OCUPAÇÃO E COLONIZAÇÃO DE IMIGRANTES ALEMÃES E ITALIANOS NA FLORESTA OMBRÓFILA DENSA ATLÂNTICA DO MUNICÍPIO DE APIÚNA, ENTORNO DO PARQUE NACIONAL DA SERRA DO ITAJAÍ (SC)

Martin Stabel Garrote 1 Vanessa Dambrowski 2 Gilberto Friedenreich dos Santos 3

RESUMO

Este artigo apresenta os resultados coletados durante pesquisa realizada em 2009 pelo Gphavi cujo objetivo foi investigar a história ambiental das comunidades de Gravatá, Ribeirão Jundiá e Ribeirão Neisse, município de Apiúna (SC), entorno do PNSI. A ocupação e o desenvolvimento das comunidades ocorreram com a exploração dos recursos de forma desordenada, provocando a escassez dos meios produtivos às comunidades e provocando desequilíbrio no ambiente natural.

PALAVRAS-CHAVES : História Ambiental. Parque Nacional da Serra do Itajaí.

ABSTRACT

The article presents the results collected during research carried through in 2009 for the Gphavi that had as objective to investigate the environmental history of the communities of Gravatá, Ribeirão Jundiá e Ribeirão Neisse, city of Apiúna (SC), around of the PNSI. The occupation and the development of the community occurred through the exploration of the resources of disordered form provoking the scarcity of the productive ways to the communities and provoking disequilibrium in the natural environment.

KEYWORDS: Environmental history. National Park of Serra do Itajaí.

INTRODUÇÃO

Na segunda metade do século XIX, a região do Vale do Itajaí ainda era coberta por uma exuberante floresta atlântica. Essa floresta foi sendo devastada conforme foram sendo instalados núcleos coloniais de alemães, italianos e demais nacionalidades, que

1 Historiador, Especialista em História Social, Mestre em Desenvolvimento Regional, Pesquisador do Grupo de Pesquisas de História Ambiental do Vale do Itajaí (Gphavi) – Universidade Regional de , membro da diretoria do Instituto Parque das Nascentes (Ipan) [email protected]. 2 Bióloga, Especialista em Educação Ambiental, especializando-se em Biologia da Conservação, pesquisadora do Gphavi-Furb, membro da diretoria do Instituto Parque das Nascentes [email protected]. 3 Geógrafo, Mestre em Geografia e Recursos Naturais, Doutor em Geografia Física, professor do Departamento de História e Geografia, Coordenador do Gphavi-Furb, membro do Ipan – [email protected].

passaram a ocupar, morar e explorar a biodiversidade, caracterizando a paisagem, ocupando o espaço de várzeas, presentes entre os diversos vales, ribeirões e rios que compõem a paisagem da bacia hidrográfica do Itajaí. O desenvolvimento de núcleos coloniais como Blumenau, Indaial, e Apiúna avançou suas estradas e propriedades seguindo os cursos de água até chegar à Serra do Itajaí, onde encontram-se grande parte das nascentes que formam a hidrologia da bacia. Onde hoje é o município de Apiúna desenvolveram pequenas comunidades que estão localizadas dentro dos vales dos ribeirões do Neisse e Jundiá. Nesses vales, durante a segunda metade do século XIX e todo o século XX, com o desenvolvimento das comunidades de Gravatá, Ribeirão Jundiá e Ribeirão Neisse, houve entre humanos e a floresta um contato de uso, e de exploração, e da floresta com os humanos, um processo de adaptação, de modelagem/remodelagem de conhecimentos empíricos de outros ambientes socioculturalmente antropizados com a nova rede de interações, como as que ocorrem na Floresta Ombrófila Densa do Vale do Itajaí. Em 2004, abrangendo uma área de mais de 50 mil hectares, incluindo as comunidades estudadas, foi criado o Parque Nacional da Serra do Itajaí (PNSI), passando a conservar trechos de floresta existentes na serra e a biodiversidade do local. Antes da criação do PNSI, essas comunidades tiveram uma história na região de diversas interações com a floresta atlântica. Inicialmente, os novos habitantes da floresta usaram a natureza tendo uma concepção na qual a natureza era um inimigo a ser desbravado e dominado para o estabelecimento dos moldes civilizatórios, e a partir do assentamento, e do sucesso da colonização, a natureza passa a ser encarada como um recurso econômico a ser explorado.4 A partir do momento em que os grupos humanos se estabeleceram na região das comunidades de Gravatá, Neisse Central e Ribeirão Jundiá, a configuração e a organização sociocultural impuseram um ritmo de exploração da floresta não respeitando a velocidade biológica de regeneração, gerando desequilíbrio. De acordo com Bacca 5, a partir da ocupação europeia, a floresta atlântica e seus ecossistemas associados foram sendo irracionalmente destruídos na proporção em que a região foi sendo ocupada por moradias, culturas agrícolas e pasto para a pecuária. Conforme

