FACULDADE CÁSPER LÍBERO Mestrado em Comunicação

A Lava Jato na imprensa francesa:

Processos midiáticos e enquadramentos de um escândalo político

Anita Gonçalves Hoffmann

São Paulo 2018

ANITA GONÇALVES HOFFMANN

A Lava Jato na imprensa francesa:

Processos midiáticos e enquadramentos de um escândalo político

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero, na linha de pesquisa “Processos Midiáticos: Tecnologia, Cidadania e Mercado”, como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Comunicação.

Orientador: Prof. Dr. Luís Mauro Sá Martino

São Paulo 2018

1.1.1.1.1 HOFFMANN, Anita Gonçalves. A Lava Jato na imprensa francesa: processos midiáticos e enquadramentos de um escândalo político / Anita Gonçalves Hoffmann. -- São Paulo, 2018.

140 f.- 30 cm.

Orientador: Prof. Dr. Luís Mauro Sá Martino Dissertação (mestrado)- Faculdade Cásper Líbero, Programa de Mestrado em Comunicação

1.Comunicação. 2. Jornalismo. 3. Operação Lava Jato. 4. Mídia Francesa. 5. Enquadramentos Midiáticos. 6. Escândalo Político

Uma vez me disseram que a trajetória da pesquisa era solitária e eu achei que era exagero. Durante o mestrado, realmente foi inevitável me sentir sozinha em alguns momentos, insegura sobre o rumo a seguir, com medo de tudo dar errado, especialmente quando passei por um dos piores momentos da minha vida, a morte do meu pai. No entanto, mesmo nos dias mais difíceis, tive o apoio de ótimas pessoas, que me incentivaram a seguir em frente e a olhar o lado bom da vida. Sou grata por tudo e posso dizer que tentei viver o mestrado da melhor forma possível. Foi uma jornada enriquecedora e inesquecível!

Agradecimentos especiais:

A minha amada mãe Rosana, minha melhor amiga, meu maior exemplo na vida e a responsável pelo meu grande interesse em política. Só tenho a agradecer por todo o incentivo e amor que sempre dedicou a mim e também por ter tornado este mestrado possível. Se um dia eu for metade da professora que você é, sei que serei gigante! Você é meu orgulho! A minha querida avó Edinê, que sempre me apoiou, acreditou em meu potencial e comemorou comigo cada conquista da minha vida. Seu amor sempre foi essencial para mim! A meu marido João Vitor, companheiro amado, que esteve ao meu lado em todos os altos e baixos do mestrado. Agradeço por seu amor, companheirismo e compreensão. Obrigada também por, com seus conhecimentos em computação, me ajudar em diversas etapas da pesquisa! A minha tia Maria, tio Paulo, tia-avó Síria e primos Silvio Henrique e Paulo Henrique, por todo o carinho e amor que sempre dedicaram a mim. Ao professor Luís Mauro Sá Martino, quem tive a honra de ter como orientador. Obrigada por compartilhar seu conhecimento comigo, me inspirar e me apoiar em todos os momentos! Aos professores Ângela Marques e Claudio Coelho, que compuseram minha banca de qualificação e enriqueceram meu trabalho com suas contribuições. Aos professores do Programa de Mestrado em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero, especialmente José Eugênio Menezes, Marcelo Santos, Dimas Künsch e Roberto Chiachiri, por todos os ensinamentos. Aos meus colegas de mestrado que compartilharam esta jornada comigo e contribuíram para que ela fosse mais agradável. A Nincia Teixeira, minha orientadora de Iniciação Científica que me incentivou a ser uma pesquisadora. A minha amiga Aline Rodrigues, que me apoiou durante todo o percurso do mestrado. A meus filhos felinos Misty e Tom Sawyer, meus parceirinhos. Com seus “ronrons”, miaus e amor, senti-me incentivada a seguir em frente! As madrugadas de estudo foram bem mais legais com eles em meu colo.

When they turn the pages of history

When these days have passed long ago

Will they read of us with sadness

For the seeds that we let grow?

(Rush- A Farewell to Kings)

RESUMO

Este trabalho analisa a cobertura feita pelos jornais franceses Le Monde, Le Figaro e Libération sobre a Operação Lava Jato, escândalo político-midiático de enorme repercussão nacional e internacional. Foram levados em consideração elementos como os títulos e os textos produzidos, a escolha de fontes e o tratamento dado às principais personagens da operação. A metodologia utilizada consiste na coleta, seleção, classificação e análise das matérias referentes à Operação Lava Jato publicadas nos sites dos três jornais franceses entre março de 2014, quando a operação foi deflagrada, e julho de 2017, data da condenação em primeira instância do ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva. Foram analisadas 168 matérias, sendo 103 matérias do Le Monde, 35 matérias do Le Figaro e 30 matérias do Libération. Com base nas contribuições de Thompson (2002) sobre escândalo político e no conceito de enquadramento midiático, trabalhado por autores como Entman (1994), Porto (2004) e Tuchman (1978), discute-se como a Lava Jato tem sido enquadrada pela imprensa francesa ao longo do tempo de cobertura, identificando principais temas tratados e mudanças de abordagem. Além disso, analisa-se qualitativamente e quantitativamente os principais canais de informação, os tipos de fontes mais recorrentes e o lugar que ocupam no campo político. Por fim, identifica-se como os critérios de noticiabilidade de personalização e dramatização são utilizados na abordagem das duas personagens de maior destaque na Lava Jato, o ex-presidente Lula e o juiz Sergio Moro na perspectiva de uma mitologia política, com base nas contribuições de autores como Miguel (1998, 2000), Girardet (1989) e Bezerra e Lima (2002). A análise indica que o escândalo que as revelações da Lava Jato trouxeram à foi um dos temas mais abordados, assim como o envolvimento de Lula na operação. Identifica-se também que, na cobertura, há a predominância de enquadramentos que mostram tanto como responsável pela tentativa de obstrução da Lava Jato quanto como vítima das consequências que a investigação trouxe ao Brasil. Além disso, nota-se que não houve grandes distinções nos temas e nos enquadramentos construídos pelos três jornais e que eles acabaram, diversas vezes, pautando-se pela imprensa brasileira. Palavras-chave: Comunicação; Jornalismo; Operação Lava Jato; Mídia Francesa; Enquadramentos Midiáticos; Escândalo Político.

ABSTRACT

This dissertation analyzes the coverage of the French newspapers Le Monde, Le Figaro and Libération about the Lava Jato investigation, a media related political scandal of huge national and international repercussion. It was taken into consideration elements such as titles and texts, the choice of sources and the treatment given to the main characters of the operation. The methodology chosen in this dissertation consists in the collection, selection, classification and analysis of articles about Lava Jato published on the websites of the three French newspapers between March 2014, when the operation was started, and July 2017, when the former president Luiz Inacio Lula da Silva was sentenced to prision. A total of 168 articles were analyzed, including 103 articles published by Le Monde, 35 articles by Le Figaro and 30 articles by Libération. Based on Thompson's (2002) contributions on political scandal and on the concept of media frames, studied by authors such as Entman (1994), Porto (2004) and Tuchman (1978), it brings the discussion about how Lava Jato has been framed by the French media over time, identifying key issues and changes of approach. In addition, the main channels of information as well as the most recurring information sources and their places in the political field are analyzed in a qualitative and quantitative way. This dissertation also identifies how the personalization and dramatization newsworthiness are used in coverage of the two most important characters in Lava Jato operation, the former president Lula and the judge Sergio Moro, through the perspective of a political mythology, based on authors such as Miguel (1998, 2000), Girardet (1989) and Bezerra and Lima (2002). The analysis suggests that the scandal brought by Lava Jato to Petrobras was one of the most discussed topics, as well as Lula's involvement in the operation. It also shows that media frames in which Dilma Rousseff is treated both as responsible for the attempt to obstruct the Lava Jato investigation and as a victim of the Lava Jato’s consequences to prevail in the coverage. Besides that, it points that there weren’t major distinctions in the themes and media frames built by the three newspapers and that they had the Brazilian press as an information source several times. Keywords: Communication; Journalism; Lava Jato Operation; French media; Media Frames; Political Scandal.

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1- Matérias de agências internacionais ...... 62 Gráfico 2- Tipos de fontes ...... 70 Gráfico 3- Fontes oficiais ...... 74

LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Enquadramentos que mostram a grandeza e a importância da Petrobras e o escândalo no qual está envolvida ...... 32 Tabela 2- Enquadramentos que relacionam Dilma Rousseff a envolvidos na Operação Lava Jato e/ou resgatam o cargo que ocupou na Petrobras ...... 44 Tabela 3- Enquadramentos de Dilma Rousseff como cúmplice de Lula e/ou alguém disposta a obstruir a justiça ...... 48 Tabela 4- Enquadramentos de Dilma como vítima da Lava Jato ...... 53 Tabela 5- Canais de informação das matérias do site Le Monde ...... 68 Tabela 6- Canais de informação das matérias do site Le Figaro ...... 68 Tabela 7- Canais de informação das matérias do site Libération ...... 69 Tabela 8- Enquadramentos de Lula como “pai dos pobres” e “ídolo das classes populares” ...... 99 Tabela 9- Enquadramentos de Lula como líder carismático ...... 102 Tabela 10- Trechos que citam o local de origem de Sergio Moro ...... 105 Tabela 11- Enquadramentos de Moro como herói do Brasil ...... 108

LISTA DE SIGLAS

BRICS- Brasil, Rússia, Índia e China FGV- Fundação Getúlio Vargas MPF- Ministério Público Federal OEA - Organização dos Estados Americanos ONU- Organização das Nações Unidas PF- Polícia Federal PMDB- Partido do Movimento Democrático Brasileiro PP- Partido Progressista PSDB- Partido da Social Democracia Brasileira PSOL- Partido Socialismo e Liberdade PT- Partido dos Trabalhadores UERJ- Universidade do Estado do UFMG- Universidade Federal de Minas Gerais UFPR- Universidade Federal do Paraná UFRGS- Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRJ- Universidade Federal do Rio de Janeiro Unifesp- Universidade Federal de São Paulo USP- Universidade de São Paulo

SUMÁRIO

Introdução ...... 13 Capítulo 1- Enquadramentos da Lava Jato ...... 18 1.1 Operação Lava Jato e o escândalo político ...... 18 1.2 Perfis dos jornais franceses ...... 22 1.3 Enquadramento das matérias e dos títulos ...... 25 1.4 Enquadramentos da Petrobras ...... 31 1.5 Enquadramentos de Dilma Rousseff ...... 42

Capítulo 2- Fontes de informação na cobertura da Operação Lava Jato ...... 57 2.1 Jornalismo além de fronteiras ...... 57 2.2 O papel do correspondente internacional ...... 60 2.3 A importância das fontes de informação ...... 63 2.4 Canais de informação ...... 67 2.5 Tipos de fontes: primária e secundária ...... 69 2.6 Fontes oficiais: figuras de destaque ...... 70 2.7 A imprensa como fonte de informação ...... 79 2.8 Os especialistas do campo político ...... 82

Capítulo 3- Enquadramentos de Luiz Inácio Lula da Silva e Sergio Moro ...... 88 3.1 Espetáculo político midiático ...... 88 3.2 Mitologia política ...... 90 3.3 Análise das principais personagens da Lava Jato ...... 93

Considerações finais ...... 113 Referências ...... 117 Apêndices ...... 122

INTRODUÇÃO

Repleta de polêmicas, reviravoltas e contradições, a Operação Lava Jato tornou-se, desde seu início, em 2014, um dos assuntos de maior repercussão no cenário político brasileiro, ganhando destaque diário em noticiários nacionais e internacionais, tanto por seus objetivos quanto por sua condução. A ideia de desenvolver esta pesquisa surgiu de um desconforto em relação a alguns procedimentos da Lava Jato, que deixou de ser apenas uma operação judicial e se tornou um “espetáculo político midiático” (WEBER, 2000). A percepção de parcialidade da cobertura feita pela grande imprensa brasileira, definindo “heróis” e “vilões” e reduzindo a complexidade da Operação para o país, também gerou interesse em compreender a forma como esse escândalo midiático tem sido abordado na imprensa internacional, especificamente, na imprensa francesa, onde os veículos de comunicação costumam apresentar editorialmente a sua visão política. O objetivo principal deste trabalho é analisar a cobertura da Lava Jato publicada nos sites dos três jornais franceses Le Monde, Le Figaro e Libération desde a deflagração da operação até o mês de condenação em primeira instância do ex-presidente Lula. Para isso, serão levados em consideração elementos como os títulos e os textos produzidos, a escolha de fontes e o tratamento dado às principais personagens das matérias. Considera-se importante compreender a abordagem dada à política brasileira em jornais de grande relevância na França, especialmente quando está em jogo um escândalo envolvendo a maior empresa petrolífera do país, além de políticos e empresas de grande renome e relevância nacional e internacional. O fato de os veículos de comunicação franceses costumarem ter posicionamentos políticos e ideológicos declarados em suas linhas editoriais foi de suma importância no momento de escolher a imprensa da França como objeto de análise deste trabalho. O Le Monde, jornal francês mais relevante e conhecido internacionalmente, pode ser classificado como de centro-direita, já o Le Figaro possui uma linha editorial mais alinhada aos preceitos da direita e o Libération é o principal jornal de esquerda da França.

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Ao selecionarmos esses jornais, partimos do pressuposto de que haveria uma grande distinção no tom da cobertura sobre a Lava Jato, com mais críticas por parte do Le Figaro, pelo fato de o PT, um partido que nasceu no berço da esquerda brasileira, estar no centro do escândalo de corrupção. Ao longo da análise, vamos tentar identificar as nuances das coberturas feitas pelos três veículos e verificar se elas se diferenciam ou se, de forma geral, utilizam os mesmos enquadramentos midiáticos. Em uma pesquisa bibliográfica prévia sobre estudos de comunicação referentes à Operação Lava Jato, identificamos que há uma literatura sobre a cobertura da imprensa nacional, com predominância da análise da grande mídia brasileira (CIOCCARI, 2015; FERNANDES, 2015; FONTES, 2015; RIZZOTTO, FONTES E FERRACIOLI, 2016; SEGURADO, 2017; MOTA E ALMEIDA, 2017; PRIOR, 2018), no entanto, encontramos poucos trabalhos sobre a cobertura feita pela imprensa internacional. Sobre o tema, destaca-se o trabalho de conclusão de curso desenvolvido por Bárbara de Paiva Magalhães (2016), na Universidade de Brasília, sobre a cobertura jornalística internacional produzida a respeito de um dos episódios da Lava Jato. Por meio de análise das notícias, pretende-se, sobretudo, entender como a narrativa sobre Operação Lava Jato foi tratada desde o seu início, em março de 2014 até julho de 2017, período que coincide com a condenação em primeira instância do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em três veículos de comunicação franceses com posicionamentos distintos. O estudo das notícias é uma aproximação metodológica para observar alguns pontos na análise dos enquadramentos presentes nos textos. O método pressupõe uma leitura crítica do significado das mensagens e de seu conteúdo expresso ou velado, reunido tanto elementos quantitativos quanto qualitativos (HERSCOVITZ, 2007). Neste trabalho, consideramos a análise de conteúdo como um meio, em constante autorreflexão, não um fim, ou seja, ela será um método que nos dará suporte, mas não será o objetivo principal. Apesar da Operação Lava Jato ser tratada pela mídia francesa também como “scandale Petrobras”, “affaire Petrobras” ou, até mesmo, “Petrolao”, na seleção do material para análise, optamos por utilizar somente o termo “Lava Jato” como palavra-chave nas ferramentas de busca dos jornais Le Monde, Le Figaro e Libération.

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Inicialmente, pretendíamos analisar apenas os textos referentes à Lava Jato, mas percebemos que o tema extrapola os limites da operação judicial e, para os jornais franceses, está estritamente ligado tanto ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff quanto à crise de aceitação do governo do presidente , que, além de responder a várias acusações, possui diversos ministros e políticos com cargos de confiança envolvidos no escândalo. Portanto, alguns textos podem não ser estritamente sobre a Lava Jato, mas a operação está envolvida de alguma forma. A metodologia utilizada neste trabalho consiste na coleta, seleção, classificação e análise das matérias. Após uma triagem inicial dos resultados encontrados com o termo de busca “Lava Jato” no período de 17 de março de 2014 a 31 de julho de 2017, selecionamos, para análise, 103 matérias na versão online do jornal Le Monde, 35 matérias no Le Figaro e 30 matérias no Libération, totalizando 168 matérias. Por verificarmos que há uma discrepância quantitativa em relação ao número de matérias de cada jornal, optamos por apresentar cálculos percentuais que poderão nos fornecer uma visão totalizadora do tratamento dado ao assunto. Na primeira fase do desenvolvimento desta pesquisa, fizemos o levantamento e registro das matérias a serem analisadas nos sites dos três jornais franceses, identificando data de publicação, autor do texto e tema tratado. Após a triagem inicial, analisamos quantitativamente o material coletado, para identificar a predominância de temas e o destaque dado aos atores do escândalo político. Posteriormente, analisamos cada matéria, levando em consideração o tom da abordagem dada ao conteúdo, as fontes escolhidas para dar legitimidade ao tema e os enquadramentos construídos sobre as personagens e eventos abordados.

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Plano do trabalho

No primeiro capítulo, recorreremos aos estudos sobre escândalo político, com destaque à obra de Thompson (2002) e às abordagens dadas ao assunto por autores como Prior (2015, 2016), Guazina (2011, 2015), Araújo (2015), Lowi (2004) e Chaia (2015) para tratar da Operação Lava Jato e de sua repercussão midiática. Além disso, apresentaremos um breve perfil dos jornais franceses analisados neste trabalho, o Le Monde, Le Figaro e Libération, distinguindo o posicionamento político e ideológico apresentado por eles em suas linhas editoriais. Também no primeiro capítulo utilizaremos o conceito de enquadramento midiático, amplamente aplicado no campo da Comunicação, especialmente por pesquisadores que se dedicam ao estudo de fenômenos políticos, para analisar os títulos e os textos da cobertura noticiosa feita pelos três jornais franceses em suas versões online sobre a Operação Lava Jato. Escolhemos o enquadramento como abordagem metodológica para essa análise levando em consideração que enquadrar significa selecionar aspectos de uma realidade e torná-los mais salientes em um texto, empregando, em certos casos, avaliações de caráter moral e oferecendo recomendações de tratamento para o evento em questão (Entman, 1994). No segundo capítulo, discutiremos sobre a origem e o funcionamento do jornalismo internacional e sobre papel do correspondente estrangeiro, que, além de ter conhecimento político e econômico sobre o local onde atua, precisa estabelecer relacionamento com fontes estratégicas para desempenhar sua rotina profissional de forma ágil e legitimar o que é proposto em suas reportagens. Nesse capítulo, analisaremos quantitativa e qualitativamente as fontes escolhidas pelos três jornais franceses na cobertura da Lava Jato, identificando os principais canais de informação, os tipos de fontes mais recorrentes, o enquadramento dado a elas e o lugar que ocupam no campo político (Bourdieu, 2011). No terceiro capítulo, analisaremos os enquadramentos midiáticos produzidos nos três jornais franceses sobre as duas principais personagens da Operação Lava Jato: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o juiz de primeira instância responsável pela investigação Sergio Moro. Pretendemos identificar

16 como os critérios de noticiabilidade de personalização e dramatização são utilizados na abordagem de ambos os atores políticos, além de tratar da construção da mitologia política, com base nas contribuições de autores como Miguel (1998, 2000), Girardet (1989) e Bezerra e Lima (2002), e da construção da narrativa de um espetáculo político midiático, especialmente por meio da discussão levantada por Weber (2002).

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1. ENQUADRAMENTOS DA LAVA JATO

1.1 Operação Lava Jato e o escândalo político

“O escândalo vende”. Com essa afirmação de Thompson (2002), em seu longo e detalhado estudo sobre o escândalo político na era da visibilidade midiática, iniciamos este capítulo. Para o autor, as empresas jornalísticas, preocupadas em gerar receita por meio da comercialização de formas simbólicas, encontram nos escândalos o elemento essencial para atingir os seus objetivos financeiros. Além disso, comenta que a divulgação de escândalos tornou-se, sobretudo, uma atividade que corresponde ao habitus profissional dos jornalistas, que se enxergam como “cães de guarda”, responsáveis pela preservação do interesse público, pelo policiamento de condutas e por apontamentos de quem deve ou não ser alvo de críticas (MARCONDES FILHO, 2000). A sordidez e a transgressão geram curiosidade e interesse e compõem um dos valores-notícia definidos por Galtung e Ruge (1993), o da negatividade, onde bad news is good news1. O escândalo ganha, portanto, espaço de destaque na mídia porque se compõe como a exposição e a exploração do secreto, do oculto, daquilo que não pode ser visto, mas que desperta o fascínio do público. Thompson (2002, p.97) considera que o escândalo pressupõe não apenas a ocorrência de atos de transgressão, mas a manifestação de desaprovação pública. No caso dos escândalos midiáticos, explica, as formas abertas, como as manchetes de jornais, as avaliações negativas na imprensa, as críticas e as caricaturas, por vezes humilhantes, das pessoas envolvidas, constituem o principal modo de desaprovação. Mas, afinal de contas, o que torna um caso de corrupção em um escândalo midiático? Para delinear essa pergunta precisamos, antes, entender a diferença entre os dois conceitos. Thompson (2002, p.56) explica que a corrupção pode se transformar em um escândalo, mas que nem todo escândalo é fruto de um caso de corrupção. No entanto, a maior parte dos escândalos mais

1 Tradução: “más notícias são boas notícias”. 18 importantes e com maiores consequências ao longo da história, segundo o autor, estiveram baseados em acusações dessa natureza. De forma geral, para uma atividade ilícita virar um escândalo midiático, ela deve se tornar pública, e o jornalismo tem papel primordial nessa ação. Podemos dizer, portanto, que não há escândalo sem a publicização da transgressão feita pela imprensa e também que essa divulgação só é possível em sociedades democráticas e liberais, onde a imprensa é relativamente livre e os atores relacionados ao poder político têm visibilidade. Como aponta Chaia (2015), na sociedade contemporânea, onde as lideranças políticas necessitam da mídia e conseguem se firmar nesta situação à medida que sua imagem é veiculada por esta, a publicização torna-se fundamental para deflagrar ou firmar qualquer carreira política. No entanto, a autora explica que este processo de publicização pode acarretar problemas para estas lideranças, pois a arena da política está mais exposta a riscos e os políticos não conseguem controlar a visibilidade e o poder da mídia Segundo Prior (2016, p.248), na democracia liberal as instituições político- partidárias, a par dos grupos de interesse que lhe são inerentes, procuram utilizar o escândalo como ‘arma política’ para descredibilizar a imagem dos adversários. Eles podem intervir na esfera pública ao realizar um conjunto de alegações que são recolhidas pelos meios de comunicação e que, posteriormente, podem configurar alguns dos conteúdos das notícias veículadas na mídia. Os escândalos ganham grande ressonância devido ao peso que a reputação possui, já que os políticos têm que se submeter a eleições e podem ter seu poder simbólico duramente afetado por um escândalo. Lowi (2004, p.71) define a política contemporânea como um um “mercado de escândalo”, onde as transgressões são utilizadas como moeda de troca tanto pelos partidos políticos quanto pelos meios de comunicação. Araújo, Guazina e Prior (2015) explicam que, a partir do momento que os meios de comunicação começam a explorar os acontecimentos que estão na base de um determinado escândalo midiático, provocam um conjunto de novas revelações que adensam o debate público e reconfiguram, de modo dinâmico, as interpretações e os enquadramentos explicaivos dos acontecimentos. Escândalos de corrupção são fenômenos globais que não se limitam à atualidade e têm sido redefinidos conceitualmente ao longo dos séculos,

19 configurando-se no centro das relações entre interesse público e privado (GUAZINA, 2011). No entanto, como explica Prior (2016, p.54), nas últimas décadas, a vida pública parece ainda mais marcada por uma sucessão de escândalos políticos midiáticos, não apenas no Brasil ou na América do Sul, mas em países como os Estados Unidos, Reino Unido, França, Itália e Alemanha. Nos últimos anos, um dos elementos de maior efervescência e repercussão no cenário político do Brasil é a Operação Lava Jato, que voltou os holofotes não apenas para a corrupção envolvendo partidos e instituições políticas, mas também para más práticas de empresas de grande renome nacional e internacional, como a Petrobras, que se tornou o principal foco da investigação.

Deflagrada em março de 2014 pela Polícia Federal, a Operação Lava Jato investigou inicialmente uma rede de postos de combustíveis e lava a jato utilizada por organizações criminosas para lavagem de dinheiro em seis Estados e no Distrito Federal. Foram cumpridos 130 mandados judiciais e 17 pessoas tiveram a prisão decretada. Em um segundo momento, com o envolvimento do nome da maior companhia estatal brasileira, a Petrobras, seguiram-se 45 fases da Operação2, que citam nomes de empresários de grandes companhias, doleiros e políticos de diversos partidos. De acordo com o Ministério Público Federal, esse esquema facilitava a cartelização3 de grandes empreiteiras, como a Odebrecht, Camargo Corrêa e OAS, e contratos bilionários conquistados com propinas para a execução de obras públicas4.

Por conta dos casos de corrupção envolvendo seu nome, a Petrobras teve sua reputação abalada mundialmente e a Operação Lava Jato passou a ter destaque nos noticiários nacionais e internacionais, tanto por seus objetivos quanto por sua repercussão controvertida. Descobriu-se, inclusive, que os

2 Dado referente a fevereiro de 2018. 3 Grandes empreiteiras, como a Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, OAS e UTC Engenharia, criaram uma espécie de clube que pagava propinas a alguns funcionários do alto escalão da Petrobras para fraudar licitações da empresa petrolífera. O Ministério Público afirma, com base nas delações, que a propina nos contratos da Petrobras variava entre 1% e 3% dos contratos, de acordo com o custo das obras. O dinheiro era divido entre os funcionários da estatal nas diretorias de abastecimento, internacional e de serviços. 4Texto retirado do site do Ministério Público Federal. Disponível em: <>. Acesso em 18/12/2016.

20 escândalos de corrupção envolvendo grandes empreiteiras ultrapassavam os limites nacionais, atingindo autoridades do alto escalão de 49 países. No Peru, por exemplo, investigações conduzidas em parceria com a equipe do Ministério Público Federal do Brasil sugerem que todos os presidentes do país desde o ano 2000 receberam propinas da Odebrecht5. Definida pelo Ministério Público Federal como “a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve”6, a Lava Jato tem, desde o seu início, dividido opiniões sobre sua condução; ora, ela é considerada como a salvação para um país afundado em escândalos de corrupção; ora, é vista como um espetáculo midiático, cujas ações judiciais são executadas de forma questionável e parcial. Tal espetacularização pode ser explicada pelo pressuposto da “colonização” de Meyer (2002), que considera que a mídia teria colonizado a política, ou seja, que a política teria passado por certas transformações para se adaptar às regras e aos códigos da mídia, sem, entretanto, perder suas regras próprias.

Legitimidade, elemento vital da política democrática, só pode ser conseguida através do apoio dado pelos cidadãos às decisões tomadas pelo sistema político, apoio definido pela percepção que se tem a respeito desse sistema – e a fonte primária dessa percepção é normalmente o que a mídia escolhe para retratar (Meyer, 2002, p. 52)7.

Além de atrair para si grandes holofotes e ser abordada quase que diariamente pela imprensa brasileira desde seu início, a Operação Lava Jato tornou-se também um produto cultural, servindo de inspiração para filmes8, séries de TV9 e até marchinhas de carnaval. Ao analisar a escolha dos nomes das fases da Operação Lava Jato sob a perspectiva das relações entre política e entretenimento, Hoffmann e Martino (2017) apontam que a natureza política

5 Informação obtida na matéria “Lava-Jato atinge 49 países e rende 340 pedidos de cooperação bilateral” do jornal Correio Braziliense: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2017/12/04/interna_politica,645204/pai ses-atingidos-lava-jato-cooperacao-internacional.shtml. Acesso em 03/02/2018. 6 Informação presente no site do Ministério Público Federal. 7 Tradução nossa. 8 No dia 7 de setembro de 2017, o filme inspirado na Operação Lava Jato “Polícia Federal- a Lei é para todos” foi lançado. 9 A Lava Jato serviu como inspiração para uma série produzida pela Netflix intitulada “O Mecanismo”, dirigida por José Padilha. A série foi lançada em março de 2018. 21 da operação parece estar articulada com as possibilidades da lógica da mídia. Como exemplo, citam que trâmites que deveriam correr em sigilo são “vazados” para a imprensa e prisões de políticos suspeitos são conduzidas com o acompanhamento em tempo real de canais de TV. Já em relação à abordagem dada à Lava Jato pela grande imprensa nacional, percebe-se que ela costuma ser mostrada como uma inevitável solução moralizadora para o Brasil e o Poder Judiciário e seus atores raramente são questionados. Além disso, é evidente que, na cobertura do tema, há uma insistência em culpabilizar o Partido dos Trabalhadores (PT) pelo escândalo, dando menos destaque aos políticos de outros partidos envolvidos no esquema. No entanto, apesar de a grande mídia brasileira ter gerado os questionamentos iniciais que levaram ao desejo da realização deste trabalho, não faremos aqui uma comparação entre ela e a mídia francesa. Ao decidirmos analisar a cobertura feita por jornais franceses, selecionamos os que possuem maior relevância local e internacional, buscando veículos de comunicação que têm linhas editoriais e posicionamentos políticos distintos e realizam cobertura de assuntos relacionados à França e à esfera internacional. Escolhemos, então, os jornais Le Monde, que pode ser considerado como de centro-esquerda, Le Figaro, mais alinhado à direita, e Libération, um veículo de comunicação reconhecidamente de esquerda.

1.2 Perfis dos jornais franceses

Le Monde Fundado em 18 dezembro de 1944 pelo jornalista Hubert Beuve-Méry, o Le Monde é o veículo de comunicação francês de maior relevância internacional, conhecido por suas matérias extensas e análises aprofundadas, tanto sobre assuntos relacionados à França quanto sobre temas de importância em outros países. O jornal é publicado diariamente, sempre após o meio-dia, e distribuído nos cinco continentes. Além do jornal impresso, o Le Monde conta com um site na internet desde 19 de dezembro de 1995, o Le Monde.fr (www.lemonde.fr), que favorece o acesso do jornal na íntegra, aos assinantes, ou a leitura de

22 conteúdos abertos exclusivamente para a web, estes, disponíveis ao público em geral. O site divide as notícias por editorias, dentre as principais as direcionadas a Assuntos Internacionais, Política, Sociedade, Ecologia, Cultura e Esporte. Todas as matérias sobre a Operação Lava Jato foram publicadas na editoria International, que se divide em seções dedicadas aos cinco continentes. As notícias relacionadas ao Brasil estão na área Amériques, junto com notícias sobre os Estados Unidos, México, Argentina, Cuba e Colômbia, por exemplo. O Le Monde tem como prática designar corrrespondentes para cobrirem presencialmente as notícias dos países de maior relevância internacional. Apesar de não ser considerado como um país de primeiro mundo, o Brasil recebe atenção especial na imprensa francesa, especialmente por conta de sua grandeza territorial, de sua importância econômica como líder da América do Sul e da projeção em nível mundial, adquirida nos últimos anos por meio de sua participação em organismos internacionais como a ONU, a OEA, e os BRICS, que comportam os países emergentes Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Também as políticas de relacionamento com a imprensa internacional foram determinantes para a construção da visibilidade brasileira além de suas fronteiras.

