Correio do estado 6 correio B sábado/domingo, 27/28 DE julho de 2019 Suplemento Cultural PRIMÓRDIOS DE CUIABÁ – MT imagem do google Através do caminho das monções, então, esse Reginaldo Alves de Araújo – tempo inchava para 120 longos e penosos dias, poeta/cronista, ex-presidente da Academia através dos rios: Tietê e, descendo 1003 km por Sul-Mato-Grossense de Letras ele, até chegar ao Rio Paraná; subindo este por 191 km, até chegar ao Pardo; singrando este por Iniciamos esta obra literária focalizando lumino- 561 km até o Camapuã; deslizando neste por 112 sos fatos históricos ocorridos a partir do ano de km até atingir o Coxim; deslizando pelo Coxim 1492, quando o navegador Cristóvão Colombo, O primeiro europeu a por 264 km; até atingir o Taquari; deslizando nes- enviado pelo rei da Espanha, descobriu a América desbravar a área que viria a te por 594 km até atingir o Paraguai; por este su- e, oito anos depois, precisamente em 1500, bindo por 257 km até atingir o Orrudos; subindo Portugal enviou o também navegador Pedro construir o estado de Mato por este por 165 km até atingir o rio Cuiabá, em Álvares Cabral que, em caminho para as Índias, que, navegando por seus 422 km, permitia o final num golpe de sorte, descobriu o Brasil, também Grosso foi o português Aleixo da viagem, depois de 3.569 km.... em terras da América. Isso, sem se falar nos 113 obstáculos (varadou- Não demorou muito para que os dois países eu- Garcia, náufrago da esquadra ros, saltos, cachoeiras e corredeiras), em que as ropeus intensificassem constantes lutas na dispu- Juan Díaz de Solís – chefe da expedição que trouxe de Juan Díaz de Solís” canoas eram descarregadas, conduzidas sobre ta de terras no sul do Continente Americano, na Aleixo Garcia até o rio Paraná, via “Rio de la toletes (onde o terreno permitisse), através de demarcação de limites, sempre em busca de seus Plata” (1516) do Brasil, os valentes Bandeirantes paulistas. carroças ou nas costas dos escravos e dos índios interesses. Desde 1632, os bandeirantes conheciam, de capturados!... Portugal e Espanha recorreram à intermedia- teira, Portugal criou a Capitania de e, passagem e de lutas, a região onde os jesuítas ha- Uma odisseia! ção do Papa Alexandre VI que, de imediato, pro- lá, construiu um eficiente sistema de defesa. O tra- viam localizado as suas reduções de índios e que As lavras de ouro intensificaram o povoamen- mulgou o tratado de Tordesilhas, em 3 de maio tado de Madri, de 1750, reconheceu as conquistas os espanhóis percorriam como terra sua. to de Mato Grosso e impuseram a estruturação de 1493. Por ele, as terras eram divididas por uma Bandeirantes na região de Mato Grosso, para diri- Em 1718, um bandeirante de Sorocaba, Pascoal de um poder local para melhorar a fiscalização linha ideal (imaginária) que passando pela ilha de mir questões de limites entre Portugal e Espanha. Moreira Cabral Leme, descendente de índios, subiu dos tributos e a vigilância dos limites com as ter- Marajó (Belém do Pará), norte do Brasil, findava O primeiro europeu a desbravar a área que viria o Rio Coxipó até atingir a aldeia destruída dos co- ras espanholas. Em 9 de maio de 1748, um alvará em Laguna (SC), sul do Brasil, atribuindo aproxi- a construir o estado de Mato Grosso foi o portu- xiponés, onde deu início à rancharia de uma base de dom João V criou a Capitania de Cuiabá, com madamente 5/7 à Espanha (atuais países de lín- guês Aleixo Garcia, náufrago da esquadra de Juan de operações. Às margens do Coxipó e do Cuiabá, privilégios e isenções para aqueles que lá quises- gua espanhola: Venezuela, Colômbia, Equador, Díaz de Solís. Em 1525, ele atravessou a mesopo- Cabral Leme descobriu abundante jazida de ouro. sem fixar-se, com o objetivo de fortalecer a colô- Peru, Bolívia, Paraguai, Argentina e Chile) e tâmia formada pelos rios Paraná e Paraguai e, à Em 8 de abril de 1719, foi lavrado o termo de fun- nia de Mato Grosso e, assim, conter os vizinhos, no Brasil, apenas 2/7 (sem , Amapá, frente de uma expedição que chegou a contar com dação do arraial de Cuiabá. E aclamou-se Pascoal além de servir de barreira a todo o interior do Amazonas, , Rondônia, Mato Grosso, par- 2000 homens, avançou até a Bolívia. De volta, com guarda-mor regente “para poder guardar todos os Brasil. te do Pará, Goiás, Triângulo Mineiro, São Paulo e grande quantidade de prata e cobre, Garcia foi ribeiros de ouro”. No fim do período Colonial, Cuiabá foi eleva- Paraná). morto por índios paiaguás, em Cuiabá. A notícia da descoberta de ouro não tardou em da a categoria de cidade, no dia 20 de agosto de Como vimos, o Estado de Mato Grosso per- Os fantásticos relatos sobre imensas rique- transpor os sertões, dando motivo a uma corri- 1821. tencia à Espanha. Os jesuítas, a serviço dos es- zas do interior do continente sul-americano da sem precedentes para o oeste. A viagem até Com a chegada de inúmeras famílias de outros panhóis, criaram os primeiros núcleos, de onde acenderam as ambições de portugueses e es- Cuiabá, distante mais de quinhentas léguas do li- estados brasileiros, onde sinalizavam arrojados foram expulsos pelos Bandeirantes Paulistas em panhóis. Os primeiros, a partir de São Paulo, toral atlântico, exigia de quatro a seis meses, e era pecuaristas, agricultores, seringueiros e explora- 1680. Em 1718, a descoberta do ouro acelerou o lançaram-se em audaciosas incursões, nas quais arriscada e difícil, em consequência do desconfor- dores da erva-mate na metade do século XIX, o povoamento. Em1748, para garantir a nova fron- prepararam índios e alargaram as fronteiras to, das febres e dos ataques indígenas. estado avançou no desenvolvimento.

