4 2º semestre 2005

Memória Visual: Aparecida

Parlamentares Japoneses

Leis & Letras:

Paulo Setúbal

Deputados Classistas

Divisão de Organização do Arquivo Acervo Histórico da da Assembléia Provincial Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo Índice

Mesa Diretora Apresentação...... 1 Presidente: Dep. Rodrigo Garcia ...... 2 1º Secretário: Jânio Quadros...... 12 Dep. Fausto Figueira 2º Secretário: Mario Schenberg...... 23 Dep. Geraldo Vinholi Secretário-Geral Parlamentar: Deputados classistas...... 33 Marco Antonio Hatem Beneton Secretário-Geral de Administração: Justiça criminal...... 41 Benedito Dantas Chiaradia Leis & Letras: Paulo Setúbal...... 48 Departamento de Comunicação: Guilherme Wendel de Magalhães Cândido Motta e os menores...... 62 Divisão de Imprensa: Marta Rangel Papéis Avulsos: Arquivo da Assembléia Serviço Técnico de Editoração e Produção Gráfica: Provincial...... 73 Maria do Carmo Damim Borges Parlamentares japoneses...... 87 Departamento de Documentação e Informação: Ligia Maria Tonioli Mazziotti Registro & Datas...... 98 Divisão de Acervo Histórico: Álvaro Weisheimer Carneiro, Celso Martins Memória Visual: Aparecida Fontana, Dainis Karepovs, Eunice Batalha de Oliveira Santos, Marcos Couto Gonçalves, Olívia Gurjão, Priscila Pandolfi, Roseli Bittar Guglielmelli, Solange Regina de Castro Bulcão, quarto número de Acervo histórico traz a traje- Suely Campos de Azambuja e Suzete de Freitas tória dos políticos paulistas Adhemar de Barros e Barbosa. Jânio Quadros na Assembléia; os primeiros depu- tados de origem japonesa no Brasil; a política do petróleoO do físico e parlamentar Mário Schenberg; a justiça cri- minal em São Paulo de 1937 a 1950; a atuação do deputado Editor: Cândido Motta pela institucionalização da infância, no limiar Dainis Karepovs do século XX, e a eleição dos deputados classistas na Assem- Editora Executiva: bléia Nacional Constituinte de 1933-1934. O perfil do escritor Olívia Gurjão e deputado Paulo Setúbal é abordado em “Leis e Letras”; em Editor Assistente: “Papéis Avulsos” é esmiuçada a organização do arquivo da Álvaro Weisheimer Carneiro Assembléia Provincial e o encarte “Memória Visual” traz a for- Projeto Gráfico: mação do município de Aparecida. Lígia Gonçalves Diagramação e Capa: Enviada aos arquivos e bibliotecas públicas municipais do Jair Pires de Borba Junior Estado, às bibliotecas universitárias de História e Ciências Ilustração da Capa: Sociais e demais instituições congêneres do País, além do Baseada no original de Thomas Ender – Residência Real em S. Paulo (detalhe) – 1818. público interessado, a revista tem incentivado e divulgado es- tudos com temas provenientes da documentação da Divisão Acervo histórico é uma publicação semes- de Acervo Histórico e despertado o interesse de vários acadê- tral da Divisão de Acervo Histórico da As- sembléia Legislativa de São Paulo. micos e estudiosos do País. Os artigos assinados refletem unicamente as opiniões de seus autores. Acervo histórico cumpre, desta forma, com a expectativa Av. Pedro Álvares Cabral, 201 expressa em seu primeiro número, de ser “um espaço de dis- Ibirapuera – São Paulo – SP - 04097-900 cussão e reflexão sobre a história desse objeto, o Poder Le- Telefones: (11) 3886-6308 / 3886-6530 / 3884- gislativo”. Esperamos continuar contando com o seu apoio. 0783 - Tel./Fax: (11) 3886-6309 e-mail: [email protected] Tiragem: 2.000 exemplares DIVISÃO DE ACERVO HISTÓRICO Acervo histórico Adhemar de Barros no Parlamento Paulista

Marli Guimarães Hayashi*

Recém-chegado da Argentina, onde esteve quatro meses, as respectivas Constituições para, exilado por sua participação no movimento cons- logo depois, se transformarem em Assembléias titucionalista de 1932, Adhemar de Barros fora ordinárias. convidado pelo general Ataliba Leonel para can- didatar-se a deputado estadual na Constituinte de Desconhecido e novato na política, Adhemar de 1934. A proposta foi feita por intermédio de seu Barros não teve uma atuação de grande destaque tio, José Augusto de Resende, chefe do Partido no Legislativo paulista, entretanto, alguns jornais da Republicano Paulista (PRP) na seção de Botuca- época afirmavam que sua presença naquela Casa tu. A resposta de Adhemar foi dada três meses era uma constante ameaça à habitual calmaria: depois, com a condição de que, após a eleição, deixaria o cargo para continuar exercendo a pro- “Trazendo o recinto numa verdadeira ‘roda- fissão de médico1. No dia 14 de outubro de 1934, viva’, anavalhando sem dó nem piedade Adhemar de Barros foi, dentre os sessenta elei- erros e falhas dos detentores do poder, tos, o 17º deputado mais votado. Coube às As- lancetando os abscessos políticos que os sembléias Constituintes dos Estados eleger os homens do governo cultivam no organismo governadores, os representantes dos Estados no combalido da administração pública, o Sr. Senado Federal e elaborar, num prazo máximo de Adhemar de Barros, lançando o terror por toda a parte, só se salva [...] pelas imunida- des que a deputação lhe outorga. Não fosse isso, e esse brioso paulista, médico, aviador e gentleman, seria considerado, pelo nosso Intelligence Service, como um perigo social de atividades permanentes.”2

Coleção Dainis Karepovs Nascido em no dia 22 de abril de 1901, Adhemar Pereira de Barros era filho de Antônio Emídio de Barros e de Elisa Pereira de Barros. Formou-se na Faculdade Nacional de Medicina do Rio de Janeiro em 1923 e, no ano seguinte, começou a residência médica na Faculdade de Medicina da Universidade de Berlim. Na Europa também fez cursos de pilotagem, recebendo o brevet de piloto civil. De volta ao Brasil em 1927, casou-se com Leonor Mendes de Barros, com quem teve quatro filhos.

Na condição de ex-participante do movimento de 1932, Adhemar aproveitou a tribuna para prestar homenagens aos aviadores José Ângelo Gomes Ribeiro, Mário Machado Bittencourt e Artur da Mota Lima Filho. O deputado participou da cria- Adhemar de Barros caricaturado por Belmonte em 1941. ção do projeto de lei nº 34, que autorizava o Poder

* Doutora em História pela Universidade de São Paulo ([email protected]). 

Executivo a colocar, na praia do Guarujá, uma pla- 1930 se apossara das instituições democráticas, ca de bronze comemorativa. Ribeiro e Bittencourt destruindo a Constituição sob o pretexto de que ali morreram no dia 22 de setembro de 1932, e estava sendo desvirtuada. Segundo Adhemar de Lima, após retornar do exílio3. Barros, esse golpe visava “exclusivamente a con- servação do poder, objetivo único que tem anima- Em setembro de 1937, dois outros constituciona- do, até agora, o Sr. Getúlio Vargas, na sua calami- listas foram homenageados: o promotor público tosa trajetória pelas regiões governamentais”5. de São Manuel, Orlando Sá Cardoso de Oliveira, falecido em São Paulo no dia 29 daquele mês, e Na avaliação de Adhemar, São Paulo fora uma o major Adherbal de Oliveira, falecido no dia 15. das maiores vítimas da ditadura e a revolução de Dois anos antes, Adhemar de Barros protestou 32 não queria apenas conquistar a Carta Consti- contra atos abusivos do governo em relação ao tucional, mas também “libertar o Brasil da ação major, que teria tido sua casa invadida por inves- dissolvente e nefasta do Sr. Getúlio Vargas, por- tigadores e um delegado, sendo interrogado com que bem sabíamos que, fossem quais fossem as sua família por mais de uma hora. A violência do leis, não poderíamos sair do regime degradante ato causou revolta ao deputado porque o major em que nos encontrávamos, enquanto estivesse era cego, levando-o a fazer pesadas críticas ao à frente dos nossos destinos o homem que, por presidente Getúlio Vargas e ao governador do Es- sua insensatez, incompetência e impatriotismo, tado, Armando de Salles Oliveira4. arrastara a nação ao descrédito e a anarquia”6.

Em 1933 Adhemar retornou do exílio por sua par- A busca da autonomia de São Paulo não foi o ticipação na revolução constitucionalista de 1932. único objetivo da revolução de 1932. O movimen- Armando de Salles Oliveira, naquele mesmo ano, to, prosseguiu o Deputado Adhemar de Barros, foi nomeado, pelo presidente Vargas, interventor também procurou libertar o Brasil de uma política em São Paulo. Em julho de 1935, elegeu-se go- pautada pela desorientação, insinceridade e mau vernador do Estado. As críticas do deputado per- uso do dinheiro público. Nesse sentido, fez uma repista a Vargas e a Salles Oliveira não ficaram série de acusações contra a administração de Ar- restritas ao episódio do major Adherbal de Olivei- mando de Salles Oliveira. Dentre outras denún- ra. Ele declarou que a revolução de outubro de cias, afirmou que Salles Oliveira estava utilizando Arquivo do Estado. Coleção Adhemar de Barros Arquivo do Estado. Coleção

O Deputado Adhemar de Barros posa ao lado do carro oficial da Assembléia. Acervo histórico DAH-ALESP

O governador Adhemar de Barros discursa na sessão solene de posse da Mesa da Assembléia, em 14 de Março de 1964. a estrutura governamental para sua campanha à O jornal paulista afirmou que esse grupo estava Presidência, acusou-o de criar cargos bem remu- “tangenciando, chicaneando, tergiversando e, nerados para beneficiar amigos e correligionários por isso, parece que não quer dar ao governo os e de fazer obras “desnecessárias, improdutivas e meios excepcionais que a maioria pretende ofe- voluptuárias”, o que estaria causando uma orgia recer-lhe”. Para o deputado, a proibição era de financeira no estado7. interesse comercial, pois na capital federal, onde a censura era forte, a polícia autorizou a publi- Na sua avaliação, o governo de Armando de Sal- cação. E também lembrou que o jornal O Estado les Oliveira procurava demonstrar sua solidarie- de S. Paulo pertencia à família do Governador dade a Vargas, perseguindo perrepistas, mesmo Salles Oliveira8. estes o tendo apoiado para a interventoria. A cen- sura sobre o Correio Paulistano, órgão do PRP, Outro episódio envolvendo a imprensa mereceu era um exemplo. O jornal foi proibido de repro- um discurso do deputado Adhemar de Barros na duzir um artigo do Diário de Notícias, do Rio de tribuna. Na tarde de 25 de outubro de 1930, um Janeiro, que fazia críticas à posição de O Estado grupo de populares atacou, depredou e incendiou de S. Paulo a respeito da minoria da Câmara. as dependências do jornal A Gazeta, destruindo  o local e o maquinário. As polícias civil e militar rico Caiuby, do P.C., qualificou as denúncias de do Estado estariam a poucos metros da sede do “apaixonante questiúncula, tão do agrado de cer- jornal e nada fizeram para impedir a depredação. tos paladares” e procedeu à leitura da defesa do Houve um processo e o Estado foi condenado a prefeito. Baseado em artigos publicados na Folha pagar uma indenização para o periódico. Adhemar de Porto Feliz e em ofícios da Câmara Municipal, chamou de “heresia jurídica” a postura do procu- Adhemar retomou o caso com novos documentos rador-geral do Estado, que teria elogiado a ação comprobatórios e questionando a defesa feita por popular, pois, em sua opinião, o jornal de Cásper Caiuby10. Líbero fizera jus à revolta, uma vez que defendia o governo deposto9. Em outra correspondência encaminhada a Adhe- mar de Barros, cidadãos e políticos relataram as Irregularidades Administrativas arbitrariedades do prefeito do município de Sape- zal. Na opinião do deputado do PRP, as irregu- Adhemar de Barros fez uma série de denúncias laridades ocorriam em cidades onde imperava a de irregularidades administrativas ocorridas em supremacia do partido situacionista, ou seja, do São Paulo e em outros municípios do interior. Partido Constitucionalista. Isso porque, de acor- Num discurso feito na 120ª Sessão Ordinária, em do com as denúncias, os vereadores eleitos pela 2 de dezembro de 1935, ele acusou a Prefeitura legenda “União Dr. Armando de Salles Oliveira, paulistana de contratar novos funcionários com pró-Conceição de Monte Alegre” teriam arbitraria- salários maiores do que aqueles que estavam na mente mudado a sede do município de Sapezal mesma função há mais de vinte anos e que foram para o distrito de Conceição de Monte Alegre, re- afastados. O deputado do Partido Constituciona- alizando as sessões, em discordância à Lei Orgâ- lista (P.C.) e assessor da Prefeitura, Paulo Duarte, nica dos Municípios, que ordenava a realização rebateu a acusação, alegando que os funcioná- de sessões nas sedes dos municípios, em cujo rios afastados exerciam a função de fiscais e não prédio da Câmara Municipal foram todos os ve- foram substituídos por gente contratada, mas por readores empossados. Como se não bastasse, funcionários efetivos, comissionados com uma acrescentou Adhemar, o prefeito não comparecia gratificação; e os que já exerciam a função con- ao gabinete havia sessenta dias; toda arrecada- tinuariam ganhando o mesmo salário. A substitui- ção de Sapezal era empregada em Conceição de ção era uma medida moralizadora da Prefeitura Monte Alegre e os avisos e recibos de impostos e, se havia por parte dos fiscais reclamações por tinham o timbre da “Câmara Municipal de Concei- não poder viver do salário, era porque a nova si- ção de Monte Alegre”. Ao finalizar as denúncias tuação os impedia de receber suborno. O curioso na tribuna, o deputado pediu a abertura de uma desse episódio foi a aprovação recebida por Pau- sindicância por parte da Assembléia11. lo Duarte de muitos membros do PRP, inclusive de seu líder, Cyrillo Júnior. Ele também participou da elaboração de um pro- jeto que negava empréstimos a prefeituras do in- Vereadores de cidades do interior endereçavam terior. O projeto foi apresentado em dezembro de cartas a Adhemar para que ele divulgasse, na 1936 e anulava a lei nº 17, de 24 de outubro de Assembléia, as irregularidades cometidas pelos 1936, da Câmara Municipal de São Bernardo do prefeitos. Uma dessas cartas foi enviada por vere- Campo, que autorizava o prefeito a contrair um adores de Porto Feliz, revelando as atitudes des- empréstimo para o serviço de águas do municí- póticas do Prefeito Eugênio Euclides Pereira da pio. O motivo do projeto foi a decisão do prefeito Mota. Ele era acusado de criar o cargo de diretor de São Bernardo de pleitear empréstimos junto à da Secretaria da Câmara e de contratar um ad- iniciativa privada para os serviços de água e es- vogado, ambos com um salário acima da média; goto da cidade. A busca desses recursos ocorreu de demitir um antigo funcionário do Matadouro meses depois de o Governo do Estado conceder Municipal indevidamente; de não destinar 10% da financiamento com taxas mais acessíveis. Indig- renda do município para a área da educação; de nado com a administração de um prefeito com gastar além do previsto no Orçamento, sem que “tradição a munificência do desperdício com di- obras de melhorias fossem feitas; de não repas- nheiros públicos”, Adhemar pediu que a Assem- sar as verbas da Santa Casa e de proibir que os bléia debatesse e aprovasse o projeto12. habitantes de Porto Feliz se mobilizassem para arrumar as ruas da cidade que se encontravam Certa ocasião, o deputado Amaral Mello, do P.C., em péssimo estado de conservação. O deputado denunciou na tribuna que o agente da estação de do PRP mostrou-se indignado com a situação, so- Araçatuba, João Sigolo, eleito vereador na Câ- bretudo depois que seu colega, o Deputado Ala- mara Municipal, teria sido afastado do cargo pela Acervo histórico direção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, a entrega do D.N.C. a São Paulo é um verdadei- por motivos políticos. Adhemar de Barros retru- ro presente de gregos. Não nos iludamos! O Sr. cou, alegando que o afastamento ocorreu devido Getulio Vargas não daria nada a São Paulo, sem a uma decisão tomada pelo Ministro da Viação, segunda intenção. Esperemos para ver, desta vez, no ofício nº 1.682, de 5 de maio de 1937, que or- a provação que nos será destinada.”15 denava que o funcionário eleito para cargos legis- lativos deveria ficar licenciado do cargo durante o A entrega da presidência do D.N.C. a um paulista tempo que exercesse seu mandato. Acrescentou, ocorrera, de acordo com o deputado perrepista, ainda, que Sigolo continuava a receber o seu sa- devido à desistência da candidatura de Armando lário. Amaral Mello reafirmou que foi uma decisão de Salles Oliveira à Presidência da República e política, porque outros funcionários não sofreram aprovação, pela bancada do P.C. na campanha fe- a mesma suspensão. Adhemar de Barros discor- deral, de uma emenda à reforma da Constituição, dou, acrescentando que o presidente da compa- permitindo a reeleição de Getúlio. O jornal O Esta- nhia, major Marinho Lutz, fazia uma administração do de S.Paulo considerava o discurso de Adhemar séria e honesta. A discussão se prolongou sem confuso, porque ao mesmo tempo em que defen- que o deputado Amaral Mello se convencesse de dia a liberdade de comércio para o café, sugeria que a decisão não teria sido política13. modificações ao D.N.C.. Ele se justificou dizendo que, devido à dificuldade de extinção imediata do Política Cafeeira órgão, sugeria algumas idéias para melhorá-lo.

O café foi tema de vários discursos de Adhemar Ainda como deputado, apresentou dois projetos de de Barros durante o mandato. Na primeira vez lei sobre o café. Em um deles isentava o pagamen- que abordou o assunto, reclamou que o Estado to do imposto de vendas mercantis para os cafés havia pago uma indenização ao coronel Eugênio de produção paulista que tivessem pago a taxa de Pacheco Artigas. A ação, movida pelo coronel, vi- emergência. Considerava que tal projeto evitaria sava à restituição de cerca de quarenta contos de uma bitributação, uma vez que, além de outras ta- réis, equivalentes à taxa de três shillings, cobrada xas, os cafés que chegavam ao porto de Santos no período de 1º de junho de 1930 a 30 de ju- tinham de pagar a taxa de emergência no valor nho de 1931, sobre os cafés que não gozaram do de 5$000 por saca. O projeto substituía o imposto financiamento previsto na lei nº 2.422, de 10 de pelo de vendas e consignações mercantis. No ou- maio de 1930. A questão apontada pelo deputa- tro, a proposta era a extinção do Instituto do Café do era que outras empresas haviam entrado com do Estado de São Paulo. O patrimônio do Instituto o mesmo tipo de ação na Justiça e ainda não ti- seria liquidado pelo Banco do Estado e haveria a nham recebido nada. Acusava o Estado de haver criação, na Secretaria da Agricultura, das seções pago ao coronel Artigas devido à posição social de Serviço Técnico do Café e de Regulamentação por ele ocupada e considerava que o caso, além de Embarque. Os funcionários dessas seções se- de ser uma proteção escandalosa, desmoralizava riam os funcionários do Instituto do Café. o governo de São Paulo14. Adhemar leu para a Assembléia o discurso feito O deputado do PRP sempre fez críticas à inter- pelo coronel Amando Simões, durante o III Con- ferência do Estado na política cafeeira. Defendia gresso de Lavradores do Estado de São Paulo, a liberdade para o comércio do café, consideran- ocorrido em Bauru, em fevereiro de 1937. Simões do que as ações governamentais prejudicavam o foi diretor do Instituto do Café durante a interven- café brasileiro no exterior. Criticava a destruição toria do general Waldomiro Castilho de Lima e li- de parte do café e afirmava que o seu consumo derava uma comissão para obter, junto ao governo no mundo aumentava. A diminuição das vendas de São Paulo, medidas de interesse dos cafeicul- da produção brasileira ocorria porque existiam os tores. E, nesse discurso, Lima reafirmava os pedi- Departamentos e os Institutos. Ele defendeu a ex- dos ao governo, deixando claro que não estavam tinção do Instituto do Café e do Departamento Na- solicitando um favor, mas reivindicando direitos. cional do Café (D.N.C.) porque a maioria das pes- soas que trabalhavam com o produto no porto de A criação da Faculdade de Medicina Veteriná- Santos sentia-se prejudicada por esses órgãos. As ria foi tema de um discurso de Adhemar de Bar- atribuições dessas estatais deveriam ficar a car- ros na 143a Sessão Extraordinária Noturna, em go da Secretaria da Agricultura e do Ministério da 22 de dezembro de 1936. Criticou o decreto que Agricultura, respectivamente. Em 1936, o D.N.C. extinguiu a Escola de Medicina Veterinária e, ao passou a ser presidido pelo paulista Piza Sobrinho mesmo tempo, criou a Faculdade. O argumento e Adhemar declarou: “A meu ver, srs. deputados, de que a Escola era ineficiente foi duramente ata-  DAH-ALESP

Manuscrito do PL 290, de 1935, de iniciativa do deputado Adhemar de Barros, que propunha isenção do imposto de vendas mercantis aos cafeicultores paulistas e foi rejeitado. Acervo histórico cado por ele. Mostrou que o passado da Escola e o governo. Não tenho dados de como ou por era brilhante, tendo vários ex-alunos aprovados que razão as cartas foram enviadas ao deputado. em concurso público e, comparando o programa Embora em nenhum momento ele tenha se po- dos dois estabelecimentos de ensino, concluiu sicionado sobre a questão dos presos políticos, que eram idênticos. Revelou que, para a direção sustento a hipótese de que, para Adhemar, esse da Faculdade, foi nomeado Altino Antunes, diretor fato poderia trazer-lhe dividendos, uma vez que da Escola. E, embora ocupasse importante cargo, ele ainda era um modesto deputado do PRP. Antunes não tinha cadeira na Faculdade, regendo aulas de parasitologia, já que a sua, de anatomia Os presos políticos eram membros da Aliança patológica, só funcionaria a partir de 1937. O di- Nacional Libertadora (ANL), fundada no Rio de retor, segundo Adhemar, não era o único. A maio- Janeiro em março de 1935, e que defendia cin- ria dos professores, egressos da Escola, também co propostas básicas: o cancelamento da dívi- dava aulas de assuntos diferentes de sua especia- da externa; a nacionalização das empresas es- lidade. Citou alguns nomes: Milton Piza, professor trangeiras; a plenitude das liberdades pessoais; de zootecnia, lecionava química orgânica e biolo- o direito a um governo popular e a cessão das gia; João Vieira de Camargo, professor de fisio- terras feudais ao campesinato, mas proteção da logia, lecionava anatomia descritiva dos animais. pequena ou média propriedade. O movimento era Outro problema levantado pelo deputado era que constituído por setores predominantemente urba- muitos professores concursados da Escola não nos, embora atraísse setores menos influentes da foram aproveitados na Faculdade. Contudo, nela população em regiões não-urbanas. se encontravam professores que não eram con- cursados. Em situação irregular, também estavam Em São Paulo, o diretório da ANL foi instalado no os professores catedráticos que lecionavam na começo de abril de 1935 e era controlado por inte- Escola e haviam se transferido para a Faculdade, lectuais, embora os membros refletissem a voca- mas que tinham o direito de receber pelas duas ção industrial da capital e do Estado. A ANL pau- instituições, embora a Escola tivesse sido extinta. lista punha ênfase na atividade trabalhista, com exclusão quase completa de qualquer outra ativi- Durante a 38ª Sessão Ordinária, em 24 de agosto dade. Outra importante organização era a Frente de 1937, Adhemar utilizou a tribuna da Assem- Única Antifascista de São Paulo, que incluía co- bléia para fazer propaganda política do candidato munistas, anarcossindicalistas e representantes à presidência José Américo de Almeida, que era do pequeno Partido Socialista Brasileiro de São apoiado pelo PRP. Ele leu o discurso de José Paulo. A influência da Frente era mínima, devido Américo feito no Teatro João Caetano, no Rio de à pressão policial e à força da Ação Integralista Janeiro. A leitura ocorreu porque seu pedido para Brasileira, que crescia continuamente no Estado. inseri-lo nos Anais ainda não havia sido aprova- Em São Paulo, o presidente da ANL era o general do pela comissão nomeada. Segundo o deputado Miguel Costa e o vice, Caio Prado Júnior. Em ju- perrepista, essa manobra visava impedir que o lho de 1935 o movimento entrou na ilegalidade17. discurso fosse registrado nos Anais da Assem- bléia Legislativa. Essa menção era importante Numa das primeiras cartas enviadas ao deputa- para que “os nossos pósteros possam aquilatar do, no dia 18 de dezembro de 1935, os presos da sensatez, da dignidade e da sinceridade com teriam denunciado que estavam incomunicáveis que esses homens procuram o apoio da Nação”. e que não podiam receber objetos vindos das pró- O Deputado Edgar França, do P.C., protestou con- prias famílias, só sendo permitida a compra de tra a inserção da fala de José Américo nos Anais, cigarros. Até mesmo os livros estavam sendo reti- alegando que o deputado do PRP teria burlado as dos. Haviam também proibida a compra de frutas. disposições regimentares para esse fim16. Lembraram que nem mesmo os presos comuns eram submetidos a tal condição. Por isso, entra- Presos Políticos ram em greve de fome e pediam que a situação fosse resolvida de acordo com a Constituição. No ano de 1936, durante seu mandato na As- sembléia Legislativa, ele recebeu cartas escritas Adhemar leu, também, um pedido de habeas-cor- por Caio Prado Júnior, nas quais os presos do pus feito pelos presos. Nesse abaixo-assinado Presídio Paraíso revelavam a situação em que constavam os seguintes nomes: Danton Vampré, se encontravam, e pediam ajuda para que esta Dr. J. Melo, Rosa Tele, Manuel A. Garcia Senra, fosse resolvida o mais rápido possível. Na ver- Tales da Silva, Fidêncio Melo Filho, Henrique dade, Adhemar de Barros foi, como ele mesmo Abreu Fialho, Geraldo A. Sopretti, Dr. José Ma- admitiu, mero porta-voz entre os presos políticos ria Gomes, Orozimbo Teixeira de Andrade, Dr. 

Quirino Pucca, Ariosto Pereira Guimarães, Jai- vereiro de 1937, Caio Prado Júnior teria dito que me Brasil Simões, Dr. Jerônimo de Cunto Júnior, chegara a hora dos acusados se defenderem, Otávio Ramos, Edmundo Scalla, Cel. Cristóvão pois o antigo pretexto de “comunismo” não mais Silva, Cel. Maurício Goulart, Dr. Waldemar Belfort valia, já que provas suficientes não haviam sido de Matos, Hilário Correia, General Miguel Costa, encontradas. O governo de São Paulo, por outro Luiz de Queiroz Damy, Probo Falcão Lopes, Caio lado, não mandara os inquéritos para o Rio, por- Prado Júnior, Clóvis de Gusmão, Hercílio de Sou- que temia expor ao ridículo a polícia do Estado. za Ribeiro Dantas, Dr. Osório Taumaturgo César, Everardo Dias, Tenente José Alves de Brito Bran- Adhemar leu a petição enviada pelos presos co, E. Agostinho Filho, C. Angerami, Edgard Leu- ao Ministro de Estado dos Negócios da Justiça, enroth e Luís Neves18. Agammenon de Magalhães, na qual era relata- do que os quinhentos presos políticos já haviam Ainda neste ano, o deputado perrepista fez um cumprido quinze meses de prisão nos presídios apelo ao Governador para que tomasse as pro- de “Maria Zélia” (Belenzinho), do Paraíso e En- vidências a fim de conceder a liberdade aos pre- fermaria-Presídio do Hospital Militar da Força Pú- sos políticos. Mencionou uma indicação aprova- blica, sem formação de culpa. Relatava, também, da na Câmara Federal, que pedia aos governos que diversos trabalhadores rurais, estudantes para providenciarem a apuração dos casos dos do interior, anciãos, analfabetos, médicos, advo- presos políticos. gados, bancários e jornalistas foram presos por pertencerem à ANL durante sua existência legal. No início de 1937, retomou o assunto dos presos Relatou ainda a fragilidade de algumas provas e políticos e aproveitou para criticar, mais uma vez, mostrou que até alguns órgãos da imprensa, in- Armando de Salles Oliveira, por não ter atendido clusive O Estado de S. Paulo, jornal tido como leal seu apelo neste caso. E passou a elogiar o então ao governo, salientara, em seus editoriais, ”a sin- governador, Cardoso de Mello Neto: gularidade e a injustiça de semelhante estado de coisas”. Anexou um exemplar do mesmo jornal, “Que diferença notável entre o ex e o atual de 24 de fevereiro de 1936, onde ficava explícito Governador do Estado; aquele, surdo aos que muitos inocentes estavam presos19. clamores e anseios do povo de Piratinin- ga; este, uma esperança para esse povo! O gosto pela Política As coisas mudaram e eu penso, abstrain- do-me momentaneamente de minhas cores Em fins de 1935 ocorreram duas mortes no Insti- político-partidárias, que São Paulo ganhou, tuto Butantã. Uma foi a do cientista José Lemos saiu lucrando com a troca. A S. Exa., o Sr. Monteiro, no dia 6 de novembro, e outra, pou- Governador do Estado, o honrado Dr. Car- cos dias antes, em 31 de outubro, de seu auxiliar doso de Mello Neto, dirijo, neste momento, técnico, Edison Dias. Ambos foram contamina- estas singelas, mas sinceras palavras. S. dos durante a execução de uma das fases da Exa. me perdoará certamente o estilo, mas preparação de uma vacina contra o tifo exante- nunca fui político e da política nada pre- mático ou febre maculosa. O acidente teria como tendo. Sr. Presidente, digam o que de mim causa a falta de um triturador protegido ou de um disserem, mas aqui entrou um paulista, pro- aparelho especial fabricado por uma empresa fundamente idealista e sincero.” estrangeira – a Precision Instrument Company. Devido à falta de instrumentos adequados, a Adhemar de Barros apelou a Cardoso de Mello preparação estava sendo feita em um recipiente Neto, afirmando que nos estados do Norte os go- de porcelana. vernadores haviam apressado o julgamento dos presos políticos e, no Rio Grande do Norte, já se Na Assembléia Legislativa, Adhemar de Barros contava com mais de mil indiciados. Endossou fez pesadas críticas ao diretor do Instituto Butan- seu pedido a Cardoso de Mello Neto por vê-lo tã, o médico Afrânio do Amaral, acusando-o de como “um notável jurista e um jurisconsulto emi- negligente porque Lemos Monteiro teria solicitado nente, professor da nossa tradicional Faculdade o triturador há algum tempo e não fora atendido. de Direito”. Encontrou resistência na fala do depu- Por isso, recaiu sobre Amaral a responsabilidade tado Edgar França, do P.C., o qual insistia no fato pelas mortes do cientista e de seu auxiliar. A res- de que não cabia ao Governador apressar o julga- peito do episódio há duas versões: uma da As- mento dos presos. Esta era a tarefa de um juiz. sembléia, onde um inquérito para apurar o caso foi aberto, e outra do diretor acusado. Não cabe Na carta endereçada a Adhemar, no dia 15 de fe- aqui analisá-lo, apenas mostrar como se deu a Acervo histórico atuação do deputado do PRP20.

Da tribuna, Adhemar fez várias denúncias contra DAH-ALESP Afrânio do Amaral, dentre as quais, de ter desvia- do material do Butantã para os Estados Unidos de forma ilegal; de se apropriar indevidamente de trabalhos científicos sobre o método curativo da picada de cobra, o tratamento de úlceras atôni- cas e fagedênicas e sobre o processo de extra- ção de veneno das serpentes; de ter preparado uma antitoxina tetânica com poder mais baixo do que o indicado no rótulo; e de que sua função de “lecturer in ophilology” na Universidade de Har- vard era, nas palavras do deputado, “uma função gratuita, aberta a qualquer especialista”. O diretor do Instituto Butantã defendeu-se das acusações e, com relação à última, informou que sua nomea- ção constava do catálogo oficial da Escola de Hi- giene da Universidade de Harvard, como membro integrante do Departamento de Medicina Tropical, juntamente com o professor Carlos Chagas.

No processo contra o diretor do Instituto Butantã foram formalizados quarenta itens de acusação, sendo sete aceitos pelo procurador do Estado, Vicente de Azevedo, e outros sete itens declara- dos “provados em parte ou não esclarecidos”. No parecer do inquérito, Afrânio do Amaral foi acu- O caso do Butantã deu notoriedade ao deputado sado de injúria e calúnia, apropriação indébita, Adhemar de Barros. prepotência e abuso de autoridade, peculato e negligência funcional. Contudo, é importante res- saltar que Amaral esteve afastado do cargo da divergências foram utilizadas politicamente. No direção do Butantã de 1º de novembro de 1934 caso do deputado perrepista, havia suspeitas de a 12 de abril e de 23 de agosto a 22 de novem- que seus discursos eram preparados por altos bro de 1935, por estar representando o governo funcionários do Butantã e por médicos. de São Paulo no XII Congresso Internacional de Zoologia, realizado em Portugal, e no X Con- Considero que o episódio contribuiu para que gresso de História da Medicina, na Espanha. No Adhemar de Barros, então desconhecido, obti- Congresso Zoológico foi eleito para o cargo de vesse projeção política. E, certamente, esse ob- vice-presidente da Comissão Executiva e para jetivo foi conseguido em sua estréia no Legislati- membro da Comissão Internacional Permanente vo paulista. Com o advento do Estado Novo, em de Nomenclatura Zoológica. 10 de novembro de 1937, quando o Senado, a Câmara e as Assembléias foram fechados e os Durante o processo, Amaral deixou a direção do partidos extintos, Adhemar ganhou sobrevida po- órgão, mas, ao final, foi reconduzido ao posto. lítica. Mesmo fazendo na tribuna discursos pouco Isso deixou o Deputado Adhemar de Barros mui- elogiosos ao presidente Getúlio Vargas, em abril to insatisfeito, taxando a decisão de humilhante e de 1938, ele foi nomeado interventor em São vergonhosa e o desfecho do caso de “romance de Paulo. Sua bem-sucedida estada na Assembléia cordel, que transforma um vilão em herói por um Legislativa do Estado de São Paulo o impediu processo inédito, que rejeita provas, para se as- de cumprir a promessa feita ao tio José Augusto sentar em não sabemos que princípio de justiça... de Resende, de que iria se retirar do cargo três ou de amizade”21. Adhemar não foi o único depu- meses depois de eleito. Ao final desse prazo, o tado a envolver-se ou a fazer denúncias sobre a tio indagou-lhe sobre o afastamento e Adhemar situação do Instituto Butantã. A não comprovação respondeu que havia tomado gosto pela “dana- da maioria das acusações contra Afrânio do Ama- da”, dela não se afastando mais. Danada, para o ral indicava que o caso foi gerado por divergên- deputado, era a política. cias entre o diretor e seus desafetos e que essas 11

NOTAS

1 LARANJEIRA, Carlos. Histórias de Adhemar. 13 Anais da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, Edição do autor, 1988, p. 17. São Paulo. 66ª Sessão Ordinária, em 28 de se- tembro de 1937. 2 A Gazeta. São Paulo, 13 de setembro de 1935 apud BARROS, Frederico Ozanan Pessoa de. 14 Anais da Assembléia Legislativa do Estado de Adhemar de Barros na Assembléia Constituinte São Paulo - Vol. I, p. 835-840, 12 de setembro de e na Assembléia Legislativa do Estado de São 1935 e vol. II, p. 13-23, 23 de setembro de 1935 Paulo (1935-1937). São Paulo, Companhia Edi- apud BARROS, Frederico P.. Op. cit., p. 34-52. tora Nacional, 1986, p. XII. 15 Anais da Assembléia Legislativa do Estado de 3 Anais da Assembléia Constituinte do Estado de São Paulo - Vol. III, p. 2275-2292, 10 de novem- São Paulo. 6ª Sessão Ordinária, em 17 de abril bro de 1936 apud BARROS, Frederico P.. Op. de 1935 e 74ª Sessão Ordinária em 7 de outubro cit., p. 110-131. de 1935. 16 Anais da Assembléia Legislativa do Estado 4 Anais da Assembléia Legislativa do Estado de de São Paulo. 38a Sessão Ordinária, em 24 de São Paulo. 55ª Sessão Ordinária, em 15 de se- agosto de 1937. tembro de 1937 e 68ª S. Ordinária em 30 de se- tembro de 1937. 17 LEVINE, Robert. O Regime de Vargas: os anos críticos (1934-1938). Rio de Janeiro, Nova Fron- 5 Anais da Assembléia Legislativa do Estado de teira, 1980, p. 97-127. São Paulo. 118ª Sessão Ordinária, em 29 de no- vembro de 1935. 18 Essas cartas não foram encontradas. Trabalhei apenas com os registros feitos pela Assembléia 6 Ibidem. Legislativa de São Paulo.

7 Anais da Assembléia Legislativa do Estado de 19 Anais da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo - Vol. I, p. 204-223, 7 de agosto de São Paulo. 139a Sessão Ordinária, em 18 de 1935 apud BARROS, Frederico P.. Op. cit., p. 10- dezembro de 1935; 145a Sessão Extraordinária, 34. em 23 de dezembro de 1936 e 3a Sessão Extra- ordinária, em 17 de fevereiro de 1937 8 Anais da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. 135ª Sessão Extraordinária Noturna, 20 Sobre o caso cf. HAYASHI, Marli Guimarães. A em 13 de dezembro de 1935. gênese do ademarismo (1938-1941). São Paulo, 1996. Mimeogr. (Dissertação - Faculdade de Fi- 9 Anais da Assembléia Constituinte do Estado losofia, Letras e Ciências Humanas da Universi- de São Paulo - Vol. I, p. 519-520, 1º de junho dade de São Paulo). de 1935 apud BARROS, Frederico P..Op. cit., p. 5-7. 21 Anais da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo - Vol. III, p. 2357-2379, 16 de novem- 10 Anais da Assembléia Legislativa do Estado de bro de 1936 apud BARROS, Frederico P.. Op. São Paulo. 11ª Sessão Extraordinária, em 26 de cit., p. 132-158. fevereiro de 1937 e 40ª Sessão Ordinária, em 26 de agosto de 1937.

11 Anais da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. 155ª Sessão Extraordinária, em 31 de dezembro de 1936.

12 Anais da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. 154ª Sessão Extraordinária Noturna, em 30 de dezembro de 1936. Acervo histórico Jânio Quadros na Assembléia Legislativa (1951-1952)1

Vera Chaia*

Jânio Quadros foi um político eleito para quase temas e fatos de imediato interesse da sociedade. todos os cargos do sistema político brasileiro. Exer- ceu o mandato de vereador, deputado estadual, Nesse período, Jânio voltava-se principalmente aos deputado federal, prefeito, governador e presiden- setores populares, respaldando seus interesses. te da República. Foi um político com atitudes con- Sua preocupação com os trabalhadores fez com troversas, polêmicas, pouco afeito às organizações que certos setores da esquerda ficassem atentos e partidárias e vivenciou diferentes momentos na simpatizassem com a sua atuação política. Pode- vida política brasileira, atuando de forma paradoxal se inclusive pensar em um Jânio pragmático, uma e ambígua. Seu estilo de liderança política foi mar- vez que várias de suas propostas voltavam-se no cado por algumas características singulares que o sentido de sanear os problemas sociais que atin- identificavam: autoritário, individualista, personalis- giam, sobretudo, a população carente. Associava, ta e moralista. assim, de uma forma muito particular, do discurso à prática, retomando os temas da reabilitação so- O presente artigo sintetiza o discurso e a ação polí- cial, moralização dos costumes e Estado fiscaliza- tica exercida por Jânio Quadros enquanto deputado dor e educador. Conforme J. B. Vianna de Moraes, estadual na Assembléia Legislativa de São Paulo. essa eleição demonstrou que: “Jânio passou a ser encarado inquestionavelmente como uma revela- Dos bairros periféricos da Capital ao ção política. Ele saiu de todos os padrões conven- Interior do Estado cionais. Tem-se a impressão que ele tinha neces- sidade de uma tribuna para revelar-se, não uma Na passagem da Câmara Municipal (1947-1951) tribuna jurídica, mas uma tribuna política.”2 para a Assembléia Estadual, Jânio Quadros foi compondo uma imagem política associada à mo- A atuação de Jânio como vereador foi conside- dernização e à eficiência da administração pública, rada positiva por uma parcela razoável do eleito- apresentando-se como um novo político, cuja prá- rado de São Paulo, tanto que a repercussão de tica baseava-se em critérios impessoais e na defe- seu desempenho lhe garantiu uma vaga no Le- sa da racionalização do Estado. Nascia, assim, um gislativo, pelo PDC. Nessa eleição, obteve 17.840 novo estilo, muito pessoal, de liderança política, votos, sendo o candidato mais votado para a As- baseado em um “marketing político” que envolvia sembléia Legislativa daquele período, seguido um sistema de comunicação estruturado a partir da por José Porphyrio da Paz, do PTB, com 16.122 autovalorização, das denúncias constantes de ir- votos, e Juvenal Lino de Mattos, do PSP, com regularidades administrativas e do uso sistemático 14.763 votos. Também foram eleitos, pelo PDC, da imprensa. Essa estratégia tinha grandes possi- Yukishigue Tamura, Manoel Victor de Azevedo, bilidades de sucesso, pois apoiava-se em um dis- Miguel Petrilli e Antonio Fláquer, obtendo, respec- curso sedutor para expressivas camadas da socie- tivamente, 6.220, 5.372, 4.455 e 3.798 votos. dade. Além do mais, era posta em prática por um homem que se utilizava de suas especificidades O PSP detinha 22,4% da composição da As- físicas e intelectuais e da sensibilidade em levantar sembléia Legislativa de São Paulo, no período

* Professora do Departamento de Política, pesquisadora do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (Neamp) e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP ([email protected]). 1 de 1951-1955; seguido pelo PTB com 15,8%; o tava assim constituído: o Prefeito Asdrúbal Euritys- PTN e a UDN com 13,1% cada qual; o PSD com ses da Cunha deixa o cargo, assumindo, em seu 11,8%; o PDC com 6,6% o PR com 4,0%; o PSB, lugar, Lineu Prestes, que governou o município de o PRT e o PRP com 2,6% cada um; e o PST e o 28/02/1950 a 31/01/1951. Prestes havia sido reitor PL com 1,4% de representação cada e dois depu- da Universidade de São Paulo e senador pelo PSP tados sem partido 3. e ficou conhecido como o “Prefeito dos Bairros”, devido às suas obras de pavimentação de ruas, Para se eleger com essa expressiva votação, Jâ- galerias públicas e pontilhões na periferia. nio obteve apoio de alguns bairros periféricos e de algumas categorias profissionais, que mereceram Em 1950, Lucas Nogueira Garcez, eleito pelo PSP sua atenção especial. Sua campanha estendeu- com aproximadamente 47% do total dos votos, se não apenas aos bairros, mas também ao in- assumiu o governo de São Paulo. O novo prefeito, terior do Estado de São Paulo. Além das cédulas por ele nomeado, foi Armando de Arruda Pereira elaboradas para distribuição entre os eleitores, – engenheiro e presidente do Centro das Indús- também foram confeccionados cartazes com os trias e do Rotary Internacional –, que administrou dizeres: “Jânio pede o seu voto”. a cidade de 01/02/1951 a 07/04/1953.

Em 14 de março de 1951, tomou posse na As- O PSP, além de deter os mais altos cargos públicos sembléia Legislativa. Chegou a ocupar a lideran- na política paulista, participava, na pessoa de Café ça da bancada do PDC e exerceu seu mandato Filho, da Vice-Presidência do governo de Getúlio por dezoito meses, período em que sedimentou a Vargas. Esse cargo fazia parte de um acordo es- sua liderança. tabelecido entre Getúlio e Adhemar, para que este desistisse de concorrer à Presidência no pleito de Nessa época, o quadro político em São Paulo es- 1950 e apoiasse a candidatura Vargas.

Assim, foi numa conjuntura de predomínio do PSP e de correligionários de Adhemar de Barros que Jânio Quadros atuou na Assembléia Legislativa.