Le Figaro

Diário francês criado em 1828, Le Figaro teve seu nome inspirado no antológico personagem homônimo criado pelo dramaturgo francês Beaumarchais (1732-1799), cuja principal característica, aproveitando o fato de ser um barbeiro, era estar a par de todas as intrigas e planos da sociedade da época.

Seu primeiro exemplar estampou a máxima “Sem liberdade de criticar, não existe elogio sincero”, que procura dar o tom desejado de seu perfil em quase 200 anos de existência. Figuras de renome universal, como Baudelaire, Alexandre Dumas, André Gide, Marcel Proust, Zola e Omar Sharif, entre outros, foram colaboradores deste periódico que, desde sua fundação, pleiteou para si uma política conservadora de direita. Seu atual proprietário é o multimilionário

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Serge Dassault, dono também do grupo Dassault, que fabrica aviões militares e comerciais.

A linha editorial do Le Figaro é composta por seções que tratam da atualidade (nacional e internacional, onde inclui-se e particulariza-se a política), da economia, do esporte, da cultura, dos estilos de vida e de uma seção específica intitulada “Madame”, que, apesar da tentativa constante de quebra de estereótipos femininos, apresenta-se a esse público com receitas, dicas de moda, lifestyle, beleza e celebridades.

Além do jornal impresso, o Le Figaro disponibiliza uma versão virtual (www.lefigaro.fr), que pode ser acessada integralmente mediante assinatura paga, mas também possui algumas áreas com conteúdo gratuito.

Libération

Tão logo foi fundado, em 1973, o jornal francês Libération assumiu uma posição política de extrema esquerda, apoiado por seu mais eminente colaborador, Jean-Paul Sartre (1905-1980).

Após a morte de Sartre e o enfrentamento de grave crise financeira, o jornal adotou uma postura mais social-democrata (centro-esquerda), que conserva, todavia, os princípios progressistas que o conceberam.

Apelidado carinhosamente de “Libé” por seus leitores mais fiéis, o Libération procura manter o compromisso de fidelidade às aspirações populares representadas pelos movimentos sociais franceses e, consequentemente, de informar sobre os acontecimentos que os representam em nível mundial.

O jornal impresso é diário e tem o formato tablóide. Há também uma versão online (www.liberation.fr), que disponibiliza conteúdo para assinantes e oferece alguns textos gratuitamentes para o público em geral. Atualmente, sob a direção de Laurent Joffrin, o Libération compila suas matérias a partir de cinco seções que abarcam as temáticas França, Planeta, Futuro, Ideias e Cultura10.

10 Tradução nossa. Nomes das seções: France, Planéte, Futurs, Idées e Culture. 24

1.3 Enquadramento das matérias e dos títulos

Levando em consideração a dimensão do escândalo político da Operação Lava Jato e também os perfis dos jornais franceses que servem como objeto de análise deste trabalho, tratados anteriormente, pretendemos identificar e compreender os enquadramentos midiáticos presentes na cobertura feita sobre a investigação pelos jornais Le Monde, Le Figaro e Libération. Levaremos em consideração como foram construídos os títulos e os textos que compõem a narrativa desse escândalo político midiático e destacaremos os enquadramentos que se sobressaem nas matérias ao longo do tempo. Apesar de a Operação Lava Jato ser tratada pela imprensa francesa em determinados momentos como “scandale Petrobras” ou “affaire Petrobras”, na seleção do corpus, optamos por analisar apenas as matérias que contêm o termo “lava jato” publicadas entre o dia 17 de março de 2014, data em que a primeira fase da Operação Lava Jato foi deflagrada, e 31 de julho de 2017, época correspondente ao anúncio de condenação em primeira instância do ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acusado por recebimento de vantagem indevida da construtora OAS e pela ocultação da titularidade de um triplex no Guarujá, litoral de São Paulo. Vale ressaltar que não é objetivo deste trabalho discutir como a noção de enquadramento é articulada nos estudos de Comunicação. O conceito dará suporte para analisarmos as 168 matérias publicadas nos sites dos jornais franceses Le Monde (103 matérias), Le Figaro (35 matérias) e Libération (30 matérias). A discrepância na quantidade de matérias dos três jornais pode ser explicada pelo fato de o Le Monde ter uma atuação mais ativa no Brasil, além de, internacionalmente, possuir uma reputação mais elevada, sendo classificado como o principal veículo de comunicação da França. A opção pela observação da cobertura internacional se deve, em primeiro lugar, à possibilidade de compreender como a imagem de um escândalo político de grande proporção para o Brasil é apresentada no exterior – neste caso, no universo francófono. Assim como sugere Thompson (2002, p.107), levamos em consideração que os escândalos midiáticos possuem uma estrutura sequencial

25 e são eventos narrativos prolongados, constituídos por um conjunto de narrativas midiáticas que vão sendo constituídas, aprimoradas e revisadas à medida que o acontecimento se desdobra. Seu desenvolvimento temporal é modelado pelos ritmos específicos das organizações da mídia e por outras instituições, tais como as instituições jurídicas e políticas, que desempenham um papel central na revelação e interpretação da informação relevante para um escândalo (2002, p.102). O uso do conceito de enquadramento pode ser encontrado primeiramente no livro Frame Analysis, do sociólogo Erving Goffman (2012), que o desenvolveu inspirando-se no conceito de enquadres, de Gregory Bateson. Goffmann define enquadramentos como o conjunto de princípios de organização que governam acontecimentos sociais e nosso envolvimento subjetivo neles. De caráter intersubjetivo e construídos socialmente, os enquadramentos são propostas de interpretação da realidade que permitem atribuir sentido a eventos e situações cotidianas. Para o autor, enquadramentos são marcos de leitura empregados para tornar social e subjetivamente intelegível um determinado acontecimento. Ao dedicar especial atenção ao modo como se compreende a realidade, o modelo proposto por Goffman sugere que o entendimento de um fato, de certa maneira, precede um conhecimento delineado e detalhado do que aconteceu. Segundo Porto (2004, p.79), a primeira aplicação mais relevante do termo enquadramento dentro da área da comunicação foi de Gaye Tuchman, no livro Making News (1978), que discute sobre o porquê de alguns fatos serem considerados notícia e outros não, já que, no geral, todos os acontecimentos são únicos de alguma maneira. Inspirada na sociologia de Goffmann (1974) e no construtivismo social de Berger e Luckmann (1966), a autora argumenta que as notícias são instituições sociais que impõem um enquadramento que define e constrói a realidade. No entanto, Scheufele (1999) ressalta que Tuchman ofereceu interessantes contribuições sobre a relação entre as práticas de enquadramento e o processo de produção de notícias, mas não definiu o conceito e nem investigou como os enquadramentos dão forma à realidade apresentada pelo noticiário.

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Também tendo a comunicação como foco, Entman (1994) dedicou-se a estudar como funcionam os enquadramentos da mídia e desenvolveu uma sistematização que permite entender como se dão os processos de enquadramento dos acontecimentos da vida social e política. Para ele, enquadrar significa selecionar aspectos de uma realidade e torná-los mais salientes em um texto, empregando, em certos casos, avaliações de caráter moral e oferecendo recomendações de tratamento para o evento em questão. O enquadramento, segundo o autor, não está só no emissor, mas perpassa todo o processo comunicativo, envolvendo interlocutores, texto e cultura. Entman também considera que os enquadramentos têm papel crucial nas formas como as elites políticas procuram controlar a percepção de determinados eventos ou assuntos e defende que eles estão presentes em todos os processos comunicativos. Entman propõe uma classificação para os enquadramentos que leva em consideração quatro características: enquadramentos apontam um problema e determinam o agente causador; diagnosticam causas, identificando as forças por trás da situação; fazem julgamentos morais, avaliando os agentes e os efeitos de suas atitudes; e sugerem soluções, prevendo seus prováveis efeitos. O autor deixa claro, no entanto, que uma frase pode ter mais de uma dessas características e que nem todos os textos, necessariamente, devem conter essas quatro funções.

O texto contém quadros que se manifestam pela presença ou ausência de certas palavras-chave, frases feitas, imagens estereotipadas, fontes de informação e frases que fornecem conjuntos de fatos ou julgamentos temáticos. Os enquadramentos que orientam o pensamento e a conclusão do receptor podem ou não refletir os enquadramentos no texto e a intenção de enquadramento do comunicador (ENTMAN, 1994, p.52).

Entman considera a saliência e a omissão como pontos essenciais para entender o funcionamento de um enquadramento. Para ele, quanto maior for destaque de uma informação em um texto, maior será a probabilidade de os receptores perceberem-na e discernirem o seu significado, processando-a e armazenando-a na memória.

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O pressuposto teórico do conceito de enquadramento sustenta que as notícias não apenas influenciam o que o público pensa (agendamento), mas têm papel decisivo sobre como o público deve pensar sobre os assuntos noticiados. No entanto, como ressalta Rothberg (2014, p.415), a presença de determinados enquadramentos midiáticos não é suficiente para influenciar de maneira definitiva a percepção que o público vai ter do fato representado, dada a complexidade da dinâmica da recepção.A perspectiva do enquadramento procura mostrar que situações são definidas pelos participantes a partir de conhecimentos prévios, expectativas, associações anteriores e outros critérios a partir dos quais é possível entender o que se passa. Enquadrar um acontecimento significa, desse modo, atribuir um sentido a ele, definindo seus limites e seu significado e o encaixando em uma cadeia de sentidos anteriores, crenças, opiniões e convicções. Não há um consenso sobre a definição de enquadramento na literatura, já que o conceito pode ter diferentes sentidos dependendo da área à qual é aplicado e do objeto que designa. Em relação à área da comunicação, Porto (2004) ressalta que falta clareza nos usos do conceito de enquadramento e considera que muito ainda precisa ser feito para que a teoria seja abrangente e coerente. Lecheler e De Vreese (2011, p. 959) definem enquadramentos como os “modelos de interpretação usados para classificar informações de modo a fazerem sentido e para serem processadas de maneira eficiente”. Mais adiante (2011, p.960), indicam que os quadros “destacam alguns aspectos da realidade e deixam outros como pano de fundo; eles têm uma função seletiva”. Algo semelhante é afirmado por Coleman, Thorson e Wilkins (2011) ao indicar como isso tende a “obscurecer” determinados pontos da cobertura em relação aos outros. A seletividade, componente fundamental de qualquer processo de construção da notícia, está diretamente ligada à especificação de um quadro a partir do qual não só a mensagem é transmitida, mas, principalmente, lida. Rossetto e Silva (2012) sugerem que, apesar de caracterizações específicas sobre os enquadramentos diferirem quanto à abordagem, as definições significativas enfatizam as formas como eles organizam histórias noticiosas e outros discursos através de seus padrões de seleção, ênfase,

28 interpretação e exclusão. Os autores recorrem a Chong e Druckman (2007) para especificar as duas formas que o termo enquadramento pode ser utilizado: a primeira é como um ‘media frame’, que se refere a palavras, imagens, frases e estilos de apresentação que um falante usa quando trata informação sobre um tema ou evento para uma audiência; a segunda diz respeito a um enquadramento no pensamento, ou seja, ao entendimento cognitivo individual de uma dada situação. Neste texto, de forma geral, iremos nos ater à análise da primeira opção, já que é a utilizada para tratar de conteúdos da mídia. Porto (2004) distingue dois tipos de enquadramento aplicados na análise da cobertura midiática. Os enquadramentos noticiosos são utilizados por jornalistas para organizar seus relatos, como padrões de apresentação, seleção e ênfase, ou seja, representam os pontos de vista adotados pelo texto para destacar elementos de uma realidade em detrimento de outros. Já os enquadramentos interpretativos promovem uma avaliação particular de temas ou eventos políticos e geralmente são elaborados por outros atores, como representantes do governo, partidos políticos, movimentos sociais, associações profissionais e especialistas, e incluídos no texto jornalístico. Embora os jornalistas também contribuam com seus próprios enquadramentos interpretativos ao produzir notícias, esse tipo de enquadramento tem origem, geralmente, em atores sociais e políticos externos à prática jornalística (PORTO, 2004, p. 92). Em nossa análise, percebemos esse tipo de enquadramento em algumas ocasiões, como no artigo publicado em 17 de abril de 2016, dia da aprovação do impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, intitulado“O Brasil está experimentando um teste democrático”11, do jornal Le Monde, assinado por Frédéric Louault, professor de ciências políticas da Universidade Livre de Bruxelas e vice- presidente do Observatório Político da América Latina e do Caribe. No texto, tanto o escândalo do Mensalão quanto a Operação Lava Jato são enquadrados como elementos que contribuíram para o desgaste e desmoralização da imagem do PT. Segundo Motta (2010), predominam na cobertura das narrativas políticas os enquadramentos que enfatizam a disputa e o conflito, denominados lúdico-

11 Título original: “Le Brésil vit une mise à l’épreuve démocratique”. Publicado em: 16/04/2016. 29 dramáticos, pois servem aos jornalistas como uma forma de organizar em seus textos, de maneira mais fácil e rápida, a complexidade do mundo. O autor explica que os enquadramentos lúdico-dramáticos, na maioria das vezes, utilizam-se de recursos e situações presentes no senso comum, como disputas de corrida de cavalo e jogos de xadrez, e são, tanto para os jornalistas quanto para a audiência, formas acessíveis de delimitar os enfrentamentos políticos e oferecer uma compreensão simplificada dos conflitos de poder. Gamson e Modigliani (1989) tratam enquadramentos como “pacotes interpretativos”, presentes no discurso da mídia, que dão significado a um tema. Eles explicam que, ao definir o ponto de vista da matéria e ao selecionar e hierarquizar as informações, o jornalista, de uma forma ou de outra, tem o seu trabalho enquadrado, ou seja, organiza a notícia a partir de princípios culturais compartilhados que estão na base da sua profissão. Os estudos sobre a produção de notícias tratam da análise do relacionamento entre as fontes e os jornalistas, além das etapas de produção informacional, que vão desde o levantamento de informações feito pelo repórter à edição e distribuição da notícia. Os primeiros estudos sobre tal processo iniciaram-se na década de 50 do século XX, com os estudos de David M. White, a partir do conceito de gatekeeping, que tratava das decisões domésticas sobre as mudanças dos hábitos alimentares. Aplicando o conceito ao jornalismo, White analisou a organização do fluxo de notícias em uma empresa jornalística. Para ele, o gatekeeper no jornalismo é a figura responsável por selecionar/filtrar as informações que podem ou não entrar em um jornal, considerando apenas os critérios pessoais e subjetivos e não levando em conta as restrições e políticas organizacionais das empresas de comunicação (WILLET, 1992, p. 432). O modelo de White foi o pontapé inicial dos estudos da seleção de notícia dos meios de comunicação de massa, sendo, posteriormente, adicionado a eles novos conceitos. Ressalte-se, aqui, a contribuição de Aldé et alli (2005) que, no artigo “Critérios jornalísticos de noticiabilidade: discurso ético e rotina produtiva”, tratam da rotina produtiva da indústria do jornal e fazem o seguinte diagnóstico:

No processo de produção das notícias, o estabelecimento de rotinas profissionais que, em grande medida, condicionam o

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trabalho cotidiano de jornalistas e repórteres, combina-se ainda às pressões exercidas pelos interesses da empresa. Assim, interessa verificar a relativa autonomia que os jornalistas atribuem a seu próprio trabalho, no interior de um esquema industrial em que dificilmente as decisões são tomadas de maneira centralizada. Em primeiro lugar, os manuais de redação informam que os jornalistas precisam seguir a linha editorial do jornal, estabelecendo limites para a autonomia dos produtores primários das notícias (ALDÉ, 2005, p.192).

Discutindo a análise de enquadramento como prática metodológica, David, Atun e Monterola (2011) indicam como diferentes métodos levam a inferências semelhantes a respeito do que está sendo dito. A análise de enquadramento oferece a oportunidade de verificar a metacomunicação – os “quadros de sentido” – existente por trás de uma determinada cobertura a partir de indícios observados no próprio texto.

1.4 Enquadramentos da Petrobras

Ao analisar a totalidade da cobertura da Operação Lava Jato feita pela imprensa francesa, percebemos que um dos temas de maior destaque é a Petrobras, tanto que, em muitos momentos, a Lava Jato é tratada como “scandale Petrobras” ou “affaire Petrobras”. Apesar de, em um primeiro momento, a investigação ter se relacionado à lavagem de dinheiro e corrupção em lava-jatos de fachada conduzidos por doleiros e políticos, a Lava Jato realmente cresceu e ganhou relevância quando chegou a executivos da petrolífera. A partir de então, a maior empresa estatal do Brasil ganhou os holofotes da imprensa nacional e internacional e teve sua reputação e valor colocados em cheque. Das 103 matérias do Le Monde sobre a Lava Jato, 68,9% dos textos (71 matérias) citam a Petrobras e 13,5% (14 matérias) têm a estatal no título. No Le Figaro, identificamos que 80% (28 matérias) dos textos citam a Petrobras de alguma forma e 28,5% (10 matérias) a têm com destaque no título. No Libération o destaque da petrolífera é um pouco menor: a porcentagem de matérias que

31 citam a Petrobras é de 63,3% (19 matérias), no entanto, apenas 10% (3 matérias) dos títulos falam sobre ela. Para Lecheler et alli (2015), uma das particularidades da noção de enquadramento leva em conta a repetição sistemática dos fatos. Identificamos que, na cobertura dos três jornais, alguns enquadramentos prevalecem sobre a Petrobras: ela é prioritariamente tratada como “gigante”, “maior estatal do Brasil”, “responsável pelo crescimento e sucesso do país nos anos 2000”, “pilar da economia brasileira”, “vítima de um escândalo de corrupção e propinas” e “prejudicada por seus dirigentes”.

Tabela 1- Enquadramentos que mostram a grandeza e a importância da Petrobras e o escândalo no qual está envolvida

A principal multinacional do país no LE MONDE (29/01/2015) centro de um sistema generalizado de corrupção política12. A investigação, deflagrada há mais de um LE MONDE (19/06/2015) ano, revelou que inúmeras empresas, de 2004 a 2014, dividiram os mercados da gigante petrolífera Petrobras pagando propinas aos diretores da empresa em troca de contratos. Uma gigante fraude que teria custado à gigante petrolífera mais de dois bilhões de dólares13. Dois grupos afetados pelo tentacular LE MONDE (05/03/2016) escândalo de corrupção ligado à gigante petrolífera Petrobras14. A empresa à qual ele foi tão fiel não é LE MONDE (11/11/2016) mais esse gigante grupo público, essa

12 Trecho original: “La première multinationale du pays au cœur d’un système généralisé de corruption politique 13 Trecho original: “L’enquête, lancée depuis plus d’un an, a révélé que de nombreuses entreprises se répartissaient de 2004 à 2014 les marchés du géant pétrolier public Petrobras en payant à tour de rôle des pots-de-vin à des directeurs de la compagnie en échange de contrats. Une gigantesque fraude qui aurait coûté au géant pétrolier plus de deux milliards de dollars”. 14 Trecho original: “Deux groupes impliqués dans le tentaculaire scandale de corruption lié au géant pétrolier Petrobras. 32

“jóia da coroa”, é um escândalo: o escândalo Petrobras15 As ações da gigante petrolífera pública LE FIGARO (15/12/2014) brasileira Petrobras, imersa em um enorme escândalo de corrupção, caíram segunda-feira ao seu nível mais baixo em dez anos16 Na verdade, as somas envolvidas são LE FIGARO (05/03/2015) ridículas em comparação com o peso da empresa, que continua a ser líder mundial em exploração em águas profundas e participa de uma das mais importantes descobertas de petróleo das últimas três décadas, o pré-sal17. A tentacular investigação Lava Jato, LE FIGARO (05/12/2016) sobre o desvio de dinheiro na gigante petrolífera pública Petrobras, que compromete a classe política brasileira e as maiores empreiteiras do país18. Petrobras, a gigante estatal do petróleo19. LIBÉRATION (06/09/2014) Deflagrada em março de 2014 pela LIBÉRATION (27/02/2015) Polícia Federal, a investigação sobre desvios de dinheiro no seio da gigante petrolífera Petrobras (controlada pelo Estado) faz o Palácio do Planalto, em Brasília, tremer20.

15 Trecho original: “L’entreprise dont il était si fier n’est plus ce gigantesque groupe public pétrolier, ce « joyau de la couronne », c’est un scandale: le « scandale Petrobras ». 16 Trecho original: “Les actions du géant pétrolier public brésilien Petrobras, plongé dans un vaste scandale de corruption, ont chuté lundi à leur plus bas niveau en dix ans”. 17 Trecho original: À vrai dire, les sommes en jeu sont ridicules par rapport au poids de l'entreprise, qui reste le leader mondial de l'exploration en eaux profondes et est assise sur une des plus importantes découvertes d'or noir des trois dernières décennies, le «pré-sel»”. 18 Trecho original: “la tentaculaire enquête Lava Jato, portant sur les détournements de fonds autour du géant pétrolier public Petrobras, qui éclabousse de plein fouet la classe politique brésilienne et les plus grands groupes de construction du pays”. 19 Trecho: “Petrobras, le géant étatique du pétrole”. 20 Trecho original: “Déclenchée en mars 2014 par la police fédérale, l’enquête sur les détournements de fonds au sein du géant pétrolier Petrobras (contrôlé par l’Etat) fait trembler le palais du Planalto, à Brasília”. 33

Sua sucessora e protegida Dilma LIBÉRATION (31/03/2016) Rousseff, sujeita ao impeachment, por sua vez, está fragilizada pelo gigantesco escândalo de desvio de dinheiro na Petrobras, a gigante petrolífera, comandada pela coalizão governante21. O explosivo caso Petrobras, um LIBÉRATION (31/03/2016) escândalo de desvio de dinheiro dentro da multinacional do petróleo, pilar da economia brasileira, comandada pela coalizão no poder22. Fonte: elaboração da autora

Percebe-se que a cobertura da Lava Jato só ganhou a atenção dos jornais franceses quando passou a tratar da Petrobras. Não identificamos nenhuma matéria referente à primeira fase da operação: dos três veículos de comunicação analisados, o primeiro que abordou a Operação Lava Jato foi o Le Figaro, com a matéria “Petrobras acusada de lavagem de dinheiro”23 , publicada no dia 12 de abril de 2014, menos de um mês depois do início da investigação. O texto faz parte da área Flash Eco, dentro da seção International na editoria Actualité. Flash Actu é alimentada ao longo do dia com atualizações sobre acontecimentos da França e do mundo e conta com textos curtos, geralmente com dois ou três parágrafos. As matérias são como “pílulas”, sem qualquer tipo de análise aprofundada e lembram muito o lead publicado em redes sociais. O texto trata da terceira fase da Operação Lava Jato, na qual a Polícia Federal apreendeu documentos e milhares de euros pertencentes à Petrobras, além de cumprir 23 mandatos de busca e de prisão expedidos pela Justiça Federal, especialmente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. A prisão de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, no final de março de 2014, por lavagem de dinheiro, é citada e a Operação Lava Jato é

21 Trecho original: “Sa successeure et protégée Dilma Rousseff vacille, visée par une procédure de destitution, fragilisée à son tour par le gigantesque scandale de malversations chez Petrobras, le géant pétrolier, au profit de la coalition au pouvoir”. 22 Trecho original: “l’explosive affaire Petrobras, un scandale de détournement de fonds dans la multinationale du pétrole, pilier de l’économie brésilienne, au profit de la coalition au pouvoir”. 23 Título original: “Petrobras accusé de blanchiment d’argent”. Publicado em: 12/04/2014. 34 tratada com o aposto de “último caso na qual a Petrobras está envolvida”. A Petrobras é enquadrada como “no centro de um escândalo de propinas”, mas não se explica como a Operação Lava Jato iniciou e nem o porquê de seu nome. O primeiro texto do jornal Le Monde que designa a Operação como Lava Jato foi publicado no dia 6 de setembro de 2014, cerca de um mês antes da eleição presidencial que resultou na reeleição da presidenta Dilma Rousseff. A matéria aborda as informações publicadas pelo jornal Folha de S. Paulo sobre o acordo de delação premiada para redução de pena feito por Paulo Roberto Costa. Ele denunciou que 49 deputados, 12 senadores e um governador receberam comissões de 3% sobre o valor de cada contrato assinado pela Petrobras durante o período em que esteve à frente da empresa. O jornal fala que as informações publicadas pela Folha de S. Paulo poderiam cair como um “trovão” nas eleições gerais do dia 5 de outubro de 2014, o que reitera a mensagem do título “Grande revelação antes das eleições brasileiras”24 Logo no primeiro parágrafo do texto, é exposta a informação de que o PT, partido de Dilma Rousseff, estava envolvido no escândalo, além do PMDB, partido do então vice-presidente Michel Temer, citado como grande aliado parlamentar do governo, e do PP, também de formação aliada. A Operação Lava Jato é tratada como “a investigação que, em sua origem, permitiu desmantelar uma rede suspeita de “lavar” 4,5 milhões de dólares e que acabou envolvendo a Petrobras”. Quanto à petrolífera, ela é enquadrada como uma empresa que já está há meses no centro de uma turbulência após revelações de perdas colossais registradas durante a compra superfaturada e cercada de negligências de uma refinaria em Pasadena (Texas). O Le Monde expõe que todos esses escândalos fizeram que, em cinco anos, a Petrobras perdesse metade de seu valor de mercado em ações. O governo de Dilma Rousseff é citado pela oposição como um dos culpados pela crise da Petrobras especialmente por controlar o preço da gasolina para não aumentar a inflação, e o enquadramento dado a ele é o da incompetência. O jornal Libération também publicou a primeira matéria, com informações da agência AFP, sobre a Lava Jato no dia 6 de setembro de 2014, abordando as

24 Tradução nossa. Título original: “Grande déballage avant les élections brésiliennes”. Publicado em: 06/09/2014. 35 denúncias feitas por Paulo Roberto Costa. Após sua prisão, Costa contou à polícia que alguns envolvidos no escândalo de propinas recebiam 3% sobre o valor dos contratos assinados pela Petrobras na época em que foi diretor, de 2004 a 2012.

No texto, a Petrobras é tratada como “profundamente imersa em uma tempestade” e o jornal dá espaço à oposição de Dilma Rousseff, que diz que a petrolífera foi afetada pela gestão do governo, que fez com que ela perdesse metade de seu valor na Bolsa de Valores em 5 anos.

Ao considerar a cobertura feita pelo jornal Le Monde desde março de 2014, nota-se que o destaque maior dado ao envolvimento da Petrobras no escândalo foi mais acentuado em 2015 e 2016. Em diversos textos, a petrolífera é enquadrada como uma “gigante” ou como “a principal companhia brasileira, afetada por um enorme esquema de corrupção”.

Por exemplo, no texto “Petrobras: o escândalo que compromete o Brasil”25, o Le Monde trata a Petrobras como a principal multinacional do Brasil e, na linha-fina, diz que ela está no centro de um sistema generalizado de corrupção. O texto inicia com a frase “nenhum grupo industrial personificou tão bem a ascensão do Brasil. Nenhum grupo se encontra no centro de um escândalo como este”26. Feita a introdução, o Le Monde diz que a Petrobras foi atingida duramente por um sistema de corrupção e propinas e, em poucos meses, tornou-se o símbolo extremo de todos os males do Brasil. A Petrobras é definida como “uma empresa à deriva, sobre a qual paira a sombra de fundos abutres”27.

Percebe-se, aqui, que o repórter responsável pelo texto utilizou o exagero como recurso, já que apresenta a Petrobras como uma empresa acabada e à deriva, algo que não procede totalmente, pois, apesar de bastante prejudicada pela Lava Jato, a petrolífera continua sendo a maior empresa estatal brasileira e

25 Tradução nossa. Título original: “Petrobras, le scandale qui éclabousse le Brésil”. Publicado em 29/01/2015. 26 Tradução nossa. Texto original: “Aucun groupe industriel n’a personnifié à ce point l’ascension du Brésil. Aucun ne s’est trouvé au cœur d’un tel scandale.” 27 Tradução nossa. Texto original: “Une entreprise à la dérive sur laquelle plane désormais l’ombre des fonds vautours”. 36 conserva sua importância, apesar de já não viver mais dias dourados e nem ter mais o mesmo respeito e admiração que tinha nos anos 2000. O Le Monde resgata o fato de a Petrobras ter aparecido na lista da Forbes como a oitava maior empresa do mundo em 2010 e de alguns executivos da estatal dizerem, na época, que sonhavam em ultrapassar a Apple e conquistar a independência energética brasileira. No entanto, o jornal expõe que as revelações quase diárias de escândalos envolvendo a petrolífera e as prisões de seus altos executivos fizeram com que a empresa tivesse uma queda brutal. Além disso, diz que as futuras decisões judiciais da Lava Jato poderiam ter consequências incalculáveis para o Brasil e recorre à revista Exame para questinar se os casos de corrupção envolvendo a petrolífera paralisariam o Brasil e se acabariam afetando outros setores da economia. Percebemos que os discursos estabelecem molduras de sentido, enquadrando o mundo a partir de perspectivas específicas. Mouillaud (2002) explica que os enquadramentos operam, ao mesmo tempo, como um corte e uma focalização: um corte porque separam um campo e aquilo que o envolve; uma focalização porque intensificam as relações entre os objetos e indivíduos que estão compreendidos dentro do campo, reverberando-os para um centro. A Lava Jato é enquadrada pelo Le Monde como uma Operação que iniciou por um motivo específico e acabou crescendo e envolvendo outros atores e elementos, tornando-se uma investigação emaranhada, que jogou luz sobre as perigosas ligações entre empreiteiras (grandes doadoras de campanhas eleitorais) e partidos políticos (principais patrocinadores das nomeações para Administração da Petrobras), desenvolvidas por meio de contratos públicos. O jornal levanta a questão sobre como a Petrobras irá sobreviver a essa “limpeza” feita pela Lava Jato. Como solução, mas também risco, o jornal fala sobre a privatização da empresa e trata da possibilidade de a empresa ter suas ações suspensas na Bolsa de Nova Iorque. Sobre a Petrobras, destaca-se também o texto “Um enorme escândalo de corrupção agita o Brasil”28, do Le Figaro, publicado no dia 14 de dezembro de 2014. Ele aborda a sétima fase da Lava Jato, intitulada “Juízo Final”, que revelou

28 Tradução nossa. Título original: “Un gigantesque scandale de corruption ébranle le Brésil”. Publicado em: 11/12/2014.

37 um esquema de propinas pago pelas principais empreiteiras brasileiras Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez em obras da Petrobras. No início do texto, o Le Figaro diz que essas empresas ganharam poder na década de 50, quando Brasília foi construída, e que, desde então, estão por toda parte, com relevância desde o agronegócio e o setor químico até o financiamento de campanhas eleitorais. Há, no primeiro parágrafo, uma grande crítica à imprensa brasileira, pois o Le Figaro aborda o fato de essas empresas, mesmo quando envolvidas em escândalos, não receberem questionamentos dos jornais do país, principalmente por serem as primeiras consumidoras de inserções publicitárias, ou seja, as responsáveis pela receita dos veículos de comunicação. Nesse trecho, é colocada em cheque a ética da imprensa nacional. Nota-se também uma crítica à política brasileira e um elogio à Lava Jato quando a jornalista diz que, no país, os corruptos são apontados, mas rapidamente esquecidos, e os corruptores jamais são designados, por isso a importância da Operação. O julgamento moral perceptível aponta para o fato de que no Brasil a corrupção é institucionalizada e que não há punições severas para os poderosos. Neste texto, a Lava Jato já é tratada como uma “gigantesca operação policial” com foco na lavagem de dinheiro relacionada à Petrobras. Ao explicar a Operação, o Le Figaro diz que a Lava Jato revelou que praticamente todos os investimentos feitos pela Petrobras são superfaturados e que as grandes empreiteras formavam cartéis para vencer licitações da petrolífera e desviar dinheiro de obras públicas. O jornal explica também que o esquema é anterior ao governo de Dilma Rousseff e Lula da Silva e deve funcionar na Petrobras há, pelo menos, quinze anos. Identificamos que o enquadramento predominante nesse texto é o de responsabilização, pois a denúncia estrutura a matéria e define o ângulo da notícia, indicando o comportamento antiético dos atores políticos nesse escândalo midiático. Sobre a abordagem de escândalos pela imprensa, Thompson (2002) considera que:

São as manchetes dos jornais, a presença de avaliações negativas na imprensa, as críticas e por vezes as humilhantes caricaturas das pessoas cujas ações (reais ou impostas) que são o objeto de reprovação: é a apresentação repetida desses atos

38

midiáticos de comunicação que gera o clima de desaprovação característico dos escândalos midiáticos. [...] A apresentação de juízos negativos na imprensa pode facilmente tornar-se um discurso autorreferente e o quanto o clima moral gerado por ela irá corresponder às atitudes dos receptores permanece uma questão aberta (THOMPSON, 2002, p.97).

