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A REPERCUSSÃO DO MIXED MARTIAL ARTS SOBRE A REPRESENTAÇÃO SOCIOECONÔMICA DE LUTADORES DO LFC ( LENOX FIGHT COMPETITION) DO DISTRITO DE ICOARACI

Breno Vilhena do Nascimento Aluno concluinte do CEDF/UEPA [email protected] Vera Solange Pires de Souza Professor orientador do CEDF/UEPA [email protected]

Resumo Este artigo apresenta a pesquisa na qual buscamos compreender a repercussão socioeconômica do MMA na vida de lutadores de um evento do distrito de Icoaraci. Nesse sentido, desenvolvemos uma pesquisa de campo, abordagem qualitativa, enfoque materialismo histórico dialético em um evento profissional e oficial. Obtivemos a colaboração de dez lutadores de MMA que venceram alguma edição do LFC (Lenox Fight competition) através de entrevistas semiestruturadas. Identificamos diversas dificuldades passadas por esses atletas profissionais que ajudam a fortalecer o MMA em Icoaraci. A partir de nossa pesquisa podemos ver como o escalão mais baixo da sociedade lida com o fenômeno esportivo MMA, e como este chega aos lutadores de eventos menores como uma atividade de risco considerável e quase sem remuneração. O sonho dos atletas é quase que na totalidade pautado na cultura do capitalismo. Palavras-chave: Repercussão socioeconômica. Fenômeno esportivo. Lutadores. Sonhos.

INTRODUÇÃO

Atualmente, temos assistidos atônitos às proporções que tem ganhado, em âmbito planetário, o fenômeno esportivo MMA (Mixed Martial Arts). É o esporte sensação do momento, angariando aceitação dos mais diferentes públicos e estratos sociais. A aceitação destes eventos marciais tem sido tão grande que cogitam futuramente rivalizar em pé de igualdade com o futebol pela preferência nacional. Mas nem sempre foi assim. O MMA tem em sua gênese um passado obscuro, marginal no qual era comparado a verdadeiras rinhas de briga. Eram os chamados torneios de Vale-Tudo, fase embrionária do atual UFC. Foi idealizado pela família Gracie que perspectivava legitimar o Brazilian Jiu-jitsu como mais eficiente arte de combate. Com poucas regras e possuindo um formato brutal sofreu duras críticas de diferentes setores da sociedade, inclusive do setor político, na 2 figura do senador do Estado da Flórida (EUA) na época John Mc Cain alegando que os torneios eram abusivos e violentos. O futuro das artes marciais mistas estava ameaçado. O UFC (Ultimate Fighting Championship) surge em 1993 em substituição aos criticados torneios de Vale-Tudo. No entanto, em suas primeiras edições mesmo incluindo algumas regras, ainda, sim, continuava sendo assombrado pelo seu passado. Na história recente das artes marciais mistas e do UFC, principal evento de MMA, aparece como figura central neste processo de popularização, esportivização-institucionalização e valorização, aludidos acima, o ex-empresário de boxe e atual presidente do UFC, o polêmico Dana White. White pode ser considerado o redentor do MMA legitimando-o como esporte legalizado, hoje, por todas as comissões atléticas americanas e internacionais. Dana White junto aos irmãos Ferttita comprou o UFC por uma bagatela de 2 milhões de dólares e conseguiu a façanha, numa verdadeira cartada de mestre e de muito marketing, virar o jogo a seu favor tornando o UFC uma das marcas esportivas mais valorizadas da indústria de material e entretenimento esportivo. Aos poucos a imagem negativa associada ao MMA tem sido embasada na memória do público inebriado pelas performances cinematográficas dos artistas marciais no octógono. O interesse por tal empreendimento remonta a epigênese da infância do autor quando inicia sua jornada pelas veredas do Caminho Suave do Judô assumindo-o como filosofia de vida. Outro motivo que justifica este empreendimento foram às experiências vivenciadas como monitor no Projeto, de iniciativa do Governo Federal, “Mais Educação”. Durante as aulas no projeto alguns episódios singulares, envolvendo os alunos, chamaram nossa atenção. Percebeu-se o quanto o MMA tem influenciado o imaginário das crianças desejosas de trilhar o mesmo caminho dos heróis do UFC reproduzindo durante as aulas os golpes, expressões e palavreados característicos deste universo. Estes eventos levaram-nos perceber que, hoje, é cada vez mais difícil ser mestre de uma arte de combate japonesa, como judô, em uma sociedade que vulgariza tudo aquilo que ameaça seus valores alienantes. A incorporação dos valores da cultura ocidental (LAUTERT et al, 2005) e a influência do MMA sobre o imaginário das crianças têm secundarizado os princípios ético-filosóficos das artes de combate orientais constituindo-se mais como um instrumento de veiculação da ideologia dominante do que como um espaço de resistência. “Quando uma prática 3 corporal é transformada em mercadoria, perde seu significado concreto, sua historicidade e sua temporalidade”. (CARVALHO, 2007, p. 168) Alguns episódios mostrados pela mídia envolvendo estudantes brigando na escola, imitando lutas de MMA são cada vez mais comuns, seriam os alunos influenciados pelo MMA? Diversos são os casos de confusões feitas pelos chamados “pitboys”, geralmente jovens abastados e lutadores de alguma arte marcial. O representante mais notório desse grupo de arruaceiros foi Ryan Gracie, penta campeão mundial de MMA. Estes eventos levam-nos a questionar a fala dos lutadores entrevistados na reportagem que afirmaram que o MMA não incita a violência ou mesmo o discurso mistificador entorno do esporte que costuma associar a ele uma função social maior do que realmente possui ou é capaz de desempenhar na sociedade (BRACHT, 2005). É inegável a repercussão deste fenômeno esportivo, sem exageros em âmbito planetário, no entanto, negar sua influência no comportamento social é no mínimo naturalizar que o comportamento violento de jovens arruaceiros é descolado da realidade. Faz-se necessário uma leitura do MMA com outros olhos, que não sejam os do espectador fascinado. Precisamos compreender com radicalidade, por exemplo, seus desdobramentos na sociedade e o fascínio que exerce sobre o imaginário da criança e do jovem desejosos de trilhar o mesmo Dô (Caminho) de seus heróis repercutido inclusive em seus próprios projetos de vida. Desta forma, intui-se compreender quais os motivos que levam os lutadores de eventos menores, em relação ao UFC, a exporem sua integridade física ou mesmo sua vida a uma situação de risco? Quem são esses indivíduos? De que estratos sociais são provenientes? De que maneira o MMA está sendo representado socioeconomicamente para estes indivíduos? Qual o projeto de vida destes atores sociais? Buscamos por meio deste estudo, responder à nossos objetivos que se mostram muito claros, no que tange entender a lógica do capital perante o esporte e como este tem se mostrado enquanto mantedor da ordem capitalista. O perfil socioeconômico dos lutadores de MMA de uma região periférica de Belém nos fará entender de que forma o MMA chega até o escalão mais baixo da sociedade, como os lutadores são influenciados por esse ambiente violento das artes marciais 4 combinadas. De que maneira os projetos de vida dos atores sociais em questão mudam com essa prática. Nós, enquanto formadores de opinião, professores que somos, achamos fundamental para a sociedade a pesquisa em questão, por se tratar do esporte que mais cresce a nível mundial. Será mesmo que este é o esporte das crianças? É no mínimo equivocado se analisarmos os relatos do autor sobre o comportamento de seus alunos, quando se mostram influenciados pelo MMA. As artes de combate japonesas têm no seu âmago, os fundamentos éticos e os códigos de conduta que são fundamentais para a formação do caráter dos indivíduos. Ao analisarmos o MMA fica difícil de identificar tais condutas éticas, o respeito ao adversário se perdeu conforme o capital se estabeleceu perante as artes de combate. O judô juntamente com seu apolitiquismo, ajuda na formação de um indivíduo, conforme os padrões do capitalismo (CARVALHO, 1989). Acreditamos que uma leitura mais lúcida sobre esse fenômeno esportivo deva ser empreendida, pois se acredita que suas influências extrapolam o campo econômico, enquanto prolongamento do sistema socioeconômico atual (NOZAKI, 2008). Atinge também a própria representação socioeconômica desejosa, muitas vezes, de alcançar o status dos heróis do UFC. É impressionante esta influência quando identifico em meus alunos de judô do Projeto Mais Educação a reprodução dos símbolos disseminados pelo MMA, quando vemos alunos em demonstração de violência durante o intervalo ou mesmo a febre das academias de MMA. Em síntese, este estudo justifica-se pela necessidade de produções que supram a escassez de material disponível e que busquem compreender o MMA para além das aparências fenomênicas. Ou seja, como fenômeno esportivo fruto do modo de produção capitalista e como expressão dos desdobramentos/metamorfose do esporte moderno (BRACHT, 2007; PRONI, 2008). Justifica-se, ainda, pela necessidade de compreendermos os desdobramentos assumidos por tal fenômeno na sociedade. Compreender, por exemplo, de que maneira tem afetado a representação social e econômica repercutindo inclusive nos projetos de vida de vida de lutadores de cartéis menores desejosos de um dia poder alcançar o status de um Anderson Silva1.

