que do mercado. Consequentemente as organizações de maior abrangência local são o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (presidente Sr. Adiez Mendes), o Sindicato dos Pescadores (presidente Sr. Francisco Ribeiro) e a Associação do Açaí (presidente Sr. José Valdo).

Os principais recursos pesqueiros citados foram tainha, pescada, gó, bagre, camurim, urutinga, bandeirado, corvina, peixe pedra, guaravilha, caigatã, arraia e camarão (piticaia, cascudo e branco). Apesar de existirem caranguejos, siris, sururu e ostras alegam que não há catadores do município com fins comerciais sobre estes recursos, e os catadores que capturam caranguejos vem do município de Candido Mendes. Os pescadores locais apenas extrai ostra na época da festa do Círio.

Na região citam a geração de emprego pela implantação da “mina Aurizona”, trata-se de empreendimento ourífero no município de Godofredo Viana/MA, explorada pela Mineração Aurizona S.A, do grupo canadense Luna Gold e mais recentemente foi vendida a um grupo japonês, o projeto está em operação e expansão e abrange uma área de 10.000 hectares com possibilidade de novas portarias considerando as áreas de pesquisas em andamento. A política da empresa e suas condicionantes de funcionamento prevê priorizar a

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contratação de mão de obra local oriundos dos municípios de Godofredo Viana, Luís Domingues, Cândido Mendes e Carutapera, com prioridade para os moradores de Vila Aurizona, comunidade localizada no raio de influência direta do empreendimento. Ao certo não conseguimos informações oficiais sobre o numero de funcionários oriundos destes municípios, entretanto os moradores alegam ser bem menor que o esperado.

Cultura

Os principais eventos culturais foram listados na tabela a seguir.

Tabela 7: Principais eventos culturais do município de Luís do Estado do Maranhão.

Meses do Ano Comemorações Janeiro Festa de Ano Novo (São Benedito) Fevereiro Carnaval (desfile de blocos de abadas) Março Não relatam comemorações. Abril Semana Santa (Igreja promove apresentação da via Sacra) Maio Dia das Mães Junho Festa de São João (dia 24) Festa de São Pedro (dia 29) Festa do Bumba meu boi (apresentação das escolas) Julho Festa das Férias no povoado de Boa Vista (terceiro domingo) Agosto Festa dos Pais Setembro Independência do Brasil (desfile das escolas no dia 07) Círio de Nazaré (terceiro domingo) Outubro Não relatam comemorações Novembro Dia de Finados Dezembro Festival do Açaí (entre os dias 10 a 20) Natal (dia 25) Aniversário da cidade (dia 26)

Meio Ambiente

Os principais problemas ambientais levantados foram: o lixo que é jogado no rio ou então depositado em um lixão localizado próximo a um igarapé, o desmatamento do açaizal para abertura de pastagens, a caça de animais silvestres (paca, tatu, cutia, veado, catitu,

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quati, bicho preguiça, macaco prego), a captura e comercialização de aves como curió e sabiá (alguns exemplares são vendidos por mais de mil reais).

Hospedagem e Alimentação

Os hotéis existentes no município são: Pousadas Braga Queiroz e Pousada Noca Souza. Os restaurantes são o Noca Souza, Sr. Milton, Panela de Barro e Doroty. Os bares são Cezarina, Tibiti e Bubu (Bois).

5.2 Sistemas de Produção e Extrativismo

Uma das principais atividades econômicas que move o município de Luís Domingues é a comercialização do açaí. Este se encontra em áreas devolutas e principalmente em áreas privadas provenientes de plantios. A comercialização do açaí ocorre de forma in natura com a venda do fruto ou caroço e possui a safra principal nos meses de dezembro a março, tiradores relatam que vendem até quinze latas por dia, sendo que cada lata pesa 18 kg e chega a produzir 7 litros de açaí, este por sua vez, é vendido ao valor de R$ 5 a 10,00/litro, fazendo os cálculos destes números concluímos que a renda diária pode ultrapassar mil reais. Na safrinha que se trata do período de abril a dezembro a produção cai para até 3 latas por dia, entretanto o valor ultrapassa R$10,00/litro.

