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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

ANA MARIA BARBOSA DE FARIA MARCONDES

Entre Vanguardas

Outro lado de uma mesma geração modernista

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

SÃO PAULO

2018 ANA MARIA BARBOSA DE FARIA MARCONDES

Entre Vanguardas

Outro lado de uma mesma geração modernista

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de DOUTOR em Ciências Sociais Área de Antropologia, sob a orientação do Professor Doutor Guilherme Simões Gomes Júnior.

SÃO PAULO

2018

Banca Examinadora

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A meus pais, que não puderam ver o resultado das nossas conversas sobre filosofia e arte.

Agradeço

à FAPESP e à CAPES o estímulo à pesquisa e o apoio financeiro que resultaram no presente trabalho.

Processo nº 2014/15708-1 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, com a qual tive a oportunidade de realizar viagens de estudos para compulsar os arquivos da Escola Nacional de Belas Artes e Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, o Museu Nacional de Belas Artes e a Biblioteca Nacional em Buenos Aires, a Accademia di Belle Arti di Roma, di Brera e di Firenze, a Famiglia Artistica Milanese, a Biblioteca Nazional di Firenze, Marucelliana, Vissieux, Galleria di Arte Moderna – Pallazzo Pitti, de muita valia para a maximização dos resultados. À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo com especial deferência a Dom Carlos Lema Garcia, bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo, Vicariato Episcopal para a Educação e a Universidade; aos Departamentos de Filosofia da Educação e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais, representados pelo corpo docente; ao Centro de Documentação e Informação Científica – CEDIC; à Biblioteca Nadir Gouvêa Kfouri e à Irmã Valdete - Congregação de Nossa Senhora Cônegas de Santo Agostinho. Agradeço a Guilherme Simões Gomes Júnior, pelo longo processo de respeito e admiração construído entre acertos e ganhos frente à desafiadora tarefa de revisitar o modernismo, inicialmente abordado pela dissertação, que resultou na publicação de Travessia periférica: a trajetória do pintor Waldemar Belisário, pela IMESP, em 2013. Profundo reconhecimento pelo apoio ao processo contra o plágio, de que fui vítima, recentemente julgado contra a Instituição Presbiteriana Mackenzie. À direção dos centros de excelência documental e bibliográfica pelo acesso às fontes primárias investigadas na Accademia di Belle Arti di Brera; Accademia di Belle Arti di Firenze; Accademia di Belle Arti di Roma; Biblioteca do Centro de Pesquisa e Formação SESC; Biblioteca Nacional; Biblioteca Nazionale di Firenze; Biblioteca Mario de Andrade; Biblioteca Marucelliana; Biblioteca Walter Wey – Pinacoteca São Paulo; Centro de Documentação e Biblioteca do Museu de Arte Moderna Assis Chateaubriand; Centro de Documentação da Pinacoteca São Paulo; Famiglia Artistica Milanese; Gallerie Degli Uffizi; I musei di Palazzo Pitti - Galleria d´Arte Moderna; Instituto de Estudos Brasileiros do Estado de São Paulo – IEB/USP; Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo; Museu de Arte Moderna; Museu de Arte Sacra; Museu Nacional de Artes Visualles - Motevideo; Museu Nacional de Belas Artes; Museu Nacional de