1Maior ídolo de MMA na atualidade, atualmente é detentor do título de peso médio(até 84 kg) do UFC. É um dos atletas preferidos de Dana White ,presidente do UFC, por seu estilo de luta inconfundível e arrojado. É hoje no UFC , o lutador que mais defendeu o cinturão de 5

1 DA GÊNESE À ATUALIDADE

As características das artes de combate japonesas se diferem muito do MMA no que tange o caráter educacional, não apenas da prática como meio de luta. Nada sob o céu é mais importante que a educação. Os ensinamentos de uma pessoa virtuosa podem influenciar uma multidão; aquilo que foi bem aprendido por uma geração pode ser transmitido a outras cem. (JIGORO KANO, apud, STEVENS, 2007, p. 48) Pensamos que as artes de combate japonesas possuem uma função social diferente desta posta pela mídia de enaltecer o campeão ou de (des) sensibilização do ser humano como ocorre nos torneios de MMA. Pois, quanto mais sangue e hematomas mais atrativos se tornam para o público. Pensamos ser no mínimo preocupante que esta anulação do ser humano torne-se uma atividade de lazer para as pessoas. Ancoradas em uma sólida base filosófica, as artes de combate japonesas que se preocupam com a formação do ser humano, com a construção do seu caráter, por isso, a preocupação de lapidar primeiro o espírito do guerreiro somente depois sua técnica (FUNAKOSHI, 1994). O Budô (caminho do guerreiro) perde força no que tange a prática do MMA. A espetacularização do esporte em favor da ideologia do capital faz com que os aspectos éticos se percam e que tal “esporte” seja apenas uma prática marcial, sem reflexões mais abrangentes. Sobre o Budô UESHIBA citado por Stevens, (2007, p.114) nos coloca que “imediatamente compreendi a natureza da criação: o caminho do guerreiro é manifestar o amor divino, um espírito que abarca e nutre todas as coisas”. Não podemos deixar de fora a discussão sobre o código de conduta do guerreiro (samurai). O bushidô como meio de vida dos samurais é fundamental para a discussão das artes de combate japonesas. Segundo o que CARVALHO (2007, p.77) discute, podemos entendê-lo :