4 MATTEDI, M. A. Notas sobre as visões de natureza em Blumenau: mais um capítulo da trágica história do sucesso humano. Revista de estudos ambientais, v. 3, n. 1, jan./abr, 2001. p. 29-39. 5 BACCA, L. E. Diagnóstico preliminar dos aspectos históricos do Parque Nacional Serra do Itajaí (PNSI). Disponível em: http://www.acaprena.org.br/planodemanejo/result_hist.asp. Acesso: jan. 2008. Zimmermann 6, a presença humana e seus hábitos socioculturais de sobrevivência e desenvolvimento na região do parque contribuíram para o estabelecimento de um ambiente que apresenta um quadro de variados estágios de sucessão ecológica, de capoeirinha a mata secundária com diversos índices de regeneração. Para compreender esse processo de interações entre humanos e floresta ou sociedade e natureza, o artigo apresenta os resultados coletados durante pesquisa realizada em 2009 pelo Grupo de Pesquisas de História Ambiental do Vale do Itajaí, da Universidade Regional de Blumenau (SC), que teve como objetivo investigar a história ambiental das comunidades de Gravatá, Ribeirão Jundiá e Ribeirão Neisse, município de Apiúna (SC), entorno do PNSI. Como metas ou objetivos específicos para responder ao objetivo geral, foram descritas as características naturais (abióticas e bióticas) do território das comunidades; historiado o processo de ocupação, colonização e desenvolvimento das comunidades; foram identificadas as influências antrópicas sobre os elementos extraídos da biodiversidade, determinando as suas formas de utilização, propiciando argumentos que trouxeram à tona as consequências da exploração da floresta, e o que esta causou às comunidades. O recorte temporal que será analisado correspondente ao período de início da formação das comunidades até o momento de criação do Parque Nacional Serra do Itajaí (PNSI). O método da pesquisa consistiu em levantamento de fontes primárias, como observação, registros fotográficos, entrevistas e, secundárias, como artigos científicos, trabalhos acadêmicos e bibliografias, analisando-as qualitativamente. Primeiramente foi realizado um reconhecimento das regiões das comunidades no local, registrando com fotografias as influências antrópicas presentes na paisagem, identificando as formas de subsistência dos grupos humanos e as formas de trabalho, assim como foi previamente traçada a rede de entrevistas, realizando conversas com moradores da comunidade. Foram realizadas cinco entrevistas nas comunidades, com os moradores da região. As entrevistas seguiram o método indireto, que consiste em conversas sem um questionário aberto, seguindo a lógica dos objetivos específicos da investigação. Posteriormente, foram levantadas e estudadas fontes documentais sobre a região, documentos bibliográficos, trabalhos científicos e técnicos sobre a região. As informações das entrevistas e documentais foram confrontadas e organizadas de forma linear e temporal.

6 ZIMMERMANN, C. E. Proposta: Plano de Manejo do Parque Natural Municipal Nascentes do Garcia. Blumenau: FURB, 2003 (mimeo).

Compreender como as comunidades de Gravatá, Neisse Central e Ribeirão Jundiá surgiram, como se instalaram na região, como agem em relação à floresta atlântica e a sua biodiversidade, e o que essa relação modificou na sociedade e na natureza local, tornam-se fundamentais para empreender estudos voltados para a história ambiental, promovendo acúmulo de conhecimento, desenvolvimento de novas metodologias de análise historiográfica, e promoção do conhecimento histórico da região. Com isso, o papel da pesquisa e da história ambiental a seguir é aproximar à realidade dos atores sociais os usos da biodiversidade e, dessa forma, imprimir um conhecimento social, ambiental, econômico, cultural e espacial. Gerando conhecimentos sobre os modos de vida humana e as suas catastróficas experiências que prejudicaram o desenvolvimento sustentável das regiões.

CARACTERIZAÇÃO DO TERRITÓRIO DAS COMUNIDADES

O município de Apiúna localiza-se na mesorregião geográfica do Vale do Itajaí, microrregião geográfica de Blumenau. Possui uma área de 489 km 2, e está a 87 metros do nível do mar 7. Após a criação do PNSI em 2004, algumas regiões do território do município passaram a estar nas proximidades ou no interior do parque, como é o caso das comunidades analisadas na pesquisa, Gravatá, Neisse Central e Ribeirão Jundiá, que estão inseridas na área da zona de amortecimento do parque. As comunidades estão localizadas na microbacia Jundiá, e as moradias e benfeitorias dos colonos foram configuradas acompanhando o curso dos ribeirões Neisse e Jundiá, onde se constituíram como tifas ou comunidades rurais 8.

A história natural do território do parque foi configurada atrelada aos processos geológicos e climáticos de milhares de anos que formaram a Serra do Itajaí, e recentemente, com a influência antrópica à natureza. Conforme dados do Plano de Manejo 9 do PNSI, o relevo da região apresenta altitudes que variam de 100 a 600 metros, com aclives agudos que resultam em vales profundos configurando a microbacia hidrográfica do Jundiá, que tem como principais cursos o ribeirão Café no entorno da zona de amortecimento, e o ribeirão Jundiá e o ribeirão Neisse dentro da