Apesar de ter sido Ministra de Minas e Energia e Chefe da Casa Civil do governo de Lula, período em que o esquema se desenrolou, Dilma mostra-se sem culpas e encara a Operação Lava Jato de forma positiva no Le Figaro, dizendo que a investigação pode mudar o Brasil para sempre, já que, com ela, a impunidade terá um fim. A presidenta é, aqui, mostrada como alguém que está contribuindo com a Operação e que, apesar de ter várias pessoas próximas com o nome envolvido no escândalo, não fez nada para barrar as investigações. As consequências da Lava Jato para a Petrobras são enquadradas pelo Le Figaro como “catastróficas”, pois a empresa poderia paralisar seus investimentos, perder valor na Bolsa de Valores e, ainda, ser processada por investidores norte-americanos. Menashe e Siegel (1998) observam que o enquadramento é uma espécie de “metacomunicação” que define o que será comunicado na sequência de uma série de mensagens. O sentido da próxima informação recebida é estipulado pelo enquadramento metacomunicacional prévio, responsável por estabelecer o que está acontecendo e por indicar os modos de agir ou de compreender compatíveis com uma dada situação. Percebemos, assim, que a fala de Paulo Roberto Costa, apresentada depois do trecho sobre as consequências catastróficas da Operação, exemplifica a ideia principal do texto, que é mostrar que a corrupção está presente em todos os setores do Brasil:

Para a Petrobras, as consequências são catastróficas. O questionamento dos contratos poderá paralisar os seus investimentos, suas ações na Bolsa caíram e ela já está sendo processada por acionistas americanos. Mas o esquema revelado vai muito além. “O que aconteceu na Petrobras acontece em todo o Brasil. Nas estradas, ferrovias, portos, barragens, isso acontece em todo o Brasil; basta investigar”, confessou Paulo Roberto Costa, um ex-diretor de fornecimento da Petrobras, designado como âncora desta gigantesca máquina de corrupção29.

29 Tradução nossa. Texto original: “Pour Petrobras, les conséquences sont catastrophiques. La remise en cause des contrats pourrait paralyser ses investissements, son cours en Bourse s'est 39

Dos três jornais, o Libération é o que dá menos destaque para a Petrobras. Não identificamos no período analisado nenhuma matéria que trate estritamente dos escândalos e das suas consequências para a petrolífera. De forma geral, no jornal, a Petrobras foi mais citada em textos que tratavam da fragilidade do governo de Dilma Rousseff e de seu processo de impeachment. No texto “Quem ainda quer salvar a esquerda brasileira?”30, o Libération diz que o escândalo Petrobras, ou seja, a Operação Lava Jato, fragilizou ainda mais o governo de Rousseff. Já no texto “Michel Temer, o restaurador”31, o Libération diz que o PMDB (hoje MDB), partido do presidente Temer, que assumiu o poder após o golpe parlamentar sofrido por Dilma Rousseff, está envolvido na Operação Lava Jato, assim como o novo governante do país. Segundo o jornal, a Lava Jato é responsável pela investigação de desvio de dinheiro que custou quase 2 bilhões de euros para a Petrobras. Assim como, em um primeiro momento, especialmente em 2015 e no primeiro semestre de 2016, os jornais abordam os casos de corrupção na Petrobras como algo escandaloso e impactante, em um segundo momento tratam da recuperação do crédito e da receita da petrolífera. No dia 11 de novembro de 2016, o Le Monde publicou a matéria “O doloroso renascimento da Petrobras”32, que fala que, após uma profunda reestruturação, a companhia conseguiu “levantar a cabeça” e aumentar o valor de suas ações em 150% desde janeiro de 2016. A mancha que a Lava Jato causou na imagem da petrolífera e o fato de ela ter perdido mais de R$6 bilhões são assuntos abordados na matéria. Há também espaço para a petrolífera fazer sua defesa:

effondré, elle est déjà poursuivie en justice par des actionnaires américains. Mais le montage révélé va bien au-delà. «Ce qui s'est passé au sein de Petrobras se passe dans tout le Brésil. Pour les routes, les chemins de fer, les ports, les aéroports, les barrages, cela se passe dans tout le Brésil; il suffit de se renseigner», a confessé Paulo Roberto Costa, un ex-directeur d'approvisionnement de Petrobras, désigné comme la cheville politique de cette gigantesque machine à corruption”. 30 Tradução nossa. Título original: “Qui veut encore sauver la gauche brésilienne?”. Publicado em: 01/04/2016. 31 Tradução nossa. Título original “Michel Temer, le restaurateur”. Publicado em: 04/09/2016. 32 Tradução nossa. Título original: “La douloureuse renaissance de Petrobras”. Publicado em 11/11/2016. 40

A Petrobras deixou no caso mais de 6 bilhões de reais. O preço de suas ações entrou em colapso, sua dívida explodiu e sua imagem parece estar sempre manchada. "A Petrobras é uma vítima", argumenta o grupo, observando que menos de uma dúzia de réus são ex-executivos da empresa33

A chegada de Pedro Parente à presidência da companhia, em maio de 2016, é apresentada como o principal motivo para a retomada do crescimento da Petrobras. No entanto, ao falar que ele queria virar a página de maus momentos da companhia, acabando com as nominações políticas para cargos da petrolífera, o Le Monde enquadra a Petrobras de forma negativa, com uma comparação ao Titanic, enorme navio que afundou em 1912.

A bordo do "Titanic" desde maio, como às vezes se chama a Petrobras, Pedro Parente tenta virar a página. Ex-conselheiro do Fundo Monetário Internacional (FMI), ex-ministro que se destacou na gestão de uma crise energética no Brasil, a crise do apagão no início dos anos 2000, dá a si mesmo cinco anos ou até menos para fazer da Petrobras uma empresa de sucesso, capaz de produzir 3,41 milhões de barris por dia em 2021 (contra 2,88 milhões de barris em setembro de 2016)34.

Alsina (1989) explica que a determinação dos acontecimentos se dá em um inevitável processo de intertextualidade, pois o acontecimento é o resultado de um fato com outros fatos anteriormente separados uns dos outros, por meio da informação. Ao citar o Titanic, o Le Monde espera que seus leitores tenham conhecimento prévio sobre o episódio e compartilhem os mesmos sentidos, considerando navio como o sinônimo de uma tragédia. A matéria é finalizada com uma perspectiva menos otimista sobre a companhia. Ao dar voz a José Maria Rangel, membro da Federação Única dos Petroleiros (FUP), o Le Monde levanta a possibilidade de o escândalo de corrupção envolvendo a Petrobras ter servido para uma política neoliberal de

33 Tradução nossa. Texto original: “Petrobras a laissé dans l’affaire plus de 6 milliards de reais. Son cours de Bourse s’est effondré, sa dette a explosé et son image semble à jamais entachée. « Petrobras est une victime », plaide-t-on au sein du groupe, soulignant que moins d’une dizaine d’accusés sont d’anciens cadres de la société”. 34 Tradução nossa. Trecho original: “A bord du « Titanic » depuis mai, comme est parfois désigné Petrobras, Pedro Parente tente de tourner la page. Ancien conseiller du Fonds monétaire international (FMI), cet ex-ministre qui s’est illustré dans la gestion d’une crise énergétique au Brésil, la crise « do apagao » au début des années 2000, se donne cinq ans, voire moins, pour faire à nouveau de Petrobras une entreprise performante capable de produire 3,41 millions de barils par jour en 2021 (contre 2,88 millions en septembre)”. 41 abertura dos recursos naturais ao capital estrangeiro. No final, o texto diz que a saga da Petrobras ainda não acabou, o que sugere que outras reviravoltas podem acontecer na companhia, apesar da melhoria de sua situação. Sobre o mesmo tema, a recuperação da Petrobras, o Le Figaro apresenta um tom mais positivo na matéria “Petrobras, o gigante caído, endireita a cabeça”35. Podemos perceber isso no trecho: “Atingida no coração pelo maior escândalo de corrupção na história do Brasil e desmoronando sob uma dívida abismal, a gigante do petróleo brasileira está agora recuperando as cores36”. No texto, Michel Temer credita a melhora como “resultado do trabalho responsável feito em seu governo”. O Le Figaro, no entanto, dá voz ao presidente, mas não cita em momento algum da matéria o envolvimento dele na Operação Lava Jato, assim como os inúmeros casos de corrupção envolvendo políticos do partido do qual faz parte. Designar a melhora dos resultados da Petrobras ao governo de Michel Temer, sem abordar os escândalos nos quais está envolvido, é irresponsável da parte do Le Figaro, especialmente porque, como sugere Steve Reese (2001), os enquadramentos possuem qualidade dinâmica e capacidade de projetar o conhecimento futuro na medida em que condiciona a percepção de novas experiências.

1.5 Enquadramentos de responsabilização de Dilma Rousseff

Apesar de não ser alvo de acusações formais na Operação Lava Jato, a ex-presidenta Dilma Rouseff é uma das personagens mais recorrentes na cobertura sobre o tema nos três jornais franceses. Sua posição de governante do país, a instabilidade de seu governo, que culminou no seu impeachment, e o fato de diversos políticos envolvidos no escândalo da Lava Jato serem de seu partido (PT), são fatores que podem explicar sua constante presença nas matérias sobre a investigação.

35 Tradução nossa. Título original: “Petrobras, le géant déchu, redresse la tête”. Publicada em: 04/05/2017. 36 Tradução nossa. Trecho original: “Atteint au cœur par le plus grand scandale de corruption de l'histoire du Brésil, croulant sous une dette abyssale, le géant pétrolier brésilien retrouve aujourd'hui des couleurs”. 42

Das 103 matérias que contêm o termo “Lava Jato” identificadas no Le Monde, Dilma Rousseff é citada de alguma forma em 75 textos (72,8%). No Le Figaro, ela aparece em 25 das 35 matérias (71,4%) e no Libération, em 26 dos 30 textos analisados (86,6%) do material. Em nossa análise, identificamos a predominância de três enquadramentos sobre Rousseff ao longo da cobertura da Lava Jato: de forma geral, em um primeiro momento, algumas matérias citam apenas o envolvimento de seus colegas de partido no escândalo e tratam da crise na petrolífera resgatando o cargo de presidenta do Conselho de Administração da Petrobras entre 2003 e 2010; a partir de março de 2016, Dilma é apresentada como alguém que queria obstruir a justiça ao indicar Lula para o Ministério da Casa Civil, retirando, assim, as possibilidades de ele ser preso na investigação da Lava Jato; e há também diversos textos que mostram a Lava Jato como responsável pelo enfraquecimento do governo de Dilma. Ao mesmo tempo em que Dilma é, em alguns momentos, especialmente no Le Monde e no Le Figaro, responsabilizada em partes pela Lava Jato, a operação também é mostrada como um dos elementos que a levou à destituição, mesmo que indiretamente. Muitas matérias não dizem que Dilma está envolvida ou é culpada na Operação Lava Jato, mas, através de indícios textuais, sugerem a relação da presidenta com o escândalo. Como exemplo, podemos citar os textos do Le Monde “Grande revelação antes da eleição presidencial”37, no qual Dilma é citada como pertencente à mesma formação partidária de Paulo Roberto Costa, preso por lavagem de dinheiro, “No Brasil, 54 personalidades da política ligadas ao dossier Petrobras”38, onde Dilma é citada como pertencente à mesma coalizão parlamentar de diversos envolvidos na “lista de Janot”, e também o texto “Brasil: novas prisões de dirigentes no escândalo de corrupção Petrobras”39, que associa a presidente ao nome de João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, preso pela Operação Lava Jato em abril de 2015.

37 Tradução nossa. Título original: “Grand déballage avant les élections brésiliennes”. Publicado em: 06/09/2014. 38 Tradução nossa. Título original: “Au Brésil, 54 personnalités liées à la politique visées dans le dossier Petrobras”. Publicado em: 04/03/2015. 39 Tradução nossa. Título original: “Brésil: nouvelles arrestations de dirigeants dans le scandale de corruption Petrobras”. Publicado em: 19/06/2015. 43

É preciso considerar que o enquadramento de uma notícia parece se estabelecer como uma inferência a ser feita a partir do conteúdo, mas não é necessariamente visível em um primeiro momento: é na observação dos direcionamentos, indicações léxicas, referências, proximidades e distanciamentos semânticos que o enquadramento – como parâmetro metacomunicacional – se revela. Dessa forma, apesar de Dilma não ser uma das investigadas na Lava Jato, ao ser associada com figuras envolvidas em escândalos de corrupção, também tem sua imagem afetada.

Tabela 2- Enquadramentos que relacionam Dilma Rousseff a envolvidos na Operação Lava Jato e/ou resgatam o cargo que ocupou na Petrobras Trecho Jornal Segundo a Folha, eles seriam políticos do LE MONDE (06/09/2014) Partido dos Trabalhadores (PT), formação da presidente de saída, Dilma Rousseff, de seu grande aliado parlamentar, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e de uma outra formação aliada, o Partido Progressista (PP)40. Alguns desses subornos foram, segundo LE MONDE (04/03/2015) as investigações, pagos ao Partido dos Trabalhadores (PT), da presidente Dilma Rousseff, e a muitos funcionários eleitos ou partidos de sua coalizão parlamentar41. Em 15 de março, quase dois milhões de LE MONDE (07/03/2015) internautas indicaram nas redes sociais que iriam às ruas para exigir sua demissão. Dilma Rousseff atuou como

40 Tradução nossa. Trecho original: “il s'agirait d'élus du Parti des travailleurs (PT), formation de la présidente sortante, Dilma Rousseff, de son grand allié parlementaire, le Parti du mouvement démocratique brésilien (PMDB) et d'une autre formation alliée, le Parti progressiste (PP)”. 41 Tradução nossa. Trecho original: “Une partie de ces dessous-de-table étaient, selon les investigations, reversés au Parti des travailleurs (PT) de la présidente Dilma Rousseff ainsi qu'à de nombreux élus ou partis de sa coalition parlementaire”. 44

Ministra de Energia entre 2003 e 2005 no Conselho de Administração da Petrobras42. O tesoureiro do partido da presidente LE MONDE (24/04/2015) Dilma Rousseff foi indiciado na semana passada, com base em depoimentos colhidos durante a Operação Lava Jato43. Parte dessas comissões foram doadas a LE MONDE (19/06/2015) políticos, em sua maioria parlamentares ou senadores da coalizão governista, incluindo João Vaccari, ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT) da presidente Dilma Rousseff, detido no início de abril. Além disso, no mês passado, a Petrobras LE FIGARO (12/04/2014) criou outra comissão interna para investigar a compra questionável em 2006 da refinaria de Pasadena, no Texas, que custou no total 1,1 bilhão de dólares e que envolve a atual presidente do Brasil Dilma Rousseff, na época à frente do Conselho de Administração do grupo44. Uma economia à beira da recessão e um LIBÉRATION (27/02/2015) novo escândalo de corrupção envolvendo o Partido dos Trabalhadores (PT), sua própria formação: para a presidente brasileira, Dilma Rousseff, reeleita em

42 Tradução nossa. Trecho original: “Le 15 mars, près de deux millions d’internautes ont indiqué sur les réseaux sociaux qu’ils descendraient dans les rues pour exiger sa destitution. Dilma Rousseff avait siégé en tant que ministre de l’énergie, entre 2003 et 2005, au conseil d’administration de Petrobras”. 43 Tradução nossa. Trecho original: “Le trésorier du parti de la présidente Dilma Rousseff avait été mis en examen la semaine dernière, sur la foi de témoignages recueillis dans le cadre de l'opération « Lava Jato » (nettoyage automobile)”. 44 Tradução nossa. Trecho original: “En outre, Petrobras a mis en place le mois dernier une autre commission interne pour enquêter sur l'achat douteux en 2006 de la raffinerie Pasadena au Texas qui lui aura coûté au total 1,1 milliard de dollars et qui implique l'actuelle présidente du Brésil, Dilma Rousseff, à l'époque à la tête du Conseil d'administration du groupe”. 45

outubro, é a "tempestade perfeita", como dizem os analistas45. Fonte: elaboração da autora

Em nossa análise, identificamos que esse enquadramento que liga Dilma Rousseff indiretamente ao escândalo da Lava Jato e aos problemas da Petrobras é mais frequente no jornal Le Monde, como indica tabela acima, e teve maior incidência no ano de 2015. Como exemplo, podemos citar o texto “Tremor de terra político no Brasil”46, que fala sobre o envolvimento das 54 personalidades políticas na Lava Jato, abordando a divulgação dos nomes presentes na “Lista de Janot”, com a revelação da quantidade de senadores, deputados, governadores e ex- dirigentes políticos. São citados os nomes do então presidente da Câmara de Deputados , do então presidente do Senado Renan Calheiros, do senador do PT Lindbergh Farias, da ex-Chefe da Casa Civil e senadora , também do PT, e do ex-presidente e senador Fernando Collor. Percebemos que, em março de 2015, mais de um ano antes da destituição de Dilma Rousseff, a Lava Jato já é tratada como um fator que poderia contribuir para o enfraquecimento do governo. O texto cita que, depois da revelação dessa lista de envolvidos, o PMDB, aliado-chave do governo, exigiu um reequilibrio dos cargos ministeriais a seu favor. Uma fonte anônima, tratada como “um responsável pela formação política de centro” diz que “ou o PT compartilha o poder ou perde tudo”47. Neste trecho, fica evidente o papel decisivo que o PMDB teria na configuração do impeachment, especialmente porque, sem seu apoio, Dilma não conseguiria a maioria para governar. Enquadramento semelhante é verificado no texto “Rousseff tenta escapar do ‘Petrolão’”48, publicado em 27 de fevereiro de 2015 no jornal Libération. O título da matéria sugere que Dilma tenta enfrentar a crise do Petrolão sem se

45 Tradução nossa. Trecho original: “Une économie au bord de la récession et un nouveau scandale de corruption impliquant le Parti des travailleurs (PT), sa propre formation: pour la présidente brésilienne, Dilma Rousseff, réélue sur le fil en octobre, c’est la «tempête parfaite», comme disent les analystes”. 46 Título original: “Tremblement de terre politique au Brésil”. Publicado em 07/03/2015. 47 Tradução nossa. Texto original: “Ou le PT partage ou il perd tout », prédit un responsable de la formation centriste”. 48 Tradução nossa. Título original: “Rousseff tente de passer entre les goutes du Petrolao”. Publicado em: 27/02/2015. 46 sujar, ou seja, sem se comprometer. Na linha fina da matéria, o jornal diz que a investigação do escândalo de propinas na Petrobras, que alimentou o caixa 2 do Partido dos Trabalhadores, desestabilizava o governo de Dilma, que estava passível de impeachment. A Operação Lava Jato é enquadrada no Libération como uma investigação que “está fazendo o Palácio do Planalto tremer”, pois revelou os perigosos vínculos entre os partidos políticos brasileiros e as empreiteiras, doadoras em campanhas eleitorais.

O texto aborda a baixa popularidade de Dilma Rousseff na época e mostra a ex-presidenta como “fragilizada” pela situação política do país e pelo escândalo no qual seu partido se envolveu. O Libération também resgata o fato de que Dilma, tratada como “a protegida de Lula”, ao assumir a presidência em 2011, fez questão de “forjar uma imagem de integridade” ao demitir sete ministros acusados de corrupção. De qualquer forma, o jornal deixa claro que a presidenta não estava envolvida diretamente no Petrolão, apesar de ter presidido o conselho de administração de Petrobras durante os dois mandatos de Lula, tratado no texto como “ex-sindicalista”.

Há, na matéria do Libération, uma relação entre a Lava Jato e o escândalo do Mensalão quando se fala sobre os abalos sofridos na imagem do PT. O jornal diz que, até o Mensalão, o PT era considerado como um partido incorruptível e que, no Petrolão, apesar de o partido tentar se manter firme, é uma maior intolerância dos brasileiros em relação a escândalos de corrupção.

Na matéria, a possibilidade de destituição de Dilma Rousseff também é abordada e a Operação Lava Jato é tratada como um fator que poderia fragilizar ainda mais a imagem da presidenta.

O Le Figaro também resgatou o antigo cargo de Dilma na Petrobras para relacioná-la ao escândalo da Lava Jato. No final do texto “Petrobras acusada de lavagem de dinheiro”, o jornal fala sobre a investigação da refinaria de Pasadena, e diz que Dilma estava à frente do grupo no período dessa “compra duvidosa”.

A partir de 2016, os enquadramentos da ex-presidenta mudaram de foco e ela passou a ser enquadrada pelos jornais Le Monde e Le Figaro de uma forma

47 mais agressiva, especialmente pelo fato de seu governo estar bastante fragilizado e por ter nomeado Lula como Ministro da Casa Civil, algo que não foi bem aceito por uma parcela da população que enxergou nisso uma manobra para ele livrar-se da Lava Jato. No Libération não identificamos esses enquadramentos.

Tabela 3- Enquadramentos de Dilma Rousseff como cúmplice de Lula e/ou alguém disposta a obstruir a justiça

Trecho Jornal Irritados com Lula, o "demago", e Dilma LE MONDE (14/03/2016) Rousseff, sua sucessora e atual presidenta, de quem eles pedem por um impeachment49. O exemplo mais espetacular remonta a LE MONDE (17/03/2016) março de 2016, quando tornou públicas quase cinquenta gravações, incluindo uma conversa telefônica entre a presidenta Dilma Rousseff e seu mentor, Luiz Inácio Lula da Silva. Nesta troca, a Sra. Rousseff informa seu antecessor na presidência que ela lhe entregará seu decreto de nomeação ao governo50. Nesta gravação de um minuto e meio, LE MONDE (17/03/2016) Dilma Rousseff avisa a seu antecessor que lhe enviará seu "decreto oficial" para que ele possa "usá-lo quando necessário". Esses poucos segundos, ouvidos como prova do crime, acenderam na noite de quarta-feira cerca de trinta

49 Tradução nossa. Trecho original: “En colère contre Lula, le « démago », et Dilma Rousseff, sa successeure et actuelle présidente, dont ils réclament la destitution”. 50 Tradução nossa. Trecho original: “L’exemple le plus spectaculaire remonte à mars 2016, lorsqu’il a rendu publics près de cinquante enregistrements, dont celui d’une conversation téléphonique entre la présidente Dilma Rousseff et son mentor, Luiz Inacio Lula da Silva. Dans cet échange, MmeRousseff informe son prédécesseur à la présidence qu’elle va lui faire parvenir son décret de nomination au gouvernement”. 48

cidades, incluindo Brasília e São Paulo, onde a multidão exigiu a imediata renúncia de Dilma Rousseff e a prisão de Lula51. Este confronto é encontrado na rua febril LE MONDE (18/03/2016) após as últimas revelações do escândalo Petrobras. A multidão já se reuniu várias vezes, para exigir a saída de Dilma Rousseff. Mas até então, a antiga guerrilheira era pouco defendida por seus partidários52. A presidenta brasileira está mais do que LE MONDE (18/03/2016) nunca envolvida no escândalo. Ex- ministra da Energia, ministra da fiscalização da Petrobras e ex-presidenta do conselho de administração da gigante petrolífera, ela só poderia estar, para muitos brasileiros, ciente das práticas da empresa no coração de um tentacular caso de corrupção53. Dilma Rousseff é criticada por ter LE MONDE (30/03/2016) recorrido a uma "pedalada orçamentária" que permite minimizar o gasto de um ano, transferindo-o para outro por meio de empréstimos públicos. Ela também é suspeita de ter recentemente obstruído a justiça ao nomear ao governo seu mentor,

51 Tradução nossa. Trecho original: “Dans cet enregistrement d’une minute et demie, Dilma Rousseff prévient son prédécesseur qu’elle lui fera parvenir son « décret officiel » de nomination afin qu’il puisse « s’en servir en cas de besoin ». Ces quelques secondes, entendues comme la preuve du délit, ont embrasé mercredi soir une trentaine de villes dont Brasilia et Sao Paulo, où la foule appelait à la démission immédiate de Dilma Rousseff et à l’emprisonnement de Lula”. 52 Tradução nossa. Trecho original: “Cette confrontation se retrouve dans la rue enfiévrée après les derniers déballages du scandale Petrobras. La foule s’est massée à plusieurs reprises, déjà, pour réclamer le départ de Dilma Rousseff. Mais jusqu’alors, l’ancienne guérillera n’était que mollement défendue par ses soutiens”. 53 Tradução nossa. Trecho original: “La présidente brésilienne est plus que jamais embourbée dans le scandale. Ancienne ministre de l’énergie, le ministère de tutelle de Petrobras, et ancienne présidente du conseil d’administration du géant pétrolier, elle ne pouvait être, pour beaucoup de Brésiliens, que forcément au courant des pratiques de la société au cœur d’une tentaculaire affaire de corruption”. 49

o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), também suspeito de corrupção54. Segundo ele, Dilma Rousseff teria se LE FIGARO (15/03/2016) beneficiado de fundos ilícitos para financiar sua campanha eleitoral em 2014. Ela e Lula também teriam tentado freiar a investigação chamada "Lava Jato" (literalmente "lavagem expressa"), que revelou há dois anos desvios dentro da companhia petrolífera nacional Petrobras55. Quarta-feira, Dilma Rousseff pensou ter LE FIGARO (18/03/2016) recuperado o controle, nomeando Lula como ministro. Ela foi processada por um juiz federal em Brasília, que ordenou a suspensão de sua nomeação. No processo, uma dúzia de pedidos semelhantes foram feitos, porque acredita-se que a nomeação de Lula como primeiro-ministro constitua um entrave à justiça56. Mas o vazamento da escuta judicial de LE FIGARO (11/05/2016) uma conversa embaraçosa entre a presidenta e seu antecessor envenenou as coisas e fez com que alguns brasileiros furiosos fossem para as ruas. Nesta

54 Tradução nossa. Trecho original: “On reproche à Dilma Rousseff d’avoir eu recours à un « pédalage budgétaire » permettant de minimiser les dépenses d’une année en les reportant sur une autre par le biais d’emprunts publics. Elle est également suspectée depuis peu d’avoir fait obstruction à la justice en nommant au gouvernement son mentor, l’ancien président Luiz Inacio Lula da Silva (2003-2010), soupçonné, lui aussi, de corruption”. 55 Tradução nossa. Trecho original: “Selon lui, Dilma Rousseff aurait bénéficié de fonds illicites pour financer sa campagne électorale en 2014. Elle et Lula auraient également tenté de freiner l'enquête baptisée «Lava Jato» (littéralement «lavage express») qui a révélé il y a deux ans les détournements au sein de la compagnie nationale d'hydrocarbures Petrobras”. 56 Tradução nossa. Trecho original: “Mercredi, Dilma Rousseff a cru reprendre la main, en nommant Lula ministre. Elle a été prise de vitesse par un juge fédéral de Brasilia, qui ordonnait en référé la suspension de sa désignation. Dans la foulée, une dizaine de demandes similaires ont été déposées, car on estime que la désignation de Lula comme premier ministre constituerait une entrave à la justice”. 50

gravação, a presidenta chama Lula para lhe dizer que ela lhe enviaria seu "decreto oficial" de nominação para que ele pudesse "usá-lo se necessário". Um trecho interpretado por muitos como a confirmação de que um dos objetivos da nomeação de Lula era garantir imunidade para ele57. Fonte: elaboração da autora

A nomeação de Lula ao cargo de Chefe da Casa Civil é abordada não apenas como uma tentativa desesperada de Dilma Rousseff salvar-se do impeachment, mas também uma saída para Lula obter foro privilegiado e se livrar do julgamento de Sergio Moro na Lava Jato. Há alguns textos que mostram Lula como mentor de Dilma Rousseff, outros que abordam a ex-presidente como bastante impopular. De forma geral, Dilma é enquadrada como alguém disposta a fazer um entrave à justiça para livrar seu companheiro da cadeia. Os cargos de confiança que Dilma Rousseff ocupou nos governos de Lula são resgatados constantemente, o que potencializa ainda mais a percepção de uma relação de cumplicidade entre ambos. Hample, Warner e Young (2008) sugerem a precedência da definição da situação como condição para a troca de mensagens: apenas quando se define o que está acontecendo, torna-se possível dar início à relação de comunicação. Dessa maneira, a compreensão de um determinado fato não é prerrogativa individual, mas ocorre em um tensionamento com os elementos aprendidos anteriormente, aptos a gerar uma determinada percepção. Por essa razão, no enquadramento noticioso, a compreensão de uma notícia como “real” depende em boa medida de sua adequação aos quadros de sentido de seus potenciais leitores.

57 Tradução nossa. Trecho original: “Mais la fuite de l'écoute judiciaire d'une conversation embarrassante entre la présidente et son prédécesseur a envenimé les choses et fait descendre certains Brésiliens en colère dans la rue. Dans cet enregistrement, la présidente appelle Lula pour lui dire qu'elle va lui faire parvenir son «décret officiel» de nomination afin qu'il puisse «s'en servir en cas de nécessité». Un extrait interprété par beaucoup comme la confirmation que l'un des objectifs de la nomination de Lula était bien de lui assurer l'immunité”. 51

Além disso, em diversos textos, como em “No Brasil, o duelo entre o ex- presidente Lula e o juiz Moro”, Dilma é enquadrada como “ex-guerrilheira”, palavra que tem conotação negativa, especialmente por, no imaginário de muitos, estar ligada à desordem e ao cometimento de crimes. Yang (2015) aponta que enquadramentos de estereótipos são mais construídos em relação a grupos minoritários, profissionais do sexo feminino (onde se encaixa Dilma Rousseff) e outros grupos socialmente vulneráveis. A juventude de Dilma, na época da ditadura militar brasileira, costuma ser abordada pela imprensa de forma negativa, com a ex-presidente em uma posição estereotipada. Ao longo de seu mandato, Dilma foi diversas vezes julgada, não por questões de competência, mas por ser mulher. A misoginia contra Dilma foi constante em seu governo, como apontam os trabalhos de Lima e Oliveira (2015) e Zdebskyi, Maranhão e Pedro (2015). Em um terceiro momento, Dilma deixa de ser abordada como responsável por entraves à Lava Jato e é a operação em si que passa a ser enquadrada como responsável pela queda da ex-presidenta, ou seja, Dilma passa a ser mostrada como uma vítima das circunstâncias. Em nossa análise, identificamos que esse enquadramento foi mais saliente na cobertura feita pelo Libération, o que já era esperado, levando em consideração o posicionamento político desse veículo de comunicação, mais alinhado à ideologia do PT.