ATuAção Do DEPuTADo ESTADuAL JânIo QuADroS Coleção Dainis Karepovs A preocupação de Jânio Quadros, como deputado estadual, foi a de estender sua ação política por todo o Estado de São Paulo, ampliando suas ba- ses eleitorais. Agora, suas visitas não se limitavam apenas aos bairros periféricos, percorria também os municípios do Estado. A principal bandeira de luta continuou sendo a moralização da máquina administrativa do Estado e do serviço público de modo geral.

Jânio Quadros incorporou, em seus pronuncia- mentos, novas questões além daquelas peculia- res à cidade de São Paulo. Nesse período, come- çou a realizar relatos minuciosos sobre a situação dos demais municípios do Estado, sendo que os problemas referentes ao sistema penitenciário e à segurança pública mereceram atenção especial.

Durante o seu mandato na Assembléia Legislati- va, Jânio conseguiu que quarenta dos seus pro- jetos fossem transformados em lei. Dentre estes, encontram-se a abertura de cursos noturnos para atender aos trabalhadores; ponto livre para mo- toristas de táxi, com a eliminação do monopólio Caricatura de Ítalo Cencini. de interesses particulares; construção de casas Acervo histórico populares; direitos e vantagens para operadores tecimento de certos produtos de primeira necessi- do serviço de Raios X; estabelecimento da União dade do consumidor paulista. Denunciava tanto o Paulista dos Estudantes Secundários da capital; mercado negro de produtos básicos como o sal e fluorização da água como meio de defesa bucal; o açúcar, quanto os preços exorbitantes da carne e criação da Casa do Ator, na capital, para abrigar do leite. No caso do cimento, apontava a existência velhos artistas e incapacitados para exercer a pro- de um mercado paralelo, sugerindo que o governo fissão; campanha educativa de trânsito; reestrutu- interviesse diretamente na Companhia de Cimen- ração do quadro de funcionários da Assembléia tos Portland Perus, de J. J. Abdalla, responsável Legislativa; concessão de auxílio ao III Congresso direta pelo desabastecimento desse produto. Estadual de Estudantes Universitários; concessão de transporte gratuito nas estradas de ferro aos Com relação ao leite, exigia que o Poder Executivo comissários de menores; declaração de utilidade punisse alguns produtores, chamados de ganan- pública da “Associação Antialcoólica”; regulamen- ciosos, por terem majorado o preço deste produ- tação de realização de provas de concurso para to, e restabelecesse os preços anteriores. Para ingresso no magistério secundário normal. comprovar a má conservação dos alimentos con- sumidos pela população, Jânio Quadros levou ao Jânio recuperou o tema da defesa dos direitos do plenário da Assembléia Legislativa um litro de leite consumidor e passou a cobrar enfaticamente de- podre, para que seus colegas confirmassemin loco veres do Poder Público. Pode-se supor que essa como o alimento estava deteriorado: “No leite, Sr. retomada visava despertar a consciência dos di- Presidente, encontraram-se culturas de larvas de reitos do cidadão paulista e cobrar a atuação das moscas, além de corpos estranhos de toda a espé- autoridades públicas na fiscalização do mercado cie e natureza. Aqui está para um exame a olho nu e dos produtos, e, com isso, defender os interes- [exibe um litro de leite] aquilo que a Cia. Vigor dis- ses do consumidor. tribui à população de São Paulo sob o rótulo de ali- mento. A olho nu é possível ver, no litro, impurezas Assim, desencadeou uma série de denúncias: os que autorizam duvidar da existência de qualquer preços de determinados produtos, considerados serviço que acautele a saúde da população.”4 abusivos, tais como entradas de cinemas, os brin- quedos vendidos durante o período natalino e a ca- As bebidas “água tônica” e “guaraná” foram con- simira, tecido utilizado para a confecção de ternos sideradas inadequadas ao consumo, pelo Instituto masculinos. A preocupação de Jânio não se limita- Adolfo Lutz, por conterem substâncias nocivas à va a essas questões, uma vez que atacava princi- saúde do consumidor – o álcool fosfórico e a trimeti- palmente as denúncias relacionadas ao desabas- lxantina, incorporada às fórmulas com medidas ine- DAH - ALESP DAH -

Governador Jânio Quadros entrega a Mensagem anual ao presidente da Assembléia Legislativa, deputado Ruy de Almeida Barbosa, em sessão solene de 14 de Março de 1956 . 15 xatas. Apesar do parecer contrário do Instituto, tais famílias paupérrimas, desgraçadas, inúmeras das bebidas foram liberadas. Diante desse fato, Jânio quais com crianças de colo, recém-nascidos, ou advertiu: “Cuidarei do assunto exaustivamente, no com velhos alquebrados, ou com enfermos já sem momento próprio. Pedirei, aí, a responsabilização esperanças de cura.”7 daqueles que não cumprem, à risca, e com o rigor indispensável, os diplomas legais, beneficiando, Ainda como vereador, Jânio Quadros, em uma assim, os interesses que não são os do povo.”5 das sessões da Câmara Municipal8, manifestara- se mediante uma declaração de voto contrário ao Devido a interesses econômicos das indústrias, projeto de lei que criaria uma Comissão Comemo- produtos nocivos à saúde pública continuavam rativa dos Festejos do IV Centenário da Cidade sendo liberados para o consumo. Jânio Quadros de São Paulo, por considerar um desperdício do acusava sistematicamente o Poder Público de dinheiro público. Agora como deputado, o assunto não exercer a fiscalização, julgando-o corrupto, e voltava à tona e novamente posicionava-se contra estendia suas críticas à Secretaria da Saúde e a a festa, que iria ser realizada no Parque do Ibira- todos os funcionários envolvidos com este setor, puera. O seu argumento era o seguinte: “Estado e pois eram coniventes com tais irregularidades. Município deram-se as mãos, e dinheiro do povo, tomados em empréstimo, quedam-se a serviço do Agora como deputado, Jânio continuava critican- programa. Sai, pois São Paulo, às terras do mun- do a CMTC, voltando-se também para as ativida- do, como dama desnuda e descalça, ataviada com des da Light, empresa estrangeira fornecedora de adereços de brilhantes. Desnuda e descalça nos energia elétrica para o Estado de São Paulo. De- transportes, na água e nos esgotos, na pavimen- nunciava seus lucros abusivos e o não atendimen- tação, nas comunicações telefônicas e postais, na to às necessidades de iluminação em bairros pe- luz e na energia, na polícia, na assistência aos aci- riféricos da capital. Numa sessão da Assembléia, dentados, aos miseráveis e aos combalidos.”9 indagou se o Poder Público teria condições de responder às necessidades da população com re- Considerava São Paulo sem condições de arcar lação à energia elétrica e à construção das usinas com tais despesas, supérfluas em face das dificul- hidrelétricas: “A Light guarda esse mistério e, atra- dades vivenciadas por seus moradores. Com rela- vés dele, manipula os altos dividendos que carreia ção à utilização do Ibirapuera como espaço para de nossa Pátria para os bolsos dos plutocratas de a realização das comemorações do IV Centenário, dois continentes.”6 A Light, segundo Jânio Qua- contra-argumentava: “Nego a quem quer que seja dros, não investiu em algumas regiões do Estado – Governo do Estado, Prefeitura, Comissão – po- de São Paulo, citando como exemplo o Vale do deres para deturpar o Ibirapuera, defraudar o Ibira- Paraíba que, devido à falta de energia elétrica, tor- puera, deformar o Ibirapuera, decompor o Ibirapue- nou-se uma região estagnada. Tomando como re- ra. Ele não pertence a ninguém; ele pertence a to- ferência a inoperância e a falta de interesse dessa dos. Há que entregá-lo, e com urgência, ao homem empresa, Jânio defendia a presença do Estado na comum... É o único espaço aberto da metrópole em implementação de usinas hidrelétricas, com a fina- expansão, e a nenhum Poder é lícito trancá-lo.”10 lidade de acentuar o processo de industrialização e desenvolvimento do Estado de São Paulo. Uma categoria profissional que mereceu sua atenção, ainda enquanto deputado estadual, foi a Nesse período, a situação habitacional em São dos vendedores ambulantes, discriminados e per- Paulo se agravara, em decorrência da vinda de seguidos pelas autoridades municipais, que não migrantes de outros estados à procura de traba- reconheciam seu direito de trabalho. Jânio defen- lho. A cidade de São Paulo crescia desordenada- dia esses trabalhadores, denunciando a prisão mente e, devido à falta de moradias, proliferavam de alguns vendedores e condenando a ilegalida- favelas em terrenos baldios. de dos atos da delegacia da região da Florêncio de Abreu: “Numa destas madrugadas, depois de Por essa ocasião, o Prefeito Armando Arruda Pe- procurado pelas famílias de alguns destes com- reira moveu um processo de despejo contra mo- patrícios e depois de errar pela cidade à procura radores da favela do Glicério. Jânio pronunciou-se de solução para o caso dos homens recolhidos contra o despejo, solicitando a sua suspensão: “O aos xadrezes, precisei ir à residência do Dr. El- apelo é no sentido de ser sustado o despejo em pídio Reali e tirá-lo da cama. Tirei, para que os massa que a municipalidade promove na miserá- ambulantes voltassem à liberdade. (...) Os ambu- vel favela do Glicério. (...) O Sr. Armando Arruda lantes são detidos, são levados à Rua Florêncio Pereira na execução da iníqua medida, que lança de Abreu, permanecem em cárceres comuns, no à rua, deixa sem agasalho, sem teto, dezenas de cimento – eu os vi – e em muitos casos sofrem Acervo histórico ulterior remoção para o Hipódromo, onde se vêem o PSP local, foi transferido para outro município. identificados como vagabundos.”11 Jânio, ao tomar conhecimento desse fato, pediu informações ao Poder Executivo: “Quais as pro- Conforme Jânio, a defesa dos vendedores ambu- vidências urgentes adotadas pelo Governo para lantes estava respaldada em base legal, já que a esclarecer com rigor os fatos ora denunciados, a Prefeitura e o Estado licenciavam esses trabalha- bem da moralidade e do prestígio da Polícia e da dores após o pagamento de uma taxa para exercer moralidade da Administração?”12 o seu trabalho. Apesar de terem a situação regu- larizada pela municipalidade, eram ameaçados e Outro caso de afastamento de militar das funções, presos e, algumas vezes, tinham suas mercado- comentado por Jânio, foi o envolvimento do ca- rias apreendidas e recolhidas no depósito munici- pitão Rolim de Moura, pertencente ao Corpo de pal. Além de cobrar coerência na atuação do Poder Bombeiros, em uma denúncia da situação precá- Público, denunciava corrupções dentro da máquina ria vivida pelo setor. O capitão acabou sendo pu- administrativa, pois, em alguns casos, as mercado- nido pela corporação, perdendo suas promoções, rias não eram devolvidas aos seus proprietários. além de ter sido processado, condenado e preso. Como punição, foi transferido para o interior. Jânio Temas presentes no mandato de Quadros, ao saber do fato, manifestou seu apoio, Deputado exigindo um ressarcimento de sua situação.

Como deputado estadual, Jânio Quadros notabili- A conivência da polícia com bandidos foi igual- zou-se por reforçar a necessidade de se promover mente denunciada quando o deputado relatou a uma moralização no setor público, bem como de presença de criminosos trabalhando na Delegacia se defender condicionalmente as liberdades de- de Roubos, autorizados por inspetores, com per- mocráticas. Contudo, nessa gestão, Jânio acres- missão para usar distintivos e armas de fogo. centa um elemento novo – a defesa incondicional da independência e da autonomia do Poder Le- Em uma de suas visitas, Jânio conheceu as péssi- gislativo em face dos outros poderes. mas condições do Posto de Assistência Policial na capital. Imediatamente, enviou um requerimento, Olavo Fontoura, proprietário do Laboratório Fon- dirigido à Secretaria de Segurança, expondo a si- toura-Wright e da Rádio Cultura, futuro financia- tuação do referido posto. Aproveitou esse mesmo dor da campanha de Jânio para a Prefeitura de documento para justificar suas visitas a certos se- São Paulo em 1953, reforçou a sua imagem e a tores da administração pública: “... Quando vere- sua presença na Assembléia. O jornal A Hora pu- ador à Câmara Municipal de São Paulo, adotei a blicava diariamente os requerimentos apresenta- prática das visitas de surpresa aos diversos seto- dos pelo deputado, sublinhando os aspectos mo- res da administração da comuna para conhecer ralizadores neles contidos. Jânio Quadros soube das regularidades e irregularidades no andamen- fazer-se presente na imprensa, criando fatos. to dos negócios respectivos. Colhi os melhores resultados com essa prática e me dispus a esten- Jânio começou esse processo de moralização dê-los às novas obrigações contraídas com a mi- denunciando uma série de irregularidades ocor- nha eleição a esta augusta Assembléia.”13 ridas nas Secretarias da Segurança, Educação, Trabalho, Fazenda, Transportes e na Assembléia Nessa passagem do requerimento, Jânio escla- Legislativa. Também na área da Segurança várias recia que a sua atuação como vereador foi alta- irregularidades apareceram, além daquelas apon- mente eficaz, exatamente porque introduzira uma tadas anteriormente, com relação tanto ao siste- nova prática parlamentar: a de realizar visitas ma penitenciário quanto à segurança pública. inesperadas em setores da administração públi- ca. Considerava tal procedimento positivo, pois, Em uma sessão da Assembléia, relatou o caso desta forma, podia fiscalizar diretamente órgãos que envolveu o delegado de polícia de Tabatinga, ligados ao Poder Público, controlando melhor a Gilberto Cassinelli Porto, que, ao tentar comba- atuação do Executivo. ter o jogo no município, contrariou os interesses do presidente do Diretório do PSP local, Arman- A defesa da realização dos concursos públicos para do Angelino Del Duca. Por ocasião de uma ba- admissão de funcionários da máquina administra- tida policial, um jogador, amigo do presidente do tiva do Estado foi uma das batalhas travadas por PSP local, foi preso em flagrante, porém colocado Jânio com o intuito de promover uma moralização em liberdade em seguida, por interferência dire- no serviço público em geral. Tal proposta decorria ta desse. O delegado, após esse confronto com das constantes contratações irregulares ocorridas 1 DAH - ALESP DAH -

Governador Jânio Quadros recebe em seu gabinete no Palácio dos Campos Elíseos comissão de deputados paulistas para tratar do problema dos morros de Santos, em 16 de Outubro de 1956. em vários setores da administração pública. vida interior, mas, e também, na sua aparência, na sua vida exterior, na ostentação dessa vida. Este Outro caso de corrupção denunciado por Jânio ‘Palácio’ é o refúgio do povo; o búzio que recebe envolvia o diretor da Escola Normal “Caetano de todas as queixas, e as transforma, pelo milagre Campos”. O Centro Acadêmico foi fechado após da representação popular, que lhe dá soberania e denúncia feita pelos alunos do funcionamento ir- autoridade, na voz livre e poderosa, que sugere, regular da Cooperativa Escolar daquele estabele- adverte e condena.”14 cimento, que, segundo eles, era explorada comer- cialmente por um dos professores, com a permis- Seguindo essa linha de conduta, Jânio também são do diretor e do superintendente da escola. propôs alterações na Assembléia Legislativa, vi- sando moralizar e valorizar o Poder Legislativo. Além das batalhas do concurso público, do com- Em requerimentos encaminhados nas sessões bate à impunidade e à corrupção, Jânio também da Assembléia, exigia informações sobre funções defendia a austeridade da autoridade pública. Um exercidas por funcionários desse setor; comissio- exemplo dessa batalha é fornecido pela crítica namento de inspetores e policiais; utilização irre- que fez à comemoração promovida pelo Poder gular de veículos oficiais. Legislativo, por ocasião da passagem da Cons- tituição estadual. A festa foi realizada no Palácio O caso que mereceu maior destaque e repercus- “Nove de Julho”, com a contratação de um “buffet” são, dentro e fora da Assembléia, envolveu a com- que serviu champanha aos convidados, no recinto pra de um carro “Cadillac” feita pela Presidência da Assembléia Legislativa. Além de criticar o local da Assembléia Legislativa, em plena vigência do de comemoração, apontava o desrespeito à so- recesso parlamentar e sem concorrência pública. ciedade paulista, em que imperava a pobreza, a A sessão do dia 28 de maio de 1951 foi ocupa- miséria e o desamparo. da integralmente por discussões em torno do caso “Cadillac”. Em um pronunciamento exaltado, Jânio A esse respeito, assim se manifestou o deputado: declarou: “Que autoridade temos nós, desta Casa “O Palácio ‘Nove de Julho’ deve ser o exemplo do Parlamento para verberar, como vimos fazendo, da austeridade não apenas nos seus atos, na sua excessos, desmandos no Executivo, quando a pró- Acervo histórico pria Assembléia, por causa de um ‘Cadillac’, man- da a lei às urtigas?”15 Para redimir a imagem da Assembléia, sugeriu a punição do funcionário en- volvido e o cancelamento do contrato de compra. Arquivo do Estado

Alguns parlamentares, indignados pela delonga dos debates, entraram em conflito direto com Jânio Quadros, a ponto de o presidente da Assembléia, Diógenes Ribeiro de Lima, em entrevistas aos jor- nais O Tempo e O Diário de São Paulo, criticar as atitudes e os requerimentos de Jânio, por conside- rá-los criadores de um ambiente de desprestígio para a Assembléia. Ao comentar tais entrevistas, Jânio Quadros, afirmava que não se intimidava com as ameaças do deputado, argumentando não pertencer à classe política passiva: “Noventa e nove por cento da atividade política são logro, Em 1951 o deputado Jânio Quadros presente em são engodo, e eu me orgulho de não possuir um assembléia do Sindicato dos Bancários da Capital para vasto passado político. Meu passado político é de apoiar a greve da categoria. apenas três anos. Mas ele está aí, à análise, ao exame atento de cada passo que dei...”16 constante e ininterruptamente. Humanos como ninguém! Quase personificam a humanidade.”21 O Deputado Manoel Victor, do PDC, também en- dossava as críticas feitas a Jânio, afirmando que Jânio questionava os seus colegas políticos a res- “O PDC existe para trabalhar nas altas esferas peito do princípio que deveria nortear a atuação (...) para o bem social. Não interessavam ao par- das autoridades públicas. É possível afirmar que, tido as futricas internas.”17 Sentindo-se agredido, para ele, o desrespeito às normas constituídas e Jânio contra-argumentou: “V. Exa. está redonda- a arbitrariedade das autoridades na condução dos mente enganado. O PDC não pode distinguir en- negócios públicos eram uma das causas princi- tre a grande e a pequena irregularidade.”18 pais da descrença da classe política por parte dos cidadãos. Defendia claramente tanto a indepen- Também caracteriza esse período a constante afir- dência do Legislativo como as relações orientadas mação de Jânio Quadros acerca de sua indepen- pela imparcialidade e pelo respeito às leis vigen- dência enquanto parlamentar. Considerava-se um tes, conforme demonstra esta sua afirmação: “O político diferente dos demais, pois não fazia con- povo exige fiscalização minuciosa, completa, de- chavos e não pertencia a grupos políticos, o que talhada, concludente de cada ato, de cada um dos o mantinha livre de pressões e livre para exercer três poderes. E este, então, o nosso, que tem por o seu mandato parlamentar. Chegou, inclusive, dever fiscalizar os dois outros, é aquele que deve a entrar em conflito com parlamentares do seu exercer autofiscalização terrível, impiedosa, sob próprio partido, quando solicitou o desligamento pena de comprometer-se e perder, no compromis- de quatro deputados estaduais do PDC, por con- so, a independência moral de que carece.”22 Nes- siderá-los comprometidos politicamente com o se momento de sua carreira, enquanto deputado Governador Lucas Nogueira Garcez. O PDC aca- estadual, Jânio Quadros posicionava-se explicita- bou contando apenas com o próprio Jânio na sua mente a favor da autonomia e independência do bancada19, que se considerava “um homem que Legislativo, o que foi se alterando radicalmente presta contas a si mesmo.”20 em outros períodos de sua vida política.

Um outro fato foi utilizado por Jânio Quadros para O combate à prostituição continuou sendo um dos reafirmar sua concepção negativa da política e dos focos da atuação do Deputado Jânio Quadros, políticos tradicionais. O Deputado Almeida Pinto, que não se cansava de expedir requerimentos à do PSD, em uma das sessões da Assembléia Secretaria de Segurança, denunciando a existên- Legislativa, procurando justificar os erros cometi- cia de prostíbulos e cabarés em áreas residen- dos pela administração pública, citou o provérbio ciais. Para reforçar seus pronunciamentos, citava “Errar é humano”. Jânio Quadros, comentando petições e abaixo-assinados de moradores das a citação do colega, ironizou: “Perfeitamente. É regiões de São João Clímaco e Bom Retiro, solici- humano. Daí eu entender que os homens do go- tando a interferência da polícia para fechar essas verno são humanos, porque erram sempre: erram casas. Num de seus pronunciamentos indagou se 1 DAH - ALESP DAH -

Dados do Livro de Assentamento dos Deputados da Assembléia Legislativa. Acervo histórico

“tem a Secretaria ciência dos vexames e dos ris- Também retomou na Assembléia a sua campanha cos a que se encontravam sujeitas as famílias do contra o jogo e o “vício” de certos produtos consu- bairro e, ainda, dos graves danos morais sofridos midos pelo cidadão paulista. Passou a denunciar pelas moças que nele residem, expostas aos ris- fabricantes de balas e figurinhas, que estariam ex- cos de ambiente corrupto?”23 plorando o povo, através da criança. Para ele, “as chamadas coleções de figurinhas exigiam com- Para Jânio Quadros, cabia à Secretaria de Segu- pletar álbuns ou livros para obtenção de prêmios, rança a ação moralizadora dos costumes, porém campeiam por toda parte e têm sentido altamente considerava insuficientes para resolver o proble- nocivo para a formação do caráter e da mentali- ma: o fechamento dos prostíbulos e a repressão dade infantil, quando não vicioso.”25 Considerava de pessoas envolvidas. Certa ocasião, esclare- que a compra constante e compulsiva dessas fi- ceu sua posição, ao comentar uma reportagem: gurinhas, além de viciar a criança, tornava-a alvo “Comoveu-me também o relato feito pelo Diário de exploração financeira. Sua proposta era que o da Noite da diligência silenciosa, do delegado de Poder Público proibisse esses produtos, por con- Costumes, no sentido de recuperar jovens trans- siderar seu consumo nocivo e vicioso. viadas, oferecendo-lhes meios de reintegração na sociedade. Aí está a polícia de nossos sonhos: Porém, na sua cruzada a favor da moralização humana, justa, altruística, generosa, que não se dos costumes, a crítica mais contundente foi aos limita a definir responsabilidades, a castigar, a re- chamados “prélios esportivos”. Tal crítica teve ori- primir, mas ampara, assiste, conforta e estimula, gem após um jogo de futebol a que assistiu no Pa- defende e preserva. Nesse particular, então, no caembu. Descrevendo o evento que presenciou, erro da mulher e no juízo que mereça, reside pos- relatou em seu discurso na Assembléia que “a sivelmente a chave e a solução de dois dos mais pretexto de perseguir a bola, que ocasionalmen- graves problemas contemporâneos: o da prosti- te ficou esquecida, vi um punhado de indivíduos tuição e o da dissolução da família.”24 vigorosos perseguindo os pés, as canelas, os jo- elhos, as coxas e a própria cabeça dos adversá- Jânio não discutia as causas que levavam uma rios... E claro que houve revide, e o revide decor- mulher a se prostituir, mas afirmava que seus er- reu, a meu ver, da incrível tolerância das autorida- ros e sua conduta perniciosa propiciavam a prosti- des que não prenderam em flagrante, como era tuição e a dissolução da família. Para ele, a única da obrigação, alguns dos perigosos desordeiros possibilidade de sua reintegração na sociedade que campeavam no gramado e dentre eles, o que era pela ação policial por via do Poder Público, agrediu, com selvageria, um fotógrafo, depois de especificamente da polícia ligada à Delegacia de procurar cuspir em vários outros.”26 Costumes, que, além de reprimir, também poderia amparar e assistir as “jovens transviadas”. Assinalava que até em uma partida de futebol era DAH - ALESP DAH -

Sessão solene na ALESP em 1956, com o Governador Jânio Quadros, o Presidente da Casa, Deputado Ruy de Almeida Barbosa, e o Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Ulysses Guimarães. 21 necessária a presença de uma autoridade forte e de um deputado democrata-cristão na defesa de resoluta, pois a causa da brutalidade e da violên- um órgão comunista. Não lhe resta alternativa, po- cia denunciada em campo decorria da “tolerância rém, protesta ou pactua, e jurou, em nome da sua das autoridades”. Sugeria, dessa forma, que a fé democrática, jamais pactuar com a violência.”27 Secretaria de Segurança cobrisse os excessos de violência, prendendo em flagrante os infrato- O caso de maior repercussão na época, que ilustra res das regras estabelecidas no futebol. Convém bem o posicionamento do então deputado estadu- destacar que a solução encontrada por Jânio para al no que se refere à defesa condicional das liber- restabelecer o jogo esportivo pode ser vista como dades democráticas, foi o da prisioneira política uma metáfora da sua posição em face da socie- Elisa Branco Baptista. Por ter participado de uma dade. Para o então deputado, somente uma au- manifestação contra o envio de tropas à Coréia, toridade constituída, capaz e responsável conse- foi condenada a quatro anos de reclusão. Jânio guiria preservar a paz, a harmonia e a ordem não Quadros, defendendo a liberdade de expressão, só no campo, entre 22 jogadores de futebol, mas discordou da prisão e denunciou que Elisa estaria também na sociedade. alojada na Casa de Detenção de São Paulo, com delinqüentes comuns, como “prostitutas, ciganas A posição de Jânio Quadros com relação à defesa e ladras”, conforme a seguinte declaração: “Se condicional das liberdades democráticas era res- não tivermos nós, os verdadeiros democratas, a trita, uma vez que essas liberdades esbarravam coragem de pedir e de exigir tratamento equânime em certos limites dados pelo próprio sistema que, para presos políticos, para presos que respondem caso fossem rompidos, poderiam provocar a dis- por delitos de opinião, por delitos de idéias, que córdia, o caos e a desordem. Essa posição ficará autoridade teremos nós, os democratas verdadei- mais explícita à medida que se vão revelando as ros, para falar em nome da democracia?”28 considerações de Jânio, analisadas a seguir, a respeito de determinadas greves. Mas não parou aí. Voltou à carga, reafirmando a ne- cessidade de resolver prontamente o caso de Elisa, Em um requerimento, elaborado com outros par- que teve agravada suas condições de saúde. Soli- lamentares, Jânio posicionou-se a favor da posse citou que a prisioneira fosse atendida por médicos de algumas diretorias de sindicatos de trabalha- que não prestassem serviços à Casa de Detenção, dores, dentre elas as dos empregados em esta- pois, segundo uma carta dessa doente, os médicos belecimentos bancários de São Paulo; emprega- do local não a atenderam quando sofreu uma forte dos da Administração do Serviço Portuário em hemorragia. O caso foi resolvido pela mediação da Santos; enfermeiros e empregados em hospitais Assembléia, que enviou o médico e parlamentar da e casas de saúde. Tratava-se de uma atitude de Casa Francisco Scalamandré Sobrinho à Casa de oposição à legislação trabalhista de âmbito fe- Detenção para examinar a prisioneira. deral, que permitia apenas a posse de diretorias de sindicatos reconhecidos legalmente. Por meio Por ocasião da passagem do aniversário do do referido documento, Jânio endossava a pos- Presidente Getúlio Vargas, Jânio reafirmou seu se desses sindicatos, tomando como princípio a posicionamento a favor da autonomia e inde- liberdade de organização sindical e, portanto, a pendência do Legislativo em relação aos outros livre atuação do sindicato. Em outra oportunidade, Poderes. Os deputados, em nome da Assembléia Jânio encaminhou, mediante projeto de lei, uma Legislativa de São Paulo, queriam enviar votos de solicitação de anistia a trabalhadores acusados congratulações ao presidente por seu aniversário, de participarem de movimentos grevistas. Cita- mas o deputado opôs-se à moção, argumentando va o caso de 400 trabalhadores afastados a 27 que tal atitude comprometeria a independência do meses da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, que Legislativo: “Não sei porque deva um Parlamen- estavam sofrendo um processo criminal, sem re- to, cuja principal missão é vigilância, defronte do ceber seus salários desde então. Uma situação Poder Executivo, congratular-se com o Presiden- desse tipo, segundo sua avaliação, comprometia te da República, pelo simples transcurso de seu as liberdades garantidas pela Constituição. aniversário natalício (...) Receio muito que esta moção possa ser havida como a medida do des- A imprensa também mereceu a atenção do depu- fibramento do Poder Legislativo, como medida de tado. Assim, condenou a suspensão, por seis me- sua subserviência (...) A Assembléia representa o ses, pelo Ministério da Justiça, do órgão do Partido Poder Legislativo, e o Poder Legislativo precisa Comunista, por conter, segundo o governo, maté- demonstrar, sobretudo defronte o povo, a mais rias consideradas contrárias aos interesses nacio- absoluta independência em relação ao Poder nais. Comentou a esse respeito: “Ouve-se a voz Executivo.”29 Acervo histórico

Pode-se inferir, por esse procedimento, que Jâ- feitura – 7 de abril de 1953 – seu cargo foi ocupa- nio queria manter-se independente do Poder do por Dario de Castro Poveno, porém, por pouco Executivo, exercendo, enquanto parlamentar, a tempo, pois São Paulo e Santos reconquistaram fiscalização dos atos desse outro poder. O De- a autonomia municipal. O ano de 1953 é marcado putado Estadual Cid Franco, do PSB, também se pela volta das eleições diretas para a Prefeitura posicionou contrário à moção, porém com um ar- da cidade de São Paulo. Jânio renunciou ao car- gumento pautado no passado de ditador do Pre- go de deputado estadual para tomar posse do de sidente Getúlio Vargas. Prefeito de São Paulo, conquistado nas eleições realizadas em 22 de março de 1953. Depois que Armando Arruda Pereira deixou a Pre-

NOTAS 15 Pronunciamento feito na 44ª Sessão Ordinária, de 28/05/1951. 1 Este artigo é uma parte, revista e reelaborada, do nosso livro A Liderança Política de Jânio Quadros 16 Idem. (1947-1990). Ibitinga, Humanidades, 1992. 17 Idem. 2 Entrevista com J. B. Vianna de Moraes, em 07/12/1989. 18 Idem.

3 Dados coletados no Tribunal Regional Eleitoral 19 Os deputados desligados do PDC foram: An- de São Paulo. tônio Fláquer, Manoel Victor de Azevedo, Miguel Petrilli e Yukishigue Tamura. 4 Pronunciamento feito na 92ª Sessão Ordinária, de 07/08/1951. 20 Pronunciamento feito na 44ª Sessão Ordinária, sessão de 28/05/1951. 5 Anais da Assembléia Legislativa de São Paulo, nov.1952 - Requerimento nº 1.031. 21 Pronunciamento feito na 71ª Sessão Ordinária, de 05/07/1951. 6 Pronunciamento feito na 97ª Sessão Ordinária, de 14/08/1951. 22 Pronunciamento feito na 44ª Sessão Ordinária, de 28/05/1951. 7 Pronunciamento feito na 75ª Sessão Ordinária, de 12/07/1951. 23 Pronunciamento feito na 18ª Sessão Ordinária, de 12/04/1951. 8 Pronunciamento feito na Câmara Municipal de São Paulo, em sessão de 06/08/1948. 24 Pronunciamento feito na 37ª Sessão Ordinária, de 16/05/1952. 9 Pronunciamento feito em Sessão de 01/07/1952. 25 Pronunciamento feito em Sessão de 16/10/1952. 10 Idem. 26 Pronunciamento feito em Sessão de 11 Pronunciamento feito na 52ª Sessão Ordinária, 25/07/1952. de 07/06/1951. 27 Pronunciamento feito em Sessão de 12 Idem. 09/09/1952.

13 Pronunciamento feito na 17ª Sessão Ordinária, 28 Pronunciamento feito na 8ª Sessão Ordinária, de 11/04/1951 de 29/03/1951.

14 Pronunciamento feito em Sessão de 29 Pronunciamento feito na 23ª Sessão Ordinária, 19/09/1952. de 19/04/1951. 23 A Política do Petróleo de Mario Schenberg1

Ricardo José de Azevedo Marinho*

Empossado na Assembléia Legislativa do Estado só foram efetivamente assimiladas pelo “corpo de São Paulo como deputado da bancada do Parti- social” décadas depois4. Aqui nos permitiremos do Comunista do Brasil (PCB) em 22 de novembro uma analogia. Discutiremos mais adiante os signi- de 1947 e cassado seu mandato em 12 de janeiro ficados da radicalidade da política do petróleo de de 1948, Mario Schenberg, um dos maiores físicos Mario Schenberg no Parlamento Paulista, e que- e estetas da história brasileira, ainda não teve o remos sugerir que, em que pesem os trabalhos reconhecimento da importância da sua passagem que enaltecem o físico e o esteta, o real impacto pelo parlamento paulista2. E, quem sabe, talvez do político em sua obra ainda não se fez sentir. por isso (e não só por isso) devemos destacar tal Estamos diante de louvações, de intenções, mas momento do conjunto da obra do nosso político. de resultados concretos hesitantes e esparsos so- Ou seja: o político não nasce da lavra de crítica es- bre a produção a respeito de Mario Schenberg em tética de Mario Schenberg nem tampouco da sua nossos dias. O impacto reduzido, ou melhor, a sua teoria da física, mas é, nitidamente, um trabalho ausência, se explicaria, a nosso ver, por ser a obra de reforma social. Entretanto, o procedimento de de um intelectual múltiplo, visto como um outsider, tomar o parlamentar Mario Schenberg à parte, tem sem relação com as importações do político consi- problemas, pois mesmo a produção propriamente deradas legítimas, em geral restritas à física e/ou política dele tem importância marcante para além estética. Outros poderiam sugerir uma segunda da política. Daí, que ao optarmos pela questão do razão: o Mario Schenberg político foi marcado por petróleo brasileiro e ficando apenas nesse ponto, um “estigma de origem” (o comunismo), que tanto ajuda-nos, por exemplo, a entender a distinção en- naquele tempo como hoje equivaleria a um certi- tre o pensamento social e político brasileiro pré e ficado de óbito. Ora, o próprio Mario Schenberg pós-fundação da Petrobrás, e torna um tanto se- refere-se – a certa altura do seu segundo discurso cundária a discussão em que, a esse respeito, se (foram quatro ao total) em que trata das influên- envolvem alguns de nossos contemporâneos3. E cias intelectuais – à contribuição da abordagem por isso, acreditamos que vale a pena tentar, heu- lúcida de O Escândalo do Petróleo de Monteiro risticamente, fazer uma análise até certo ponto Lobato, para estudar as raízes do problema do pe- “isolada” da política do petróleo brasileiro de Mario tróleo brasileiro5. Ou seja, parte de nossa geração Schenberg no Parlamento Paulista, pelos motivos aceitou, como as gerações recentes, o emprego que procuraremos explicitar ainda mais doravante. da abordagem tipo “o comunismo morreu”.

Podemos agora iniciar o nosso argumento. Para Entretanto, não cremos, portanto, ser este o moti- isso, gostaríamos de lançar mão de Ideologia da vo para a ausência de difusão, entre a intelectuali- Cultura Brasileira (1933-1974) do professor Carlos dade e a sociedade brasileira, das lições contidas Guilherme Mota. Neste livro, chama-nos a atenção na política do petróleo de Mario Schenberg no à noção de radicalidade presente no nosso autor. Parlamento Paulista. Carlos Guilherme Mota atribui a Mario Schen- berg uma radicalidade transformadora da cultura Mas, ainda assim, não é este o lugar para va- brasileira, aponta os fatores responsáveis por tal ticínios. Queremos aqui apenas alinhar algumas posição catalisadora, mas – este é o ponto funda- dimensões marcantes da política do petróleo de mental –, lembrando que suas propostas estéticas Mario Schenberg no Parlamento Paulista, que

*Professor da Escola de Ciências, Tecnologia e Arte da Universidade do Grande Rio (ricardo.marinho@unigranrio. edu.br), Diretor do Núcleo de Estudos Antonio Gramsci e Assessor da Presidência da Companhia Estadual de Águas e Esgotos – CEDAE ([email protected]). Acervo histórico

MoTIvoS & ESTrATéGIAS

Quando, na 117ª Sessão Ordinária nos idos do dia 9 de dezembro de 1947, os deputados da As-

Acervo Iconographia Acervo sembléia Legislativa paulista foram convidados pelo Centro Acadêmico XI de Agosto7 a apresen- tar publicamente suas propostas para a questão do petróleo, o recém-empossado Deputado Mario Schenberg expressou, através de um discurso memorável, sua orientação a respeito do tema e uma nova forma de argumentação parlamentar8, que acabou se impondo somente no decorrer do processo contra o seu partido9 e seus pares.

Partindo dos resultados da historiografia sobre a “redemocratização” que cobre o período de 1945- 1964, a orientação de Mario Schenberg parece comprovar que a questão do destino do petróleo, em dezembro de 1947, era especialmente apta a evidenciar os antagonismos entre os comunistas e os anticomunistas10, por isso, o debate entre os dois grupos oferece um fio condutor fácil de ser acompanhado através dos acontecimentos com- plexos e precipitados dessa época.

É exatamente essa fase de tomada de cons- ciência de interesses coletivos opostos e sua transformação em identidades de grupos políti- cos que pretendemos analisar a seguir, toman- do a questão do petróleo como o exemplo por Mario Schenberg, em junho de 1948, detido pela polícia após a cassação de seu mandato de deputado. excelência. A nossa perspectiva implica que o processo contra o PCB e seus deputados não ganha sua importância histórica enquanto pre- denotam sua radicalidade constitutiva. Pois quem paração da cassação do seu registro e/ou dos quiser entender a questão do petróleo no mundo mandatos dos seus deputados, mas enquanto e não apenas no Brasil, terá sua visão aguçada etapa na transição de uma política (como, por pela leitura de seus discursos, e terá uma visão exemplo, a do petróleo) vista como discussão de retrospectiva que se projeta, heuristicamente, pessoas privadas, intelectualizadas, para uma para o futuro. Logo, o aspecto que dá projeção política praticada como luta pelo poder na defe- duradoura à política do petróleo de Mario Schen- sa de interesses sociais. berg no Parlamento Paulista resulta de um com- promisso ético-político, de denúncia da passi- Assim é possível entender por que os discursos do vidade e subserviência do Governo Dutra e de Deputado Mario Schenberg atinaram para o fenô- crítica ao domínio imperialista. A tessitura fina de meno de que cada posicionamento sobre proble- Mario Schenberg permitia a audiência à época (e mas políticos e/ou jurídicos foi sobreposto, cada aos leitores de ontem, de hoje e de amanhã) pe- vez mais, pela auto-apresentação dos respectivos netrar aos poucos na densa matéria social – haja oradores, especialmente quanto à vinculação da vista a discussão do dilema de Carlos Lacerda, a questão do petróleo brasileiro com a cassação saber, a entrega da exploração de petróleo aos dos mandatos dos deputados comunistas. ianques ou nada fazer –, para tocar fundo, por fim, nas raízes mesmas de debilidade da rede- Evidentemente, poderíamos objetar a essa leitura mocratização de 1945, sem que para tal viagem o argumento de que os discursos de Mario Schen- ele seja conduzido por um tom irracionalmente berg não se referiam a uma situação específica e raivoso de denúncia, que daria aos discursos inesperada, mesmo tratando-se do ano de 1947. uma feição particular, datada e localizada. Nes- ses termos, qual será o impacto dos discursos de Qualquer atuação social – e não apenas o dis- Mario Schenberg?6 curso político – implica necessariamente em auto- 2 apresentação, sendo que o seu sucesso, a saber, identidades consiste em possibilitar a cidadania à a co-atuação dos outros da maneira desejada pelo dedução de expectativas quanto às ações previsí- ator, depende amplamente da adoção ou rejeição veis dos indivíduos, atribuindo a esses indivíduos do ator pelos co-atores potenciais. A importância uma seqüência coerente de ações no passado. desse fato, fundamental para o desenvolvimento Partindo dessa suposição sobre a função da iden- de estratégias de ação, foi ressaltada por teóricos tidade e concebendo os papéis como conjuntos da ação (da linguagem) como Habermas11. significativos institucionalizados que orientam as ações e que correspondem a determinados tipos Se os deputados paulistas, nos últimos meses de sociais (identificando também as ações), podemos 1947 e no início de 1948, ao menos tivessem ape- definir a identidade de indivíduos e grupos como nas aproveitado a chance, disponível em todos os o “feixe de papéis”, que resulta de sua história e tempos, de aumentar suas perspectivas de suces- ganha uma função específica em um determinado so parlamentar através do cultivo de sua imagem, momento da sua história de interações: enquanto Mario Schenberg dificilmente teria notado o cres- orador na Assembléia Legislativa, Mario Schen- cimento quantitativo da sua auto-apresentação. berg tem que fazer jus às exigências feitas ao pa- pel a ser desempenhado por todos deputados. Quem quer preservar sua imagem12 (ou a imagem daquele grupo no qual se inclui em sua auto-apre- No entanto, Mario Schenberg também quer se sentação) é obrigado a tornar plausível a compati- apresentar como pertencendo ao campo comu- bilidade de sua própria história, como parte de um nista, cuja unidade se baseia no postulado do passado complexo de interações, com uma ação agir comum no passado, ou seja, adotando outro que lhe foi imposta em um determinado momento papel. Apenas através dessa identificação (nada pelo mesmo passado. Segundo Ervin Goffman, exaustiva) de papéis foi possível atribuir diversos nem todas as práticas do cultivo da imagem, mas tipos de identidade a Mario Schenberg e desen- apenas algumas formas impostas da sua preser- volver expectativas de ação ao seu respeito. vação são associadas à apresentação verbal da identidade13. A seguinte interpretação dos discur- Assim, pode-se dizer que a preservação da ima- sos de Mario Schenberg sobre a política do petró- gem passa pela “apresentação da imagem”, isto leo no Parlamento Paulista apresentará as identi- é, evidenciando a coerência dos papéis nela in- dades (públicas) diversas em contextos de ação tegrada. E é exatamente sobre isso que passare- diversos, e já constatamos que a função dessas mos a discorrer. Acervo Iconographia Acervo

O Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito de São Paulo lança campanha pela exploração do petróleo, em 27 de agosto de 1947. Acervo histórico

A História precedente Antes de entrar na análise dos quatro proje- tos de lei que a bancada do Partido Comu- Afirmamos que os oradores que aparecem nos nista do Brasil apresentou à Câmara Fede- exemplos das teorias das ações de linguagem ral, quero fazer um breve resumo da história podem “escolher” livremente as formas de sua da pesquisa do petróleo no Brasil.”14 auto-apresentação, por não possuírem história. Agora teremos que explicitar melhor as suposi- Com essa colocação, ele inicia a história prece- ções pressupostas dessa afirmação quanto à re- dente da sua política do petróleo nos anos 1930, lação entre história e auto-apresentação para os se vinculando a Monteiro Lobato e a sua obra pio- indivíduos e grupos. neira15 de forma similar à que fizera Caio Prado Júnior, líder da sua bancada à época: Qualquer manifestação de comportamento, por exemplo, o discurso de Mario Schenberg, é inter- “De modo que, Srs. Deputados, concluíram pretada dentro de contextos de ação diante dos que, no Brasil, não havia petróleo, alegando deputados, do público e, de modo geral, dos pau- razões como as que indiquei. Mas os brasi- listas e demais brasileiros politicamente interessa- leiros patriotas não se guiaram pelos argu- dos da época da “redemocratização”, como reali- mentos dos Srs. Malamphy e Oppenheim. zação de determinados papéis e é transformada E, aqui, temos a destacar a atuação de em uma série de expectativas de comportamento. Monteiro Lobato, que publicou, então, seu livro famoso Escândalo do Petróleo.” Disso segue que, no decorrer de uma história de interações, o repertório de papéis disponíveis (ou Assim, as histórias que eram precedentes para então, de manifestações lícitas) se torne cada vez a política do petróleo de Mario Schenberg pela mais restrito; em outras palavras: diminuem as história do petróleo e do comunismo brasileiro possibilidades de fazer diferenciações ou modifi- podem ser descritas de acordo com as fases su- cações em histórias interpretadas através de no- cessivas de sua constituição, confirmando-se a vas ações. Essa história, que se formou através hipótese de que a diversidade das histórias não das manifestações de um indivíduo no decorrer exclui a concordância de determinados papéis e de uma história de interações e que restringe sua manifestações16. margem de ação em um momento dado (em um determinado contexto) da interação, chamaremos Pois os membros das frações comunistas e anti- de história precedente. comunistas, que se formaram durante 1947/1948, haviam agido em conjunto durante longas etapas, Mas, qual era a história precedente da política do desde pelo menos a Segunda Guerra Mundial. petróleo de Mario Schenberg? Ambas tinham transformado, através da constitui- ção da Assembléia Nacional Constituinte de 1946, Dando seqüência ao discurso proferido na 117ª a forma de discussão da esfera pública numa ins- Sessão Ordinária, nos idos do dia 11 de dezembro tituição política, impondo a todos os deputados o de 1947, na 119ª Sessão Ordinária, Mario Schen- papel de membros de um intelectual coletivo de berg nos apresenta a origem da sua política do novo tipo. Em 1946, os membros da Constituin- petróleo. Dirá ele: te haviam votado em bloco pela proclamação da nova Constituição e instituído como obrigatório um “Já antes li, aqui, o apelo que nos foi dirigido conceito bem definido do deputado, a saber, o do pelo Centro Acadêmico XI de Agosto e pelos democrata e republicano, responsável em todas presidentes dos dois partidos tradicionais da as suas ações políticas perante o povo enquan- Faculdade de Direito. E já expliquei também to soberano e avesso a qualquer despotismo. Na aqui qual a posição, em linhas gerais, do situação particular pós-Constituição de 1946, nos PCB em relação ao caso do petróleo: nós, idos de 1947/1948, o papel comum a todos os de- de maneira alguma exigimos o monopólio putados e a nova forma de sua realização implica- do Estado para a indústria petrolífera. vam numa série de outras obrigações comuns.