7 As informações sobre as características físicas do município de Apiúna foram retiradas da página eletrônica do governo municipal: http://www.apiuna.sc.gov.br, Acesso: set. 2009. 8 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente; INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE. Plano de manejo Parque Nacional da Serra do Itajaí . Brasília, D.F: MMA, 2009. 9 ______. zona de amortecimento do PNSI. O solo do PNSI possui diversas variações sendo o litossolo o mais característico. O solo apresenta atualmente baixo percentual de potássio, o que mostra que a área sofreu desgaste pelo desmatamento em outras épocas. A região possui um clima Subtropical Mesotérmico Úmido com verão quente. Na comunidade de Gravatá, a média anual da temperatura é de 19º C e, em Neisse Central e Ribeirão Jundiá, de 17ºC. A variação maior ocorre devido à antropização próxima à região de Gravatá, que é o perímetro urbano de Apiúna. E as menores temperaturas ocorrem no perímetro rural, em maiores altitudes, abrangendo as regiões de Neisse Central e Ribeirão Jundiá. A precipitação pluviométrica da região das comunidades possui uma correlação com as temperaturas, relevo, e cobertura vegetal, sendo a média anual de 1.500 mm 10 . A região do PNSI é coberta pela Floresta Ombrófila Densa, característica do bioma Mata Atlântica, com alto grau de diversidade de flora, que é o resultado da interação dos fatores geológicos, geomorfológicos, pedológicos, climáticos e hidrográficos11 . De acordo com o IBGE 12 , a Floresta Ombrófila Densa é uma floresta perenifólia composta por árvores emergentes de até 40-50m, densa vegetação arbustiva, samambaias, arborescentes, bromélias, orquídeas, trepadeiras, cactos e palmeiras. Nas áreas mais úmidas e encharcadas, como grotas e fendas no relevo, ocorrem em grande número figueiras, jerivás e . A Floresta Ombrófila Densa apresenta três zonas distintas: os fundos dos vales e início das encontas (submontana), meio encostas (montana) e altoencostas (altomontana) com e diversidades de espécies diferentes 13 . As regiões que fazem parte das comunidades compreendem a Floresta Ombrófila Densa dos tipos submontana e montana. A altitude tem grande influência na configuração da floresta, deixando-a em constantes alterações em condicionante às modificações ambientais: temperatura, precipitação pluviométrica. Dessa forma, as espécies se distribuem de modo diferenciado, sendo que podem dominar em uma região e estar em diminuta quantidade em outra. As principais espécies que configuram essas formações florestais são: baguaçu, canjerana, tanheiro, maria-mole, aperta-a-goela,

10 ______. 11 ______. 12 IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Manual técnico da vegetação brasileira. Series manuais técnicos em geociências, n.1. Rio de Janeiro: IBGE. 1992. 13 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente; INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE. Plano de manejo Parque Nacional da Serra do Itajaí . Brasília, D.F : MMA, 2009. caxeta amarela, viride, bicuíba, licurana, canela-preta, cedros, sassafrás, tamanqueira, leitero, peroba, laranjeira do mato, guamirim-de-folha-miúda, baga-de-pombo, palmito, , pimenteira, grandiúva, almecega vermelha, falsa-pimenteira, junco-de-cobra, entre outros.14 Conforme dados do Plano de Manejo 15 , são encontrados no parque e entorno 310 espécies de aves, 45 espécies de anfíbios anuros, 15 de répteis, 19 espécies de pequenos mamíferos terrestres, 21 espécies de morcegos, 28 espécies de mamíferos de médio e grande porte. Na região de estudo, nas comunidades de Gravatá, Neisse Central e Ribeirão Jundiá, a incidência de mamíferos e algumas aves é menor do que nas áreas centrais do PNSI devido à história de antropização da região causada pelo desmatamento e pela caça. Apesar de a região apresentar relevo íngreme acentuado com picos e vales característicos da região do Vale do Itajaí, a partir do final do século XIX, grupos humanos europeus passam a impor um ritmo de exploração e de ocupação do solo que prejudicou e transformou a floresta nas localidades estudadas. Esse processo de antropização que ocorreu na região resultou, hoje, em uma paisagem que possui mosaicos de vegetação nativa em estágio médio e inicial de regeneração, cultivo de pínus e eucaliptos, pastos e plantações de milho, aipim e fumo. Nas comunidades, observou-se que a floresta apresenta fortes sinais da exploração humana, sendo difícil visualizar xaxins ou palmitos, assim como canelas e perobas, espécies que produzem muita baga e sementes que servem de alimento à fauna. A floresta natural da região ainda disputa com espécies exóticas, como os pínus e eucaliptos. A mata ciliar foi quase que totalmente substituída e, nas áreas planas de várzea, ocorrem diversos sistemas de produção e exploração do solo, com plantios de espécies exóticas de subsistência e pastagens.

HISTÓRIA DAS COMUNIDADES E AS INFLUÊNCIAS ANTRÓPICAS

Logo após a independência do Brasil, iniciou-se um programa para colonizar enormes áreas do interior do País que estavam desabitadas. Nesse sentido, inicia-se,

