<<

MEGAFAUNA DO PLEISTOCENO FINAL DA FAZENDA SÃO JOSÉ, POÇO REDONDO, SERGIPE, BRASIL

Lucas de Melo França1 Mário André Trindade Dantas2 Maria Helena Zucon3 Mario Alberto Cozzuol4

1Laboratório de Paleontologia, Universidade Federal de Sergipe, São Cristovão, SE, Bra- sil, [email protected] 2Programa de Pós-graduação em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre, Uni- versidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil, [email protected] 3Laboratório de Paleontologia, Universidade Federal de Sergipe, São Cristovão, SE, Brasil, [email protected] 4Laboratório de Paleozoologia, UFMG, [email protected]

RESUMO

As descobertas de fósseis da megafauna pleistocênica no Estado de Sergipe, nor- deste do Brasil, tiveram início em 1848. Atualmente é conhecida uma fauna composta por Eremotherium laurillardi, Catonyx cuvieri, Mylodontinae indeterminado, Glyptodon clavipes, Pachyarmatherium sp., populator, Toxodon platensis, Notiomastodon platensis, Equinae indeterminado, Palaeolama major, e Galea spixii, descobertos em seis municípios sergipanos. O presente trabalho apresenta uma nova localidade no município de Poço Redondo, chamada de Fazenda São José, registrando a ocorrência de mais cinco espécies para o Estado.

Palavras chave: megafauna pleistocênica, Fazenda São José, Poço Redondo, Sergipe

ABSTRACT

The discovery of pleistocenic megafauna fossils in the State of Sergipe, northeast Brazil occured since 1848. Currently it is known a fauna consisting of Eremotherium laurillardi, Catonyx cuvieri, an indeterminate Mylodontinae, Glyptodon clavipes, Pa- chyarmatherium sp., Smilodon populator, Toxodon platensis, Notiomastodon platensis, an indeterminate Equinae, Palaeolama major, and Galea spixii, found in six municipali- ties of Sergipe. This work presents a new locality in the municipality of Poço Redondo, know as São José farm, recording the occurrence of five more species to the Sergipe State.

Keywords: pleistocenic megafauna, São José farm, Poço Redondo, Sergipe

Estudos Geológicos v. 21 (1), 2011 95 Lucas de Melo França et. al.