Somente na sede do município de Luís Domingues nos informaram a existência de cerca de 20 batedores de açaí. Relatam que tempos atrás estes se organizaram em uma Associação de açaizeiros para acessar benefícios de um projeto voltado ao desenvolvimento do açaí, o projeto contava com o apoio do SEBRAE, foi iniciado e recebeu um caminhão para comercialização dos frutos, entretanto denunciam que a Prefeitura o retirou da Associação e o utiliza para trabalhos diversos e até mudanças. O certo é que o fato gerou desanimo e desacordos políticos. Outros frutos com destaque local é a bacaba, fruta nativa e de ocorrência nas mesmas áreas do açaí, e o guajiru, que se apresenta de forma mais tímida em quantidades, entretanto ambos de menor poder de comercialização, afirmam que o sabor não agrada a todos como o açaí.

A outra atividade econômica de grande importância é a agricultura através da implantação de roças, há famílias que se dedicam exclusivamente a lida das roças e estas chegam ate oito linhas de roçado, e no mínimo cada família possui duas linhas de roça. 76

Nestas cultivam como principal produto a mandioca, e de forma secundaria e consorciada o milho, abóbora, arroz, maxixe, melancia, jerimum e banana.

A escolha da área influencia na produção assim buscam áreas em locais mais altos, com capoeira mais grossa e com tempo de pousio de 8 a 10 anos, que comparado a outras comunidades rurais é um tempo de descanso da terra relativamente alto. As roças estão localizadas em um raio de 04 a 15 km da sede, assim a madeira proveniente da roça serve para fazer carvão (poucos utilizam) e para cercar as plantações, afirmam que não há mercado para comercialização desta, e quando há oportunidade o acesso difícil às roças gera custos para transporta-la e acaba por inviabilizar a comercialização.

Como típica agricultura tradicional a mão de obra é basicamente da família ou em parceria para mutirão, caso necessário há contratação de trabalhadores ao custo de mais ou menos R$ 40,00 a diária. Plantam a maniva no período de janeiro a fevereiro, a depender das chuvas e geralmente colhem com 01 ano, caso haja necessidade, podem tirar a mandioca com apenas 06 meses. Já o milho é colhido com 03 meses quando “emboneca” e com 04 meses quando amadurece, pois parte desta produção deve permanecer na casca para secar “pendurado ao pé de milho”, posteriormente é debulhado e guardado para garantir a semente de plantio da próxima roça.

Da roça também colhe o feijão chuva ou branco com 03 a 04 meses fica maduro, com 2,5 meses se preferirem tirar o feijão verde. A abóbora e melancia, ambas são colhidas com 04 a 05 meses e o maxixe em apenas 02 meses, alguns devem ser tirados ainda verdes, e secos por inteiro no sol, assim ficam pendurados em local seco e arejados para fornecer sementes para as próximas roças. Alguns guardam as sementes em garrafas PET ou sacos plásticos para propiciar uma melhor conservação. A abóbora, maxixe, melancia e feijão são destinados ao consumo pela família, já a mandioca é para fabricação da farinha e possui garantida comercialização, ao valor de R$3,00 a R$5,00 por quilo.

O cultivo de hortas e canteiros ocorre esporadicamente e em geral com cebolinha, cheiro, tomate, pimentinha e couve. Nos quintais cultivam plantas medicinais usadas empiricamente pelas gerações passadas tais como caatinga de mulata, hortelã, arruda, malva rosa, mastruz, manjericão, eucalipto e romã.

Na criação de animais a galinha é o principal animal pela facilidade no manuseio e por requerer pouco espaço, entretanto já o pato não possui muitos criadores adeptos e alegam que “pato come muito e evacua mais ainda”. Dentre os participantes na oficina havia 77

criadores de gado, com no mínimo 02 cabeças e alguns com 60 cabeças, citam a existência de muitas fazendas destinadas à comercialização destes. Os caprinos tem pouca incidência no local referem-se a eles como fedorentos e atentados, na verdade não há uma cultura local em cria-los.