Desejamos, apenas, que a refinação e a À vinculação implícita desse conceito de demo- distribuição do petróleo seja monopólio cracia ativa (isto é, a favor de uma determinada do Estado, podendo capitais nacionais e, definição de república) correspondia à vinculação mesmo, estrangeiros participarem da pes- ampla do agir político de Mario Schenberg e seus quisa e da lavra das minas desse precioso pares nas reuniões da bancada comunista na As- combustível. sembléia Legislativa paulista; as manifestações 27 individuais dessa vinculação foram integradas no identificadas, enquanto estruturas complexas, papel dos amigos do povo oprimido, apresenta- apenas se evidenciam no final dos discursos, das no Parlamento e apoiadas, com muito fervor, apesar de seu conhecimento ser uma condição pelo público. essencial para a análise dos processos de preser- vação de imagem através da explicitação grada- A relação antagônica entre as frações em proces- tiva de identidades, dividimos a interpretação dos so de formação e a manutenção do princípio sem- discursos de Mario Schenberg em duas aborda- pre propagado da “democracia passiva” permitiu gens. Em primeiro lugar, procuraremos fazer uma aos anticomunistas se apresentarem, por sua vez, apresentação sincrônica das estruturas das iden- como representantes de todo o povo brasileiro (e tidades apresentadas e identificadas e de suas re- não apenas do povo oprimido do Brasil). Os anti- lações mútuas, que as fazem aparecer, nos dois comunistas culpavam os comunistas de negligen- discursos, como estruturas no mínimo semelhan- ciar, devido ao seu compromisso com as classes tes, para mostrar, em segundo lugar, como a pre- subalternas, o restante do Brasil; além disso, os servação da imagem se dá através do desdobra- acusavam de induzirem a violência, denuncian- mento sucessivo dessas estruturas globais. Para do-os como sedutores sanguinários do povo. Em isso Mario Schenberg dá seqüência ao discurso compensação, o engajamento dos anticomunis- proferido na 119ª Sessão Ordinária, e em 15 de tas a favor da burguesia (em boa parte antide- dezembro de 1947, na 122ª Sessão Ordinária, ele mocrática) permitiu aos comunistas condená-los mais uma vez sintetiza seu ponto desta forma: como defensores disfarçados do antigo regime. Das histórias precedentes temos que distinguir as “Vou prosseguir, hoje, na análise do proble- ações impostas que indivíduos com as mesmas ma do petróleo no Brasil, que já vinha fazen- histórias globais de interação são obrigados a do anteriormente mais que não foi possível adotar, quando querem manter sua meta de ação concluir, por falta de tempo. Para retomar o também após uma mudança das condições ge- fio da minha análise, recordarei alguns pon- rais para sua realização. tos essenciais. O problema do petróleo no Brasil começou a ser discutido depois de Por outro lado, em qualquer história de interação, 1930. A princípio e até então as companhias a posição dos oradores que procuram a coope- petrolíferas e os trustes integralistas procu- ração do público é favorecida quando se apre- ravam fazer uma campanha derrotista, di- sentam como imparciais. Seja como for, como se zendo, por exemplo, que o Brasil não podia daria a defesa da imagem e a apresentação da ter petróleo, porque a sua produção exigia identidade e da identificação? terrenos vulcânicos, e não tendo o Bra- sil vulcões, conseqüentemente, não podia A apresentação da identidade ter petróleo. Aliás, campanhas semelhan- tes fizeram-se em vários outros países do Até aqui podemos resumir o nosso raciocínio da mundo. Também, naquela ocasião, o nosso seguinte maneira: a imagem de indivíduos e de Governo contratou técnicos estrangeiros, grupos corre riscos, quando as ações deles exi- os Srs. Malamphy e Oppenheim, e sobre gidas se evidenciam como incompatíveis com as esses contratos até já houve escândalo, suas histórias preestabelecidas. porque esses senhores, enquanto trabalha- vam para o Governo, publicavam anúncios A constituição de identidades, como mostram em revistas técnicas – revistas inglesas e tanto a nossa experiência do dia-a-dia quanto os americanas – oferecendo seus serviços a discursos de Mario Schenberg, passa pela expli- quem quisesse comprá-los. Isto alarmou citação gradativa da própria identidade enquan- a opinião pública, e então o Governo fez a to conjunto de papéis que nascem da história de defesa desses senhores, defesa essa feita interações, recorrendo inclusive ao processo da em relatório oficial, de autoria do então Mi- identificação dos papéis de identidades alheias. nistro Odilon Braga, publicado em 1936, e no qual se dizia que, tendo sido contratados Evidentemente, os discursos já mobilizados e apenas por um ano, já precisavam procu- a convocar não expõem todas as camadas das rar outro emprego para depois e, por isso, identidades próprias ou alheias, ainda mais que publicaram aqueles anúncios nas revistas, não servem apenas à preservação da imagem, oferecendo seus serviços a quem quisesse mas também ao objetivo da persuasão. alugá-los.

Uma vez que as identidades apresentadas e as Quem deu maior impulso à campanha do Acervo histórico

sível ao Estado e ao povo brasileiro. Assim, de maneira nenhuma se torna indispensá- vel recorrer a capitais estrangeiros para isso, se bem que nós, os comunistas, não sejamos contrários a que capitais estran-

Acervo Iconographia Acervo geiros participem da lavra, mas o somos em relação a refinarias, porque a refinaria e a distribuição comercial são, exatamente, a parte mais rendosa e de todo o interesse. Por isso achamos que essas companhias não devam exportar os lucros fabulosos, que devem ficar no Brasil quando, com ca- pital limitado, pode-se obter isso.” 17 Cédula da campanha a deputado estadual de Mario Schenberg. Parece fazer parte das características históricas da época da “redemocratização”, entre 1945 e 1964, petróleo no Brasil foram dois grandes patrio- que a identidade a ser apresentada e a ser iden- tas: o escritor Monteiro Lobato, com o seu tificada no sistema político deveria ser bastante livro Escândalo do Petróleo, e o Sr. Oscar abrangente (mesmo os papéis da vida privada tor- Cordeiro, um homem de negócios, baiano, naram-se relevantes para a identificação política), que tentou obter petróleo em Lobato, depois e que a identificação de um único papel por um de 1938, quando era subchefe no Estado- valor negativo acarretava normalmente o “desen- Maior do Exército o General Oscar Horta capuzar” do ator18, isto é, a identificação da sua Barbosa. Aliás, foi por iniciativa deste Gene- identidade global como inclinada ao despotismo. ral que foi proposta a criação do Conselho Nacional de Petróleo, e efetivamente criado Conclui-se, portanto, que a política do petró- em 1938 creio que no mês de setembro. Foi leo de Mario Schenberg no Parlamento Paulista tão acertada a fundação do Conselho Nacio- cumpriu o papel de registrar o caráter excluden- nal do Petróleo, que já no ano seguinte jor- te do regime que se redefine em 1947, significa rava petróleo do solo brasileiro, constituindo acrescentar uma dimensão relevante à descrição tal dia, realmente, uma data das mais auspi- de sua objetividade. A exclusão dos comunistas ciosas para a nossa história econômica. não é o avesso (o negativo) da ordem semide- mocrática da República liberal (uma espécie de Analisei, também, os dados oferecidos pelo custo, incompletude e/ou limitação), mas um fa- General João Carlos Barreto, atual Presi- tor indispensável ao seu funcionamento, um as- dente do Conselho Nacional do Petróleo, pecto necessário daquilo que ela é. E excluir os mostrando que para instalar uma refinaria comunistas implicava excluir o petróleo, pois os no Brasil de 10.000 barris diários, bastariam comunistas são petrolèu (óleo de pedra) da de- dez milhões de dólares, sendo o consumo mocracia, donde, não se diz o que ela é omitindo do Brasil atual, mais ou menos de 44.000 a presença eficiente desse fator. barris. Bastaria, pois, instalar umas quatro ou cinco refinarias, para que se pudessem Então, como fechar um argumento que convoca atender todas as nossas necessidades. E os discursos de Mario Schenberg no Parlamento essas refinarias, se fossem instaladas qua- Paulista a respeito do petróleo brasileiro? A res- tro apenas, ficariam em oitocentos milhões posta a essa pergunta implica em vermos no últi- de cruzeiros, e dariam um lucro anual de mo movimento como ele constrói magistralmente 66% do capital. a sua identidade e do que isso significava e signi- ficou para a democracia brasileira. Agora quero me aprofundar mais no exame da questão, examinando o total dos capi- A ConSTrução DA IDEnTIDADE tais necessários para o desenvolvimento da indústria petrolífera no Brasil. Não apenas Antes de convocarmos o último discurso de Mario à questão das refinarias e da distribuição, Schenberg sobre a política do petróleo, recapitu- que já examinei, seriam necessários oito- laremos, em perspectiva diacrônica, os objetivos centos milhões de cruzeiros, mas mesmo propostos pelo orador. o total necessário para desenvolver toda a indústria petrolífera, não é quantia inaces- Mario Schenberg estava diante da tarefa de con- 2 DAH - ALESP DAH -

Dados do Livro de Assentamento dos Deputados da Assembléia Legislativa. vencer os deputados indecisos a se manifestarem do toda a importância dessa questão.”20 contra a cassação do seu mandato e dos seus pares. O papel designado a Mario Schenberg, Mario Schenberg se aproveita dessa identificação portanto, implicava a tarefa de antecipar-se a para pressupor, como fato consumado, que todos um ataque provável e de defender-se através da os parlamentares concordassem com ele na opi- construção verbal de sua identidade. nião de que a cassação dos mandatos dos de- putados comunistas já estava em sintonia com a Para alcançar seus objetivos, o orador insere na política do petróleo defendida por sua bancada a situação comunicativa por ele construída uma nível federal e estadual. dupla captatio benevolentiae19, identificando as intenções da Assembléia Legislativa paulista ba- Sua exposição acaba com uma auto-apresenta- sicamente com o valor positivo do sistema polí- ção como intelectual imparcial – o que equivale, tico democrático e apresentando-os como co- em sua função, a uma auto-apresentação como responsáveis por aquelas ações do Parlamento juiz justo –, que sublinha novamente a atitude de que, segundo sua própria interpretação, não são pertencer à Constituição de 1946, identificada vis- compatíveis com o papel ideal apresentado, como ceralmente com a democracia e a república. fica evidenciado no tratamento dado ao aparte do deputado Antônio Camargo Pinheiro Júnior do Após essa breve rememoração, podemos introdu- Partido Social Progressista (PSP) do Governador zir o discurso proferido na 125ª Sessão Ordiná- Adhemar de Barros: ria, em 18 de dezembro de 1947, no qual Mario Schenberg apresenta ao Parlamento Paulista o “O Sr. Pinheiro Júnior – O assunto sobre o Decreto Federal N.º 24.067, de 17 de novembro que V. Exa. discorre no momento, é de alta de 1947, para que este se identifique ainda mais relevância. Quero congratular-me com V. com ele e sua bancada, de acordo com seu papel Exa., porquanto percebe que já era tempo político e normativo: de o nosso Governo tratar do problema do petróleo no Brasil. Esta é uma necessidade “Sr. Presidente, Srs. Deputados. Vou hoje inadiável. continuar a examinar o problema do pe- tróleo. O caso torna-se mais interessante. O SR. MARIO SCHENBERG - Agradeço Acaba de ser publicado no Diário Oficial, da muito o aparte. V. Exa. está compreenden- União, o Decreto N.° 24.067. Não disponho Acervo histórico

aqui do Diário Oficial da União, mas vou “Mas esse decreto autoriza essa Compa- reproduzir a noticia publicada no Jornal de nhia a extrair e processar qualquer espé- Notícias de quarta-feira, 17 de dezembro.” cie de matéria prima, de maneira que inclui também o petróleo. O nome que figura à O que dizia a notícia sobre o decreto em tela: frente dessa Companhia, já é bem nosso conhecido: é o do Sr. Nélson Rockfeller, “Diz a notícia: ‘Organizada em Nova Ior- da tradicional família do truste petrolífero. que uma empresa para explorar o petróleo Como o próprio jornal indica, essa empresa, brasileiro, o Sr. Nélson Rockfeller entre os organizada em Nova Iorque, tem como fina- diretores da “International Basic Economy lidade explorar o petróleo brasileiro. Vemos, Co.” Já foi autorizada a funcionar em terri- pois, que o nosso Governo acaba de auto- tório nacional. Rio 16 – O Diário Oficial de rizar uma empresa estrangeira a explorar o hoje vem de publicar o texto do Decreto N.° nosso petróleo. 24.067, que concede à Sociedade Anônima “International Basic Economy Corporation”, De maneira que, meus senhores, as de- com sede em Nova Iorque, autorização para núncias que vínhamos fazendo, de que funcionar no Brasil. São diretores da com- se pretendia entregar o nosso petróleo a panhia os Srs. Nélson Rockfeller, Wallace empresas estrangeiras, está agora encon- Harrison, Berent Priele, Francis Jamisson e trando confirmação nos próprios atos do John Lockwood.’ O decreto é muito longo e Governo Federal. verifica-se que a finalidade da companhia, consubstanciada nos seus artigos e pará- É muito curioso que esse decreto tenha sido grafos, tem como objetivo precípuo a explo- assinado exatamente nestes dias, em que ração do petróleo brasileiro.”21 os senhores do grupo fascista, que estão à frente do nosso Governo, esperavam que já Evidencia-se assim que Mario Schenberg, desde se tivesse feito a cassação dos mandatos o início, identifica, com justificativas variadas, os dos Deputados comunistas. Isso vem, mais possíveis argumentos a favor da decisão que está uma vez, confirmar as declarações do ho- combatendo com o valor negativo do sistema po- mem de negócios americano que disse que, lítico brasileiro, pressupondo, portanto, como irre- depois de cassados os mandatos dos repre- solvida a questão de qual posição o Parlamento sentantes comunistas, tornar-se-ia fácil ob- Paulista teria que tomar. ter concessão do petróleo brasileiro para os trustes norte-americanos.”22 Embora a renúncia à deliberação seja acobertada na estrutura interna do discurso pelo fato de Mario Apenas em três pontos dessa longa passagem Schenberg ter pressuposto, através da identifica- persuasiva, Mario Schenberg reúne os pólos loca- ção inicial do Parlamento Paulista com seu papel lizados no “professor” e nos “alunos” na primeira ideal, uma concordância de todos os parlamentares pessoa do plural: primeiro, quando ele constata a com os conceitos jurídicos dos comunistas, ele se identidade dos defensores da cassação dos man- coloca, com essa renúncia, no papel retoricamente datos dos deputados comunistas, ainda não de- desfavorável. Esse papel implícito à estrutura do signados nominalmente, como aqueles deputados discurso – porém provavelmente não reconheci- que, no Estado Novo, foram designados de fascis- do por Mario Schenberg – de um professor (que, tas e que, naquela época, perseguiam os comu- a partir de uma postura pedagógica, pressupõe a nistas; segundo, quando atribui ao Governo Fede- boa vontade do público) contradiz a estratégia ex- ral o valor negativo do sistema político brasileiro plícita de sua auto-apresentação, pois a oposição por ações já realizadas (e não apenas por ações entre os pólos comunicativos do “professor” e dos possíveis); e, terceiro, quando corrobora uma con- “alunos”, própria à situação do ensinamento, subs- clamação à união dos deputados de boa vontade titui, sem a mínima mediação, a situação de solida- e encerra o discurso alertando para os inimigos riedade dos deputados, que estaria caracterizada supostamente comuns a todos os parlamentares. pela cidadania política, com o Parlamento no seu papel ideal. A partir da distância entre o “professor” Essa breve análise do último discurso que constrói e os “alunos”, o Parlamento é lembrado dos seus a identidade da política do petróleo de Mario Schen- deveres em relação ao povo (que, nessa primeira berg no Parlamento Paulista mostra como ele, no parte do discurso, ainda não é identificado nos ter- contexto da persuasão, evitava uma identificação mos de sua situação específica), é alertado mais dos grupos parlamentares – e assim também uma uma vez face ao que estaria por vir: explicitação de sua própria identidade que fosse 31 além dos papéis preestabelecidos dos deputados. Retornamos, assim, ao nosso argumento inicial para torcê-lo mais uma vez. Disse que os discur- A defesa da imagem se inicia com uma explicita- sos de Mario Schenberg encerram uma radicali- ção do papel concreto (derivado) do povo, que, dade que os tornaram, em sua época (como em desde o primeiro discurso, havia sido introduzido nossos dias, talvez menos pelo aspecto político), enquanto representação textual do valor positivo dificilmente assimilável pela intelectualidade brasi- do sistema político, junto com a apresentação do leira. Quantos de nós passaríamos pelo crivo que papel concreto dos inimigos do povo, cuja identi- Mario Schenberg atravessou e por quanto tempo? dade com os inimigos dos deputados comunistas, Estamos diante de uma proposta de um “modo de tematizados no segundo discurso, é sugerida atra- ser” que dificilmente encontrará guarida. Mas algo vés da aplicação do valor negativo aos inimigos já brotou e frutificou, e não há como voltar atrás: dos deputados comunistas (inimigos dos deputa- Mario Schenberg inspirou um grupo de petroleiros dos comunistas = inimigos do povo). A verdadeira brasileiros, formados em uma atmosfera de auto- progressão na identificação do povo e dos inimi- ritarismo, descobrindo e reforçando as qualidades gos do povo, no entanto, reside no fato de que intelectuais de quem dele se aproximava. É inques- os seus papéis, deduzidos por Mario Schenberg tionável o fato de que se o Brasil alcançou uma po- da situação atual, agora são atribuídos a grupos sição de destaque no contexto científico mundial, concretos enquanto sujeitos de ação e, nesse mo- parte deste destaque devemos a Mario Schenberg. mento, a interpretação das histórias desses gru- E se construímos um sistema de produção de ci- pos torna-se um pressuposto importante para sua ência e tecnologia desenvolvido, que tem prestado identificação no presente. Paralelamente a essa enormes contribuições para a sociedade brasileira, preparação de uma equiparação dos inimigos do em áreas chaves, tais como a pesquisa de explo- povo com o grupo parlamentar dos anticomunis- ração de petróleo em águas profundas, que deve tas, acontece uma identificação social do povo de tornar o país auto-suficiente nos próximos anos, acordo com os padrões que caracterizam a recep- também devemos a Mario Schenberg. Daí poder ção de Monteiro Lobato por Mario Schenberg (não sugerir que não só os discursos que apresentaram apenas no contexto específico dos discursos). a política do petróleo de Mario Schenberg, mas to- dos os discursos, encerram uma radicalidade ética Com isso Mario Schenberg procura, mais uma e germinal de uma prática de convivência marcada vez, fortalecer a fundamentação de seu prognós- pela civilidade23. Com o tempo, a reverência que tico, segundo o qual a cassação dos mandatos hoje não desfruta o nome de Mario Schenberg jun- dos deputados comunistas não refletiria a verda- to do pensamento social e político brasileiro deverá deira opinião do povo, essa reafirmação aponta dar lugar à referência a sua atuação no Parlamento para a parte mais coerente da sua argumentação. Paulista como obra singela e monumental24.

NOTAS FINEP, 2004.

1 O presente artigo visa entre outros objetivos, 4 MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da Cultura o de nos inserirmos nas celebrações do Ano In- Brasileira (1933-1974). São Paulo, Ática, 1978. ternacional da Física (2005) instituído pela Re- solução n.º 58/293, de 10 de junho de 2004, da 5 LOBATO, Monteiro. O escândalo do petróleo e Assembléia Geral da Organização das Nações ferro. 3ª ed. São Paulo, Brasiliense, 1948. Unidas (ONU) e levado a efeito pela Organiza- ção das Nações Unidas para Educação, Ciência 6 MOURA, Pedro e CARNEIRO, Felisberto Olím- e Cultura (UNESCO). pio. Em busca do petróleo brasileiro. Ouro Preto, Fundação Gorceix, 1976. 2 SCHENBERG, Mario. Princípios da mecânica. São Paulo, IFUSP, 1934; e SCHENBERG, Mario. 7 O Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade Pensando a Arte. São Paulo, Nova Stella, 1988. de Direito de São Paulo, no dia 11 de agosto de 2003, comemorou o centenário de sua fundação. 3 FURTADO, André e FREITAS, Adriana Gomes. “Nacionalismo e Aprendizagem no Programa de 8 Cf. o pronunciamento de Mario Schenberg so- Águas Profundas da Petrobrás.” Revista Brasi- bre o petróleo brasileiro na 117ª Sessão Ordiná- leira de Inovação. Rio de Janeiro, Vol. 3, N.º 1, ria em 9 de dezembro de 1947. In: SÃO PAULO. Acervo histórico

Assembléia Legislativa. Anais da Assembléia Le- ploração na Petrobrás: 50 anos de sucesso”. gislativa. 1ª Sessão da 1ª Legislatura. 1947. Vol. Boletim de Geociências da Petrobrás. Rio de VIII. São Paulo, Siqueira, s.d., p. 177-178. Janeiro, Vol. 12, N.º 1, Novembro 2003 – Maio 2004, p. 9-58. 9 Nesse momento o registro do Partido Comu- nista já estava cassado pelo Tribunal Superior 17 SÃO PAULO. Assembléia Legislativa. Idem, p. Eleitoral. 421.

10 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o 18 A idéia de desencapuzar deriva de uma leitura perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917- heurística de FERNANDES, Florestan. A Revo- 1964). São Paulo, Perspectiva - FAPESP, 2002. lução Burguesa no Brasil. Rio de Janeiro, Zahar, 1975. 11 EISENBERG, José. A democracia depois do liberalismo. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 19 Literalmente: “captação da boa vontade”, re- 2003. curso do orador de gerar uma disposição favorá- vel por parte do público. 12 O termo “preservação da imagem” é usado de acordo com Florestan Fernandes (1975). Ver 20 SÃO PAULO. Assembléia Legislativa. Idem, p. também de Goffman A representação do eu na 422. vida cotidiana. Petrópolis, Vozes, 1975. 21 Idem, ibidem. 13 GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 22 Idem, ibidem.

14 SÃO PAULO. Assembléia Legislativa. Anais da 23 CARVALHO, Maria Alice Resende de. Prefácio. Assembléia Legislativa. 1ª Sessão da 1ª Legis- In: VIANNA, Luiz Werneck. A Revolução Passiva latura. 1947. Vol. VIII. São Paulo, Siqueira, s.d., - Iberismo e Americanismo no Brasil. 2ª ed. Rio p. 288. de Janeiro, IUPERJ - Revan, 2004.

15 PRADO JÚNIOR, Caio. “Prefácio” In LOBATO, 24 Um curioso exemplo do que estamos indicando Monteiro. Op. cit... encontra-se em BRASIL. Presidência da Repú- blica. 100 Brasileiros. Brasília, Secretaria de Co- 16 MENDONÇA, Paulo Manuel Mendes de; SPA- municação de Governo e Gestão Estratégica da DINI, Adali Ricardo e MILANI, Edison José. “Ex- Presidência da República (Secom), 2004.

Mais de um século e meio de memória A memória do Legislativo de São Paulo está conservada em 500 mil páginas de documentos, desde 1819 até 1947 – aproximadamente 280 mil são manuscritos do período imperial e que relatam ses- sões plenárias, projetos, discursos, correspondências, pareceres e outros –; 91 mil negativos fotográficos, do período de 1953 a 1992, digitalizados e disponíveis para consulta em seus terminais e aproximadamente 28 mil livros. Este farto material tem sido utilizado em pesquisas e exposições que, posteriormente, são colo- cadas à disposição, virtualmente, no Portal da ALESP, onde também podem ser consultados uma base de dados dos documentos do Império, o Guia do Acervo Histórico e o catálogo de suas publicações. www.al.sp.gov.br/web/acervo/index_acervo.htm  As Regras da Eleição dos Deputados Classistas

Alvaro Barreto* DAH - ALESP DAH -

Palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro.

Este artigo aborda as normas que regeram o vidos e influenciou de modo decisivo o resultado processo eleitoral e definiram a participação da final. Conseqüentemente, conhecer as regras representação das associações profissionais na é importante para que se possa apreciar com Assembléia Nacional Constituinte de 1933-1934. mais acuidade este processo. Ao contrário, não Procura apreender o que há de específico nesta conhecê-las pode significar chegar a conclusões problemática e interpretar os seus significados, desconformes às decisões dos atores, elaborar razão pela qual identifica e analisa as peculiarida- relações falsas ou, simplesmente, tomar como des da legislação e projeta o cenário em que ela inexplicáveis certos fatos. se desenvolveu. A ESTruTurA PArA A PArTICIPAção Parte-se do pressuposto de que as regras valida- ram determinados procedimentos e invalidaram O primeiro texto legal a tratar do tema foi o Có- os demais, o que afetou a dinâmica do pleito, digo Eleitoral, promulgado em 24 de fevereiro de condicionou o comportamento dos atores envol- 1932, como o Decreto 21.076, cujo artigo 142 atri-

* Professor do Instituto de Sociologia e Política – ISP da Universidade Federal de Pelotas, doutor em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul ([email protected]). Acervo histórico buía poderes ao Governo Provisório para deter- por esse decreto. O primeiro é que, ao determinar minar “o modo e as condições de representação a “representação das associações profissionais” das associações profissionais”, quando da con- como uma das bancadas da Constituinte, ele pôs vocação da eleição para a Constituinte. Embora fim a um acirrado debate, que se desenrolava não trouxesse mais detalhes, a medida afirmava há mais de um ano, sobre como regulamentar que essa representação participaria, de alguma a medida2. O artigo 1º do Decreto 22.653, de 20 forma, da elaboração da nova Constituição, ao de abril de 1933, o primeiro a versar especifica- mesmo tempo em que fazia dela mais um recurso mente sobre o tema, tratou de eliminar qualquer à disposição de Vargas1. ambigüidade que pudesse ter permanecido, ao afirmar que “tomarão parte na Assembléia Na- Em obediência a esse artigo, o Governo voltou cional Constituinte, com os mesmos direitos e ao assunto no Decreto 22.621, de 5 de abril de regalias que competirem aos demais de seus 1933, aquele em que elaborou o Regimento Inter- membros, 40 representantes de associações no e estabeleceu a composição da Constituinte, profissionais”. bem como assumiu o compromisso de fixar a data de convocação desta para 30 dias após a pro- O segundo é que havia dois tipos de “associações mulgação do resultado das eleições de 3 de maio profissionais” para efeito de representação: os de 1933, pelo Tribunal Superior de Justiça Eleito- sindicatos legalmente reconhecidos, aqueles que ral (TSJE). Logo, de um total de 254 cadeiras da estavam conformes ao Decreto 19.770, conhecido Constituinte, 40 estavam reservadas para “sindica- por “lei de sindicalização”, e que poderiam existir tos legalmente reconhecidos e pelas associações apenas sob a forma de organizações de empre- de profissões liberais e as de funcionários públicos gadores ou de empregados, e as associações re- existentes nos termos da lei civil” (art 3º). gistradas nos termos da lei civil, isto é, entidades de direito privado, referentes a dois grupos: as É preciso evidenciar alguns elementos trazidos profissões liberais3 e os funcionários públicos. Coleção Dainis Karepovs

A DANÇA DAS HORAS G.G. (Getulio Vargas) – O baile está armado... Cardoso (Zé-Povo) – Depois, que será da música? (Caricatura de Gip – Luís Carlos Peixoto de Castro – sobre a Assembléia Nacional Constituinte, publicada no suplemento humorístico de A Nação, de 22 de Maio de 1934.) 

Note-se que o Go- dentes, no Distrito Federal, a partir do meio-dia. verno Provisório foi A primeira eleição seria a dos empregados, dia

DDI - ALESP DDI - rigoroso, ao mes- 20 de julho, seguindo-se a dos empregadores, dia mo tempo em que 25, e a dos funcionários públicos, dia 30. As va- procurou restringir gas dos profissionais liberais seriam decididas no as alternativas: de dia três de agosto. um lado, o Decreto 19.770 não permi- Isso significa que a eleição da bancada classista tia sindicatos mis- ocorreria quase três meses após a definição dos tos, nem de pro- 214 deputados populares, quando o Governo já fissionais liberais conheceria a correlação de forças da Constituinte, e de funcionários motivo pelo qual poderia calcular com mais pro- públicos; por outro, priedade quais objetivos específicos ele precisa- Alexandre Siciliano Júnior, tais categorias de- ria atingir e quais fatores de risco estariam envol- deputado classista patronal veriam articular-se vidos naquela escolha6. por São Paulo. como associações civis, ao mesmo tempo em que estavam excluí- Outro aspecto a destacar é que, se não há dife- das deste formato as entidades de patrões e de rença significativa entre as representações clas- empregados, ou seja, aquelas que não queriam sista e popular quanto ao poder do Governo para ser sindicatos oficiais e desejavam existir como definir as regras da eleição, o contraste é flagran- entidades autônomas. te no que diz res- peito à condução O Decreto 22.653 definiu a estrutura com mais do processo: a dos

precisão, ao fixar duas “classes” de igual tama- deputados popu- ALESP DDI - nho, consagrar as quatro categorias que o Decreto lares foi entregue 22.621 permitia interpretar e atribuir pesos diferen- à Justiça Eleitoral tes a cada uma delas. Assim, a classe dos empre- e a dos classistas gados teria 20 cadeiras, sendo que duas seriam permaneceu sob das associações de funcionários públicos e as 18 responsabilidade restantes dos sindicatos de empregados; a dos do Governo Pro- empregadores teria as mesmas 20 cadeiras, das visório, a quem quais três seriam das associações de profissões coube: reconhecer liberais e 17 dos sindicatos de empregadores4. as entidades e, as- sim, autorizá-las a Este modelo pode ser classificado como “de clas- participar do pleito; ses” ou “classista”, denominação muito utilizada homologar os de- Antônio Carlos Pacheco e Silva, deputado classista patronal 5 pela historiografia . É importante frisar que a op- legados-eleitores; por São Paulo. ção do Governo Provisório seguiu um critério dife- preparar e realizar rente ao de todas as propostas que vinham sendo a votação; apurar os votos e, finalmente, promul- apresentadas no País, especialmente a do Clube gar os eleitos e os suplentes7. Ao considerar-se Três de Outubro, que queria considerar as entida- que o estabelecimento de um organismo autôno- des a partir das profissões. mo para administrar o processo eleitoral foi uma medida de saneamento, visto que reduziu a inter- AS rEGrAS Do ProCESSo ELEITorAL ferência do executivo e aumentou o seu custo de manutenção do controle sobre o sistema repre- Configurados o modo e as condições da repre- sentativo, parece evidente que a permanência da sentação das associações profissionais, o passo eleição classista sob a jurisdição governamental, seguinte foi fixar as regras do processo eleitoral, o era uma medida que diminuía significativamente a que ocorreu por intermédio de quatro decretos: o independência desse pleito. já citado 22.653, mais o 22.696, de 11 de maio; o 22.745, de 24 de maio, que ampliou o prazo do Mi- No âmbito do governo, o organismo encarregado nistério do Trabalho Indústria e Comércio (MTIC) de aplicar as normas eleitorais foi o Ministério do para reconhecimento das entidades e, finalmente, Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), mais es- o 22.940, de 14 de julho, que esclareceu e com- pecificamente o ministro, especialmente quando pletou as instruções. da realização das reuniões de votação, cuja pre- sidência deveria ser exercida por ele pessoalmen- Os pleitos foram marcados para o Palácio Tira- te, como explicitaram os decretos. Acervo histórico

A medida parece estranha, haja vista que era o Mi- sembléia com a finalidade de indicar um dentre nistério da Justiça quem vinha tratando da Cons- seus filiados para representá-la na votação, o tituinte e da reorganização eleitoral do país – e chamado delegado-eleitor. A assembléia deveria a representação classista estava inserida nesse ser realizada até 30 de maio (Decreto 22.653), contexto8. Entretanto, ela ganha justificativa, se se prazo que depois foi estendido para 30 de junho ponderar o caráter estratégico que esta assumiu (Decreto 22.696). como reforço e estímulo à política de intervenção Feita a conven- e disciplinamento das organizações de classe. E ção, era preciso tal política vinha sendo executada pelo MTIC. informar, ao MTIC,

DDI - ALESP DDI - por telegrama, o Não por acaso, um dos pilares do processo resi- nome do escolhido dia na exigência de que apenas sindicatos reco- e, posteriormente, nhecidos pelo MTIC poderiam participar do pleito. enviar cópia auten- Logo, foi reafirmado que não havia espaço para ticada da ata. um sindicalismo “privado” e que estavam previa- mente alienadas aquelas entidades que se man- As demais exi- tivessem formalmente autônomas. Ressalva-se gências para que que a oficialização não foi criada especialmente alguém fosse ho- para essa eleição, e sim incorporava uma norma mologado como oriunda de outro campo da atividade legislativa do eleitor eram: che- Governo Provisório, o Decreto 19.770. Roberto Cochrane Simonsen, gar ao Distrito Fe- deputado classista patronal deral pelo menos por São Paulo. O prazo limite original para a oficialização, fixado oito dias antes da pelo Decreto 22.653, era o dia 20 de maio. Logo, data da eleição de sua categoria11; trazer todos o direito de participar da eleição estava garantido os documentos que atestassem os seus poderes para as entidades que, a essa altura, já eram reco- (prova de que exercia a profissão há pelo menos nhecidas, em contrapartida deu um período muito dois anos, filiação à entidade que representava, curto (de apenas um mês) para aquelas que ain- cópia da ata da reunião em que fora eleito, um da pretendiam buscar essa condição. Em função exemplar do estatuto da entidade – todos auten- disso, o Decreto 22.745 estabeleceu o dia 20 de ticados pela diretoria). Tal não seria suficiente, se maio como a data limite para o ingresso do pedi- a entidade não indicasse por telegrama, no dia da do, sendo que o reconhecimento poderia ocorrer eleição, o nome do seu delegado. Enfim, o MTIC até o dia 15 de junho9. A medida deu mais tempo teria uma série de mecanismos de controle antes para que o MTIC pudesse analisar o grande nú- de reconhecer os poderes do delegado-eleitor, o mero de pedidos que recebeu, sem alijar do pro- que seria formalizado pela publicação da relação cesso as entidades que cumpriram o prazo de so- de nomes no Diário Oficial12. licitação, mas ainda não haviam sido atendidas10. Não se pode esquecer, também, que interessava Embora esses sejam recursos significativos para ao Governo que um grande número de organiza- a manutenção do controle sobre o resultado do ções buscasse o reconhecimento, tanto do ponto pleito, entende-se que o grande elemento a ga- de vista do fortale- rantir a obtenção de resultados conformes ao cimento do sindica- interesse do Governo estava em outro campo, lismo oficial, quan- demarcado pelas circunstâncias da votação, to da consagração pela forma de os eleitores manifestarem o voto e DDI - ALESP DDI - da representação de este ser contabilizado, transformando-se nas classista. 40 cadeiras da representação classista. Ao con- trário do que se possa pensar, a opção foi fixar Todavia, este era regras que deixaram o pleito em aberto e não apenas o primeiro trouxeram muitos constrangimentos aos eleito- (e mais importan- res. Obviamente, esta escolha não ocorreu pelo te) requisito para respeito à autonomia do processo, e sim porque, participar do pleito. da forma como foram elaboradas, elas opera- Depois, era preci- riam a favor do Governo, ao serem colocadas so que a entidade em prática. (sindicato ou asso- Horacio Lafer, deputado classista patronal ciação profissional) Vejam-se, inicialmente, as circunstâncias da vo- por São Paulo. realizasse uma as- tação. Os critérios de elegibilidade eram: ser bra-  sileiro nato; ter mais de 25 anos, sem distinção eram os titulares e os suplentes, não o fazendo, de sexo13; ser alfabetizado; estar na posse dos seriam considerados titulares os primeiros no- direitos civis e políticos; comprovar o exercício mes, até completar o número de vagas previstas da respectiva profissão há mais de dois anos para a categoria17. Se o eleitor não preenchesse o (obtida mediante atestado passado por autorida- total de nomes a que tinha direito, mesmo assim de jurídica ou policial local, dono ou diretor da o sufrágio seria contabilizado, conforme as regras empresa, repartição, oficina ou qualquer outra anteriores. Não era possível atribuir mais de um corporação em que ele estivesse trabalhando), voto a um ou alguns nomes. comprovar filiação à categoria. Subsidiariamen- te, tornava-se inelegível quem fosse membro de Para alguém ser eleito, precisaria figurar na uma entidade, da qual um outro filiado já tivesse condição de titular ou de suplente na maioria sido eleito naquele pleito. Os primeiros quatro absoluta dos votos válidos. Se todas, algumas pontos, ressalvada a questão da diferença de ou alguma das vagas não fosse preenchida na idade, eram comuns aos deputados populares e primeira votação, haveria um segundo escrutí- classistas, enquanto os seguintes, específicos à nio, no qual só poderiam ser sufragados os mais condição de classista. votados dentro do total que correspondesse ao dobro de lugares a preencher. Na nova votação Contudo, em mo- seriam considerados eleitos os que obtivessem mento algum a maioria relativa e, em caso de empate, a decisão legislação estabe- seria por sorteio.