FUNDAÇÃO DO JORNAL CORREIO DO ESTADO POESIAs É feliz... Wilson Barbosa Martins prosseguiu comigo. Nossa amizade atravessou o Joana Mendes do Santos, ele antigo servidor da Foi membro da ASL tempo. Prefeitura Municipal de e depois É feliz... Em sociedade com o colega e amigo José por mim promovido à chefia do serviço de mate- quem arvorece em mansidão Corria o mês de junho e o frio era cortante, so- Fragelli, compramos os cursos letivos do Colégio rial, provaram o valor do lar de onde procedem. quem se encanta com suave canção bretudo à noite. Oswaldo Cruz, então pertencentes ao profes- Outra iniciativa empresarial que levaria a ter- quem se faz ninho para brotação de vida O volume do meu trabalho era crescente, ne- sor Enzo Ciantelli e sua mulher dona Hilda mo com o amigo Fragelli no início dos anos 1950 e quem não sustenta vis pequenezas. cessitava de alguém que me ajudasse a dar con- Ciantelli. A operação foi a prazo e não desem- foi a fundação do jornal Correio do Estado, que ta do recado. Por isso pedi ao Hélio Maia, que bolsamos senão o valor das estampilhas, que à é hoje o maior diário impresso de Mato Grosso É feliz... auxiliava o Ulisses Serra no seu cartório, para época eram postas nas promissórias. O curso do Sul. Naquela época nossos companheiros de quem caminha devagar, apreciando a me socorrer. Foi quando me apareceu o Plínio ginasial ficou sob a direção do Fragelli e o co- política enfrentavam dificuldades com matérias paisagem Rocha. Achei engraçado o Plínio. Era, como o mercial, a meu cargo. O secretário do colégio veiculadas no jornal O Matogrossense, que não quem vai à frente abrindo passagem Hélio, estudante no Oswaldo Cruz e acabara de era o professor Agostinho Bacha, também en- nos dava espaço nem trégua. Foi então que de- quem reparte o pouco que tem ser suspenso pelo Fragelli. Vendo-o assistir às carregado da sua parte financeira. Durante três cidimos criar um diário próprio, que desse voz quem sabe ouvir com paciência aulas do lado de fora da classe, indaguei-lhe por- anos, levamos adiante o Oswaldo Cruz. Era às nossas causas, e que no começo foi apoiado a mesma história, sete vezes, ou cinco, que assim procedia e ele me respondeu que ano- nossa intenção construir prédio moderno, nes- financeiramente por um grupo de pessoas en- só para curar o esquecimento de alguém. tava as lições da professora para não se prejudi- se propósito levantamos empréstimo e fizemos cabeçadas por Vespasiano Martins, Laudelino car. Falei com o Fragelli, que relevou a punição. projetos. Chegamos a adquirir de Ivan Medeiros Barcelos e Laucídio Coelho. Na verdade quem É feliz... Mais tarde, o próprio Plínio disse-me o motivo terreno para a obra, na Rua 26 de Agosto e, mais assumiu mesmo a direção do jornal foi o José quem não murmura pela louça na pia, da suspensão: indignara-se com o colega que as- tarde, o repassamos em parte à Mace. Não ob- Fragelli. Eu ajudava na administração e também mas agradece pelo pão de cada dia soprara erroneamente a resposta que lhe pedia a tivemos financiamento bancário para a obra. É escrevia, em alguns períodos, diariamente. Mas quem não reclama das tarefas diárias professora, tornando-se alvo da zombaria de to- verdade que esse grupo de professores veio em nossa vocação para a política e a advocacia era e vai dormir cansado da a turma. Em consequência, deu-lhe um tapa. hora melhor que a nossa, mas se revelou mais maior que para o jornalismo, e depois de algum depois do trabalho bem realizado Plínio Rocha concluiu o ginásio e o curso de con- apto para realizar o grandioso empreendimen- tempo o jornal passou às mãos de José Barbosa quem não se vinga do mal recebido, tador e formou-se em Direito no , to que não pudemos construir. Os herdeiros Rodrigues, que inicialmente havia sido contrata- mas perdoa sem esperar pelo pedido. para onde se mudou com a família. Na volta, de Pedro Chaves dos Santos e de sua mulher do como redator. É feliz... quem vê nas insignificâncias do chão a obra perfeita de Deus, Padeiro romântico porque Deus é perfeição. Ulysses Serra canta ou assobia para sentir a companhia de si mes- É feliz... ex-membro, fundador da ASL mo? Não. Ele