Os animais de caça mais procurados são cutia, paca, veado e catitu, e geralmente caçam pelo gosto de caçar e não necessariamente pela necessidade de consumo destes animais. O instrumento mais utilizado é a espingarda e geralmente esta acompanhada de um cachorro de caça. Alguns alegaram que caçam nas proximidades das roças como forma de afugentar predadores de roça.

Na diversidade de aves presentes em seus mangues citam a Ilha dos pássaros como o principal local de dormida de varias espécies, tais como: guará, maçarico real, maçarico pequeno, rola pedra, garça (real, morena e garcinha), colhereiro, maguari, taquiri, tassorá, jaburu, carapirá e pato mergulhão. Novamente ressaltamos que trata-se de nomes vulgares que tendem a variar de região para região se fazendo necessário uma catalogação destas aves.

5.3 Faina da Pesca

Nas reuniões comunitárias, foram elaborados calendários de pesca em conjunto com os pescadores artesanais (grupos focais) com indicação das artes de pesca, dos principais recursos pesqueiros da região, da variação anual na captura e do preço desses recursos. Essa metodologia foi adaptada do “Socioeconomic Manual For Coral Reef Management” (2000). Nas entrevistas, para levantar quais as artes de pesca são utilizadas na região Carutapera – Luís Domingues, foi perguntado aos pescadores “Qual tipo de pesca você faz?” de modo que responderam que utilizavam, ao total, dezoito tipos diferentes de artes de pesca. Foram registrados dois tipos de utilização de anzol, um tipo de armadilha fixa, quatro tipos de coleta manual e onze tipos de redes diferentes. Segue tabela:

Tabela 8: Artes de pesca utilizadas pelos pescadores da região, Estado do Maranhão.

Arte de pesca Princípio Tipo Anzol Atração por olfato Linha de mão Anzol Atração por olfato Espinhel de fundo Armadilha Não retorno Curral

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Coleta manual Localização visual Coleta de caranguejo com mão Coleta manual Localização visual Coleta de ostra Coleta manual Localização visual Coleta de ostra Coleta manual Localização visual Coleta de caranguejo com gancho Rede Emalhe Pescadeira, malhão Rede Emalhe Serreira Rede Emalhe Tainheira Rede Emalhe Caiqueira Rede Emalhe Gozeira Rede Emalhe Bagreira Rede Não retorno Zangaria Rede Não retorno, filtragem passiva Tapagem Rede Não retorno, filtragem passiva e Apoitada emalhe Rede Filtragem passiva Muruada Rede Filtragem ativa Arrasto de beira

Dentre os entrevistados, dez pescadores afirmaram utilizar apenas de um tipo de arte de pesca, enquanto que nove pescadores afirmaram utilizar mais de um tipo de arte de pesca. Outra questão acerca da atividade do pescador foi “Possui outra forma de renda além da pesca?” de modo que nove pescadores responderam que obtinham outra forma de renda além da pesca: dois deles recebem aposentadoria, dois trabalham na agricultura familiar, dois são servidores público da prefeitura, dois trabalham na confecção de artes de pesca e na venda de pescado e uma recebe bolsa-família. Esses resultados indicam a complexidade das práticas produtivas dos pescadores, pois além de alguns pescadores praticarem diversos tipos de pesca, também realizam outras atividades além da pesca configurando, dessa forma, a pluriatividade dos pescadores da região. No âmbito da atividade pesqueira, a metodologia de calendário de pesca abordou várias questões, uma delas foi acerca da ocorrência de espécies capturadas pelas diversas artes de pesca utilizadas na região. De acordo com os relatos dos pescadores, vinte e três espécies de pescado são comercializadas, dentre peixes, crustáceos e moluscos. Segue tabela:

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Tabela 9: Ocorrência de espécies capturadas pelas artes de pesca utilizadas na região de Carutapera e Luís Domingues.