DDI - ALESP DDI - lecia a obrigatorie- dade da inscrição A ausência de candidaturas formais e a condição de candidaturas, e de candidato potencial para grande número de sequer delimitava pessoas, mais a realização de uma única sessão um universo mais eleitoral, voto plurinominal e a exigência da obten- restrito, ao exigir, ção de maioria absoluta dos votos válidos, eram por exemplo, que peculiaridades que estimulavam a competição e os concorrentes dificultavam as negociações prévias. Por conse- fossem delegados- qüência, elas tornavam muito difícil a eleição de eleitores14. O prin- qualquer pretendente, especialmente no caso dos cípio não era o de empregados. Ranulpho Pinheiro Lima, afirmar a condição deputado classista formal de candida- Algumas medidas constantes no Decreto 22.696 profissional liberal por São Paulo. to, e sim o de negar tentavam minimizar esta perspectiva: como se viu, esse direito àque- os eleitores deveriam chegar ao Distrito Federal les que não cumprissem os requisitos de elegibili- com, no mínimo, oito dias de antecedência, além dade, reservando a todos os outros a possibilida- disto o ministro do Trabalho, Indústria e Comér- de de postular o cargo15. cio poderia autorizar que os delegados-eleitores realizassem reunião preparatória, mediante soli- Outro detalhe é que a votação ocorreria em citação deles, em local a ser indicado pelo minis- uma única sessão, no Distrito Federal. Haveria tro. Obviamente, a a passagem direta da reunião da entidade para presença antecipa- a convenção nacional, sem quaisquer instâncias da dos eleitores e

intermediárias formais, como eventos municipais, a possibilidade de ALESP DDI - estaduais ou regionais. eles terem reunião prévia tinham por Quanto à estrutura da cédula e aos procedimen- objetivo permitir a tos de votação, a lei definia sufrágio secreto. Não formação de acor- haveria o voto uninominal, e sim em lista. Logo, dos entre os vários caberia ao eleitor preencher a cédula com os no- pretendentes às mes que mais lhe agradassem, no limite de 27, vagas. Não surpre- no caso dos empregados (18 titulares e nove su- ende, portanto, que plentes), e 26 no dos empregadores (17 titulares e o Decreto 22.940, nove suplentes), cinco no dos profissionais liberais o último a discipli- (três titulares e dois suplentes) e três no dos fun- nar o pleito, tenha 16 Armando Avellanar Laydner, cionários públicos (dois titulares e um suplente) . explicitado que a deputado classista trabalhista A única obrigatoriedade seria discriminar quem cédula poderia ser por São Paulo. Acervo histórico

impressa, datilo- uMA ESTrATéGIA Do PoDEr grafada ou mime-

DDI - ALESP DDI - ografada, ou seja, O artigo procurou identificar e analisar as normas refletir os acordos referentes ao modo de participação da represen- produzidos nesses tação das associações profissionais na Consti- encontros18. tuinte e as regras que determinaram o processo de escolha desses deputados. A intenção foi a de É nesse contexto descortinar os termos em que tal eleição se deu, que o Governo Pro- com seus condicionantes, limites e peculiaridades visório surge como próprias. único ator a conhe- cer os eleitores, a O resultado dessa investigação indica que o ter a condição pri- Governo Provisório de Getúlio Vargas procurou Francisco Moura, vilegiada de atuar manter este pleito sob controle, para isso utili- deputado classista trabalhista como o principal zou-se dos poderes discricionários de que esta- por São Paulo. articulador político va investido ao estabelecer os princípios que de- e maestro das negociações, portanto, com capa- finiram as características do processo eleitoral, cidade para coordenador os votos, viabilizar can- bem como ao manter em suas mãos a aplicação didaturas de interesse dele ou, no mínimo, atuar dessas medidas. No mesmo espírito, procurou com poder de veto sobre postulantes indesejáveis fazer da representação classista uma medida de ou pouco confiáveis. apoio e reforço à política sindical que ele vinha implementando. Isso não significa dizer que o Governo teve a ple- na capacidade de impor candidatos, e sim que ele Entretanto, a es- estava em vantagem nas negociações inerentes a tratégia do Go- uma decisão deste tipo. Afinal, sempre há alguma verno não foi a de DDI - ALESP DDI - margem de risco ou de incerteza em um pleito, atingir os objetivos mesmo em se tratando de um processo com as pretendidos por características deste, em que o Governo contro- meio de normas lou a elaboração e a aplicação das normas. E se viciadas e casu- havia negociação, ele teria de ceder, em alguma ísticas, as quais medida. Logo, abria-se espaço (mesmo que mino- inevitavelmente ritário) a candidatos dispostos a não cerrar fileira deveriam produzir integralmente na força de sustentação de Vargas, aquele resultado, e que procurassem ter uma atuação mais indepen- sim a de adotar re- dente ou reivindicar e negociar alguns pontos que gras que deixaram não faziam parte da perspectiva do Governo ou o pleito em aberto, Guilherme Plaster, não eram prioridade deste. o que redundaria deputado classista trabalhista em sucesso sem por São Paulo. Atente-se para os fatos de que muitos eleitores po- a necessidade de dem não ter concordado com a relação de nomes corrompê-lo. Assim, o voto em lista, a ausência definida na reunião prévia ou que o acordo não de candidatos formais, a realização de uma única envolvia todas as vagas em disputa, sem contar a sessão de votação, na capital federal, e o estabe- possibilidade de haver mais de uma chapa ou au- lecimento de um patamar muito exigente de votos sência de qualquer consenso. E esses diferentes para garantir a eleição eram medidas que dificul- cenários se manifestaram no pleito de cada uma tavam a articulação e a viabilização de candidatu- das categorias. No dos funcionários públicos, as ras e que, na prática, destacaram a condição de duas cadeiras foram definidas no primeiro escru- principal articulador político do Governo, o qual tínio, sem maiores dificuldades. No dos emprega- pôde comandar as reuniões de negociações. dores, o mesmo ocorreu em 15 das 17 vagas, mas houve grande disputa em torno das outras duas vagas. Na votação dos empregados, foi preciso um segundo escrutínio para definir seis cadeiras, num processo complexo e que só foi concluído 20 horas após o início da sessão. Finalmente, na das profissões liberais, nenhuma das três vagas foi eleita na primeira votação19. 39

NOTAS rior, o 22.621, fala em “sindicatos”, a conclusão de que há 18 vagas para os de empregados e 1 Fala-se em mais um recurso porque muitas 17 para os de empregadores torna-se possível, apreciações sobre a representação das associa- quando tal afirmação é cotejada com o Decreto ções profissionais a destacam como a única ou a 19.770, que só permite a existência daquelas for- principal medida de intervenção na Constituinte e mas de sindicatos. Aliás, em nenhum momento esquecem os demais instrumentos de que dispu- do Decreto 22.653 há a declaração explícita das nha o Governo, tais como: elaborar as regras do quatro categorias, o que ocorreria, pela primeira pleito da representação popular (decretos 21.076, vez, no parágrafo único do art. 1º do documento de 24 de fevereiro de 1932, e 22.627, de 7 de seguinte, o Decreto 22.696. abril de 1933); determinar o período das eleições (Decreto 21.402, de 14 de maio de 1932); autori- 5 Entretanto, reserva-se essa denominação para zar a produção de um anteprojeto constitucional o modelo adotado na Constituinte. Aquele que foi (Decreto 22.040, de 01 de novembro de 1932); consagrado na Constituição de 1934 e vigorou definir as inelegibilidades (Decreto 22.364, de 17 no Congresso Nacional até novembro de 1937, de janeiro de 1933); estabelecer o Regimento tinha uma configuração diferente e é denomina- Interno da futura Constituinte, o número e a dis- do “representação por ramo da produção”. Dessa tribuição das cadeiras entre os estados (Decreto forma, acaba sendo impreciso chamar de “repre- 22.621, de 5 de abril de 1933). sentação classista”, a experiência brasileira como um todo ou os diversos modelos propostos. Ver: 2 Havia quem defendesse a revogação do artigo BARRETO, Alvaro. Representação das associa- 142 do Código Eleitoral. Uma corrente de opinião ções profissionais no Brasil: o debate dos anos liderada pela Federação das Indústrias do Esta- 1930. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, do de São Paulo e que voltaria a se manifestar na n.22, jun. 2004. Constituinte, desejava que essa representação atuasse como órgão consultivo. O Ministério da 6 Com isso, não se pretende corroborar a tese Justiça encaminhou ao Tribunal Superior de Jus- de que a eleição foi manipulada, tão-somente, tiça Eleitoral (TSJE), para consulta, um antepro- ressalvar que esta se deu num cenário diferente, jeto determinando que as entidades teriam direito e muito mais preciso, do que o das eleições po- de voz e voto na Constituinte. O TSJE manifes- pulares, razão porque o Governo pôde confirmar, tou-se contrário à idéia e sugeriu que essa par- corrigir ou modificar a estratégia pretendida em ticipação fosse apenas “consultiva”. Outras, em relação à representação das associações pro- especial o Clube Três de Outubro, advogavam fissionais, especificamente, e à Constituinte, em pelos poderes deliberativos, a exemplo da de- geral. De modo mais preciso: quando da reali- cisão do Governo, mas queria influenciá-lo para zação do pleito classista, ele já sabia que teria que adotasse o “seu” modelo. Há fortes indícios maioria, embora esta não fosse estável e ple- de que o Governo Provisório sempre tenha pre- namente confiável, como seria demonstrado na tendido regulamentar a medida como o fez (com Constituinte. Aliás, a bancada classista também atribuições deliberativas), como comprova o an- não foi uma base com tais características. Ver: teprojeto enviado ao TSJE, contudo, a confirma- BARRETO, Alvaro. Aspectos institucionais e po- ção dessa intenção dependeria de conjunturas líticos da representação das associações profis- políticas e esteve, por conseguinte, sujeita a de- sionais, no Brasil, nos anos 1930. Porto Alegre, senlaces alternativos. Ver: BARRETO, Alvaro. O 2001. Tese (Doutorado em História). PUCRS. Código Eleitoral de 1932 e a representação das associações profissionais. História em Revista. 7 A Justiça Eleitoral só teria participação na fase Pelotas, vol 8, dez. 2002. final do processo: caberia a ela homologar os eleitos e, em função disto, apreciar processos de 3 Em nenhum documento legal, porém, o Gover- contestação dos resultados. no definiu quais seriam as profissões liberais. 8 A transferência de responsabilidades pode ser 4 A redação do art. 1º do Decreto 22.653 não de- verificada no seguinte detalhe: a grande maioria termina explicitamente as vagas dos sindicatos, dos decretos referentes ao processo é assina- apenas afirma o total de cadeiras de cada classe, da por Getúlio Vargas e pelo Ministro da Justiça e extrai desse total, aquelas correspondentes às (Maurício Cardoso e, depois, Francisco Antunes associações civis. A rigor, como o decreto ante- Maciel). Quando há a assinatura de outros mi- Acervo histórico

nistros, elas aparecem na seqüência dos nomes do pelo TSJE. Na prática, portanto, houve duas indicados acima. No caso dos decretos que tra- idades mínimas para deputado constituinte em tam especificamente da representação das asso- 1933: 21 anos para representantes populares e ciações profissionais, a ordem é alterada: depois 25 para os classistas. Ver: Idem. de Getúlio Vargas, quem assina é o Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio (Joaquim Pedro 14 Muitos dos empregadores, funcionários públi- Salgado Filho, no caso), somente em terceiro lu- cos e profissionais liberais eleitos não eram de- gar aparece o nome do Ministro da Justiça. legados-eleitores. No caso dos empregados, ao inverso, todos foram eleitores. Ver BARRETO, 9 O prazo valia também para as associações pro- 2001. fissionais, mas estas precisavam comprovar que tinham registro civil, o que seria necessário quan- 15 Destaca-se, ainda, que, como não havia inscri- do da homologação do delegado-eleitor. ção formal para candidato, a confirmação efetiva da elegibilidade dar-se-ia quando da homologa- 10 Entre maio e 15 de junho de 1933, houve quase ção do resultado pelo TSJE ou, informalmente, 150 reconhecimentos, contra pouco mais de 250 durante as reuniões de negociação entre os elei- ocorridos desde a entrada em vigor do Decreto tores para estabelecer candidaturas de consen- 19.770, em março de 1931. Apenas como exem- so. plo, se fosse mantido o prazo original, somente oito entidades patronais poderiam participar. Ver: 16 Houve contradição entre os decretos 22.696 BARRETO, 2001. e 22.940, sendo que o ministro Salgado Filho, quando da realização das eleições, estabeleceu 11 A lei não faz referência a quem cobriria os cus- que fossem dois os suplentes de funcionários pú- tos de deslocamento, nem se estaria garantida blicos. Cf. BARRETO, 2001. dispensa justificada e/ou remunerada do traba- lho durante o período. Especialmente no caso 17 Essas orientações constam no último Decreto, da classe dos empregados, essas questões de o 22.940. Com essa mudança, houve candidatos ordem prática poderiam influenciar decisivamen- a deputados e candidatos a suplente, bem como te na participação ou ausência de um delegado- um pleito para cada uma dessas condições, pois eleitor. a suplência não mais seria atribuída automatica- mente aos primeiros mais votados depois dos 12 A indicar a dificuldade que o MTIC teve para eleitos. No caso dos funcionários públicos, por administrar esse processo e/ou as controvérsias exemplo, o segundo turno foi realizado apenas em torno da oficialização dos delegados-eleito- para escolher os suplentes, pois os titulares fo- res, a listagem de cada categoria foi publicada ram eleitos na primeira votação. mais de uma vez, até chegar à versão definitiva. Cf. BARRETO, 2001. 18 A referência também poderia servir para evitar que, frente à ausência da indicação dessa possi- 13 O Decreto 22.653 seguia o Código Eleitoral de bilidade nos decretos anteriores, o aparecimento 1932, o qual estabelecia 21 anos como idade mí- desse tipo de cédula suscitasse reclamações du- nima para ser deputado. Em instrução posterior rante a votação ou contestações junto ao TSJE. (Dec. 22.696) o limite passou a ser 25 anos, o qual foi aplicado pelo MTIC e, depois, referenda- 19 Cf. BARRETO, 2001.

Acompanhe as publicações do Acervo Histórico As publicações do Acervo podem ser solicitadas diretamente no Portal da Assembléia Legislativa. Consulte nosso catálogo de publicações! www.al.sp.gov.br/web/acervo/index_acervo.htm 41 O Legislativo Paulista e a Justiça Criminal (1937-1950)

Leandra Elena Yunis*

Este artigo apresenta de forma resumida parte Antes do golpe dos resultados da pesquisa histórica do projeto Construção das Políticas de Segurança e o Sentido Em 1937, a Assembléia estava constituída por da Punição, 1822-2000, desenvolvidas pelo Núcleo deputados partidários ou classistas3. Neste perío- de Estudos da Violência da Universidade de São do, as forças divergentes a respeito das questões Paulo1, especialmente concernentes ao período de que nos interessam encontravam-se entre os dois 1937 a 1950. Destaca os eventos referentes à es- principais partidos: o Partido Constitucionalista trutura do aparato repressivo e sua relação com as (PC), representando a oligarquia dominante, e o esferas de poder, sobretudo aqueles que refletiam velho Partido Republicano Paulista (PRP), que com maior clareza os diferentes sentidos ideoló- fez as vezes da oposição, apoiado por liberais e gicos ou políticos que se incorporavam às ações pela classe média, embora suas antigas bases punitivas, legais ou arbitrárias, da polícia e demais estivessem na oligarquia paulista. agentes da lei, e que tiveram maior repercussão na imprensa e nos debates parlamentares da Assem- Os debates mais fervorosos deste ano se dão em bléia Legislativa do Estado daqueles anos. torno da questão do Presídio Maria Zélia, criado em 1935 para receber presos políticos envolvidos Sob a orientação de buscar elementos que tra- na tentativa de levante comunista dirigido pela or- tassem das políticas de segurança pública e suas ganização de esquerda Aliança Nacional Liberta- instituições, da organização do sistema de justiça dora. O Presídio situava-se à Avenida Celso Gar- criminal e de documentos da esfera política que cia com a Rua dos Prazeres, no bairro do Brás, revelassem casos de arbitrariedade e violência onde anteriormente funcionara uma fábrica de policial, tanto dentro como fora das instituições tecidos de juta, do empresário Jorge Street, que respectivas, buscamos registros que fizessem construíra uma vila operária contígua a ela, bati- menção direta ao nosso tema2. zando o complexo com o nome da filha falecida. Sob o argumento da ameaça comunista, muito Após a análise cuidadosa da documentação, pu- dos prisioneiros eram, na realidade, perseguidos demos perceber a maior relevância de alguns por razões político-partidárias ou pessoais. Entre acontecimentos e temas que são centrais em três eles estiveram intelectuais e políticos de esquerda momentos históricos distintos. Assim, apresenta- de grande importância, como Caio Prado Júnior. remos os principais eventos antes do golpe de Es- tado de 1937, depois, a reorganização administra- Superintendido pelo Departamento Estadual de tiva ocorrida no período da ditadura estadonovista Ordem Política e Social, o Maria Zélia foi palco e, por fim, as reformulações legais e práticas a de dois casos graves de violência e transgres- partir da abertura democrática em 1945. Também são policial: o primeiro ocorreu na noite de 18 de abordaremos ligeiramente a questão da impren- Agosto de 1936, quando a guarda interna simulou sa como fonte e, antes das considerações finais, bombardeio e incêndio no prédio, ferindo diversos apontamos algumas reflexões sobre a atuação presos (não se sabe quantos mortos) e depredan- policial do período estudado. do suas celas e bens particulares. O segundo epi-

* Bacharel em História pela Universidade de São Paulo e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP ([email protected]). Acervo histórico DAH - ALESP DAH -

A fábrica Maria Zélia, em imagem de 1922, cuja planta, à direita, se transformaria em presídio político nos anos 1930. sódio ficou conhecido como “São Bartolomeu do em parte por um ou outro antigo deputado que Maria Zélia”, ocorrido na noite do dia 21 de Abril compusera a Assembléia; mas a função desse de 19374. Houve uma tentativa de fuga e, captu- novo órgão era declaradamente administrativa, rados dentro dos limites murados do “presídio”, sendo as sessões completamente diferentes de alguns detentos foram fuzilados sob comando e um debate parlamentar. Suas deliberações bus- execução de membros da Divisão Especial da cavam a coerência com as diretrizes centrais do Guarda Civil (criada em 1934). Todos os mem- executivo federal, sob a direção direta de seu in- bros deste grupo da divisão policial acima referida terventor no governo do Estado5. Tais diretrizes eram militantes da AIB (Ação Integralista Brasilei- apoiavam-se legalmente na nova Constituição, a ra), movimento de caráter fascista; o comandante “Carta Magna” escrita por Francisco Campos e da Divisão, Pedro Kaufmann, compunha a guarda conhecida como “Constituição Polaca”, baseada pessoal do ex-Governador de São Paulo e candi- em moldes fascistas6. dato à presidência, Armando de Salles Oliveira. Todas as medidas governamentais relativas a O Deputado Alfredo Ellis Junior (PRP) levou São Paulo ficavam sob responsabilidade deste adiante os debates e trouxe mais elementos à As- conselho, composto por membros designados sembléia, lutando inclusive pela formação de uma também por nomeação direta (decreto) do Che- Comissão Especial, que não foi aprovada, para fe da Nação. Esses conselheiros, em geral, eram acompanhar a apuração do inquérito. Os mem- homens de carreira política já consolidada no Es- bros do Partido Constitucionalista de São Paulo, tado e muitos tinham formação em Direito. A per- maioria na Assembléia, assumiram com tenaci- manência de alguns deputados serviria para fazer dade o discurso oficial dos fatos e endossaram a transição “funcional” deste órgão, cujo poder, as medidas policiais, entretanto, era restrito ao encaminhamento de refletindo um discur- assuntos relativos às demandas municipais, pois, so extremamente embora centralizasse as decisões finais, o gover- autoritário. Para os no do Estado ficou fragmentado pela autonomia deputados de opo- administrativa das municipalidades7. sição ou minoria (à

Coleção Dainis Karepovs exceção da AIB), a Os conselheiros eram definidos também como juí- ameaça comunista zes, sendo o juiz soberano o Presidente da Repú- constituía uma evi- blica. Estes novos “juízes” da administração pública dente farsa, sob a do Estado tiveram papel decisivo no governo des- qual se realizavam te período, pois estiveram a seu critério, pessoal mandos e desman- ou profissional, ou, ainda, ideológico, as decisões dos de grandes au- administrativas e as medidas que não podem ser toridades políticas consideradas como simplesmente administrativas Deputado Alfredo Ellis Júnior ou policiais em per- – como as de caráter policial repressivo, permea- (1896 – 1974). seguições partidá- das por interesses dos mais diversos graus. rias e pessoais. A documentação referente às sessões deste Con- PLEnA DITADurA selho revelou o seguinte: não havia discussões ou o que se poderia considerar um debate. A ordem De 1937 a 1947, a Assembléia Legislativa esteve do dia consistia na votação dos projetos de leis, fechada e funcionou em seu lugar o Departamen- projetos de resolução, pareceres e outras medi- to Administrativo do Estado – a partir de 1943, das. Quando muito, um ou outro membro pronun- denominado Conselho Administrativo –, integrado ciava sua queixa, protesto ou argumento a favor ou 4 contra determinada votação. Não havia discussão, relação à reformulação e aplicabilidade de leis e à passava-se rapidamente ao próximo tema. Por- tomada de medidas imediatas em relação às várias tanto, esse órgão deliberativo funcionava de forma questões cotidianas e estruturais da polícia e suas absolutamente apolítica, obedecendo às diretrizes instituições. O embate com o Executivo se tornou federais impostas pelos decretos do Presidente. mais evidente, visto que as instituições policiais e penitenciárias estavam nas mãos de autorida- Nota-se que, se por um lado o regime autoritário des tuteladas pelo Executivo, dependendo delas do Estado Novo se apoiava declaradamente so- a reformulação concreta de suas instituições. Os bre as Forças Armadas, não é menos revelador próprios deputados do Partido Social Progressis- que tenha sido apoiado com entusiasmo por anti- ta, ao qual pertencia Adhemar de Barros, pediam gos políticos que nele permaneceram atuando e, a intervenção direta do Governador em assuntos sobretudo, por juristas e bacharéis em direito. Po- nos quais a regulamentação legal estava longe de demos considerar que esta nova organização go- se realizar. Havia dispositivos legais e propostas vernamental em departamentos administrativos, de lei tramitando, ainda, em pleno desacordo com regidos por conselhos compostos por antigos re- a nova Constituição; incoerentes com os princí- presentantes políticos de reconhecida competên- pios democráticos instituídos, tais leis causavam cia jurídica e com apoio de setores “ilustrados no a lentidão no proces- direito”, constituiu uma das fontes de poder deste so de mudanças. regime autoritário de feições totalitárias8. Entre os deputados

Com o advento da II Guerra Mundial, esta estru- ALESP DAH - que compareciam tura, que se espelhava em modelos fascistas, su- à tribuna com pro- cumbiu às necessidades econômicas e geoestra- postas em relação à tégicas internacionais, que deslocaram o eixo das segurança pública, relações diplomáticas entre Brasil e Alemanha, Alfredo Farhat (PDC) para o estreitamento político com os Estados Uni- foi um dos mais as- dos. A democratização interna do País, ao menos síduos, propondo: constitucional, também refletia as mudanças de in- reestruturação da teresses econômicos internos e das possibilidades carreira de delegado externas. Entretanto, a organização policial não de polícia; reformula- sofreu o mesmo processo: pelo contexto da guerra ção do sistema peni- Deputado Alfredo Farhat sofreu uma militarização em seu proceder, por um (1909 - 1979). tenciário, apoiado no lado; e, por outro, manteve-se isolada das esferas novo dispositivo do decisórias, mantendo-se rígida às transformações Código Penal, que garante a integridade moral e e tornando-se autônoma – seja em decorrência da física do detento e a individualização da pena; au- atomização, que também sofreu pelo sistema de mento dos vencimentos da Guarda Civil e Força municipalização, ou pelo autoritarismo inerente ao Pública e também dos inativos. Discute também a seu papel consolidado naquele regime. necessidade de descentralização da polícia e, em 1949, apresenta projeto de lei que propõe o des- EnTrAvES DA DEMoCrATIzAção dobramento das Varas das Execuções Criminais da Vara do Tribunal do Júri, com apoio de todas Em 1947, se instala, em decorrência do processo as autoridades do setor. Constitui uma referência de democratização iniciado em 1945, a Assem- no assunto, pela sua produção escrita e suas pro- bléia Constituinte paulista: todos eleitos através postas de lei, e pelo seu estreito relacionamento de seus partidos, sendo extintos os deputados com as autoridades e as instituições envolvidas. classistas. A configuração partidária era muito di- versificada, mas pode-se dizer que nossos princi- Outra coisa que se apresenta com especial re- pais interlocutores, neste tema específico da Se- levância nos debates deste ano em torno da se- gurança Pública, são deputados da União Demo- gurança pública é a busca de adequadas formas crática Nacional, do Partido Social Democrático, de atualização e readaptação das instituições à do Partido Democrata Cristão, do Partido Traba- nova realidade urbana de São Paulo. O aumento lhista Brasileiro e do situacionista Partido Social da demanda, a superlotação dos presídios, bem Progressista; todos com considerável número de como o enraizamento de antigos hábitos e prá- representantes formando sua bancada9. ticas repressivas, a desatualização científica e a precariedade do aparelhamento policial e dos sa- Neste período de democratização, se assiste lários, – tudo relacionado ao crescimento desor- constantemente à inquietação dos deputados em denado da cidade, à economia em recessão, e ao Acervo histórico aumento da instabilidade no mercado de trabalho que denunciaram, em 1937, maus tratos aplicados e da criminalidade – propiciaram a degradação a doentes psiquiátricos do Hospital do Juqueri. No moral da polícia e contribuíram para a ineficiência caso Maria Zélia, O Radical, do Rio de Janeiro, di- em sua função primordial, segundo a maioria dos vulgou o caso e se posicionava abertamente con- parlamentares de diversas correntes políticas que tra a Polícia Política e as autoridades institucionais abordaram o tema. e governamentais, sendo utilizado como fonte e publicado a pedido de deputado envolvido no de- Aliás, a questão da função policial também pas- bate. O jornal A Última Hora e muitos outros têm sa por uma rediscussão, pois, se antes a polícia suas notícias ventiladas ao longo dos debates. era o aparelho repressivo por excelência do regi- me autoritário estadonovista, agora ela deve “re- Apesar da censura política à imprensa paulista, significar” a sua prática em função de seu novo e a toda imprensa do País, imposta desde 1935, sentido político – que é o de garantir a segurança alguns fatos envolvendo irregularidades e arbitra- das instituições democráticas, do bem público e riedades policiais, dentro ou fora das instituições, dos cidadãos dessa nova ordem. Embora esta ne- ainda eram abordados mesmo nos jornais mais cessidade seja apontada, sobretudo pelo PSD e conservadores e, numa dupla via, os debates tam- pelo PDC, não se avança muito nesta questão em bém lhes serviam de fonte insuspeita. Acontece, termos concretos – seja no âmbito da legislação, curiosamente, que grande parte do material desta seja no da reorganização das estruturas, da regu- imprensa também passa a ser alimentado pela pró- lamentação das práticas ou da formação policial. pria Assembléia Legislativa, pois, sendo seus de- bates matéria de publicação oficial, não poderiam Da imprensa para o D.O. e vice-versa ser censurados. Muitos recorrem diretamente aos deputados que defendiam suas causas, ou causas A imprensa não é nossa fonte primária e nem re- semelhantes, para que trouxessem a público os re- corremos com freqüência a ela, salvo para preen- latórios de polícia, depoimentos, casos pessoais, cher algumas lacunas – tarefa ainda incompleta, cartas e diversas informações sobre as instituições pois as publicações e diários deste período, que punitivas em estado precário ou irregular, informa- nos interessam, estão em restauro no Arquivo do ções, estas, provavelmente vetadas pela censura. Estado. Entretanto, não podemos desconsiderar que o próprio Diário Oficial, no qual consultamos De 1938 em diante, o Governo Federal conseguiu os debates, tem uma relação particular com as expandir de tal forma seu controle sobre os meios demais formas de imprensa. A reflexão sobre esta de comunicação, que seu uso e sentido chegam a relação se demonstrou vital para nossa pesquisa, ser completamente invertidos, e o rádio e os jornais pois os jornais constituíam as fontes dos parla- se tornam instrumentos de propaganda do regime. mentares, pois davam publicidade aos fatos coti- Em São Paulo, o Governo expropria O Estado de dianos específicos que demonstravam as falhas e S. Paulo, que fica em suas mãos de 07/04/1940 arbitrariedades do sistema de segurança, sobre- até 06/12/1945, oficialmente. Durante este perío- tudo do âmbito punitivo e repressivo. do, a imprensa deixa de ter o papel de arena dos conflitos ideológicos e políticos da sociedade, e de Praticamente, sem exceção, todos os parlamen- fonte para os debates, para se tornar um veículo tares se serviram de notícias de jornal para expor de propaganda do Estado, um órgão formador da casos de perseguição política; arbitrariedades po- inventada “opinião pública”, a partir da idéia dis- liciais nas ruas envolvendo extorsão em dinheiro, torcida, também, de imprensa pública. Além disso, espancamentos e prisões ilegais; irregularidades a própria relação entre o Departamento Adminis- graves nas instituições penitenciárias e mani- trativo do Estado e a sociedade é tão distante e cômios e uso indevido de estruturas físicas das silenciosa, politicamente falando, que não há um mesmas; violência contra trabalhadores urbanos único vestígio dessa relação nos Anais. e pobres assentados em terras do Estado; ques- tões políticas envolvendo delegados; deficiências Só depois de um hiato oito anos, em 1945, é que os no regime de trabalho dentro de institutos; depoi- órgãos liberais e populares de imprensa retomam mentos de testemunhas oculares e vítimas de o fôlego anterior e mantêm, em sua linguagem, o execução criminosa ou outros atos de violência mesmo ímpeto denunciador e engajado que os ca- policial, injustiça e impunidade. racterizavam antes do golpe de Estado. A impren- sa oficial retoma sua antiga função de organizar e São casos desta circulação intencional de informa- divulgar prioritariamente as informações de inte- ções, as notícias retiradas de órgãos livres como resse público e os debates políticos, que voltam à Diário de São Paulo e da Gazeta10, por exemplo, ordem do dia. Entretanto, a atenção dada aos as- 4 pectos da segurança diminui consideravelmente, o sentido político e o sentido público da ação poli- se comparada aos extensos debates em torno das cial. O primeiro período envolve a constituição de questões prementes sobre urbanização, indústria, um Departamento de Polícia especializado neste energia e reformulação da política agrária. setor (Departamento Estadual de Ordem Política e Social). A questão da perseguição política ainda A PoLíCIA QuE oS DEbATES rEvELAM revive em debates posteriores dos fins de 1940, intimamente relacionada à questão trabalhista. Embora a documentação apresente essa clara di- Por outro lado, o poder coercitivo da polícia apa- ferença política sobre a atenção e publicidade que rece relacionado ao poder político, não apenas na a Assembléia dispensou aos casos de segurança manutenção do regime ditatorial de 1937 a 1945, pública entre os períodos acima delineados, pude- mas, também, posteriormente, em setores políti- mos verificar que os temas debatidos revelavam cos associados a autoridades policiais com finali- a continuidade de alguns problemas centrais, que dades eleitorais de ambos os lados. podem ser alinhados em três grupos: instituição e espaço público aberto; polícia e política; e polícia Por fim, o terceiro tema, relativo à relação- poli e trabalho. cia-trabalho, envolve a condição trabalhista das próprias corporações policiais, que aparece como Quanto à questão da instituição, vemos que há problemática, sobretudo nos últimos anos da dé- uma tênue diferença entre a estrutura concreta e cada de 1940, em que há uma constante luta pelo encerrada, que envolve um presídio ou um hospi- aumento dos salários da Guarda Civil do Estado e tal psiquiátrico, e a atuação das polícias nas ruas. da Força Pública, concomitante ao crescimento de Consideramos a instituição algo relativo às estru- denúncias de casos de arbitrariedades policiais di- turas concretas planejadas para o recolhimento e rigidas diretamente contra trabalhadores dos mais segregação, ou reabilitação, dos sujeitos consi- diversos tipos. Configurava-se uma imagem hostil, derados nocivos à ordem social instituída, e das recíproca a ambos, trabalhadores e policiais11. instituições judiciárias que as envolvem. Mas o espaço público aberto das ruas constitui o campo O policial é um trabalhador que carrega a dubie- dos limites da atuação policial pela sua visibilidade dade de ser trabalhador para si, para o sustento social – a interface com a sociedade, onde apare- de sua família e, ao mesmo tempo, peça funda- ce claramente a resposta desta. Neste, os policiais mental para a manutenção do regime em vigor. encontram-se imbuídos do poder da autoridade de Depara-se com o trabalhador ambulante, ao qual que se reveste a sua função, e, em toda relação associa a imagem do vagabundo (um “perigo so- com um civil, essa alteridade dos lugares sociais cial” para a sociedade, desde a década de 1930), constitui também uma situação institucionalizada. ou com os operários recém-libertos da proibição às greves (década de 1940). O estreitamento entre a esfera política e a policial se dá em função da necessidade de se averiguar Resultante das mudanças socioeconômicas e da permanência de certos valores, te- mos visto que à figura do trabalha- dor organizado que luta pela me- lhoria de seus salários, se agregou a antiquada imagem de subversivo da ordem social; o policial, por sua vez, aparece, contraditoriamente,

Coleção Dainis Karepovs como autoridade poderosa, mas destituída de valor moral; atuando sob o estancado regime de traba- lho e as vicissitudes da função a que se sujeita, age à deriva de sua desvalorização salarial e social.

Tal desvalorização se dá, principal- mente, durante a abertura demo- crática de 1947, em parte, devido à Vista aérea da Penitenciária do Estado, no Carandiru, que foi projetada crise econômica que também afeta por Samuel das Neves e construída, com algumas alterações, pelo 12 escritório de Ramos de Azevedo entre 1911 e 1920, em imagem feita este setor , em parte, devido à rí- cinco anos após sua abertura. gida e desatualizada organização Acervo histórico de suas instituições, inaptas às novas políticas pú- sua vez, pelas transformações mundiais. blicas ainda em processo de consolidação. A nova realidade mostrava-se completamente diversa e O tema da organização da segurança pública, mais complexa em vários sentidos; verifica-se a pensando adequar a funcionalidade de suas ins- disseminação, ou perpetuação, de métodos arbi- tituições a princípios mais humanos e a uma con- trários e violentos por parte da polícia, que acaba trapartida socioeconômica útil, tem-se apresen- por atuar de forma praticamente independente das tado polêmico ao longo deste período, revelando leis e dos princípios democráticos. as forças políticas em jogo e a maior ou menor participação das autoridades governamentais e Desta forma, não se pode caracterizar de forma políticas para a solução de problemas relativos estanque um perfil social do trabalhador, do poli- ao Departamento de Segurança, de acordo com o cial e do criminoso. Quanto a este último, criou-se que lhes compete ou convém em cada momento. até uma especialidade científica em fins do XIX, a criminologia13, encarregada de definir em termos Conforme São Paulo se moderniza, em termos antropológicos, sociais e biológicos o que deter- tecnológicos, e cresce, em termos industriais e ur- minava a orientação dos indivíduos ao crime. Po- banos – transformação que se acentua na década demos, antes, afirmar que estes perfis têm sido de 1950 – a questão da segurança pública se tor- desenhados ideologicamente nos diferentes perí- na mais complexa, e hoje ainda resvala em proble- odos, de acordo com uma concepção dominan- mas antigos, surgidos no decorrer do século; guar- te, implícita ou explícita, dos sujeitos sociais em da traços nítidos da desorganização e atraso do fi- questão, e conforme a adequação de seus atos nal da década de 1940, do autoritarismo policial da ao convívio coletivo e às leis. As condições socio- década de 1930, da ausência de vontade política econômicas tampouco podem ser consideradas para a modificação estrutural dos problemas, da irrelevantes, ao contrário, aparecem como propi- perpetuação de ranços ideológicos reacionários ciadoras de opções – dentro ou fora da lei – para que alinham os direitos humanos com ideologias a transgressão da mesma, como nos demonstram subversivas, e da utilização arbitrária das organi- os debates de fins da década de 1940. zações, leis, órgãos e agentes do Estado para uso político ou particular por parte dos governantes. Considerações Finais De forma alguma esta pesquisa encerra as ques- Pudemos apresentar no presente texto algumas tões históricas sobre a segurança pública e as ins- impressões obtidas com a análise dos debates tituições prisionais, como a origem de seus proble- parlamentares de 1937 a 1950, com o propósito mas, ou pode responder ao problema do aumento de esboçar um quadro geral do funcionamento da criminalidade e da violência na atualidade. Mas das instituições prisionais, da relação estabele- acreditamos que é necessário insistir na amplia- cida entre os agentes da lei e a sociedade civil, ção do debate sobre estas questões, que têm tido permeada por ideologias de Estado, e da posi- atenção menor das autoridades e são considera- ção dos parlamentares diante das evidências das terreno imutável para a maior parte das pesso- publicadas constantemente pela imprensa. Bus- as, mas podem ser repensadas e transformadas e cou-se contextualizar, de maneira sucinta, as são fundamentais para o bom e efetivo funciona- mudanças neste setor, conforme as alterações mento das instituições democráticas e para o al- políticas de ordem nacional, influenciadas, por cance de uma sociedade mais justa e equilibrada.

NOTAS 2 Até a presente etapa, o projeto trabalha basi- camente com documentação oficial, como leis, 1 SALLA, Fernando. Projeto Cepid 2. Constru- relatórios de secretários da Segurança Pública ção das Políticas de Segurança e o Sentido do Estado e mensagens de governador, além dos da Punição, 1822-2000. São Paulo, Núcleo de debates parlamentares e anais da Assembléia Le- Estudos da Violência. Relatório Fapesp (setem- gislativa do Estado, exaustivamente consultados bro/ 2003). O NEV também é conhecido como nas dependências do Acervo Histórico e Bibliote- Centro de Estudos da Violência e constitui um ca da ALESP. Agradecimentos especiais a Dainis dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão Karepovs (Acervo Histórico) e ao pessoal da Bi- da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado blioteca – principalmente Ângelo, Leda, Marina e de São Paulo (CEPID/FAPESP). Solange – pela atenção, solicitude, orientação e 47

assistência nas pesquisas ao Diário Oficial, banco de nossa vida funcional. O Departamento Admi- de dados e demais documentos históricos. nistrativo é um aparelho novo, sem similar no nosso direito, que lhe fornece orientação defi- 3 Essa segunda categoria deriva da organiza- nitiva. É um instrumento admirável de unida- ção eleitoral instituída pela constituição federal de, nesta fase de revigoração nacional, por se de 1934, em que as associações ou sindicatos, tratar de um órgão decisório nos municípios e registrados no Ministério do Trabalho, poderiam nos Estados, servindo como que de câmara de indicar, de acordo com o estatuto interno de cada reajustamento entre as peculiaridades da célula entidade, um delegado-eleitor. Através de uma municipal e os interesses da universalidade fe- assembléia organizada pelo Ministério do Tra- deral.” Discurso de Marcondes Filho durante a balho ou pelos Tribunais Regionais Eleitorais, posse de seu sucessor. A solenidade de posse empregados ou industriais votavam em seus re- foi coberta pelo jornal conservador O Estado de presentantes, conforme sua categoria, e os elei- S. Paulo e publicada em 19/06/1941. tos deveriam compor o parlamento ao lado dos políticos partidários. Em São Paulo, foram elei- 8 Ver a discussão sobre totalitarismo em DUTRA, tos 15 deputados classistas por 288 delegados- Eliana Regina de Freitas. O ardil totalitário ou a eleitores. Ver CALIMAN, Auro Augusto (Coord.) dupla face na construção do Estado Novo. Tese Legislativo Paulista: Parlamentares, 1835-1998. de Doutorado. São Paulo, FFLCH-USP, 1990. São Paulo; Imprensa Oficial, 1998, p. 116. 9 Estes partidos também tinham ampla articula- 4 Data de comemoração cívica em homenagem a ção nacional. Tiradentes, mártir da Inconfidência Mineira. Neste dia se realizariam festejos civis na Praça da Sé, 10 A respeito do desenvolvimento das relações en- que foram proibidos e reprimidos pela polícia. tre imprensa livre e política, ver CAPELATO, Ma- ria Helena Rolim. Os Intérpretes das Luzes. Libe- 5 As sessões do Departamento Administrativo es- ralismo e Imprensa Paulista - 1920-1945. Tese de tão publicadas no Diário Oficiale nos seus Anais. Doutorado. São Paulo, USP/FFLCH, 1986. A documentação é esparsa, pois os assuntos apresentados estão misturados e não organiza- 11 Interessante trabalho a respeito do imaginário dos por títulos ou por secretarias – como aconte- policial do período por PEDROSO, Regina Célia. ce na diagramação do Diário Oficial em período O Olhar Vigilante – Estado Autoritário e Ideolo- posterior –, de forma que qualquer localização gia Policial (1924-1940).Tese de Doutorado. São mais organizada e sistemática de assuntos e te- Paulo, FFLCH-USP, 2001. mas de interesse específico foi impossível, cons- tituindo ainda uma lacuna nesta pesquisa. 12 Para uma visão de contexto econômico ver FURTADO, Celso. Formação Econômica do 6 A constituição entrou em vigor em 11 de no- Brasil. São Paulo, Nacional, 1964. vembro de 1937, por decreto do presidente, mas nunca foi legitimada pelo povo; embora Vargas 13 A criminologia se desenvolveu no campo do prometesse um plebiscito popular para a aprova- direito, como especialização do tema relativo à ção do novo regime, este jamais se realizou. criminalidade e seus fatores determinantes. A antropologia criminal – que chegou a ser um si- 7 “O Departamento, em certo sentido, funciona nônimo da criminologia e a sua base epistemoló- como um tribunal. Aqui se determinam, de acor- gica – define-se pelo estudo da mente criminosa, do com as necessidades de tempo e a situação apoiando-se em vertentes das ciências humanas dos negócios públicos, certos rumos da adminis- e biológicas que tem como objeto de estudo a tração municipal, critérios orçamentários, amplia- personalidade e o comportamento humano. Um ção e restrição de medidas coletivas. Ademais, de seus representantes emblemáticos foi Cesare funciona como órgão opinativo nos recursos de Lombroso, conhecido por seus estudos e teorias atos dos prefeitos e como órgão informativo dos no campo da caracterologia, ou seja, a relação poderes federais sobre atos da Interventoria. Do entre características físicas e mentais. Esta ultra- resultado das nossas discussões e votações, passada e preconceituosa teoria, muito utilizada uma determinada jurisprudência se forma, ser- pelos nazistas e fascistas do século passado, vindo de orientação aos administradores. Foi não esgotou, todavia, o seu fascínio e influência transposto com felicidade o período mais difícil sobre a formação policial e jurídica de hoje. Acervo histórico Leis&Letras O Ardente Paulo Setúbal

Suely Campos Azambuja*

“Setúbal era o encanto feito homem. Impossível Um dia amanheceu romancista histórico, e fui maior exuberância, maior otimismo, maior entusias- ainda eu o seu editor. Os originais da Marquesa mo – mais fogo. Dava-me a impressão duma sarça de Santos só tive- ardente – e talvez por isso se fosse tão cedo; quei- ram do meu lado mou-se demais, ardeu numa vitoriosa chama con- uma objeção. Ha- tinua. Os homens prudentes regulam com avareza via ali pontos de esse processo de combustão que é a vida. Ardem, admiração demais, mas como a brasa sob as cinzas – no mínimo – para pontos que davam

ganhar em extensão o que perdem em intensidade. para cem roman- Coleção Dainis Karepovs Mas Setúbal não se continha: era uma perpétua la- ces do mesmo ta- bareda de entusiasmo, de amor, de dedicação, de manho. Sempre projetos, de serviço, de cooperação, de boa von- foi, em cartas e na tade. Não havia nele uma só qualidade negativa. literatura, uma das Lembro-me de quando me apareceu pela primeira inevitáveis exterio- vez na Rua Boa Vista, escritório da Antiga Revis- rizações de Setú- ta do Brasil. Entrou aos berros, com um pacote de bal, esse gasto na- Paulo de Oliveira Leite Setúbal versos em punho – Alma Cabocla. Era a primeira babesco de pontos (1893-1937). vez que nos víamos, mas Setúbal tratou-me como de admiração. Por a um conhecido de mil anos... Entrou explodindo e ele, todos os mais pontos da língua desaparece- permaneceu a explodir durante toda a hora que lá riam da escrita, proscritos pelo crime de secura, passou. [...] frieza, calculismo, falta de entusiasmo...

Ficamos todos num enlevo, a assistir àquele fais- Objetei contra aquele excesso e consegui licença camento recém-chegado do interior, cheirando a para uma poda a fundo. Cortei quinhentos pon- natureza, numa euforia sem intermitência [...]. O tos de admiração! Setúbal concordou com minha ímpeto de Setúbal, a tremenda força da sua simpa- crueldade – mas suspirando; e na primeira revisão tia irradiante, inundante e avassalante, fez que sem de provas não resistiu – ressuscitou duzentos. nenhum exame os originais voassem daquele es- critório para a tipografia. O editor contentou-se com A Marquesa de Santos teve um sucesso inaudito, os que, sem a menor sombra de falsa modéstia, sobretudo entre as mulheres de idade. Podemos ele recitou com a maior vida, precedendo-os de um sem medo de erro afirmar que foi o romance de santo e lealíssimo ‘Veja, Lobato, como isto é bom!’ maior sucesso que tivemos na República. [...]

E o público confirmou-o nesse juízo. Alma Ca- Ninguém será capaz de descrever a reação de bocla teve enorme procura. Setúbal era tão bom Setúbal diante da vitória tremenda de sua Mar- que tudo quanto dele saia era bom – bastava sair quesa, e duvido que a literatura, no mundo intei- dele para ser bom. ro, haja proporcionado a um autor maior regalo.

* Pesquisadora da Divisão de Acervo Histórico da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. ([email protected]). Memória Visual Aparecida – Capital Espiritual do Brasil

Álvaro Weissheimer Carneiro*

A História de Aparecida está, desde o seu iní- falsificação de assinaturas na representação cio, vinculada à imagem de Nossa Senhora dos habitantes, no intuito de majorar o núme- da Conceição, descoberta no Rio Paraíba do ro populacional do distrito – exigência legal Sul por três pescadores. Ao longo dos anos a para a aprovação do projeto. imagem percorreu várias casas e, com o au- mento dos devotos, foi construída uma capeli- Três anos depois, em 1928, o Presidente do nha no local onde foi encontrada. Em 1745 foi Estado – Júlio Prestes de Albuquerque – en- inaugurada uma Capela no alto do Morro dos viou à Câmara dos Deputados do Estado de Coqueiros, por determinação do vigário de São Paulo um ofício, acompanhado de uma re- Guaratinguetá. O povoado que se formou em presentação do povo de Aparecida, solicitan- torno da Capela tornou-se Freguesia, pela Lei do a elevação do distrito de paz a município, Provincial nº 19, de 4 de março de 1842, sendo gerando o Projeto nº 82, de 6 de dezembro de a lei suprimida, em 15 de março de 1844, pela 1928 que, aprovado pelo Congresso Legisla- Lei nº 38, com base em Parecer da Comissão tivo do Estado de São Paulo, tornou-se a Lei de Estatística e Eclesiástica da Assembléia nº 2.312, de 17 de dezembro de 1928, criando Provincial de São Paulo. O parecer resultou o Município de Aparecida. Na época de sua do exame da representação da Câmara Muni- emancipação, o futuro município, conforme in- cipal de Guaratinguetá, na qual se alegava que formações do 1º Juiz de Paz do Distrito, Horá- a distância da Igreja à Guaratinguetá era muito cio Rodrigues de Moraes, em 26 de novembro pequena, como registram os Anais da Assem- de 1928, e do Relatório do Prefeito Municipal bléia Provincial de São Paulo de 1844 (p. 146). de Guaratinguetá, Pedro Marcondes Leite, em 14 de janeiro do mesmo ano, tinha uma popu- Em 25 de abril de 1880, a Lei nº 13 criou a Fre- lação de 10.100 habitantes, 841 prédios, sendo guesia de Aparecida, sendo novamente extinta 30 hotéis, 100 estabelecimentos comerciais, pela Lei nº 3, de 15 de fevereiro de 1882, gera- posto policial com delegacia de Polícia, uma da pelo Projeto de Lei nº 41, de 26 de janeiro grande tipografia – onde era impresso o jornal de 1882, de autoria dos deputados provinciais Santuário d’Apparecida, com uma tiragem de Antônio José da Costa Júnior e Frederico 20 mil exemplares –, um asilo, cujo prédio de José Cardoso de Araújo Abranches. A questão três andares era um dos maiores do Estado, foi resolvida apenas em 1891, através do De- um grupo escolar, um seminário, colégios e creto nº 147, datado de 4 de abril de 1891, que cemitério – e uma renda anual de 72:000$000 criou o Distrito de Paz da Capela da Aparecida. (setenta e dois contos de réis). Em 1925, o Projeto nº 34, de 16 de outubro, de autoria do Deputado Rangel de Camargo e Aparecida, classificada como Estância Turís- subscrito por vários parlamentares, propondo tico-Religiosa, encontra-se no Vale do Paraíba, a criação do município de Aparecida, foi re- distante da Capital em 168 km, com uma popu- jeitado pela Comissão de Estatística, Divisão lação de aproximadamente 35 mil habitantes, Civil e Judiciária, no Parecer nº 94, daquele recebe centenas de milhares de fiéis durante mesmo ano, em função de ser constatada a todo o ano.