Bellas Artes - Buenos Aires; Núcleo Acervo Museológico - Pinacoteca São Paulo, Università degli Studi di Firenze e Università degli Studi per Stranieri. À banca examinadora da qualificação constituída por Marcos Morais e Miguel Chaia, meu respeito e admiração com especial deferência ao generoso empréstimo do volume da dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo/USP, Mário de Andrade: Cronista Crítico das Artes Plásticas de Claudete Kronbauer Pohlit, sob orientação do Professor Doutor León Kossovitch, em 1996, concedido pelo professor Marcos Moraes. À Norma Telles, que acompanhou o fluxo de eventos que marcaram o mestrado e o doutoramento, agradeço as inúmeras trocas intelectuais marcadas pela redefinição epistemológica e basilar do pensamento filosófico, assim como as brilhantes soluções sempre avaliadas com elegância, estilo e olhar urdido nas Ciências Sociais. Aos professores, curadores, diretores, bibliotecários, artistas plásticos, estudiosos, escritores, arquitetos e fotógrafos que fizeram diferença no rumo da pesquisa por indicações e acesso ao material pesquisado nos arquivos, bibliotecas, galerias e museus em Buenos Aires, Montevideo, Milão, Roma e Florença. Registro, portanto, imensa gratidão a Simonella Condemi (Galleria d´Arte Moderna); Niccolò D´Agati (Famiglia Artistica Milanese); Mariarosa Tavazzani (Famiglia Artistica Milanese); Silvestra Bietoletti (Accademia di Belle Arti); Daniele Mazzolai (Accademia di Belle Arti di Firenze); Maurizio Rosso (ICIB); Giovanni Cipriano (Università Degli Studi di Fizenze), Paolo Turccis (Biblioteca Marucelliana), Alessandra Briganti (Biblioteca Nazionale di Firenze); Adriana Zanini (ICIB); Maria Eugenia Grau (MNAV- Montevideo); Álvaro Cabrera. Em São Paulo, ao arquiteto Carlos Lemos (USP); Elizabeth Höfling (USP); Jane Kraus (USP); Silvio Macedo (USP); Elisabete Marin Ribas (IEB-USP); Vera Chaia (PUC-SP); Lúcia Bogus (PUC-SP); Maura Véras (PUC- SP); Monica Carvalho (PUC-SP); Silvia Borelli (PUC-SP); Ana Maria Rapacci (PUC- SP); Ana Celia de Moura (CEDIC/PUC-SP); Ivany Di Grazia (MASP); Diego Silva (Biblioteca Walter Wey/ Pinacoteca do Estado); Maria Rossi Samora (Biblioteca Paulo Mendes de Almeida e Centro de Estudos Luís Martins/ MAM); Leia Cassoni (Biblioteca Paulo Mendes de Almeida e Centro de Estudos Luís Martins); Dario Bueno; Lia Strini (Museu de Arte Sacra); e os amigos que colaboraram direta e indiretamente com a pesquisa; Maria Luisa Bresser Pereira; Daylym Dourado (fotógrafo); Maria Del Nero

Oliveira, Alexandre Marcondes; Aurora Castelotti, Liliana Cemaschi, Margarida Maria Moura (USP); Sonia Skrosky (curadora); Marina Costa (PUC-SP); Cristina Fontes (UNIFESP); Ivo Marcondes; Liz Helena Minadeo (UNESP); Marco Minadeo (USP); ao Pároco da Capela da PUC-SP, Padre Valeriano dos Santos Costa e às Irmãs Descalças do Convento Jabaquara. Reconheço na humana presença de anjos a figura de queridos e sempre amigos: Beatriz Costa Cruz, nº 25 da Academia Taubateana de Letras; a pesquisadora portenha Paola Melgarejo (MNBA), o médico antrosófico Rômulo de Mello-Silva, meu professor milanês de italiano Gabriele Frigerio (ICIB); Maria Luisa Prado Maia Costa; Maria Luisa Bresser Pereira, Maria Isabel Figueiredo; Solange Keiko Urushima; José Lima de Figueiredo (USP); Dennis Vitória (FAPESP); Mary Marcondes (UNESP); Marcia Visconti; Marlene Prado; os amigos da filosofia Adelaide Assunção, Ofélia Charoux e Lucia Marinho de Azevedo Sawaya e das Ciências Sociais, Edson Lopes, Ana Paula Velloso e Ana Cecilia Nogueira. Gratidão às famílias De Marzi, Mazzei, Santopietro, Hutzler e aos anfitriões Emanuel Viscuso, Alberto Tonino (Università degli Studi di Firenze), que me acolheram na Itália com expressivos mimos e carinhosa atenção. Da Secretaria Acadêmica da Pós-Graduação à Pró-reitoria da PUC-SP, agradeço aos funcionários, que de modo atencioso e afetuoso acolheram as minhas dúvidas me apontando soluções, com especial carinho ao Rafael Diego da Silva, Kátia Cristina da Silva, Luciene dos Santos, Karina David, Monalisa Carolina e Miriam de Lima e no expediente da Pró-reitoria, Maria Cristina Nascimento Francisco. Acompanhando todos os momentos no enfrentamento da luta para chegar ao término do presente trabalho, profunda é a minha gratidão aos meus filhos Felipe, Fábio e Maria Fernanda, pelo incentivo sem limites; às noras Juliana e Sibele; ao genro Guilherme e dos pequenos que me chamam de nonna, Heitor, Ricardo, Bella e Theo, presenças amorosas e constantes em minhas jornadas. Aos irmãos, familiares e amigos que marcaram de modo especial o enfrentamento do imensurável contingente de exigências de um doutorado. Gratidão a todos.