INTRODUÇÃO sobre a megafauna pleistocênica deixa- ram de ter um caráter amador, e come- Em Sergipe, fósseis de mamíferos çaram a ter um caráter científico, através do Pleistoceno são encontrados desde me- da publicação dos resultados das desco- ados do século XIX. A descoberta desses bertas em eventos científicos e revistas fósseis ocorre, na sua grande maioria, em especializadas. um tipo de afloramento fossilífero denomi- A primeira descoberta desta nova nado tanque, reservatório natural de água, fase ocorreu em 1981, com o auxílio do escavado pela natureza em rochas do em- Fausto Luiz de Souza Cunha, paleontólo- basamento cristalino pela ação do intem- go do Museu Nacional. O Laboratório de perismo químico e físico. Paleontologia/UFS realizou a descoberta A primeira descoberta ocorreu em de fósseis de uma preguiça gigante (E. lau- 1848 no município de Canhoba, na locali- rillardi) e de um mastodonte (N. platensis) dade denominada Sítios Novos, e foi reali- na Lagoa do Roçado, município de Monte zada pela população local (Velozo, 1961). Alegre (Souza-Cunha et al., 1985). Em 1918, o Instituto Histórico e Ge- Após quase vinte anos sem descober- ográfico de Sergipe recebeu a doação de tas, em 1999, o Laboratório de Paleontolo- fósseis descobertos em um tanque no mu- gia/UFS, com o auxílio de Cástor Cartelle, nicípio de Aquidabã, mas somente recente- paleontólogo da Pontifícia Universidade mente (Dantas, 2004) foram identificados Católica de Minas Gerais, realizou a coleta como pertencentes às espécies Eremothe- de fósseis na Fazenda Charco, localiza- rium laurillardi (Lund, 1842) e Notiomas- da no município de Poço Redondo. Nes- todon platensis (Ameghino, 1888) (=Ste- ta localidade foram encontrados fósseis gomastodon waringi (Mothé et al. 2011). de cinco táxons, duas preguiças gigantes Trinta e cinco anos depois, novos (E. laurillardi e Catonyx cuvieri (Lund, fósseis foram resgatados em Sítios Novos, 1839)), um mastodonte (N. platensis), um Canhoba, desta vez através de pesquisas toxodonte (subfamília Toxodontinae), e realizadas pelo Sr. José Augusto Garcez, uma lhama (P. major) (Goes et al., 2002; paleontólogo amador sergipano, em 1953, Dantas & Zucon, 2007). e posteriormente pelos estudantes secun- Em 2003, duas novas localidades fo- daristas do Clube Estudantil de Geologia ram estudadas, a Fazenda Tytoya, localiza- Amadorista de Sergipe – C.E.G.A.S., em da no município de Poço Redondo, onde 1971. Nesta localidade, diversos fósseis foram encontrados fósseis de preguiça foram resgatados por estes colecionadores gigante (E. laurillardi) (Dantas & Zucon, em conjunto, os quais, infelizmente, nun- 2005), e a Fazenda Elefante, localizada no ca chegaram a publicar suas descobertas. município de Gararu, onde foram encon- Posteriormente, Dantas (2008) e Dantas trados fósseis de nove táxons: três pregui- et al. (2011) indentificaram estes fósseis ças gigantes (E. laurillardi, C. cuvieri, e como pertencentes a preguiças gigantes uma espécie indeterminada da subfamília (E. laurillardi), mastodontes (N. platen- Mylodontinae), um gliptodonte (Glypto- sis), toxodontes (subfamília Toxodonti- don clavipes Owen, 1839), um mastodon- nae), gliptodontes (Glyptodon sp.) e a lha- te (N. platensis), um toxodonte (Família mas (Palaeolama major Liais, 1872). Toxodontidae), um lhama (P. major), um Com o surgimento do Laboratório de cavalo (Subfamília Equinae), e um tigre- Paleontologia da Universidade Federal de -de-dentes-de-sabre (Smilodon populator Sergipe (LPUFS) em 1978, as pesquisas Lund, 1842) (Dantas et al., 2005).

96 Estudos Geológicos v. 21 (1), 2011 Megafauna do pleistoceno final da fazenda São José, Poço Redondo, Sergipe, Brasil

Cabe aqui retificar algumas informa- MATERIAL E MÉTODOS ções passadas por Dantas (2005a, b). O ci- tado autor havia atribuído a principio para O Estado de Sergipe está inserido a Fazenda Elefante a ocorrência da espécie dentro da Região Intertropical Brasileira Ocnotherium giganteum (Lund, 1842) ba- – RIB (Figura 1), como proposto por seado em dois molares identificados como Cartelle (1999). O material analisado foi 1 um M e um M4 D (Dantas, 2005a). Uma re- coletado nos meses de janeiro, agosto visão destas peças revelou que pertenciam e dezembro de 2010, em um tanque na verdade a dois táxons, o M1 ao Mylodon- (09°55’37”S, 37°45’13”W), localizado tinae indeterminado; e um M3 D, que tinha na Fazenda São José, Poço Redondo, sido interpretado como um M4 D, à espécie Sergipe (Figura 1), e atualmente faz parte Catonyx cuvieri (Dantas et al., 2005). do acervo cientifico do Laboratório de Dantas (2005b) também havia co- Paleontologia da Universidade Federal de municado a ocorrência de Glyptodon sp. Sergipe (LPUFS). e Glossotherium sp. na Fazenda Charco, mas verificou-se, posteriormente, que na verdade o material atribuído a estes táxons pertencia a N. platensis e Catonyx cuvieri, respectivamente (Dantas & Zucon, 2007). Apenas em 2007 foram encontra- dos fósseis de mamíferos pleistocênicos em outro tipo de afloramento fossilífero: as cavernas. Na caverna conhecida como Toca da Raposa, localizada no município de Simão Dias, foram descobertos fósseis de um gliptodonte (G. clavipes) e de um preá (Galea spixii (Wagler, 1831)) (Dan- tas, 2009). Em 2009, a Fazenda Charco, em Poço Redondo, foi novamente estudada, e foram descobertos fósseis que permitiram a identificação para esta localidade de To- xodon platensis, S. populator e Pachyar- matherium sp. (Dantas, 2010). Verifica-se, entretanto, que ainda pouco se conhece sobre a fauna pleistocê- nica que viveu em Sergipe, quando compa- rados com os achados nos demais Estados do Nordeste brasileiro. O presente trabalho tem como objetivos a divulgação de uma Figura 1. Localização do município de Poço nova localidade no município de Poço Redondo, Sergipe, Brasil. Legenda: RIB – re- Redondo, além de descrever a ocorrência gião intertropical brasileira de doze táxons para esta localidade, sendo que destas cinco são as primeiras ocorrên- cias para o Estado.