* Agente Técnico Legislativo, pesquisador da área de Pesquisa Iconográfica e Montagem de Exposições da Divisão de Acervo Histórico da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo ([email protected]). OS ARREDORES DO LARGO DA BASÍLICA OS ARREDORES DO LARGO DA BASÍLICA

Os moradores da Rua Monte Carmelo capinando, fazendo a remoção de lixo e capim. A Rua Monte Carmelo foi a primeira rua de Aparecida.

Rua Major Martiniano.

Grupo Escolar de Aparecida. Rua de Aparecida.

Estação Ferroviária de Aparecida, inaugurada em 1877.

Rua da Estação; ao fundo a “Casa de Nossa Senhora”, asilo de pobres dirigido pela Basílica. Rua de Aparecida.

Neste ofício do Governador de São Paulo ressalta a denominação popular de Aparecida do Norte, o qual vem da época em que a linha férrea que passava por Aparecida era chamada de a “do Norte” (Estrada de Ferro do Norte ou Estrada de Ferro São Paulo – Rio de Janeiro).

Posto Policial e Delegacia.

Igreja São Benedito. 4

A perpétua exaltação do entusiasmo de Paulo fechando o ciclo de uma obra, como se fora uma Setúbal vinha disso: desse integrar-se na obra, parábola. desse absoluto identificar-se com ela. Em regra, o escritor é um pai desnaturado; só sente prazer As primeiras letras, Paulo cujo apelido era Niteza no ato da criação. Nascido o filho, joga-o às fe- (abreviatura de boniteza), as recebeu de Seu Chico ras e esquece-o. Setúbal não. Setúbal sabia ser Pereira, figura humana ímpar, que muito contribuiu pai. O mesmo prazer que sentia em criar, sentia na formação da personalidade de seu pequeno em acompanhar carinhosamente a vida pública aluno, a quem Setúbal não deixou de registrar em do filho impresso. Se eu fora representá-lo num Confiteor. Ao sair da escola de Seu Chico, comple- desenho, pintá-lo-ia levando pela mão, qual pai tou o primário no Grupo Escolar de Tatuí. bondoso, todos os filhos que publicou.”1 Muito por insistência de Seu Chico e dos demais Monteiro Lobato, ainda sob o impacto da notícia professores do Grupo Escolar aconselhando que da morte do amigo, assim o descreveu, nesta lon- o menino Paulo deveria prosseguir seus estudos ga mas necessária citação, deixando-nos, aqui, em São Paulo, Dona Mariquinha vende seus pou- apenas a tarefa de traçar um esboço biográfico. cos pertences e muda-se com a família para a Ca- pital, onde já se encontrava, estudando, seu filho Paulista do interior, Paulo Setúbal nasceu em mais velho. Tatuí, em 1º de janeiro de 1893, filho do Capitão Antonio de Oliveira Leite Setúbal, casado com Paulo, então, é matriculado no Ginásio do Carmo, Dona Maria Teresa de Almeida Nobre, sua sobri- dos Irmãos Maristas. Incentivado pelos padres, nha. Seu pai, comerciante e homem de destaque define o gosto pela poesia e, de imediato, desco- na comunidade, elegeu-se vereador pelo Partido bre – longe das vistas do clero – Antero de Quen- Liberal à época do Império. Sua mãe, mulher de tal, Guerra Junqueiro e Alfred Musset. têmpera forjada nos bandeirantes, dos quais des- cendia, era chamada carinhosamente de Dona Por esta altura da vida, curso do Ginásio a meio Mariquinha a quem Paulo Setúbal evoca, com caminho, já um rapazote, vivendo na pequena ternura, em sua obra Confiteror. Ao enviuvar, casa da Rua das Flores, dividia o quarto com seu Dona Maria Tereza deparou-se com parca renda irmão mais velho, onde varavam a noite em longas e nove filhos para criar, ficando Setúbal, órfão de tertúlias, acolitados pelos colegas mais velhos, pai aos 4 anos. A família permaneceu em Tatuí, dedicando-se à leitura de Kant, Voltaire, Spinoza, oferecendo a oportunidade ao menino Paulo de Rousseau, Nietzshe ou Schopenhauer. Como não conviver, nos seus verdes anos, com a mansidão poderia deixar de ser, somando-se a idade dos da paisagem bucólica, a feição do povo da roça, leitores com o impacto causado por estas doutri- o transcorrer da vida sem os reboliços da cidade, nas, Paulo foi profundamente influenciado pelo marcando sua alma com impressões indeléveis pensamento filosófico desses autores, resultando e que posteriormente iriam refletir-se em seu pri- numa fase de absoluta indiferença e, até mesmo, meiro livro Alma Cabocla e no último, Confiteor, de contestação de sua vida e de sua fé. Coleção Dainis Karepovs Coleção Dainis Karepovs Coleção Dainis Karepovs

1964 (8ª edição). 1937. 1925. Acervo histórico

Em 1910, já cursando a Faculdade de Direito do vas recaídas e levando-o à morte aos 44 anos. Largo de São Francisco, foi assaltado pela lem- brança de uma promessa à Virgem e com urgên- Forma-se em 1914 e dedica-se à sua banca de cia matriculou-se no Seminário Diocesano. Assim advocacia e a escrever versos. Em 1918, grassa- se passou a estória: Niteza, na distante meninice va a gripe espanhola em São Paulo e como não que ficara em Tatuí, era o responsável -por Mo poderia deixar de ser, Setúbal, com pouca imuni- rena e Manteiga (duas vacas que haviam recebi- dade, acaba por ter uma recaída. Muda-se então do em pagamento de uma dívida) e que cabia ao para Lajes, em Santa Catarina, onde já residia um menino Paulo, pela manhã, levá-las ao pasto e à irmão e juntos abrem um bem sucedido escritório noitinha recolhê-las. Toda tarde era um sofrimento de advocacia. encontrá-las. Certo dia, já antevendo a agonia da busca, entrou numa Igreja e candidamente invo- Após dois anos de tratamento, por volta de 1920, cou – “Nossa Senhora, ajudai-me! Fazei que eu retorna à São Paulo e publica o primeiro e único li- encontre a Morena e a Manteiga sem custo. Que vro de poesias Alma Cabocla. Como o próprio título elas não se escondam no mato. Concedei-me o indica, o autor, num momento de nostalgia, resgata que vos peço, minha Nossa Senhora, que eu aqui o cheiro e sabor da terra, o pitoresco do sertão e os diante de vosso altar, vos faço esta promessa: personagens que povoaram sua infância. quando ficar homem, serei padre!” Chegamos a 1922, quando está no auge o Movi- Porém, passada uma chuva, Paulo percebe que mento Modernista, ao qual, a exemplo de Monteiro não é vocacionado para o claustro – e muito me- Lobato, Setúbal jamais pertenceu. Porém, se há nos o celibato – e logo retoma a vida incontinente algum momento em que o autor tangencia o Mo- de estudante. Neste período, para ajudar a famí- vimento é quando, em sua obra, repudia o estran- lia, leciona no Ginásio Arquidiocesano e na Esco- geirismo postiço e afetado, privilegiando os temas la de Comércio do Brás e trabalha como revisor brasilianistas povoados de sacis ou caaporas. É no jornal A Tarde. Por volta de 1912, colhe-o a em 1922 que Paulo casa-se com Dona Francisca tuberculose, doença que o acompanharia a vida de Souza Aranha, nascendo desta união três fi- toda, maltratando-o e combalindo-o com sucessi- lhos: Maria Teresa, Olavo e Maria Vicentina.

Em virtude de mais uma recaída e com longo pe- ríodo de descanso, envereda por uma nova ver- tente na sua vida de escritor, o romance histórico. Ai cabe um parêntesis, pois quando se fala de romance histórico, cujo autor seja desprovido de inquietações psicológicas ou torturas cerebrais, a obra discorre sobre personagens e fatos verda- Coleção Dainis Karepovs deiros, porém de maneira solta, afável, saboro- sa, suculenta de tramas e episódios novelescos, bem distantes de um cipoal de nomes e datas a que estamos acostumados. Aos críticos, Setúbal justifica sua obra argumentando: “sem falsear a verdade histórica, socorre-a com sua fantasia de escritor”.

Em 1925 publica Marquesa de Santos, sucesso imediato, com edições esgotando-se rapidamen- te. Examinando-se o fenômeno pelo prisma da perspectiva histórica, pode-se comparar ser Do- mitila de Castro, de Setúbal, a Gabriela de Jorge Amado.

A partir do êxito da Marquesa, sua veia literária passa a jorrar aos borbotões, talvez pressentindo apenas mais alguns poucos anos de vida. Neste curto espaço de tempo publicou: Sarau no Paço de São Cristóvão, peça histórica em três atos, e 1928. O Príncipe de Nassau, romance histórico, ambos 1 em 1926; As Maluquices do Imperador, contos Santos, Iguape e Xiririca (atual Eldorado) –, uma históricos, em 1927; Nos Bastidores da História, das quais foi disputada por Paulo Setúbal. Ao fi- contos históricos, e A Bandeira de Fernão Dias, nal da apuração, que escrutinou o voto de 21.869 romance histórico, em 1928; O Ouro de Cuiabá, eleitores e aconteceu no edifício do Fórum Cível crônicas históricas, e Os Irmãos Leme, romance da Capital, em 26 de Junho de 1927, Paulo Setú- histórico, em 1933; El Dorado, Romance da Prata bal foi declarado eleito, com 8.995 votos válidos. e O Sonho das Esmeraldas, episódios históricos, o primeiro em 1934 e os dois últimos em 1935, Setúbal tomou posse do cargo em 4 de Julho. além de duas obras póstumas: Ensaios Históricos Com 24 votos, foi indicado por seus pares para e Confiteor. integrar a Comissão Permanente de Redação da Câmara dos Deputados, em 19 de Julho. Pela sua maneira de ser, “sempre em combustão” como afirma Lobato, não poderia passar indiferen- Além de pareceres relativos à Comissão que in- te pela experiência política. Elegeu-se, em 1927, tegrava, Setúbal desenvolveu, a partir de então, Deputado Estadual à Câmara dos Deputados. uma atuação parlamentar em que focou, até como conseqüência lógica de seus interesses li- Paulo Setúbal já era um autor consagrado quan- terários e jurídicos, temas a eles relativos. Assim, do foi convidado pela direção do poderoso Partido uma série de pronunciamentos, iniciada em 25 de Republicano Paulista para candidatar-se à vaga julho, sobre Júlio Mesquita – e que reproduzimos aberta na Câmara dos Deputados do Congresso mais adiante –, seguido de outros evocando o Legislativo do Estado de São Paulo, com a renún- centenário do nascimento do Marechal Deodoro cia ao mandato de Américo de Campos, ocorri- da Fonseca (5 de Agosto); abordando a ausência da em 12 de Maio de 1927. A aceitação para o de juízes que em suas comarcas (29 de Agosto) ingresso na política não fora algo inusitado, pois e a reforma do judiciário (3 de Outubro); encami- seu pai, como vimos, chegara a ser vereador e nhando a criação de distrito policial em Parnaíba seu irmão Laerte enfronhara-se neste caminho (28 de Outubro) e encerrada em 8 de novembro, também, tendo chegado à Câmara dos Deputa- quando recordou o centenário de nascimento de dos federal, onde foi deputado por São Paulo de Martim Francisco, marcou sua passagem pelo Le- 1935 a 1937. gislativo Paulista no ano de 1927.

Naquela época, o Estado de São Paulo, para efei- No final da Legislatura – Setúbal fora eleito para to de eleições à Câmara Estadual, era dividido em completar o último ano de mandato –, resolveu dez distritos. No dia 5 de Junho realizaram-se as disputar a recondução ao cargo nas eleições es- eleições para o preenchimento de três vagas de taduais marcadas para 24 de Fevereiro de 1928. deputado. Uma delas era do 10º Distrito – cujo município-sede era Ribeirão Preto – e as outras Desta vez, disputou eleições pelo 4º Distrito, com- duas pertenciam ao 1º Distrito – que compreendia posto pelos municípios das comarcas de Capivari, os municípios das comarcas da Capital (sede), Itapetininga, Itu (município-sede), Piedade, Porto Coleção Dainis Karepovs Coleção Dainis Karepovs Coleção Dainis Karepovs

1928. 1933. 1935. Acervo histórico Acervo do Museu Histórico e Pedagógico “Prudente de Moraes” - Piracicaba

Membros da Câmara dos Deputados do Congresso Legislativo do Estado de São Paulo, da 14ª Legislatura (1928-1930). No detalhe, Paulo Setúbal.

Feliz, São Roque, Sarapuí, Sorocaba, Tietê e a sua terra natal, Tatuí, e ali obteve 2.913 votos, em um universo de 13.895 eleitores, sendo o segun- do deputado mais votado no Distrito. Junto com os demais deputados eleitos para comporem a 14ª Legislatura, Paulo Setúbal toma posse sole- nemente no dia 14 de julho de 1928.

Todavia, sua saúde o impediu de levar a cabo seu mandato parlamentar. Das 153 sessões em que se reuniram os deputados estaduais durante o ano de 1928, Setúbal somente compareceu a 33 delas e não fez um pronunciamento sequer, resu- mindo-se sua atividade parlamentar à assinatura de 10 pareceres da Comissão Permanente de Re- Deputado Arthur Pequeroby de Aguiar Whitaker. dação, à qual havia sido reconduzido, em 18 de Nele, agradecendo aos seus eleitores e aos seus Julho, por seus pares, com 20 votos. pares, preferiu não invocar seus problemas de saúde e comunicou a renúncia ao seu mandato: Seu quadro de saúde agravou-se de tal modo, que, pouco antes de se iniciarem os trabalhos le- “Forçado a partir para a Europa, onde negócios gislativos, em 17 de Junho de 1929, enviou um particulares deverão me reter por prazo longo e ofício ao Presidente da Câmara dos Deputados do indeterminado, o que virá impedir que eu desem- Congresso Legislativo do Estado de São Paulo, penhe como devo o meu mandato de deputado,  DAH - ALESP DAH -

Carta de Paulo Setúbal renunciando ao seu mandato de deputado. Acervo histórico Coleção Dainis Karepovs Coleção Dainis Karepovs Coleção Dainis Karepovs

1933. 1934. 1935.

sinto-me na obrigação de renunciar à cadeira que te, as da tarde informaram-nos de outra coisa pro- ora ocupo nessa casa legislativa.” fundamente estúpida: a morte de Paulo Setúbal. Seriam a chuva e o tom plúmbeo do céu a lágrima Declarado vago o seu cargo, realizaram-se elei- e o crepe da natureza diante de dois irreparáveis ções para a substituição, no 4º Distrito, em 14 de desastres? [...] Julho de 1929, sendo eleito João Ferreira da Silva, com 10.366 votos, para substituir Paulo Setúbal. E está morto Setúbal!... A morte sabe escolher: pega de preferência o que é bom – as pestes fi- Não há como concluir este esboço sem citar o re- cam por aqui até o finzinho. Morreu Setúbal e com torno de Setúbal à religião. Trata-se do resgate isso nossa terra está podada de algo insubstituí- da fé plantada nos inocentes anos em Tatuí, que vel. Onde, em quem, aquele fogo olímpico, aquela jamais fora esquecida, porém em certas fazes de bondade gritante e extravasante como a champa- sua vida passava dormitando em algum escaninho nha, aquele dar-se loucamente a todas as idéias de sua alma. Como o próprio autor fez o registro nobres, ricas de beleza? Onde, em quem, a coisa em Confiteor “eu fui um cristão que se converteu maravilhosamente linda, e boa, e saudável, e re- ao cristianismo”. Foi embalado por esta fé que o confortante, que foi a breve passagem de Setúbal poeta, autor teatral e romancista Paulo Setúbal fa- pela terra? Desse Paulo tão generoso, nobre e leceu em 4 de maio de 1937, aos 44 anos. despreocupado no dar-se, que em quatro déca- das queimou uma reserva de vida que para outro, “O dia de hoje amanheceu tétrico. Nada mais tris- mais calculista, daria para oitenta anos? te que em vez do sol da manhã o dia comece mor- to, empapado de chuvisqueiro, sem luz no céu e Sim, o céu ontem fez muito bem em chover. Se- só lama peganhenta nas ruas. E as folhas vieram túbal mereceu grandemente essa homenagem agravar aquela tristeza com uma notícia profun- – esse misturar das lágrimas do tempo com as damente dolorosa – a morte de Gaspar Ricardo. dos seus amigos...”2 As folhas da manhã. E como se não fosse bastan-

noTAS

1 Lobato, Monteiro, “Paulo Setúbal” in Obras Completas. Vol. 10 - Mundo da Lua e Miscelânea. 6ª ed. São Paulo, Editora Brasiliense, 1955, p. 193-196.

2 Ibidem. 

DISCurSo Do DEPuTADo desse bravo propagandista da República. E esta ho- PAuLo SETÚbAL menagem, pequenina embora, não é mais, Sr. Presi- dente, do que um epílogo às nobres homenagens, no- feito na 6ª Sessão ordinária, bres e comovedoras, com que o governo passado, tão em 25 de julho de 1927. desapaixonadamente, circundou a perda do brasileiro insigne. (Muito bem; muito bem.) o Sr. Paulo Setúbal – Sr. Presidente! Aqui, no recinto desta Câmara, em 1901, debateu-se eruditamente uma Todos nós vimos, e vimos com o coração banhado de lei grave. Era a lei reguladora dos “tapumes divisórios”. gosto, que, mal Júlio Mesquita cerrava os olhos para a Em torno dessa matéria, que é enciopoada e dura, es- vida, o nosso doce Carlos de Campos, aquele que nun- treou-se nesta tribuna um moço político. Tinha vinte e ca abrigara no coração sentimentos rastejantes (Muito poucos anos. Trazia um nome ilustre na República. Vi- bem; apoiados gerais), via apenas no morto, não o crí- nha com uma nomeada reboante de inteligência rija. A tico áspero que às vezes o foi, mas tão somente o gran- estréia do moço, portanto, acendera curiosidades vivas. de batalhador de grandes batalhas cívicas. (Muito bem, Houve um forte anseio por ouvi-lo. E o moço orador, muito bem). E o governo honrou o esquife do grande meus senhores, não desmentia a fama que trouxera: morto com todas as honras oficiais. o seu discurso foi estrepitosamente belo. Tão belo, Sr. Presidente, que o “leader” da maioria, homem escasso Nada mais simpático, Sr. Presidente, do que a elegân- em louvores, não poupou adjetivos ao orador. Pediu a cia moral do ex-presidente. Nada mais simpático e mais palavra e falou assim: (Lê) justo. É só olhar para trás e contemplar o que foi a vida do político e do jornalista. É uma vida fervente e cheia. “Sr. Presidente! Não pode a câmara formar opinião se- gura sobre as emendas que foram hoje, como vimos, Vede. tão brilhantemente sustentadas na sua formosíssima estréia, pelo nosso ilustre colega. Júlio Mesquita foi republicano histórico. Na adolescên- cia, desde os verdolengos anos acadêmicos, já escrevia Uma voz – É bondade de V. Exa. ele no A República, jornal dos rapazes do tempo, um pe- quenino mais duríssimo aríete, que macetava, sem dó, O orador – Vou pedir que o projeto volte à comissão homens e cousas da monarquia. Depois, já moço, entrou respectiva.” na vida pública. Arregimentou-se no Partido Republica- no. Percorreu, pela mão do partido, variados e altos pos- Quem era, meus senhores, o moço que assim se es- tos de destaque. Assim, de 1889 a 1916, foi ele deputado treava tão galhardamente no parlamento? E quem era, estadual, foi deputado federal, foi senador, foi “leader” do meus senhores, esse “leader” que assim o laureava, governo Bernardino de Campos, foi “leader” do governo com tão altos louros? Não é difícil adivinhar... O moço era Júlio Prestes; o “leader” era Júlio Mesquita.

O parlamentar estreante de 1901, todos nós sabemos, é agora o político triunfador de 1927. Quer assim o des- tino, esse fantasioso tecedor de acasos, que hoje, no pórtico do quatriênio Júlio Prestes, seja feito o elogio

fúnebre daquele mesmo que, com a sua palavra incen- Coleção Dainis Karepovs tivadora, fez ao presidente o primeiro elogio político.

Cultuemos, pois, meus colegas, a memória do antigo “leader”. Prestemos ao morto ilustre as homenagens ilustres que ele merece.

E é por isso, Sr. Presidente, que nesta casa, a minha palavra inaugural não é uma palavra de festa. Não vem ela, como eu ambicionei que viesse, enfeitada galan- temente de louçanias, toda mimo e garridices, dizer da honra alta, que é para mim, o sentar-me entre vós, como um dos representantes da cidade prodígio. Não! A minha palavra vem hoje vestida de luto pesado, re- coberta de crepes fúnebres, sem adereços nem galas, desfolhar uma dolosa braçada de flores sobre a campa Júlio Mesquita desenhado por José Wasth Rodrigues. Acervo histórico

Jorge Tibiriçá, foi secretário geral do governo provisório, tencemos. Formou ele, em torno de si, o que todos nós foi secretario geral do governo Prudente de Moraes. sabemos e conhecemos: as duas dissidências do Es- tado de São Paulo. Uma foi no quatriênio Rodrigues Al- Muitas fases e muitas atitudes teve o político no de- ves, em 1901; outra, no novo quatriênio desse mesmo senrolar de sua carreira. Em 1892, sob a presidência presidente, em 1916. de Américo Brasiliense, estouraram no Rio os aconteci- mentos febris do “golpe-de-Estado”. Deodoro dissolve- Ao tomar as atitudes que tomou, o político não quis que ra violentamente a Assembléia. Foi então que avultou, irrompessem paixões dentro deste recinto e no seio do no tablado político do país, tablado ainda incerto e trepi- partido a que ele pertencera. Por isso, com elevação dante, a figura avassaladora do “Marechal de Ferro” e superioridade, ele, e os seus amigos despojaram-se lisamente das suas posições. Retiraram-se sem estre- Floriano, intrépido e duro, encabeçou o contra golpe. pito. Pode assim, Júlio Mesquita, nesta assembléia, ao O movimento desencadeou, nas províncias, paixões retirar-se, declarar nobremente: (Lê) desordenadas. E Júlio Mesquita, que teve sempre a fascinação de Floriano, capitaneou, com entusiasmos “Não queremos, entretanto, converter este recinto em irrefreáveis, a corrente que apoiava o contragolpe. E caverna de tempestade, em fonte de agitações esté- aqui, nesta assembléia, numa sessão memorável, ele, reis e perigosas, principalmente neste momento de tão à frente de cinco outros companheiros, renunciou, com fundas, de tão justificadas apreensões não só para os fogo, o seu mandato de deputado e saiu à praça pública republicanos, como para todos os brasileiros.” bater-se por Floriano. Mas Américo Brasiliense, com avi- sada prudência, evitou a luta que se desenhava áspera: Foi assim, meus senhores, que terminou a trajetória de passou o governo a Cerqueira César, vice-presidente, e Júlio Mesquita no Partido Republicano Paulista. Foi as- florianista sem rebuços. Assim, senhores, solucionara- sim que terminou a sua atuação como político militante, se a crise amendrotadora. E o propagandista de 1889 nas cousas do Estado. O seu nome, no entanto, ficou continuou, sem arrepios, no Partido Republicano, a sua vinculado a várias, a abundantes medidas, que resol- rota pública através dos postos de confiança. Nelles, veram questões graves de momento. Lá estão elas nos invariavelmente, desempenhou-se Júlio Mesquita com Anais: são o serviço policial, o imposto sobre plantação severa retidão. Comprovam-no, bem alto, as duas ve- de café, valorização do café, estatística do café, refor- zes que liderou esta casa. ma da instrução, reforma dos ginásios, reforma das es- colas complementares e muitíssimas outras iniciativas Foi naqueles momentos, graças à cordialidade do seu de interesse geral do Estado. proceder, que ele pode revidar com sobranceria a Pedro de Toledo, que então, atacando-o com virulência, cha- Aí está, meus senhores, em pinceladas fugazes, o que mando-o de compressor, acusava-o de, como interpre- foi a trajetória do ilustre paulista dentro do nosso parti- te do pensamento do Partido Republicano, coarctar a do. Mas na individualidade de Júlio Mesquita não há só consciência dos seus colegas. Lá está nos anais: (Lê) a considerar o político. Há também o jornalista.

“V. Exa. foi injusto, como será sempre, todas as vezes Outros, não eu, com autoridade mais alta, que digam que disser, ou insinuar que o Partido Republicano, a das qualidades vivas do escritor; que digam das graças que todos pertencemos, procura, neste recinto, exercer e feitiços do estilista; que digam da honestidade verná- qualquer espécie de pressão na consciência dos Srs. cula do seu frasear. Deputados... (Apoiado! Apoiado!) Eu, pobre de mim, direi apenas que ele foi um jornalista “Todos os Srs. Deputados sabem que eu, como “lea- de raça. Um jornalista da estirpe opulenta dos Bocyuvas e der”, ainda não me dirigi a um só, para lhe pedir que dos Evaristos da Veiga. E ele amou sempre a sua profis- falasse neste ou naquele sentido; nenhum deles foi por são. Amou-a com entranhamento. E, mais que tudo, aci- mim importunado com solicitação de voto. Os debates ma de tudo, exerceu-a com límpida perpendicularidade. têm corrido com a máxima independência. Todos os vo- tos têm sido dados com o máximo de respeito à autono- Das campanhas que pelejou (e que não foram poucas!) mia da consciência dos Srs. Deputados.” eu quero, neste recinto político, destacar a maior. A maior, Sr. Presidente, a mais lampejante, aquela que Assim agiu o “leader”; assim agiu o político. coincidiu exatamente com o sentir do povo e com o sentir do governo do Estado: eu me refiro á campanha Pois bem, durante a sua carreira partidária, em que civilista. (Muito bem; muito bem.) ocupou, com tanto brilho, tantos cargos de confiança, Júlio Mesquita, em duas vezes, por circunstâncias di- Naqueles momentos bravios, em que Ruy Barbosa, versas, apartou-se da agremiação política a que per- como um deus bárbaro no alto de uma montanha, chu- 57

çava, com discursos de lava, a modorra cívica da Pá- Sr. Presidente, passo às mãos de V. Exa. um requeri- tria, Júlio Mesquita, aqui, no seu jornal, avultou como mento em que peço, ouvida a casa, se digne mandar um gigante incentivador da refrega. As suas palavras, inserir na ata de nossos trabalhos de hoje um voto de naqueles momentos trevosos, eram labaredas quei- profundo pesar pela morte de Júlio Mesquita, suspen- mantes; os seus artigos, bombardas que estouravam. E dendo-se a sessão, e oficiando-se à família a homena- o jornalista, que servia a boa causa, combateu , nessa gem que a Câmara hoje presta ao grande brasileiro. hora, o bom combate. Com ele, enramou o seu nome de um louro que não morre! Vozes – Muito bem! Muito bem!

Mas, senhores e colegas, partiu o lidador! Passou. Mer- (O orador é vivamente felicitado.) gulhou, como diria Hamlet, naquele “país desconheci- do, de onde nenhum viandante já tornou”. Lá se foi... E [Fonte: SÃO PAULO. CONGRESSO LEGISLATIVO. nós, diante da pedra que fecha seu túmulo, nós, meus CÂMARA DOS DEPUTADOS. Anais da Sessão Ordi- colegas, deixemos cair, enternecidos, a nossa pobre nária de 1927 (3º Ano da 13ª Legislatura). São Paulo, coroa de flores. s.c.p., 1928, p. 119-122.]

Um Conto de Paulo Setúbal Na Revolução de 1842

17 de maio de 1842. A cidade de Sorocaba amanhecera livre da facção que o coage, escolha outro ministério da em alvoroço. Há tropas pelas ruas. Rufos de tambores. confiança nacional”. Clarins. Repicam todos os campanários. O sino grande da cadeia toca a rebate. Silêncio fundo. A multidão ouve, com espanto, as pa- lavras do velho. Aquilo é gravíssimo. José Joaquim Que é? Lacerda continua:

O povo acorre com ânsia. Vem tudo, borborinhando, - Senhores! Eu proponho que, por unanimidade, acla- ver o que há. A Câmara está reunida. Grande sessão memos presidente da nossa província o coronel Rafael extraordinária. Preside-a o velho José Joaquim Lacer- Tobias de Aguiar. da. Andam por ali, fardados, os oficiais da guarda. Mui- tos vereadores. Todas as autoridades civis no recinto. Levanta os braços no ar. E com retumbância: Populares atulham corredores e saguões. Que formigar de gente! - Viva o presidente Rafael Tobias de Aguiar!

José Joaquim Lacerda ergue-se. Na estranha assem- Os conjurados – vereadores, militares, autoridades, bléia, diante do povo, com a assustadora aprovação gente de prol, todos, com um brado só: dos militares, exclama: - Viva Rafael Tobias de Aguiar! - “Senhores! D. Pedro II, imperador constitucional do Brasil, é hoje dominado por certa facção política que José Joaquim Lacerda nomeia a seguir, a comissão vai levando o Império às bordas do abismo. Ainda mais: que deve ir buscar o presidente aclamado. essa facção está reduzindo a província de S. Paulo ao mesmo estado mísero das províncias do Ceará e da Tobias de Aguiar, há dias já, instalara-se em Sorocaba. Parnaíba. Isto, senhores, graças à administração tirâni- O celebrado político mora ao lado. Mora na casa de D. ca desse procônsul que vem, em nome daquela facção, Gertrudes Eufrosina do Amaral. oprimindo e escravizando a nossa terra.”1 A comissão sai. Torna em breve com o Coronel Tobias. “Diante dos fatos, que são notórios, eu alvitro, como Ao vê-lo, erguem-se todos. Reboam palmas. Vivas medida de salvação pública, que coloquemos novo pre- frenéticos. sidente à testa dos negócios da Província. Este presi- dente governará S. Paulo até que o augusto Soberano, José Joaquim de Lacerda, na presidência, defere ao Acervo histórico chefe destemeroso o julgamento de honra. Tobias, sobre Contra essas duas leis, batem-se furiosamente os liberais. os santos Evangelhos, jura. José Joaquim Lacerda, com Transformam-nas em tela da oposição. Jamais a reforma o ritual do estilo, empossa-o no cargo de presidente. do processo criminal! Jamais o conselho d’Estado! Que- rem os oposicionistas, a toda força, que o governo protele O revolucionário lança então, solenemente, naquela a promulgação delas até a abertura do parlamento: sessão histórica da Câmara de Sorocaba, o seu mani- festo à nação: - Empossada a nova Câmara, apregoavam os liberais, as duas leis imediatamente derrogadas! - “Paulistas! Os fidelíssimos sorocabanos acabam de levantar a voz: escolheram-me para presidente da pro- Mas o governo não cede. No Rio, à vista disso, trama- víncia. Estou eu aqui para debelar essa hidra de trinta se a revolução. Teófilo Ottoni e Limpo de Abreu fundam cabeças que vem devorando o país. Estou eu aqui para o centro político que urde e insufla o levante. São duas libertar a província desse procônsul que vem poster- as províncias minadas pelos revolucionários: S. Paulo gando as leis mais sagradas, Paulistas...” e Minas. E os emissários da corte, infatigavelmente, co- meçam a trançar pelas duas terras rebeladas. Continua, flamante, a proclamação incendiária. -A as sembléia aclama-o. Rompem os sinos. A tropa faz a * * * salva de 18 tiros. Rafael Tobias de Aguiar era, pela segunda vez, presi- Rafael Tobias de Aguiar é, desde esse instante, o presi- dente de S. Paulo. Político, fora ele sempre liberal. Li- dente ilegal de S. Paulo. É ele, com o seu alto prestígio, beral Vermelho. Liberal dos mais exaltados. o chefe da rebelião paulista de 1842. Quando caiu o gabinete dos seus correligionários, Rafael * * * Tobias quis demissionar-se. O ministério, por intermédio de amigos, susteve-lhe o gesto. E o presidente ficou. Por que a rebelião? Os conservadores, porém, não aceitaram, de cara ale- O primeiro ministério da maioridade fora liberal. Tinha, no gre, a estada do liberal no poder. Houve na província seu seio, três nomes, pelo menos, nacionalmente simpá- grita desabalada. Os situacionistas, junto ao ministério ticos: Antonio Carlos, Martin Francisco, Limpo de Abreu. moveram céus e terra. Clamaram. Protestaram. Exigi- ram. Foi preciso atendê-los. O ministério não teve por Esse ministério, com desgosto da nação, pôs-se a po- onde sair: demitiu o presidente Tobias. liticar rasteiramente. Empenhou-se, de corpo e alma, em eleger uma câmara sua. Eleger deputados, visceral- Infelizmente, não foi só. O governo, por essas alturas, mente liberais. Fez, para isso, coisas de pasmar: remo- promulgou as duas leis detestadas que tinham sido a veu juízes, suspendeu funcionários, demitiu chefes de causa primária da reação. polícia, deitou abaixo catorze presidentes de Província! Fez mais: dissolveu a Câmara que os liberais haviam Uma derrubada em regra. Avolumaram-se, no país in- eleito! teiro, descontentamentos vermelhos. Houve celeumas bravas. O ministério impopularizou-se integralmente. Aquelas medidas, bem se vê, desencadearam tempes- tades. Atiçaram fúrias. Acutilaram. Eis que surge, nos vaivens políticos, este caso peque- no: a retirada do comandante das armas do Rio Grande A idéia do levante, desde então, engrossou temerosa- do Sul. Aureliano Coutinho é pela medida. Os outros mi- mente. Corporificou-se. Em S. Paulo, mais do que em nistros, não. D. Pedro, diante da divergência, aproveita nenhuma parte, cresceu ela para a realização. do ensejo para desfazer-se do ministério. Demite-o. Rafael Tobias encabeçou o movimento. Entendeu-se Saem os liberais do poder. Mas saem tranqüilos. Saem com Itu, com Itapetininga, com Porto Feliz, com Campi- com essa risonha segurança de quem tem, para o pró- nas. Aprestou tudo. ximo ano, a Câmara nas mãos. Demitido, Rafael passara o poder ao vice-presidente Os conservadores, subindo ao poder, não começam Alvim. Este não agradou aos conservadores. Teve que por vinganças reacionárias. Nada de violências. Tratam passá-lo ao padre Pires da Motta. Este permaneceu apenas, nesse fim de legislatura, de conseguir ainda três meses no poder. Teve, por sua vez, que passá-lo duas leis: a reforma do processo criminal e a criação do ao Costa Carvalho, barão de Monte-Alegre. Costa Car- Conselho d’Estado. Conseguem-nas. valho era político altamente partidário. Trabalhava des- 59 mascaradamente pelos parceiros. Tornou-se com isso, - Entre! está claro, o alvo dos ódios liberais. Era, na expressão favorita dos insurgentes “o procônsul que vinha es- O padre entra. Rafael Tobias, ao vê-lo, ergue-se brus- cravizando a província...” camente. Radioso, com um brado de alvoroço:

O movimento fora tramado abertamente. Tramado com - Padre Feijó! desassombro. Costa Carvalho, Senhor do plano, pode, com facilidade, sustá-lo na capital. Mas não pode sus- Era o Padre Diogo Feijó. Era o ex-regente do Império, tá-lo no interior. Eis por que, naquela manhã de maio de já velho, de muletas, que vinha, impávido, alistar-se en- 1842, estalara, em Sorocaba, o grito revolucionário. tre os revolucionários.

* * * - Sou eu, coronel Tobias! Vim também combater a cor- ja. Que grandíssimos canalhas! Seriam nove horas da noite. Na casa de D. Gertrudes Eufrosina, em torno de Rafael Tobias, estão reunidos Ali, abrindo-se os braços, o padre e o presidente abra- os companheiros. Lá está o Dr. Gabriel Rodrigues çam-se com efusão. dos Santos, secretário do governo rebelde. Lá está o velho José Joaquim Lacerda. Lá está o português * * * Mascarenhas Camello. O Vicente Eufrásio. O Manuel Campolim. Por aqueles dias ásperos, dias de sobressalto e an- gústia, estranho bando de viageiros cavalgava, afli- Fervem os comentários em torno das notícias. As notí- tamente, a caminho de Sorocaba. Devia, pelos ares, cias são ruins. É verdade que Porto Feliz aderira com o ser gente de prol. Cavaleiros, pajens, escravos, duas Dr. João Viegas. É verdade que Itu igualmente aderira liteiras. com Tristão Rangel. Mas é só. No meio do bando, destacando-se, vinha uma senhora Tatuí levantara-se pela causa imperial. Levantara-se e de aspecto arrogante. Era senhora outoniça, quarenta batera já, num pequeno encontro, a coluna que Rafael anos, mas ainda marcadamente formosa. Trajava ele- Tobias para lá mandara. gantíssimo amazona, azul-ferrete. Montava belo zaino de crinas encaracoladas. O cilhão era de veludo carme- Não ficava aí, desgraçadamente. Campinas, por sua sim. Os estribos de prataria lavrada. vez erguera-se pela causa imperial. Jundiaí também. Estavam eles na altura de S. Roque. Haviam cavalgado Unido a isso, mais do que isso, aterrorizando, ecoara na às tontas por picadas brutas. Haviam errado o caminho Província a grande notícia: o barão de Caxias desembar- mais duma vez. Estavam todos empoeirados. Tinham cara em Santos! E Caxias vinha descendo serra abaixo, o ar cansado. Mas lá iam, persistentes por caminhos com o Exército Pacificador, a combater o Tobias! ruins, vencendo estorvos, rumo a cidade rebelde.

Os revolucionários discutem. Vêm à tona probabilida- É quase noite. De súbito, na curva da estrada, surge des. Esperanças de socorros. Adesões. velha morada. Casarão chato de fazenda. A dama vira- se para um dos cavaleiros: Nisto, um oficial atravessa o salão. Aproxima-se de To- bias. E em voz baixa: - Felício, vamos pedir pousada ali. Amanhã cedo conti- nuamos a marcha... - Acaba de chegar aí um padre. Quer falar com urgência ao senhor. - Tem razão, mãe. Já é quase noite. Vamos pedir pousada. - Padre? Enveredam-se pela mangueira. A dama e o moço saltam - Sim, um padre de muletas, meio paralítico. Insiste em dos cavalos. Sobem a escada da varanda. O moço: querer falar com urgência. - Ó de casa! - Que entre! Aparece à porta um homem. É o fazendeiro. Ao dar com O oficial torna. Cai rápido silêncio. Anseiam todos por a dama, o homem arregala dois olhos espantados: ver quem é. Eis que a porta se abre de novo. O militar faz um gesto ao chegadiço: - Oh, senhora Marquesa! Acervo histórico

E ela: conformavam em cortejá-la. Diziam ao vê-la na cadeiri- nha dourada, com iras surdas: - Viemos pedir-lhe pousada, senhor. Queira desculpar- nos. Mas é noite, e eu trago crianças na liteira. - A moça do Imperador!

- Com muita hon- Pouca gente era assim. ra, senhora Mar- quesa! Com muita Entre essa pouca gente estava o presidente da Pro- honra! Entre, mi- víncia. Estava o Rafael Tobias. O político detestava a nha senhora! En- marquesa. Tinha-lhe antipatias profundas. Antipatias tre, faça o favor... não acentuadas, que para achincalhá-las, botou numa

Coleção Dainis Karepovs escrava fujona o nome de Domitila. Quem era a es- tranha senhora? Mas o destino é sem entranhas. Mete os homens, por Quem era aquela gracejo, nas arapucas mais ridículas. dama, a Marque- sa, que o fazen- A Domitila possuía feitiços embriagadores, seduções ir- deiro recebera resistíveis. Aquela mulher, não há dúvida, devia ter bru- com tão borbu- xarias infernais. Pois só assim é que se explica a revira- Domitila de Castro Canto e Mello, Viscondessa e Marquesa de Santos, lhantes deferên- volta miraculosa: um dia, com assombro de toda a gen- em retrato atribuído a cias? Não é difícil te, Rafael Tobias e a Marquesa de Santos principiaram a A. F. P. do Amaral. adivinhar: viver como marido e mulher! Estavam de cama e mesa.

- Era a senhora Domitila de Castro, Marquesa de Foi assim por anos. Santos. Eis que arrebenta a revolução de 42. A Marquesa bata- A famosa paulista, com os filhos seguia num atropelo, lhou para que o Tobias não se envolvesse na rebelião. para Sorocaba, postar-se destemerosa ao lado do pre- É a filha da Marquesa, a Condessa de Iguaçu, quem sidente revolucionário. no-lo conta:

* * * “Eu ouvi Mamãe dizer muitas vezes: Tobias, esta revolu- ção há de nos dar muitos desgostos. Não se meta nela! Em 1829, romperam-se definitivamente os amores de Que tem o Feijó a perder? Nada! Mas você tem tudo”... D. Pedro I e da Marquesa de Santos. A paulista que fora a mulher mais apoteosada do Brasil, veio instalar- Rafael Tobias não ouviu a Marquesa. Meteu-se no mo- se com pacateza na sua cidade natal. vimento. A Domitila, contudo, não o abandonou. Mal sabe a mulher fatal dos perigos que corre o amante, S. Paulo recebeu-a com honrarias. Circundou-lhe de não trepida: deixa S. Paulo, larga a sua casa, mete os estrondosas homenagens a personalidade altíssima. A filhinhos na liteira, pula para riba do zaino, e sem medir sociedadezinha da província, ainda deslumbrada, cur- trabalhos, lá vai por léguas de caminhos bravos, sob vou-se diante da enlouquecedora da corte. soalheiras tostantes de agosto, aconchegar o revolu- cionário com as quenturas do seu carrinho! Alberto Rangel, entre muitas, dá estas curiosas notas mundanas: Quem podia lá resistir a uma mulher assim?

“Nunca faltavam à Marquesa, pelo correr dos tempos, * * * em S. Paulo, as mais lídimas e iniludíveis provas de apreço e admiração, passasse ela a pé, no seu bangüê As coisas iam rudemente desastrosas para os insurgen- ou sege, ou assomasse ela nos camarotes dos teatros tes. As tropas sublevadas foram batidas em S. Roque. e nos salões da fidalguia local.o tenente coronel Jor- Foram batidas em Jundiaí. Foram batidas em Campinas. dão mandava prestar as continências, quando a tro- Caxias com o seu exército, despenhara-se de Santos a pa passava à vista da Domitila. O barão de Iguape Sorocaba. Estava iminente a sufocação do movimento. delegava a filha, D. Veridiana, uma vez ou outra, para ir saudar tão ilustre e prezada personagem...” Rafael Tobias viu claro a situação desesperadora. Não havia meio de resistir. Em meio dos rapapés, havia aqui e ali, vozes desto- antes. Havia intransigentes, almas azedas, que não se O revolucionário, naquele momento pungente, o revo- 61 lucionário, homem de coração, relanceou um olhar de sobrinha Escholastica. Era cinco horas. Vimos Mamãe, angústia à companheira fiel. Era ela, não havia negar, o Tobias e o padre capelão da casa, se dirigirem para negar, a amiga certa, da hora incerta. Era ela a confor- o altar. Principiou a cerimônia. Eu vi então que Mamãe tadora da sua desdita. Era ela a compartidora de seu ia se casar...” leito. Era ela, mais que tudo, a mãe de seus filhos. Não, Rafael Tobias não podia deixá-la ao vilipêndio! Qual se- Sim, no oratório particular de D. Gertrudes, em Soroca- ria a sua sorte? Impossível de prever. Por isso mesmo, ba, naqueles dias de perigo, dias procelosos de revo- no momento cruel, ele precisava soerguê-la. Ele preci- lução, ante a tropa ameaçadora de Caxias, que vinha sava honrá-lo com o seu nome. num arremesso sobre a cidade, o Coronel Rafael To- bias de Aguiar, presidente rebelde da província, casou- O político tomou uma resolução afrontosa. Bela resolu- se com D. Domitila de Castro Canto e Mello, Marquesa ção de cavalheiro. de Santos, a mulher mais formosa do Brasil.