Para além de um código ético, o Bushidô era um caminho de vida, assim, não se pode pensar esse código e a vida dos samurai de forma dissociada. A lealdade (chugi), a honestidade, a modéstia de sua categoria. Disponível em > http://pt.wikipedia.org/wiki/Anderson_Silva >. Acessado em 5 de Dezembro de 2011. 6

uma vida sem apego às riquezas materiais, a honra (meiyô) e o orgulho do que era, constituíam a rica vida objetiva e subjetiva dessa casta de guerreiros.

Na modernidade a espetacularização e mercadorização do esporte fez com que as artes de combate perdessem seu viés de filosofia de vida. O Budô (caminho do guerreiro) e o Bushido (código ético) se perderam na ideologia capitalista. O MMA se caracteriza pela submissão do adversário através apenas da força física e técnica, o respeito ao adversário e aos limites do corpo muitas vezes são deixados de lado. Se a moral samuráica preocupava-se com as condições de igualdade real entre os bushi, a moral burguesa limita-se a sancionar a igualdade formal entre os indivíduos, por suposto, não se importando com a sua real e efetiva igualdade de condições entre eles. (CARVALHO, 2007, p. 119). Os esportes de combate vêm se mostrando uma ferramenta fundamental para a manutenção da ordem e das classes sociais advindas do capitalismo. O esporte é um elemento fundamental no processo civilizador, um conjunto de dispositivos pedagógicos que organiza o corpo e suas expressões no sentido de simultaneamente restringi-los em sua espontaneidade e potencializá-los tecnicamente. (TURELLI, 2008, p. 7) O espetáculo esportivo é citado na história com relação ao que acontecia na Roma Antiga, onde mais da metade da população se reunia para se extasiar com alguns eventos, a chamada política do pão e circo. Outras ocasiões onde um público muito grande teve acesso ao espetáculo só foram possíveis com o advento da televisão. O esporte torna-se mais interessante para a indústria a partir do momento em que ele começa a ter uma maior visibilidade, principalmente em meados do século passado, conseguindo uma maior influência política e econômica, influência esta que se intensifica com a reportagem esportiva. Infelizmente o esporte perdeu alguns de seus valores, como nos mostra Betti (1997, p.36.) “de fato o espetáculo esportivo não tem mais nada a ver com a ideia de lealdade e respeito às regras e ao oponente (fair-play), elementos fundantes do esporte no século XIX”. O implemento da televisão deu uma alavancada ao esporte enquanto apoiador do sistema vigente, no caso do capitalismo a televisão serviu e serve para defender a ideologia do capital e o esporte ajuda no sentido de manter as classes dominantes no poder, desta forma, como nos afirma Carvalho (1989, p.35. ) as artes 7 de combate não se diferem, já que “o judô ,como os outros desportos, escondido no seu apolitiquismo, coadjuva o processo de inculcação e internalização de um dado comportamento, absolutamente indispensável à reprodução social”. O esporte contemporâneo vem sendo comercializado quase na íntegra, as associações e federações estão organizando cada vez mais os espetáculos e a mídia também tem um papel fundamental nessa mercadorização. A partir do momento onde temos de pagar para ter o acesso ao lazer e ao esporte faz-se presente a ideologia capitalista tão criticada pelo marxismo. Na lógica capitalista o esporte vem servindo como inculcador ideológico, visto que este é vendido enquanto mercadoria, ou seja, ao mesmo tempo que lucra absurdamente, aliena seus consumidores. A lógica do lucro passa por cima de qualquer “Fair-Play”. Segundo Mascarenhas (2005, p.138)

Ancorado nos modismos, o mercolazer, esvaziado de conteúdo socialmente útil, funda formas de diversão e entretenimento cada vez mais sintonizadas com o imediatismo, potenciando ao máximo as sensações de prazer e excitação por elas produzidas, agora superconcentradas no escape fugaz aos paraísos artificiais, na euforia do consumo e no êxtase da aventura.

A gênese da desportivização do MMA tem seu ensejo quando o torneio de “Vale Tudo” UFC, sofreu graves críticas a respeito dos eventos de Vale Tudo que segundo alguns políticos, entre os mais representativos estava o senador John MaCain alegando que era muito violento e abusivo e considerados rinhas humanas. O torneio então desvalorizado, por não ter mais a mesma aceitação do público que já o achava muito violento, pois quase não existiam regras. Com a compra do UFC pelos irmãos Ferttita e pelo ex-empresário de boxe Dana White, o “produto” se tornou mais aceitável e consumível ao público. As regras estabelecidas davam conta da integridade física dos atletas e em seu âmago o interesse por vender mais. A normatização das regras dos torneios de MMA, deram uma nova cara à um desporto que estava a margem de parte da sociedade e que estava fadado ao fracasso depois de suas primeiras edições. A partir da ascensão de diversos atletas brasileiros que se tornaram ídolos do esporte como: Wanderlei Silva, Vitor Belfort, Anderson Silva, José Aldo, Junior Cigano, entre outros. O MMA passou a ter um espaço considerável com relação a preferência nacional por esportes. No UFC Rio realizado em 2011, a Rede TV, 8 derrotou a Globo em audiência, fato inédito e divisor de água na aceitação nacional do MMA em nosso país. A globo por sua vez, comprou os direitos de imagem do UFC no Brasil, passando a proporcionar aos fãs do MMA, eventos como a luta de Cigano valendo o cinturão dos pesos pesados. O que realmente consolidou o MMA como uma das preferências esportivas do povo brasileiro foi o reality show “TUF (The Ultimate Figther) em busca de campeões”.