Estudos Geológicos v. 21 (1), 2011 97 Lucas de Melo França et. al.

RESULTADOS E DISCUSSÕES Apesar de bem aceito que a espécie E. laurillardi é a única no Pleistoceno, apresentando ampla distribuição geográfi- TARDIGRADA ca (com registros desde Carolina do Sul, Latham & Davies in Forster, 1795 E.U.A até Rio Grande do Sul, Brasil), MEGATHERIOIDEA Gray, 1821 Guerin & Faure (2000) interpretam que na MEGATHERIIDAE (Gray, 1821) RIB existiram duas espécies pertencentes Owen, 1842 a esta família, uma espécie de preguiça de pequeno tamanho Megatherium laurillardi MEGATHERIINAE Gill, 1872 Lund, 1842 e uma de grande porte Eremo- Eremotherium laurillardi (Lund, 1842) therium rusconii (Schaub, 1935), no entan- to, Cartelle & de Iuliis (2006) apresenta- ram diversos argumentos, e refutam esta Material. Fragmento de molar interpretação. LPUFS 4934; magno LPUFS 4936; ramo mandibular LPUFS 4937; metacarpo IV LPUFS 4938; escápula LPUFS 4939; fí- bula LPUFS 4940; astrágalo LPUFS 4941; MYLODONTOIDEA (Gill, 1872) calcâneo LPUFS 4942-4943; molariforme LPUFS 4990-4991; fragmento de mandí- MYLODONTIDAE (Ameghino, 1889) bula LPUFS 4993; fragmento de costela SCELIDOTHERIINAE Ameghino, 1889 LPUFS 4994; corpo de vértebra lombar LPUFS 4995; porção proximal de úme- Material. Fragmento de mandíbula ro LPUFS 4996; falange medial LPUFS LPUFS 4932; fragmento da porção distal 4997-4999; navicular LPUFS 5000; mcc V de tíbia LPUFS 4933; falange do dedo IV LPUFS 5002; clavícula LPUFS 5017; cor- do pé esquerdo LPUFS 4935; fragmento po de vértebra lombar LPUFS 5111; corpo de mandíbula LPUFS 5001. de vértebra torácica LPUFS 5112; corpo de vértebra caudal LPUFS 5113-5114; Comentários. Esse conjunto de pe- metatarso LPUFS 5115; externebra LPU- ças são, tentativamente, atribuídos a subfa- FS 5116; áxis LPUFS 5118; fragmento de mília Scelidotheriinae, baseado principal- mandíbula LPUFS 5119; corpo de vértebra mente na morfologia da falange do dedo IV LPUFS 5122; corpo de vértebra torácica do pé esquerdo LPUFS 4935 (Figura 1B e LPUFS 5123; fragmento de crânio LPUFS D). Uma atribuição especifica não é possí- 5124; tarsal LPUFS 5125; fragmento de vel, pois não há material que permita essa mandíbula LPUFS 5126. identificação, e por que também na RIB há a ocorrência de duas espécies classificadas Comentários. O gênero Eremothe- nesta subfamília: Catonyx cuvieri (Lund, rium inclui duas espécies: E. eomigrans 1839) e Valgipes bucklandi (Lund, 1839) De Iullis & Cartelle, 1999 do Plioceno- (Cartelle et al., 2009). A espécie Scelido- -Pleistoceno dos E.U.A, e E. laurillardi don piauiense Guérin & Faure, 2004 seria, (Lund, 1842) Cartelle & Bohórquez, 1982 de acordo com Cartelle et al. (2009), um do Pleistoceno da América (CARTELLE sinônimo de V. bucklandi. & DE IULIIS, 1995; DE IULLIS & CAR- TELLE, 1999).

