Aborto No Poder Judiciário: O Caso Da ADPF 54 Dissertação De Mestrado
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Marcela Maria Gomes Giorgi Barroso Aborto no Poder Judiciário: o caso da ADPF 54 Dissertação de Mestrado Professora Orientadora: Dra. Eva Alterman Blay Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo São Paulo, 2010 1 U N I V E R S I D A D E D E S Ã O P A U L O F A C U L D A D E D E D I R E I T O CU R S O D E P Ó S - GR A D U A Ç Ã O EM DIREITOS HUMANOS Marcela Maria Gomes Giorgi Barroso Aborto no Poder Judiciário: O caso da ADPF 54 Dissertação apresentado como parte dos requisitos para a obtenção do título de mestre na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Orientadora: Professora Doutora Eva Alterman Blay São Paulo, 2010 Ao amado marido Paulo, por toda a paciência e ajuda durante o mestrado; e à minha orientadora, Eva Blay, inestimável conselheira e guia nesta jornada. Nada mais fascinante ao professor do que participar deste processo formativo que não deve conduzir a uma concepção reduzida, mas completa, em que o direito seja percebido e reconhecido dentro de uma totalidade cultural de que é a um tempo quadro e produto1. 1 AZEVEDO, Plauco Faraco de. Introdução a Fuller, Lon L. O Caso dos Exploradores de Cavernas. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2006. p. VIII Introdução Página 01 Capítulo I Introdução Página 04 Politização da Justiça Página 06 O Supremo Tribunal Federal após o advento da Página 12 Constituição Federal de 1988 Utilização do Judiciário por Grupos de Interesse Página 15 Controle de Constitucionalidade Página 18 A Argüição de Descumprimento de Preceito Página 20 Fundamental O que é preceito Fundamental Página 22 Quem pode propor Página 24 A (in)constitucionalidade do § único do artigo 1º da lei Página 25 9882/99 A figura do Amicus Curiae Página 28 Capítulo II: ADPF 54, Confrontando Conceitos Introdução Página 36 A anencefalia Página 38 Cabimento da ADPF 54 Página 41 A Legitimidade da CNTS Página 42 A “Interpretação Conforme” Página 43 A “interpretação Conforme” e a invasão da esfera Página 45 do poder Legislativo A “interpretação Conforme” e as Múltiplas Teses Página 49 que Acercam o Caso A Inexistência de outro meio eficaz a sanar a Página 55 contenda Liminar Página 57 Lesão ou ameaça a Lesão ao Texto Constitucional Página 62 pelos artigos 124 e seguintes do Código Penal Princípios Fundamentais Página 63 Aborto e Princípios Fundamentais Página 64 CAPÍTULO III:Audiência Pública e os Atores Envolvidos na Questão Audiência Pública Página 72 Quem foram os atores envolvidos Página 73 Representantes de Religião ou Filosofia Página 75 Representantes dos Profissionais de Saúde Página 76 Representantes das Mulheres Página 77 Representante dos Deficientes Página 78 O argumento dos Médicos (e demais profissionais da Página 78 Saúde) O argumento dos representantes de Religião ou Página 86 Filosofia Condições da Rede de Saúde Pública Brasileira Página 90 Atender a casos de Más-Formações fetais Sobre os deficientes Página 94 O argumento das Mulheres Página 99 CAPÌTULO IV: As Mulheres Mulheres Página 107 Imbricamentos entre Gênero e Outras formas de Página 110 Exclusão Mulheres e o Aborto Página 112 Mulheres e Poder Página 115 Aborto nos Tribunais do Brasil: Razão Pública? Página 120 Mulheres na ADPF 54 Página 122 CAPÍTULO V: Aborto e Religião na Cena Jurídica A Religião na Audiência Pública Página 130 Aborto e Catolicismo Página 131 Aborto e Espiritismo Página 135 Laicidade do Estado e Razão Pública Página 137 CAPÍTULO VI: Lesão a Preceito Fundamental pelo Código Penal Dignidade Humana Página 142 Da Supraconstitucionalidade dos Tratados Página 144 Internacionais de Direitos Humanos Direitos Sexuais e Reprodutivos Página 147 Direito à Vida Página 148 Direito à Saúde Página 151 Direito à Igualdade, Identidade, Tolerância e Página 153 Pluralismo Liberdade e Autonomia da Vontade Página 156 Conclusão Página 158 Bibliografia Página 163 1 Introdução A batalha das mulheres pela descriminalização do aborto no Brasil tem longa data. Durante a constituinte de 1988 uma primeira disputa foi vencida: Não foi prevista a proteção à vida desde a concepção no texto constitucional. Paralelamente a isto, a ciência médica e o Direito avançaram, fazendo surgir um novo cenário a ser utilizado pelas mulheres nesta disputa. O surgimento de um novo campo da medicina, a medicina fetal, e o desenvolvimento das técnicas de ultra-sonografia, possibilitaram o diagnóstico de diversas patologias impossível de se fazer em 1940, data do código penal brasileiro, dentre elas a anencefalia. A anencefalia é uma patologia cujo diagnóstico 100% certo pode ser feito ainda no útero da mulher, entre a 8º e a 13º semana. Ela se traduz na falta de partes fundamentais do encéfalo que ocasiona no máximo uma sobrevida vegetativa de poucos dias. O diagnóstico é certo e irreversível e a gravidez e o parto de feto com anencefalia acarretam riscos à saúde da mulher, riscos de morte e principalmente, um dano à saúde psíquica gerado pelo sofrimento passado na gestação, sofrimento este que a associação brasileira de psiquiatria considera seja similar à tortura. Por outro lado, a Constituição Federal conferiu ao Supremo Tribunal Federal a guarda da constituição, atribuindo aos ministros um novo papel, o papel de cuidadores dos Direitos Humanos. Para tanto a Constituição previu novos instrumentos, dentre eles a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), regulamentada em 1999, que possibilita aos ministros, entre outras situações, o enfrentamento de leis anteriores à constituição, como a lei penalisadora do aborto, com os direitos humanos previstos na carta. 