2 MATERIAL E MÉTODOS

Buscando incessantemente sistematizar a pesquisa em questão. Construímos a seção metodológica seguindo uma série de apontamentos para que pudéssemos tornar fidedigno este estudo. Portando listaremos passo a passo todo o caminho feito para a construção embasada da pesquisa em questão. O materialismo histórico dialético é fundamental para entender nossa pesquisa, visto que este defende a dialética histórica não somente como método de pesquisa. Mas como uma postura perante a classe dominante, a época que o fato social está inserido e principalmente busca a transformação dessa realidade. Segundo Frigotto (1987), a dialética não pode ser considerada uma doutrina, para que ela se constitua como materialista e histórica deve dar conta da totalidade, do particular e específico. Isto implica que as categorias alienação e mediação devem ser construídas historicamente. A história e o contexto social são basilares para que possamos compreender a representação socioeconômica dos lutadores de MMA do LFC (Lenox Fight Competition) realizado no distrito de Icoaraci. Analisarmos a realidade em questão através do Materialismo Histórico Dialético, que para Triviños (1987, p.51)

O materialismo histórico é uma ciência filosófica do Marxismo que estuda as leis sociológicas que caracterizam a vida da sociedade, de sua evolução histórica e da prática social dos homens, no desenvolvimento da sociedade.

Segundo Frigotto (1989, p. 77) é fundamental para instalar um método dialético que se rompa com os valores da sociedade dominante. O capitalismo visa o lucro incessantemente, buscando sempre maneiras de maximizá-lo através da exploração do trabalhador. Outro papel fundamental que não poderíamos deixar de 9 citar é o trabalho da mídia enquanto alienadora e manipuladora das massas, foi a partir dela que o capitalismo conseguiu universalizar o consumo de muitos produtos, dentre eles o MMA (Mixed Martial Arts), antigo Vale Tudo. A dialética materialista de Marx segundo Frigotto (1987) é ao mesmo tempo uma postura, um método de investigação e uma práxis, um movimento de superação e transformação. Para ele existem três movimentos na dialética materialista: a crítica, a construção do conhecimento “novo”, e a síntese no plano do conhecimento e da ação. Frigotto justifica suas falas em um texto de um crítico de Marx (1983) que diz:

Para Marx, só importa uma coisa: descobrir a lei do fenômeno de cuja investigação ele se ocupa [...] Para ele o mais importante é a lei de sua modificação, de seu desenvolvimento, isto é, transição de uma forma para outra, de uma ordem das relações para outra.

Nossa pesquisa fundamenta-se no materialismo dialético na medida em que se preocupa em analisar a realidade em que o fenômeno do MMA se insere, e dar conta de quais são as repercussões que este “esporte” tem trazido para os lutadores em Icoaraci. Buscaremos também ao final desse árduo trabalho, dar um posicionamento sobre o fenômeno MMA para que a população de um modo geral tenha acesso a esses resultados. Para Frigotto(1987), o que mais importa é a crítica e o conhecimento que transforme a realidade. A reflexão teórica deve estar em função de transformar a realidade de onde ela se insere. Em sua tese XI, sobre Feurbach, Marx nos coloca que “Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo”. A importância que este estudo tem em nosso dia-a-dia é que através dele vemos a necessidade de expressar de que maneira o fenômeno esportivo, em específico o MMA influencia na vida de seus lutadores. Nossa pesquisa busca saber se e como o MMA consegue influenciar de alguma maneira a representação socioeconômica dos lutadores da modalidade, seus projetos de vida e a questão da idolatria de alguns lutadores. E buscar através da análise de dados e conteúdos de maneira que possamos compreender este fenômeno é fundamental para o nosso trabalho. 10

O presente estudo busca por meio de uma pesquisa de campo, analisar a representação socioeconômica de lutadores de MMA em Icoaraci, Belém. O estudo deverá ser feito conforme alguns critérios defendidos por Triviños (1987), Gil (2002) e Minayo (2008), e também deve seguir uma lógica de trabalho bem organizada e bem elaborada pelos pesquisadores. O instrumento de pesquisa a ser utilizado foi a entrevista, feita sob forma de diálogo com diferentes lutadores do evento LFC (Lenox Fight Competition), de um determinado universo amostral determinado previamente. Nosso estudo se mostra enquanto pesquisa de campo porque busca entender com profundidade o fenômeno esportivo MMA, como este se apresenta para lutadores profissionais de um evento na periferia de Belém. Para dar fidedignidade ao estudo, construímos nosso instrumento de coleta de dados com uma linguagem acessível e suscetível de mudanças conforme o decorrer das falas. O instrumento de coleta foi a entrevista semiestruturada, pois analisamos esta como sendo a mais adaptada ao objeto de estudo e a que permitia uma flexibilidade fundamental para o ambiente das lutas. Sobre nosso instrumento nos ancoramos em Triviños (1987, p. 146):

Podemos entender por entrevista semiestruturada, em geral, aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida oferecem amplo campo de interrogativas, fruta de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante.