Tabela 4- Enquadramentos de Dilma como vítima da Lava Jato

Trecho Jornal Desde o início de 2015, as perdas de LE MONDE (05/02/2016) emprego chegam a mais de 1,5 milhão, a moeda entra em colapso, a inflação cai, o caso Lava Jato - operação "Mãos Limpas" versão brasileira - enoja os cidadãos, a presidente Dilma Rousseff está ameaçada de destituição58.

58 Tradução nossa. Trecho original: “Depuis début 2015, les pertes d’emplois se chiffrent à plus d’1,5 million, la monnaie s’effondre, l’inflation dérape, l’affaire Lava Jato – opération « mains propres » version brésilienne – écœure les citoyens, la présidente Dilma Rousseff est menacée de destitution”. 52

Os homens atacaram quando a "Lava LE MONDE (12/05/2017) Jato", depois de abalar o PT, começou a chegar ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), ela [Dilma] explica. "Era necessário se livrar de mim ‘para conter a hemorragia ", diz ela, referindo-se às escutas telefônicas de março de 2016, tornadas públicas após sua demissão. Nessa gravação, ouvimos o senador Romero Jucá (PMDB) sugerir a Sergio Machado, ex-presidente da Transpetro, subsidiária do grupo petrolífero estatal Petrobras, que mude o governo federal para "estancar a sangria": uma referência explícita à investigação "Lava Jato" que a presidenta teria deixado avançar rápido demais para o seu gosto59. Quando ele [Newton Ishii- japonês da LIBÉRATION (27/01/2016) Federal] aparece pela terceira vez, todo o Brasil quer saber quem é esse onipresente policial federal encarregado da investigação que abala o governo de Dilma Rousseff e o leva a abismos de impopularidade60. Sua sucessora e protegida Dilma LIBÉRATION (31/03/2016) Rousseff vacila, visada por um

59 Tradução nossa. Trecho original: “Des hommes passés à l’attaque, quand « Lava Jato », après avoir ébranlé le PT, a commencé à atteindre le Parti du mouvement démocratique brésilien (PMDB) et le Parti de la social-démocratie brésilienne (PSDB), explique-t-elle. « Il fallait se débarrasser de moi “pour contenir l’hémorragie” », raconte-t-elle, évoquant les écoutes datant du mois de mars 2016, rendues publiques après sa destitution. Dans cet enregistrement, on entend le sénateur Romero Juca (PMDB) suggérer à Sergio Machado, ex-président de Transpetro, filiale du groupe public pétrolier Petrobras, de modifier le gouvernement fédéral pour « stopper l’hémorragie » : une référence explicite à l’enquête « Lava Jato » que la présidente aurait laissé avancer un peu trop rapidement à leur goût”. 60 Tradução nossa. Trecho original: “Quand il apparaît pour la troisième fois, tout le Brésil veut savoir qui est cet omniprésent agent de la police fédérale chargé de l’enquête qui fait trembler le gouvernement de Dilma Rousseff et l’entraîne vers des abîmes d’impopularité”. 53

procedimento de destituição, fragilizada, por sua vez, pelo gigante escândalo de desvio de dinheiro na Petrobras, a gigante petrolífera, em benefício da coalizão governante61. Mas hoje, a investigação parece mais LIBÉRATION (04/03/2016) grave e ameaça atingir Dilma Rousseff62. Fragilizada pelo escândalo da Petrobras, LIBÉRATION (24/08/2016) abandonada por seus aliados, a presidenta brasileira se defende a partir desta quinta-feira contra o Senado, onde a oposição de direita sonha em destituí- la63. As devastadoras revelações da chamada LIBÉRATION (15/03/2017) investigação Lava Jato ("lavagem expressa") levaram ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff no ano passado, tirando o Partido dos Trabalhadores (PT) do poder que detinha desde 200364. Fonte: elaboração da autora

Em maio de 2017, após um ano do afastamento de Dilma Rousseff do governo, que acabou culminando em seu impeachment, o Le Monde entrevistou a ex-presidenta e produziu uma matéria especial intitulada “Dilma Rousseff um anós após sua queda: nem remorso, nem arrependimento”65. No texto, Dilma se defende, denuncia um golpe e fala que foi bode expiatório de políticos corruptos

61 Tradução nossa. Trecho original: “Sa successeure et protégée Dilma Rousseff vacille, visée par une procédure de destitution, fragilisée à son tour par le gigantesque scandale de malversations chez Petrobras, le géant pétrolier, au profit de la coalition au pouvoir”. 62 Tradução nossa. Trecho original: “Mais aujourd’hui, l’affaire paraît plus grave et menace au passage d’emporter Dilma Rousseff”. 63 Tradução nossa. Trecho original: “Fragilisée par le scandale Petrobras, lâchée par ses alliés, la présidente brésilienne se défend à partir de ce jeudi face au Sénat, où l’opposition de droite rêve de la destituer”. 64Tradução nossa. Trecho original: “Les révélations dévastatrices de l’enquête dite Lava Jato («lavage express») avaient abouti à la destitution, l’an dernier, de la présidente Dilma Rousseff, délogeant le Parti des travailleurs (PT) du pouvoir qu’il occupait depuis 2003”. 65 Tradução nossa. Título original: “Dilma Rousseff un an après sa chute: ni remords ni regret”. Publicado em: 12/05/2017. 54 que queriam acabar com seu governo e frear a Lava Jato. Ela cita a conversa entre Romero Jucá, senador do PMDB na época, e Sergio Machado, ex- presidente da Transpetro, sobre a necessidade de retirar Dilma para “estancar a sangria”, ou seja, para não deixar que a investigação da Polícia Federal avançasse tão rápido. Nesse trecho, percebe-se que a Lava Jato foi utilizada para abalar a governabilidade de Dilma, mas também vista por muitos políticos como uma investigação que necessitava ser encerrada, pois afetaria seus mandatos. No Libération, já em 2016, encontramos textos que enquadram Dilma Rousseff como uma vítima dos efeitos da Lava Jato. Como podemos identificar na tabela acima, há matérias que falam que a Lava Jato “abala o governo de Dilma Rousseff e o leva a abismos de impopularidade”, que “Dilma está fragilizada pelo gigante escândalo de desvio de dinheiro na Petrobras”, ou que designam a culpa do impeachment da ex-presidenta à operação, como no trecho “as devastadoras revelações da chamada investigação Lava Jato ("lavagem expressa") levaram ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff no ano passado”. O texto “Dilma Rousseff abandonada entre cães e lobos”66, do Libération, diz que a direita brasileira não aceitou perder para o PT pela quarta vez consecutiva e encontrou um pretexto legal para tirar a presidenta do poder: as ditas pedaladas fiscais. Somadas a isso, as turbulências que a Lava Jato trouxe para o Brasil e a crise econômica fizeram com que Dilma perdesse ainda mais força e acabasse pagando o preço. Dilma é mostrada como alguém sozinha, abandonada de certa forma por seus partidários, que queriam que ela abandonasse o governo, e massacrada pela direita, que, como o jornal aponta, invocou Deus e a família para justificar seus votos a favor do impeachment67. De forma geral, podemos dizer que a cobertura da Lava Jato feita pelos três jornais franceses ficou centrada em três temas: na crise da Petrobras e no impacto do escândalo da Lava Jato para o Brasil, nos problemas enfrentados por Dilma Rousseff em seu governo, com as variações de enquadramento sobre a

66 Tradução nossa. Título original: “Dilma Rousseff abandonnée entre chiens et loups”. 67 Trecho original: “Que ce soit le Sénat, la presse, les Brésiliens, tous savent que les pratiques comptables reprochées à Rousseff ne sont qu’un prétexte. Presque aucun député ne les a mentionnées quand le Parlement a jugé recevable la plainte contre la Présidente, le 17 avril. Les parlementaires ont préféré invoquer Dieu ou la famille”. 55 ex-presidenta, e no embate entre o juiz Sergio Moro e o ex-presidente Lula, tema que será tratado no terceiro capítulo deste trabalho. No próximo capítulo, falaremos sobre as particularidades da imprensa internacional e sobre o papel do correspondente estrangeiro, além de analisar as fontes utilizadas pelo Le Monde, Le Figaro e Libération nas matérias relacionadas à Lava Jato. Consideramos que, no jornalismo internacional, a seleção de fontes é imprescindível para que se crie uma narrativa sobre os fatos ocorridos no exterior e para que se construa um imaginário sobre determinado país.

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2. FONTES DE INFORMAÇÃO NA COBERTURA DA OPERAÇÃO LAVA JATO

Este capítulo analisa, quantitativamente e qualitativamente, as fontes de informação utilizadas pelos veículos de comunicação franceses Le Monde, Le Figaro e Libération na cobertura da Operação Lava Jato. Espera-se identificar os principais canais de informação, os tipos de fontes mais recorrentes e o enquadramento dado a elas. Pretende-se, também, abordar as particularidades do jornalismo internacional e discutir sobre o papel e a rotina do correspondente internacional, que, muitas vezes, é responsável por cobrir sozinho todos os assuntos relativos a um país ou a um continente. Considera-se que a análise das fontes de informação é fundamental para entender os enquadramentos construídos pela imprensa francesa sobre o Brasil.

2.1 Jornalismo além de fronteiras

A curiosidade sobre o “outro” e o desejo de romper barreiras e conhecer diferentes realidades estão no cerne do jornalismo internacional, que, mais do cobrir eventos e produzir notícias sobre países estrangeiros, apresenta-se como um instrumento para a construção de imagens da sociedade que vão além das fronteiras continentais. A quem não tem acesso físico ou conhecimento geopolítico e cultural específico, o jornalismo internacional, muitas vezes, é a única forma de contato com acontecimentos ocorridos em outras partes do globo, portanto tem grande responsabilidade sobre a forma como se vê e se imagina o mundo. Diferente das editorias responsáveis pela cobertura de um tema específico, como cultura, esportes ou economia, a editoria Internacional não possui uma especialidade definida e pode abranger diversas temáticas, possuir múltiplas linguagens e ser produzida para diferentes meios. Não há consenso sobre a origem do jornalismo internacional. Enquanto alguns autores, como Guillermo de los Monteros (1998), consideram que ele surgiu após a Revolução Industrial, em meados do século XVIII, como fruto da hegemonia do capitalismo, há quem diga, como Natali (2004), que o jornalismo já nasceu internacional, a partir do século XVI, com a invenção dos newsletters do holandês Jacob Függer von der Lillie, que identificou a necessidade de

57 circulação de notícias estrangeiras para gerenciar os seus negócios. No entanto, foi no século XIX, com a melhoria das estradas, popularização do telégrafo, surgimento dos correios e consequente desenvolvimento tecnológico e aceleração da transmissão de notícias que o jornalismo internacional ganhou força e se desenvolveu. As fronteiras continentais tornaram-se mais tênues a partir de então e o jornalismo foi inserido na perspectiva do “presente instantâneo”. Criadas em meados do século XIX, tendo como marco a fundação da agência francesa Havas (porteriormente dividida entre AFP e Reuters), as agências internacionais mantêm até hoje a soberania sobre a produção e difusão de notícias no mundo. Elas operam por meio de escritórios locais, com colaboradores, articulistas, produtores e analistas em diversos países e vendem o produto de sua apuração para clientes como jornais, revistas, rádios e sites (BRASIL, 2012).

Desde o século XIX, países industrializados e com uma economia mais desenvolvida, como os Estados Unidos da América, França e Inglaterra, saíram na frente na corrida pelo poderio da imprensa, determinando o estabelecimento de uma agenda internacional e influenciando a construção de imagens nacionais e a reafirmação de estereótipos que, segundo Caponero (2007), acabam tornando-se um consenso sobre uma imagem veiculada a respeito de algo ou algum país. A tecnologia sempre foi uma grande aliada das agências de notícias internacionais. Para os jornalistas, no entanto, o ambiente das mídias digitais trouxe ainda mais exigências. Muitas vezes, eles acumulam funções e precisam desempenhar de forma ágil seu trabalho, sem muito tempo para pesquisa e apuração dos fatos. Somam-se a isso as mudanças nos hábitos de consumo de informação, com uma grande adesão às plataformas digitais e com a busca cada vez mais crescente dos usuários por participação e interatividade (AGNEZ, 2014, p.139). O cenário atual do jornalismo internacional tem se mostrado diferente da perspectiva positiva proposta por Aguiar em 2007, que considera que o advento dos novos fluxos de informação possíveis por meio da internet ajudaria a abandonar a rigidez hierárquica e centralizadora dos sistemas das agências e a

58 concentração da pauta em um número limitado de fontes e assuntos, permitindo que o repórter se liberte de todos os níveis prévios de filtros e gatekeepings, podendo chegar diretamente à origem primária das informações, além de conferir manuseabilidade sobre a matéria-prima das notícias (2007, p.60). Segundo Esperidião (2012), agências como a Associated Press (AP), Reuters e Agence France Presse (AFP) mantêm-se no topo do fornecimento dos informes noticiosos em uma configuração neoliberal de venda de notícias, onde aparentemente há um cenário competitivo que, na verdade, assemelha-se mais a um cartel do que a um ambiente de concorrência econômica formal (McCHESNEY, 2005). A autora recorre a Oliver Boyd-Barret (1980, 2008) para fazer uma analogia, emprestada do comércio tradicional, sobre a relação das agências de notícias com seus clientes, comparando-os com atacadistas e varejistas (2012, p.103). Os “atacadistas” (agências internacionais) costumam orientar os “varejistas” (clientes) sobre as tendências e o modo como disponibilizar os produtos estrategicamente para atrair o consumidor, ou seja, o telespectador, ouvinte ou leitor. No final das contas, as agências internacionais selecionam o que deve ser destacado nos noticiários e os veículos de comunicação locais adotam os valores-notícia por elas definidos. Em seu livro International Journalism (2011), Kevin Williams levanta a discussão sobre como o avanço da tecnologia tem nos oferecido uma quantidade maior de informações, produzidas, no entanto, por cada vez menos pessoas. Corremos o risco, assim, de nos tornarmos menos informados e dependentes da cobertura de poucos grupos hegemônicos. Essa realidade contrapõe-se à ideia de novo mundo apresentada por Castells (1999) que, em Sociedade em Rede, propôs que o avanço da tecnologia criaria uma sociedade baseada no informacionalismo, onde seria criada uma “infovia global pela telecomunicação móvel e pela capacidade da informática, descentralizando e difundindo o poder da informação, concretizando a promessa da multimídia e aumentando a alegria da comunicação interativa”. Castells acreditava que o amadurecimento da economia informacional e a difusão da tecnologia da informação faria com que o ser humano produzisse mais e melhor, com esforço muito menor, e substituiria o esforço físico pelo trabalho mental. Os primeiros anos do século XXI nos apontam que essas

59 previsões otimistas de Castells não aconteceram bem assim: há uma grande crise no mercado de trabalho, não apenas no Brasil, mas no mundo, muito se discute sobre a automatização da mão de obra e, no campo jornalístico, percebe- se que há uma precarização das condições de trabalho, com redução de postos e acúmulo de funções.

2.2 O papel do correspondente internacional

Não é possível falar sobre jornalismo internacional sem resgatar a importância do correspondente, repórter fixado em uma cidade estrangeira responsável por uma região pela cobertura de imprensa de uma região, país ou continente (BRASIL, 2012, p. 778). Cabe a ele acompanhar a imprensa local, estabelecer contatos com fontes estratégicas, selecionar e definir as pautas que são de interesse em seu país de origem, apurar e escrever as matérias. Ele deve ter um amplo repertório do país onde atua, além de noções histórias, geopolíticas e econômicas. No entanto, apesar dessa imersão cultural, o correspondente não deve perder o referencial de seu próprio país e nem mesmo o olhar estrangeiro que possibilita que ele observe os fatos em uma perspectiva mais conjuntural e menos interna (AGNEZ, 2014, p. 110). Agnez (2014, p. 111) divide os correspondentes internacionais em duas categorias: correspondente fixo, deslocado para fazer coberturas por um longo período de tempo, e enviado especial (parachute journalist), que vai para outra região para cobrir algum acontecimento pontual. Ela explica também que a cobertura internacional pode ser feita por stringers, colaboradores fixos sem contrato formal de trabalho, freelancers, colaboradores não contratados pelos veículos de comunicação, mas que recebem remuneração por cada trabalho realizado; jornalistas independentes, pessoas que, por conta própria, produzem e comercializam conteúdos jornalísticos; e pela contratação de nativos, pessoas de outros países contratadas para produzir conteúdos jornalísticos específicos sobre uma localidade. Para muitos jornalistas, ter a oportunidade de fazer coberturas internacionais é o ápice das suas carreiras, um sinal de reconhecimento e realização profissional. Agnez explica que essa visão romântica em relação aos

60 correspondentes internacionais está ligada à imagem que foi construída ao longo do tempo sobre o correspondente de guerra, que arrisca a própria vida em prol da informação, e também à ideia de glamour que viver no exterior pode trazer. Ignora-se, porém, o acúmulo de funções, a saudade da família, a burocracia enfrentada e até mesmo o estresse, a responsabilidade e a disciplina inerentes ao seu trabalho. O correspondente não costuma ter pautas pré-definidas e precisa definir a cobertura que será conduzida, mantendo-se constantemente atualizado sobre as notícias veiculadas na mídia local. Ele tem, portanto, grande responsabilidade pela construção da imagem do país estrangeiro onde atua. No entanto, se para os jornalistas a função é digna de prestígio, para as empresas empregadoras pode ser sinônimo de investimento e gastos. Muitos veículos de comunicação têm reduzido drasticamente suas equipes internacionais nos últimos anos, ficando cada vez mais dependentes de notícias provenientes de agências. Já em muitos casos, por falta de verba, os correspondentes ficam alocados em um país considerado como de maior relevância e, de lá, fazem a cobertura de todo o continente. É o caso de repórteres que moram e cobrem assuntos referentes ao Japão, mas também precisam tratar de tudo o que acontecer de mais relevante na Ásia, por exemplo. Segundo Aguiar (2007), o que justifica os gastos de manter um repórter em um outro país é o fato de o correspondente ter acesso direto às fontes primárias tecnologicamente inacessíveis, como pessoas mais humildes ou cidadãos em áreas remotas, além de poder descrever o clima local com “precisão”. Ele serve para “para evitar filtros, contornar discursos, além de conferir ao veículo um capital de credibilidade” (AGUIAR, 2007, p.43). De forma geral, os três jornais franceses tratados neste trabalho vão na contramão da tendência adotada por diversos meios de comunicação que já não mais mantêm correspondentes internacionais no seu quadro de funcionários e acabam dependendo unicamente das informações obtidas por meio de agências internacionais. Tanto o Le Monde quanto o Libération e o Le Figaro possuem correspondentes ou stringers no Brasil e desenvolvem coberturas mais analíticas sobre os assuntos que consideram importantes sobre o país. Das 103 matérias identificadas no Le Monde, apenas 8 foram escritas com informações de agências; no Le Figaro, o número é maior em relação ao total de matérias identificadas sobre a Operação Lava Jato, com 9 matérias, o que corresponde a

61 cerca de 25,7%. No Libération, foram encontradas apenas 2 matérias provenientes de agências em relação ao total de 30 identificadas.

Gráfico 1- Matérias de agências internacionais

MATÉRIAS DE AGÊNCIAS INTERNACIONAIS

Total de matérias Matérias de agências

103

35 30

8 9 2

L E M O N D E L E F I G A R O LIBÉRATION

Fonte: elaboração da autora

O Le Monde possui uma correspondente no Brasil responsável pela cobertura de todos os assuntos relacionados ao país. Na análise dos dados sobre a Operação Lava Jato no site do jornal, identificamos que, de março de 2014 a agosto de 2015, o repórter responsável pela cobertura era Nicolas Burcier. A partir de setembro de 2015, as matérias sobre a Lava Jato começaram a ser assinadas por Claire Gatinois, correspondente alocada em São Paulo. No Le Figaro, as matérias sobre a Operação Lava Jato foram inicialmente assinadas por Lamia Oualalou, responsável por 14 dos 35 textos referentes ao tema, e mais tarde passaram a ser assinadas por Michel Leclercq, o atual correspondente do Le Figaro que responde pelos assuntos do Brasil a partir do Rio de Janeiro. No site do jornal, há também matérias assinadas por Amaury Peyrach’, repórter que faz parte da redação francesa, e Anne Vigna, que não faz parte da equipe fixa do Le Figaro, mas escreve ocasionalmente sobre assuntos relacionados ao Brasil.

62

Quanto ao Libération, 21 das 31 matérias sobre a Lava Jato são assinadas pela correspondente Chantal Rayes, que escreve para o jornal francês a partir de São Paulo. Há também textos assinados por Emmanuel Lézy, Christian Losson, François Xavier Gomes e Mégane de Amorim.

2.3 A importância das fontes de informação

Além da exigência de conhecimentos políticos e econômicos sobre o país onde se atua, citada anteriormente, ao estabelecer-se em um local, o correspondente internacional precisa conhecer o idioma local, pois só assim entenderá o contexto e as particularidades das situações ali ocorridas, podendo, assim, desenvolver uma narrativa própria dos fatos, que se diferencie do que já é apresentado por agências de notícias. O aprendizado da língua também é essencial para que o repórter desenvolva relacionamento com suas próprias fontes de informação e crie redes noticiosas. Os contatos com fontes-chave são importantes para que o jornalista desempenhe sua rotina profissional, atendendo aos imperativos de tempo e espaço e definindo de forma ágil quem são as pessoas adequadas para legitimar sua reportagem, já que é por meio das fontes que o repórter apresenta os pontos e as ideias que considera relevantes, sem, necessariamente, posicionar-se explicitamente sobre isso. Diversos autores questionam-se sobre as motivações que levam uma fonte a cooperar, sobre o que há por trás de sua aceitação em conceder entrevista a determinado repórter. Por que aceita se expôr? O que prevalece: o desejo de contar sua verdade ou a vontade de ganhar visibilidade? Pinto (2000, p.280) elenca alguns objetivos que costumam ser identificados entre as fontes: 1) visibilidade e atenção dos media; 2) marcação da agenda pública e imposiçao de certos temas como foco da ação coletiva; 3) angariação de apoio ou adesão a ideias ou a produtos e serviços; 4) prevenção ou reparação de prejuízos ou malefícios; 5) neutralização de interesses de concorrentes ou adversários; 6) criação de uma imagem pública positiva. Quanto aos motivos que levam um repórter a escolher uma fonte em detrimento de outra, Pinto (2000, p.280) destaca como as principais buscas: 1) a obtenção de informação inédita; 2) a confirmação ou dementido para

63 informações obtidas noutras fontes; 3) a dissipação de dúvidas e desenvolvimento de matérias; 4) o lançamento de ideias e debates; 5) o fornecimento de avaliações e recomendações de peritos; 6) a atribuição de credibilidade e de legitimidade a informações diretamente recolhidas pelo repórter.

Sousa (2002, p.2) destaca que o estudo das fontes de informação tem constituído um importante campo das pesquisas sobre jornalismo nos últimos anos. Já que o jornalismo fornece informações, ideias e perspectivas que produzem efeitos na sociedade e nas culturas, faz-se necessário entender a proveniência, o processamento e enquadramento a que são sujeitas antes de chegarem ao espaço público, além de questionar as forças que bloqueiam ou aceleram a sua difusão, fazendo com que algumas tenham maior ou menor impacto em relação às outras.

Traquina (2013, p. 116) apresenta duas conclusões sobre o relacionamento de jornalistas com fontes: a primeira diz que nem todos os agentes sociais são iguais no seu acesso aos jornalistas e a segunda expõe a preferência por fontes oficiais no processo de produção de notícias. O autor recorre à noção de hierarquia de credibilidade”, de Becker (1967), para mostrar como se dá a dependência de fontes oficiais e cita o argumento de Paletz e Entman, que falam que os jornalistas preferem as fontes oficiais porque são mais fáceis de contatar e porque são tanto mais informadas como mais confiáveis.

Gaye Tuchman (1978) parte do pressuposto de que a notícia é o produto de uma instituição social e depende das relações com outras instituições. Nesse sentido, as fontes de informação têm grande poder e responsabilidade na construção das realidades apresentadas ao público. A autora trata do conceito de “rede noticiosa”, explicando-a como um sistema hierárquico de recolha de informação que habilita os acontecimentos noticiosos a ocorrerem em alguns locais, mas não em outros.

Para a autora, a criação de redes noticiosas justifica-se para repórteres que ficam fixos em instituições legitimadas, para correspondentes que se situam em áreas geográficas como os subúrbios e para agências de notícias, que trazem as informações que veículos não conseguiriam cobrir por impedimentos

64 econômicos ou territoriais. Tuchman considera que é a carteira de fontes de um jornalista que fará com que sua capacidade de contar histórias seja ampliada e diz que quanto mais elevado for o status das fontes, maior será o status dos jornalistas.

O acesso das fontes aos meios de comunicação não se dá da mesma forma, pois, para os jornalistas, nem todas têm o mesmo valor e nem todas são disponíveis. Tuchman (1978) explica que alguns movimentos sociais, grupos de interesse e atores políticos que têm o poder social reconhecido claramente saem na frente nessa disputa de visibilidade, reiterando o que Gans (1979, p. 119) explica como hierarquia da sociedade.

De acordo com Lage (2001, p.27), as fontes podem ser classificadas em:

(a) Oficiais, oficiosas e independentes.

Fontes oficiais são mantidas pelo Estado ou por instituições que preservam algum poder de Estado, como sindicatos, associações e fundações. São consideradas as mais confiáveis, embora, segundo o autor, possam falsear a realidade para preservar interesses estratégicos e políticas duvidosas, para beneficiar grupos dominantes, por corporativismo, militância e também para manter lutas internas pelo poder.

Fontes oficiosas são aquelas que, apesar de reconhecidamente ligadas a instituições ou entidades, não estão autorizadas a falar em nome delas, podendo ser desmentidas. Geralmente têm interesses particulares e podem ser preciosas porque evidenciam algumas manobras políticas. São protegidas em regra pelo anonimato e o que dizem costuma ser publicado off the record, ou seja, sem menção da origem da informação.

Já fontes independentes são aquelas aparentemente desvinculadas de uma relação de poder ou interesse específico, como funcionários de organizações não-governamentais (ONG). O autor considera que, na verdade, essas ONGs não são totalmente desvinculadas de governos, pois possuem financiamento de instituições e entidades que mantêm recursos não apenas de grandes grupos econômicos, mas também do Estado. Lage questiona as intenções dessas fontes dizendo que elas são militantes treinados para ostentar

65 fé cega naquilo que acreditam e defendem, conseguindo êxito em sua retórica por serem consideradas “agentes espontâneos” e “desvinculadas de qualquer interesse”.

(b) Primárias e secundárias.

Fontes primárias são aquelas que fornecem fatos, números e versões. Geralmente, são procuradas pelos jornalistas para oferecer as informações essenciais para a matéria. Fontes secundárias são consultadas para a preparação de uma pauta e oferecem premissas genéricas sobre o assunto. Na hora da construção da pauta, os jornalistas costumam consultar mais de uma fonte desse tipo. Classificação similar desenvolve Lawrence Soley (1992), que divide as fontes entre “news makers”, que seriam o que Lage considera como fontes primárias, ou seja, pessoas que participam ativamente dos eventos noticiosos, e “news shapers”, que são aqueles procurados para fornecer análises e informações privilegiadas, geralmente apresentados como especialistas.

(c) Testemunhas e experts

Segundo Lage (p. 29), testemunhas são fontes que oferecem relatos emotivos e condizentes com sua perspectiva de vida. Por exemplo, o testemunho sobre determinado fato pode ser diferente se dado pelo agressor ou pela vítima, pelo vencedor ou perdedor. De modo geral, o testemunho mais confiável é o mais imediato, pois é apoiado na memória de curto prazo, que é mais fidedigna, apesar de poder conter desordem e confusão. Experts, ou especialistas, são geralmente fontes secundárias, procuradas pelos jornalistas para oferecer versões ou interpretações de eventos. Eles podem ser professores, cientistas políticos, economistas, médicos, etc. Sobre as características que distinguem os experts, Liriam Sponholz explica que “o saber do expert se distingue do conhecimento geral por ser detalhado e por uma grande quantidade de fatos, mas também pela capacidade de estabelecer relações entre fatores e analisar as possíveis consequências de determinadas ações” (2008, p.593). Além da classificação de Lage, neste trabalho, analisaremos as fontes utilizadas pelos jornais franceses de acordo com o estudo desenvolvido por Leon 66

Sigal (1974), que leva em consideração os canais de informação. Ele classifica os canais em quatro categorias: de rotina, informais, corporativos e não- identificados. Procedimentos oficiais, coletivas de imprensa, comunicados, palestras e cerimônias podem ser considerados na categoria de “canais de rotina”. Já como “canais informais” classificam-se os vazamentos, processos não- governamentais, reuniões de associações e matérias publicadas por outros veículos de comunicação. Canais corporativos são aqueles utilizados por iniciativa dos próprios repórteres, como entrevistas, apurações e eventos nos quais eles testemunham em primeira mão a notícia. Sigal refere-se a canais não- identificados quando não é possível identificar qual canal foi utilizado pelo jornalista para obter a informação.

2.4 Canais de informação

No total de 103 matérias que tratam da Operação Lava Jato identificadas no site do jornal Le Monde, referentes ao período de março de 2014 a julho de 2017, encontramos 369 fontes, o que corresponde a uma média de 3,58 fontes utilizadas por matéria. Identificamos que o canal de informação mais utilizado pelo jornal para obter contato com as fontes foi o Corporativo, correspondendo a 40,3% das ocorrências. Esse dado nos mostra que a maior parte dos contatos com as fontes se deu por entrevistas e pesquisas conduzidas pelos próprios repórteres do jornal. Em segundo lugar, estão os canais informais, com 29,8%, e o terceiro lugar é ocupado pelos canais de rotina, ou seja, canais utilizados pelas fontes oficiais, como atores políticos pertencentes à esfera nacional ou regional, autoridades e órgãos ligados ao governo, com 17,9%. Canais considerados como não-identificados ocupam a última posição, com apenas 12%.

67

Tabela 5- Canais de informação das matérias do site Le Monde

Canais de informação Ocorrências Percentual Rotina 66 17,9% Informal 110 29,8% Corporativo 149 40,3% Não-identificado 44 12% Total de fontes 369 100% Fonte: Elaboração própria, baseada no modelo elaborado por Sigal (1974)

No site do jornal Le Figaro foram identificadas 89 fontes nas 35 matérias analisadas sobre a Operação Lava Jato. Neste caso, a média de fontes por matéria é de 2,54, número inferior ao identificado no Le Monde. Os canais de informação predominantes do Le Figaro são os de rotina, com 31,5% das ocorrências. Esse dado indica que os repórteres deram, de forma geral, mais voz às fontes oficiais, tanto ligadas ao poder Executivo e Legislativo quanto ao Judiciário, e utilizaram predominantemente informações provenientes de coletivas de imprensa e comunicados oficiais. Em segundo lugar, identificamos a predileção pelo contato com as fontes por meio de canais informais, com 27%, que podem ser utilizados para apresentar informações ou dados de outros veículos de comunicação, além de vazamentos, citações extraídas de redes sociais ou comunicados de empresas ou associações não ligadas ao Governo. Canais Não-identificados foram identificados em 21,3% e canais corporativos ocupam o último lugar das ocorrências, com apenas 20,2%, dado que nos indica que os jornalistas do Le Figaro não deram preferência a entrevistas e pesquisas próprias.