Espécie Arte de pesca Pescada GO Curral, gozeira Camarão branco Muruada, arrasto de beira, zangaria Serra Serreira Corvina Gozeira Tainha Tainheira, tarrafa Peixe-pedra Bagreira, espinhel, linha de mão Caica Caiqueira, zangaria Pescada amarela Espinhel de fundo, linha de mão, malhão Uritinga/bagre comum Bagreira, espinhel de fundo, linha de mão Sardinha 4 Zangaria Cururuca Espinhel, linha de mão, bagreira Xaréu Curral, linha de mão Caranguejo Coleta manual, gancho Arraia Malhão, bagreira, espinhel de fundo, linha de mão Cangatã Bagreira, curral, espinhel de fundo, linha de mão Bandeirado Bagreira, espinhel de fundo, linha de mão Cambeua Bagreira, espinhel de fundo, linha de mão Jururpiranga Bagreira, espinhel de fundo, linha de mão Uriacica branca Bagreira, espinhel de fundo, linha de mão Uriacica amarela Bagreira, espinhel de fundo, linha de mão Cara-açu Bagreira Camurim Malhão Camurupim Malhão Ostra Coleta manual Sururu Coleta manual Marisco Coleta manual

Com o relato das ocorrências de espécies capturadas por diversas artes de pesca, ficou evidente o caráter multiespecífico dessas artes, ou seja, determinada arte de pesca não captura apenas uma espécie, mas um grupo de espécies diferentes que muitas vezes não tem valor comercial. Essa pontuação se concretiza ao observarmos os relatos dos pescadores com relação ao descarte da sardinha 4 na pesca de zangaria. Talvez os únicos casos de

4 A sardinha foi citada, pelos pescadores, como espécie que compõe a fauna acompanhante da pesca de zangaria, e não como uma espécie que é comercializada. Também foi relatado pelos pescadores que há um alto índice de descarte dessa espécie no estuário. 80

determinada arte de pesca selecionar apenas uma espécie seja a coleta manual. Esse aspecto da falta de seletividade das artes de pesca deverá ser considerado para o uso comum dos recursos pesqueiros, pois é essa falta de seletividade que torna uma prática produtiva insustentável. As artes de pesca devem proporcionar, em certo grau, o tamanho mínimo das espécies a serem capturadas, e, assim, interferir minimamente nos ciclos biológicos dessas espécies (SPARRE e VENEMA, 1997).

5.4 Ilha de Boa Vista

A praia de Boa Vista (Foto 32) está localizada numa ilha marinha que possui em torno de 15 casas com 19 famílias. O tempo de viagem da sede de Carutapera até esse local é de aproximadamente uma hora, utilizando-se lancha rápida com motor de 90 HP. O deslocamento das pessoas ao continente ocorre em barcos de pesca, pois não existe uma embarcação que faça linha desta praia para a sede do município. O valor do deslocamento para a sede do Município de Luiz Domingues e de Carutapera custa respectivamente de R$10,00 e R$15,00.

Foto: Karina Soares Foto 32: Ilha de Boa Vista no município de Luis Domingues/MA.

Existe uma escola municipal de ensino fundamental (UE Newton Belo) com infraestrutura precária e que possui uma única professora (Sra. Patrícia). Atualmente, existem sete crianças matriculadas no ensino regular e 17 alunos no EJA (Educação de Jovens e Adultos). A escola passou cinco anos sem funcionar por falta de professor, moradores relatam que estes foram embora pelas dificuldades encontradas no local, porém a

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professora Patrícia por ser filha da ilha esta trazendo esperança e segurança aos pais e alunos frente à continuidade do processo de ensino. Ademais outras dificuldades permanecem como o fato de existir apenas uma sala de aula, assim sendo, pela manhã atende somente as crianças com os horários divididos por faixa etária e pela tarde para os adultos também divididos por faixa etária. Alegam que a evasão de famílias da praia para a sede de Carutapera ocorreu principalmente em virtude da falta de estudo para os filhos.

As moradias são caracterizadas como “palafitas”, casas construídas de madeira e distantes do solo (Foto 33), pois estão em locais de constante alagamento pela entra da maré. Podemos observar que no povoado há varias pontes de madeira, devido parte da água que fica empossada e dificulta a circulação das pessoas.

Foto: Karina Soares Foto 33: Casas de madeira e suspensas do solo tipo “palafitas” na ilha de Boa Vista no município de Luis Domingues/MA.