Nessa tarde, no oratório particular de D. Gertrudes, ar- O ato foi extremamente singelo. Quase em segredo. No maram às pressas um altar. Enfeitaram-no de rosas. entanto para bem acentuá-lo como episódio histórico, Diante dele, quase em sigilo, desenrolou-se curiosa houve, naquela simplicidade, esta nota pictural: assistiu cena histórica. a ele o Regente Feijó. Teve assim a Marquesa de San- tos como padrinho, mesmo num casamento de revolu- D. Maria Isabel, Condessa de Iguaçu, última filha da ção, a figura culminante do padre formidável. Marquesa de Santos e de D. Pedro I, é quem relata aquele sucesso íntimo. Vem ele, com miudeza, nas * * * “Memórias” da bastarda. Dias depois, entrava Caxias em Sorocaba. Encontrou Sim, aquela desgraçadíssima filha de D. Pedro deixou, a cidade deserta. Tobias fugira. Os vereadores fugiram. à sua amiga Emília, o manuscrito da sua vida. É horren- Os militares fugiram. A tropa fugira. do como português, mas saboroso como nota humana. Começa assim, a modo de prefácio: Só não fugiu um homem. Um só! Foi o único que não se enfileirou na debandada: o padre Diogo Feijó. - “Minha Amiga Emília. Pedes-me que te conte a mi- nha história, isto é, a minha vida. Vou te fazer a vontade. Caxias não consentiu que os oficiais o prendessem. To- Vais ver nela que cabe bem, à triste filha bastarda de mou a si essa tarefa. Dirigiu-se em pessoa, à casa do D. Pedro I, o ditado que diz: bem nascida, mal fadada. revoltoso. M. Izabel”. Lá conta a História o diálogo dos dois homens. E vem o título, romântico: Caxias: História da vida da filha bastarda do Sr. D. Pedro I - “Só o dever do soldado me impõe a dolorosa pena de prender o Senador Feijó, um dos chefes da revolução”. A condessa de Iguaçu, conta, naquelas desoladas pá- ginas, o que, a menina ainda, presenciara nessa gran- Feijó: de tarde de Sorocaba. Fale a bastarda com o seu falar - “Estou às suas ordens, general. Mas olhe. O senhor é pitoresco: moço; aprenda, no que está vendo, o que é o mundo: ontem, no governo, eu nomeava o Sr. Lima e Silva major - “Um dia vi que estavam preparando o altar da casa do corpo de permanentes; hoje, é o Sr. Lima e Silva, ge- de D. Gertrudes. Perguntei à Mamãe porque é que neral, quem vem prender o velho Feijó, já moribundo”! estavam armando o altar. Ela me disse que era para um batizado. É verdade que houve esse batizado; mas E entregou-se à prisão. não foi só. Antes eu vi sair Mamãe muito bem vestida do seu quarto; o Rafael Tobias também sair muito bem [Fonte: SETÚBAL, Paulo. Nos Bastidores da História. vestido, de casaca. Eu fiquei olhando, e assim a minha São Paulo, Nacional, 1928, p. 7- 29.]

NOTA

1 - Referência ao Costa Carvalho, barão de Monte Alegre, presidente da Província, alvo de todos os ódios. (Nota do autor) Acervo histórico Cândido Motta e a Institucionalização da Infância

Maria Conceição Santos*

Percorrer os diversos caminhos que levam à sujeitos que, em seus debates, construíram parte construção de uma história é uma tarefa árdua e, da história política brasileira, refletindo as ques- ao mesmo tempo, fascinante, pela possibilidade de tões postas para a sociedade de uma determina- trazer à tona as vozes de sujeitos que, por muito da época. Ao analisar a trajetória política de par- tempo, permanecem silenciados nas páginas dos lamentares como Cândido Nanzianzeno Nogueira documentos. Cabe aos pesquisadores dar-lhes da Motta, pode-se trazer a lume o percurso de sua voz, criando, assim, uma possibilidade de resgatar formação, as relações estabelecidas no espaço o passado. Neste sentido, fazer um percurso pelas social que contribuíram para construir as bases páginas dos Anais do Legislativo Paulista consti- de formulação das políticas públicas, em especial tui-se numa tarefa de tirar do silêncio involuntário para a infância, visto que as ações e posiciona- mentos políticos de um sujeito não estão desvin- culados da estrutura social à qual pertence1.

Em sua trajetória política, Cândido Motta transitou entre os campos jurídico e político. Esse percurso DAH - ALESP DAH - refletiu-se nos debates estabelecidos com outros parlamentares sobre a criminalidade de menores, impelindo a inserção do Estado na questão, colo- cando crianças sob sua tutela por meio da criação de instituições – em regime de internato – a fim de educá-las e corrigi-las pelo trabalho, para devol- vê-las à sociedade como cidadãos-trabalhadores, servidores da pátria.

A CrIAnçA EnTrE DoIS PóLoS: o PÚbLICo E o PrIvADo

A República anunciara a idéia de progresso, mas esse ficara apenas na promessa, pois não trouxe melhorias nas condições de vida de grande parte da população. Assim, o Brasil entrava no século XX assistindo a um agravamento dos problemas sociais que ultrapassavam a capacidade de aten- dimento das instituições filantrópicas, tanto reli- giosas como de particulares.

Se a prosperidade do país, dizia-se, viria como Cândido Nanzianzeno Nogueira da Motta (1870 – 1942). resultado do trabalho – compreendido como cha-

* Mestre em História pela UNESP ([email protected]). 6 ve para a supremacia de um povo –, o operário particulares convenientemente organizados. Estes tornava-se, dessa maneira, um personagem que estabelecimentos deveriam ter por base a religião propiciaria a entrada na “vanguarda da civilização” e o trabalho, associados ao ensino escolar5. rumo à “supremacia dos povos superiores”. No Brasil, país agrário, até o final século XIX pre- Ângela de Castro Gomes observa que o Estado dominou a ação filantrópica do tipo caritativa no moderno precisava humanizar-se. “O trabalho de- atendimento à criança que, aos poucos, se trans- veria ser encarado como uma atividade central na formou na denominada nova filantropia6, refletin- vida do homem e não como um meio de ‘ganhar a do a mudança tanto da economia, como do pen- vida’. Isto implicava que o homem assumisse ple- samento sobre as funções do Estado em relação namente sua personalidade de trabalhador, pois às questões públicas. A atuação do poder público ela era central para a sua realização como pessoa ante a questão deu-se por muito tempo na condi- e sua relação com o Estado”2. ção de colaborador, isentando-se, dessa maneira, do papel de responsável. O Senado Estadual e a Sonia Regina Mendonça informa que na socie- Câmara dos Deputados recebiam, com freqüên- dade brasileira do século XIX, “recém-egressa cia, pedidos de isenção de impostos e de subven- da escravidão [...] e por isso herdeira de práticas ções por parte de instituições particulares. No final repressivas de coerção do trabalho”, o Estado do século XIX, observam-se diversos pedidos en- precisou redefinir as “modalidades de compulsão caminhados por parlamentares – especialmente ao trabalho para além da coerção explícita”3. Para os que tinham origem no município onde se loca- conformar o homem a uma nova modalidade era lizava a instituição que se pretendia beneficiar –, preciso moldar, preparar, educar, enfim, produzir que os apresentavam como de grande valor para um novo tipo de trabalhador. Neste contexto de a sociedade. Estes pedidos eram resultado de um produção de um trabalhador livre, a infância aban- olhar de preocupação, especialmente direcionado donada emergiu como problema para a socieda- para a infância pobre, considerada potencialmen- de e foi situada na fronteira entre a esfera pública te perigosa7. Assim, apontava-se a necessidade e a privada. As condições que se apresentavam de instituições educativas de caráter preventivo. proporcionaram uma nova cultura – que se pode observar nas discussões travadas no cenário po- Em São Paulo, além dos institutos profissionais do lítico –, que levou à reivindicação de intervenção período imperial, em 1894, o projeto apresentado do Estado nessa questão. no Senado por Paulo Egydio, propondo a criação do Asilo Industrial destinado a esse fim, refletiu tal O desenvolvimento do capitalismo, na mesma pro- preocupação. porção que valorizou o trabalho, trouxe a conde- nação do ócio. A ociosidade passou a ser classifi- cada como sinônimo de vagabundagem. O oposto do vagabundo seria o trabalhador. Para as classes privilegiadas o ócio era perfeitamente aceitável, visto que consideravam ter recursos para viver

dessa maneira. Dessa forma delineou-se uma Coleção Dainis Karepovs nova modalidade de atendimento aos pobres.

No cerne da preocupação com a formação e dis- ciplinamento das classes trabalhadoras, no fim do século XIX, tanto na Inglaterra como em outros países da Europa, discutia-se qual seria o melhor sistema de atendimento aos menores delinqüen- tes. Nos diversos congressos, debatia-se sobre o aperfeiçoamento do regime penitenciário, colo- cando-se em pauta a criação de asilos para me- nores abandonados e formulando quesitos sobre o sistema de maior eficácia para a regeneração moral dos delinqüentes de menor idade4. Como resposta, estabeleceu-se que, na falta de famílias que dessem garantias de uma boa educação e que estivessem dispostas a assumir esse encargo, po- der-se-ia recorrer a estabelecimentos públicos ou Paulo Egydio de Oliveira Carvalho (1843-1906). Acervo histórico

Um outro indicativo da inserção do poder público delinqüentes, preparando futuros trabalhadores nesse campo foi a emenda apresentada por Alfre- em defesa da sociedade. do Pujol, para a Lei nº 513, de 1897, que visava al- terar a forma de subvenção aos estabelecimentos Os pobres, considerados potencialmente perigo- de ensino ou de caridade em São Paulo8. Ele pro- sos, deveriam ser controlados, bem como sua punha que essa disposição estivesse explícita e prole. A infância pobre deveria ser conduzida des- que as subvenções fossem pagas em prestações de cedo para o mundo do trabalho, em institui- mensais, correspondentes a um aluno para cada ções capazes de moldar comportamentos, a fim conto de réis de subvenção, ou seja, para receber de constituir o futuro cidadão trabalhador, amante esses auxílios as instituições deveriam se com- da ordem. A pobreza, apontada como matriz do prometer a receber órfãos e desvalidos. A referida abandono9, serviu como justificativa para a cria- lei apresentava-se como uma garantia de atendi- ção de instituições cujo objetivo era a regenera- mento a qualquer criança que fosse encaminhada ção de crianças pobres através do trabalho. Nes- pelos poderes públicos, visto que as instituições, se contexto, surgiu o Instituto Disciplinar. não raras vezes, recusavam-se a atender aquelas que consideravam demasiadamente viciadas. O Instituto Disciplinar

A infância tornou-se, assim, uma questão de Esta- O Projeto de Lei nº 16, de 1900, para a criação do, sobretudo pela institucionalização do caráter do Instituto Disciplinar, somente foi aprovado dois repressivo, pelo qual se procurou disciplinar para anos depois e transformou-se na Lei nº 844, de 10 o trabalho e prevenir um suposto aumento da cri- de outubro de 1902. No projeto, Cândido Motta minalidade. Um exemplo disso pode ser verifica- previa a criação de um instituto correcional, indus- do na discussão em torno da criação do Instituto trial e agrícola, inicialmente denominado Instituto Educativo Paulista, no Congresso Legislativo do Educativo Paulista, para o atendimento de meno- Estado de São Paulo. res moralmente abandonados e criminosos. Antes de ser encaminhado à Câmara dos Deputados, o O autor do projeto, o jurista e parlamentar pau- mesmo foi objeto de análise de um professor de lista Cândido Motta, apontava o crescimento po- direito criminal da Universidade de Paris, Alfred pulacional, que girava em torno de 300 mil ha- Lepoitvin, fato que aponta o diálogo com outros bitantes, como uma das justificativas para a sua criminalistas na elaboração da referida instituição. aprovação. O projeto caracterizava-se como um desenvolvimento de “medidas profiláticas capa- No discurso de apresentação do projeto, na Câ- zes de evitar e prevenir a erosão da criminalida- mara dos Deputados de São Paulo, é possível de na infância desprotegida”. Era em nome da delinear os princípios que permearam sua ela- ordem social que se reivindicava a inserção do boração. Nele, o parlamentar discorreu sobre os Estado, visto que a função de punir era conside- objetivos e a importância da criação de uma ins- rada inerente a ele. Embora a prevenção fosse tituição de caráter preventivo da criminalidade in- considerada de ordem privada, de beneficência, fantil e juvenil. Por ser de prevenção, com vistas à ao Estado caberia a função de prover o bem-es- defesa da própria sociedade, o instituto era apre- tar geral formando bons cidadãos. sentado como de grande alcance social, embora houvesse uma discussão sobre a competência Nos países onde a filantropia se encontrava mais ou não do Estado em fundar instituições de cará- desenvolvida, o Estado intervinha de maneira ter preventivo, visto que a função repressiva era mais sutil, afirmava Cândido Motta, mas no caso apontada como sua característica inerente. Como brasileiro não se dispunha nem instituições parti- a instituição apresentada tinha a função de pre- culares suficientes, nem de instituições públicas. venir o crime e isso se reverteria em benefício da Além disso, outra razão para justificar a interven- sociedade, era em nome do bem geral, “de prover ção do Estado era de ordem econômica: era mais o bem-estar social que se reivindicava a ação do vantajoso prevenir do que reprimir. Estado”10. Os poderes públicos competentes de- veriam voltar sua atenção para aqueles que con- Cândido Motta, ao apresentar o projeto de insti- sideravam os futuros servidores da pátria. tuição para crianças pobres, revelou uma nova percepção desse segmento, delineando novos Cândido Motta abordava o problema da infân- papéis para o Estado, visto que a criança abando- cia como algo que se impunha aos filantropos e nada era situada entre duas possibilidades: o fu- homens de Estado, conforme ocorria na França. turo trabalhador ou o futuro delinqüente. Cabia ao Essa filantropia à qual se refere é a que se deno- Estado a tarefa de evitar o surgimento de novos minou, aqui, de nova filantropia. Ou seja, aos par- 6 ticulares cabia a responsabilidade de promover, de adiantamento, de progresso. Citava a Rússia em parceria com o Estado, ações que visassem como exemplo desse adiantamento, com a fun- ao bem comum. dação do “asilo correcional de Moscou”, em 1865. Em diversos congressos realizados na Europa, Assim, havia a necessidade, em São Paulo, de um na segunda metade do século XIX, discutiam- asilo em que os menores recebessem uma edu- se os princípios de organização das instituições cação moral e cívica rigorosa e pudessem formar destinadas à correção de menores abandonados. o caráter pelo estímulo e pelo exemplo. No ano Em Roma, fundara-se o primeiro asilo correcional de 1895, apoiado pelo deputado Costa Carvalho, denominado São Miguel. A cela para isolamento Cândido Motta dirigiu-se ao procurador-geral do e oração tornou-a cela penitenciária, lugar onde Estado, ressaltando o aumento da criminalidade deveriam pagar pelos crimes cometidos. A soli- infantil11. Este chamava a atenção para a inação dão da cela era considerada “um enorme benefí- dos poderes competentes, no caso o Legislativo, cio para a alma”, constituindo-se coadjuvante na no sentido de organizar o sistema penitenciário. regeneração do delinqüente.

Para Cândido Motta, a organização da institui- O projeto de Cândido Motta encontrou semelhan- ção penitenciária seria uma forma de contribui- ça no projeto de 1893, do senador Paulo Egydio, ção para o progresso do Estado, assim como a para a criação do Asilo Industrial de São Paulo, o instituição para menores. Segundo ele, o pensa- qual ficou engavetado no Senado Paulista. Isso mento geral, dominante entre aqueles que se in- talvez explique o fato de Paulo Egydio ter sido um teressavam pela proteção da infância criminosa e dos senadores que mais apresentaram emendas abandonada, revelado nos diversos congressos ao projeto, pois viu no Instituto Educativo de Cân- em que havia participado, era o de que o instituto dido Motta a concretização de sua proposta de correcional não deveria ter um caráter punitivo, instituição, embora com algumas modificações. como aqueles destinados aos adultos, mas prin- Na essência, os dois projetos se assemelhavam, cipalmente educativo12. mas o projeto de Cândido Motta distinguia-se, es- pecialmente, por apresentar uma estrutura orga- Apesar de aprovado na Comissão de Justiça e nizativa tríplice. Era ao mesmo tempo escola de encaminhado à Câmara dos Deputados e de- correção, escola de trabalho e asilo para abando- pois ao Senado, este emitiu parecer somente em nados moralmente. Se na Inglaterra essas insti- 1902, apresentando um substitutivo para o projeto tuições eram distintas, embora com o mesmo fim, original. Em 1901, na proposição de emendas, o em São Paulo procurou-se otimizar a instituciona- Senado tratava da criação de uma Escola Disci- lização por meio dessa tríplice estrutura13. plinar e de uma Escola Correcional. No mesmo ano, em segunda discussão, a denominação utili- Ao apresentar o artigo 2º, que tratava da lotação do zada era Instituto Correcional, Industrial e Agríco- Instituto, Cândido Motta argumentava que, embo- la, mas somente pela Lei nº 844 o Estado foi autorizado a fundar o estabelecimento, porém com a denominação de Instituto Disciplinar. A ALESP DAH - mudança de nome refletiu a tentativa de adaptação ao que determinava o Código Penal, visto que ao Estado cabia a repressão à crimi- nalidade, portanto este não poderia criar uma institui- ção apenas de caráter edu- cativo. Para isso, dizia-se, existiam as escolas.

O deputado Amador Cobra, ao comentar o projeto de Cândido Motta, considera- va a criação de “asilos cor- recionais” como sinônimo Sala de aula do Instituto Disciplinar. Acervo histórico

putados, Amador Cobra foi o principal opositor ao inciso I do artigo 4º. Para ele, o reco- DAH - ALESP DAH - lhimento de menores moral- mente abandonados feria o Código Penal, na medida em que punia com a privação de liberdade alguém que, antes de tudo, era vítima e cujo úni- co crime era estar em situa- ção de abandono.

Cândido Motta, por sua vez, apelava para os princípios da “ciência moderna”, segundo a qual era inegável que o cri- me do pai era resultado dos defeitos de sua organização física ou psicológica, defeitos Instituto Disciplinar e casa do diretor. esses que se refletiam pode- rosamente na moral, de modo ra tivesse se inspirado principalmente no reforma- que o filho apresentava grande probabilidade de tório de Elmira, que atendia a mais de mil internos, cair no mesmo mal por transmissão hereditária. a limitação estipulada em duzentos menores justi- Daí a necessidade de a sociedade vigiá-lo mais ficava-se pelo fato de facilitar a vigilância, a obser- de perto e de empenhar-se em afastá-lo do crime, vação. Outra preocupação latente relacionava-se por meio de uma rígida educação moral nos ins- à aparência do edifício, que deveria ser construído titutos destinados à educação e à recuperação. A de forma tal que não se assemelhasse às cadeias educação moral deveria compreender, além dos públicas ou outras prisões do Estado, embora a ensinamentos religiosos, o exemplo pela punição disciplina e a ordem pressupostas fossem seme- e pela premiação. A primeira deveria ser temida; a lhantes. Nessa preocupação identifica-se a neces- segunda, desejada. Ambas faziam parte de uma sidade de fazer ver e crer que a instituição não era mesma estratégia: incutir no interno o desejo de uma espécie de prisão. No entanto, previa-se no se tornar melhor. projeto a unidade celular para isolamento. O inciso II do artigo 4º tratava de definir quem A partir da noção de defesa social, procurou con- eram os vagabundos. A vagabundagem era con- templar, no artigo 4º, a população atendida pelo siderada um estágio inicial para a criminalidade. instituto que tratava, especialmente, daqueles Para os jovens maiores de 14 anos, classificados considerados moralmente abandonados, em vir- na categoria de vadio ou vagabundo, a medida se- tude de serem considerados portadores de carac- ria o recolhimento em institutos disciplinares, onde teres herdados. Dessa forma, incluíam-se entre poderiam permanecer até a idade de 21 anos14. eles os filhos de condenados que não tivessem recursos necessários para sua educação moral, Numa outra categoria, de moralmente abando- intelectual e profissional; os vagabundos, os quais nados, incluíam-se os maiores de nove anos e eram considerados os menores abandonados, menores de quatorze que agissem sem discerni- cujos pais haviam se descuidado de sua educa- mento. Essa era uma questão polêmica, pois se ção, e estavam entregues às vicissitudes da sorte; agia sem discernimento, o menor não poderia ser os maiores de nove anos e menores de quatorze considerado criminoso. Em contrapartida, não se que agissem sem discernimento. sabia que destino dar a esse grupo. Cândido Mot- ta alegava que se a lei o absolvia, não se poderia, Para o primeiro grupo, o recolhimento no instituto, por outro lado, impedir que a sociedade zelasse de acordo com o inciso I do artigo 4º, dar-se-ia pela sua educação, no caso de pais incapazes. somente em virtude da falta de recursos para se Nesse caso, a internação não se constituía uma prover o sustento dessas crianças e mediante a pena, mas uma medida de educação, portan- requisição dos pais ou tutores. Esse aspecto foi to, os menores deveriam entrar no instituto pela duramente criticado, tanto na Câmara dos De- segunda porta, ou segunda classe, que era a de putados como no Senado. Na Câmara dos De- observação, a fim de se avaliar sua capacidade 67 de discernimento, visto que havia uma lacuna no do cérebro e da alma, além da reflexão sobre as Código Penal nesse sentido. conseqüências dos atos praticados19. O trabalho apresentava-se como o remédio para o equilíbrio Quanto aos menores condenados por sentença físico e mental, essencial à regeneração. Era pre- judicial, que houvessem agido com discernimen- ciso ocupar a mente com o trabalho para que es- to, deveriam entrar pela primeira classe, que era sas divagações não ocorressem20. a de correção e de isolamento durante o dia e a noite. Após um estágio mínimo de um ano e Mais do que fornecer trabalhadores para a agricul- de uma avaliação de comportamentos, o interno tura, procurava-se limpar o espaço urbano de pre- poderia ser promovido para a segunda classe e, senças indesejáveis. Em um discurso na Câmara assim, sucessivamente, até a terceira, que era a dos Deputados, um parlamentar argumentava porta de saída. que se as vagas dos internos não se destinavam às classes privilegiadas, que fossem, portanto en- A divisão em classes, no Instituto Disciplinar, tinha caminhados para o trabalho na terra. o objetivo de formar grupos à parte, que não se poderiam juntar. Esta era uma medida preventiva A partir do artigo 13 encontram-se as normas dis- para que um grupo não contaminasse o outro. As- ciplinares, estabelecidas em todas as relações e sim, processava-se a classificação e separação atividades, pautadas pelo constante vigiar, função dos corpos doentes, para não contaminar os cor- exercida também pelos internos, induzida por pre- pos sadios15. A primeira classe era de isolamento, miações, como posições privilegiadas, que lhes a segunda de observação e a terceira constituía- davam a incumbência de transmitir ordens ou ins- se no último estágio de permanência na institui- truções de autoridades superiores e de levar ao ção. Essa divisão obedecia à seguinte lógica: conhecimento destas as faltas cometidas pelos classe dos maus, dos duvidosos e dos bons. colegas. Aqueles que, ao final de um ano, tives- sem um bom comportamento eram incumbidos de Nos artigos 27 a 29 encontravam-se as disposi- “vigiar a conduta de seus companheiros, transmi- ções referentes à prisão, condução dos menores tir-lhes as ordens ou instruções da autoridade su- às delegacias de polícia e ao Instituto. A fotografia, perior, e de levar ao conhecimento desta as faltas prevista no artigo 8º, quando da entrada na insti- cometidas, para a necessária repressão”21. tuição, foi duramente criticada por Amador Cobra, que a considerava vexatória. Mas para Cândido Esse processo disciplinador remete a Michel Fou- Motta, adepto das teorias lombrosianas, a foto- cault, que, em Vigiar e Punir, afirma que a priva- grafia constituiria um instrumento para o estabe- ção da liberdade é um dos principais elementos lecimento de uma tipologia do interno a partir de da nova forma de punir, que se consolida a partir estudos antropológicos16 e para a administração do desenvolvimento industrial. Na correção pelo do Instituto. Ao final, apesar de todas as críticas trabalho, o corpo não é mais o alvo principal, apresentadas, Amador Cobra se disse favorável como na época dos suplícios, mas um instrumen- ao projeto. O médico e deputado Esteves da Silva to ou intermediário. Ainda, segundo Foucault, “o destacava que este vinha satisfazer uma necessi- castigo passou de arte das sensações insuportá- dade imediata da sociedade paulista. veis a uma economia dos direitos suspensos”22, ou seja, o castigo deveria ferir mais a alma do que Cândido Motta concluiu alegando que procurou o corpo e incutir no criminoso o desejo de cum- adequar o projeto à opinião dominante sobre o as- prir a lei. Assim, a disciplina era fundamental, na sunto, naquele momento, destacando sua utilidade medida em que se constituía em instrumento de incontestável, com base na noção de defesa so- adestramento eficaz. cial17. O combate à criminalidade apresentava-se como um caminho para o aperfeiçoamento moral. As recompensas ou prêmios pelo comportamento desejado também se inscreviam na lógica da ação O trabalho deu o tom do modelo implantado na curativa. O artigo 26 do regulamento trata desse instituição. Dessa forma, privilegiou-se o ensino aspecto. Nele estão definidas as recompensas au- profissionalizante e, nele, o ensino agrícola. A torizadas. Esse modelo de premiação procurava maior parte do tempo deveria ser destinada aos romper os laços de solidariedade entre os inter- trabalhos agrários, pois estes eram considerados nos, na medida em que estabelecia a competição os mais próprios para o desenvolvimento do cor- e a permanente vigilância entre eles. A premiação po, na medida em que o habituava ao “labor rude que se atribuía a diversos comportamentos dese- e pesado, às intempéries das estações”18. O con- jáveis fazia parte da lógica disciplinar de adestra- tato com a natureza deveria promover o equilíbrio mento e normatização. A não-punição, mas a idéia Acervo histórico de educação era pressuposto dos congressos in- de menoridade – e dessa como questão de Estado ternacionais em fins do século XIX23. nesse período – deve incluir a leitura dessas fon- tes. Outro aspecto que deve ser analisado a partir O Projeto de Lei nº 16, de 1900, para além de da leitura desses documentos é a organização do sua eficiência ou não, chamou para o Estado a Sistema Penitenciário em São Paulo, bem como da responsabilidade de uma ação preventiva e re- Polícia de Costumes, alvo de debates26. A criação pressiva da criminalidade infantil em São Paulo e de instituições desse porte representou o delinear assinalou uma nova forma de atendimento a esse de uma política moralizadora, associada ao cresci- segmento, sobretudo, a inserção do poder público mento urbano, à formação de um mercado livre de nesta questão social. Essa nova forma de aten- trabalho e, sobretudo, à preocupação com o mol- dimento reproduziu-se na criação posterior de dar a população pobre, as classes trabalhadoras, outras unidades de atendimento, como em 1909, aos novos modelos político e econômico. quando foram fundados mais três Institutos Disci- plinares no Estado de São Paulo24. A obra Menores delinqüentes e seu tratamento no Estado de São Paulo27, uma das mais conhecidas A obra de Cândido Motta e importantes desse jurista, serviu de base para oito dos pressupostos conclusivos do 4º Con- A obra de Cândido Motta constitui referência para gresso Científico, 1º Pan-Americano, realizado o estudo da infância no Estado de São Paulo, em 1909 no Chile, no qual Cândido Motta, como tanto em abordagens voltadas para o aspecto representante do Brasil, atuou como assistente. jurídico como institucional. Como idealizador do Dentre os pressupostos conclusivos desse con- projeto de institucionalização para menores, origi- gresso podem ser destacados: o reconhecimento nalmente denominado Instituto Educativo Paulis- da necessidade de intervenção direta do Estado ta, suas idéias encontraram aceitação, à época de no trabalho preventivo de assistência à infância; a sua produção, tanto no plano interno como no ex- necessidade de subvenção às entidades particu- terno, pelo reconhecimento de teóricos nos quais lares de assistência à infância; a determinação de ele se inspirou. Como num jogo de espelhos, eles atenção às denominações e características dos se leram e se reconheceram um na obra do ou- espaços destinados ao internamento de crianças tro. Cândido Motta foi um dos principais repre- e adolescentes; o aconselhamento às instituições sentantes da Nova Escola Penal em São Paulo, para que não excedessem o limite de duzentos in- responsável por divulgar a idéias dessa escola ternos; a proposta de criação de instituições com na Faculdade de Direito de São Paulo, não obs- tríplice função – prevenção, recuperação e edu- tante outros juristas que a ela se filiaram, total cação; a recomendação de especial atenção aos ou parcialmente. Foi, principalmente, um adepto filhos de condenados e o respectivo internamen- e defensor das teorias de Lombroso e de outros to com representação dos tutores; a condenação fundadores da Nova Escola Penal e delas se utili- dos castigos corporais e a proposta de se apli- zou para formular seu projeto de atendimento aos car, para os mais indisciplinados, o regime celular menores delinqüentes. como castigo e a recomendação de que a direção das instituições fosse entregue a homens de ciên- Na base da preocupação com o trabalho e a cri- cia, sem apadrinhamento. minalidade infantil, diversos juristas atuando no campo político elaboraram propostas consoantes Todos esses itens apresentam aspectos encon- aos interesses da sociedade, em especial das ca- trados no projeto de instituição de Cândido Mot- madas médias urbanas e da elite econômica. Com ta. Afora os exageros, a proposta era ambicio- relação à infância observou-se atenção especial sa para a época. Se, de um lado, respondia às à questão da inimputabilidade e à formulação de expectativas de parcela da sociedade, de outro, leis específicas para tratar os menores, além da colocava-se num plano ideal por seu autor, que criação de instituições preventivas e corretivas da pretendia dar uma formação mais esmerada para criminalidade infantil por meio do trabalho25. os internos, a qual deveria incluir noções de direi- to constitucional, vislumbrando a formação de al- Os Anais do Poder Legislativo de São Paulo e o guns deles em bacharéis. O conhecimento sobre conjunto da obra de Cândido Motta constituem-se economia política e direito constitucional era uma importante referência para o estudo da infância no forma de evitar que um indivíduo “caísse com o fim do século XIX e início do século XX, tanto em cérebro desprevenido” nas teorias que geravam o abordagens voltadas à análise da legislação como anarquismo e outras coisas semelhantes28. do discurso jurídico sobre a menoridade. A com- preensão da passagem da noção de criança para a A instituição foi criada em meio a uma discussão 6 sobre a criação de uma legislação específica para os menores e, por anteceder a ela, pode-se infe- rir que, neste aspecto, também teve repercussão, visto que, até o Código de Menores de 1927, para ALESP DAH - definir quem deveria ser interno no Instituto recor- ria-se ao que dispunha o Código Penal.

No Estado de São Paulo, o projeto desse jurista as- sinalou a entrada efetiva do Estado na questão da infância apontada como abandonada, viciosa, de- linqüente. Em síntese, seu trabalho configurou-se como um projeto político a partir do estabelecimen- to de um modelo de atendimento para a infância e adolescência pobres. Cândido Motta, com outros juristas e parlamentares, construiu em seu discur- so os pilares de uma nova política e da elaboração de uma legislação para a infância, que se concre- tizou com o Código de 1927 e procurou consolidar uma “visão hegemônica”29 sobre a criança.

Domingos Corrêa de Morais, vice-presidente do Estado de São Paulo, num discurso na Câmara dos Deputados, em julho de 1903, destacou a importância da criação do Instituto Disciplinar e da Colônia Correcional para a ordem pública e justificou o fato dela ainda encontrar-se no papel em virtude da crise econômica do Estado. Outro aspecto a ser destacado é a introdução da escola no cárcere, como já preconizavam alguns auto- Livro de Cândido Motta sobre menores delinqüentes . res, como Rômulo Pero, em artigos publicados na Revista de Ensino. Se o projeto original do Institu- to Disciplinar pressupunha a escola na instituição, legisladores aparelhar o Estado com instituições isso serviu de inspiração para que se introduzisse que possibilitassem a prevenção do delito. Em- a escolarização no sistema penitenciário, em dis- bora não tenha sido pioneiro nessa discussão, cussão à época da criação do referido instituto. encontrou apoio entre diferentes grupos. Um exemplo disso foi a aquisição do terreno para a No que se refere à discussão sobre a infância, tam- instalação do Instituto Disciplinar ter sido efetuada bém podem ser citados nomes como Tobias Bar- pelo chefe de polícia, antes mesmo da aprovação reto, Lopes Trovão, Amador Cobra, Alcindo Gua- do projeto. O Instituto Educativo Paulista (apro- nabara, Paulo Egydio, Moncorvo Filho. Sobretudo vado como Instituto Disciplinar), dizia Motta, faria nos discursos de Lopes Trovão, Cândido Motta en- a glória de São Paulo, assim como a Escola de controu a convergência de idéias no que se referia Metray havia feito a glória da França31. Sua obra à criação de leis específicas para a infância. significou, no Estado de São Paulo, uma elabo- ração teórica e prática sobre o atendimento aos Cândido Motta, com seu projeto, procurou respon- menores. Embora não se tenham dado condi- der aos anseios de diferentes setores sociais em ções à aplicação da totalidade de sua proposta relação à infância categorizada como menor, mas pelas limitações do espaço físico, entre outras, o também assinalou a necessidade de “um novo projeto institucional fincou as bases do que mais ideal de proteção e assistência à infância”30. Mais tarde se reproduziria como forma de atendimento do que isso, suas idéias contribuíram para colocar à menoridade, consolidando, ao longo dos anos, a infância no foco político, em meio a uma preocu- uma prática excludente de “reclusão de crianças pação de formação da nação brasileira, visto que e adolescentes sem direito à defesa”32. aquela passou a ser encarada como seu futuro, promissor ou não, dependendo do investimento A análise do projeto institucional desse parlamen- que se fizesse nos pequeninos futuros cidadãos. tar, especialmente no que se refere à premiação e punição, encontra equivalente, num período mais Como republicano, acreditava que era tarefa dos recente, no modelo implantado nas FEBEM’s. A Acervo histórico metodologia edificada nessas unidades tem mui- de conceber a inserção da criança na sociedade, to dos pressupostos aplicados no primeiro Institu- de um “novo jogo de forças” que se estabeleceu to Disciplinar. Embora aponte como um de seus pelas transformações econômico-sociais35. Neste objetivos “promover o educando nas suas quali- contexto, ao ser tratada como um potencial traba- dades e potencialidades e colocar limites onde o lhador, que deveria ser educado, disciplinado para mesmo necessita para a convivência social, fami- o trabalho, procurava-se constituir um cidadão re- liar e comunitária”33, observa-se que a socializa- publicano, ou seja, um cidadão-trabalhador36. ção passa pela exclusão, ou seja, isola-se para socializar, numa prática contraditória. Apesar de um século de criação da instituição original, métodos ineficazes ainda persistem e os problemas permanecem como a apontar à socieda- de sua incompetência em lidar com os delinqüentes DAH - ALESP DAH - que produz. Um projeto de reestruturação, baseado no treinamento e capacitação constantes, pode ser o ca- minho de mudança almeja- da do foco de trabalho de instituições que cuidam de crianças e adolescentes, do punitivo para o exercício da cidadania37. A preocupação com a profissionalização de jovens e adolescentes também segue a linha das primeiras instituições, ou seja, oferecem-se cursos que não consideram o in- teresse ou a demanda do Os menores a caminho do trabalho. grupo, para que a formação realmente possibilite o rom- Ao estabelecer um contraponto com o Instituto Dis- pimento do ciclo de exclusão vivido por eles e seus ciplinar de Cândido Motta e a atual FEBEM, per- familiares. Por outro lado, é preciso considerar cebe-se o quanto ainda permanece da instituição também os adolescentes e jovens que chegam às original que, para a época, representou um avan- unidades das FEBEMs em virtude do envolvimento ço no atendimento à infância e adolescência34. com drogas e, posteriormente, da prática de atos infracionais, o que exige outra forma de trabalho. ConSIDErAçõES fInAIS Apesar de a Declaração Internacional dos Direi- Juristas e parlamentares, ao proporem um trata- tos da Criança, promulgada pela ONU em 1989, mento preventivo e corretivo para a infância, ela- ter sido praticamente absorvida pela lei, no Brasil boraram um processo de criminalização desse ainda há grandes desafios a serem enfrentados, segmento, em que a prevenção e a correção eram dentre eles a ruptura com uma mentalidade calca- adotadas, sobretudo, como processo educativo e da na exclusão. Embora o Direito do Menor tenha disciplinador de mão-de-obra para o mercado de antecedido o Estatuto da Criança e do Adolescen- trabalho. A elaboração de propostas que visavam te, a legislação para a infância e adolescência edi- a criação de instituições para menores contem- ficou-se sob a égide da distinção, categorização plou esse aspecto, retirando da família o direito e exclusão, consolidando um tratamento desigual de punir, transferindo-o ao Estado. A criança con- às crianças, de acordo com sua classe social. siderada potencial força de trabalho deveria ser Dessa forma, utilizando as palavras de Irma Ri- educada, preparada no seio da família e da esco- zzini, é possível afirmar que a institucionalização la, ou nas instituições de correção para aquelas da infância teve um “sentido político-ideológico”, que viviam nas ruas. pois mais do que trabalhadores qualificados, o que se pretendia era obter trabalhadores dóceis Isto se deu como resultado de uma nova maneira e disciplinados38. 71

NOTAS

1 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. São 13 “Artigo 2º - O edifício que para esse fim for Paulo, Perspectiva, 1974. construído terá capacidade para o máximo de duzentos menores, e constará, além de parte 2 GOMES. Angela de Castro. A invenção do tra- destinada para administração e enfermaria, de balhismo. São Paulo-Rio de Janeiro: Vértice/Re- três pavilhões, completamente distintos, cujas vista dos Tribunais-Iuperj, 1988, p.217-219. disposições internas, mesmo sob o ponto de vista estético, deverão corresponder ao plano e 3 MENDONÇA, Sonia Regina. “Estado, violên- sistema da presente lei. § Único - As celas não cia simbólica, metaforização da cidadania.” Re- poderão ter dimensões inferiores a três metros vista Tempo. Rio de Janeiro, vol.1, nº 1, 1996, em quadra por quatro de altura.” Anais da Câma- p. 110. ra dos Deputados de São Paulo, 1900, p. 84-85.

4 Anais da Câmara dos Deputados do Estado de 14 Era o que determinava o Código Penal de São Paulo, 1900, p. 806. 1890, Capítulo XIII, “Dos vadios e capoeiras”.

5 Anais da Câmara dos Deputados do Estado de 15 O artigo 2o do Decreto Federal nº 145, de 11 de São Paulo, 1900, p. 80. julho de 1893, previa o recolhimento “de indiví- duos de qualquer sexo e idade que, não estando 6 A nova filantropia caracterizou-se, especial- sujeitos ao poder paterno ou sob a direção de mente, por um trabalho sistematizado que não tutores e curadores, sem meios de subsistên- visava apenas o atendimento de necessidades cia, por fortuna própria, ou profissão, arte, ofício, imediatas, mas a inserção do indivíduo no mun- ocupação legal e honesta e em que ganhem a do do trabalho. vida, vagarem pela cidade na ociosidade”.

7 Considerava-se infância potencialmente peri- 16 César Lombroso, antropólogo, foi um dos princi- gosa crianças vítimas de abandono moral. En- pais representantes de Nova Escola Penal, a qual tre estas, por sua vez, estavam os filhos de pais se caracterizou por estabelecer uma nova forma condenados, os quais poderiam receber tan- de tratamento aos criminosos, como a individua- to hereditariamente, como pelo meio vicioso e lização das penas. O crime, sob os ideais dessa amoral, tendências criminosas. Assim, a institu- escola, deveria ser julgado a partir do estabele- cionalização era uma prevenção para suprimir o cimento de uma tipologia do criminoso, ou seja, desenvolvimento de tais tendências, visto que na tratamento diferente para doenças diferentes. instituição elas deveriam ser submetidas a uma rígida educação moral. Ou seja, era preciso tra- 17 FERRI, Henrique. Princípios de Direito Crimi- tar a doença antes que ela se manifestasse. nal. O criminosos e o crime. São Paulo, Livraria Acadêmica Saraiva, 1931, p. IX. 8 Anais da Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo, 1898, p.669-670. 18 Anais da Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo, 1900. 9 MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Criança operária na recém-industrializada São 19 Revista de Ensino. São Paulo, ano l, nº 5, dez. Paulo In DEL PRIORE, Mary. (Org.). História das 1902, p. 1.000-1.001. crianças no Brasil. São Paulo, Contexto, 1999. 20 Idem, p. 1.002. 10 Anais da Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo, 1900, p. 82-83. 21 Revista de Ensino. São Paulo, ano l, nº 6, fev. 1903, p. 1.233-1.235. 11 Idem. Ibidem. 22 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Nascimen- 12 É importante ressaltar que por educação en- to da prisão. 11ª. Ed. Petrópolis, Vozes, 1994. tendia-se submeter os internos a princípios mo- rais rigorosos e a disciplina de comportamentos. 23 A punição deve ser-lhes aplicada de modo Acervo histórico

que possam sentir todo o seu rigor e entrever as 32 RIZZINI, Irma. Pequenos trabalhadores do conseqüências do crime, mas ao mesmo tempo Brasil. In DEL PRIORE, Mary (Org.) Op. cit.. São deve-se lhes proporcionar instrução que os pre- Paulo, Contexto, 2002, p. 380. pare para uma vida regular. Discurso de Amador Cobra. Anais da Câmara dos Deputados do Es- 33 Manual de Integração da FEBEM, 1997. tado de São Paulo, 1900, p. 807. 34 À época da criação do Instituto Disciplinar a ex- 24 “Em 1909, por meio da Lei nº 1.169, foram pressão utilizada era menor como distintivo entre criados três Institutos Disciplinares no Estado de adulto e criança, mas desvirtuando a origem da São Paulo. O Governador de São Paulo autori- expressão, ela passou a ser utilizada para referir- zaria, mediante a Lei nº 2.059, de 31 de dezem- se apenas às crianças das camadas populares. bro de 1924, a implantação de uma escola de A infância e adolescência são conceitos que sur- reforma de menores em Moji-Mirim, localizada à giram com a criação do Estatuto da Criança e do rua Ariovaldo de Siqueira Franco, s/nº, Matadou- Adolescente. ro, destinada a menores de 14 a 18 anos, assim como para aqueles, na faixa de 18 a 21 anos, 35 MORELLI, Ailton José. A criança, o menor e condenados por vadiagem, mendicidade e capo- a lei. Uma discussão em torno do atendimento eiragem.” RODRIGUES, Gutenberg Alexandri- infantil e da noção de inimputabilidade. Disserta- no. Os filhos do mundo. São Paulo: IBCCRIM, ção (mestrado em História) FCL-UNESP, Assis- 2001, p.225. SP, 1996, p. 10.

25 RANGEL, Patrícia Calmon e CRISTO, Keley 36 Sobre este aspecto, ver FARIA FILHO, Lucia- Kristiane. Os direitos da criança e do adolescen- no Mendes de. República, trabalho e educação: te. A lei de aprendizagem e o terceiro setor. São a experiência do Instituto João Pinheiro, 1909- Paulo, mimeo, p. 7. 1934. Bragança Paulista, Editora USF, 2001.