98 Estudos Geológicos v. 21 (1), 2011 Megafauna do pleistoceno final da fazenda São José, Poço Redondo, Sergipe, Brasil

CINGULATA Illiger, 1811 apresentam as figuras central e periféricas, apresenta cinco forames pilosos, e formato GLYPTODONTOIDEA Simpson, 1931 quadrangular. GLYPTODONTIDAE Burmeister, 1879 Osteodermos com as características apresentadas anteriormente, até pouco HOPLOPHORINAE Weber, 1925 tempo eram atribuídas a Glyptodon cla- PANOCHTINI Simpson, 1945 vipes (e.g. Porpino et al., 2004; Dantas, Panochthus greslebini Castellanos, 1941 2009), no entanto, Oliveira et al. (2010) apresentaram diversas características ob- servadas em osteodermos, crânio e man- Material. Fragmento de osteodermo díbula encontrados em Pernambuco, Rio LPUFS 4922 Grande do Norte e Minas Gerais, sugerin- do que esta espécie ocorre apenas no sul Comentários. A peça LPUFS 4922 do país, e que o material encontrado na Re- (Figura 1C) é um fragmento de osteoder- gião Intertropical Brasileira deva ser atri- mo, e apresenta diversas figuras de peque- buído a Glyptotherium sp. Não há duvidas no tamanho, distribuídas aleatoriamente, quanto à ocorrência deste táxon nesta re- essa característica é típica dos osteoder- gião, contudo, Dantas et al. (2011) encon- mos da carapaça da espécie Panochthus traram osteodermos com características greslebini. Esta espécie já foi registrada atribuíveis a Glyptodon sp. em Sergipe, le- em quase todos os Estados do Nordeste vantando a hipótese de que os dois gêneros brasileiro, ainda não há registros somente tenham existido no Nordeste brasileiro, e para os Estados de Alagoas e Maranhão. demonstrando a necessidade de uma ampla revisão do material anteriormente atribuí- do a G. clavipes para verificar a qual gê- nero pertence. GLIPTODONTINAE Gray 1869

Material. osteodermos isolados LPUFS 4915 a 4917; LPUFS 4919 a 4921, Paula Couto, 1954 LPUFS 5004-5005. Holmesina paulacoutoi (Cartelle & Bohórquez, 1985) Comentários. Osteodermos isolados da carapaça (LPUFS 4915, 4916, 4920, 4921; 5004; 5005), com a face externa Material. Osteodermos LPUFS desgastada, de formato variando de retan- 4923-4924; 5006-5007 gular a hexagonal, com sete a dez figuras periféricas, figura central maior do que as Comentários. Há três fragmentos periféricas, presença de cinco a seis fora- de osteodermos, a peça LPUFS 4923 é um mes pilíferos (Figura 1E). Há também um fragmento de osteodermo da banda móvel, osteodermo isolado da borda da carapaça enquanto as peças LPUFS 4924 e 5007 pa- (LPUFS 4917), que não apresenta figuras recem ser fragmentos de osteodermos da periféricas, e a figura central é projeta- banda fixa. O único osteodermo inteiro é o da para fora, apresentando forma cônica; LPUFS 5006 (Figura 1F), que é da banda além de um osteodermo (LPUFS 4919) da fixa, apresenta superfície externa pontua- borda posterior do tubo caudal, que não da por numerosos orifícios, área marginal

Estudos Geológicos v. 21 (1), 2011 99 Lucas de Melo França et. al.