Tabela 6- Canais de informação das matérias do site Le Figaro

Canais de informação Ocorrências Percentual Rotina 28 31,5% Informal 24 27% Corporativo 18 20,2% Não-identificado 19 21,3% Total de fontes 89 100% Fonte: Elaboração própria, baseada no modelo elaborado por Sigal (1974).

68

Assim como no Le Monde, o Libération deu preferência a fontes obtidas por meio de canais de informação corporativos, com 39,3% das ocorrências. Nas 30 matérias analisadas sobre a Lava Jato, identificamos o uso de 61 fontes, correspondendo a uma média de 2,03 fontes por matéria, número inferior ao do Le Monde e do Le Figaro. Em seguida, vêm os canais não-identificados, com 27,9%, os de rotina, com 19,7% e, por último, os informais, com 13,1%.

Tabela 7- Canais de informação das matérias analisadas do site Libération

Canais de informação Ocorrências Percentual Rotina 12 19,7 Informal 8 13,1 Corporativo 24 39,3 Não-identificado 17 27,9 Total de fontes 61 100% Fonte: Elaboração própria, baseada no modelo elaborado por Sigal (1974).

2.5 Tipos de fontes: primária e secundária Quanto à classificação das fontes por primárias e secundárias, seguindo Lage (2001), identificamos que não há grande discrepância entre os três veículos. No Le Monde, cerca de 39% das fontes são primárias e 61% secundárias; no Le Figaro, 48% são primárias e 52% secundárias; já o que mais se diferencia é o Libération, com uma porcentagem igual de fontes primárias (50%) e secundárias (50%). No caso da análise das matérias da Lava Jato, a grande quantidade de fontes primárias encontrada nos três jornais explica-se pelo fato de diversas figuras políticas de grande notoriedade estarem envolvidas no escândalo, concedendo declarações públicas, seja por meio de notas ou pronunciamentos oficiais ou, ainda, entrevistas para veículos nacionais e estrangeiros.

69

Gráfico 2- Tipos de fontes

Tipo de fontes

61% 58% 50% 50% 42% 39%

Le Monde Le Figaro Libération

Fonte Primária Fonte secundária

Fonte: elaboração da autora

2.6 Fontes oficiais: figuras de destaque Durante todo o período analisado, encontramos a recorrência de 73 fontes oficiais em matérias do Le Monde, o que corresponde a 19,7% do número total de fontes do veículo; 29 fontes oficiais em matérias do Le Figaro, cerca de 32,5% do total de 89 fontes, e 18 fontes oficiais em matérias do Libération, número que indica 29,5% do total de 61 fontes identificadas. Dentro da categoria de fontes oficiais, no Le Monde há 33 ligadas ao Poder Judiciário ou ao Ministério Público (neste caso, também consideramos os agentes da Polícia Federal responsáveis por conduzir a Operação Lava Jato); no Le Figaro há 11 fontes desse tipo e no Libération 7. Em termos de porcentagem, as fontes do Poder Judiciário e do Ministério Público correspondem a cerca de 45% do total de fontes primárias do jornal Le Monde, 38% do Le Figaro e 39% do Libération. Sergio Moro, a figura do Judiciário mais proeminente quando o assunto é a Operação Lava Jato, aparece como fonte em 8 matérias do Le Monde, 2 matérias do Le Figaro e 1 matéria do Libération. Na totalidade dos casos, não houve entrevista dos veículos franceses com Sergio Moro. Suas informações foram obtidas por meio de pronunciamentos oficiais ou de entrevistas com jornais

70 brasileiros, especialmente a Folha de S.Paulo, veículo com o qual o juiz parece mostrar mais afinidade. Outras figuras do judiciário, como , Procurador da República que integra a equipe da Lava Jato, Carlos Fernando dos Santos Lima, também Procurador Regional da República, e Rodrigo Janot, ex-Procurador Geral da República, também são apresentados como fontes em algumas matérias. A ex-presidenta Dilma Rousseff foi fonte em 7 matérias do jornal Le Monde, a maioria sobre seu impeachment e sobre o quanto a Operação Lava Jato contribuiu para o desgaste da sua imagem.

O caso Petrobras-BTP, que trouxe à luz desvios de dinheiro e subornos envolvendo grandes empreiteiras e políticos de todos os partidos, está levando os brasileiros a sentirem desgosto em relação a toda a classe política. A essa crise moral são adicionadas as turbulências econômicas e orçamentárias agravadas pelo caso Petrobras-BTP. Os danos da corrupção equivalem a 42 bilhões de reais. E a descida ao inferno da empresa petrolífera, peso pesado da economia brasileira, paralisa os investimentos de um país que já vem enfrentando uma severa recessão. Um verdadeiro pesadelo para a presidente Dilma Rousseff (LE MONDE, 27/11/2015).

No texto “No Brasil, o escândalo Petrobras-BTP faz o mundo político tremer”68, Dilma Rousseff concede uma declaração sobre a prisão por tentativa de entrave à Justiça de Delcídio do Amaral, ex-senador pelo PT. Ela diz que “"os tratos atribuídos ao senador não têm nada a ver com sua atividade política dentro do partido. Portanto, o PT não sente solidariedade”, tentando esclarecer que seu governo não tinha ligação com o delito cometido pelo político do mesmo partido. Amaral teria tentado comprar o silêncio de Nestor Cerveró, ex-presidente da Petrobras e preso por corrupção, oferecendo dinheiro e orquestrando a sua fuga para a Espanha, via Paraguai. No jornal Le Figaro, Dilma Rousseff aparece como fonte em 5 matérias relacionadas, de alguma forma, com a Operação Lava Jato. No texto de 14 de

68 Tradução nossa. Título original “Au Brésil, le scandale Petrobras-BTP fait trembler le monde politique”. Disponível em: http://abonnes.lemonde.fr/international/article/2015/11/27/au-bresil-le- scandale-petrobras-fait-trembler-brasilia_4818598_3210.html#rbjvRTPIOffPttY5.99. Acesso em 11/01/2018. 71 dezembro de 2014 intitulado “Um enorme escândalo de corrupção sacode o Brasil”69, a ex-presidenta diz jamais ter sabido sobre o escândalo Petrobras, apresar de ter sido Ministra da Energia e Chefe da Casa Civil durante o governo de Lula, e declara de forma positiva que a investigação da Lava Jato poderá mudar o Brasil para sempre, desde que a impunidade acabe no país. No entanto, apesar de sempre defender a existência da Lava Jato em suas falas públicas e não ter tomado nenhuma medida para acabar com o inquérito durante seu governo, Dilma Rousseff questiona a condução da Operação em alguns momentos. No texto “Brasil: Lula condenado, a presidência se afasta”70, a já ex-presidente discorda da condenação de Lula em primeira instância, dizendo que a sentença de Sergio Moro foi uma “decisão política para impedir a candidatura de Lula em 2018”. Além disso, ela defende a inocência de seu mentor e diz que o povo saberá salvá-lo democraticamente na eleição, finalizando sua fala com a declaração de que “nós iremos resistir”. No Libération, Dilma Rousseff foi fonte em 3 das 30 matérias identificadas sobre a Lava Jato. Destacamos o texto “Dilma Rousseff tenta passar entre as gotas do Petrolão”, de 27 de fevereiro de 2015, mais de um ano antes de sua destituição. O texto fala que a investigação sobre propinas na Petrobras, que alimentaram o caixa 2 do PT, estavam desestabilizando o governo da presidenta. Assim como fez no Le Monde, Dilma demonstrou apoio à Operação Lava Jato, dando a entender que existiam outros políticos que gostariam que a investigação fosse encerrada e também colocando a culpa do escândalo no governo de Fernando Henrique Cardoso, que foi presidente do Brasil entre 1995 e 2002. Ao dizer que “conosco, a Polícia Federal é independente”, a presidente demonstrou que não conduzia um governo autoritário. Lula, político que aparece como uma das principais figuras da Operação Lava Jato na imprensa internacional, especialmente por ter conduzido dois governos de muitas conquistas sociais, é fonte de 8 matérias no jornal Le Monde (cerca de 8% do total), 3 matérias no Le Figaro (cerca de 8,5%) e 3 matérias no

69 Tradução nossa. Título original “Um gigantesque scandale de corruption ébranle le Brésil”. Disponível em: http://premium.lefigaro.fr/international/2014/12/14/01003- 20141214ARTFIG00130-un-gigantesque-scandale-de-corruption-ebranle-le-bresil.php . Acesso em 11/01/2018. 70 Tradução nossa. Título original “Brésil: Lula condamné, la présidence s’éloigne”. Disponível em: http://premium.lefigaro.fr/international/2017/07/13/01003-20170713ARTFIG00291-bresil- lula-condamne-la-presidence-s-eloigne.php . Acesso em: 11/01/2018. 72

Libération (10%). De forma geral, os textos tratam das acusações do ex- presidente na Operação Lava Jato, da condução coercitiva pela qual Lula passou em março de 2016, do depoimento prestado a Sergio Moro em maio de 2017 e da sentença em primeira instância que condenou Lula a 9 anos de prisão. Em suas falas, Lula mostra-se injustiçado e disposto a lutar, sem o tom do discurso que o fez ficar conhecido como “Lulinha paz e amor”. No período analisado, Lula concedeu entrevistas in loco para o Le Monde (Lula em missão de sedução para defender o governo de Dilma Rousseff)71 e para o Libération (Luis Inácio Lula da Silva: ‘a política é a arte do impossível’)72. No caso do primeiro jornal, a entrevista fez parte de uma coletiva de imprensa com os principais veículos de comunicação internacionais da França, Alemanha, Estados Unidos da América, Argentina e China. Além de dizer aos jornalistas estrangeiros que Dilma estava sofrendo uma injustiça, um golpe arquitetato pela oposição, Lula respondeu algumas questões sobre suas acusações na Operação Lava Jato, defendendo sua inocência a todo tempo. O ex-presidente também comentou sobre Sergio Moro, chamando-o de “inteligente e competente”, mas condenando o circo midiático criado pelo juiz na ocasião de sua condução coercitiva, em março de 2016. A entrevista de Lula à jornalista Chantal Rayes, do Libération, foi conduzida no escritório do Instituto Lula, em São Paulo. O texto está configurado como uma entrevista ping pong, com perguntas e respostas. Lula também aproveita a conversa com o Libération para defender Dilma Rousseff e diz que o governo do PT favoreceu a condução da Lava Jato, já que no seu mandato “houve grande investimento na formação da polícia federal e da Controladoria Geral da União (CGU) e foi dado ao Ministério Público uma autonomia maior do que a prevista na própria Constituição”.

71 Tradução nossa. Título original “Lula en mission séduction pour déffendre Dilma Rousseff”. Publicado em: 29/03/2016 72 Tradução nossa. Título original “Luis Inácio Lula da Silva: ‘l’a politique, c’est l’art de l’impossible”. Publicado em: 13/07/2016. 73

Gráfico 3- Fontes oficiais

Fontes oficiais

32,50% 29,50%

19,70%

Le Monde Le Figaro Libération

Fontes oficiais (%)

Fonte: elaboração da autora

Leon Sigal (1973) desenvolveu um estudo comparativo entre o noticiário político dos jornais The New York Times e The Washington Post e chegou à conclusão de que as notícias são resultados do que as fontes transmitem, embora haja intervenções das empresas de notícias e das rotinas e convenções jornalísticas. Ele também identificou que a maioria das notícias são resultados de fontes oficiais, tanto porque elas acabam atraindo mais interesse dos leitores quanto pelo fato de que, geralmente, mostram-se mais dispostas a falar, seja por posicionamentos oficiais ou por contatos via assessoria de imprensa. Portanto, apesar de o discurso das fontes oficiais ser sempre bem alinhado com assessores de imprensa e RPs e das informações por elas passadas aos jornalistas poderem ser questionadas quanto à sua veracidade, já que, segundo Lage (2001, p.28), “costumam sonegar informações de que efetivamente dispõem, destacar aspectos da realidade que convêm à instituição a qual pertencem, além de alegar dificuldades inexistentes para desestimular quem busca por informação”, elas parecem mais respeitáveis aos olhos dos jornalistas. À conclusão semelhante chegou o português Rogério Santos (1997), que discorreu sobre como fontes burocratizadas costumam mostrar-se disponíveis aos jornalistas que as procuram, traçando antecipadamente a ocorrência de

74 acontecimentos e processando sistematicamente a informação que remetem aos jornalistas de acordo com os critérios de noticiabilidade que consideram adequados (Sousa, 2002, p.4). Dessa forma, as fontes conseguem espaço na imprensa utilizando táticas que garantem sua notoriedade e permitem com que administrem os efeitos sobre sua imagem. Santos ressalta, no entanto, que, por sua parte, o jornalista não é um agente passivo nessa ação. Cabe a ele processar a informação obtida de acordo com os objetivos e a cultura da organização jornalística a qual pertence. Meyer (2002) trata da disponibilidade das fontes burocratizadas em contribuir com a imprensa. Ele diz que os atores do campo político não estão unicamente interessados nas discussões, na deliberação e na tomada de decisões, mas, principalmente, na preservação da sua imagem, na sua figura pública. A eles, só é possível ter uma opinião pública favorável e conquistar apoio político e legitimidade por meio da mídia. Levando em conta que os assuntos relacionados à Operação Lava Jato são, sobretudo, referentes à cobertura política do Brasil, é possível entender a grande incidência desse tipo de fonte. Sobre a predileção dos jornalistas por fontes oficiais, Ribeiro (2006) explica que:

[...]dada a sua natureza e origem, essa informação oficial ou oficiosa obedece a objetivos específicos e predeterminados, no âmbito de uma estratégia eminentemente política. Acontece ainda que o manancial informativo oriundo das fontes oficiais – cuja legitimidade não é por nós minimamente questionada, sublinhe-se – surge, amiudadas vezes, sob a forma de anonimato, circunstância que pode comprometer a credibilidade da mensagem jornalística perante os seus receptores (RIBEIRO, 2006, p. 7).

Utilizar fontes anônimas é comum no jornalismo, especialmente no noticiário político. Jorge Pedro Sousa (2002) desenvolveu uma pesquisa sobre o uso de fontes anônimas em coberturas políticas feitas pelos jornais portugueses de referência Público e Diário de Notícias. Além de mapear comparativa e exploratoriamente a utilização de fontes, seu intuito era identificar os tipos de anonimatos de acordo com o conceito desenvolvido por Mencher (1979), verificando se os relacionamentos dos jornalistas com os provedores de informação se deram “on background”, ou seja, se a fonte não foi identificada,

75 mas houve indicações sobre sua identidade, ou “on deep background”, que é quando a fonte não é identificada e sequer são dadas indicações sobre sua identidade. Segundo Sousa (2002), os motivos que levam os jornais a utilizar fontes anônimas no noticiário vão da proteção da fonte à manutenção de canais de comunicação estáveis, passando pela manutenção do posicionamento das fontes nas estruturas políticas. Além disso, o autor identificou que, quantitativamente, não houve grande diferença entre ambos os jornais, provavelmente porque o jornalismo praticado por eles é semelhante e porque o contexto político é o mesmo. Quanto à classificação do tipo de fontes, a predominância percebida foi a das consideradas “on background”, pois, apesar de não divulgarem o nome dos entrevistados, os jornalistas buscam ao máximo credibilizar a informação das fontes anônimas, fazendo aproximações à sua identidade. Para eles, é mais adequado dizer que a fonte é, por exemplo, “alguém próximo ao deputado federal” do que citá-la como “fonte bem informada”. Inferimos, assim, que a posição que uma fonte ocupa dentro da área a qual pertence dá a ela diferentes poderes e espaço na imprensa, corroborando a ideia de Bourdieu (2002) segundo a qual, dentro do campo político, existem lutas simbólicas nas quais os adversários dispõem de armas desiguais, de capitais desiguais, de poderes simbólicos desiguais. Para o autor, o capital político é uma espécie de capital de reputação, um capital simbólico ligado à maneira de ser conhecido. Thompson (2002, p.132), por sua vez, afirma que o poder simbólico é utilizado pelos atores para conquistar poder político ou exercê- lo de maneira durável e efetiva, cultivando e sustentando a crença na legitimidade sem utilizar a coerção. Em seu texto, Sousa cita a também importante pesquisa sobre fontes anônimas desenvolvida por Ricardo Jorge Pinto (1997), que analisou a evolução do jornalismo político na Inglaterra, França, Portugal e Estados Unidos, entre 1970 e 1995, estudando os jornais Diário de Notícias, Le Monde, The New York Times e The Times. Entre as diversas observações feitas, Pinto conclui que as fontes anônimas ganharam mais espaço no jornalismo político nos anos 90, provavelmente porque os políticos se sentiriam mais confortáveis a prestar declarações sob anonimato e porque o uso desse tipo de fontes favoreceria os

76 jornalistas a legitimarem determinados pontos de vista na cobertura (SOUSA, 2002, p. 6). O uso de fonte anônimas também foi recorrente na cobertura da Operação Lava Jato feita pelos jornais Le Monde, Le Figaro e Libération, sendo o primeiro o que mais utilizou desse artifício. No Le Monde, identificamos 18 fontes anônimas em 15 diferentes matérias; no Le Figaro, encontramos 2 fontes anônimas em 2 matérias; no Libération, foi identificada apenas uma fonte desse tipo. Apenas na matéria “Petrobras, o escândalo que compromete o Brasil”, o Le Monde utilizou informações de três fontes anônimas. O texto, publicado em 29 de janeiro de 2015, fala sobre a revelação de um esquema de corrupção e propinas na Petrobras, grupo industrial que, segundo o repórter Nicolas Bourcier, “personifica a ascensão do Brasil”. O escândalo, no caso, é a Operação Lava Jato, tratada também como “affaire Petrobras”. As fontes anônimas do texto são identificadas como "o advogado de um dos principais réus”, “um antigo funcionário da Petrobras aposentado” e “alguém próximo da investigação”. As duas primeiras fontes oferecem revelações comprometedoras sobre a Petrobras e opiniões sobre a condução da Lava Jato: uma diz que “o sistema de corrupção implementado nos últimos dez anos foi feito para que os partidos no poder se mantivessem”73 (advogado) e a outra sugere que a Lava Jato é necessária, apesar das consequências que pode trazer: “ninguém pode dizer até onde esse processo doloroso nos levará. Eu espero somente que ele nos permita esclarecer e melhorar as relações entre os setores públicos e privados. O problema é o preço a pagar” (ex-funcionário da Petrobras aposentado)74. No texto “Le juge Sergio Moro, l’Eliot Ness brésilien” (Juiz Sergio Moro, o Eliot Ness brasileiro”, publicado em dezembro de 2015, também há uso de fonte anônima. A matéria traça o perfil do juiz responsável pela condução da Lava Jato e mostra a admiração e a desconfiança que Moro tem gerado ao longo da Operação. No último parágrafo, a jornalista Claire Gatinois fala que a nova classe

73 Tradução nossa. Texto original: “Le système de corruption mis en place ces dix dernières années a été fait pour que les formations au pouvoir se maintiennent en place”. 74 Tradução nossa. Texto original: “Personne ne peut dire jusqu’où nous entraînera ce processus douloureux. J’espère seulement que cela permettra de clarifier et améliorer les relations entre les secteurs publics et privé. Le problème est le prix à payer”. 77 média brasileira, que surgiu durante os dois governos do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, agora reinvindica algo além do poder de compra e utiliza a citação de alguém denominado como “próximo ao juiz Sergio Moro” que afirma que “agora os brasileiros tornaram-se menos consumidores e mais cidadãos”. Não parece ficar muito claro por que a fonte preferiu falar de forma anônima, já que a informação não era confidencial e nem estratégica, soando como opinião pessoal. Também pode-se perguntar a razão da escolha de alguém anônimo e próximo a Moro para falar sobre o poder de compra dos brasileiros. Em alguns textos, o Le Monde também utiliza fontes intituladas como “próximas ao ex-presidente Lula”, “próximas ao PT” ou “próximas ao PSDB”, além de “fonte de Brasília”. No texto “Les brésiliens dans la rue contre la corruption” (Os brasileiros na rua contra a corrupção), sobre as manifestações convocadas pelo Movimento Brasil Livre (MBL) em 4 de dezembro de 2016 para protestar “contra a corrupção e a favor da Operação Lava Jato”, uma das fontes indignadas se diz “cansada com a situação do país” e prefere não se identificar. Kim Kataguiri, líder do grupo, é citado como fonte em quatro matérias do Le Monde, tanto para falar sobre a mobilização pró-impeachment quanto para se explicar sobre o silêncio em relação aos escândalos do presidente Michel Temer. Fontes anônimas são usadas em duas matérias no jornal Le Figaro: em uma a fonte é tratada como “próxima do ex-presidente” (Lula) e em outra como “empresário anônimo”. Na matéria “Lula revient au pouvoir en plein scandale politico-judiciaire” (Lula volta ao poder em pleno escândalo político-judiciário), a fonte confia ao Le Figaro informações pessoais sobre Lula, que temia a prisão de sua esposa e seus filhos na Operação Lava Jato. O texto foi publicado no dia 16 de março de 2016, um pouco menos de um ano antes de Marisa Letícia, esposa de Lula, falecer. No texto “Brésil: Temer ne veut pas démissionner”, que trata da divulgação dos áudios comprometedores de Temer com o dono da JBS Joesley Batista, um empresário anônimo próximo de Temer garantiu que o presidente não renunciaria a seu cargo, apesar de ter admitido a entrega de propinas a uma testemunha-chave da Operação Lava Jato, o deputado Rodrigo Rocha Loures.

78

No Libération, há uso de fonte anônima em uma matéria sobre Lula intitulada "Lula na delegacia, o crepúsculo de um ídolo?”75. A repórter Chantal Rayes apropria-se da fala de um jornalista anônimo para dizer que a saída de Lula do jogo político brasileiro “seria um erro”. Neste caso, a declaração da fonte dá força à ideia defendida pelo jornal, que faz pontuais críticas aos governos do PT, mas defende as conquistas de seus governos.

2.7 A imprensa como fonte de informação

Na análise das matérias dos três jornais franceses, percebemos que a imprensa brasileira e jornalistas locais são fontes recorrentes, reiterando a premissa de que correspondentes internacionais utilizam a imprensa local para pautar suas matérias e apresentar determinadas informações, muitas vezes obtidas pelos veículos nacionais de forma exclusiva, seja por meio de pesquisa ou contato com fontes pouco acessíveis. Patrick Charaudeau (2007) propõe uma divisão das fontes entre “internas às mídias” e “externas às mídias”. Quando veículos de comunicação, correspondentes internacionais, repórteres e enviados especiais servem como fontes de informação em uma matéria, podemos classificá-los, portanto, no primeiro grupo. Apesar de serem matérias assinadas pelos jornalistas, dados de agências internacionais, como a AFP, Reuters e AP, também costumam ser citados em alguns casos, especialmente no jornal Le Figaro, de acordo com nossa análise. No Le Monde, das 369 fontes totais, 90 são da imprensa e foram identificadas em 59 matérias. Em alguns casos, foram citados como fontes de informação veículos de comunicação, como a Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, as revistas Veja, Época, IstoÉ, Piauí, Exame e Carta Capital, o Jornal Nacional, da Rede Globo, e os sites Congresso em Foco, G1 e El País, além de veículos de comunicação internacionais como o Le Parisien (França), Wall Street Journal (Estados Unidos da América), Sunday Times (Inglaterra), La Nación (Argentina), New York Times (Estados Unidos da América) e The

75 Tradução nossa. Título original “Lula au commissariat, le crépuscule d’une idole?”. Publicado em: 03/04/2016. 79

Economist (Inglaterra); em outros, foram citados como fontes os próprios jornalistas, como Helio Schwartsman, Roberto Dias, André Singer, Clovis Rossi, Fabio Zanini, Claudia Colucci e Bernardo Mello Franco, da Folha de S. Paulo; César Felício, do jornal Valor Econômico; Rosiska Darcy de Oliveira e Ricardo Rangel, do jornal O Globo; Sylvio Costa, do site Congresso em Foco; e Reinaldo Azevedo, na época escritor de um blog na revista Veja. Os veículos de comunicação mais tratados como fontes no Le Monde são a Folha de S. Paulo (citado 26 vezes), O Globo (citado 14 vezes), O Estado de S. Paulo (citado 5 vezes) e a revista Piauí (citado 5 vezes). É curioso notar o destaque dado à Piauí, especialmente se levarmos em consideração que essa revista da Editora Abril distingue-se bastante da linha editorial que costuma ser adotada em outros produtos da jornalísticos da empresa, como a revista Veja e a revista Exame. A revista Piauí costuma ter textos mais longos, analíticos e, muitas vezes, até apresenta uma linguagem que se aproxima do jornalismo cultural. Apesar de não explícito, seu posicionamento editorial tende mais à esquerda do que à direita. A Folha de S. Paulo é, de longe, o veículo brasileiro com mais espaço no Le Monde. As informações publicadas no jornal e também a opinião de seus colunistas têm grande peso no agendamento dos assuntos tratados e nos enquadramentos sobre a Operação Lava Jato construídos pelo veículo francês. No Le Figaro, das 89 fontes identificadas, 17 são provenientes da imprensa e foram encontradas em 14 distintas matérias. Entre as fontes da imprensa, o jornal O Globo é a mais recorrente (3 matérias), mas também há referências à Revista IstoÉ, aos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, ao Jornal Nacional, da Rede Globo, ao portal UOL e ao Grupo de Diários América (GDA). Apenas Merval Pereira, do jornal O Globo, é citado de forma direta, sendo tratado como “acadêmico e editor”76. Diferente do Le Monde, que tem a Folha de S. Paulo como principal veículo fonte de informação no Brasil, o Le Figaro tem preferência pelo jornal O Globo (citado 3 vezes). A Folha de S. Paulo é tratada como fonte de informação em duas matérias: uma sobre a acusação feita pela empresa Andrade Gutierrez sobre supostas doações legais feitas à campanha de Dilma Rousseff

76 Tradução nossa. Texto original “académicien et éditorialiste du journal”. 80 provenientes de obras superfaturadas da Petrobras, na qual o Le Figaro usou aspas para reproduzir a fala do advogado da ex-presidenta concedidas ao jornal brasileiro; outra onde consta a acusação de um alto executivo da Odebrecht sobre a participação do presidente Michel Temer em uma reunião conduzida em 2010, na qual o político exigiu U$40 milhões para financiar a sua campanha. Das 61 fontes encontradas nas 30 matérias do jornal Libération, 14 são provenientes da imprensa. Foram identificadas 12 diferentes matérias que possuem pelo menos uma fonte desse tipo. Por ser um veículo com posicionamento editorial assumidamente de esquerda, esperava-se encontrar uma predominância de veículos brasileiros com posicionamento semelhante como fontes de informação, no entanto, percebemos que foi a grande imprensa a fonte mais recorrente, com informações provenientes do jornal O Globo, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. Os jornalistas Eliane Cantanhêde, do jornal O Estado de S. Paulo, e Sylvio Costa, do site Congresso em Foco, também serviram como fontes: ela ao falar sobre a diferença de cenários no possível impeachment da presidenta Dilma Rousseff (que acabou se concretizando em agosto de 2016) e no impeachment do ex-presidente , em uma matéria de fevereiro de 2015, e Sylvio Costa em uma matéria de 3 de fevereiro de 2017 onde falou sobre o governo de Michel Temer. O veículo de comunicação mais utilizado como fonte pelo Libération é o jornal Folha de S.Paulo (citada 4 vezes), seguida pelos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo, ambos citados 3 vezes. A revista Carta Capital, com tendência editorial de esquerda, não foi utilizada como fonte nenhuma vez pelo Libération, como poderia se esperar, entretanto, foi citada uma vez pelo Le Monde em uma matéria sobre o balanço de primeiro ano do governo de Michel Temer como presidente do Brasil (“No Brasil, primeiro ano difícil para o presidente Michel Temer”)77, que possui diversos ministros envolvidos no escândalo Lava Jato e também foi citado em delações como responsável por exigir uma propina de cerca de R$10 milhões durante sua campanha para vice- presidente em 2014. No texto, a repórter Claire Gatinois diz que Carta Capital alertou, em outubro de 2016, sobre o congelamento das despesas orçamentárias

77 Tradução nossa. Título original “Au Brésil, première année difficile pour le president Michel Temer”. Publicado em 16/05/2017. 81 durante o governo Temer, citando que a revista explicou que a medida “reduzirá as despesas sociais dos país emergente a um nível próximo ao do Congo”. Apesar de a utilização de informações provenientes da imprensa local ser uma prática bastante comum entre veículos estrangeiros, questiona-se, entretanto, sobre o quão limitada a enquadramentos já definidos a cobertura internacional acaba se tornando e sobre o que de novo ela pode apresentar. Como sugerem David, Atun e Monterola (2001), na construção de uma cobertura jornalística, há o resgate de quadros já existentes, ou seja, o uso da metacomunicação. Por meio de indícios observados no texto, podemos identificar enquadramentos já apresentados anteriormente, seja pelo próprio veículo de comunicação em questão, seja por outros media. Nota-se uma certa variedade de veículos de comunicação como fonte, especialmente no Le Monde, que recorreu a jornais, agências de notícias, revistas, sites, programas de TV e programas de rádio para obter informações, mas, de forma geral, percebe-se que os três jornais franceses acabaram ficando atrelados à grande imprensa brasileira, com exemplos da Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e produtos do grupo Globo, especialmente o jornal do mesmo nome.