Resumo: Entre vanguardas: outro lado de uma mesma geração modernista

O trabalho aqui apresentado investigou de forma articulada dois momentos das artes na cidade de São Paulo que, na história da arte, foram tratados de forma separada e bastante desigual. De um lado, os artistas e a arte que foi exposta na 1ª Exposição Geral de Belas Artes em 1922; de outro, a Família Artística Paulista que entrou em cena na segunda metade da década de 1930, em exposições que foram objeto de polêmica, mas que resultaram no acolhimento desse grupo de artistas, que passaram então a ser considerados como parte do modernismo paulista. Partindo da constatação de que 1922 foi um ano múltiplo no âmbito das artes plásticas e que seu acontecimento mais expressivo – a famosa Semana de Arte Moderna de fevereiro de 1922 – obscureceu para a posteridade a 1ª Exposição Geral de Belas Artes, que ocorreu em setembro, nas comemorações do Centenário da Independência do Brasil, fomos levados a investigar os diversos grupos que atuavam em São Paulo, descortinando uma ampla teia de relações, o que permitiu postular que a geração de artistas de 1922 não era composta apenas por aqueles que se manifestaram na Semana de Arte Moderna. Com isso, foi possível começar a desconstruir a ideia de que a Exposição de setembro foi uma “inexpressiva mostra de pintores pobres”, como mencionou o nº 5 da revista Klaxon. A investigação das camadas subterrâneas do movimento artístico paulista permitiu reconhecer um conjunto de atores bastante compacto, articulado ao Liceu de Artes e Ofícios e a uma rede de ateliês, formando pequenos grupos, que, desde a década anterior, se manifestava de forma constante e possuía características técnicas e estéticas que se articulavam às correntes italianas do Ottocento. Com isso, pudemos confirmar a hipótese de que a Família Artística Paulista, que foi tratada na historiografia do modernismo paulista como um grupo emergente apenas no fim da década de 1930, já estava em esboço em 1922, ou mesmo antes, e ganhou consistência quando Paulo Claudio Rossi Osir, inspirado na Família Artística de Milão, deu ao grupo um novo alento, sustentado então pelo acolhimento de Mário de Andrade, Sergio Milliet e Paulo Mendes de Almeida. Além de reconstituir a história desses artistas na sua relação com a capital paulista, a pesquisa buscou traçar seus vínculos com a arte italiana do século XIX, identificando em Milão e em Florença os principais ambientes artísticos dos quais derivaram as suas competências técnicas e estéticas, que se ligavam aos movimentos modernistas da década de 1870, da Família Artística Milanesa e dos macchiaioli florentinos. Para isso, foi fundamental reconstituir as trajetórias de Giuseppe Perissinotto e de Cláudio Rossi Osir, que, entre outros, foram os principais mediadores do processo por meio do qual a arte italiana se aclimatou em São Paulo. A pesquisa teve como ferramentas metodológicas a noção sociológica de geração de Karl Mannheim e as noções de habitus e campo de Pierre Bourdieu, que desaguaram na elaboração de uma biografia coletiva, método que, em meio de uma grande massa de atores articulados no mesmo fluxo de tempo, nos pareceu adequado para testar e confirmar as hipóteses de que os artistas da 1ª Exposição Geral de Belas Artes foram o “outro lado da mesma geração modernista”; e de que a Família Artística Paulista, cuja primeira exposição ocorreu em

1937, não foi um movimento que surgiu então, mas era mais uma manifestação, entre outras, de um movimento atuante desde o fim da década de 1910. A pesquisa foi realizada em São Paulo, sobretudo, mas também em Florença, Milão e Buenos Aires. Nas cidades italianas buscamos reconstituir os ambientes pelos quais passaram alguns dos artistas ítalo-paulistas, com atenção especial aos modelos formativos da Accademia di Belle Arti di Firenze, na qual ensinou Giovanni Fattori, o principal representante dos macchiaioli e, em Milão, onde pudemos conhecer a experiência da Famiglia Artistica, que teve o seu modelo reproduzido na capital paulista. A pesquisa em Buenos Aires foi fundamental não apenas porque lá também a arte dos macchiaioli deixou rastros expressivos, mas em razão das iniciativas de Cláudio Rossi Osir de organizar exposições da Osirarte, a fábrica de azulejos por meio da qual explorou as possibilidades transitar dos suportes tradicionais para o âmbito da arte aplicada e que envolveu diversos artistas da Família Artística Paulista. Ao darmos atenção especial à azulejaria, desde os monumentos que saíram da prancheta de Victor Dubugras, em São Paulo, até o Palácio Capanema, a Pampulha e a Brasília, buscamos mostrar que os artistas ítalo-paulistas foram importantes não só na pintura de cavalete, mas também na arte pública de viés decorativo que deixou marcas notáveis na paisagem brasileira.