14 ______. 15 ______. durante o século XIX, a colonização de agentes europeus no interior da floresta atlântica de , assim como no Vale do Itajaí. A exemplo de outros processos imigratórios de colonização do território, como os que ocorreram nos Estados Unidos e no Brasil, a maior parte dos imigrantes era de alemães e italianos. Na Europa, ocorriam enormes mudanças sociais e econômicas derivadas da Revolução Industrial, e grande parte dos imigrantes havia, em suas cidades natais, perdido os seus meios de produção e ansiava por oportunidades de crescer em nova terra.16 A colonização do Vale do Itajaí, assim como da região do parque, seguiu o processo imposto durante o fim do Império no Brasil, por meio da política de ocupação de áreas sem presença europeia e de embranquecimento da população, seguindo a lógica do Darwinismo Social.17 O território que hoje pertence a Apiúna, no Vale do Itajaí, já pertenceu à Colônia Blumenau e ao município de Indaial e, somente em 4 de janeiro de 1988, o distrito de Apiúna foi elevado a município.18 A configuração do município e das comunidades estudadas é consequência do processo de ocupação e colonização impulsionada por Dr. Blumenau. Na região da Serra do Itajaí, onde hoje está o PNSI, ocorreram duas principais frentes colonizadoras. Uma que partiu da Colônia Blumenau, ocupando a região da Bacia do Itajaí, e outra a partir de Brusque, ocupando a região da bacia do Itajaí Mirim:

A Colônia Blumenau passados os primeiros anos de grandes dificuldades, inclusive enchentes, logo prosperou, expandindo-se mais para oeste e norte de sua sede do que para o sul. Para oeste os lotes foram sendo demarcados ao longo de ambas as margens do rio Itajaí Açu. Para o norte [...] afastando-se do atual PNSI. No atual município de Indaial, a ocupação do Vale do Encano, e a região da foz do rio Benedito, deu-se no ano de 1864. Já no vale do Warnow, alguns quilômetros acima da atual sede da cidade, a ocupação já ocorria por volta de 1869, seguida do pequeno vale do ribeirão Ilse, e outros [...].19

16 Os dados foram obtidos na leitura de: SANTOS, Silvio Coelho dos. Nova história de Santa Catarina . Florianópolis. Ed. do Autor, 1977; e de VIDOR, Vilmar. Indústria e urbanização no nordeste de Santa Catarina. Blumenau. Ed. da Furb, 1995. 17 Para ver mais sobre a colonização alemã, a ocupação dos espaços vazios do Sul do Brasil e sobre o embranquecimento da população enquanto política imigratória, ver: SEYFERTH, G. Etnicidade, Política e Ascensão Social: um exemplo teuto-brasileiro. Mana Estudos de Antropologia Social , Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, 1999; e MACHADO, Ricardo. Entre o público e o privado: gestão do espaço e dos indivíduos em Blumenau (1850-1920). Blumenau. Ed. da Furb, 2008. 18 Ver Prefeitura Municipal de Apiúna em: http://www.apiuna.sc.gov.br. 19 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente; INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE. Plano de manejo Parque Nacional da Serra do Itajaí . Brasília, D.F: MMA, 2009. Segundo Fonseca 20 , em 1875, teve início a colonização de terras por italianos no Vale do Itajaí, chegando 1.129 italianos vindos do Tirol e, em 1876, chegaram a , Rio do Cedro e Ascurra, que passaram a receber também 1.078 imigrantes da alta Itália. Conforme o autor, foi durante a chegada dos italianos que as regiões de Ascurra e Apiúna foram demarcadas e ocupadas:

Na escolha de suas terras, os novos colonos, orientados pelos práticos canoeiros e sob a orientação do Eng. Emílio Odebrecht, singravam as águas dos ribeirões Guaricanas, Cabra e Bode, e rio Neisse, nome dado pelo Dr. Blumenau em homenagem ao rio de mesmo nome existente na Alemanha [...].

Em 1878, um grupo de famílias sobe o rio Itajaí e penetra na floresta nas localidades de Subida a , fundando o núcleo de Neisse. Devido à grande presença de índios na região, a colonização foi muito conturbada. Além da presença indígena, outros obstáculos dificultavam a vida e o desenvolvimento dos colonos, como a aclividade, montanhas rochosas e vales profundos, fortes geadas, chuvas constantes, enchentes, enchurradas, desconhecimento da floresta e dos animais:

O progresso foi moroso: mata cerrada e animais ferozes tais como: onça veadeira, onça pintada, jaguatirica, leão americano, tigre pintado, tigre preto, gatos do mato e uma quantidade grande de cobras venenosas: jararaca, jararacuçu, coral, encontradas mata acima [...] na fauna encontravam-se: tartarugas, sapo boi, este extremamente venenoso, portador de belo par de chifres, tatus, ratazanas, camundongos, jacaré pequeno, lagartos, lagartixas, veados, capivaras, pacas, cotias, quatis, lontras, tamanduás, esquilos, ouriços, gambás, zorrilho, etc [...]. Numerosos eram os pássaros: rapina, gavião grande, corujas, papagaios, maitacas, tirivas, periquitos, tucanos, o de papo amarelo e o de papo vermelho, pombos, saracuras do mato e de água, marrecos d’água, sabiás, pica-paus, arapongas, cegonhas, maçaricos, curiós, sanhaço, azulão, saíra, canários, beija-flor, andorinhas, tangarás, bem te vi, tico-tico [...]. Muitas variedades de abelhas foram encontradas em seu estado nativo [...]. Peixes enriqueciam os rios: traíra, cará, cascudo, tajabicu, saguaru, jundiá, robalo [...]. Verdadeiros arco-íris eram as borboletas que enfeitavam a mata, dando um toque de poesia na vida árdua do colono cansado.21