2.8 Os especialistas do campo político

Fonte comum em matérias sobre política é a figura do especialista, fonte secundária que oferece versões ou interpretações de eventos. Para Sponholz (2008, p.598), “jornalistas esperam que experts digam o que está acontecendo, o que, eventualmente, alguém do “mundo real” possa fazer melhor do que outra fonte da “torre de marfim” que tenha comprovadamente um conhecimento específico do assunto” (SPONHOLZ, 2008, p.598). A autora conclui que os “experts fornecem informações que, ao contrário daquelas do nível factual, não podem ser averiguadas intersubjetivamente”. Rothman (1992) introduz outra dimensão na discussão. Para ele, a impossibilidade de intersubjetividade das informações fornecidas pelo expert e o fato de ele não poder se associar a um lado de uma polêmica oferecem a possibilidade de que os jornalistas e meios de comunicação utilizem esse tipo de

82 informante para divulgar opiniões como se fossem fatos, mostrando o expert com o status de “fonte neutra”. Analisando os três jornais franceses, identificamos 122 especialistas citados em 57 matérias sobre a Lava Jato publicadas no Le Monde, o que equivale a 55% das fontes identificadas nesse veículo de comunicação (369 fontes). No Le Figaro, encontramos 24 experts em 12 matérias, valor que corresponde a 34% do número total de fontes (89 fontes), e no Libération há 15 experts em 12 matérias diferentes, número relativo a 40% das fontes totais (61 fontes). Entre essas fontes classificadas como experts, alguns nomes se repetem, indicando a relação dos correspondentes internacionais com algumas pessoas- chave para suas reportagens. No Le Monde, por exemplo, o especialista mais recorrente é Marco Antonio Carvalho Teixeira, cientista político e professor do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV), presente em 15 das 103 matérias sobre a Lava Jato. Carlos Melo, cientista político e professor do Instituto Insper, aparece como fonte em 13 matérias e Mathias Alencastro, também cientista político e colunista da Folha de S. Paulo, oferece contribuições em 8 textos. Inclusive na matéria “Petrobras: Lula acusado de ser o ‘chefe supremo’ do esquema de corrupção”78, Alencastro não apenas é citado como um politicólogo79, como nos outros textos, mas como “politicólogo próximo do PT”. Outras fontes citadas várias vezes são Gilberto Maringoni, cientista político e professor da Universidade Federal do ABC (6 matérias), citado também como “próximo do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e Stéphane Monclair, professora de Ciências Políticas da Sorbonne e expert em assuntos relacionados ao Brasil (4 matérias). Ao analisar as fontes do Le Figaro, percebemos que o jornal deu bastante espaço a considerações de economistas e professores universitários de Economia, como Adeodato Netto, estrategista chefe na Eleven Financial Research; Armando Castelar, professor de Economia da FGV; Alberto Ramos, economista do grupo financeiro Goldman Sachs; e Ricardo Azevedo, diretor da

78 Tradução nossa. Título original “Petrobras: Lula accusé d’être le « chef suprême » du réseau de corruption”. Publicado em: 14/09/2016. 79 O Le Monde trata os cientistas políticos sob a alcunha de “politicólogo”. 83

AZ Investimentos. Entretanto, assim como no Le Monde, há também espaço para cientistas políticos. A fonte mais citada é um professor de Ciências Políticas, Mauricio Santoro, da UERJ, presente em 5 das 35 matérias que se referem à Lava Jato. Adriano Codato, professor de Ciências Políticas da UFPR, André Singer, professor de Ciências Políticas da USP e secretário da Imprensa durante o governo Lula, e Paulo Peres, professor de Ciência Política da UFRGS. No Libération, há uma variedade de especialistas, com prevalência de professores de Ciências Políticas. O mais citado é Fábio Wanderley Reis, professor de Ciência Política da UFMG, presente em 3 matérias. Carlos Melo, professor do Insper e segunda fonte mais recorrente nas matérias do Le Monde, também foi fonte no Libération, o que indica que algumas fontes desenvolvem tamanha reputação, seja pela disponibilidade ou pela expertise, que acabam se tornando figuras recorrentes na mídia. Entre os especialistas utilizados como fontes no Libération, destacam-se Cláudio Couto, cientista político e professor do Departamento de Gestão Pública da FGV; Eloisa Machado, professora de Direito da FGV; Esther Solano, professora de sociologia da Unifesp; Frédéric Louault, professor de ciências políticas da Universidade Livre de Bruxelas; e Gaspard Estrada, diretor executivo do Observatório de política da América Latina e do Caribe. Dentro da categoria de experts estão os cientistas políticos, fontes constantes na cobertura da Operação Lava Jato feita pela imprensa internacional. Em Formar a Opinião, Champagne (1990) fala sobre a ascensão dos cientistas políticos no campo político da França e sobre a construção e a geração de efeitos das pesquisas de sondagem de opinião. Champagne considera que a figura do cientista político ganhou força especialmente em um momento de midiatização da política, no final dos anos 60. Para ele, a ciência praticada por eles tornou-se cada vez mais uma “ciênca direcionada para a ação”, que deixa pouco lugar para a análise reflexiva e crítica (1990, p.93).

Com efeito, a expressão “cientista político” foi criada, no final dos anos 60, pela mídia para designar esses novos especialistas da ciência política que estavam encarregados de comentar, na televisão e no rádio, as operações de sondagem que tinham criado no momento das eleições. Esse vocabulário fixou-se rapidamente, suplantando o tradicional “publicista” demasiado

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jurídico, o americano “politista” e o demasiado complicado “politicólogo” (GRUNBERG apud CHAMPAGNE, 190, p. 92).

No universo midiático, ganha espaço quem compreende a lógica e as regras dos meios e quem tem maior capital simbólico dentro do seu próprio campo, pois “cada vez mais, a visibilidade nos meios de comunicação se torna a condição essencial para a geração de capital político (ou acadêmico), o que significa a perda de autonomia destes campos” (MIGUEL, 2002, p.167). Bourdieu (2011, p.204) considera que “o capital político é, portanto, uma espécie de capital de reputação, um capital simbólico ligado à maneira de ser conhecido”. Em Media Democracy, Meyer (2002) aborda a colonização da política pela mídia, dizendo que o papel de destaque e relevância dos meios de comunicação na sociedade contemporânea tem feito com que outras áreas, especialmente a política, se adaptem às regras, códigos e lógica da mídia, apesar de não deixarem de lado sua identidade própria. Por lógica da mídia, o autor entende os elementos do processo de comunicação, desde os enquadramentos dados a um evento em uma notícia até as restrições de tempo em um programa de TV. Meyer não enxerga a “colonização” como algo negativo, mas como um aspecto intrínseco da democracia. Para ele, a legitimidade, elemento essecial desse tipo de regime, só pode ser conseguida pelo apoio popular às decisões tomadas pelo sistema político, apoio definido pela percepção que se tem desse sistema, que normalmente é obtida pelo que a mídia escolhe para retratar. Rubim (2000) sugere que, enquanto os cientistas políticos, de forma geral, enxergam a imprensa como mera transmissora de discursos e informações sobre a realidade, a mídia exagera a sua importância na política, a ponto de julgar que a política, totalmente dominada pela lógica dos meios, tornou-se um mero espetáculo. No texto “Os meios de comunicação e a prática política”, Miguel recorre aos conceitos de “campo” e “habitus”, tratados por Pierre Bordieu, para falar sobre a relação entre as esferas da comunicação e da política e defender a ideia de que, apesar de a mídia ter conquistado relevante papel no cenário político atual, ambos os campos possuem objetivos e lógicas diferentes. Vale recordar que Bourdieu (2001, p.195) define “campo” como um “microcosmo autônomo no interior do macrocosmo social”, ou seja, como uma área que tem em si própria o

85 princípio e a regra de seu funcionamento. Segundo o autor, o campo político é como um jogo no qual o que está em disputa é a imposição legítima dos princípios de visão e divisão do mundo social. A reputação dentro do campo político, para Bourdieu, é, em parte, construída no campo jornalístico. Ele considera também que o campo jornalístico influencia e impõe ao campo político e das ciências sociais uma visão sobre a realidade social. Em Sobre a Televisão (1997), Bourdieu aponta que, cada vez mais, a visibilidade nos meios de comunicação se torna a condição essencial para a geração de capital político, o que significa a perda de autonomia desse campo. Discordando em parte da visão de Bourdieu, Miguel (2002, p.) afirma que “mídia e política formam dois campos diferentes, guardam certo grau de autonomia e a influência de um sobre o outro não é absoluta nem livre de resistências; na verdade, trata-se de um processo de mão dupla”. Sendo assim, é possível dizer que nem o campo político é totalmente dominado pela lógica da mídia e nem a mídia depende totalmente das regras do campo econômico, que, inegavelmente, tem grande poder sobre sua lógica, principalmente porque os meios de comunicação dependem de seu faturamento e lucro. Assim, é correto dizer que a mídia adquiriu um forte peso na formação do capital político e mesmo que, em alguma medida, condiciona as trajetórias políticas — já que a ausência de visibilidade nos meios de comunicação parece ser um empecilho sério para quem almeja os cargos eletivos mais importantes do poder executivo. Mas a mídia não possui o monopólio da produção ou distribuição deste capital; e o campo político (isto é, os agentes políticos de carreira mais tradicional) trata, por vezes com sucesso, de impor limites à influência da mídia, através da desvalorização simbólica dos tipos de notoriedade mais estreitamente associados aos meios de comunicação de massa (MIGUEL, 2002, p. 170).

Miguel (2002, p.180) conclui que a influência dos meios de comunicação é diferenciada de acordo com a posição dos agentes no campo político e levanta a hipótese de que, quanto menor o volume de capital político de alguém, maior a dependência em relação à mídia, e quanto mais elevadas as posições de poder que se pretende alcançar, maior a necessidade de visibilidade nos meios de comunicação.

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Por intermédio das fontes, os veículos de comunicação não apenas costumam obter informações, mas também reiteram o seu posicionamento em relação aos acontecimentos. Podemos dizer, portanto, que as fontes servem como um recurso para os media manterem uma suposta imagem de isenção, apresentar uma ideia e um enfoque sem se comprometerem e serem considerados imparciais. Neste capítulo, identificamos e analisamos quais são e como são mostradas as fontes mais recorrentes na cobertura da Operação Lava Jato. No capítulo a seguir, nos dedicaremos a entender como são enquadradas as duas figuras principais da narrativa da Operação Lava Jato, Lula e Sergio Moro e discutiremos como a imprensa cria e sustenta mitos políticos na atualidade.

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3. ENQUADRAMENTOS DE LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA E SERGIO MORO

No primeiro capítulo deste trabalho, discutimos sobre o conceito de escândalo político e analisamos os enquadramentos noticiosos mais recorrentes na cobertura da Lava Jato feita pela imprensa francesa, identificando que, nas fases iniciais da investigação, os temas de maior destaque foram o escândalo da Petrobras e os impactos da corrupção na companhia e a crise no governo de Dilma Rousseff. No segundo capítulo, falamos sobre o jornalismo internacional e o papel do correspondente estrangeiro, identificamos e analisamos as fontes jornalísticas mais recorrentes nos textos do Le Monde, Le Figaro e Libération sobre a Lava Jato. Além disso, discutimos sobre o uso de especialistas do campo político como fontes de informação e falamos sobre como os jornais franceses utilizam a imprensa brasileira para se pautar sobre a investigação da Lava Jato. Neste terceiro capítulo, analisaremos os enquadramentos midiáticos produzidos nos jornais Le Monde, Le Figaro e Libération sobre as duas principais personagens da Operação Lava Jato: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o juiz de primeira instância responsável pela investigação, Sergio Moro. Pretendemos identificar como os critérios de noticiabilidade de personalização e dramatização são utilizados na abordagem de ambos os atores políticos, além de tratar da construção da mitologia política e de um espetáculo político midiático.

3.1 Espetáculo político midiático

Dentro do campo político, complexas estratégias são utilizadas na disputa por visibilidade midiática, sendo o apelo à paixão (pathos) uma das artimanhas mais eficientes na construção de identificação. Weber (2000) considera que esse ambiente de intensa busca por notoriedade e repercussão é terreno fértil para a constituição de espetáculos político-midiáticos, construídos no entrelaçamento da política, da mídia e da sociedade, cujos dividendos simbólicos, econômicos e políticos, tornam tênues os limites do público e do privado. Weber explica que a transformação de fatos e acontecimentos políticos em espetáculos depende de interesses recíprocos oriundos de atores tanto da

88 política quanto da mídia. É um jogo mútuo, onde ambos os campos se beneficiam.

A categoria espetáculo político-midiático pressupõe a participação das instituições e sujeitos da política (partidos, Poderes Executivo e Legislativo), da mídia (jornalistas, produtores de comunicação), espaços nobres de circulação de informações e opiniões (programas, colunas, púlpitos) e, especialmente, a participação da sociedade, de modo organizado ou espontâneo (WEBER, 2000, p.3).

A autora recorre ao debate sobre escândalo de Thompson (2002) para ressaltar que os espetáculos político-midiáticos mais rentáveis são aqueles gerados na disputa eleitoral, onde sempre há vencedores e derrotados, onde há celebrações e mobilização de paixões. Nessa lógica do escândalo, quanto maiores são a representatividade política e visibilidade midiática, maior é o envolvimento no espetáculo.

Uma das razões por que escândalos midiáticos são do interesse dos leitores e espectadores é que, para aqueles que estão presenciando o desenrolar dos acontecimentos à medida que vão acontecendo, o resultado final é intrinsecamente incerto. Devido a isso, eles alentam a especulação e, como uma boa novela, eles constantemente testam a capacidade dos leitores e espectadores de avaliar a veracidade dos protagonistas, imaginar a trama e predizer seu resultado (THOMPSON, 2002, p.2013).

Por trás de um espetáculo político-midiático, há sempre diversos interesses de empresas e regimes políticos em jogo. Como Weber ressalta, não basta informar, é preciso provocar reação na opinião pública, construir consenso social através de ações combinadas de comunicação, no plano de discurso e das relações com as mídias.

Deste modo se pode falar em redes, em teias, em jogos estratégicos de comunicação, através dos quais as empresas e regimes políticos procuram criar as bases de sua legitimidade e promoção. Esta busca saiu do espaço local e regional para fazer a sua disputa em âmbito internacional. Do conceito sobre um Estado, sobre a nação, sobre o país, ou um determinado dirigente político depende a concessão de empréstimos, de aceitação no mercado de ações internacionais, de apoio à próxima eleição (WEBER, 2002, p.7)

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Além de ser palco da instituição e fortalecimento dos processos de espetacularização, a mídia mostra-se como um ambiente propício para a propagação de discursos perpassados de elementos simbólicos e míticos, ou seja, é onde ganham força os mitos políticos. Bezerra e Lima (2009) oferecem um esclarecimento sobre o conceito de mito político:

[..]é relevante, antes de tudo, esclarecer que mito político não é simplesmente um fenômeno, uma pessoa, um partido ou uma ideia, mas sim a representação que se faz de determinados fenômenos, pessoas ou ideias. A elaboração de um mito acontece sobremaneira a partir da contínua repetição e reelaboração de uma imagem. Ou seja, quando se pretende compreendê-lo e interpretá-lo, é a uma narrativa que se analisa. É a sequência de uma história contada, repetida e reelaborada que vai dando corpo, substância ao mito (BEZERRA E LIMA, 2009, p.2)

A cobertura política parece ser um tema particularmente propício às pesquisas sobre enquadramento na medida em que a vitória eleitoral, nas eleições democráticas, não pode prescindir de um jogo estratégico de construção de uma imagem pública, dentro do qual o enquadramento de um fato ou de um candidato pode ser uma contribuição decisiva.

3.2 Mitologia política

Levando em consideração a espetacularização político-midiática inerente às coberturas de escândalos políticos e a personalização e mitificação de figuras públicas, pretendemos, neste capítulo, abordar os enquadramentos midiáticos produzidos pelos jornais Le Monde, Le Figaro e Libération sobre as duas personagens de maior destaque na Operação Lava Jato: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o juiz de primeira instância responsável pela investigação, Sergio Moro. Nossa intenção é entender e explicar como tem sido construída a imagem pública de ambos os atores políticos a partir do acionamento de elementos simbólicos e míticos no cenário midiático, no caso, referente ao universo da imprensa francesa.

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Como explicam Bezerra e Lima (2002, p.10), “entender como um político pode ter sua imagem mitologizada na e para a cena pública pressupõe adotar como categorias centrais, a espetacularização da política, o carisma, imagens e imaginário e principalmente o mito e as mitologias políticas”. A palavra “mito” evoca diferentes significados; ora pode ser concebida como uma ideia falsa ou uma ilusão que desaparece ao ser examinada, ora pode estar relacionada à antropologia e à história das religiões. Miguel (1998) diferencia o mito político do mito desenvolvido nas sociedades primitivas: além de estarem em choque entre si o tempo todo, diferente das narrativas míticas antigas, os discursos políticos costumam narrar o futuro ao invés das origens e dificilmente têm relação com a esfera do sagrado. Em sua tese de doutorado, o autor dedicou-se ao estudo do mito político, identificando os principais conceitos teóricos desenvolvidos sobre o assunto, com destaque para os trabalhos desenvolvidos por Georges Sorel, Raoul Girardet e Roland Barthes, entre outros. Segundo Miguel, a primeira grande tentativa de construção de um conceito de mito político surgiu no início do século XX, na obra do francês Georges Sorel, marxista heterodoxo bastante polêmico, considerado como incoerente por muitos por ter sido ligado ao sindicalismo revolucionário de extrema esquerda, mas também se envolvido por um tempo com a extrema direita monarquista. Sorel pensou o mito político em seu caráter revolucionário, como um elemento irracional necessário para o êxito do movimento operário que, representando um instrumento de ação coletiva, era capaz de guiar o proletariado à revolução. Sorel formulou seu conceito de mito levando em consideração a realidade da luta do proletariado francês. Para ele, o mito é a força motriz para a incitação ao movimento operário. Diferente de Sorel, que afirma que os mitos são imagens não suscetíveis de serem apreendidas pela razão, Roland Barthes (2013) considera que mistificação apresenta-se à razão procurando iludi-la, fazendo com que aceite como evidência natural o que é construção ideológica. Ao tratar das mitologias contemporâneas, Barthes diz que “o mito constitui uma fala despolitizada e tem a função de transformar uma intenção histórica em natureza, uma eventualidade em eternidade” (BARTHES, 2013, p.234). Para ele, o mito também é um roubo

91 de linguagem, que tem a função específica de transformar um sentido em forma e encontra força, sobretudo, dentro da esfera burguesa:

O que o mundo fornece ao mito é um real histórico, definido, por mais longe que se recue no tempo, pela maneira como os homens o produziram ou utilizaram; e o que o mito restitui é uma imagem natural desse real. E, do mesmo modo que a ideologia burguesa se define pela deserção do nome burguês, o mito é constituído pela eliminação da qualidade histórica das coisas; nele as coisas perdem a lembrança da sua produção. O mundo penetra na linguagem como uma relação dialética de atividades e atos humanos; sai do mito como um quadro harmonioso de essências (BARTHES, 2013, p. 234).

Levando em consideração os conceitos desenvolvidos por Sorel e Barthes, Miguel (1998) conclui que o mito pode surgir tanto no contexto de um discurso revolucionário, quanto dentro de um discurso conservador ou retrógrado. Também nessa linha, no livro Mitos e Mitologias Políticas (1987), Raoul Girardet afirma que todas essas formulações parecem efetivamente corresponder a alguns dos principais aspectos do mito político, porém, nenhuma é capaz de esgotá-lo, nem mesmo de abarcar seu conteúdo. Girardet trata o mito como um sistema de crença coerente e completo, o reflexo de um sistema de valores ou de um tipo de mentalidade, que pode surgir dos pontos mais opostos do horizonte político, classificando-se “à direita” e “à esquerda”, segundo a oportunidade do momento (1987, p.12). Girardet (1987) propõe que a criação de mitos políticos é enfatizada em momentos da história em que há inquietações políticas. Bezerra e Lima (2002) explicam que o autor chegou a essa constatação ao perceber que as perturbações políticas ocorridas nos dois últimos séculos da história européia se fizeram acompanhar de uma considerável efervescência mitológica. Ao levar em consideração a relação intrínseca entre o mito e o contexto histórico, faz-se necessário ter em mente que os elementos míticos são hoje veiculados nos discursos políticos e publicizados através da imprensa, que serve como terreno propício para o surgimento de personagens míticos, de diferentes classes, ideologias, propostas e discursos.

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Neste trabalho, propomos que a Lava Jato é palco da atuação de dois mitos políticos: um deles surgiu dentro dos meandros da própria operação e ganhou força e apoio graças à cobertura da mídia, o juiz Sergio Moro; o outro tornou-se um mito pela trajetória política que construiu e por ter se tornado uma das figuras mais importantes do imaginário popular brasileiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

3.3 Análise das principais personagens da Lava Jato

Na análise das 168 matérias sobre a Lava Jato que compõem o corpus deste trabalho, identificamos graus de destaque diferentes dados a Sergio Moro e Luiz Inácio Lula da Silva, sendo este o principal protagonista da cobertura da Operação nos jornais franceses. No Le Monde, Lula é citado de alguma forma em 69 das 103 matérias, o que corresponde a cerca de 67% do material analisado. Já Moro aparece em 36 matérias, ou seja, em quase 35% dos textos. Lula tem destaque no título de 25 das 103 matérias do Le Monde, número que representa 24,2% do total de textos. Sergio Moro ganha protagonismo nos títulos em um número bem menor de matérias: é citado em apenas 4, ou seja, em menos de 4% do material. No Le Figaro, Lula é citado em 62,8% das matérias, o que equivale a 22 das 35 matérias sobre a Lava Jato do jornal. Moro, por sua vez, aparece em 11 matérias (31,4%). Em relação aos títulos, Lula aparece em 20% do material analisado (7 matérias) e Moro não é citado em nenhum título. O jornal de esquerda Libération é o que deu maior destaque a Lula, citando o ex-presidente em 25 das 30 matérias sobre a Operação, número que equivale a 83,3%. Sergio Moro, por sua vez, teve os holofotes pouco voltados para si no jornal: aparece em 10% das matérias, ou seja, em 3 textos. Quanto aos títulos, Lula é citado de alguma forma em 7 (23,3%) e Moro aparece em apenas 1, valor equivalente a 3,3% do corpus do Libération sobre a Lava Jato. O protagonismo que Lula tem na cobertura francesa pode ser explicado pelo que Galtung e Ruge (1993) definem como o valor-notícia da personalização. Segundo os autores, o fato de uma figura pública estar envolvida em um acontecimento pode ser decisivo na hora de um jornalista considerar algo noticiável. Traquina (2013, p.89) trata a personalização como a valorização das

93 pessoas envolvidas no acontecimento, a acentuação do “fator pessoa”. Ele explica que quanto mais personalizado é o acontecimento, mais possibilidades tem a notícia de ser notada, pois facilita a identificação do acontecimento em termos “negativo” ou “positivo”.

O mundo é composto por atores individuais e nacionais, e uma vez que é evidente que a ação se baseia na imagem que o ator faz da realidade, a ação internacional será baseada na imagem da realidade internacional. Esta imagem não é só moldada pelos media noticiosos (...). Mas a regularidade, a ubiqüidade e a perseverança dos media noticiosos transformá-los-ão em competidores de primeira categoria em busca da primeira posição, enquanto modeladores de imagem internacionais. Dão que a adequação da imagem em que se baseia, o estudo que os media noticiosos dão do mundo, é de importância primordial (GALTUNG & RUGE, 1993, p. 62).

No caso analisado neste trabalho, os jornalistas tendem a dar maior destaque para a cobertura envolvendo figuras conhecidas, como o ex-presidente Lula, uma das poucas ou, talvez, única personagem envolvida que é considerada relevante para a política francesa, por isso, é compreensível o destaque que seu nome tem em tantas matérias.

Ao longo de sua vida, Lula construiu uma trajetória de enorme apelo midiático: teve uma infância humilde e sofrida, tornou-se um líder político com grande força na classe operária, concorreu à presidência cinco vezes seguidas, com três derrotas e duas vitórias, e, mesmo sem formação superior, foi eleito presidente do Brasil duas vezes consecutivas (2002/ 2006), deixando o governo com mais de 80% de aprovação popular80. Panke (2010, p.115) classifica a eleição de Lula como um fato histórico, especialmente por ter significado o rompimento de barreiras sociais, e explica que, para chegar ao poder, Lula teve que adaptar o seu discurso. Segundo a autora, o discurso político de Lula divide- se em três fases, indo da extrema-esquerda do início do PT, passando por um momento de transição, nas eleições de 1994 e 1998, até chegar ao discurso

80 Informação retirada do texto “Acima das expectativas, Lula encerra mandato com melhor avaliação da história”. Disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2010/12/1211078-acima-das-expectativas-lula- encerra-mandato-com-melhor-avaliacao-da-historia.shtml Acesso em 29/04/2018. 94 pacificador de quando foi eleito, mais alinhado à centro-esquerda, referente à época em que Lula ganhou o apelido de “Lulinha paz e amor” e desenvolveu uma forte política de relações internacionais.

Na análise dos três jornais franceses, identificamos diversos enquadramentos sobre o ex-presidente Lula, no entanto, os mais recorrentes são os de “pai dos pobres”, “ídolo das classes populares”, “presidente mais popular da histórica”, “político carismático”, “ícone brasileiro”, “político em descrédito” e “suspeito de corrupção”

Os holofotes do jornal Le Figaro voltaram-se ao ex-presidente brasileiro de forma acentuada a partir de 4 de março de 2016, quando Lula foi conduzido coercitivamente para prestar depoimento à Polícia Federal, no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Os textos “Brasil: Lula suspeito de ter se beneficiado de ‘favores’ de empresas acusadas de corrupção” e “Brasil: a sombra da justiça paira sobre o ícone Lula” tratam do assunto. O primeiro, de forma geral, fala sobre as acusações a Lula, destacando os manifestantes presentes no aeroporto durante seu depoimento e também aqueles que protestaram ao redor de sua residência, em São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo.

O segundo texto explica por que Lula foi conduzido coercitivamente e os motivos de sua figura estar passando por um momento de descrédito no Brasil. No texto, Lula é tratado como “figura da esquerda brasileira”, “possível candidato em 2018” e comparado ao ex-presidente Getúlio Vargas.

Essa referência histórica pode ser associada ao que, em última análise, sugere Yang (2015): enquadramentos são responsáveis, a longo prazo, pela construção e consolidação de parte dos estereótipos em circulação na sociedade. Provocados ou acentuados pela apresentação midiática de um enquadramento específico, certas representações sociais são erigidas em termos de uma visão parcial e unilateral, formando um estereótipo midiático.

Além do interrogatório no aeroporto, o texto também compara Lula e Getúlio Vargas, dizendo que os dois são os Chefes de Estado mais carismáticos da República e que, tanto na época de Vargas como hoje, a sociedade está polarizada entre os que os amam e os que os odeiam. A reportagem diz que Lula é “aclamado entre os seus admiradores de esquerda” como o “guerreiro do povo”

95 e também pela figura que representa e pelas mudanças sociais que fez no País, como a adoção do sistema de cotas nas universidades, o aumento do salário mínimo e a determinação de direitos trabalhistas para empregadas domésticas, que desagradou parte da elite brasileira.

A reportagem afirma que o discurso ético do PT “não faz mais sentido por conta de escândalos de corrupção nos quais o partido está envolvido” e diz que, assim como em 1954, época de Vargas, o papel da imprensa tem sido colocado em xeque no Brasil. O texto destaca que é necessário aplaudir os jornalistas que não se intimidam pelo título, carisma ou papel histórico do ex-presidente Lula, mas questiona e considera “caricatural” a narrativa na qual Lula e o PT são apresentados como “os maiores bandidos da história”.

O primeiro texto onde o nome de Lula aparece com destaque em um título do Le Monde foi publicado em 4 de março de 2016, quando ele foi conduzido coercitivamente para depor no Aeroporto de Congonhas. Sobre o tema, foram publicadas quatro matérias: “O ex-presidente Lula tenta salvar sua reputação e o Brasil”81, “No Brasil, o ex-presidente Lula pego pelo escândalo Petrobras”82, “Brasil: Envolvido no escândalo Petrobras, o ex-presidente Lula convida seus partidários a apoiá-lo”83 e “No Brasil, o ex-presidente Lula tenta evitar sua prisão”84. Na linha fina do primeiro texto, Lula é abordado como “ídolo das classes populares”. A notícia afirma que os vazamentos judiciais e o suposto envolvimento de Lula nesses escândalos políticos fazem com que ele “perca pouco a pouco sua reputação”. Segundo ela, verdadeiras ou anedóticas, as denúncias demonstram como Lula não é mais intocável. O texto descreve Lula como um senhor 70 anos que “venceu um câncer de garganta”, “superou o escândalo do Mensalão”, exerceu dois mandatos presidenciais “quase sem falhas” e, agora, pretende voltar ao poder disputando

81 Tradução nossa. Título original: “L’ancien président Lula tente de sauver sa réputation et le Brésil”. Publicada em 04/03/2016. 82 Tradução nossa. Título original: “Au Brésil, l’ancien président Lula rattrapé par le scandale Petrobras”. Publicada em 05/03/2016. 83Tradução nossa. Título original: “Brésil: rattrapé par le scandale Petrobras, l’ancien président Lula appelle ses partisans à le soutenir”. Publicada em 06/03/2016. 84 Título original: “Au Brésil, l’ancien président Lula tente d’éviter la prision”. Publicada em 11/03/2016. 96 possivelmente as eleições de 2018. Ele é apresentado também como candidato ideal para o PT pelo seu carisma e pragmatismo. No entanto, para conquistar os eleitores decepcionados com o PT, teria que desassociar o seu nome ao de Dilma Rousseff, pois a aprovação do governo dela era bastante baixa, por volta dos 11%. Matthes e Kohring (2008) relacionam a análise de conteúdo como uma estratégia metodológica especialmente bemvinda para o estudo dos enquadramentos noticiosos a partir de aportes diferentes em relação ao conteúdo, que incluem, mas não se limitam, à análise linguística e à hermenêutica. O enquadramento de uma notícia, ressaltam, não está circunscrito a um conjunto pequeno de referenciais cognitivos: ao contrário, parece existir uma intersecção entre diversos tipos de enquadramentos próximos no âmbito da construção da notícia, denominados pelos autores como um “aglomerado” (“cluster”) de enquadramentos. A noção de aglomerado pode ser particularmente frutífera para a compreensão dos diversos enquadramentos observados neste trabalho, sobretudo quando se leva em consideração a coexistência de vários quadros de referência concorrentes em uma mesma notícia – por exemplo, a disparidade entre o enquadramento dos títulos quando comparados com o texto das reportagens em si. Nos casos analisados, foi possível notar um enquadramento mais próximo da dramatização da cobertura nos títulos das notícias, em contraste com uma cobertura mais nuançada no corpo do texto. No Libération, o nome de Lula começa a ganhar mais destaque em matérias sobre a Lava Jato também em março de 2016, como podemos ver no texto “Lula na delegacia, o crepúsculo de um ídolo?”85. O Libération abre o texto dizendo que “seus adversários políticos esperavam por esse momento”, em referência ao fato da Operação Lava Jato ter “batido na casa de Lula”, fazendo com que o ex-presidente fosse conduzido coercitivamente para dar depoimento à Polícia Federal. A matéria não poupa elogios ao ex-presidente: ele é tratado como “ídolo”, “pai dos pobres” e “maior líder do Brasil”, além de ser designado como “mentor político de Dilma”. Apesar dos adjetivos positivos dado ao ex-

85 Tradução nossa. Título original: “Lula au commissariat, le crépuscule d’une idole?”. Publicada em 05/03/2016. 97 presidente, em um trecho, o jornal diz que “o mito está rachando” e que Lula “não é mais intocável”. Identificamos que o jornal Le Monde também se refere a Lula como um “mito” e “ícone do povo brasileiro” em algumas matérias, como em “No Brasil, o ex-presidente Lula acusado de tentar obstruir a Justiça”86, publicado em julho de 2016. Ao resgatar esses dois conceitos, a jornalista coloca o político em um alto patamar por ter contribuído para tirar dezenas de milhões de brasileiros da pobreza. Uma das fontes do texto, o cientista político Carlos Melo, professor do Instituto Insper, diz que Lula é considerado como um “Deus” por muitos, mas que isso não tira a sua responsabilidade em oferecer explicações à Justiça. A matéria dá voz a uma fonte anônima, citada no texto como próxima ao PT, para dizer que as pessoas estão cansadas da situação e querem o fim dessa “telenovela”. Lula, como figura política, apareceu na cena pública enquanto candidato em suas tentativas eleitorais como o que Schwartzenberg (1978) denomina de o “homem comum”, personagem apresentado como representante que encarna as virtudes comuns “por vezes de maneira magistralmente talentosa”, tornando-se uma estrela de primeira grandeza em seu registro mais modesto”. Segundo o autor, o perfil desse self-made-man, saído das fileiras, homem do povo que veio da base, pode gerar plena identificação em nós. O enquadramento de Lula como “pai dos pobres” e “ídolo das classes populares” aparece diversas vezes na cobertura dos três jornais franceses. Tais concepções são construídas pela imprensa francesa pelo fato do ex-presidente ter conseguido diminuir consideravelmente a miséria do Brasil, investindo, principalmente, na criação e divulgação de programas sociais, que acabaram se tornando bastante conhecidos internacionalmente. Como exemplos desses enquadramentos, podemos citar os seguintes trechos:

86 Tradução nossa. Título original “Au Brésil, l’ex-président Lula inculpé pour tentative d’entrave à la justice”. Publicada em 29/07/2016.