2 Diante deste novo panorama, os profissionais de saúde e as mulheres ingressaram com uma ação de descumprimento fundamental (ADPF 54) requisitando ao supremo a interpretação conforme a constituição dos artigos sobre aborto do Código Penal no caso de anencefalia. È um momento único, pois a não existência de vida no feto anencefálico coloca sobre holofotes a influencia que religião exerce quando afirmada a prerrogativa de um direito absoluto à vida do feto, o que é contra-razoando pelo pluralismo de crenças no Brasil e o conseqüente direito de autonomia das mulheres. O Estado é laico e o Supremo Tribunal precisa decidir tendo em vista argumentos de razão pública fazendo do poder judiciário um campo fértil para a disputa das mulheres. Capítulo I Ação de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental: O papel político do STF 4 2 Introdução O constitucionalismo trouxe em seu bojo o princípio da soberania nacional e o imperativo da existência de uma constituição escrita que define e limita a autoridade pública. Para tanto, esta constituição deve dividir o funcionamento do poder soberano em três órgãos e conter uma declaração dos direitos fundamentais do ser humano. A Constituição da República Federativa do Brasil, frente à excessiva concentração de poderes nas mãos do executivo autoritário e do afastamento dos direitos fundamentais do regime anterior (Ditadura Militar) possui o sentido de restauradora, para afastar a desfiguração do estado pelo processo autoritário. Assim, com o intuito de preservação dos Direitos Fundamentais e de instauração do estado democrático de direito, a carta previu a separação do poder nas três funções estatais3, citada pela primeira vez por Aristóteles no “Política” e aperfeiçoada posteriormente por Locke, no “Segundo Tratado do Governo Civil”, a tripartição das funções estatais foi consagrada e dividida da maneira hoje conhecida por Montesquieu no “O espírito das leis” e desde então sofreu poucas alterações. Desta forma, administração, legislação e jurisdição são funções exercidas por três instituições independentes e harmônicas entre si, o “poder executivo” (do qual 2 Para este trabalho consideram se as seguintes definições: Moral: Remete à questão dos hábitos, costumes, usos e regras, o que se materializa na assimilação social dos valores. Ética: A interioridade do ato humano, ou seja, aquilo que gera uma ação genuinamente humana e que brota a partir de dentro do sujeito moral, ou seja, êthos remete-nos para o âmago do agir, para a intenção. Valor: é algo significativo, importante, para um indivíduo ou grupo social Cultura: É tudo o que é aprendido e partilhado pelos indivíduos de um determinado grupo e que confere uma identidade dentro do seu grupo que pertença. 3 Cumpre esclarecer que o poder estatal continua sendo uno, o que é dividido é o exercício deste poder nas três funções, uma legisla, a outra executa e a ultima julga, todas investidas do poder em sua completude. 5 faz parte o ministério público, instituição independente e muitas vezes considerada uma 4º função4), o “poder legislativo” e o “poder judiciário”. O intuito da tripartição de poderes é a desconcentração do poder a fim de impedir sua centralização em uma única pessoa (ou grupo) responsável por fazer as leis, julgar e executar. Muito embora o sistema de freios e contrapesos previsse a fiscalização de um poder pelo outro, no Brasil o poder executivo tornou-se superinflado frente ao legislativo e encontrou um judiciário sem poderes suficientes para confrontá-lo. Durante a ditadura militar os poderes do executivo foram aumentados, resultando em assimetria ainda mais profunda: Depois do golpe (1964), o poder foi assumido pelos militares que tentariam resolver os problemas a sua maneira. O Legislativo e o Judiciário sofreram profundas alterações. À semelhança do Estado Novo, os poderes do Executivo foram aumentados. Seus atos escaparam ao controle do Judiciário. O Supremo Tribunal Federal foi atingido por várias medidas que interferiram na sua composição e limitaram seus poderes. Os direitos e garantias dos cidadãos, assim como a liberdade de comunicação, reunião e pensamento ficaram subordinados ao conceito de segurança nacional5 A nova constituição decorreu de um intenso processo de manifestação e pressão popular que culminou com as campanhas denominadas “Diretas Já”, que exigiam eleições diretas para o chefe do poder executivo.