26 A Polícia de Costumes, sobre a qual Cândido 37 Esse foi um dos pontos cruciais indicados no Motta escreveu um livro, tinha como função ze- projeto denominado Reconstrução, de autoria de lar pelos bons costumes, pela moral nas ruas da Ivonete Aparecida Alves e de Maria Conceição cidade. Assim deveria estar atenta ao lenocínio, dos Santos para a unidade FEBEM-Imigrantes, crime contra os costumes, como, por exemplo, a após a rebelião de 1999 que pôs fim à mesma. exploração de mulheres, a prostituição. Nesse período, os internos da unidade foram transferidos para cadeiões (diversas unidades) 27 MOTTA, Cândido Nazianzeno Nogueira da. e para a FEBEM-Tatuapé. O projeto, à época, Menores delinqüentes e seu tratamento no Es- entregue ao governador do Estado Mário Covas, tado de São Paulo. São Paulo, Diário Oficial, tinha como principal objetivo construir um novo 1909. olhar para os internos, a partir da capacitação dos profissionais das unidades, a fim de romper 28 Anais da Câmara dos Deputados do Estado de com mentalidades construídas durante décadas São Paulo, 1900, p. 818. e que dificultam o desenvolvimento de um traba- lho realmente educativo e não punitivo com os 29 MARIANO, Hélvio Alexandre. A infância e a adolescentes. lei: o cotidiano de crianças pobres e abandona- das no final do séc. XIX e nas primeiras décadas 38 RIZZINI, Irma. Op. cit., p. 380. do séc. XX e suas experiências com a tutela, o trabalho e o abrigo. Dissertação (Mestrado em História) São Paulo, PUC, 2001.

30 RIZZINI, Irene. A criança no Brasil hoje. Desa- fio para o terceiro milênio. Rio de Janeiro, USU, 1993.

31 Anais da Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo, 1900, p. 818.  Papéis Avulsos A.Organização.do.. Arquivo.da.Assembléia.. Provincial

Marcia Cristina de Carvalho Pazin*

A Divisão do Acervo Histórico da Assembléia Logo após a Independência, a Constituição do Legislativa do Estado de São Paulo possui em seu Império determinou a criação dos primeiros or- acervo um rico conjunto documental relativo ao pe- ganismos legislativos provinciais – os Conselhos ríodo imperial, compreendido entre 18191 e 1889. Gerais de Província. Em São Paulo, o Conselho Coleção Dainis Karepovs

O Pátio do Colégio, primeira sede do Legislativo Paulista, retratado por Militão Augusto de Azevedo em 1862. A entrada da Assembléia ficava na primeira porta ao lado da torre da igreja.

* Bacharel em História pela Universidade de São Paulo, mestranda em História Social na área de Documentação e Arquivística. Supervisora de projetos de Tempo & Memória Com. Ltda.; especialista em Organização de Arquivos pelo Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, onde atua como docente ([email protected]). Acervo histórico

do no Pátio do Colégio (hoje desaparecido). Em 1879, sua sede foi transferida para o Largo de São Gonçalo, no “Ca-

Coleção Dainis Karepovs sarão do João Mendes”, próximo ao que hoje é a Praça que leva o mesmo nome. Posteriormente, a sede passou para o Palácio das Indústrias, onde permaneceu até 1968, quando foi transfe- rida para o Palácio Nove de Julho, atual sede do Legislativo paulista.

Em cada uma dessas mudanças, o trabalho de transporte da documen-

A segunda sede do Legislativo Paulista retratada por Marc Ferrez em 1880. tação acumulada acarre- tou perdas. Além disso, as reformas administrati- funcionou efetivamente entre 1826 e 1834. Po- vas e projetos de reorganização dos documentos rém, a aparente dificuldade de viabilização das modificaram a estrutura original do Arquivo desse atividades desse órgão resultou em pequeno vo- período. Há relatos, inclusive, de mudanças na lume de documentos preservados. estrutura original dos processos – o que modificou a configuração dos documentos hoje existentes. A partir de 1834, com o Ato Adicional e posterior Tudo isso contribuiu para a criação de lacunas transformação dos Conselhos Gerais em Assem- nos documentos preservados, o que dificulta a bléias Legislativas Provinciais, as alterações ins- compreensão pelos pesquisadores do contexto tituídas em seu funcionamento e as novas atribui- real de produção. ções legislativas exercidas no âmbito da Provín- cia de São Paulo resultaram em uma produção É importante dizer que a análise da documentação documental consistente, que se manteve durante precisa ser balizada pela compreensão do signifi- todo o século XIX. cado das ausências documentais. Os documentos existentes hoje não representam a totalidade dos Em 2000, foi desenvolvido projeto de reorganiza- efetivamente produzidos; há conjuntos inteiros ção e descrição dos documentos do período do que desapareceram nos processos de mudança Império, visando à recomposição do acervo, de de um local para outro ou durante acidentes com modo a torná-lo acessível aos pesquisadores in- a documentação. As enchentes do Tamanduateí, teressados. Nesse projeto, foi elaborado o Qua- especialmente nas décadas de 50 e 60, tiveram dro de Classificação do Fundo Assembléia Legis- como conseqüência a destruição de diversos con- lativa Provincial2. O resultado obtido está dispo- juntos documentais levados pelas águas4. nível aos pesquisadores no portal da Assembléia Legislativa, em formato de Catálogo Eletrônico Ao iniciar seu trabalho, o pesquisador deve com- da Documentação3. preender o significado do acervo encontrado e a inserção dos documentos que utilizará dentro de Essa documentação – que hoje chega a aproxi- um contexto de produção documental mais abran- madamente 250 mil documentos organizados em gente, que representa a realização das atribuições dossiês e mantidos em condições adequadas de da Assembléia Provincial. preservação – passou ao longo dos anos por di- versas situações que contribuíram para a perda Para isso, é importante compreender o Quadro de de organicidade dos processos remanescentes. Classificação do Arquivo e comparar os conjuntos documentais existentes aos Anais da Assembléia Inicialmente, a Assembléia Provincial funciona- Provincial, para tentar recuperar parte das infor- va no prédio do Colégio dos Jesuítas, localiza- mações perdidas com os documentos desapare- 75 cidos. Esse processo possibilita, também, com- Ao definir seus objetivos, o artigo 9º do Ato previa preender o processo legislativo como um todo, que as Assembléias Provinciais deveriam respei- desde as primeiras solicitações iniciais, passando tar a Constituição de 1824, nos mesmos moldes pela discussão das matérias até a efetivação dos do disposto nos artigos que determinavam as instrumentos legais. atribuições dos Conselhos Gerais de Províncias. Seu principal objeto continuava sendo a criação As funções da Assembléia Provincial de “projetos de interesse da Província”, manten- do-se a necessidade de aprovação pelo Poder A edição do Ato Adicional à Constituição do Im- Executivo ou pela Assembléia Geral. Nesse caso, pério, em 1834, alterou a estrutura legislativa o Poder Executivo, com a criação dos Presiden- existente nas províncias até então. A partir das tes de Província, ganhava um novo nível hierár- decisões desse Ato, desapareciam os Conselhos quico, não sendo mais necessário – no caso de Gerais de Província, que dariam lugar às Assem- funções específicas – remeter as resoluções ao bléias Legislativas Provinciais. Poder Executivo Central. Porém, apesar da ma- nutenção desses princípios básicos, a definição Emília Viotti da Costa defende que a criação do das atribuições das Assembléias Legislativas Pro- Ato Adicional foi resultado da luta entre liberais vinciais possibilitava às Províncias uma atuação radicais, de um lado, e moderados e conserva- muito mais autônoma do que antes. dores, de outro, com o objetivo de conciliar, mes- mo que temporariamente, os interesses de vários As competências das Assembléias Provinciais fo- grupos. Além das mudanças no Legislativo, na- ram definidas no art. 10º. Caberia aos deputados quele momento foram aprovadas a discriminação provinciais legislar sobre a divisão civil, judiciária de rendas e a divisão dos poderes tributários. e eclesiástica de suas províncias, podendo, inclu- Mais uma vez a autonomia municipal foi rejeita- sive, alterar o local da capital. da, mantendo-se os municípios subordinados ao governo provincial, cujo presidente seria nomea- A instrução pública era outra atribuição do legisla- do pelo governo central5. Por tratar-se do produto tivo provincial, com a função de criação de esta- de uma conciliação momentânea entre interesses belecimentos para sua promoção. Como instrução diversos, a discussão sobre a real atuação do Le- pública, estava compreendido o ensino básico de gislativo Provincial foi constante ao longo de sua primeiras letras. Os cursos superiores, de medici- existência6. Porém, a estrutura de funcionamento na, direito ou outros que existissem, estavam fora criada para a Assembléia Legislativa Provincial de suas atribuições. de São Paulo sobreviveu sem grandes alterações por todo o Segundo Reinado. A relação com as Câmaras Municipais, que vinha desde os Conselhos Gerais de Província ampliou- O Ato Adicional estabeleceu a composição das se. A partir daí, caberia à Assembléia analisar as Assembléias Legislativas Provinciais, variando o propostas e controlar a atividade financeira dos número de membros de acordo com critérios de municípios. Incluía-se aí a fixação das despesas, tamanho e importância da província. Seria de 36 a criação de impostos municipais, desde que não membros nas províncias de Pernambuco, Bahia, estivessem em discordância com o estabelecido Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Pará, pelo Governo Imperial. Ao mesmo tempo, a As- Maranhão, Ceará, Paraíba, Alagoas e Rio Grande sembléia era responsável pela aprovação do or- do Sul teriam 28 deputados. As demais provín- çamento das Câmaras Municipais, e por fiscalizar cias teriam 20 deputados cada7. O Rio de Janeiro, a utilização tanto das rendas públicas municipais, sede da Corte, era considerado município neu- quanto das provinciais. tro, e não possuía Assembléia Legislativa. Nesse caso, a atividade legislativa estava circunscrita à A fiscalização das finanças das vilas e cidades Câmara da Corte, que respondia diretamente à seria feita, tanto pelo controle de orçamento, Assembléia Geral. como pelo controle das formas de obtenção de recursos para investimentos ou solução de difi- As Assembléias Legislativas Provinciais tinham culdades financeiras. Tanto as Câmaras Munici- legislatura de dois anos, com sessões que du- pais como o Governo Provincial somente pode- ravam, inicialmente, dois meses por ano. Em al- riam contrair empréstimos mediante autorização guns casos, com o passar do tempo, porém, esse das Assembléias. período foi sendo ampliado gradativamente, em virtude do crescimento das províncias e das ne- A administração municipal passava a ser controla- cessidades legislativas advindas daí. da de perto pela Assembléia Provincial, uma vez Acervo histórico que, a partir de então, a criação e supressão de gislativa Provincial de São Paulo9 definiu detalha- cargos, além da nomeação de funcionários mu- damente o funcionamento da Casa, incluindo as nicipais ou provinciais, seriam matérias de dis- atribuições dos oficiais da Mesa e funcionários. cussão nas sessões. Incluía-se aí a definição das formas de nomeação autorizadas ao Presidente O Presidente tinha como atribuição principal a da Província, excetuando-se os cargos que envol- organização dos trabalhos durante as sessões. vessem arrecadação – como os fiscais de rendas A ele cabia abrir e levantar as sessões, conceder públicas – ou o comandante da Guarda Nacional, a palavra aos Deputados, estabelecer o ponto de membros de Tribunais Superiores, funcionários questão para votação, anunciar o resultado da de cursos superiores, assim como o próprio Pre- votação, advertir os deputados, regular os traba- sidente da Província, e outros, cuja nomeação era lhos e designar as matérias a tratar na sessão atribuição exclusiva do Governo Central. seguinte.

A infra-estrutura de obras da Província, no que Além dele, o Primeiro e o Segundo Secretários se refere a obras públicas, estradas e meios de possuíam atribuições de organização das ses- navegação, passava a ser objeto de deliberação sões, controlando sua realização e substituindo o da Assembléia Legislativa Provincial, mas apenas presidente em caso de ausência. para os casos de obras internas da Província. No caso de obras que envolvessem duas ou mais Para as atividades administrativas, o Regimento províncias – ou limites entre elas – caberia ao de 1836 determinava, inicialmente, a existência de Governo Central a decisão. Da mesma forma, os três funcionários: um porteiro e dois contínuos. bens provinciais, que seriam definidos posterior- mente, passavam também a ser regulados pela Cada sessão deveria seguir os procedimentos Assembléia Provincial. estabelecidos no Regimento Interno10, que definia as formalidades para início dos trabalhos, pesso- Entre outras atribuições também estaria a defi- as admitidas na sala de sessões, comportamento nição da estatística provincial, com o melhor es- dos Deputados em sessão (ausência de armas, tabelecimento da divisão territorial, a criação de silêncio, decoro) e os procedimentos para a seqü- casas de socorro público (hospitais, leprosários, ência dos trabalhos. abrigos de expostos, entre outros), da mesma for- ma que a catequese e civilização dos indígenas e Como suporte às atividades da Mesa, o Regimen- o estabelecimento de colônias de povoamento. to Interno estabelecia a existência de uma estru- tura de Comissões – órgãos acessórios de apoio A fixação da força policial, mediante informação legislativo – para a análise das matérias antes de do Presidente da Província, a suspensão ou de- sua votação (a não ser nos casos em que não missão de magistrados, nos casos de queixas houvesse necessidade de exame prévio). consideradas procedentes pelo exame dos pró- prios deputados, também passavam a ser respon- Responsáveis por uma importante interface da sabilidade do novo organismo. Assembléia Legislativa Provincial com a popula- ção, as comissões analisavam as representações Por fim, em conformidade com a Constituição, ca- e requerimentos recebidos pela Mesa, emitindo beria à Assembléia Legislativa Provincial garantir a pareceres sobre as solicitações. inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos ci- dadãos brasileiros. Essa atribuição seria desenvol- Compostas por três deputados, as Comissões Or- vida na forma do disposto na carta constitucional, dinárias duravam todo o período da sessão. Além que definia os critérios de liberdade, segurança in- dessas, poderia haver comissões especiais, com dividual e propriedade, garantidos aos cidadãos8. incumbências específicas.

Acompanhando as atribuições, as bases gerais Em 1836, existiam as seguintes Comissões Or- do funcionamento das Assembléias Provinciais dinárias, também chamadas Permanentes: Fa- também foram primeiramente definidas no próprio zenda; Comércio e Indústria (compreendendo texto do Ato Adicional. Estava determinado que estradas e obras públicas); Constituição, Justiça cada Assembléia deveria elaborar um regimento e Força Policial; Eclesiástica; Câmaras Munici- interno, em que constassem alguns princípios bá- pais; Contas e Orçamentos das Câmaras Muni- sicos para o exercício das legislaturas. cipais; Instrução e Educação (inclui catequese e civilização dos índios); Estatística; e Redação. Votado em 1836, o Regimento da Assembléia Le- Além dessas comissões, havia a Comissão de  DAH - ALESP DAH -

Ata da eleição de 1834 para a primeira legislatura da Assembléia Legislativa. Acervo histórico

Polícia11 da Casa, composta pelo presidente e O Quadro de Classificação secretários. Considerando as questões apresentadas ante- Com o passar do tempo, as alterações políticas riormente, a classificação elaborada durante a promovidas, especialmente a partir de 1840, com organização dos documentos pertencente ao a Lei de Interpretação do Ato Adicional, fixaram Fundo Assembléia Legislativa Provincial privile- os contornos da atuação da Assembléia Legislati- giou as funções desempenhadas por cada área va Provincial de São Paulo, limitando sua área de de atuação da Casa. abrangência às questões administrativas internas da Província. Estruturalmente, o Regimento Interno de 1836 definia apenas um ‘departamento’ – a Secreta- O funcionamento da Casa também acompanhou ria – a quem caberia organizar os trabalhos de- essa evolução e, gradativamente, foi estabilizan- senvolvidos pelos deputados. Essa estrutura é do uma estrutura administrativa informal, porém insuficiente para compreender a produção docu- muito atuante. Durante sua existência, as ativida- mental da Assembléia. A opção por uma classifi- des desenvolvidas especialmente pelas comis- cação funcional possibilitou a compreensão das sões de deputados sofreram alterações pontuais atividades administrativas e técnicas desenvolvi- no Regimento Interno. Somente em 1880 ocorre- das pela Casa no desempenho de suas atribui- ria uma alteração mais significativa da estrutura e ções14. funções da Assembléia, com a Resolução nº 15, 21 de maio de 1880. O artigo 35 da Sessão 4, Considerando-se as diferentes áreas de atuação “Das Comissões”, reduzia as Comissões Perma- da Assembléia, a classificação realizada dividiu a nentes12 para cinco, da seguinte forma: documentação em grandes grupos, representan- do diferentes aspectos da atividade legislativa, “Da Fazenda, à qual incumbe o orçamento independentemente das estruturas formais exis- provincial e tudo o que for relativo a obras tentes em cada período15. públicas, comércio e indústria em geral; Da Constituição e Justiça, a qual incumbe O primeiro grupo, Administrativo, representado além da fixação de força policial, as ques- pela Secretaria Geral, contém a documentação tões constitucionais e tudo o que se referir à relativa à administração dos negócios da Casa e instrução pública; Da Estatística e Negócios atribuições desenvolvidas pelo Secretário para a Eclesiásticos, tendo também a seu cargo organização das sessões parlamentares. a catequese e civilização dos índios; Das Câmaras Municipais e Saúde Pública; e Da O segundo grupo, Atividade Legislativa, repre- Redação das Leis.” senta a atividade-fim, básica de qualquer organis- mo legislativo, que se consolida nas deliberações Além dessas, permanecia a Comissão de Polícia, dos deputados, ocorridas durante as sessões. nos mesmos moldes do Regimento de 1836. Podemos considerar a Sessão como sendo o “organismo” no âmbito do qual essa atividade é A simplificação da estrutura é visível, com o desa- desempenhada. Sendo assim, as séries existen- parecimento de diversas comissões e a incorpo- tes demonstram a realização dos objetivos da As- ração de determinadas funções de uma comissão sembléia Provincial. em outra. Dividida em dois subgrupos, projetos e proposi- Por outro lado, o corpo de funcionários era amplia- ções gerais, os documentos de Atividade Legis- do. No novo regimento, a Secretaria da Assem- lativa demonstram os momentos da atuação dos bléia ampliou seu quadro, incluindo um Diretor, deputados: na votação de proposições efetivas, um primeiro oficial, um segundo oficial arquivista, que se transformariam em instrumentos legais – três amanuenses, um correio e um guarda de ga- leis, decretos, resoluções – e na apresentação de lerias, além do porteiro e dois contínuos existen- instrumentos acessórios, que permitiam o melhor tes desde a instalação da Casa. desenvolvimento das atividades.

É interessante notar que a existência da função Ainda assim, para que a atividade legislativa fos- de arquivista (mesmo que o cargo não fosse no- se efetivada, haveria a necessidade de uma ins- meado) já existia desde, pelo menos, a década de tância de discussão prévia, que preparasse tec- 1850, quando o controle da documentação pas- nicamente os assuntos levados para as sessões. sou a ser mais efetivo13. O terceiro grupo apresentado, das Comissões  DAH - ALESP DAH -

Diploma de Manoel Eufrazio de Azevedo Marques.

ordinárias, ou Permanentes, existentes desde o Comissão de Contas e Fazenda: Sua atuação primeiro Regimento Interno, tinha como atribui- centrava-se na análise de matérias referentes à ção a discussão de temas específicos relativos administração dos municípios e província. Nesse às grandes funções da Assembléia Legislativa caso, a documentação de duas comissões origi- Provincial de São Paulo. Esse grupo foi dividido nais foi reunida, pois, apesar de existirem comis- em subgrupos, agregando os documentos, de sões distintas – Contas das Câmaras e Fazenda acordo com as comissões responsáveis por sua – essas, tradicionalmente, trabalharam em con- discussão. junto, formando um único grupo de trabalho. Acervo histórico

Comissão de Estatística: Responsável pelo con- agora demonstram a existência de conjuntos do- trole da divisão político-administrativa da provín- cumentais que oficializavam a atuação de cada cia e discussão de questões relativas ao esta- uma dessas estruturas organizacionais. Porém, belecimento de divisas e elevação de categoria em virtude das perdas relatadas no início desse política de freguesias e vilas. artigo, permaneceram, principalmente, os docu- mentos referentes à atuação técnica da Assem- Comissão de Constituição e Justiça: Responsável bléia Provincial. pela análise jurídica e arbitragem de matérias liga- das à segurança da província e à constitucionalida- Há conjuntos de documentos esparsos que de- de das deliberações de matérias de outras comis- monstram a realização das atividades adminis- sões, como nomeação e denúncias contra funcio- trativas. Porém, para esses não há regularidade. nários, obras, valores de impostos, entre outros. Percebe-se que sobreviveram graças ao acaso, misturados muitas vezes a outros documentos. Comissão de Indústria e Obras: Responsável pela análise de questões ligadas ao planejamento e Em outros casos, apesar da indicação da existên- realização de obras públicas em geral, estradas, cia da atividade, não há registro de como ela se imigração, comércio entre outras. processava. É o caso do controle de pagamentos de funcionários ou controle de outras despesas Comissão de Instrução Pública: Responsável pela da Assembléia. Apesar da existência de alguns análise de questões ligadas à educação básica documentos relativos a vencimentos dos deputa- dos moradores da província. dos, não há registro de pagamento de secretários e contínuos, por exemplo. Comissão de Câmaras Municipais: Responsável pela fiscalização da atuação das Câmaras no que O controle das sessões também aparece em pou- se refere à criação e alteração de Posturas Muni- cos documentos avulsos, como Ordens do Dia e cipais e à apreciação das necessidades apresen- Cadernos de Mesa, existentes, mas sem continui- tadas por cada localidade, com vistas à elabora- dade cronológica. ção do Orçamento, entre outros. A seguir apresentamos o Inventário das Séries Comissão Eclesiástica: Apesar de aparecer no Documentais do Fundo Assembléia Legislativo Regimento Interno da Assembléia reunida à Co- Provincial, da forma como foi concebido para o Ca- missão de Estatística, na prática a Comissão tálogo Eletrônico da Divisão do Acervo Histórico da Eclesiástica sempre atuou separadamente. Era Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. responsável por assuntos relativos à administra- ção da Sé Catedral (matriz da diocese) e catequi- 1. Grupo Secretaria Geral zação de indígenas. 1.1 Subgrupo Administração Séries: Comissão de Redação: Comissão de atribuições essencialmente técnicas, tinha como objetivo pa- 1.1.1 Atas de Sessão (1836-1883): Manuscritos das dronizar a estrutura dos textos administrativos, atas das sessões da Assembléia Legislativa Provincial, analisando sua adequação e correção técnica. cujo registro era atribuição do Secretário16.

Por fim, as Comissões Extraordinárias, convo- 1.1.2 Cadernos de Mesa (1849-1864): Cadernos de cadas somente em ocasiões especiais ou por mo- apontamentos para anotação do encaminhamento das tivos alheios às atividades ordinárias da Assem- matérias durante a sessão. bléia. De acordo com a documentação localizada, elas deveriam ser divididas em subgrupos. Porém, 1.1.3 Correspondência (1835-1889): Ofícios e cartas na documentação existente foi encontrada apenas avulsos recebidos pela Assembléia Legislativa Provin- a Comissão de Poderes, responsável pela análi- cial, referentes a encaminhamento de documentos por se dos diplomas dos deputados recém-eleitos, e outros órgãos do Governo Provincial e congratulações que se reunia somente durante os primeiros dias pelo início dos trabalhos da Assembléia. Contém tam- da sessão inicial de cada nova legislatura, sendo bém minutas de ofícios enviados para órgãos do Go- dissolvida ao final dos seus trabalhos. verno e Particulares.

Descrição das Séries Documentais 1.1.4 Declarações de Deputados (1839-1889): Contém algumas declarações em separado de deputados sobre Todas as funções e atividades apresentadas até as votações. 81

1.1.5 Decretos do Governo Imperial (1835-1836): Im- sessões, encaminhados pela Secretaria da Assembléia. pressos contendo decretos do Governo Imperial sobre diversas matérias de interesse da Assembléia17. A função 1.1.7 Diretrizes e Normas (1838-1882): Contém normas destes documentos não ficou completamente clara. Mas, e regulamentos de funcionamento da Assembléia Le- possivelmente, trata-se de utilidade limitada a algum pe- gislativa Provincial e de outros órgãos do governo. ríodo ou procedimento ocorrido na década de 1830. 1.1.8 Falas do Imperador (1851-1882): Contém impres- 1.1.6 Diários de Secretaria (1841-1852?)18: Cadernos sos com os discursos do Imperador durante a Abertura contendo o andamento de documentos e matérias das dos Trabalhos da Assembléia Geral e falas dirigidas às DAH - ALESP DAH -

A Presidência da Província toma conhecimento da eleição do primeiro presidente da Assembléia Legislativa: o deputado Nicolau Pereira de Campos Vergueiro. Acervo histórico

Assembléias Legislativas Provinciais 2.2.5 Pareceres da Mesa (1836-1886): Pareceres da Mesa sobre matérias de deliberação em sessão. 1.1.9 Ordens do Dia (1857-1867?): Pautas das maté- rias a serem tratadas em Sessão. 3. Grupo Comissões Ordinárias 3.1 Subgrupo Comissão de Contas e Fazenda 1.1.10 Registros de Protocolo (1835-1889): Cadernos Séries: e relações de registro de remessa de documentos às diversas Comissões, pela Secretaria da Assembléia. 3.1.1 Dossiês de Prestação de Contas das Câmaras Municipais (1835-1889): Dossiês contendo Balanços e 1.1.11 Relatórios da Presidência da Província (1864- Orçamentos de receita e despesa das Câmaras Muni- 1881): Originais dos Relatórios apresentados anual- cipais, além de parecer de aprovação de contas pela mente pelo Presidente da Província, descrevendo a Assembléia Legislativa Provincial. Uma das atribuições situação da província por áreas de atuação, como ins- da Assembléia Provincial era a fiscalização das contas trução pública, obras etc. do município. Além disso, o orçamento municipal ser- via como base também para a elaboração da Lei do 1.1.12 Relatórios de Subsídios de Deputados (1839- Orçamento Municipal. 1883?): Relatórios contendo os vencimentos dos depu- tados, mensalmente. 3.1.2 Orçamento Provincial (1835-1889): Estudos e mi- nutas para a elaboração das leis do Orçamento Provin- 2. Grupo Atividade Legislativa cial e do Orçamento Municipal, contendo previsão de 2.1 Subgrupo Projetos19 receita e despesa para o período seguinte. Séries: 3.1.3 Pareceres e Requerimentos25 (1835-1889): 2.1.1 Projetos de Decretos (1835-1889): Projetos re- Especialmente, solicitações de dotação de verba e ferentes a matérias que devem ser sancionadas pelo empréstimos para diversos fins, como realização de Presidente da Província20. obras públicas e cobertura de déficit orçamentário. Além disso, há solicitações de aumento de vencimen- 2.1.2 Projetos de Lei (1835-1889): Projetos referentes tos para funcionários públicos, párocos, oficiais milita- a matérias de disposição da Assembléia Legislativa res etc, alteração e extinção de impostos e adminis- Provincial21. tração de barreiras, importação e exportação, além de outros assuntos referentes à administração financeira 2.1.3 Projetos de Resolução (1835-1889): Projetos dos municípios. relativos à interpretação de leis ou interesses indivi- duais22. 3.2 Subgrupo Comissão de Estatística Séries: 2.1.4 Projetos de Representação (1835-1863): Docu- mentos referentes a representações encaminhadas ao 3.2.1 Pareceres e Requerimentos (1835-1889): Solici- Governo Imperial. tações de elevação de categoria de localidades, de ca- pelas curadas para bairro, freguesias, vilas etc. Fixação 2.2 Subgrupo Proposições Gerais e alteração de divisas. Solicitações de transferência de Séries: jurisdição e de anexação de território.

2.2.1 Indicações (1835-1889): Proposições de enca- 3.3 Subgrupo Comissão de Constituição e Justiça minhamento de matérias para outras instâncias gover- Séries: namentais, de acordo com as competências constitu- cionais23. 3.3.1 Pareceres e Requerimentos (1835-1889): Docu- mentos referentes a análises de solicitações ligadas ao 2.2.2 Propostas (1835-1885): Propostas de Deputados estabelecimento da Força Policial da província, ques- para elaboração de projetos de lei e representações. tões constitucionais e solicitações de deputados para afastamento das sessões. 2.2.3 Emendas (1835-1889): Emendas a projetos apre- sentados pelos Deputados. Boa parte da documentação refere-se à análise jurídica e arbitragem de matérias ligadas a todas as comissões 2.2.4 Requerimentos de Deputados (1835-1889): Re- – concessão de loterias, nomeação de funcionários, querimentos de encaminhamento de expedientes rela- obras, valor de impostos – desde que a avaliação se tivos a matérias de discussão, internamente, ou para mostrasse necessária. Também aparecem análises de outros órgãos do governo24. denúncias contra funcionários públicos, juizes, páro- 8 DAH - ALESP DAH -

Projeto de 1844 para a Cadeia e Câmara de Sorocaba. Acervo histórico cos, além de pareceres sobre a diplomação de depu- nicipais (1835-1889): Relatórios enviados anualmente tados eleitos. pelas Câmaras Municipais à Assembléia Legislativa Provincial, contendo as necessidades principais da 3.4 Subgrupo Comissão de Indústria e obras Câmara/Município para o ano seguinte. Possivelmen- Públicas te estes relatórios estavam ligados à aprovação do Séries: Orçamento Municipal.

3.4.1 Pareceres e Requerimentos (1835-1889): Docu- 3.6.3 Propostas de Posturas Municipais (1835-1889): mentos sobre solicitações de construções de estradas, Dossiês referentes à aprovação e alterações de Códi- barreiras, obras públicas em geral (cemitérios, pontes, gos de Posturas Municipais, regulamentos específicos cadeias etc). Pedidos de autorização para obras de de instituições municipais, como Cemitério, Matadouro abastecimento de água e iluminação pública. Público, Jardim etc. Todos os dossiês contêm parece- res, requerimentos e os artigos ou Códigos de Posturas Constam também desta série questões econômicas re- para alteração ou aprovação. Esta série foi definida de lativas à imigração (estabelecimento de contratos entre acordo com as determinações constantes do art. 3º, § fazendeiros e colonos e a criação de núcleos coloniais), 3º, da Resolução nº 12, de 04/05/1879. ao comércio e à indústria da província. 3.7 Subgrupo Comissão Eclesiástica 3.5 Subgrupo Comissão de Instrução Pública Séries: Séries: 3.7.1 Relatórios de Prestação de Contas da Sé Cate- 3.5.1 Pareceres e Requerimentos (1835-1889): Dossi- dral (1836-1847): Relatórios de receita e despesa da ês referentes à análise de solicitações de criação de Catedral, apresentado anualmente pelos administrado- escolas, de cadeiras de instrução primária e de discipli- res da Fábrica da Sé. nas, além de criação de cargos de professor. 3.7.2 Pareceres e Requerimentos (1835-1880): Solici- 3.6 Subgrupo Comissão de Câmaras Municipais tações de providências quanto a questões referentes à Séries: catequese e civilização de indígenas, aumento de con- grua de Párocos, além de análise de regulamentos de 3.6.1 Pareceres e Requerimentos (1835-1889): Pare- irmandades e ordens. ceres da comissão sobre assuntos referentes à cessão e venda de terras da Câmara ou terceiros, autorização 3.8 Subgrupo Comissão de redação de pagamentos, solicitações de verbas, informações Séries: e esclarecimentos sobre impostos e outros negócios municipais. 3.8.1 Pareceres e Minutas de Textos Legais (1835-1889): Minutas de projetos de lei, decretos, representações etc, 3.6.2 Relatórios de Necessidades das Câmaras Mu- enviadas à Comissão de Redação para análise e padro-

Projeto de 1838 de ponte na estrada que ligava a Província de São Paulo às de Santa Catarina e do Rio Grande de São Pedro do Sul, sobre o Rio Negro (situado no atual Estado de Paraná). 85 nização do texto, e posterior aprovação em sessão. deputados eleitos.

4. Grupo Comissões Extraordinárias 4.1.2 Ofícios de Diplomação (1835-1883): Cópias de 4.1 Subgrupo Comissões de Poderes: Documentos re- ofícios enviados aos deputados eleitos, acompanhando ferentes à eleição dos deputados, como Cópias das Atas os Diplomas. Em anexo, constam cópias das Atas de de Eleição dos Distritos, Pareceres e Correspondência Apuração Geral, contendo a lista dos deputados eleitos referentes à emissão dos Diplomas dos Deputados. e votos obtidos por cada um.

Séries: 4.1.3 Pareceres e Requerimentos (1835-1889): Parece- res relativos à análise de questões como a contestação 4.1.1 Atas de Eleição (1834-1883): Atas de eleição en- à eleição de deputados e validade de diplomas. viadas pelos distritos eleitorais, para comprovação dos

NOTAS Catarina, Goiás e Mato Grosso.

1 A documentação referente ao período de 1819 8 Artigo 179 da Constituição do Império. a 1824 compreende um dossiê de Prestação de Contas das Obras da Estrada de Santos (FCGP- 9 Lei nº 23, de 12/02/1836. SE19.001). Esse documento, utilizado pela Co- missão de Obras do Conselho Geral da Pro- 10 Artigos 29 a 39 do Regimento Interno da As- víncia, ainda não teve sua origem identificada sembléia. claramente. 11 O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa 2 O projeto, do qual participei como superviso- define “Polícia” como o conjunto de leis ou dis- ra técnica, foi realizado pela Tempo & Memória, posições que asseguram a ordem, a moralidade empresa contratada pela Assembléia Legislativa e a segurança em uma sociedade. Nesse caso, do Estado de São Paulo para esse fim. Esse tra- trata-se de normas e procedimentos para o bom balho deu origem ao meu projeto de Mestrado, governo administrativo dos negócios da Casa. em desenvolvimento, do qual esse artigo é uma versão simplificada. 12 É interessante verificar a alternância entre a categorização das comissões. Nos Conselhos 3 Para pesquisa visite: www.al.sp.gov.br/web/ Gerais de Província elas eram denominadas acervo/index_acervo.htm. Comissões Permanentes. Apesar do Regimento Interno de 1836 usar a nomenclatura Comissões 4 Segundo informações fornecidas pelos técni- Ordinárias, parece que esse nome nunca foi cos mais antigos da ALESP. muito aceito, sendo reiterado, diversas vezes, o uso de Comissão Permanente para definir aque- 5 COSTA, Emília Viotti. Da Monarquia à Repúbli- las comissões que existiriam, ordinariamente, ca: momentos decisivos. São Paulo, Fundação durante todo o período de cada legislatura. Editora da UNESP, 1999, p. 154. 13 A Lei nº 18, de 08/03/1855, estabelece a criação 6 Sobre essa discussão interessa o debate pro- de um controle sobre a retirada da documenta- vocado pelas diferentes concepções de Tavares ção da Secretaria para consulta dos deputados. Bastos e do Visconde de Uruguai. Ver: BASTOS, Aureliano Cândido Tavares. A Província: Estudo 14 Ver ALESP. Guia do Acervo Histórico. São sobre a descentralização no Brasil. Brasília, Se- Paulo, ALESP, 2001, p. 27/28, e Projeto de ela- nado Federal, 1996 e SOUZA, Paulino José So- boração de Inventário de Acervo Histórico da ares de (Visconde do Uruguai). Administração ALESP (Documentos do Império). Relatório final das Províncias do Brasil. Rio de Janeiro, Tipo- de atividades. São Paulo, Tempo & Memória, grafia Nacional, 1865. 2001 (digitado)

7 Tinham 20 membros: Piauí, Rio Grande do 15 Um dos grandes problemas encontrados, e Norte, Alagoas, Sergipe, Espírito Santo, Santa que teve nessa a melhor solução, foi a aparente Acervo histórico

desmontagem de muitos processos, durante os lativa, de caráter político, processual, legislativo projetos de reorganização do acervo, relatados ou administrativo, ou quando a Assembléia deva anteriormente. pronunciar-se em casos de perda de mandato de deputado, qualquer matéria de natureza re- 16 Embora a Ata de Sessão represente o resul- gimental, todo e qualquer assunto de interesse tado de uma atividade essencialmente parla- interno da casa, isto é, sua utilização é adequa- mentar, seu objetivo é formalizar a existência da para a reforma e alterações do Regimento da reunião dos deputados. Sendo assim, consi- Interno, para criar cargos no Quadro da Secre- deramos mais adequado não tratá-la como um taria da Assembléia Legislativa etc.” (Manual de documento legislativo e sim documento de as- Redação Parlamentar) sentamento das deliberações da sessão. 23 Indicação é o instrumento utilizado pelos parla- 17 A função destes documentos não ficou com- mentares, individualmente, para sugerir medidas pletamente clara. Como se trata de período cur- de interesse público a serem adotadas pelos de- to, de poucos anos, possivelmente tratava-se de mais poderes da União. Em geral, tais medidas procedimento específico adotado na época. são de iniciativa do Executivo ou do Judiciário, não cabendo, portanto, projeto de lei ou moção 18 As datas seguidas de ‘?’ identificam séries do- (Manual de Redação Parlamentar). O Regimen- cumentais em que não foi possível estabelecer to Interno da Assembléia Legislativa Provincial uma data baliza segura. As datas indicadas re- define no artigo 87º: “Indicação é toda aquela presentam uma aproximação temporal, de acor- proposição que sem desenvolver a matéria, exi- do com a análise da documentação. ge, todavia, para ser levada a efeito, uma lei ou resolução.” (Resolução nº 15, de 21/05/1880) 19 Considerando-se que, somente após a votação e publicação um projeto deixa de o ser toman- 24 “São Requerimentos, ainda que outro nome do a forma definitiva (Decreto, Lei, Resolução, se lhe dê, todas aquelas moções de qualquer Representação), os documentos encontrados Deputado ou Comissão, que tiverem por fim a no Acervo Histórico representam um momento promoção de alguns objetos de simples expe- anterior ao da votação. Por isso, a utilização da diente; como pedido de informações ou escla- denominação projetos. recimentos do Governo; pedido de dispensa de algum dos trabalhos da comissão...” (Artigo 89º, 20 Atualmente, o Manual de Redação Parlamen- idem) tar apresenta o Decreto Legislativo, que “regula as matérias de competência privativa do Legis- 25 As séries Pareceres e Requerimentos apare- lativo, não necessitando de sanção do Governa- cem na maior parte das Comissões Ordinárias, dor do Estado (Constituição do Estado de São em virtude das funções e procedimentos ado- Paulo, art. 27; Regimento Interno, art. 145 §2º). tados por estas Comissões. A opção por reunir Porém, não encontramos referência a este tipo estes documentos numa única série deve-se ao de proposição no Regimento Interno da Assem- tipo de organização dado aos documentos pelos bléia Legislativa Provincial. Usamos, portanto, a arquivistas da Assembléia Legislativa Provincial. definição geral de decreto. Cada requerimento/representação transforma- va-se num pequeno dossiê, contendo o parecer 21 O Regimento Interno da Assembléia Legislati- da Comissão correspondente e outros anexos. va Provincial (Lei nº 23, de 12/02/1836) diz, no Muitos requerimentos encontrados avulsos po- artigo 46º: “Os projetos de lei serão escritos por dem ter-se perdido dos demais documentos ou artigos em forma legislativa, contendo só dispo- não ter tido encaminhamento. Somente uma sições; podem, porém, ser precedidos da expo- pesquisa exaustiva e detalhada poderá fornecer sição dos motivos por palavra ou por escrito.” esta resposta. Para efeito de organização do tra- balho, foram considerados como Requerimentos 22 A definição utilizada aparece no artigo 47º do tanto solicitações individuais quanto representa- Regimento Interno da Assembléia Legislativa ções coletivas, uma vez que foram encontrados Provincial. A definição atual de Projeto de Reso- ambos os casos para situações semelhantes. lução diz que ele “destina-se a regular matéria de competência exclusiva da Assembléia Legis- 87 Os Primeiros Políticos de Origem Japonesa do Brasil1

Dedico este trabalho à memória de Diego Nomura, * Célia Sakurai falecido em maio de 2005.

Trinta e nove anos após a chegada dos primeiros grantes começaram a trilhar. O objetivo é buscar, japoneses ao Brasil, em 1947, é eleito um vereador através de dados qualitativos, uma melhor com- para a Câmara Municipal de São Paulo com sobre- preensão da maneira como esses jovens políticos nome de origem japonesa. O primeiro de origem entendiam o seu papel diante da comunidade ja- japonesa eleito fora do Japão. Com ele, outros ponesa, das dificuldades (ou não) que enfrenta- descendentes de etnias imigrantes, como os sírios ram no início de suas vidas legislativas. e libaneses, judeus, despontam na política brasilei- ra a partir da redemocratização do País, em 1945. A eleição de descendentes de japoneses foi um Com a introdução de novas regras para a condução fato inusitado na política brasileira, não só pela da política, os contingentes de estrangeiros e seus presença recente desse grupo imigrante no Brasil, descendentes vislumbram a perspectiva de se fa- como também pelas diferenças que os marcavam, zerem representar junto aos círculos do poder. a começar pela aparência, pela língua e pela cul- tura. Recém saídos da guerra como derrotados, os A elite paulista, paulatinamente, abriu espaços japoneses no Brasil enfrentaram ainda o problema para a entrada de políticos com sobrenomes que da ruptura interna da comunidade com a luta entre em nada lembravam os dos ‘quatrocentões’. Ape- os que não se conformaram com a derrota do Ja- sar de certas resistências, jovens de origem imi- pão e resistiam a ela, perseguindo os seus compa- grante, a maior parte bacharéis em Direito pela triotas acusando-os de antinacionalistas. A colônia Faculdade do Largo São Francisco, adentram na japonesa, ao final da guerra, necessitava limpar esfera da política oficial buscando uma legenda sua imagem e a participação na política fazia parte partidária pela qual se candidatar, fazem as suas de um movimento mais amplo, com esse intuito, a campanhas e o próprio trabalho legislativo. partir do início da década de 1950.

Pergunta-se o que levaria esses jovens a enfren- Yukishigue Tamura, João Sussumu Hirata, Yoshi- tar um desafio contra estruturas consolidadas e fumi Utiyama e Diogo Nomura são políticos cujas dentro das quais têm de abrir caminhos. Deixando carreiras foram marcadas, no início, pela idéia de de lado as expectativas individuais, esses primei- registrar para as autoridades brasileiras a presen- ros políticos têm a sua comunidade étnica de ori- ça dos japoneses como uma etnia que, naquele gem por trás, não apenas através do apoio, mas, momento, estava em vias de apagar a imagem sobretudo, do papel de representá-la diante da de não-assimilável. Com a inserção na vida polí- sociedade abrangente. tica, sinalizavam o interesse da comunidade em se engajar integralmente na vida do País. Para Este artigo segue a trajetória dos primeiros po- a comunidade japonesa, esses jovens desejavam líticos de origem japonesa na política brasileira. demonstrar que era o momento de ganhar visibili- Através de entrevistas com três deles e com a vi- dade social, de superar a atitude defensiva de até úva de outro, procuramos conversar a respeito do então, passando a usufruir de um canal legítimo trabalho legislativo nesse novo campo que os imi- de defesa de seus interesses.