Palavras-chave: Modernismo; Arte e Ciência, Geração de 1922; Família Artística Paulista; Famiglia Artistica Milanese; Ottocento; Macchiaioli

Abstract: Between vanguards: another side of a contemporary modernist generation

This work convey an investigation on two moments of the arts in the city of São Paulo, which in the history of art have been treated separately and quite unequally. On the one hand the artists and the art that was exhibited at the 1st General Exhibition of Fine Arts in 1922, on the other hand the Paulista artistic family which entered the scene in the second half of the 1930 's in exhibitions that were the object of many controversy. Nevertheless, they were considered as part of the modernism from São Paulo. The 1922´ year was marked by the expressive event of Modern Art Week in February as well as the 1st General Exhibition of Fine Arts, which was be held in September, in the celebrations of the Centenary and was obscured for posterity. This work is an investigation on the wide web of relations between diverse artists groups that acted in São Paulo. It demonstrates that the generation of artists of 1922 was not just composed by those were present in the Week of Modern Art in the Municipal Theatre in São Paulo. So this investigation pursue to deconstruct the idea that the September Exhibition was an “inexpressive exposition of poor painters”, as mentioned in Klaxon magazine. The investigation of the different layers of the São Paulo artistic movement made possible to recognize a very compact set of actors connected to the Lyceum of Arts and Crafts and to a network of studios. They formed small groups, which since the previous decade, manifested itself in a constant way and possessed technical and aesthetic characteristics shaped by Italian trends from ottocento. Thus, we were able to confirm the hypothesis that the Paulista Artistic Family, which was treated in the historiography of Paulist modernism as an emerging group only in the late 1930s, was already outlined in 1922 or even earlier. It also gained consistency when Paul Claudio Rossi Osir, inspired by the Artistic Family of Milan, gave to the group a new tone, supported by the reception of Mário de Andrade, Sergio Milliet and Paulo Mendes de Almeida. In addition to reconstituting the history of these artists in their relationship with the city of São Paulo, the research sought to trace their engagement to nineteenth- century Italian art. It identifies in Milan and Florence the main artistic environments from which their technical and aesthetic skills derived from. It also links the Paulista artistic Family to the modernist movements of the 1870s, the Milanese Artistic Family and the Florentine macchiaioli. Due to this fact it was fundamental to reconstitute the trajectories of Giuseppe Perissinotto and Cláudio Rossi Osir, who, among others, were the main mediators of the process through which Italian art acclimatized in São Paulo. This research had as methodological tools the sociological concept of the generation of Karl Mannheim and the concept of habitus and field of Pierre Bourdieu. Both they seemed appropriate to test and confirm the hypothesis that the artists of the 1st General Exhibition of Fine Arts were the "other side of the same modernist generation." The Paulista Family of Art was not a movement that arose in 1937, but was another manifestation, among others, of a movement that had been active since the end of 1910. The research was carried out in São Paulo, above all, but also in Florence, Milan and Buenos Aires. In Italian cities we sought to reconstitute the environments through which some of the Italo-Paulist artists passed. In special it was considered the

Accademia di Belle Arti di Firenze, where Giovanni Fattori, the principal representative of the Macchiaioli, taught. In Milan, we were able to meet the Famiglia Artistica experience, which had its model reproduced in the city of São Paulo. The research in Buenos Aires was fundamental not only because there also the art of the macchiaioli left expressive traces, but due to the initiatives of Cláudio Rossi Osir to organize exhibitions of Osirarte. In that tile factory he explored the possibilities to transit from traditional media for the scope of applied art involving several artists of the Family Artistic Paulista.When we pay special attention to the tiles, from the monuments that left the drawing board of Victor Dubugras, in São Paulo, to Capanema Palace, Pampulha and Brasília, we tried to conbey that Italian-Paulist artists were important not only in easel painting, but also in the public art of decorative bias that left remarkable marks in the Brazilian landscape.

Keywords: Modernism, Arte and Science; Paulista Artistic Family; Artistic Family of Milan; Ottocento; Macchiaioli

Abstract: Avanguardie: l’altro lato di una stessa generazione modernista.