A pesquisa é de abordagem qualitativa, pois visa analisar o discurso e o conteúdo das falas dos lutadores e não apenas colher dados e catalogá-los. Para se fazer a análise de conteúdos de maneira pontual, bebemos da fonte de Triviños (1987,p. 160) comentando Bardin, quando este coloca que a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas que pode ser utilizado para a classificação dos conceitos, a codificação e possivelmente a categorização dos mesmos. Porém sem deixar de colocar que para fazer a análise de conteúdo o pesquisador deve possuir um amplo campo teórico a respeito do assunto. Buscando incessantemente a seriedade de nosso estudo, para discutirmos a abordagem qualitativa, ancoramo-nos em Minayo (2008, p. 57):

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O método qualitativo é o que se aplica ao estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam. Esse tipo de método que tem fundamento teórico, além de permitir desvelar processos sociais ainda pouco conhecidos referentes a grupos particulares, propicia a construção de novas abordagens, revisão e criação de novos conceitos e categorias durante a investigação.

Finalizando nossa discussão a respeito de nossa metodologia, colocamos que o estudo em questão, buscou por meio de descrição, mostrar os caminhos que foram seguidos no decorrer da pesquisa. Por meio da metodologia esperamos ter contemplado os momentos mais fundamentais dessa experiência espetacular que é o fazer científico.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

A análise de dados é fundamental para entendermos de que maneira o fenômeno esportivo MMA, vem refletindo nas camadas populares da sociedade em Belém do Pará, mais especificamente no distrito de Icoaraci, periferia da referida cidade. O instrumento de coleta de dados utilizado foi a entrevista semiestruturada socioeconômica, que teve por objetivo analisar como os lutadores do LFC ( Lenox Fight Competition ) vivem, através de diversas perguntas concernentes a situação socioeconômica de cada um dos lutadores. Nosso instrumento de coleta foi a entrevista semiestruturada porque esta permite que se façam mudanças conforme a necessidade do decorrer do diálogo, portanto foi a que mais se enquadrou no ambiente das lutas. O objetivo da nossa pesquisa é analisar socioeconomicamente como vivem os lutadores que participaram de alguma edição do LFC, sendo que participaram da amostra, dez lutadores que foram vencedores nas disputas deste evento. O evento não foi escolhido de maneira aleatória, ele foi escolhido em função do organizador ter ganhado o prêmio de melhor do ano, segundo o jornal “O Estado”2 , que premia a excelência nas diversas áreas. Além disso, o evento foi escolhido conforme registro

2 Jornal de grande circulação no distrito de Icoaraci, o qual premia a excelência nas diferentes áreas. 12 no Site “Sherdog” 3, sendo este o único evento em Icoaraci que é oficial segundo o mesmo. Desta feita, fizemos dez entrevistas com os vencedores de tal evento, podendo assim constatar a maneira como vivem estes atores sociais através dessa atividade de risco que é o MMA (Mixed Martial Arts). Logo, nessa análise de dados discorreremos sobre as imensas dificuldades enfrentadas pelos lutadores para se manter em alto nível. A partir da análise das entrevistas, foi possível constatar que o MMA é vivenciado pelos seus lutadores como uma forma de se obter sucesso e fama junto à mídia. Entretanto há um desencontro nesse caminho, pois para sustentar a prática do MMA, o seu praticante tem que ter mais de um emprego. Podemos verificar esse posicionamento na fala do sujeito 5: “Eu já lutei até de graça já. Só com o intuito de me destacar”. Vemos nas falas da amostra que pela imensa necessidade de se ganhar o ‘pão’, ou simplesmente de se destacar com a esperança de algum dia ser reconhecido, que os lutadores de MMA se submetem a um grande risco à sua integridade física. Na contramão da maioria da amostra, alguns participantes da pesquisa se mostraram insatisfeitos com o que ganham, porém felizes porque gostam do esporte. Dentre as falas podemos destacar:

Não, eu participo pelo fato de eu gostar do esporte, entendeu?! Mas não que eu consiga manter a minha família ou até mesmo me manter através desse esporte. É mais pelo fato de eu gostar realmente. É um lazer que eu tenho. (SUJEITO 2)

As citações ressaltadas retratam a fala de uma amostra que é composta por dez sujeitos, delimitados conforme o evento LFC (Lenox Fight Competition) realizado no distrito de Icoaraci. O que não invalida o estudo, haja vista que estamos falando de forma qualitativa (MINAYO, 2008) de um cenário que se instaura no seio das relações sociais do distrito de Icoaraci-Belém. Dentro do distrito de Icoaraci temos indivíduos que almejam alcançar o mesmo status de um Anderson Silva, de Lyoto Machida. Porém, analisamos que o

3 Sherdog é um site em língua inglesa, o qual é considerado o maior do mundo sobre Artes marciais misturadas (MMA). É membro do grupo Crave Online Media e está em atividade desde 1997. 13

MMA chega a parcela mais baixa da sociedade como uma prática perigosa e quase sem remuneração, a maior parte dos participantes de eventos menores não conseguem se manter só do esporte ,e por isso tem que buscar em outras ocupações a maior parte do sustento da família. Incentivados pelo sonho da fama, pelo sonho de ter mais dinheiro e mais visibilidade, muitos atletas lutam até de graça, com o intuito apenas de se destacar dos demais. Infelizmente o fenômeno esportivo em questão, faz da mesma maneira que o futebol, uma seleção muito rigorosa que escolhe apenas os mais aptos e mais jovens, para que a exploração em cima desses ‘atores marciais’ seja cada vez maior e mais duradoura. Dentre as falas das entrevistas, podemos destacar pelo menos duas que retratam os sonhos dos lutadores:

De poder me sustentar só com isso. De poder parar de trabalhar e viver só do MMA, porque dá pra viver. E meu sonho é chegar no maior evento do mundo, o UFC. (sujeito 3) Como lutador de MMA é chegar ao UFC. Que é um dos maiores eventos do mundo. E é aí sim que você vai ganhar bem lá né, tem um bom dinheiro, que eles pagam bem mesmo, e subir na vida, e como lutador, só chegando ao UFC. (sujeito 4)

Nas falas da grande maioria dos lutadores, no que tange os sonhos a serem alcançados como lutadores de MMA, destaca-se o anseio por se chegar ao UFC, maior evento do planeta, e conseguir ganhar mais dinheiro para melhorar de vida e ascender socialmente. Segundo os dados apresentados, identificamos que a questão dos sonhos, estão diretamente relacionados com a melhoria da qualidade de vida, esta olhada pelo viés das lutas sociais. Sem conhecimento das lutas sociais, os sujeitos se reportam ao MMA como ascensão social. No diálogo com os autores evidenciamos uma triangulação no que diz respeito os dados, os objetivos e a realidade vivida, pois como anuncia Nunes (2004, p. 212):

O “Conhecimento incorporado”4 é fundamental na carreira dos lutadores, já que garante sobrevivência e futuras atuações nesse campo esportivo. É esse corpo, o seu instrumento de trabalho, ou ainda, segundo Bourdieu (1990) seu “capital simbólico”5, onde há o investimento de técnicas, de treinamentos, de conhecimentos, para as construções de cenas nos ringues.

4 É o arsenal de técnicas e a variedade de lutas que o lutador treina. 5 Capital simbólico é a medida do prestígio em algum campo de atuação. 14

É possível observar que Nunes (2004) enfatiza o quanto o praticante de MMA precisa ter como investimento para a questão da sobrevivência e nesse excerto nós fazemos uma conexão como a questão dos sonhos é influenciada em lutadores que tem uma estrutura econômico-financeira estabilizada e por conseguinte possibilita o sucesso no espetáculo do esporte. Fato que os nossos sujeitos entrevistados não tem ainda a devida compreensão, pois quando nos referimos aos custos benefícios a maioria nos informa que necessitam de um ou mais empregos para garantir a carreira de lutador. Então como é possível ter tempo de treinamento ou mesmo “conhecimento incorporado”? No que tange este assunto em nossa entrevista teve um item que foi elaborado na perspectiva de obtermos dados referentes aos riscos da pratica do MMA para a integridade física de seus lutadores. Dentre a amostra de dez sujeitos destacamos o seguinte:

1) ... É assim, tem uma cláusula que diz o seguinte, que todos os atletas, que se tratar de um evento tem uma luta de contato como MMA, o atleta assume inteira responsabilidade pelas lesões causadas pelo decorrer da luta. E essa cláusula, ela é bem privada pro atleta. Por quê? Porque o evento hoje do MMA, ele se profissionalizou de uma forma que tem uma garantia dentro das regras. Geralmente essas lesões graves que acontecem são fora das regras, e muitas das vezes quando acontece a gente foge do monopólio e acaba caindo no bom senso. 2) Lesões? Não. É por nossa conta mermo. Se a gente machucar, quebrar um braço, uma perna, é por nossa conta mesmo. 3) Bom no meu ponto de vista, é... Aqui em Icoaraci, né? Aqui em Icoaraci os lutadores não são valorizados e de certa forma, uma vez que não é retribuído financeiramente o como é que eu posso dizer assim, um valor previsto por uma luta, não tem garantia nenhuma de lesão. Se lesionar, vai ter que arcar com esse prejuízo. 4) Depende, quando há contrato pode tá incluso, por exemplo reparos caso a pessoa venha a se machucar, ou não já fica a critério da pessoa lutar apenas pelo valor da bolsa. Caso não seja essa proposta a pessoa tem que lutar pra ganhar sua própria bolsa e fazer seu próprio reparo. 5) Você antes lê um contrato que diz o valor da bolsa, entendeu? Você tem uma garantia de um dinheiro pra você subir pra lutar mesmo perdendo. Se ganhar, inclui mais um valor, mas no caso de lesões, o evento diz que é tudo por conta do atleta, claro que no momento do evento tem uns médicos que vão atender ali, mas depois dali é tudo por conta do atleta. O dinheiro é pago logo após a luta, e dependendo do evento, tem evento que a grana é melhor, tem outros que a grana é mais baixa.