* Do Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil, pesquisadora do Núcleo de Estudos de População da Universidade Estadual de Campinas – NEPO/UNICAMP ([email protected]). Acervo histórico

Os quatro nomes foram selecionados por quatro profissão. Hirata e Utiyama vêm de famílias que razões: em primeiro lugar, porque eles se cruzam já eram médias proprietárias de terras na década espontaneamente nas entrevistas2, para exem- de 30. Isto equivale dizer que esses políticos não plificar e dar relevo aos argumentos do deputa- tiveram de apoiar os pais no trabalho agrícola, do entrevistado; depois, porque suas trajetórias, tendo condições para se dedicar exclusivamente até a entrada na vida política, têm aspectos em aos estudos desde a infância. Tamura, por sua comum; em terceiro lugar, porque suas carreiras vez, vem de uma família que se fixou inicialmente políticas foram marcadamente desenvolvidas por na capital; portanto, teve oportunidades para se um laço estreito com a colônia; e, por último, por- socializar num meio social mais complexo que o que uma idéia de “missão” atravessa o discurso das colônias agrícolas do interior. Assim, esses de todos eles. políticos são filhos de imigrantes que apresentam um perfil socioeconômico diferenciado do perfil da O período a ser abordado cobre prioritariamente grande maioria de seus compatriotas. as décadas de 50 e 60, quando ocorreram cin- co eleições proporcionais nos níveis estadual e Os quatro deputados têm curso superior comple- federal, com o intervalo regular de quatro anos. to. Tamura se formou pela Faculdade de Direito Esses vinte anos coincidem com o aparecimento em 1939, sendo o terceiro nipo-brasileiro a obter dos primeiros deputados nipo-brasileiros e, tam- o diploma no Largo São Francisco, em São Pau- bém, com a formação de grupos, dentro da colô- lo. Hirata e Utiyama se formaram também em Di- nia, que visavam reorganizá-la e definir uma nova reito, em 1940 e 1949, respectivamente. Nomura concepção sobre o imigrante japonês e sobre o formou-se em Odontologia pela Universidade de Japão, como país diferente do período anterior São Paulo, em 1945. São, portanto, representan- à guerra. tes de uma elite intelectualizada que começava a se formar no interior da colônia. Na época, o curso A origem social de Hirata, Utiyama e Nomura não superior era uma porta de entrada para a inser- poderia ser considerada como a de filhos de imi- ção em meios restritos aos membros das elites grantes japoneses comuns. Para os padrões das nacionais e a descendentes de imigrantes de fa- famílias japonesas da época, eles são de origem mílias abastadas. A trajetória desses políticos até relativamente abastada. O pai de Nomura, enge- a faculdade possui, também, certas semelhanças: nheiro, veio para o Brasil apoiar as famílias do o empenho dos pais para fazê-los estudar, o in- Vale do Ribeira, deslocando-se entre várias regi- gresso em escolas brasileiras e, com exceção de ões do Estado de São Paulo, em função da sua Tamura, a mudança do interior para a capital.

O investimento dos pais japoneses nos estudos de um ou mais filhos, envian- DAH - ALESP DAH - do-os para a capital, era uma prática seguida por muitas famílias japone- sas com posses3. Hirata, Utiyama e Nomura têm trajetórias semelhantes nesse sentido. Moravam em pensões no bairro da Liberdade, mantidas por famílias japonesas, onde se procurava preservar a formação japonesa dos jovens. Nas imediações, havia a escola primária cursada por Utiyama e Nomura, que foram, in- clusive, colegas de quar- to. Tamura e Hirata, por sua vez, foram colegas do colégio católico São Diogo Nomura (1920 - 2005). Francisco Xavier. 8

Hirata vem de uma família católica japonesa (o que não era muito usual) e Tamura se DAH - ALESP DAH - converteu, na infância, por influência de um padre jesu- íta – o padre Guido del Toro –, que teve papel importan- te na formação católica de muitas famílias japonesas no bairro da Liberdade. Mais tarde, o padre Guido auxiliou Tamura em momentos im- portantes de sua formação educacional e política. Cató- licos, Tamura e Hirata adota- ram nomes ocidentais – Luís e João, respectivamente4.

Os caminhos dos dois se cru- zaram desde a juventude, já que freqüentavam os mes- mos meios, compartilhavam de problemas comuns e se preparavam para um futuro que os diferenciaria ainda mais da média dos nipo- brasileiros da época. Foram colegas de futuros médicos, empresários e advogados que iriam exercer cargos de liderança no interior da colô- nia, especialmente a partir da década de 50. Também foram colegas de secundário de fu- turos políticos, como Carva- Ioshifumi Utiyama (1919 - 1995). lho Pinto e Jânio Quadros.

Ao ingressarem na faculdade, começam a se fa- A questão do posicionamento dos descendentes miliarizar com as grandes questões nacionais, de japoneses na sociedade brasileira era, tam- especialmente porque, na época, a Faculdade de bém, um dos focos de preocupação desses jo- Direito do Largo São Francisco era um locus de vens. Oriundos de uma etnia que na época sofria grande efervescência política. Havia diferentes forte discriminação, eles foram se conscientizando grupos organizados em torno da discussão da po- de que, pela sua posição privilegiada diante dos lítica do Estado Novo5. Sem se destacarem como outros japoneses, tinham algo a fazer por seus lideranças, os estudantes nipo-brasileiros assisti- compatriotas. Entretanto, a tarefa não era sim- ram de perto as acaloradas discussões entre as ples, pois de ambos os lados – brasileiro e japo- facções, as passeatas e greves que marcaram o nês –, havia pressões. Os japoneses da primeira período. Hirata, por exemplo, foi amigo e colega geração, imbuídos da idéia de retorno ao Japão, de faculdade de Roberto de Abreu Sodré, ligado sem pretender a integração, pressionavam os jo- ao grupo que viria a formar a futura União Demo- vens a manterem as tradições japonesas, o que crática Nacional (UDN), partido pelo qual o próprio estava longe de seus interesses. Hirata se candidataria, desde a primeira vez. No- mura, desde o secundário, tinha opiniões próprias Nomura avalia a situação de tensão vivida por esse a respeito dos destinos do país. Era nacionalista grupo: “É uma geração prensada entre duas cultu- em questões que marcaram época, como na de- ras, a japonesa e a brasileira. A japonesa, através fesa dos recursos do subsolo brasileiro, contra a de seus pais, exigindo que eles fossem japoneses interferência externa. da gema, espírito de samurai; e o espírito da cul- Acervo histórico

Relembra o caso de um japonês da primeira geração, cujo filho mais velho estava no Exército e DAH - ALESP DAH - o mais novo na Força Expedicio- nária Brasileira (FEB). Discutiu então com o delegado, alegan- do a injustiça de prender um pai cujos filhos estavam diretamente a serviço da Pátria. Convencido, o delegado mandou soltar todos os presos políticos daquela de- legacia, mas encarcerou o advo- gado por dez dias...

Por outro lado, os nisseis (des- cendentes da primeira geração) procuravam se organizar, no sentido de marcar sua posição como membros da sociedade brasileira, apesar das discrimi- nações que vinham sofrendo. Utiyama foi um dos fundadores da Associação Cultural e Espor- tiva Piratininga, em 1949, organi- zada para traçar estratégias para “a gente se entrosar melhor com a comunidade em geral, não fi- car adstrita à colônia japonesa”.

Em 1945, logo que chegou à ci- dade de Marília, o dentista Dio- go Nomura viveu a situação de João Sussumu Hirata (1914 - 1974). conselheiro da colônia local. A derrota na guerra foi utilizada por ele como o argumento principal tura brasileira nacionalista da época [...] naquela para incentivar os pais para que valorizassem o época falavam na cara da gente ‘você precisa ser trabalho e os estudos dos filhos. Lembra que foi brasileiro’. [...] Nós tínhamos uma responsabilida- procurado pelos japoneses mais velhos para in- de muito grande, porque para eles [os outros nipo- termediar o acesso junto às autoridades locais: brasileiros] nós constituíamos, bem ou mal, um “Inexistia na região algum nissei com curso uni- exemplo”. É nesse contexto que vai começando a versitário. O máximo que tinha era contador, ou se forjar uma idéia de “missão”. Fatos vivenciados coisa parecida [...] fui motivo de esperança dos is- pelos futuros políticos vão solidificando a idéia. seis6 mais velhos”. Como presidente de um clube esportivo da colônia, organizou grupos de nisseis, A guerra marca profundamente esses jovens. promovendo cursos de oratória e palestras, a fim Apenas por serem descendentes de japoneses já de incentivar o entrosamento da colônia e a apro- eram suspeitos de serem da “quinta coluna”, pos- ximação entre as gerações. síveis espiões. Utiyama e Nomura, que dividiam o mesmo quarto na pensão, foram revistados por- Nas biografias dos futuros políticos há sinais, des- que houve uma denúncia de que, apesar da proi- de a juventude, do despertar para um trabalho vol- bição, escreviam em japonês. tado para a comunidade. Tamura é muito enfático na sua avaliação para a escolha da carreira: enu- Recém-formado em Direito, Tamura se deparou mera a necessidade de acabar com as injustiças, com a situação dos japoneses, italianos e ale- lutar pela liberdade e pelo direito. A política abriria mães presos por suspeita de espionagem. Ele re- a possibilidade de realizar esses objetivos. corda que se tornou um assíduo freqüentador das delegacias, onde defendia os direitos dos presos. A opção de Tamura pela política foi fruto de um 1 idealismo que deixou de lado oportunidades, do espanto que causavam nos comícios dos quais como a de fazer um curso de pós-graduação no participavam. Por outro lado, também havia a re- Japão. Tanto Tamura, quanto Hirata, receberam sistência dos membros da colônia ao verem um convites para continuar seus estudos no Japão, descendente se candidatando a cargo eletivo. Em assim que se formaram. O governo japonês inves- primeiro lugar, porque não se tinha certeza de sua tia na formação de pessoas que potencialmente legalidade. Depois, havia o problema da língua: pudessem defender os seus interesses diante da “Mas esse nissei aqui vem pedir voto da colônia e comunidade internacional. nem sabe falar japonês? O que ele vai defender?” (Tamura). Tamura recusou a bolsa de estudos porque temia a eclosão da guerra no Japão, isto em 1940. Em É nesse momento que a idéia de “missão” vem à contrapartida, foi-lhe oferecido um emprego na tona. Para justificar a motivação que os impeliu embaixada japonesa no Brasil, também recusado. para a vida pública, usam termos como “dispo- Alegou que o trabalho na embaixada deixaria de sição” (Nomura), “idealismo” (Utiyama), “dom de lhe dar uma visão mais próxima do povo. Seu ide- serviço” (Tamura) e repetem a idéia de que sen- alismo conduziu-o à carreira de advogado “para tiam a necessidade de fazer alguma coisa pelo cuidar do patrimônio do povo. Sou advogado para bem comum e defender os interesses da comuni- conhecer o sofrimento do povo. Na embaixada dade japonesa. vou ser advogado de empresa”. Nas entrevistas, os deputados são unânimes em Hirata foi para a Universidade Imperial de Tóquio, afirmar que nem todos os seus votos vieram da permanecendo por dez anos no Japão, onde colônia. Acreditam, entretanto, que a maior par- completou sua formação em Direito e trabalhou te teve origem entre seus compatriotas. A análise na NHK, a empresa estatal japonesa de rádio e das planilhas de votação do TRE (Tribunal Regio- televisão. Atravessou, portanto, todo o período nal Eleitoral) de São Paulo mostra que a grande da guerra fora do Brasil. A carreira profissional de maioria dos votos veio da população de origem João Sussumu Hirata no Brasil começou como japonesa, pela votação maciça em distritos com consultor jurídico no consulado japonês em São grande concentração de nipo-brasileiros, como é Paulo, na Câmara de Comércio Japonesa e na o caso da Liberdade, da Aclimação, da Vila Maria- Cooperativa Agrícola Bandeirante. na e do Butantã. o IníCIo DAS CArrEIrAS Deve-se destacar, ainda, uma dificuldade adi- cional na eleição de nipo-brasileiros: o pequeno Interrogados a respeito do início de suas carrei- número de votos possíveis dentro da colônia, ras políticas, os entrevistados têm na memória pois o número de isseis ainda era maior que o as resistências que sofreram por serem filhos de de seus descendentes brasileiros. Na avaliação japoneses:

– “Será que esse japonesinho

vai dar conta? Será que ele sabe MHIJB/SP falar português?” (Nomura)

– “Havia muita pressão porque éramos simples filhos de imi- grantes, e naquele tempo, era muito forte a noção de quatro- centão. Os quatrocentões trata- vam a gente como filhos de imi- grantes” (Utiyama).

– “Japonês quer agora tomar conta do Brasil...” (Tamura)

As pressões e resistências vêm de ambos os lados7. De um lado, falando corretamente o portu- guês, os deputados se recordam Yukishigue Tamura (1915). Acervo histórico de Tamura, havia meio voto por família em fins da década de 1940. Suas campanhas foram can- sativas, porque foi necessário percorrer todo o MHIJB/SP interior de São Paulo “Tinha japonês, mas voto não tinha, porque os japoneses não votavam”, conta Tamura.

No interior do estado, onde a presença de japone- ses e descendentes era tão importante quanto na capital, a concorrência de candidatos de fora da colônia é também expressiva. Tamura, por exem- plo, se defronta com a concorrência de candidatos como Manoel Ferraz, da Cooperativa Agrícola de Cotia, interventor na empresa durante a guerra; o major Sílvio de Magalhães Padilha, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, e o coronel José de Lima Figueiredo, presidente da Rede Ferroviária Noroeste do Brasil, com sede em Bauru – sendo todos eles respeitados pela colônia por seu traba- lho junto aos japoneses.

Cada um dos candidatos a deputado tem suas bases eleitorais ligadas, também, à sua ativida- de profissional: Nomura foi vereador em Marília (1951/1954) com o apoio dos dentistas; Utiyama, na época de sua primeira eleição em 1958, re- cebeu o apoio de funcionários e clientes do Ban- co América do Sul, onde era advogado; Tamura Propaganda eleitoral em jornal da comunidade japonesa foi eleito com votos de pessoas que conheciam (Jornal Paulista, 8/10/1962). seu trabalho; e Hirata, pelas relações a partir do consulado japonês. Os dois últimos, com certeza, tiveram um apoio maior da colônia, já que foram ser eleito. A minha será difícil, mas ele será elei- os primeiros. to. Estou dizendo com sinceridade. Sodré e Hi- rata eram muitos amigos. Eu tinha ciúmes dele A questão da concorrência entre os candidatos (Hirata), ele queria me derrubar. Quando desisti, nipo-brasileiros é reinterpretada de formas opos- ele achou que estava eleito” – como, de fato o tas. Nomura enfatiza o clima de camaradagem foi, relata Tamura. que havia entre eles, lembrando que saíam juntos para fazer campanha. Ele e Hirata, muitas vezes, Para deputado federal, o já citado coronel Lima dividiram o mesmo carro para percorrer o interior. Figueiredo, também era candidato. Tamura e ele Utiyama também segue esse raciocínio. Para es- pertenciam ao PSD, cujo candidato a governador ses candidatos, a campanha eleitoral tomava um era Prestes Maia. Houve ainda uma crise interna aspecto meio festivo, apesar de terem claro que no partido, porque certamente haveria disputas eram concorrentes entre si. por votos dentro da região da Alta Paulista (Ma- rília, Tupã e Lins). Enfim, acabaram aceitando a Tamura, por sua vez, aponta problemas mais candidatura de ambos. No final, Tamura se elegeu concretos. Na sua avaliação sobre as possibi- e o coronel não. Em todo esse processo, Tamura lidades reais de cada um, recorda-se das elei- destaca o peso que sentia por ser descendente ções de 1954, que coincidiram com o suicídio de de imigrantes japoneses: “Eu sofri muito o im- Getúlio Vargas. Hirata e ele eram candidatos a pacto emocional e psicológico por ser japonês”. deputado estadual. Com o apoio de Abreu Sodré O estranhamento com a presença de um descen- e da UDN, Hirata tinha grandes possibilidades de dente de japoneses na política, passados todos se eleger. Resolveu então, de última hora, con- os episódios das décadas anteriores, envolve correr a deputado federal. “Se houver eleição, uma reação que não é exteriorizada abertamente, vou sair da área estadual para a federal. Deixo o de que o país não é mais uma nação formada só Hirata livre, para cada um concorrer numa faixa, por brancos. “O que eles (os grupos tradicionais) e como são duas eleições diferentes, ele pode queriam era a imagem do japonesinho puxando  enxada”, conta Nomura. Além dos parcos recursos para a campanha, ha- via, também, a dificuldade de obter legenda nos Tanto para os japoneses, como para outros gru- partidos da época. Pouco prestigiados socialmen- pos imigrantes, percebe-se que a colônia de- te, exceto pelo diploma de bacharel em Direito monstra certa desconfiança com seus candida- – e apesar de que “as faculdades de Direito eram tos na primeira eleição. Nas eleições seguintes, consideradas ante-salas da Câmara”8 -, os des- a partir do momento em que o político se mostra cendentes de imigrantes japoneses tiveram que apto para exercer sua função, o clima muda. O transpor o obstáculo de se lançar a um campo apoio vem naturalmente, pelo orgulho da colônia praticamente fechado a quem não pertencesse à em ter um representante junto aos círculos de elite paulista. Era com a intermediação de outras poder. pessoas que obtinham lugar nos partidos.

Entre os japoneses, citam os entrevistados, criam- “Fui barrado no PSD. Nenhum partido queria me se redes de apoio aos candidatos, através da parti- receber” afirma Tamura. O padre Guido del Toro cipação de figuras consideradas intercedeu para que o jovem pos- proeminentes no local – mem- tulante a deputado conseguisse bros da diretoria da associação uma legenda para se candidatar. japonesa, fazendeiros, empre- Foi assim que Tamura se candi- sários, etc. – que reúnem em MHIJB/SP datou a deputado estadual pelo suas casas pessoas capazes de PDC, que na época era um parti- divulgar a campanha. Isto vale, do satélite da UDN. Utiyama ob- especialmente, para as cidades teve sua legenda no PST através do interior, onde as figuras de do colega de faculdade, Ubiraja- projeção exercem uma grande ra Keutnedjian, dirigente do par- influência sobre a opinião da co- tido. Nomura sai candidato pela lônia local. Cada candidato tem, primeira vez pelo PR, por sua assim, as pessoas a quem deve ligação com Laudo Natel, que procurar em cada cidade para iniciara sua carreira profissional acionar a rede de apoio à sua na cidade de Marília. Hirata é o candidatura. Todos esses acon- único que se lança por um par- tecimentos são envoltos num tido maior, a UDN, graças à sua clima de festa, ocasião para se amizade com Roberto de Abreu oferecer um churrasco e convi- Sodré na Faculdade de Direito. dar um grande número de pes- Após a primeira legislatura, já soas, atestando o prestígio do tendo seus nomes consolidados, anfitrião e assegurando ao can- conseguiam se candidatar por le- didato o cálculo possível de vo- gendas mais importantes. Tanto tos na região. Por isso, quando Tamura, quando Utiyama, passa- indagados sobre os resultados ram para o PSD quando de suas eleitorais, conseguem apontar, reeleições. aproximadamente, a origem da votação que obtiveram. As dificuldades não se restrin- gem às campanhas ou à busca Os primeiros deputados nipo- Propaganda eleitoral apela à questão por uma legenda. Há descon- rural (Jornal Paulista, 8/10/1962). brasileiros no Brasil realizaram fiança em outras esferas, como suas campanhas acionando re- narra Tamura, que teve a sua ins- cursos próprios, com a ajuda de parentes próxi- crição barrada para a Escola Superior de Guerra mos e de poucos amigos. Utiyama se recorda que (ESG) por dois anos consecutivos. Somente com dispunha de 3 mil e poucos contos para eleição a intervenção do presidente Juscelino Kubitschek de 1958, percorrendo o interior de São Paulo em consegue se matricular. Lembra que seu instrutor busca de votos dos nipo-brasileiros. Tamura ga- era o general Castello Branco, “que via com olho nhou prêmios em sorteios do sistema de poupan- torto os japoneses”. ça da época, a capitalização. Com esse dinheiro, fez as campanhas de 1947, para deputado cons- Os outros negam que tenham sofrido qualquer tituinte de São Paulo (derrotado por 500 votos), e tipo de tratamento diferenciado dentro da Assem- a campanha de 1950, quando foi eleito deputado bléia ou da Câmara, mas fica evidente que são estadual. minoria diante dos colegas. Utiyama se recorda Acervo histórico de Fauze Carlos, de origem sírio-libanesa, como a se candidatar estavam claros. Entretanto, como o único outro filho de imigrantes, em sua primeira executar a tarefa de “elevar o nome da colônia” legislatura, em 1958. “No meio dos compatriotas, num ambiente pouco conhecido, no qual defender eu esqueço a minha face, esqueço que tenho essa os interesses de uma minoria étnica ainda era um cara. Porque eu estou lá conversando com baia- campo totalmente aberto à iniciativa de cada um? no, eles também nunca me jogam isso na cara. Brincadeira existe, “japonês”, “turco”, eu também À medida que o tempo passava e eles participa- chamo o outro de “cabeça chata”, “baiano”, mas vam das comissões na Assembléia – inicialmen- isso é no âmbito da amizade: não, nesse aspecto te as de agricultura e economia –, iam surgindo eu sou um peixe dentro d’água na sociedade bra- oportunidades para cumprirem a tarefa a que se sileira...” , afirma Nomura. haviam proposto. Também começam a ser pro- curados por representantes da colônia, para que Paralelamente, há também a necessidade de defendessem seus interesses. São apresentados conquistar a confiança dos membros da colônia. projetos voltados para a agricultura e para os hor- Tamura aponta dificuldade de não falar japonês, tifrutigranjeiros, áreas de atuação dos japoneses em sua primeira campanha para deputado esta- e há também projetos localizados. Utiyama, por dual. Nomura também destaca esse ponto: “Eu exemplo, consegue a isenção de impostos para sinto dificuldade de transitar no seio da colônia os produtores avícolas de Mogi das Cruzes; No- japonesa. No seio da colônia, eu preciso pen- mura consegue, através de um convênio com o sar. Eu falo japonês razoavelmente, mas não sei governo japonês, a criação do Centro de Desen- como é que eu posso me dirigir às autoridades volvimento do Vale do Ribeira (Cedaval), para o importantes da comunidade. Eu posso chamar o aproveitamento das várzeas na produção agríco- presidente da República de você, o meu motorista la. Trabalha também em prol da região de Marília, de você” , diz Nomura9. aprovando a criação da Faculdade de Medicina de Marília e da Faculdade de Filosofia de Pereira A missão de “elevar o nome da colônia”, tantas Barreto, além de fazer de Marília a sede de uma vezes repetida nas entrevistas, demonstra que das regiões administrativas do Estado de São era necessário consolidar a unidade interna da Paulo; Hirata também participa de comissões vol- comunidade japonesa e, para isso, era neces- tadas para a agricultura. sário também abrir caminho na sociedade brasi- leira. Na trajetória política dos quatro deputados O trabalho de Tamura é mais audacioso: tão logo há uma nítida tendência em direção a esses dois se elege, inicia uma discussão em torno da re- lados da questão. A política foi o instrumento para tomada dos bens de italianos, japoneses e ale- um trabalho continuado, tanto que Tamura e No- mães confiscados durante a guerra. Como se co- mura tiveram longas carreiras; Hirata seguiria o mentou anteriormente, a guerra interrompera os mesmo caminho, se não fosse sua morte em um empreendimentos dos imigrantes provenientes acidente automobilístico, durante a campanha de países do Eixo, desestruturando os esquemas para as eleições de 1974. Somente Utiyama de- até então desenvolvidos. Tamura empreende sistiu da política, ao não ser eleito para deputado uma luta que dura de 1948 até 1951, argumen- federal, em 1966. Segundo a avaliação de No- tando que esses bens pertenciam aos filhos de mura: “acho que ele se situou bem como diretor brasileiros, dos imigrantes e que o confisco era do Banco América do Sul. Ele não é do tipo de se um prejuízo para os interesses nacionais. Em espalhar, ele é mais do tipo administrativo. Então, 1951, Getúlio Vargas libera os bens. acho que ele acertou na vida. A experiência dele foi breve”. Outro projeto de Tamura, que fez parte de sua plataforma de campanha, era a criação de uma O trabalho legislativo escola em cada uma das capitais do País, sen- do que a primeira seria a do Páteo do Colégio, Uma vez eleitos, os deputados passam por uma local da fundação da cidade de São Paulo. Com fase de adaptação a suas novas tarefas. Em sua a proximidade das comemorações do IV Cen- entrevista, Tamura recorda que, quando foi eleito tenário da cidade de São Paulo (1954), Tamura deputado federal pela primeira vez, em 1954, re- aproveita a oportunidade para propor a recons- zava insistentemente a oração de São Francisco trução daquele monumento histórico. Consegue de Assis, para pedir inspiração para projetos que a aprovação da Lei nº 2.658 de 1954, devolvendo pudesse apresentar na Câmara. o Páteo do Colégio aos padres jesuítas, que por sua vez se encarregariam da execução do proje- Na realidade, os objetivos que os haviam levado to, com a construção da Casa de Anchieta e do 

Museu colonial. Segundo suas memórias, a apro- anos de mandatos cumpridos, divididos entre 10 vação da lei foi um processo árduo. Lembra que anos como vereador em São Paulo, quatro como sofreu resistências dos protestantes, dos maçons deputado estadual e 16 como deputado federal, e também dos próprios católicos, que não viam cassado em 1969. Seu último mandato terminou com bons olhos um filho de imigrantes, japonês, em 1981, como vereador. Nesses anos todos, o ser o autor de um projeto histórico ligado às tradi- deputado desenvolveu trabalhos voltados, tam- ções católicas e paulistas. O projeto foi aprovado bém, para os interesses da colônia japonesa. Ele na Assembléia, mas a execução das obras não relaciona, por exemplo, sua interferência junto ao ocorreu de imediato. Banco do Brasil para obter financiamentos para a compra de terras a um grupo de arrendatários A trajetória política de Tamura é longa: são 30 de Mogi das Cruzes; a defesa dos interesses dos Acervo do Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil / São Paulo (MHIJB/SP)

Parlamentares apresentam à comunidade japonesa seus compromissos (São Paulo Shimbum, 25/9/1958). Acervo histórico plantadores de batatas, de algodão, dos criadores Usiminas elegeu Tamura a deputado federal com de bicho-da-seda e das cooperativas. mais de 50 mil votos.

Cartas de recomendação, “bilhetinhos” e telefo- O crescimento econômico e tecnológico do Ja- nemas aos conhecidos dentro de órgãos públi- pão no cenário mundial, a partir da década de cos, além de pedidos de emprego, fazem parte 1960, dá visibilidade ao trabalho legislativo dos da rotina dos parlamentares. Diogo Nomura é o deputados nipo-brasileiros. São sempre solici- único dos entrevistados que declara abertamen- tados e consultados sobre projetos ligados aos te usar desses recursos para ajudar as pessoas interesses do Brasil com o Japão. Os deputados que o procuram. É o que denomina de “varejo” nipo-brasileiros, por sua vez, recebem especial do trabalho de homem público. Não nega que a deferência do governo japonês, tal como havia influência de seu cargo abre portas para os que ocorrido com os primeiros bacharéis. A interme- o procuram. “Miudezas da vida são de natureza diação de descendentes de japoneses nas con- humana. Eu faço isso, desde a miudeza até as versações são bem-vistas por ambas as partes. grandes”, declara. Para a colônia aqui residente, esses trabalhos de caráter internacional, divulgados através da Entre as “coisas grandes” de que fala Nomura imprensa nipo-brasileira, são particularmente va- estão, certamente, as missões internacionais lorizados. A idéia de que os nipo-brasileiros têm dos parlamentares nipo-brasileiros. Todos eles, laços com um país que estava começando a fa- em suas biografias, enumeram viagens ao exte- zer parte do Primeiro Mundo e de que os parla- rior com grande destaque. Pelo fato de serem mentares representantes da etnia têm um papel descendentes de japoneses, suas viagens foram importante na aproximação com o Japão, certa- predominantemente para o Oriente. São mis- mente teve repercussões no interior da colônia e sões estaduais e federais, que tiveram o intuito na carreira desses parlamentares. de fortalecer laços diplomáticos, econômicos e tecnológicos com o Japão. Elevar o nome da colônia

Nomura, cuja carreira é a mais longa, participou A “missão” a que se propunham os primeiros de- de inúmeras viagens ao Japão, sendo o primeiro putados nipo-brasileiros é paralela a uma ampla descendente de japoneses a discursar na Dieta campanha da comunidade japonesa no Brasil japonesa (Congresso Nacional japonês). Acom- para “elevar o nome da colônia”, após os acon- panhou o presidente Ernesto Geisel em sua visita tecimentos das décadas anteriores. A estratégia oficial ao Japão e participou de projetos de inter- adotada para cumprir esse objetivo consistiu em câmbio com o Japão. promover eventos e organizar instituições que pu- dessem reunir os japoneses e seus descenden- Tamura teve um papel importante na implanta- tes. O objetivo era procurar reunir a comunidade ção da Usiminas – Usinas Siderúrgicas de Minas e, ao mesmo tempo, divulgá-la para a sociedade Gerais, desde as primeiras conversações, até a como um todo. Era necessário mostrar aos brasi- inauguração da usina em Ipatinga, em 1958. A leiros que os japoneses formavam um só corpo, participação financeira, em torno de U$ 100 mi- bem como ressaltar suas peculiaridades: o japo- lhões, e tecnológica japonesa foram fundamen- nês é portador de uma tradição cultural milenar e tais para sua realização. O deputado participou seus usos, costumes e idioma são muito particu- de conversações em torno da substituição da lares. A direção, portanto, era resgatar os valores ajuda financeira francesa pela japonesa, da es- culturais do país de origem, de modo a que os colha do local e do montante da ajuda japonesa próprios descendentes pudessem conhecer sua ao projeto. De início, a injeção do capital japo- cultura, muito diferente da ocidental, e ter orgulho nês ocorreria na Companhia Siderúrgica Pau- de ser herdeiros dela. lista (Cosipa), mas o projeto foi vetado pelo go- vernador Jânio Quadros. Desde então, a criação A década de 1950 foi marcada por dois eventos de uma indústria siderúrgica em Minas Gerais significativos para a colônia japonesa no Brasil: a começou a receber apoio aberto do presidente comemoração dos 50 anos do início da imigração Juscelino, mineiro. “Meus pais, os pais de todos (1958) e as comemorações do IV Centenário da os imigrantes, já fizeram a história da imigração cidade de São Paulo, em 1954. A partir da inicia- japonesa no campo da lavoura, da agricultura, tiva de isseis, e contando com a colaboração de nós agora vamos fazer a segunda parte da imi- nisseis, surgiram agremiações como a Socieda- gração japonesa, no campo da indústria”, afirma de Paulista de Cultura Japonesa (em 1955, que, Tamura. A repercussão desse trabalho junto à mais tarde, em 1968, se converteu na Sociedade 97

Brasileira de Cultura Japonesa); a Aliança Cultu- A partir da década de 50, a colônia japonesa pas- ral Brasil-Japão (1955); a Beneficência Nipo-Bra- sa a ganhar uma visibilidade diferente daquela sileira de São Paulo (1959), as Associações de das décadas anteriores. A imagem positiva que Província; a Federação das Escolas de Língua os brasileiros têm hoje em relação aos nipo-bra- Japonesa (1954); o Centro de Estudos Nipo-Bra- sileiros é em parte fruto de uma estratégia con- sileiros (que funcionava desde 1947), além de as- junta das lideranças da colônia (onde se incluem sociações profissionais, como a dos tintureiros e a os parlamentares), no sentido de “limpar” sua dos feirantes. Nota-se a diversidade de interesses imagem diante da sociedade mais ampla, com ní- e áreas nas quais os japoneses e seus descen- tida tendência a acentuar os traços de trabalho, dentes procuraram se agrupar, oferecendo tam- esforço e sucesso. Utilizam o argumento de que bém aos brasileiros a oportunidade de conhecer são tão brasileiros quanto todos os outros. Os melhor a cultura de seu país de origem. Na déca- políticos abrem um caminho nessa direção. Mais da de 1950, também foram fundados três jornais tarde, outras atividades públicas consideradas es- em língua japonesa. tratégicas para os destinos do País, como a ma- gistratura, a universidade etc, recebem nipo-bra- Assim, o papel dos primeiros políticos nipo-bra- sileiros em seus quadros. A participação dos polí- sileiros pode ser entendido como parte de um ticos nesse processo, enfrentando as dificuldades mecanismo amplo, que ultrapassava os limites descritas, procurando cumprir sua “missão”, não do trabalho legislativo. No conjunto, foram peças pode ser desprezada. Eles são uma ponte e uma importantes para a tentativa de unificação da co- das bases de sustentação para a passagem de lônia. Suas presenças eram requisitadas para os uma etapa para outra, nesse período de mudan- eventos, eles foram intermediários nas demandas ças radicais no conjunto da história da imigração da colônia, além de se destacarem para o maior japonesa no Brasil. entrosamento do Brasil com o Japão.

NOTAS os nascidos no Japão, isto é, a primeira geração que emigrou. 1 João Sussumu Hirata já faleceu. Os dados re- ferentes a ele foram obtidos junto a sua viúva, 6 Vide o caso de Horácio Lafer (em GRÜN, Ro- Cecília Hirata. berto. “Os judeus na política paulista: identidade, anti-semitismo & cultura” In FAUSTO, Boris et 2 Sobre este assunto, vide SAKURAI, Célia. Ro- alii. Op.cit.). manceiro da imigração japonesa. São Paulo, Su- maré/Fapesp, 1993, p. 75-76. 7 Joaquim Nabuco in BENEVIDES, Maria Victó- ria. A UDN e o udenismo – Ambigüidades do li- 3 A adoção de nomes ocidentais entre os des- beralismo brasileiro (1945-1965). Rio de Janeiro, cendentes de japoneses é prática comum, tan- Paz e Terra, 1981, p. 259. to porque os nomes de origem japonesa soam difíceis para os brasileiros, como também por- 8 É preciso ter em mente que a língua japonesa é que o batizado na Igreja Católica é uma prática rica em nuanças de formas de tratamento. O res- corriqueira. A adoção da religião oficial do País peito à hierarquia social se reflete na linguagem significa um ponto de integração na cultura local, e nos gestos. A posição de cada interlocutor no mas não significa que todos os nipo-brasileiros diálogo denota o respeito pelo outro. Por isso, a católicos sejam praticantes. escolha das palavras e o uso de um ou outro pre- fixo são sinais de respeito e reverência para com 4 Sobre este assunto, vide DULLES, John W. F.. o interlocutor. Este é um aspecto fundamental A Faculdade de Direito de São Paulo e a resis- no bom uso da língua. A desobediência a essas tência anti-Vargas – 1938-1945. Rio de Janeiro, regras é motivo de ofensa, sinal de pouco caso Nova Fronteira, 1984. para com o outro.

5 Issei é a denominação atribuída especifica- mente aos imigrantes propriamente ditos: são Acervo histórico Registro&Datas

• Exposição virtual “Interior Paulista” – A ção e reforma de unidades públicas; recolhimento Constituição do Império do Brasil, outorgada em de lixo; queixas de cidadãos; políticas públicas... 1824 e reformada dez anos depois, em 1834, quando foram criados os Legislativos Provinciais, Em 1835, o território paulista abrangia também o determinava, através do Ato Adicional, que com- do atual Paraná. Foi em 1853 que se criou a en- petia às Assembléias aprovar as leis municipais, tão Província do Paraná. Portanto, entre 1835 e as chamadas “posturas”. 1853, vários municípios então existentes e hoje pertencentes ao Estado do Paraná têm muitos Desde o início de suas atividades, em 2 de fe- documentos preservados na Divisão de Acervo vereiro de 1835, a Assembléia Legislativa era a Histórico da Assembléia Legislativa do Estado de responsável pela criação de municípios, o que fez São Paulo. com que o Legislativo preservasse importantes dados populacionais e econômicos e demais do- No período republicano os municípios conquistam cumentos e registros fotográficos que justificaram maior autonomia. No entanto, qualquer cidadão a criação dos atuais 645 municípios paulistas. De poderia recorrer ao Senado Paulista para contes- 1835, quando São Paulo contava com 45 vilas tar Leis municipais, deixando no Parlamento um e uma cidade – a Imperial Cidade de São Paulo amplo material para consulta. –, até o início do século XXI, uma longa história marcou o desenvolvimento paulista. Ficaram pre- Desse volumoso material, a Divisão de Acervo servados no Acervo Histórico documentos sobre Histórico deu uma amostra da iconografia aí en- o abastecimento; iluminação; segurança; constru- contrada. Em um primeiro momento através das DAH - ALESP DAH -

Mapa de 1836 indicando as fronteiras entre Taubaté e Pindamonhangaba. 99 páginas do Diário Oficial do Estado – Poder Le- do de Minas Gerais – Biblioteca Deputado Camilo gislativo e depois através da exposição virtual Prates; Centro de Documentação e Pesquisa em “Interior Paulista – Seu Município na História” na História da Universidade Federal de Uberlândia; página do Acervo Histórico (http://www.al.sp.gov. Centro de Memória da UNICAMP; Centro Pró-Me- br/web/acervo/index_acervo.htm) no portal da mória da Irmandade da Santa Casa de Misericór- ALESP (http://www.al.sp.gov.br/portal/site/alesp/). dia de Itu; Centro Universitário São Camilo (Es- Nesta, em um mapa com as regiões administrati- pírito Santo); Cinematográfica Superfilmes; Curso vas do Estado de São Paulo, assinalamos algu- de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricul- mas cidades que tiveram imagens selecionadas tura e Sociedade da Universidade Federal Rural para exemplificar o material encontrado na docu- do Rio de Janeiro; Divisão de Museus, Patrimô- mentação custodiada pela Divisão de Acervo His- nio e Arquivo Histórico da Prefeitura Municipal de tórico, que recobre o período de 1819 a 1947 e Taubaté; Gabinete do Deputado Vicente Cândido; está aberta e disponível ao público. Roberta Clemente; Vivaldo Pitta.

• Exposição virtual “Na Tribuna, há 50 anos” • Leitores – Ao longo de sua trajetória Acervo – Desde 2002 a Divisão de Acervo Histórico re- histórico tem recebido muitas mensagens de cebeu da Secretaria Geral de Administração a seus leitores, que nos estimulam a prosseguir incumbência de realizar exposições na entrada com sua publicação e, portanto, na empreitada do Café dos Deputados, Salão Nobre “Deputado de difundir a história e as causas do Poder Le- Waldemar Lopes Ferraz” do “Palácio 9 de Julho”. gislativo. Entre elas, gostaríamos de publicar as Desde então ali realizou várias exposições, as mensagens de duas leitoras, as quais dão uma quais têm por base os 91 mil negativos conserva- viva demonstração da repercussão positiva que dos pelo Acervo Histórico. Dadas as dificuldades nossas publicações têm causado e da consecu- de acesso do público ao local, todas as exposi- ção de seus objetivos: ções estão disponibilizadas na íntegra na Internet. A mais recente delas foi a exposição “Na Tribuna, “Prezados: ao microfone há 50 anos ...” que apresenta 24 imagens retratando deputados, em ação de dis- Li com muito interesse a publicação de vocês na curso, na tribuna ou no microfone de apartes, e biblioteca da Faculdade de Filosofia da Universi- que são complementadas por textos de pronun- dade Federal de Minas Gerais. Fiquei encantada ciamentos, todos do ano de 1955, mostrando um com a publicação, sobretudo com o volume do pri- pouco da história paulista e brasileira através da meiro semestre de 2005. oratória de seus parlamentares. Sou professora da rede particular e, ultimamente tenho prestado assessoria à Secretaria de Edu- A Divisão de Acervo Histórico tem sob sua guarda cação do Estado de Minas Gerais e incentivado 91 mil negativos fotográficos, todos digitalizados os professores de história a fazerem uso de do- e disponíveis para consulta em seus terminais. cumentos históricos em sala de aula. Infelizmente Este conjunto abrange o período de 1953 – quan- não posso freqüentar sempre a biblioteca citada. do foi criado o Serviço de Fotografia do Legisla- Gostaria muitíssimo de fazer a assinatura da re- tivo Paulista – a 1992, mostrando as atividades vista publicada por vocês e, sobretudo, ter em parlamentares, os visitantes brasileiros e estran- casa o volume citado acima. geiros e os eventos ocorridos na e a partir da Agradeço a atenção e aguardo resposta. Obrigada. Assembléia Legislativa do estado de São Paulo naquele período. Laura Oliveira.”

Esta exposição pode ser vista no portal da Assem- bléia Legislativa do Estado de São Paulo (http:// www.al.sp.gov.br/portal/site/alesp/), na página da “Prezados, Divisão de Acervo Histórico (http://www.al.sp.gov. br/web/acervo/index_acervo.htm). Estava em Portugal e só agora recebi o meu cor- reio que se achava na Universidade de São Pau- • Agradecimentos – A Divisão de Acervo Históri- lo. Agradeço muitíssimo o envio do Guia e da Re- co agradece as publicações doadas pelas seguin- vista, parabenizando toda a equipe pelo nível de tes instituições e pessoas: excelência dessas publicações. Que continuem! Um grande abraço, Academia Paulista de Letras; Arquivo Público do Distrito Federal; Assembléia Legislativa do Esta- Heloísa Liberalli Bellotto.” Acervo histórico Normas de redação de Acervo histórico

Acervo histórico é uma publicação semestral da Divisão de Acervo Histórico da Assembléia Legis- lativa do Estado de São Paulo e tem como objetivo a divulgação de artigos e fontes de pesquisa de História e disciplinas afins, informes parciais de pesquisa em desenvolvimento, documentos inéditos e resenhas críticas, cujos temas estejam presentes em seu acervo - preferencialmente, trabalhos realizados com os documentos desse acervo. Acervo histórico convida autores de instituições de ensino e pesquisa nacionais e internacionais e também recebe colaborações espontâneas. Publica também, em reedição e tradução, trabalhos relevantes que se caracterizem como fundamentais à sua temática, desde que, para tanto, haja a autorização expressa do editor da publicação original. Os artigos cujos autores são identificados representam o ponto de vista dos próprios autores e não a posição oficial de Acervo histórico , da Divisão de Acervo Histórico ou da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. O autor receberá, sem ônus, cinco exemplares da publicação na qual consta seu artigo. A publicação de qualquer matéria está subordinada à aprovação prévia da Divisão de Acervo His- tórico. Os artigos aceitos para publicação serão revisados em língua portuguesa. No caso de cola- boradores internacionais o texto será traduzido para o português.

Apresentação dos Originais 3) Artigos com autoria em obra coletiva: COSTA, Emília Viotti da. Brasil: A era da re- O artigo deve ter aproximadamente 15 pá- forma, 1870-1889. In: BETHELL, Leslie (Org.). His- ginas. Deve ser gravado, preferencialmente, em tória da América Latina: de 1870 a 1930, volume V. programa Word for Windows, fonte Times New São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo; Roman, tamanho 12, entrelinhas 1,5, margens 3cm Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 705-760. (superior e esquerda) e 2,5cm (inferior e direita). 4) Artigos de jornais: O espaço das notas será no final e deverá conter ARAÚJO, Olívio Tavares de. Lívio Abramo: além das citações as referências bibliográficas, em 1903-1992. O Estado de S. Paulo, São Paulo, fonte Times New Roman, tamanho 10. 28/04/1992. Caderno 2, p. 1. As resenhas seguem as mesmas normas ge- KRIEGER depõe sobre a guerra da sucessão. rais e deverão ter, no máximo, 4 páginas. Correio Braziliense, Brasília, 23/01/1983, p. 4. Abaixo do título deverão constar o nome com- O artigo deve ser gravado em disquete 3½, pleto dos autores e indicações quanto à titulação acompanhado de uma cópia impressa. Fotografias e acadêmica, instituição outorgante e atividades que desenhos devem ser enviados no formato “tif “ com desempenham na instituição a que estão vinculados definição de 300dpi ou no original para possibilitar e e-mail. Para uso exclusivo do Editor, o endereço boa reprodução. Gráficos, quadros, tabelas, fluxo- para correspondência e telefone. gramas, etc. devem ser enviados separadamente, Exemplos da apresentação das referências no em outro disquete 3½ com uma cópia impressa. espaço de notas: Textos para reedição deverão indicar sua fonte 1) Monografias: original. COELHO, Henrique. O Direito Público do Es- Os artigos não aproveitados por Acervo tado de S. Paulo: Breve comentário da Lei Cons- histórico não terão outra utilização e não serão titucional de 8 de julho de 1911. São Paulo, Casa devolvidos. Vanordem, 1920, p. 27-28; O material deve ser enviado para o seguinte SILVEIRA, Valdomiro. Os caboclos: contos. 4a endereço: ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975, Assembléia Legislativa do Estado de São p. XI. Paulo 2) Artigos em revistas: Divisão de Acervo Histórico THOMSON, Alistair. Histórias (co)movedoras: A/C de ACERVO HISTÓRICO História Oral e estudos de migração. Revista Av. Pedro Álvares Cabral, 201 Brasileira de História, São Paulo, vol. 22, no 44, p. Ibirapuera – São Paulo - SP - 04097-900 341-364, 2002. Outras informações: [email protected].