tinha alma de artista e o artista não pre- quem compreende que há um só Pai vê, nem acredita na maldade dos homens, por isso para seis bilhões de filhos ou mais Enclausurada por léguas de sertão, Campo Grande, não a teme. É apenas, como disse Itúrbides Serra, ao e entende que, se todos somos irmãos, povoado trepidamente, atraía forasteiros de todas as comentar SONOMETRIA E MÚSICA, do aureolado somos iguais. partes e apresentava elevado índice de criminalida- Quando um homem morria paranaense Benedito Nicolau dos Santos, um suicida de. não se perguntava de quê, das suas próprias emoções. Ileides Muller Tanto que Vespasiano Martins, numa deliciosa Mas ao abrigo de muitos tetos e sob o afago mor- Pertence à ASL palestra proferida em 1943, no Rotary e por ocasião porém, quem o matou” no de lençóis, muitos corações de mulher ouviram do 26 de Agosto, contou: “Menino ainda, na Fazenda aquelas melodias, compreenderam-lhes as mensa- * * * Campeiro, onde nasci, ouvia, muitas vezes, minha rios anos, indo mesmo muito além do ciclo civiliza- gens e temeram pela sorte do cancioneiro descuida- mãe perguntar ao viandante que daqui procedia: dor da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. do. Atravessar – Quem mataram por último em Campo Grande? Assim, em 1916, de permeio com o bramido do Italianinho, mais tarde, de traje esporte ou a rigor, Sempre vinha a notícia não de um crime, mas de um bacamarte dos Cabra Velho e Chico Preto, um italia- foi nota de elegância em nossos salões e figura mar- que pena rosário deles.” ninho, natural de Aieta, de olhos entre o azul e o ver- cante nos tríduos carnavalescos, metendo-se nas fu- eu só tenho uma vida Quando um homem morria não se perguntava de de, de cabelos entre o castanho e o loiro, punha no- riosas batalhas de serpentinas e confetes ou coman- quem dera que eu tivesse quê, porém, quem o matou. E era legenda de guerra, tas de lirismo na poesia das madrugadas. Entregava dando carros alegóricos. várias vidas entre os caboclos valentes, que homem não morre pão e tocava flauta. Nas antemanhãs chuvosas ou Hoje, avô, de cabelos que não são mais loiros nem mas todas na cama, morre de botina. enluaradas, ouvia-se, ao longe, a sua carrocinha que castanhos, mas manchas de geada, constrói impo- desdobradas Historiadores como Emílio Barbosa e criminalistas vinha anunciada pelos acordes da sua flauta, que nente mansão de linhas eurrítmicas, tão belas quan- multiplicadas como Paulo Coelho Machado explicam bem esse fe- chegavam primeiro que o ruído dos guizos do arreio, to arrojadas, por ele próprio projetada, futura atração num só período de vida nômeno social. do tropel do animal e das rodas. Às canções napolita- turística da cidade. olhem o tempo Por isso, um estampido, ou um grito dentro da nas, às barcarolas venezianas e às coplas calabresas, Do seu teto, da sua sala de música, vão pender todos têm medo dele noite, ecoava sinistramente como um aviso soturno preferia as nossas valsas, lentas e amarguradas, que e refletir lustres de cristais e do seu piso a beleza do todos falam e reclamam dele de desgraça. À noite as esposas e as mães insones e talvez melhor se mesclassem com o perfume da gua- mármore. Mas as horas mais poéticas que viveu e as mas ninguém luta contra ele aflitas só se aquietavam quando o esposo, ou o filho, vira e o escarlate das ruas. Parava de casa em casa. mensagens mais líricas da sua flauta foram quando ninguém anula seu tempo batia à porta a anunciar que chegara. Raras as ma- Depois, pouco a pouco, a carrocinha se afastava, le- sentia o manto aveludado da noite, recebia o beijo atravessando sua vida pelo tempo nhãs em que um, dois ou três cadáveres não tarja- vando o garoto e sua flauta. Perdiam-se na distância das madrugadas e sentia n’alma o borbulhar dos so- vam de luto o vermelho das estradas e das ruas. Esse e no lusco-fusco da aurora, entre vultos embuçados nhos e era o mais original, o mais romântico forna- Henrique de Medeiros Filho clima de insegurança e apreensões perdurou por vá- na penumbra. Teria medo? Tocava como aquele que retto que o mundo conheceu. Presidente da ASL

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