larga e fortemente deprimida, principal- 5013-5015; vértebra LPUFS 5016; calcâ- mente nas regiões laterais e região poste- neo LPUFS 5121. rior; a figura principal exibe uma saliência deslocada posteriormente, estas caracterís- Comentários. Os mastodontes são ticas são atribuídas a osteodermos encon- animais de ocorrência freqüente em aflora- trados na espécie Homelsina paulacoutoi mentos fossiliferos brasileiros, geralmente (Cartelle & Bohorquez, 1984; Scillato- ocorre em associação com E. laurillardi. -Yané et al., 2005). No Nordeste brasileiro Mothé et al. (2011) apresenta a interpre- esta espécie só não foi registrada ainda nos tação de que os mastodontes sul-america- Estados de Alagoas, Piauí e Maranhão. nos seriam classificados em dois gêneros monoespecíficos: Cuvieronius hyodon Fischer, 1814 e Notiomastodon platensis Ameghino, 1888. Sendo assim, todos os DASYPODOIDEA Gray, 1821 mastodontes encontrados na RIB seriam classificados na espécie N. platensis, e DASYPODIDAE Gray, 1821 sendo assim, apesar do número reduzido TOLYPEUTINAE Gray, 1865 de peças, e da má qualidade de sua preser- vação, o material encontrado nesta locali- Tolypeutes tricinctus (Linnaeus) Gray, 1865 dade é atribuído a esta espécie.

Material. Osteodermo LPUFS 5216

Comentários. O osteodermo LPUFS NOTOUNGULATA Roth, 1903 5216 (Figura 1G) apresenta formato penta- TOXODONTIA Owen, 1853 gonal, e diversos tubérculos subarredonda- dos. Essas características são apresentadas TOXONDONTIDAE Owen, 1845 nos osteodermos de Tolypeutes tricinctus TOXODONTINAE Trouessart, 1898 (Cartelle, 1992; Porpino et al., 2004). Esta é uma espécie ainda vivente, há registros de sua ocorrência como fóssil Material. Calcâneo LPUFS 4929; em apenas três Estados: Bahia (Cartelle, metatarso LPUFS 4930; navicular LPU- 1992), Rio Grande do Norte (Porpino et al., FS 4931; vértebra torácica? LPUFS 4983; 2004) e Piauí (Guerin et al., 1996), todos patela LPUFS 4984; metatarso LPUFS estes achados foram feitos em cavernas ou 4985; falange LPUFS 5008; navicular? ravinas, este é o primeiro registro em aflo- LPUFS 5009; radial? LPUFS 5010; quarto ramentos fossilíferos do tipo tanque. pré-molar inferior LPUFS 5011; calcâneo LPUFS 5117.

Comentários. O material atribuído a PROBOSCIDEA Illiger, 1811 este taxa é composto basicamente de ma- terial pós-craniano, o único dente presente GOMPHOTHERIIDAE Hay, 1922 (Figura 1H-I) não permite a diferenciação Notiomastodon platensis (Ameghino, 1888) entre as espécies que viveram na RIB du- rante o Pleistoceno. É reconhecida a ocor- Material. Fragmento de molar LPU- rência de três espécies pleistocênicas de FS 5012; fragmentos de incisivos LPUFS toxodontíneos: Toxodon platensis Owen,

100 Estudos Geológicos v. 21 (1), 2011 Megafauna do pleistoceno final da fazenda São José, Poço Redondo, Sergipe, Brasil

1840; Trigodonops lopesi (Roxo, 1921); sul-americanos é possível diferenciar e Trigodonops larensis (van Frank, 1957) apenas dois gêneros: Hippidion e Equus (Cartelle, 1992), todas inclusas na subfa- (Amerhippus). No Brasil já foram encon- mília Toxodontinae (Cartelle, 1992; Nasif trados fósseis dos dois gêneros atribuídos et al., 2000). às espécies H. principali e E. (Amerhippus) neogeus. O fragmento de molar superior apresenta características que permitem a sua atribuição a Equus (Amerhippus) neogaeus.

ARTIODACTYLA Owen, 1848 TYLOPODA Illiger, 1811 CAMELIDAE Gray, 1821 CAMELINAE Zittel, 1893