98

Tabela 8- Enquadramentos de Lula como “pai dos pobres” e “ídolo das classes populares”

Trechos Jornal

Os mais pessimistas veem, assim, LE MONDE (14/03/2016) fechar-se os parênteses do PT, que deu, com Lula, a palavra aos “invisíveis”, aos esquecidos pelos governos, que o ex- presidente contribuiu para tirar da miséria87 A batalha entre Lula, o “pai dos pobres”, LE MONDE (20/12/2016 presidente de 2003 a 2010, e diversos membros do Partido dos Trabalhadores (PT, esquerda), diante do juiz Sergio Moro, chamado de “xerife” encarregado da Lava Jato88 O “pai dos pobres” ainda permanece LE MONDE (12.05.2017) como a figura do PT e é dado como favorito para a eleição presidencial de 201889 O ex-sindicalista Lula, o “pai dos pobres”, LE MONDE (16/05/2017) querido pelos mais humildes, que gosta de pontuar seus discursos com gírias e metáforas futebolísticas90

O ex-presidente, que atingiu sua LE FIGARO (10/05/2017) popularidade liberando da miséria milhões de brasileiros durante seus dois

87 Tradução nossa. Trecho original: “Les plus pessimistes voient ainsi se refermer la parenthèse du PT qui avait donné, avec Lula, la parole aux « invisibles », aux oubliés des gouvernements, que l’ancien président a contribué à sortir de la misère”. 88 Tradução nossa. Trecho original: “la bataille entre Lula, le « père des pauvres », président de 2003 à 2010, et divers membres du parti des travailleurs (PT, gauche), face au juge Sergio Moro, dit le « shérif », chargé de Lava Jato”. 89 Tradução nossa. Trecho original: “Le « père des pauvres » reste à ce jour la figure du PT, et est donné favori pour le scrutin présidentiel de 2018”. 90 Tradução nossa. Trecho original: “l’ancien syndicaliste Lula, le « père des pauvres », chéri des plus humbles, qui aime à ponctuer ses discours de jurons et de métaphores footballistiques”. 99

mandatos (2002-2009), é hoje dado como favorito da próxima eleição presidencial91 Graças ao Partido dos Trabalhadores, de LIBÉRATION (01/04/2016) Lula e de Dilma, que 30 milhões de brasileiros melhoraram suas condições de vida92 Fonte: elaboração da autora

O carisma de Lula e o seu poder de oratória também mostram-se como enquadramentos recorrentes na cobertura analisada. Duas matérias, uma no Le Monde e outra no Le Figaro, são entrevistas concedidas pelo presidente aos veículos franceses. O texto do Le Monde, intitulado “Lula em missão de sedução para defender Dilma Rousseff”93, mostra a relação de proximidade e confiança de Lula com a imprensa internacional. Na época das manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff, o ex-presidente convocou uma coletiva de imprensa com alguns dos mais importantes jornais internacionais, entre eles o Le Monde, para defender a permanência da então líder do Brasil. O carisma de Lula tem destaque na linha-fina e também é citado em diversas partes da matéria. O texto diz que, na conversa com os jornalistas estrangeiros, Lula “emocionou a sala”, “bateu o punho na mesa” e usou suas características metáforas sobre futebol para explicar a situação do País diversas vezes, dando à situação delicada do Brasil um “ar mais leve”. De forma geral, Lula é apresentado como alguém que acabou o mandato presidencial em 2010 com grande aceitação da população e deixou o País em uma situação próspera e promissora, mas que agora está afetado pelos escândalos de corrupção nos quais tem o nome envolvido. O texto cita a fase em que Lula era considerado “Lulinha paz e amor”, ou seja, quando abrandou seu discurso mais inflamado de sindicalista e conquistou a maior parte do apoio da população brasileira, e também fala sobre a desolação

91 Tradução nossa. Trecho original: “L'ex-président, qui a bâti sa popularité en libérant de la misère des millions de Brésiliens lors de ses deux mandats (2002-2009), est aujourd'hui donné largement favori de la prochaine présidentielle”. 92 Tradução nossa. Trecho original: “Grâce au Parti des travailleurs de Lula puis de Dilma Rousseff, quelque 30 millions de Brésiliens ont amélioré leurs conditions de vie”. 93 Tradução nossa. Título original: “Lula en mission séduction pour défendre Dilma Rousseff”- Publicada em: 29/03/2016.

100 do ex-presidente ao assistir às manifestações que pediam o impeachment de Dilma. Nesse trecho, a narrativa aponta algumas brechas no discurso e nas atitudes de Lula, pois, outrora, ele era defensor do procedimento de destituição e atualmente refere-se ao impeachment de Dilma como um “golpe de estado”, um procedimento sem fundamento jurídico. As referências ao “paz e amor” ou “golpe de estado” sugerem o que Herkman (2016) mostra ao dizer que enquadramentos diferentes são responsáveis, também, pela atribuição de sentidos a certas expressões. Ele demonstra que, no campo da comunicação política, a compreensão de uma palavra, como “populismo”, deriva dos quadros de sentido dentro dos quais a expressão aparece e é operacionalizada. Observe-se que não se trata de uma definição estritamente semântica, mas pragmática. Embora as denúncias das injustiças sofridas por Dilma Rousseff tenham sido o assunto principal da conversa com os jornalistas estrangeiros, dentre eles Claire Gatinois, do Le Monde, o envolvimento de Lula na Operação Lava Jato e a sua relação conflituosa não deixaram de entrar na pauta. Ao ser questionado sobre as suspeitas de corrupção, Lula preferiu dizer que os seus advogados eram as pessoas mais preparadas para fazer a sua defesa e aproveitou o momento para falar sobre as suas discordâncias com o juiz Sergio Moro, descrito como um “fanfarrão com jeito de cowboy” dirigido pela sua súbita notoriedade. Lula diz que Moro é um homem inteligente e competente, embora tenha cometido um erro ao tornar públicas as suas escutas pessoais, criando, assim, um circo midiático e um “espetáculo pirotécnico”. Ao Libération, Lula concedeu uma entrevista exclusiva em julho de 2016, cerca de um mês antes do final do processo de impeachment de Dilma Rousseff. A matéria “Luiz Inacio Lula da Silva: ‘A política é a arte do impossível’”, assinada pela correspondente Chantal Rayes, é fruto de uma conversa entre a jornalista e o ex-presidente no Instituto Lula, em São Paulo. A entrevista aborda tópicos como a crise da reputação do PT, o impeachment iminente de Dilma Rousseff, os Jogos Olímpicos, que aconteceriam em agosto do mesmo ano, e a Operação Lava Jato. Assim como o Le Monde, o Libération também trata a entrevista de Lula como uma “operação para sedução”. No texto, o político é tratado com os adjetivos de “ex-presidente mais popular da história recente do Brasil” e “amável

101 e descontraído”. A origem humilde de Lula também é resgatada no momento em que ele é tratado como “pobre criança que não terminou a escola”. Neste trecho, não percebemos o tom de crítica que alguns veículos de comunicação, especialmente os brasileiros, costumam dar ao fato de Lula ter se tornado presidente sem ter feito um curso superior. Durante a entrevista, quando aborda o tema “Lava Jato”, Lula faz questão de dizer que o governo dele e de Dilma foram os que mais investiram na formação da Polícia Federal, na Controladoria Geral da União e na autonomia do Ministério Público do país. No entanto, o ex-presidente faz críticas ao fato de que a justiça parece estar mais interessada em “produzir manchetes na imprensa” do que realmente conduzir uma investigação de forma apropriada. Ele diz que, antes mesmo de uma pessoa ser condenada pelos tribunais, ela acaba sendo condenada pela mídia e pelo público, em alusão à forma que o seu processo na Lava Jato tem sido conduzido. No entanto, apesar de já ter seu nome envolvido na Operação Lava Jato, o ex-presidente não diz em nenhum momento que a Operação não é válida, apenas reforça a ideia de que as perseguições são seletivas. Abaixo, apresentamos trechos de matérias onde os enquadramentos de Lula remetem ao seu carisma e liderança:

Tabela 9- Enquadramentos de Lula como líder carismático Trecho Jornal Suas palavras, seu carisma e seu LE MONDE (04/03/2016) pragmatismo fazem dele o candidato do PT94 Luiz Inacio Lula da Silva usou sua veia de LE MONDE (29/03/2016) sindicalista e o seu charme natural para ajudar novamente Dilma Rousseff, ameaçada de destituição95

94 Tradução nossa. Trecho original: “Son verbe, son charisme, son pragmatisme font de lui « le » candidat du PT”. 95 Tradução nossa. Trecho original: “Luiz Inacio Lula da Silva, président de 2003 à 2010, a emprunté à sa verve d’ancien syndicaliste et à son charme naturel pour porter à nouveau secours à Dilma Rousseff”. 102

Luiz Inácio Lula da Silva é um orador LE FIGARO (10/05/2017) carismático de 71 anos, um político experiente nas lutas sindicais96 Lula e Vargas são os dois chefes de LE FIGARO (08/03/2016) estado mais carismáticos da história brasileira97 Amável, descontraído, o ex-presidente do LIBÉRATION (12/07/2016) Brasil (2003/2011) recebeu o Libération na sede do instituto que carrega seu nome, em São Paulo98 Fonte: elaboração da autora

De forma geral, podemos dizer que Sergio Moro é apresentado nos textos como o “rival de Lula”, alguém predestinado desde o primeiro momento a colocar o ex-presidente na cadeia. Percebe-se, na cobertura, a criação de uma narrativa de disputa entre os dois, uma batalha do bem contra o mal, na qual é o leitor que determina quem representa qual lado. O enquadramento da disputa entre ambos os atores políticos pode ser identificado em diversos textos dos jornais franceses. Na matéria “No Brasil, a fase 2 da Operação Lava Jato”99, o Le Monde compara a Operação Lava Jato à série House of Cards, da Netflix, e diz que, se virasse uma série, a primeira temporada seria uma batalha entre Lula e Moro, sendo ex-presidente o “pai dos pobres” e o juiz o “xerife encarregado da Lava Jato”. O texto “No Brasil, o “show” de Lula diante da justiça100, do mesmo jornal, também mostra um cenário de confronto entre os dois atores políticos. O jornal mostra a ida de Lula a Curitiba para ser interrogado por Moro, em maio de 2017, como um momento onde ambos os atores políticos tiveram a chance de ficar frente à frente e mostrar o seu poder, um momento onde houve

96 Tradução nossa. Trecho original: “Luiz Inacio Lula da Silva est un tribun charismatique de 71 ans, un politicien aguerri par les luttes syndicales”. 97 Tradução nossa. Trecho original: “Lula comme Vargas sont les deux chefs d'État les plus charismatiques de l'histoire brésilienne”. 98 Tradução nossa. Trecho original: “Affable, détendu, l’ex-président du Brésil (2003-2011) a reçu Libération au siège de l’institut qui porte son nom, à São Paulo”. 99 Tradução nossa. Título original “Au Brésil, la saison 2 de l’affaire «Lava Jato». Publicada em: 20/12/2016. 100 Tradução nossa. Título original “Au Brésil, le ‘show’de Lula face à la justice”. Publicada em: 12/05/2017. 103 também embate entre os militantes de esquerda e de direita: “Esta batalha deslizou pelo campo político, opondo os militantes de esquerda aos simpatizantes de direita, os representantes do povo a aqueles de elite, os defensores da democracia aos guardiões da ética”101. Em “Brasil: Lula condenado, a presidência se afasta”102, do Le Figaro, que trata do anúncio da condenação de Lula a 9 anos e meio de prisão, também percebemos que há um esforço para mostrar Lula e Moro como rivais declarados, como no trecho:

Esta investigação colocou frente a frente duas das personalidades mais populares do Brasil: Lula é um orador carismático e um político experiente nas lutas sindicais, adorado pelos brasileiros pobres por ter tirado milhões deles da miséria. Sergio Moro é um juiz intransigente de 44 anos, que leva uma vida quase monástica, herói das classes médias por seu combate contra a corrupção (LE FIGARO, 13/07/2017)103.

Apesar de a Operação Lava Jato ter iniciado em março de 2014, o juiz Sergio Moro não foi tratado inicialmente na cobertura de nenhum dos três jornais franceses. No Le Monde, por exemplo, apareceu pela primeira vez em dezembro de 2015, em um texto intitulado “Juiz Sergio Moro, o Eliot Ness brasileiro”104, que consiste em um longo perfil de Moro comparando-o a Eliot Ness, agente federal americano que, nos anos 1930, esforçou-se para prender o mafioso Al Capone. No Le Figaro, Moro só começou a ser tratado em março de 2016, época correspondente à condução coercitiva de Lula. O primeiro texto no qual o juiz aparece é “Brasil: a sombra da justiça paira sobre o ícone Lula”105, onde Moro é tratado como “um juiz com ares de Dom Quixote, responsável pela humilhação que Lula passou”. No Libération, Sergio Moro aparece pela primeira vez também

101 Tradução nossa. Texto original: “Cette bataille a glissé sur le terrain politique, opposant les militants de gauche aux sympathisants de droite, les représentants du peuple à ceux de l’élite, les défenseurs de la démocratie aux gardiens de l’éthique”. 102 Tradução nossa. Título original “Brésil: Lula condamné, la présidence s'éloigne”. Publicada em: 08/03/2016. 103 Tradução nossa. Trecho original: “Cette affaire a mis face à face deux des personnalités les plus populaires du Brésil: Lula est un tribun charismatique et un politicien aguerri par les luttes syndicales, adulé des Brésiliens pauvres pour avoir fait sortir des millions d'entre eux de la misère. Sergio Moro est un juge intraitable de 44 ans, menant une vie quasi monacale, héros des classes moyennes pour son combat contre la corruption”. 104 Tradução nossa. Título original “Le juge Sergio Moro, l’Eliot Ness brésilien”. Publicada em: 17/12/2015. 105 Tradução nossa. Título original “Brésil: l'ombre de la justice plane sur l'icône Lula”. Publicada em: 08/03/2016. 104 na mesma época, em 31 de março de 2016, no texto “A dura campanha do juiz Moro contra Lula”106. Entre os três jornais, o que dedicou maior atenção a Moro foi o Le Monde, com duas matérias dedicadas ao perfil do juiz, “Juiz Sergio Moro, o Eliot Ness brasileiro”, já citada anteriormente, e “Sergio Moro, o juiz anticorrupção que sacode o Brasil”, publicada em 17 de março de 2016, três meses após o primeiro texto. No período analisado neste trabalho, o Le Figaro não produziu nenhum texto sobre o perfil do juiz e todos os textos sobre ele remetem ao embate com Lula. Na análise do material sobre Sergio Moro, identificamos que há alguns enquadramentos que prevalecem na cobertura dos três veículos de comunicação, como o de “juiz anticorrupção”, “herói” “ídolo da classe média” e “intransigente”, “sério” e ‘arrogante”. Os jornais também costumam tratar Moro como “juiz de província”, por conduzir a Lava Jato de Curitiba, Paraná, e não de São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília, que são as cidades mais conhecidas do Brasil pelos estrangeiros. As referência ao seu lugar de origem podem ser encontradas, por exemplo, nos textos “Lula condenado a nove anos de prisão por corrupção”107, do Libération; “Juiz Sergio Moro, o Eliot Ness brasileiro”, “No Brasil, o duelo entre o ex- presidente Lula e o juiz Sergio Moro”108, “Brasil, os protagonistas da crise que abala o país”109, do Le Monde; e “Brasil, a sombra da justiça paira sobre o ícone Lula”, do Le Figaro. Abaixo, seguem alguns exemplos:

106 Tradução nossa. Título original “La campagne musclée du juge Moro contre Lula”. Publicada em: 01/04/2016. 107 Tradução nossa. Título original “Lula condamné à neuf ans de prision pour corruption”. Publicada em: 12/07/2017. 108 Tradução nossa. Título original “Au Brésil, le duel entre l’ancien président Lula et le juge Moro. Publicada em: 18/03/2016. 109 Tradução nossa. Título original “Brésil, les protagonistes de la crise qui secoue le pays”. Publicada em: 18/03/2016. 105

Tabela 10- Trechos que citam o local de origem de Sergio Moro Trecho Jornal Sergio Moro, o “pequeno juiz de LE MONDE (17/12/2015) província”, um moreno de mandíbula quadrada, odiado pelos políticos e temido pelos poderosos, mas adorado pelos cidadãos brasileiros simples, sabe que tem em suas mãos o caso de sua vida110 O juiz federal Sergio Moro, 44 anos, LE MONDE (18/03/2016) magistrado de província encarregado pela investigação da Lava Jato, que revelou o escândalo de corrupção ligado à Petrobras, escolhido como herói nacional pela multidão em cólera111 O “juiz de província” - ele atua em LE MONDE (18/03/2016) Curitiba, capital do estado do Paraná- diz ter descoberto a amplitude do escândalo pouco a pouco, investigando, inicialmente, um caso de lavagem de dinheiro112 Sergio Moro, um juiz federal provinciano, LE FIGARO (08/03/2016) com ares de Don Quixote, que mobilizou 200 policiais em São Paulo contra ele [ Lula]113 O juiz Sergio Moro, do tribunal de Curitiba LIBÉRATION (12/07/2017) (sul do Brasil) lançou um processo contra o fundador do Partido dos Trabalhadores (PT, esquerda) em setembro de 2016, acusando-o de ter se beneficiado de

110 Tradução nossa. Trecho original: “Sergio Moro, le « petit juge de province », un brun à la mâchoire carrée, haï des politiques et craint des puissants, mais adulé des simples citoyens brésiliens, sait qu’il a entre ses mains l’affaire de sa vie”. 111 Tradução nossa. Trecho original: “Le juge fédéral Sergio Moro, 44 ans, magistrat de province en charge de l’enquête « Lava Jato », qui a mis au jour le scandale de corruption lié à Petrobras, érigé en héros national par la foule en colère”. 112 Tradução nossa. Trecho original: “Le « juge de province » — il exerce à Curitiba, capitale de l’Etat du Paraná — dit avoir découvert l’ampleur du scandale au fur et à mesure, en enquêtant d’abord sur une affaire de blanchiment d’argent” 113 Tradução nossa. Trecho original: “Sergio Moro, un juge fédéral de province aux allures de Don Quichotte, qui a mobilisé 200 policiers à Sao Pau lo contre lui” 106

presentes da empreiteira OAS, no valor de 3,7 milhÕes de reais (1 milhão de euros)114

Fonte: elaboração da autora

O enquadramento de “juiz anticorrupção” e a referência à operação italiana Mãos Limpas, a qual Moro disse diversas vezes ter servido de inspiração para seu trabalho, são bastante recorrentes nas matérias que tratam de Sergio Moro. No texto “No Brasil, Dilma Rousseff enfrenta manifestações de amplitude inédita”115, do Le Monde, o juiz é evocado como um ídolo dos manifestantes de direita que pediram a saída da ex-presidenta do poder, visto por eles como um “justiceiro que luta contra a corrupção que gangrena o seu país”. Na matéria “Lava Jato, premissas de um berlusconismo brasileiro?”, também do Le Monde, o enquadramento dado a Moro é o de um “messias anticorrupção”. Já no texto “No Brasil, a liberação do ex-braço direito de Lula causa emoção”116, a percepção de Moro como um herói já não é mostrada como generalizada na população. Em um dos trechos, o Le Monde diz “o juiz, apresentado por alguns como um super-herói em guerra contra a corrupção e por outros como o coveiro do PT”. Na mesma linha, o Libération diz que Moro é um magistrado “ambíguo”, considerado como um “justiceiro fascista” para a esquerda e herói do povo para os manifestantes favoráveis à saída da presidenta Dilma Rousseff do governo. O jornal também diz que Moro tornou-se um protagonista da crise política sem precedentes que abala o Brasil, designando a ele grande responsabilidade pela fragilidade do país.

114 Tradução nossa. Trecho original: “Le juge Sergio Moro, du tribunal de Curitiba (sud du Brésil) avait lancé les poursuites contre le fondateur du Parti des travailleurs (PT, gauche) en septembre 2016, lui reprochant d’avoir bénéficié des largesses d’OAS, un groupe de BTP, à hauteur de 3,7 millions de réais (1 million d’euros)”. 115 Título original “Au Brésil, Dilma Rousseff face a des manifestations d’ampleur inedite”. Publicada em: 14/03/2016. 116 Tradução nossa. Título original “Au Brésil, la libération de l’ex-bras droit de Lula suscite l’émoi”. Publicada em: 04/05/2017. 107

O Le Figaro, na matéria “No Brasil, o ex-presidente Lula enfrenta seu juiz”117, não mostra Moro como um herói de toda a população, mas apenas da classe média brasileira.

Tabela 11- Enquadramentos de Moro como herói do Brasil

Trecho Jornal Sergio Moro, “o justiceiro”, é o herói LE MONDE (17/12/2015) deles [manifestantes anti-Dilma]118 Um juiz “herói do povo”119 LE MONDE (17/03/2016) O único herói dos manifestantes LE MONDE (30/03/2016) carrega o nome de Sergio Moro, o magistrado que instrui a Operação Lava Jato, encarregado de acabar com a impunidade120 O juiz, apresentado por alguns como LE MONDE (04/05/2017) um super-herói em guerra contra a corrupção e por outros como coveiro do PT, exige que Dirceu, livre, circule com uma pulseira eletrônica121 Em seu veredito, o juiz Moro, LE MONDE (12/07/2017) considerado como um herói por parte da população, interdita o ex-chefe de Estado a exercer uma função pública122

117Tradução nossa. Título original: “Au Brésil, l'ex-président Lula fait face à son juge”. Publicada em: 10/05/2017. 118 Tradução nossa. Trecho original: “Sergio Moro « le justicier » est leur héros”. 119 Trecho original: “Un juge ‘héros du peuple’”. 120 Tradução nossa. Trecho original: “Le seul héros des manifestants porte le nom de Sergio Moro, le magistrat qui instruit l’opération « Lava Jato », chargé d’en finir avec l’impunité”. 121 Tradução nossa. Trecho original: “Le juge, présenté par les uns comme un superhéros en guerre contre la corruption et par les autres comme le fossoyeur du PT, a toutefois exigé que M. Dirceu, libre, circule avec un bracelet électronique”. 122 Tradução nossa. Trecho original: “Dans son verdict, le juge Moro, considéré comme un héros par une grande partie de la population, interdit à l’ex-chef d’Etat d’exercer une fonction publique ”. 108

Sergio Moro, o herói da classe LE FIGARO (10/05/2017) média123 Sergio Moro é um juiz intransigente de LE FIGARO (13/07/2017) 44 anos, que leva uma vida quase monástica, herói da classe média por seu combate contra a corrupção124 ‘Justiceiro fascista’ para a esquerda, LIBÉRATION (12/07/2017) herói do povo para os manifestantes favoráveis à saída da presidente Dilma Rousseff, que suscedeu Lula, este magistrado ambiguo tornou-se um protagonista da crise política sem precedentes que sacode o Brasil125

Fonte: elaboração da autora

Cassirer (apud BEZERRA E LIMA, 2009) afirma que existe uma relação entre crise e mito político, pontuando que nos momentos críticos da vida social, o homem se vê crente em mitos, uma vez que as forças racionais perdem espaço não servindo em seu valor explicativo. Então, o mito que não fora realmente e completamente vencido e subjugado, retorna a fazer parte do pensamento social, valendo-se de sua função explicativa. Em momentos de crise, o mito político que costuma ganhar força é o do Salvador,” alguém capaz de reverter a situação vigente, tida como má, e instaurar uma nova era de paz e prosperidade. Ou melhor: não instaurar, mas conduzir o grupo — via de regra, a nação — ao futuro glorioso que de antemão lhe estava reservado” (MIGUEL, 1998). Segundo Girardet (1987, p.17), “o tema do Salvador, do chefe providencial, aparecerá sempre associado a símbolos de

123 Tradução nossa. Trecho original: “Sergio Moro, le héros des classes moyennes”. 124 Tradução nossa. Trecho original: “Sergio Moro est un juge intraitable de 44 ans, menant une vie quasi monacale, héros des classes moyennes pour son combat contre la corruption”. 125 Tradução nossa. Trecho original: “«Justicier fasciste» pour la gauche, héros du peuple pour les manifestants favorables au départ de la Présidente, Dilma Rousseff, qui a succédé à Lula, ce magistrat ambigu est devenu un protagoniste de la crise politique sans précédent qui secoue le Brésil”. 109 purificação: o herói redentor é aquele que liberta, corta os grilhões, aniquila os monstros, faz recuar as forças más” Miguel (1998) explica que o Salvador, muitas vezes, surge na forma de um líder individual, não de uma classe social (como a operária) ou uma corporação (como a militar). Como exemplo, ele cita o ex-presidente Fernando Collor de Mello, que fez uma campanha eleitoral com forte caráter messiânico e foi apresentado pela mídia como um Salvador da Pátria, apesar de, mais tarde, sofrer impeachment. No discurso de Collor, o “Brasil Novo” seria possível graças à coragem, determinação e clarividência do líder.

O Salvador também é aquele capaz de encarnar a vontade do todo social — que se identifica, quase que sobrenaturalmente, com este todo — contra os interesses egoístas, particularistas, dos adversários. O anseio por harmonia, por unidade, está presente em todos os mitos políticos. Uma harmonia que significa o fim da política, pois ela (a política) só existe a partir do momento em que há discrepância quanto ao ordenamento da vida em sociedade (MIGUEL, 1998)

Nos textos, além de ser comparado a “Eliot Ness”, juiz que prendeu Al Capone, Moro também é chamado de “Dom Quixote”, personagem principal do livro Don Quijote de La Mancha, escrito por Miguel de Cervantes, e “Robespierre dos Trópicos”, alusão a uma das personalidades mais importantes da Revolução Francesa. Podemos interpretar que a comparação com Don Quixote se deu porque, assim como a personagem do livro luta contra moinhos de vento, ou seja, inimigos imaginários, Moro cria inimigos, ou melhor, escolhe um inimigo específico – Lula –, de quem pretende ganhar a qualquer preço. O Le Monde, ao tratar Moro como um “Robespierre dos Trópicos”, compara o juiz brasileiro a uma das figuras mais importantes da França, o “incorruptível”, defensor dos oprimidos e advogado intransigente dos ideais democráticos, líder do partido jacobino, facção política radical e representante dos interesses da pequena burguesia francesa, a ala mais radical da revolução126. No auge da luta, os jacobinos, liderados por Robespierre,

126Informação retirada do texto “Robespierre”. Disponível em: <>. Acesso em: 30/04/2018.

110 implantam um regime de terror, guilhotinando seus inimigos. No final das contas, o grande defensor da guilhotina acabou também guilhotinado. Robespierre defendeu ideais como “liberdade, igualdade e fraternidade”, mas foi extremamente radical em seus atos e acabou contribuindo para a revolução perder o controle. Após a análise dos enquadramentos midiáticos apresentados nos jornais franceses Le Monde, Le Figaro e Libération, podemos concluir que o destaque dado à figura de Sergio Moro é intrinsecamente dependente do poder simbólico de Lula, que foi presidente do Brasil por dois mandatos consecutivos e tornou- se bastante relevante no cenário internacional. O mito de “Salvador da Pátria” designado ao juiz não se sustentaria se não houvesse uma figura de tamanha dimensão envolvida na Operação Lava Jato. Moro ganhou mais notoriedade dentro da trama da investigação por travar um embate público com Lula, tornando-o um bode expiatório, alguém que deveria ser preso a qualquer preço, tendo provas ou apenas convicções. Para Miguel (2000, p.41), a presença da vítima expiatória garante a passagem da violência recíproca e destruidora à unanimidade fundadora. O autor explica que a lógica do bode expiatório permanece agindo nos mitos contemporâneos estruturados sobre a ideia de “conspiração”, que consiste na demonização do grupo real ou imaginário que, por não se identificar com o todo social, tenta subvertê-lo ou submetê-lo. Além disso, Sergio Moro apresenta-se à sociedade com uma das principais características do mito político: o discurso de rejeição à política. Sob o manto da moralidade e com a promessa de colocar “figurões” na cadeia, Moro aponta que a judicialização da política é o caminho de “limpeza” do Brasil. Sobre o assunto, Miguel diz que o mito utiliza essa rejeição aos procedimentos políticos como arma dentro das próprias disputas políticas, aglutinando a comunidade contra um inimigo externo (mesmo que interno).

O campo político ‘feito de dissenso, de conflito, de desunião; é percebido também como feito de deslealdade. Ele exibe de forma permanente a falta de unidade dentro da sociedade. O regime democrático é particularmente frágil a este tipo de crítica, uma vez que seu principal ritual de coesão social- a eleição- é também o ponto culminante do processo que expõe com maior nitidez a desunião, que é a campanha eleitoral, momento em que

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são destacadas com mais força as diferenças que separam partidos e candidatos (MIGUEL, 1994, p.41).

Podemos dizer que Sergio Moro conquistou notoriedade por seu papel na Operação Lava Jato e pelos valores que encarna ao posicionar-se como o paladino da luta contra a corrupção, para ele, personificada por Lula e seus aliados. Lula, pelo contrário, já tinha apelo midiático muito antes da deflagração dessa investigação: o mito político Lula foi construído ao longo de sua trajetória de quase 40 anos na política, especialmente pela esperança que representou para grande parte da população, por figurar como uma opção de esquerda e uma promessa de um país menos desigual. Como sugere Panke (2010, p.199), “a construção da imagem de Lula é resultado dessas décadas de vida pública, não podendo ser atribuída apenas às estratégias eleitorais ou a supostas ‘mágicas’ realizadas pelos gurus do marketing político”. Lula tornou-se um herói para a esquerda brasileira e o culto à sua personalidade, o “lulismo” (SINGER, 2009), ultrapassa os limites do jogo político. Como explica Girardet (1987, p.81), tratando-se de pessoas inseridas em um certo espaço geográfico e em uma certa fase do tempo, é explicável que a narrativa mítica testemunhe, de uma maneira ou outra, a presença da história. Em nossa análise, percebemos que os jornais franceses mostram-no como uma personagem ambígua: muitas matérias resgatam as conquistas sociais do seu governo e, inclusive, o tratam como um “mito”, “ídolo” ou “pai dos pobres”, no entanto, sua acusação na Operação Lava Jato fez com que sua imagem ficasse abalada e sua conduta política entrasse em questão. O ódio que parte da população sente pelo ex-presidente, como se cita em alguns textos, também são enquadramentos recorrentes, apesar de prevalecer, o respeito pela figura de Lula. De forma geral, podemos dizer que os enquadramentos mais identificados são os que dão destaque ao embate de Moro e Lula. Como sugere Girardet (1987), é exatamente nesses períodos de intermitência da legitimidade, de desiquilíbrio, de incerteza ou de conflito que estão situados cronologicamente os apelos mais veementes à intervenção dos mitos, especialmente do herói.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O jornalismo internacional apresenta-se como um instrumento para a construção e interpretação de imagens da sociedade para além das fronteiras continentais. Na seleção e enquadramento dos fatos, os correspondentes ajudam a dar significado à realidade e a construir o imaginário relacionado ao país.