O posto de saúde local possui uma agente comunitária de saúde (Acs), Sra. Sandra, e um enfermeiro que fica responsável pela administração de vacinas e curativos, além de agendar consultas para o médico e para o dentista que realizam visitas mensais a praia de Boa Vista através do Programa Saúde da Família. As viroses e verminoses são as doenças mais comuns com sintomas de febre, dor de cabeça, tosse, diarreia e vômitos. O posto possui alguns medicamentos, mas não tem leito para internação e nos casos emergenciais é necessário se deslocar em embarcações particulares (de pesca) até a sede de Carutapera. Em alguns casos a agente de saúde liga para o hospital da sede do município de Luiz Domingues que encaminha uma voadeira para levar o paciente ao hospital.

Em relação ao saneamento, as condições são precárias, tendo em vista que não existe poço artesiano e há dificuldades na aquisição de água doce, assim a alternativa encontrada

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pelos moradores é captar a água da chuva (Fotos 34 e 35) para banhar e para saciar a sede dos animais, e nos períodos de seca a água é transportada em barris nos barcos de pesca oriundos da sede de Carutapera/MA ou da localidade Aurizona, Município de Godofredo Viana/MA. Afirmam que, muita das vezes, a água para beber precisa ser comprada. Perante este cenário é concludente que não há rede de esgoto e este corre a céu aberto até ser lançado ao mar (Foto 36). Já o lixo produzido pelos moradores, ou trazidos pelos visitantes, é Foto: Karina Soares queimado ou então jogado nos manguezais.

Fotos: Karina Soares

Fotos 34 e 35: Armazenamento de água para consumo e outras atividades diárias na Ilha de Boa Vista no município de Luis Domingues/MA.

Fotos: Karina Soares Foto 36: Banheiro com despejo de esgoto diretamente na área de influencia da maré, Ilha de Boa Vista no município de Luis Domingues/MA.

A energia que abastece o povoado é gerada a partir de um motor a óleo diesel que funciona diariamente das 18 às 22 horas. Os custos para o funcionamento do motor é pago pelos moradores (R$20/casa) e complementado pela prefeitura de Luis Domingues/MA. Em

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período de eleição, o órgão eleitoral competente transporta uma urna eleitoral para a ilha no intuito de facilitar o exercício da cidadania. A comunicação é feita por meio de telefonia móvel, mas com antena fixa residencial da operadora TIM. Em alguns locais é possível acessar o sinal da operadora Claro.

Apesar de não ter posto de polícia, o local é tranquilo, não tem roubos e nem brigas, assim relatam os moradores, e apenas há a presença da polícia quando solicitados pela realização de festas locais. Por apresentar características naturais e relevante beleza cênica, o local é bastante procurando durante o carnaval e as férias de julho, quando ocorre o Festival de Verão. A maioria das famílias desta praia participa da Igreja Adventista e apenas uma família se diz católica. Como atividades de lazer costumam tomar banho no lago (rio), na maré, jogar futebol e assistir TV.

Observamos na ilha o extrativismo de frutos e o cultivo de plantações de coco, murici, goiaba, caju e guajiru, todos destinados somente para consumo (Fotos 37 e 38). Não cultivam roças, pela adversidade local associada a questões culturais, nem tampouco cultivam hortaliças e todas as folhas e temperos provêm da sede de Carutapera, assim logo que vão comercializar o pescado com o atravessador compram os mantimentos necessários.

Fotos: Karina Soares

Fotos 37 e 38: Armazenamento de castanha de caju para assar e consumo de coco por morador da Ilha de Boa Vista, município de Luis Domingues/MA.

A criação de animais já se apresenta de forma mais expressiva em relação à produção agrícola, os animais de médio e grande porte como bovinos e caprinos são criados soltos pela ilha e se distanciam das casas em busca de alimentos, entretanto muitos moradores

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construíram abrigos para pernoite destes animais (Fotos 39 e 40). Somente os porcos são criados totalmente presos.

Fotos: Karina Soares

Fotos 39 e 40: Caprinos criados na praia de Boa Vista e abrigos para pernoite destes animais, município de Luis Domingues/MA.