O núcleo de Aquidabán foi organizado na foz do Neisse. Na margem direita estabeleceram-se os alemães e, na esquerda, os italianos. Depois vieram os poloneses e, anos depois, a população foi acrescida pelos portugueses oriundos das ilhas dos Açores e Madeira. Antes da criação do município, Apiúna teve diversas denominações. Primeiramente, devido à presença de índios botocudos, a região era conhecida como

20 FONSECA, Edltraud Zimmermann. Indaial, cidade das plantas e das flores: (sua história, sua gente, seus costumes). Blumenau : Fundação Casa Dr. Blumenau, 1992. 21 ______. Ribeirão do Bugre (Bugherbach). Depois, passou a se chamar Ribeirão Neisse, em homenagem a um rio que separa a Alemanha da Polônia. E, no dia 29 de setembro de 1878, com a chegada de 150 imigrantes, foi fundado o povoado de Aquidabã, hoje Apiúna.22 Segundo Schacht & Dallacorte 23 em 1878, famílias chegadas da Alemanha, da Itália e da Polônia receberam lotes na região, sendo estas as principais etnias das comunidades estudadas. Segundo Fonseca 24 , os primeiros colonos trabalharam arduamente em suas terras, enfrentando diversas dificuldades de adaptação à floresta. Aos poucos, os problemas e as dificuldades foram sendo superados e ricas plantações de fumo, arroz, batata, araruta e cana-de-açúcar iam surgindo, ocupando a mata ciliar e encostas dos vales dos ribeirões Neisse e Jundiá. Os relatos coletados nas entrevistas 25 condizem com os dados sobre a chegada dos primeiros colonos e a forma como se desenvolveram na região, citados por Fonseca, Schacht & Dallacorte, Silva e Prefeitura de Apiúna. Segundo os relatos de Schmidt 26 , Vareski 27 e Fronza 28 , a região das comunidades Gravatá, Neisse Central e Ribeirão Jundiá começou a ser colonizada logo no início da colonização de Apiúna. Paulo Schmidt (2009) nos relata: “meu pai veio morar quando era tudo mato [...] se arrebentou de tanto trabalhar. Derrubava, fazer uma coivara como chamava [...] ele trabalhava por aqui nos matos com um madeireiro. Então ele já conhecia isso aqui tudo”. Conforme seus relatos, seu pai foi um dos primeiros moradores da região onde se instalaram as comunidades, sendo, além dos Schmidt, outras famílias pioneiras na região os Cerutti, Posch, Quarentani, Fideli 29 , o que possibilita confirmar a origem das imigrações à região, prevalecendo a alemã e a italiana: “Aqui do lado de cima, acho que foi o primeiro a morar aqui depois do meu pai, era Cerutti, era de origem italiana, Luis

22 A história do nome do município de Apiúna pode ser consultada em: SILVA, José Ferreira, História de Blumenau . Florianópolis: Edeme, 1988; e em: FONSECA, Edltraud Zimmermann. Indaial, cidade das plantas e das flores... 23 SCHACHT, K. & DALLACORTE. F. As comunidades e o Parque Nacional Serra da Serra do Itajaí. Blumenau: Acaprena, 2007. 24 FONSECA, Edltraud Zimmermann. Indaial, cidade das plantas e das flores: (sua história, sua gente, seus costumes). Blumenau: Fundação Casa Dr. Blumenau, 1992. 25 Foram realizadas cinco entrevistas, seguindo a metodologia da história oral, resgatando a memória pessoal vivida pelo entrevistado, e a memória do que os antigos falavam. São moradores da e das proximidades das comunidades, com média etária de 65 anos, atuam como colonos/dona de casa, em suas propriedades rurais. 26 Entrevista concedida pelo Sr Paulo Schmidt ao Gphavi, Apiúna, 2009. 27 Entrevista concedida pelo Sr Inácio Vareski ao Gphavi, Apiúna, 2009. 28 Entrevista concedida pelo Sr. Genésio Fronza ao Gphavi, Apiúna, 2009. 29 Encontramos esses sobrenomes assim como os dos entrevistados entre os túmulos mais antigos dos cemitérios das comunidades. Cerutti. Depois aqui em baixo veio, o Arnesto Posch, Afonso Quarentani, Francisco Fideli [...]”. Os passos iniciais dos primeiros moradores da região foram a derrubada de árvores para abertura de clareiras a fim de instalar a moradia e a área a ser cultivada. Conforme narra o Sr. Schmitd,

Um pouco era com agricultura, a maior safra naquele tempo pra fazer um dinheirinho era a mandioca, então plantava mandioca. Aqui na vargem grande, tinha uma fecularia, como eles chamavam, sovava mandioca. E trabalhava no mato, com madeira.