Material. Fragmento calcâneo LPU- FS 4926

Comentários. Neste fragmento de calcâneo LPUFS 4926 é possível reco- nhecer apenas parte da articulação com Figura 2. (A) vista dorsal e (C) vista lateral o astrágalo e cubóide, apresenta tamanho externa da falange do dedo IV do pé esquerdo semelhante à de calcâneos pertencentes a LPUFS 4935 de um Scelidotheriinae; (B) frag- Palaeolama major, no entanto, devido a mento de osteodermo de Panochthus greslebi- má preservação é possível atribuí-la ape- ni; (D) osteodermo de Glyptodontinae LPUFS nas a subfamília Camelinae. 4915; (E) osteodermo de Homelsina paulacou- Atualmente reconhecem-se três espé- toi LPUFS 5006; (F) osteodermo de Tolypeutes cies de camelídeos no Brasil: Hemiauchenia tricinctus LPUFS 5216; (G) vista oclusal e (H) vista labial de um quarto pré-molar inferior de paradoxa Gervais & Ameghino, 1880, com Toxodontinae LPUFS 5011; (I) fragmento de distribuição restrita ao sul do país, Palaeo- molar superior LPUFS 4925 de Equus (Amerhi- lama major Liais, 1872, e uma espécie de ppus) neogaeus Lund, 1840. menor porte identificada comoLama guani- coe (Muller, 1776) (Cartelle, 1994; Scherer, 2009). A espécie P. (Hemiauchenia) niedai PERISSODACTYLA Owen, 1848 Guérin & Faure, 1999 é considerada sinôni- EQUOIDEA Hay, 1902 mo de P. major (Scherer, 2009). EQUIDAE Gray, 1821 EQUINAE Steinmann & Doderlein, 1890 LITOPTERNA Ameghino, 1889 Equus (Amerhippus) neogaeus Lund, 1840 MACRAUCHENIIDAE Gervais, 1855 MACRAUCHENIINAE Gervais, 1855 Material. Fragmento de molar supe- rior LPUFS 4925 Material. Fragmento da porção dis- Comentários. De acordo Alberdi tal da tíbia LPUFS 4928. & Prado (1992, 1993) entre os equídeos

Estudos Geológicos v. 21 (1), 2011 101 Lucas de Melo França et. al.

Comentários. À subfamília Macrau- e um Macraucheniinae indeterminado, cheniinae é atribuída a um fragmento da para o Estado, ampliando as informações porção distal de uma tíbia LPUFS 4928, sobre a biogeografia destas espécies. apresentando apenas as duas facetas de ar- Nos últimos anos dados sobre a ecolo- ticulação com o astrágalo. Devido ao seu gia (através de isótopos) e cronologia desta estado mal estado de conservação não é fauna começaram a surgir, a falta de dados possível retirar medidas. para esta localidade impede uma discussão No Nordeste brasileiro já foram re- mais ampla, restingindo-se, deste modo, gistrados duas espécies pertencentes a apenas aos registros apresentados. esta subfamília. De acordo com Cartelle & Lessa (1988) a maioria das ocorrências no Nordeste brasileiro seriam atribuídas Referências a Xenorhinotherium bahiense Cartelle & Lessa, 1988, no entanto, Guerin & Faure Alberdi, M.T. & Prado, J.L. 1992. El regis- (2004) identificam o material fóssil encon- tro de Hippidion owen, 1896 y Equus trado no Piauí à espécie Macrauchenia pa- (Amerhippus) Hoffstetter, 1950 (Mam- tachonica Owen, 1838. malia, Peissodactyla) en América del Sur. Ameghiniana, 29(3): 265-284. Alberdi, M.T. & Prado, J.L. 1993. Review of the genus Hippidion Owen, 1869 CARNIVORA Bowdich, 1821 (Mammalia: Perissodactyla) from the of South America. Zoolo- FELIDAE Fischer, 1817 gical Journal of the Linnean Society, 108: 1-22. Material. Porção proximal de me- Cartelle, C. 1992. Edentata e megamamí- tacarpo LPUFS 4927; unciforme LPUFS feros herbívoros extintos da toca dos 5217. ossos (Ourolândia, BA). Programa de Pós-graduação em Morfologia, Univer- Comentários. À família Felidae são sidade Federal de Minas Gerais, Tese atribuídos a porção proximal de um meta- de Doutorado, 516pp. carpo LPUFS 4927, e um unciforme LPU- Cartelle, C. 1994. Presença de Lama (Ar- FS 5217. O tamanho destas peças rivaliza tiodactila, Camelidae) no Pleistoceno com as medidas encontradas para Smilo- final – Holoceno da Bahia. Acta Ge- don populator, no entanto, devido a falta ológica Leopoldensia, 39(1): 399-410. de material diagnóstico, serão identifica- Cartelle, C. 1999. Pleistocene of the Cerrado and Caatinga of Brazil. In: dos apenas à nível de família. Eisenberg, J.F. & Redford, K.H. (eds.). Mammals of the Neotropics. The Uni- versity of Chicago Press, p. 27-46. CONSIDERAÇÕES FINAIS Cartelle, C. & Bohorquez, G. 1984. Pampa- therium paulacoutoi, uma nova espécie O presente trabalho teve como objeti- de tatu gigante da Bahia, Brasil (Eden- vos o registro de uma nova localidade para tata, Daypodidae). Revista Brasileira o Estado de Sergipe, a Fazenda São José, de Zoologia, 2(4): 229-254. em Poço Redondo, além de reportar as pri- Cartelle, C. & De Iuliis, G. 1995. Eremothe- meiras ocorrências de Panochthus gresle- rium laurillardi: the Panamerican late bini, Holmesina paulacoutoi, Tolypeutes Pleistocene Megatheriid sloth. Journal tricinctus, Equus (Amerhippus) neogaeus