As galinhas e os patos também são criados soltos pela ilha, mas se limitam aos arredores das casas (Fotos 41 e 42). Sem por menores, não há a mínima existência de cuidados alimentares e sanitários para com qualquer uma destas criações e estes são destinados exclusivamente ao consumo próprio. Na ilha ainda há um morador que cria macacos. Em relação aos demais animais silvestres não há relatos de caça de aves do mangue e nem do consumo de ovos como parte da rotina alimentar, nem tão pouco, para Foto: Karina Soares comercialização.

Fotos: Karina Soares

Fotos 41 e 42: Galinhas e patos criados na praia de Boa Vista e abrigos para pernoite destes animais, município de Luis Domingues/MA.

Evidentemente a principal atividade econômica realizada na ilha é a pesca, e destacam que os principais peixes capturados são caruaçú, camurim, corvina, tainha, caíca, bagre, bandeirado e pescada. Mencionam como artes de pesca o uso da zangaria baixa, o camarão com a fuzarca e puçá, o puçá de arrasto e a malhadeira em estacada. Enfatizam que 85

na ilha há muitos pescadores de outros municípios do Maranhão, como Bequimão, Guimarães, Axixá, Raposa (a maioria), Porto Rico, Cururupu, Bacuri, Apicum, Carutapera e do Pará, principalmente do município de Viseu. Com o aumento do número de pescadores na área, houve diminuição no quantitativo de peixes e acreditam ser pelas redes predatórias destes pescadores de fora.

6. Considerações Finais

Retratamos assim a região de manguezais dos municípios de Carutapera e Luís Domingues, ambos do estado do Maranhão, em um primeiro momento pelos dados secundários da região, onde muitos estudos embasam a importância biológica das reentrâncias maranhenses como um todo e com ênfase ao habitat de aves residentes e migratórias e em um segundo plano ao potencial pesqueiro da área. Este é claramente visível, mas como lacuna de conhecimento nos deparamos com a inexistência de dados estatísticos da atual produção.

Posteriormente focamos em informações referentes à área proposta para criação da Resex Arapiranga Tromaí dentre nossas dificuldades para realização deste trabalho destacamos a escassez de informações secundárias específicas aos povoados e ilhas em todos os campos de conhecimento, são “populações tradicionais invisíveis”, ate mesmo para as secretarias municipais de saúde e educação de seus municípios que apresentam meramente números, e estes são incompatíveis aos verificados em campo. Mas indiscutivelmente trata-se de populações tradicionais de pescadores e agricultores de modo de vida conservado ao longo de gerações sob um território reconhecidamente legítimo a estas.

O anseio por estudos mais específicos nos leva a ressaltar a necessidade de caracterizar localmente as embarcações e artes de pesca tradicionais indo mais além e descrevendo e analisando a sua evolução ao longo dos anos, ainda sua variedade de espécies pesqueiras e o seu estoque. É indiscutível, e frisado demasiadamente no texto, a precisão de um levantamento de fauna e flora local, já no bojo de conhecimento em prol da gestão da área da Resex.

Seria redundante após todas as informações relatadas neste estudo enfatizar o potencial biológico e social deste território à criação de Reserva extrativista, contudo 86

reforçamos que esta demanda deva ser agilizada perante as pressões sofridas pelos manguezais e pelas populações locais, por diversos fatores e setores da sociedade.

O recém-elaborado Sumário Executivo do PAN Manguezal nos retrata que a importância econômica dos manguezais está relacionada à grande variedade de bens e serviços fornecidos por este ecossistema à sociedade, os quais permitem a realização de diversas atividades, como a pesca, o turismo, a navegação, entre outras, que permitem a sobrevivência de inúmeras comunidades e a manutenção de tradições e culturas próprias das regiões. Mas também expõe as constantes modificações que, na maioria das vezes, estão submetidas a graves problemas ambientais que ameaçam a integridade deste ecossistema, suas espécies e culturas associadas.

Por fim considerando a vasta e conservada área de manguezal situada nesta região, em especial a área proposta para criação da Resex Arapiranga Tromaí aliada ao desejo dos pescadores e marisqueiras deste território estima-se um cenário propício à continuação deste processo para ampliação da área protegida no cinturão contínuo de manguezais Pará- Maranhão.

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