Conforme o coletado nas entrevistas, a primeira madeira retirada foi utilizada para a construção das vivendas e benfeitorias. À medida que os colonos foram se instalando, foram construindo atafonas e serrarias como indústrias para a manufatura dos elementos extraídos da natureza. Foram melhoradas as picadas beira ribeirão Jundiá e Neisse Central, tornando-as carroçáveis e preparadas para o fluxo do comércio até o centro do distrito de Apiúna. Dessa forma instalou-se nas comunidades a indústria da madeira e da monocultura do aipim, milho e cana. Conforme o morador Genésio Fronza, nas regiões das comunidades: “tinha engenho de açúcar, engenho de fazer farinha de mandioca, e alambique de cachaça, e serraria”. Conforme relatos de Inácio Vareski, uma importante produção na região era a do aipim, que durou até os anos de 1980, quando passou a predominar a do fumo. Devido à grande produção de aipim, diversas fecularias foram abertas na região, a fim de processar a produção do pequeno agricultor:

É, agricultura. Naquele tempo, eles trabalhavam muito com mandioca, né? Hoje em dia é pouco. [...] naquele tempo, tinha três, quatro fecularias aqui no nosso lugar. Tinha duas na vargem grande, uma na subida, duas de um dono só, e uma de . Mas fechou tudo, não trabalha mais nenhum. Naquele tempo, a maior força era o aipim. Depois que foi fechado o aipim, aí vieram plantar tudo o fumo, né? [...] Ah, faz muitos anos já que parou, faz mais de 15, 20 anos que parou a mandioca.30

De acordo com os depoimentos de Schmidt, Vareski e Fronza, no início do processo de ocupação, os colonos plantavam cultivares para sua subsistência, caçavam para se alimentar de carne e criavam alguns animais, como vaca leiteira, porco, do qual aproveitavam a carne e a banha, galinhas, aproveitando principalmente os ovos e abelhas africanas e, posteriormente, europeia. Esses recursos eram usados para o

30 Depoimento de Inácio Vareski. consumo e para o comércio no núcleo de Apiúna, Indaial e Blumenau. Basicamente esses recursos eram trocados ou vendidos para ter na colônia sal, café, farinha de trigo, sementes, roupas, remédios, munição e armamento para a caça. A caça foi uma importante fonte de alimentação para os moradores das comunidades, assim como alimentos feitos de milho e aipim, uma vez que, paralelamente à indústria de extração de madeira, nas grandes áreas próximas dos cursos de água, instalaram-se grandes plantações de milho e aipim, e da horta de subsistência obtinham para alimentação batatas, tomates, taiás, arroz, entre outros cultivares. Segundo a moradora Isabela Formaggi:31

Olha eu nem fiz nenhuma hora de aula e nunca tive estudo. Meu pai criou- nos no mato que nem índio, livre, comendo carne de bicho do mato, mono, macaco, macuco, jacutinga, porco do mato, tigre, onça, nós comia isso, nós vivíamos da carne. Naquele tempo a comida nossa, que o pai criou nos aqui no mato, era a carne mesmo.32

Também, conforme relatos de Schmidt, Vareski e Fronza, a caça ocorria nas comunidades, em maior ou menor intensidade, estando relacionada à disponibilidade de caça, fiscalização e leis de proibição. Os animais mais caçados na região inicialmente foram os animais de pelo: anta, veado, porco-do-mato, gato-do-mato, macacos, pacas, cotias e, depois, com a escassez destes e a mudança de hábitos relacionada às leis de proteção, as aves foram muito procuradas, sendo caçadas principalmente jacutingas, macucos, jacus, jacupemas, tucanos, entre outras. Logo no início da colônia nas comunidades até a época de criação do parque, principalmente a partir da década de 1990, perdurou na região a indústria da extração da madeira, sendo ela a principal atividade comercial da região desde os primeiros tempos. As espécies mais procuradas foram as canelas, em especial a sassafrás, perobas e demais árvores de valor comercial. Segundo relatos de Fronza, inicialmente, a exploração madeireira foi uma das atividades econômicas mais importantes da região, mas ainda de forma rudimentar com uso de animais e carroças específicas para “puxar toras” , “[...] tinha aqueles cavalos pra puxar as madeiras, as toras, no carretão, um tipo de carroça que só serve para puxar toras [...]”. Fronza relata que as primeiras serrarias foram a do tipo “pica-pau”, movidas a água, em que muitas vezes os mesmos cursos de água eram utilizados como fonte para geração de energia conjuntamente para fecularias,

31 Moradora entrevistada. Ela chegou à região no período da exploração madeireira (início do século XX). 32 Entrevista concedida pela Sr. Isabela Formaggi ao Gphavi, Apúna, 2009. alambiques e engenhos. Era desviado um curso de água com terminações para os diversos usos, “[...] quando a serraria estava funcionando não dava para usar o engenho e a fecularia porque era a mesma água [...]” . De acordo com Vareski, a atividade madeireira cresceu, modernizou-se e expandiu-se por toda a região, além dos limites do município de Apiúna. Ele cita estradas que ligavam os municípios de Blumenau, Indaial, a Apiúna. Estradas abertas principalmente com o objetivo da exploração madeireira. De acordo com Garrote et al 33 , a região do parque foi alvo de intensa exploração madeireira nos anos de 1980, onde foram abertos mais de 300 quilômetros de estradas para este fim. De acordo com Vareski, a exploração de madeira da canela sassafrás 34 para retirada do óleo de sassafrás durante um período foi a principal atividade econômica da região. “[...] aqui tinha duas fábricas, faziam óleo aqui, tudo era vendido para a exportação. Naquela época, o que mais deu dinheiro aqui foi o sassafrás” . Schmidt, também cita a importância da exploração da canela-sassafrás, nos conta que existia, na região do Jundiá, quem retirava o óleo da madeira ainda de forma rudimentar. Segundo ele, era frequente o despejo de resíduos não aproveitados do óleo no rio, o que causava grande mortandade de peixes observada por ele. A exploração de madeira nativa e de sassafrás, apesar de ter sido a atividade mais lucrativa, teve menor interferência econômica que o aipim e o fumo nas comunidades. Essa exploração foi principalmente financiada por empresas e pessoas externas à comunidade e até à região, alguns moradores chegaram a trabalhar como empregados, como é o caso do Sr. Vareskim ou a vender madeira de suas propriedades, obtendo menor lucro que os atravessadores. Após os períodos de exploração mais intensa de madeira e sassafrás, segundo Schmidt, Vareski, e Fronza, a atividade com fins econômicos que passou a ser dominante na região foi o cultivo de fumo. Fronza cita “[...] plantávamos para vender só o fumo e o resto era para comer como plantado hoje ainda, milho, batata, aipim, verdura e outras coisas”. Os entrevistados Schmidt, Vareski e Fronza falam que o cultivo do fumo, quando teve início na região, era incentivado e orientado pela empresa produtora que