102 Estudos Geológicos v. 21 (1), 2011 Megafauna do pleistoceno final da fazenda São José, Poço Redondo, Sergipe, Brasil

of Vertebrate Paleontology, 15(4): de Sergipe, Brasil. Revista Brasileira 830-841. de Paleontologia, 12(2): 161-164. Cartelle, C. & De Iuliis, G. 2006. Eremoth- Dantas, M.A.T. 2010. Megafauna pleistocê- erium laurillardi (Lund) (Xenarthra, nica da Fazenda Charco, Poço Redon- Megatheriidae), the Panamerican giant do, Sergipe – interpretações paleoam- ground sloth: taxonomic aspects of the bientais. Programa de Pós-Graduação ontogeny of skull and dentition. Jour- em Ecologia e Conservação, Univer- nal of Systematic Paleontology, 4(2): sidade Federal de Sergipe, Dissertação 199-209. de Mestrado, 58pp. Cartelle, C. & Lessa, G. 1988. Descrição de Dantas, M.A.T. & Zucon, M.H. 2005. Sobre um novo gênero e espécie de Macrau- a ocorrência de dois taxa pleistocênicos chenidae (Mammalia, Litopterna) do na Fazenda Tytoya, Poço Redondo, Pleistoceno do Brasil. Paula-Coutiana, Sergipe. Sciencia Plena, 1(4): 92-97. 3: 3-26. Dantas, M.A.T. & Zucon, M.H. 2007. Oc���- Cartelle, C.; De Iuliis, G.; Ferreira, R.L. currence of Catonyx cuvieri (Lund, 2009. Systematic revision of tropical 1839) (Tardigrada, Scelidotheriinae) in brazilian Scelidotheriine sloths (Xenar- Late Pleistocene – Holocene of Brazil. thra, Mylodontoidea). Journal of Verte- Revista Brasileira de Paleontologia, brate Paleontology, 29(2): 555-566. 10(2): 129-132. Dantas, M.A.T. 2004. Os fósseis da mega- Dantas, M.A.T.; Zucon. M.H.; Ribeiro, fauna pleistocênica do Instituto Histó- A.M. 2005. Megafauna pleistocênica rico e Geográfico de Sergipe. Canindé, de Gararu, Sergipe, Brasil. Revista de 4: 383-393. Geociências – UNESP, 24(3): 277-287. Dantas, M.A.T. 2005a. Ocorrência de Oc- Dantas, M.A.T.; França, L.M.; Cozzuol, notherium giganteum (Lund, 1842) M.A.; Rincon, A.D. 2011. About (Mammalia, Pilosa, Milodontidae) em the occurrence of Glyptodon sp. In Sergipe, Brasil. In: Congresso Latino- the brasilian intertropical region. -Americano De Paleontologia De Ver- Quaternary internation???: 1016/j. tebrados, 2., 2005, Rio de Janeiro, RJ. quaint.2011.06.024. Boletim de Resumos... Rio de Janeiro: De Iuliis, G. & Cartelle, C. 1999. ���������A new gi- Sociedade Brasileira de Paleontologia, ant megatheriinae ground sloth (Mam- p. 92. malia: Xenarthra: Megatheriidae) from Dantas, M.A.T. 2005b. Megafauna pleis- the late Blancan to early Irvingtonian of tocênica de Sergipe: novos achados na Florida. Zoological Journal of the Lin- Fazenda Charco. In: Congresso Bra- nean Society, 127: 495-515. sileiro De Paleontologia / Congresso Goes, F.A.S.; Vieira, F.S.; Zucon, M.H.; Latino-Americano De Paleontologia, Cartelle, C.; Teodósio, C. 2002. Ocor- 19 / 6., Aracaju, SE. Cd-rom de Resu- rência de mamíferos Pleistocênicos em mos... Aracaju: Sociedade Brasileira de Sergipe, Brasil. Arquivos do Museu Na- Paleontologia. cional, 60(3): 199-206. Dantas, M.A.T. 2008. Paleomastozoologia Guérin, C. & Faure, M. 2000. La vérita- Sergipana: as descobertas na localidade ble nature de Megatherium laurillardi Sitios Novos, Sergipe, Brasil. Revista Lund, 1842 (Mammalia, Xenarthra): de Geologia – UFC, 21(2): 159-168. un nain parmi les géants. Geobios, Dantas, M.A.T. 2009. Primeiro registro de 33(4): 475-488. fósseis de mamíferos do Pleistoceno fi- Guérin, C. & Faure, M. 2004. Macrauche- nal – Holoceno em cavernas do Estado nia patachonica Owen (Mammalia, Li- topterna) de la région de São Raimundo