Ao analisarmos as falas dos sujeitos visualizamos um cenário em que a maioria dos entrevistados ainda não tem propriedade do “conhecimento incorporado” 15 como já ressaltamos neste texto anteriormente, mas aqui chamamos a atenção no que diz respeito ao corpo e seus cuidados, naquilo que Bourdieu (1990) acena sobre “capital simbólico”, ou seja, a luta é uma luta constante para a fama, o sucesso, uma possível garantia de melhoria na qualidade de vida, na visão dos entrevistados, mas sem a compreensão de que esse corpo é um símbolo que representa uma categoria, um grupo e ou atletas que podem ou não fortalecer o MMA em Icoaraci, o “capital simbólico” é imerso por valores capitalistas que impõem até mesmo riscos ao corpo e consequentemente à vida dos praticantes e ou lutadores de MMA. A história do MMA, antigo Vale Tudo, remonta a evolução do capitalismo do final do século passado até agora. Onde os eventos se constituem como verdadeiros shows de entretenimento para o público que assiste a tudo bestializado e em êxtase. Fazemos uma pequena comparação com a política do “pão e circo”, onde a população se despreocupava com as lutas de classe, inebriadas no show dos gladiadores, movidos por um interesse maçante em sangue e pancadaria. Desta feita podemos colocar que o Capitalismo se utiliza dos corpos dos lutadores como verdadeiras ‘mercadorias’, onde quanto mais essa mercadoria, conseguir vender, mais interessante para o show ela se apresenta, ou quando esta falha, facilmente é descartada. A exigência para os lutadores é muito grande, preparação física, psicológica, a parte técnica, e tudo isso para ganhar ‘migalhas’ do sistema, que os oprime e os utiliza como verdadeiras ‘máquinas de bater’. Os dados das entrevistas que fizemos nos possibilitaram comungar da ideia de Proni (1998) sobre o esporte espetáculo, que nos remonta a ideia de entretenimento de massa, que muitas vezes distorce a essência do esporte e o coloca como simples produto do neoliberalismo, visando somente o lucro acima de tudo, sem sequer ter o cunho educativo que estava inserido no seu âmago. Ao analisarmos os dados colhidos nas entrevistas dos lutadores podemos destacar algumas falas que nos remontam a problemas sociais, como por exemplo: a descriminação da mulher, o Bullying, dentre outros. Vemos que os lutadores a pesar de serem profissionais, tem que passar por inúmeras dificuldades para estar aptos à prática do MMA. A fala do sujeito 5 nos faz perceber o papel que a arte marcial teve e pode ter de defesa pessoal e de melhorar a autoestima de seus praticantes, mas ao mesmo tempo os (des)sensibilizá-los .

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“Rapaz, quando eu estudava, quando eu era pequeno ia pra escola, toda vez que eu morava no outro bairro, aí eu ia pra escola, e os caras vinham e me batiam. Não podia atravessar pra ir pra escola, os caras vinham, me batiam. Toda vez me batiam. Ai eu parei de estudar até por causa disso né também. Aí eu peguei, aí eu peguei, conheci um amigo meu na academia que eu tava malhando aí ele “pô” me chamava de ‘Kimura’6 ainda, não era ‘Jab’7. “ ‘Kimura’, tu me ensina a malhar que eu não sei malhar e eu te ensino Jiu-Jitsu” ai eu falei “tá bom então”. Ai eu fui pegando gosto por isso. Logo no começo foi difícil. Eu andava com a perna estalada, com o braço estalado, joelho estalado. Ai fui continuando, continuando, quando eu fui ver marcaram uma luta pra mim. E eu só sabia chão, não sabia nadinha em pé. Aí eu briguei com um cara super pesado, mais pesado do que eu. Aí eu lutei, perdi pro cara macapaense, aí eu perdi, mas aí desde esse dia eu comecei a lutar de novo(sujeito5).

Em outro momento é fundamental destacarmos a participação da mulher no MMA e como ela reporta a sua participação como competidora profissional. Mas principalmente como ela se vê dentro de um esporte que é visivelmente dominado pelos homens.

Assim, até mesmo por ser mulher é muito diferenciado o esporte hoje meio que ainda é fechado aos homens, mas conforme a gente vai mostrando o contrário vai mostrando em lutas, fica até mais atrativo em certos eventos a luta feminina. Essa inclusão feminina também chama à nossa academia de luta, de artes marciais.[...] Quando pensa em perder, a rotina monótona da academia não é tão atrativa, já o contrário das artes marciais. Então hoje deveria quebrar esse tabu que ainda é imposto perante arte marcial pra chamar mais mulheres, porque, cá entre nós, muito homem vai assim mais pra saber lutar, pra saber brigar, e mulher não, mulher vai pra perder, pra condicionar, e assim ao mesmo tempo que os eventos tem mais luta de homem, deveria ser um pouco mais dividido, até porque tipo os eventos quando tem luta feminina fica mais atrativo, desenvolve melhor, mais emocionante, porque não é uma coisa comum de se ver hoje em dia né. (sujeito 7)

A pesquisa em questão fez diversas perguntas, que consideramos fundamentais para entender o contexto das Artes Marciais Combinadas em Icoaraci e em Belém. Em nossas conversas sobre a situação do MMA, vemos que os atletas expressam revolta sobre a falta de incentivos vividos, tanto no que tange o lado profissional do esporte quanto à questão dos projetos sociais que alguns desses

6 Kimura é o nome de uma técnica do jiu-jitsu, foi utilizada para manter o sigilo do sujeito. 7 Jab é o nome de um golpe do boxe, foi utilizado para manter em segredo o apelido do sujeito. 17 atletas possuem. Dentre os diversos diálogos destas entrevistas destacamos dois que se referem a essa discussão:

O que ta faltando mais é patrocínio, a SEEL patrocina só os eventos grandes de Belém, e esquece das academias, é , as vezes nós tamos com um projeto social aqui no outeiro, ai manda um oficio pra lá , e ai eles ficam empatando, é muita onda mesmo entendeu?! O Tatame não vem, falta mais incentivo. (Sujeito 10)