33 GARROTE, Martin Stabel; DAMBROWSKI, Vanessa; SANTOS, Gilberto Friedenreich. Colonização, desenvolvimento e ações antrópicas na Floresta Atlântica do Parque das Nascentes em Blumenau. Blumenau em Cadernos , v. 49, p. 61-84, 2008. 34 Com pedaços da canela-sassafrás produzia-se um óleo usado, principalmente, para lubrificar as máquinas das indústrias do início do século XX. comprava o produto, para a região se locomoviam funcionários que ensinavam técnicas de plantio e usos de adubos e venenos.

[...] cada lugar tinha um instrutor, em todos que plantavam fumo, o instrutor passava uma vez por semana e dava as instruções. Como semear, fazer o canteiro, tudo. O fumo não precisa tanto de terra boa, ele precisa de adubação. Tem que usar aqueles adubos que eles mandam botar pra depois botar aqueles venenos que é próprio pra fumo, para depois então quando vender o fumo pra eles, paga a conta com o próprio fumo. No ano que eu plantei, também era assim. Nós pegava tudo deles, depois quando vendia o fumo, primeiro a conta, porque devia, depois eles pagavam o resto. Mas se não botar nada não vem também. Tem que ter a terra preparada como eles ensinam.35

Ao mesmo tempo em que se iniciava o plantio de fumo na região, também foram citados pelos entrevistados o plantio e a exploração de pínus e eucalipto. Como a exploração madeireira foi uma das atividades mais importantes da região, com as leis de proteção de florestas, já se iniciava o plantio de espécies exóticas para suprir a demanda de madeira.

CONSEQUÊNCIAS DOS USOS DA NATUREZA

Este estudo mostrou que o modelo de ocupação e exploração pelas comunidades humanas na região estudada trouxe consequências para as populações humanas, para a fauna e a flora e a elementos abióticos presentes na região. De acordo com relatos nas entrevistas, a primeira alteração do ambiente das comunidades foi o desflorestamento para a ocupação, construção das casas e benfeitorias, construídas com árvores nativas. Com os imigrantes, chegaram também os animais de criação. Para a subsistência das famílias e seus animais, iniciou-se o cultivo de espécies alimentícias, principalmente exóticas, ampliando as áreas desflorestadas. O desflorestamento continuou após a ampliação das áreas de cultivo para produção, visando ao comércio e à exploração de madeiras nativas para corte industrial e óleo de sassafrás. De acordo com Garrote et al 36 em estudo de outra comunidade do entorno do PNSI, a derrubada da mata para exploração madeireira foi a mais grave das alterações causadas pela atividade humana. Segundo Primack & Rodrigues 37 , entre as seis maiores

35 Depoimento do Sr. Genésio Fronza. 36 Neste caso estudei a comunidade da Nova Rússia e foi publicado em periódico que pode ser consultado em: GARROTE, Martin Stabel; SANTOS, Gilberto Friedenreich; DAMBROWSKI, Vanessa. A Relação entre a comunidade da Nova Rússia e a Floresta Atlântica durante o século XX em Blumenau-sc. Revista de estudos ambientais , v. 9, n. 2, p. 39-50, jul./dez. 2007. 37 PRIMACK, Richard B. & RODRIGUES, Efraim. Biologia da Conservação . Londrina: Planta, 2001. ameaças à diversidade biológica, estão a destruição e a fragmentação do habitat, a superexploração das espécies e a introdução de espécies exóticas. A destruição da floresta, ou seja, do habitat, considerando Primack e Rodrigues, também causa a extinção das espécies animais. Schmidt nos conta que, após as leis de proibição do corte de madeira nativa, existe em alguns lugares regeneração:

Aqui na nossa comunidade, hoje tem mais mato que 40 ou 50 anos atrás. Onde nós plantava, meu pai plantava, eu ajudei a plantar também, hoje tem um capoeirão, tem pau que dá tora, dá pra tirar pra criar tábua [...] dentro dessa grota aqui, que vem pro lado de lá, nunca mais foi mexido. Aí, nós plantava mandioca, nesses morros aí tudo.38