Estudos Geológicos v. 21 (1), 2011 103 Lucas de Melo França et. al.

Nonato (Piauí, Nordeste brésilien) et la Porpino, K. de O.; Santos, M. de F.C.F. dos; diversité des Macraucheniidae pléisto- Bergqvist, L.P. 2004. Registros de ma- cènes. Geobios, 37: 516-535. míferos fósseis no Lajedo de Soledade, Guérin, C.; Curvello, M.A.; Faure, M.; Apodi, Rio Grande do Norte, Brasil. Hugueney, M.; Mourer-Chauviré, C. Revista Brasileira de Paleontologia, 1996. A fauna pleistocênica do Piauí 7(3): 349-358. (Nordeste do Brasil): relações paleoe- Scherer, C.S. 2009. Os Camelidae Lamini cológicas e biocronológicas. Fundha- (Mammalia, Artiodactyla) do Pleisto- mentos, 3: 56-103. ceno da América do Sul: aspectos ta- Mothé, D.; Avilla, L.S.; Cozzuol, M.A.; xonômicos e filogenéticos. Programa Winck, G.R. 2011. Revision of the de Pós-Graduação em Geociências, Quaternary South America lowland Universidade Federal do Rio Grande gomphotheres (Mammalia: Probos- do Sul, Tese de Doutorado, 472pp. cidea: Gomphotheridae). Quaternary Scillato-Yané, G.J.; Carlini, A.A.; Tonni, International. E.P. & Noriega, J.I. 2005. Paleobio���������- Nasif, N.L.; Musalem, S.; Cerdeño, E. 2000. geography of the late Pleistocene pam- A new toxodont from the Late Miocene patheres of South America. Journal of of Catamarca, Argentina, and a phylo- South American Earth Sciences, 20: genetic analysis of the Toxodontidae. 131-138. Journal of Vertebrate Paleontology, Souza-Cunha, F.L. de; Andrade, A.B.; Zu- 20(3): 591-600. con, M.H.; Santos, M.M. dos. 1985. Oliveira, E.V.; Porpino, K.O.; Barreto, A.F. Ocorrência de mamífero fóssil pleis- 2010. On the presence of Glyptotherium tocênico localizado em Monte Alegre, in the Late Pleistocene of Northeastern Sergipe, Brasil. Coletâneas de Traba- Brazil, and the status of “Glyptodon” lhos Paleontológicos, 7(2): 29-33. and “Chlamydotherium”. Paleobio���������- Vellozo, J.M. da C. 1961. Flora Fluminen- geographic implications. N. Jb. Geol. sis. Publicações do Arquivo Nacional, Paläont. Abh., 258(3): 353–363. 68: 242-245.

104 Estudos Geológicos v. 21 (1), 2011