Analisar como a imprensa internacional, neste caso, a francesa, aborda a política do Brasil é importante não apenas para entendermos como somos vistos por olhares estrangeiros, mas também para identificarmos elementos que muitas vezes passam despercebidos em nosso dia a dia, ampliando, assim, as perspectivas sobre nossa própria realidade e alterando nossa visão de mundo.

No caso de um escândalo político midiático, como a Lava Jato, os acontecimentos adquirem uma publicidade que independe de ser vista ou ouvida diretamente por quem está presente no tempo e no local (THOMPSON, 2002, p.92). Com uma estrutura sequencial que lembra uma novela, o escândalo midiático prende a atenção dos leitores que presenciam o desenrolar dos acontecimentos, avaliando as personagens, definindo mocinhos e bandidos e prevendo possíveis resultados para o desfecho da trama.

Podemos sugerir que, provavelmente, se a Operação Lava Jato não envolvesse figuras de conhecimento internacional e não tivesse contribuído de certa forma para a instabilidade política do governo brasileiro, não ganharia tanto destaque nos jornais franceses. Como exemplo, podemos citar o momento que a cobertura ganhou maior intensidade e repercussão, o mês de março de 2016, data que coincide com a condução coercitiva de Lula determinada pelo juiz Sergio Moro.

Em nossa análise da cobertura feita pela imprensa francesa sobre a Operação Lava Jato, partimos da premissa de que haveria uma visível diferença no tom adotado pelos três jornais, considerando seus posicionamentos político- ideológicos distintos. No entanto, percebemos que não houve nenhuma grande discrepância nas abordagens.

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Os três veículos de comunicação não apenas se pautaram nos assuntos tratados pela imprensa brasileira, mas também a utilizaram como fonte de informação diversas vezes, principalmente com jornais como a Folha de S.Paulo, O Globo e o Jornal Nacional, da Rede Globo. Não foi nossa intenção, neste trabalho, realizar uma comparação entre a cobertura feita pela imprensa francesa e a brasileira, porém, foram inevitáveis, em diversos momentos, os questionamentos sobre o quê de novo a imprensa internacional acrescentou ao tratar de um assunto de tão grande importância na política do Brasil.

Abrem-se, portanto, as portas para uma pesquisa futura, que não apenas identifique os enquadramentos mais recorrentes sobre a Lava Jato, mas compare as distintas abordagens realizadas por veículos de comunicação de dois países com culturas tão distintas como o Brasil e a França, que, inclusive, possuem tradições diferentes de imprensa.

Na análise das fontes utilizadas pelos jornais franceses na cobertura da Lava Jato, identificamos que houve uma predominância de especialistas, fontes secundárias que oferecem versões ou interpretações de eventos. Entre os nomes identificados, destacam-se professores de ciências políticas, ciências sociais e economia de instituições de grande renome, como a USP, Insper e FGV, que também costumam servir como fontes de informação para veículos de comunicação brasileiros.

O Le Monde, além de desenvolver uma cobertura consideravelmente maior no período (103 matérias, frente a 35 matérias do Le Figaro e 30 do Libération) também apresentou textos mais críticos e aprofundados, tanto sobre o governo, quanto sobre a condução da operação Lava Jato. O jornal trouxe a público textos longos, com a presença de múltiplas fontes para tentar explicar a situação política do Brasil, inclusive abordada por ele diversas vezes como caótica e insustentável.

Entre os três jornais analisados, o Le Figaro foi o veículo mais pautado por agências de notícias e o que produziu uma cobertura mais centrada no escândalo que as revelações da Lava Jato trouxeram para a Petrobras. Apesar de ser considerado como de direita, não apresentou críticas diferentes das

114 também feitas pelos outros dois veículos de comunicação sobre o governo de Dilma e sobre o envolvimento de Lula na Lava Jato.

O Libération, jornal assumidamente de esquerda, criticou algumas vezes o PT pelos rumos que tomou ao negociar com partidos que nada tinham a ver com seu projeto político, produzindo, inclusive, uma matéria com questionamentos sobre como seria possível salvar a esquerda brasileira. O jornal foi menos crítico em relação à Dilma Rousseff e a mostrou diversas vezes como uma vítima dos impactos da Lava Jato durante seu processo de impeachment, fazendo questão de deixar claro que a ex-presidente não estava comprometida na operação. Em sua cobertura, o Libération mostrou Lula como um político importante para o Brasil por ter tirado milhões de pessoas da miséria e por ter desenvolvido inúmeros projetos sociais que acabaram sendo, inclusive, premiados internacionalmente. Lula é prioritariamente enquadrado como amável, carismático e ídolo das classes populares.

Elemento comum entre os três jornais franceses foi a cobertura da relação entre Lula e o juiz Sergio Moro como um embate entre inimigos. Lula, já bastante conhecido pela imprensa internacional por sua trajetória política, foi enquadrado como um mito político e teve seus feitos e a alta aprovação de seus dois mandatos constantemente resgatados. No entanto, os jornais, especialmente o Le Monde e o Le Figaro, também colocaram algumas vezes em questão a inocência de Lula quanto às acusações que enfrenta na Lava Jato.

Já Sergio Moro surge como a representação do “salvador da pátria”, um juiz que ganhou os holofotes da imprensa por seu papel na condução da Lava Jato e por mostrar-se obstinado a prender Lula a qualquer preço. As críticas identificadas em relação a ele foram centradas na sua personalidade intransigente e nos procedimentos utilizados na operação, como o vazamento para a imprensa da conversa telefônica da presidenta Dilma Rousseff com Lula.

A Operação Lava Jato foi tanto enquadrada pela imprensa francesa como “o maior escândalo de corrupção da história do Brasil” e “responsável por fazer os políticos brasileiros tremerem”, quanto como um dos elementos que ajudaram a desestabilizar o cenário político e econômico do país.

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Quando tivemos a ideia de desenvolver este trabalho, em agosto de 2016, vivíamos um momento de grande turbulência no Brasil, com o impeachment da de Dilma Rousseff, e a investigação da Lava Jato caminhava a passos largos, fechando cada vez mais o cerco em torno de Lula. Na época, não havia qualquer previsão de quanto tempo a operação ainda duraria e de quais desdobramentos teria pela frente.

Mais de quatro anos já se passaram desde que a Lava Jato começou e a turbulência do Brasil parece estar longe de acabar. O cenário político nacional parece ter se tornado ainda mais caótico e a operação não dá sinais de seu fim, apesar de hoje ser, de forma geral, mais questionada pelas consequências que trouxe para a imagem do país, não apenas por comprometer políticos de grande renome, mas também por abalar a reputação de grandes empresas a revelar esquemas bastante estruturados de corrupção. Podemos dizer, inclusive que a Lava Jato, como uma narrativa de um escândalo político de grande complexidade, deu margem ao surgimento de eventos adjacentes, que se apresentam como ramificações. Ela ultrapassou, portanto, os limites de sua própria atribuição e virou um símbolo.

Ao longo desses mais de quatro anos de investigação, a Lava Jato apresentou uma narrativa de mocinhos e bandidos e conquistou não apenas apoiadores, mas fãs apaixonados, pessoas que enxergam as ações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal como a verdadeira solução moralizadora do país.

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APÊNDICES

Apêndice 1- Matérias Le Monde

Data Título Link

06/09/2014 Grand déballage avant les http://www.lemonde.fr/ameriques/article élections brésiliennes /2014/09/06/grand-deballage-avant-les- elections- bresiliennes_4483183_3222.html?xtmc =lava_jato&xtcr=88 29/01/2015 Petrobras, le scandale qui http://www.lemonde.fr/economie/article/ éclabousse le Brésil 2015/01/29/petrobras-le-scandale-qui- eclabousse-le- bresil_4566011_3234.html?xtmc=lava_j

ato&xtcr=85

04/03/2015 Au Brésil, 54 personnalités http://www.lemonde.fr/ameriques/article liées à la politique visées /2015/03/04/au-bresil-54-personnalites- dans le dossier Petrobras liees-a-la-politique-visees-dans-le- dossier- petrobras_4586872_3222.html?xtmc=la

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AQRWIksdda.99 12/05/2017 Dilma Rousseff un an après http://www.lemonde.fr/m-moyen- sa chute : ni remords ni format/article/2017/05/12/dilma- regrets rousseff-un-an-apres-sa-chute-ni- remords-ni- regrets_5127072_4497271.html#WGQ Vf7lhSPl5fG3z.99 12/05/2017 Un an après l’arrivée au http://www.lemonde.fr/international/artic pouvoir de Temer, nombre le/2017/05/12/un-an-apres-son-arrivee- de Brésiliens souhaitent au-pouvoir-nombre-de-bresiliens- refermer la « parenthèse » souhaitent-refermer-la-parenthese- temer_5127075_3210.html#T0AbQMO qCBQM4tE1.99 16/05/2017 Au Brésil, première année http://www.lemonde.fr/international/artic difficile pour le président le/2017/05/16/au-bresil-premiere- Michel Temer annee-difficile-pour-le-president-michel- temer_5128584_3210.html#yPSFJeS6 HWqcwQhj.99

18/05/2017 Au Brésil, le président http://www.lemonde.fr/ameriques/article Temer éclaboussé par de /2017/05/18/au-bresil-le-president- nouvelles révélations temer-eclabousse-par-de-nouvelles- revelations_5129489_3222.html#M7C8 Y75bgmMKGosM.99 18/05/2017 Brésil : le président Temer http://www.lemonde.fr/ameriques/article refuse de démissionner et /2017/05/18/bresil-le-president-temer- plaide son innocence refuse-de-demissionner-et-plaide-son- innocence_5130121_3222.html#PuqUk X4hH8zZ9pMq.99

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19/05/2017 Brésil : le président Michel http://www.lemonde.fr/ameriques/article Temer accusé d’obstruction /2017/05/19/bresil-le-president-michel- à la justice temer-accuse-d-obstruction-a-la- justice_5130774_3222.html#46FrOB3D Dv35WJTM.99 20/05/2017 http://www.lemonde.fr/ameriques/article Brésil : le président Michel /2017/05/20/bresil-le-president-michel- Temer réclame la temer-reclame-la-suspension-de-l- suspension de l’enquête qui enquete-qui-le- le vise vise_5131168_3222.html#yKCgTBCcH MZVXMFE.99 21/05/2017 La justice française enquête http://www.lemonde.fr/police- sur des soupçons de justice/article/2017/05/21/la-justice- corruption après la vente de francaise-enquete-sur-des-soupcons- sous-marins au Brésil de-corruption-apres-la-vente-de-sous- marins-au- bresil_5131272_1653578.html#wEhUB TmR1yfz3hAM.99 22/05/2017 Au Brésil, la mobilisation http://www.lemonde.fr/ameriques/article faiblit, mais pas les ennuis /2017/05/22/au-bresil-la-mobilisation-s- du président Michel Temer affaiblit-mais-pas-les-ennuis-de-michel- temer_5131415_3222.html#vV8HqIBjS 4zi4R6k.99 24/05/2017 Au Brésil, les « cow-boys » http://www.lemonde.fr/economie/article/ de JBS font trembler la 2017/05/24/au-bresil-les-cow-boys-de- République jbs-font-trembler-la- republique_5133225_3234.html#VtEb4t 2L7zAZ0OLo.99 31/05/2017 Le faux départ de http://abonnes.lemonde.fr/economie/arti l’économie brésilienne cle/2017/05/31/le-faux-depart-de-l- economie- bresilienne_5136450_3234.html?xtmc=

lava_jato&xtcr=21 22/05/2017 Au Brésil, la mobilisation http://www.lemonde.fr/ameriques/article faiblit, mais pas les ennuis /2017/05/22/au-bresil-la-mobilisation-s- du président Michel Temer affaiblit-mais-pas-les-ennuis-de-michel- temer_5131415_3222.html#VClzEzGM mURHmcfO.99 24/05/2017 Au Brésil, les « cow-boys » http://www.lemonde.fr/economie/article/ de JBS font trembler la 2017/05/24/au-bresil-les-cow-boys-de- République jbs-font-trembler-la- republique_5133225_3234.html#DkCU

vK230JiT88dz.99 31/05/2017 Le faux départ de http://abonnes.lemonde.fr/economie/arti l’économie brésilienne cle/2017/05/31/le-faux-depart-de-l- economie- bresilienne_5136450_3234.html?xtmc= lava_jato&xtcr=16 03/06/2017 Au Brésil, semaine décisive http://www.lemonde.fr/ameriques/article pour l’avenir de Michel /2017/06/03/au-bresil-semaine- Temer decisive-pour-l-avenir-de-michel-

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temer_5138319_3222.html#csG0cuzki

1ymr6iR.99

06/06/2017 Le procès qui pourrait http://www.lemonde.fr/ameriques/article signer la fin du mandat du /2017/06/06/le-proces-qui-pourrait- président Temer s’ouvre au signer-la-fin-du-mandat-du-president- Brésil temer-s-ouvre-au- bresil_5139533_3222.html#8LhfEcLcB 6Bj1t5I.99 09/06/2017 Le Brésil suspendu au http://www.lemonde.fr/ameriques/article procès de son président /2017/06/09/le-bresil-suspendu-au- Michel Temer jugement-de-son- president_5140986_3222.html#ieuh08 VroGrlapek.99 10/06/2017 Le président brésilien évite http://www.lemonde.fr/ameriques/article de peu la destitution /2017/06/10/le-president-bresilien- conserve-son- mandat_5141759_3222.html#rkl3xLJEj 07omrt7.99 14/06/2017 Brésil : l’ex-gouverneur de http://www.lemonde.fr/ameriques/article l’Etat de Rio condamné à /2017/06/14/bresil-l-ex-gouverneur-de-l- 14 ans de prison etat-de-rio-condamne-a-14-ans-de- prison_5144251_3222.html#SFbtoLEG

WJqwWIZk.99

22/06/2017 L’étoile pâlie du Brésil sur la http://www.lemonde.fr/idees/article/201 scène internationale 7/06/22/l-etoile-palie-du-bresil-sur-la- scene- internationale_5149099_3232.html#dVI 3A5TdhMgbR7uZ.99

27/06/2017 Le président brésilien mis http://www.lemonde.fr/ameriques/article en cause par la justice /2017/06/27/demande-de-mise-en- accusation-pour-corruption-contre-le- president-bresilien- temer_5151500_3222.html#V2U6gqVld

2DEIqXI.99

27/06/2017 Au Brésil, Michel Temer à http://www.lemonde.fr/ameriques/article l’offensive pour dénoncer /2017/06/27/au-bresil-michel-temer-a-l- une justice de « fiction » offensive-pour-denoncer-une-justice- de- fiction_5152098_3222.html#B4xvGp72 80q8ezJP.99 12/07/2017 Brésil : l’ancien président http://www.lemonde.fr/ameriques/article Lula condamné à neuf ans /2017/07/12/bresil-l-ancien-president- et demi de prison pour lula-condamne-a-neuf-ans-et-demi-de- corruption prison-pour- corruption_5159746_3222.html#fA6qvq vGDXIM6QEe.99

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13/07/2017 Brésil : tout comprendre à http://www.lemonde.fr/ameriques/article l’opération « Lava Jato » /2017/03/26/affaire-petrobras-retour- sur-les-trois-annees-qui-ont-marque-le- bresil_5100932_3222.html#vyOSLMlm 7CWF0Ica.99 13/07/2017 Brésil : comprendre la http://www.lemonde.fr/les- condamnation de Lula et le decodeurs/article/2017/07/13/bresil- scandale Petrobras en 8 comprendre-la-condamnation-de-lula- questions et-le-scandale-petrobras-en-8- questions_5160238_4355770.html#xoA

1OBLyYrKAAfur.99 19/07/2017 Brésil : la justice bloque des http://www.lemonde.fr/ameriques/article comptes et saisit des biens /2017/07/19/bresil-la-justice-bloque- de l’ex-président Lula des-comptes-et-saisit-des-biens-de-l- ex-president- lula_5162675_3222.html#Vdisue4t4sdv lZPI.99 19/07/2017 Pérou : le président http://www.lemonde.fr/ameriques/article Kuczynski confronté aux /2017/07/19/perou-le-president- retombées du scandale kuczynski-confronteaux-retombees-du- Odebrecht scandale- odebrecht_5162370_3222.html#y58iaL 8dAedkcRpJ.99

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Apêndice 2- Matéria Le Figaro

Data Título Link 12/04/2014 Petrobras http://www.lefigaro.fr/flash-eco/2014/04/12/97002- accusé de 20140412FILWWW00076-petrobras-accuse-de-

blanchiment blanchiment-d-argent.php d'argent 14/11/2014 Petrobas : http://www.lefigaro.fr/flash-eco/2014/11/14/97002- coup de filet 20141114FILWWW00271-petrobas-coup-de-filet-

contre la contre-la-corruption.php corruption 14/12/2014 Un http://www.lefigaro.fr/international/2014/12/14/0100 gigantesque 3-20141214ARTFIG00130-un-gigantesque- scandale de scandale-de-corruption-ebranle-le-bresil.php corruption ébranle le Brésil 15/12/2014 Petrobras : http://www.lefigaro.fr/flash-eco/2014/12/15/97002- actions au plus 20141215FILWWW00418-petrobras-actions-au-

bas depuis 10 plus-bus-depuis-10-ans.php ans 23/12/2014 Pétrole: record http://www.lefigaro.fr/flash-eco/2014/12/23/97002- de production 20141223FILWWW00214-petrole-record-de-

pour Petrobras production-pour-petrobras.php 05/03/2015 Le scandale http://www.lefigaro.fr/international/2015/03/05/0100 Petrobras 3-20150305ARTFIG00387-le-scandale-petrobras-

déstabilise le destabilise-le-bresil.php Brésil 06/03/2015 Au Brésil, http://www.lefigaro.fr/conjoncture/2015/03/04/20002 l'austérité -20150304ARTFIG00393-au-bresil-l-austerite- malgré la malgre-la-recession.php récession 16/08/2015 Au Brésil, la http://www.lefigaro.fr/international/2015/08/16/0100 rue veut le 3-20150816ARTFIG00127-au-bresil-la-rue-veut-le- départ de la depart-de-la-presidente-dilma-roussef.php présidente Dilma Roussef 03/12/2015 Au Brésil, http://www.lefigaro.fr/international/2015/12/03/0100 Dilma Rousseff 3-20151203ARTFIG00326-bresil-dilma-rousseff-se- se bat pour bat-pour-sauver-sa-presidence.php sauver sa présidence 06/12/2015 L'économie http://premium.lefigaro.fr/conjoncture/2015/12/06/20 brésilienne 002-20151206ARTFIG00121-l-economie- engluée par le bresilienne-engluee-par-le-scandale-petrobras.php scandale Petrobras

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04/03/2016 Brésil : Lula http://www.lefigaro.fr/international/2016/03/04/0100 soupçonné 3-20160304ARTFIG00144-bresil-l-ex-president-lula- d'avoir place-en-garde-a-vue.php bénéficié de «faveurs» d'entreprises accusées de corruption 08/03/2016 Brésil: l'ombre http://www.lefigaro.fr/international/2016/03/07/0100 de la justice 3-20160307ARTFIG00313-l-ombre-de-la-justice- plane sur sur-l-icone-lula.php l'icône Lula

15/03/2016 Au Brésil, http://www.lefigaro.fr/international/2016/03/15/0100 Rousseff et 3-20160315ARTFIG00310-au-bresil-rousseff-et- Lula s'unissent lula-s-unissent-face-au-scandale.php face au scandale

16/03/2016 Lula revient au http://www.lefigaro.fr/international/2016/03/16/0100 pouvoir en 3-20160316ARTFIG00378-lula-revient-au-pouvoir-

plein scandale en-plein-scandale-politico-judiciaire.php politico- judiciaire 18/03/2016 Brésil: la http://www.lefigaro.fr/international/2016/03/18/0100 bataille 3-20160318ARTFIG00276-bresil-la-bataille- politique est politique-est-dans-la-rue.php dans la rue 24/03/2016 Petrobras: les http://www.lefigaro.fr/international/2016/03/24/0100 secrets 3-20160324ARTFIG00289-petrobras-les-secrets-

explosifs de explosifs-de-l-entreprise-odebrecht.php l'entreprise Odebrecht 11/05/2016 Brésil : les http://www.lefigaro.fr/international/2016/05/03/0100 quatre 3-20160503ARTFIG00056-bresil-les-quatre- dossiers qui dossiers-qui-fragilisent-dilma-rousseff.php fragilisent Dilma Rousseff 12/05/2016 Brésil: la http://www.lefigaro.fr/international/2016/05/11/0100 longue chute 3-20160511ARTFIG00319-bresil-la-longue-chute- de la de-la-presidente.php présidente

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12/05/2016 Les trois crises http://premium.lefigaro.fr/international/2016/05/12/0 du Brésil après 1003-20160512ARTFIG00315-les-trois-crises-du- le départ de bresil.php Dilma Rousseff

15/09/2016 Brésil : le http://premium.lefigaro.fr/international/2016/09/15/0 parquet 1003-20160915ARTFIG00325-bresil-le-parquet- accable Lula accable-lula.php

05/12/2016 Mondial 2014: http://premium.lefigaro.fr/flash- un cartel a eco/2016/12/05/97002-20161205FILWWW00365-

truqué les mondial-2014-un-cartel-a-truque-les-marches.php marchés 11/12/2016 Les enquêtes http://premium.lefigaro.fr/flash- sur la actu/2016/12/11/97001-20161211FILWWW00186- corruption au les-enquetes-sur-la-corruption-au-bresil-touchent-d-

Brésil touchent autres-chantiers-d-amerique-latine-presse.php d'autres chantiers d'Amérique latine 26/01/2017 Brésil/Petrobra http://premium.lefigaro.fr/flash- s: le nombre actu/2017/01/26/97001-20170126FILWWW00397- de suspects va bresil-le-nombre-de-suspects-du-scandale- doubler, selon petrobras-doublera-avec-les-revelations-d-

le parquet odebrecht.php 04/04/2017 Le procès du http://premium.lefigaro.fr/international/2017/04/04/0 président du 1003-20170404ARTFIG00287-le-proces-du-

Brésil ajourné president-du-bresil-ajourne.php 14/04/2017 Au Brésil, le http://premium.lefigaro.fr/international/2017/04/13/0 gouvernement 1003-20170413ARTFIG00280-au-bresil-le-

menacé de gouvernement-menace-de-paralysie.php paralysie 22/04/2017 Panama http://premium.lefigaro.fr/flash- Papers: actu/2017/04/22/97001-20170422FILWWW00035- libération sous panama-papers-liberation-sous-caution-de- caution de mossack-et-fonseca.php Mossack et Fonseca 29/04/2017 Grève http://premium.lefigaro.fr/flash- générale au actu/2017/04/29/97001-20170429FILWWW00027- Brésil greve-generale-au-bresil.php 04/05/2017 Petrobras, le http://premium.lefigaro.fr/societes/2017/05/04/20005 géant déchu, -20170504ARTFIG00285-petrobras-le-geant-dechu- redresse la redresse-la-tete.php tête 10/05/2017 Au Brésil, l'ex- http://www.lefigaro.fr/international/2017/05/10/0100 président Lula 3-20170510ARTFIG00302-au-bresil-l-ex-president-

fait face à son fait-face-a-son-juge.php juge

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18/05/2017 Le président http://premium.lefigaro.fr/international/2017/05/18/0 du Brésil sur la 1003-20170518ARTFIG00323-le-president-du-

sellette bresil-sur-la-sellette.php 18/05/2017 Brésil: Temer http://premium.lefigaro.fr/flash- ne veut pas actu/2017/05/18/97001-20170518FILWWW00241-

démissionner bresil-temer-ne-veut-pas-demissionner.php

05/07/2017 Au Brésil, le http://premium.lefigaro.fr/international/2017/07/05/0 président 1003-20170705ARTFIG00289-au-bresil-le- Temer cerné president-temer-cerne-par-la-justice.php par la justice 13/07/2017 Brésil: Lula http://premium.lefigaro.fr/international/2017/07/13/0 condamné, la 1003-20170713ARTFIG00291-bresil-lula-

présidence condamne-la-presidence-s-eloigne.php s'éloigne 24/07/2017 La chute de http://premium.lefigaro.fr/societes/2017/07/24/20005 JBS, géant de -20170724ARTFIG00223-la-chute-de-jbs-geant-de- la viande, la-viande-ebranle-le-modele-bresilien-des-fleurons-

ébranle le nationaux.php modèle brésilien des fleurons nationaux 27/07/2017 Brésil: L'ancien http://premium.lefigaro.fr/flash- patron de eco/2017/07/27/97002-20170727FILWWW00251- Petrobras bresil-l-ancien-patron-de-petrobras-arrete-pour-

arrêté pour corruption.php corruption

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Apêndice 3- Matérias Libération

Data Título Link 06.09.14 Des dizaines de http://liberation.fr/planete/2014/09/06/des- parlementaires brésiliens dizaines-de-parlementaires-bresiliens- accusés d'avoir touché accuses-d-avoir-touche-des-pots-de- des pots-de-vin vin_1094840 28.02.15 Rousseff tente de passer http://liberation.fr/planete/2015/02/27/rousseff entre les gouttes du -tente-de-passer-entre-les-gouttes-du- «Petrolão» petrolao_1211209

06.02.15 Petrobras : le Parti des http://liberation.fr/planete/2015/02/05/petrobr travailleurs éclaboussé as-le-parti-des-travailleurs- eclabousse_1196549 27.01.16 Un policier d'origine http://liberation.fr/planete/2016/01/27/un- japonaise propulsé star policier-d-origine-japonaise-propulse-star- nationale au Brésil nationale-au-bresil_1429136

01.04.16 Qui veut encore sauver http://liberation.fr/planete/2016/03/31/qui- la gauche brésilienne ? veut-encore-sauver-la-gauche- bresilienne_1443168

01.04.16 La campagne musclée http://liberation.fr/planete/2016/03/31/la- du juge Moro contre Lula campagne-musclee-du-juge-moro-contre- lula_1443149

05.03.16 Lula au commissariat, http://liberation.fr/planete/2016/03/04/lula-au- le crépuscule d’une idole commissariat-le-crepuscule-d-une- ? idole_1437611

19.04.16 Cruelle sortie annoncée http://liberation.fr/planete/2016/04/18/cruelle- pour Dilma Rousseff sortie-annoncee-pour-dilma- rousseff_1447078

12.05.16 Destitution: Rousseff http://liberation.fr/planete/2016/05/12/destituti dénonce un «coup on-rousseff-denonce-un-coup-d- d'Etat» etat_1452084 06.05.16 Brésil : le pourfendeur http://liberation.fr/planete/2016/05/05/bresil- de Rousseff, arroseur le-pourfendeur-de-rousseff-arroseur- arrosé arrose_1450792 09.06.16 Brésil: le héros anti- http://liberation.fr/planete/2016/06/09/bresil- corruption était le-heros-anti-corruption-etait- contrebandier contrebandier_1458366

13.07.16 Lula : «La politique, http://liberation.fr/planete/2016/07/12/luis- c’est l’art de inacio-lula-da-silva-la-politique-c-est-l-art-de- l’impossible» l-impossible_1465831

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25.08.16 Dilma Rousseff http://liberation.fr/planete/2016/08/24/dilma- abandonnée entre rousseff-abandonnee-entre-chiens-et- chiens et loups loups_1474476 15.09.16 Affaire Petrobras : une http://liberation.fr/planete/2016/09/15/affaire- gifle pour la figure Lula petrobras-une-gifle-pour-la-figure-

lula_1498490

15.09.16 Brésil: l'avenir de Lula http://liberation.fr/planete/2016/09/15/bresil-l- suspendu à la justice avenir-de-lula-suspendu-a-la- justice_1498368

05.09.16 Michel Temer, http://liberation.fr/planete/2016/09/04/michel- le restaurateur temer-le-restaurateur_1482842

16.12.16 Au Brésil, le http://liberation.fr/planete/2016/12/15/au- gouvernement de Michel bresil-le-gouvernement-de-michel-temer- Temer vacille vacille_1535625 21.02.17 Au Brésil, un ministre http://liberation.fr/planete/2017/02/21/au- accusé de corruption bresil-un-ministre-accuse-de-corruption- devient juge... anti- devient-juge-anti-corruption_1550029 corruption 11.02.17 Au Brésil, une grève de http://liberation.fr/planete/2017/02/10/au- policiers déclenche une bresil-une-greve-de-policiers-declenche-une- flambée de meurtres flambee-de-meurtres_1547803 03.02.17 Une rentrée politique de http://liberation.fr/planete/2017/02/03/une- tous les dangers au rentree-politique-de-tous-les-dangers-au- Brésil bresil_1546019 15.03.17 Scandale Petrobras : la http://liberation.fr/planete/2017/03/15/scandal liste qui fait trembler la e-petrobras-la-liste-qui-fait-trembler-la- classe politique classe-politique-bresilienne_1556018 brésilienne

19.04.17 Au Brésil, amende http://liberation.fr/planete/2017/04/18/au- nourrie pour groupe de bresil-amende-nourrie-pour-groupe-de-btp- BTP pourri pourri_1563577 12.04.17 Brésil Le gratin politique http://liberation.fr/planete/2017/04/12/bresil- devant la Cour suprême le-gratin-politique-devant-la-cour- supreme_1562410 12.04.17 Le gratin politique http://liberation.fr/planete/2017/04/12/le- brésilien au menu de la gratin-politique-bresilien-au-menu-de-la-cour- Cour suprême supreme_1562306

05.04.17 La campagne de Guyane http://liberation.fr/debats/2017/04/04/la- campagne-de-guyane_1560511 25.05.17 Brésil : Temer le http://liberation.fr/planete/2017/05/25/bresil- «destitueur» s’approche temer-le-destitueur-s-approche-de-la- de la destitution destitution_1572370 25.05.17 Corruption : le président http://liberation.fr/planete/2017/05/25/corrupti brésilien sur un siège on-le-president-bresilien-sur-un-siege- éjectable ejectable_1572265

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18.05.17 Michel Temer ne veut http://liberation.fr/planete/2017/05/18/michel- pas démissionner, temer-ne-veut-pas-demissionner-malgre-des- malgré des accusations accusations-accablantes_1570510 accablantes 28.06.17 Accusé de corruption, http://liberation.fr/planete/2017/06/28/bresil- Michel Temer s’accroche accuse-de-corruption-michel-temer-s- au pouvoir accroche-au-pouvoir_1580053 12.07.17 Lula condamné à neuf http://liberation.fr/planete/2017/07/12/lula- ans de prison pour condamne-a-neuf-ans-de-prison-pour- corruption corruption_1583453 13.07. 17 Malgré sa condamnation, http://www.liberation.fr/planete/2017/07/13/m Lula pense toujours à la algre-sa-condamnation-lula-pense-toujours- présidentielle a-la-presidentielle_1583617

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