Aumond et al 39 colocam que florestas submetidas à exploração seletiva de madeira têm a sua estrutura alterada, inclusive do seu conjunto de raízes. Com o corte do tronco, a árvore, em geral, morre e sua raízes extensas, profundas e de grande diâmetro, lentamente começam a apodrecer e, em seu lugar, ficam espaços abertos onde a água se infiltra, diminuindo a resistência do solo das encostas. Conforme o autor, em áreas que sofreram corte raso, as raízes são totalmente destruídas, o solo é compactado, a água escoa superficialmente, as nascentes secam, ocorre o processo erosivo, escorregamento de encostas e deposição de sedimentos em planícies e cursos d’água. O que leva também o assoreamento dos cursos d’água. Em áreas com cultivos de pínus e eucaliptos, comuns na região de estudo, ocorre uma dinâmica diferenciada de uma floresta nativa, ocorre a diminuição do impacto nas copas das árvores, mas as florestas plantadas não apresentam sub-bosque, e o processo erosivo, de compactação, ocorre no interior dos cultivos. Conforme o autor, a exploração da floresta altera, além da dinâmica ecológica, os fatores abióticos, como a estrutura do solo e a dinâmica dos ciclos e dos cursos d’água. Estudando os relatos de Schmidt e Formaggi, encontrou-se referência à introdução de espécies exóticas como gado, galinhas, gansos, abelhas, porcos, entre outros. Para Primack & Rodrigues 40 , os animais exóticos, além de ocupar o nicho, ou

38 Depoimento de Sr. Paulo Schmidt. 39 AUMOND, Juarês José; SEVEGNANI, Lúcia; TACHINI, Mario; BACCA, Lauro Eduardo. Condições naturais que tornam o Vale do Itajaí sujeito a desatres. In: FRANK, Beate; SEVEGNANI, Lúcia (org). Desastre de 2008 no Vale do Itajaí. Água, gente e política. Blumenau: Agência de Água do Vale do Itajaí, 2009. 40 PRIMACK, Richard B. & RODRIGUES, Efraim. Biologia da Conservação . Londrina: Planta, 2001.

seja, substituir espécies nativas, podem trazer doenças desconhecidas as nativas, o que se constitui como uma grande ameaça à biodiversidade. Inclusive o entrevistado Schmidt nos relata comuns ataques de abelhas africanas selvagens que se ambientalizaram e resistiram um tempo no ambiente natural mesmo depois que não eram mais cultivadas. A superexploração de espécies pela caça era um hábito comum conforme os entrevistados, e ainda hoje permanece em algumas famílias, o que causou e causa uma enorme pressão sob a fauna local. O Sr. Schmidt nos relata:

A última vez que eu vi uma anta eu tinha uns 15 ou 16 anos [...] mataram tudo [...] porque o cachorro bate, a defesa dela é a água, né. E se o cachorro é bom, apurador, ela chega na água, ela vai ter que parar pra enfrentar o cachorro, aí o caçador chega.

Ainda segundo Schmidt, era costume a alimentação à base de caça e principalmente de aves, nos relata: “No mato o que não existe mais é a jacutinga, né. [...] tucano, aracuã, jacupemba, jacu, macuco, isso tudo tem. [...] a jacutinga não tem mais porque era um passarinho muito bobo, mataram tudo”. Espécies como a anta e a jacutinga já estão sabidamente extintas na região há muitos anos. E outras espécies, conforme observado por moradores, estão em números reduzidos. Hoje encontramos nas comunidades um mosaico de paisagens nativas e rurais, sendo as nativas de capoeirinha, capoeira, capoeirão e, nas paisagens rurais, plantios de fumo, pínus, eucalipto, milho, aipim, cana-de-açúcar, hortas mistas de subsistência, pomares, criação de animais para subsistência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A região das comunidades está localizada no bioma mata atlântica, especificamente na Floresta Ombrófila Densa, rica em fauna e flora, em um relevo acentuado e de solo com estrutura predominantemente frágil, regada por inúmeros ribeirões, como ocorre na maior parte da região do entorno do PNSI e no médio Vale do Itajaí. Essas características ao mesmo tempo que forneceram inúmeros recursos para as populações, em um ritmo de exploração intensa, se tornaram frágeis para as comunidades ecológicas e para o uso dos recursos pelas populações humanas. Nas fontes estudadas, sempre esteve presente na história, ocupação e desenvolvimento das comunidades uma estreita relação entre atividades econômicas e recursos extraídos da natureza. A região foi sendo ocupada e explorada em sincronia com os ciclos econômicos regionais como o da madeira e do óleo de sassafrás, do aipim, milho e fumo. A exploração dos recursos ocorreu de forma desordenada, provocando a escassez dos recursos às comunidades e desequilíbrio no ambiente natural. Os ciclos econômicos da madeira e do sassafrás tiveram um alto custo para o equilíbrio ecológico das regiões das comunidades, levaram a escassez de recursos importantes para os moradores e trouxeram benefícios reduzidos em relação ao nível de exploração ocorrido. As comunidades pouco se desenvolveram, e os recursos gerados com estes ciclos não ficaram nas comunidades. Hoje o território das comunidades encontra-se degradado, com cursos d’água alterados e poluídos, solo desgastado, tornando os modos de vida das populações mais custosos e difíceis.

REFERÊNCIAS

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