Na fala que se segue, podemos verificar a função social do esporte e da arte marcial e verificamos como eles podem mudar a vida de pessoas que sofrem com a falta de políticas públicas, como é o objetivo da maioria dos projetos sociais envolvendo tal temática:

Eu achava que devia ter mais divulgação né cara, e poderia ter mais apoio, é a gente tem vários órgãos aí né cara?! Que tem condições de divulgar mais o esporte. Até porque a arte marcial, ela cresceu muito e tá tirando muito, várias pessoas, dando, só não transformando campeão, mas transformando muito cidadão entendeu?! Eu tiro por mim, porque eu sou professor, e eu dou aula em várias academias, tenho vários projetos que eu dou, na Vila da Barca, é, Marambaia, é, eu dava no Guamá, tem muito hoje, hoje, tem muitos atletas que tão comigo hoje, que não eram pra ser cidadão, né e também atletas que já era pra Deus ter levado já né, pro mundo da criminalidade. ( Sujeito 8)

A fala do sujeito nos remete ao que a mídia nos coloca como sendo regra, que são as histórias de vidas de alguns ídolos do esporte, mas também como em alguns casos o esporte funciona como válvula de escape. E além do que nos faz refletir sobre o esporte como direito social, ou seja, não pode estar somente para a parcela da população que pode pagar por ele ou com uma parcela ínfima que participa de projetos sociais, mas sim deve ser papel das políticas públicas voltadas para o desenvolvimento de todos os cidadãos. Com a análise dos conteúdos possibilitados através das entrevistas semiestruturadas, podemos perceber as dificuldades que os lutadores passam para se manter aptos à prática do MMA competitivo. As dificuldades financeiras são notáveis e verificadas através das falas que retratam o cotidiano dos lutadores, e estes nos mostram a necessidade de ter um ou mais empregos para arcar com as despesas do esporte.

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CONCLUSÃO

A presente pesquisa é fundamental para entender o fenômeno esportivo MMA ( Mixed Martial Arts ), que tem tomado corpo a nível planetário. As lutas acontecem não só no UFC ou em qualquer outro evento, mas a grande ‘luta do lutador’ é a pela sobrevivência, a luta pelo sustento da família e da outra ocupação, que também demanda investimento. O que nos chamou bastante atenção é a maneira como os atletas se sustentam e investem em suas carreiras com tão pouco dinheiro. Através de nossa pesquisa que tinha como objetivo principal, analisar a maneira como o MMA chega para as classes subalternas. Podemos perceber que na periferia de Belém, mais específico no distrito de Icoaraci, tal fenômeno esportivo se apresenta como uma atividade muito complicada de ser mantida pelos atletas, pois na maioria das vezes, estes possuem um ou mais empregos além do de atleta. A pesquisa mostrou que para alguns lutadores, não há repercussões significativas do MMA em sua vida, mas os sujeitos continuam a acreditar que podem melhorar de vida através do esporte. A partir do discurso midiático alienador que está apregoado na cabeça dos lutadores, eles se mostram enquanto ‘mercadorias do capital’, sendo muitas vezes explorado até a exaustão em uma verdadeira ‘luta do sobreviver’. O que a mídia coloca sobre os ídolos do esporte recaem na postura desses atores sociais quando estes se mostram desejosos de alcançar o status de ídolo nacional. Como em todos os esportes a idade vai avançando e os sonhos são deixados de lado por perceberem que a exigência para se manter em alto nível é muito grande e também porque muitas vezes o sistema já o excluiu do ‘meio produtivo’. O fenômeno esportivo tem crescido de maneira assustadora a nível mundial, mas o esporte para a maioria da nossa amostra ainda possui alguns objetivos que não sejam os estabelecidos pela classe dominante, como por exemplo: o Lazer, a defesa pessoal. Infelizmente muitas vezes o senso comum imagina que aos lutadores são apenas brutamontes que sabem brigar. Pelo contrário, em nossas visitas às residências de todos os sujeitos da pesquisa, fomos muito bem recebidos e de maneira muito educada e receptiva. Alguns desses atletas nos relataram seu desejo ou mesmo possuir projeto social com o intuito de poder ajudar mais pessoas através das artes marciais. 19

O tema em destaque em nossa pesquisa é um tema novo e carece de pesquisas e estudos. Esperamos que este estudo seja apenas um precursor de diversos estudos na área do fenômeno esportivo e que estejam relacionados ao MMA ( Mixed Martial Arts ), esporte que indubitavelmente é o que mais cresce mundialmente.

THE REPERCUSSION OF THE MIXED MARTIAL ARTS ABOUT THE SOCIOECONOMIC REPRESENTATION OF THE LFC ( LENOX FIGHT COMPETITION) FIGHTERS OF THE ICOARACI DISTRICT.

Abstract This report presents the research that we search to understand the socioeconomic repercussion of the MMA in the life of the fighters of an Icoaraci district’s event. Accordingly, we have developed a field research, qualitive approach, focus dialectal historical materialism in an professional and official event. We have obtained collaboration of ten MMA fighters who won some editions of LFC (Lenox Fight Competition) by means of semi-structured interviews. Was identified many difficulties passed by these professionals athletes that help strengthen the MMA in Icoaraci. As from our research we can see how the lower society echelon deals with MMA sport phenomenon, and how it reaches smaller event’s fighters as an activity of considerable risk and almost no pay. The athlete’s dream is often founded on the capitalism culture. Keywords: Socioeconomic Impact. Sport. Phenomenon. Fighters. Dreams.

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