II presente lavoro vuole essere un’articolata indagine di due momenti delle arti nella città di San Paolo che, nella storia dell’arte, sono stati trattati in modo separato e notevolmente diseguale. Da un lato ci sono gli artisti e l’arte esposti nella 1ª Esposizione Generale di Belle Arti del 1922; dall’altro, c’è la Famiglia Artistica Paulista che entrò in scena nella seconda metà della decade del 1930, con esposizioni che divennero oggetto di polemica, ma che risultarono nell’accoglienza di questo gruppo di artisti, i quali iniziarono, da quel momento in poi, ad essere considerati come parte del modernismo paulista. Partendo dalla constatazione che il 1922 fu un anno fecondo nell’ambito delle arti plastiche e che il suo avvenimento più espressivo – la famosa Settimana dell’Arte Moderna del febbraio del 1922 – oscurò per la posterità la 1ª Esposizione Generale di Belle Arti, tenutasi nel mese di settembre dello stesso anno, durante le commemorazioni del Centenario dell’Indipendenza del Brasile, abbiamo deciso di investigare i diversi gruppi che attuavano a San Paolo, svelando una fitta rete di relazioni, cosa che ci ha permesso di ipotizzare che la generazione di artisti del 1922 non era composta solo da quelli che si manifestarono durante la Settimana dell’Arte Moderna. Su questa base è stato possibile iniziare a smantellare l’idea che l’Esposizione di settembre fu una “inespressiva mostra di nobili pittori”, come scritto nel nº 5 della rivista Klaxon. L’investigazione degli strati sotterranei del movimento artistico paulista ci ha permesso di riconoscere un insieme, decisamente compatto, di attori collegato al Liceu de Arte e Ofícios e a una rete di ateliers, formando piccoli gruppi, che, ormai già dal decennio precedente, si manifestava in modo costante e possedeva caratteristiche tecniche e estetiche legate alle correnti italiane dell’Ottocento. Con ciò, abbiamo potuto confermare l’ipotesi che la Famiglia Artistica Paulista, trattata dalla storiografia del modernismo come un gruppo emergente attuante sul finire della decade del 1930, in realtà era già esistente in forma embrionale nel 1922, o anche prima, e acquisì consistenza quando Paulo Claudio Rossi Osir, ispirandosi alla Famiglia Artistica Milanese, diede al gruppo una nuova considerazione, accolta e sostenuta da Mario de Andrade, Sergio Millet e Paulo Mendes de Almeida. Oltre a ricostruire la storia di questi artisti e della loro relazione con la capitale paulista, la nostra ricerca ha voluto tracciare i loro vincoli con l’arte italiana del secolo XIX, identificando in Milano e Firenze i principali ambienti artistici dai quali derivarono le loro competenze tecniche e estetiche che li legavano ai movimenti modernisti della decade del 1870, della Famiglia Artistica Milanese e dei macchiaioli fiorentini. A questo scopo, è stato fondamentale ricostruire le traiettorie di Giuseppe Perissinotto e di Claudio Rossi Osir, che, insieme ad altri, furono i principali mediatori del processo per mezzo del quale l’arte italiana si ambientò a San Paolo. Strumenti metodologici della presente ricerca sono la nozione sociologica della generazione di Karl Mennheim e le nozioni di habitus e campo di Pierre Bourdieu, che sfociano nell’elaborazione di una biografia collettiva, metodo che, nel mezzo di una grande massa di attori articolati nello stesso flusso temporale, ci è sembrato adeguato per testare e confermare l’ipotesi che gli artisti della 1ª Esposizione Generale di Belle Arti sono stati “l’altro lato di una stessa generazione modernista” e che la Famiglia Artistica Paulista, la cui prima esposizione

è del 1937, non è un movimento sorto quell’anno, ma è una delle manifestazioni di un movimento attivo dalla fine della decade del 1910. La ricerca è stata realizzata soprattutto a San Paolo, ma anche a Firenze, Milano e Buenos Aires. Nelle città italiane abbiamo cercato di ricostruire gli ambienti per i quali passarono alcuni degli artisti italo-paulisti, dando particolare attenzione ai modelli formativi della Accademia di Belle Arti di Firenze, dove insegnò Giovanni Fattori, il principale rappresentante dei macchiaioli e, a Milano, dove abbiamo potuto conoscere l’esperienza della Famiglia Artistica, il cui modello venne poi riproposto nella capitale paulista. La ricerca a Buenos Aires è stata fondamentale non solo perché anche là l’arte dei macchiaioli ha lasciato tracce evidenti, ma anche in virtù delle iniziative di Claudio Rossi Osir di organizzare le esposizioni della Osirante, la fabbrica di piastrelle per mezzo della quale vennero esplorate le possibilità di transitare dai supporti tradizionali all’ambito dell’arte applicata, transito che coinvolse diversi artisti della Famiglia Artistica Paulista. Nel dare attenzione particolare alla ‘piastrelleria’, dai monumenti nati dagli appunti di Victor Dubugras, a San Paolo, fino al Palazzo Capanema, a Pampulha e a Brasilia, abbiamo cercato di mostrare che gli artisti italo- paulisti sono stati importanti non solo per la pittura su cavalletto, ma anche per l’arte pubblica e decorativa che ha lasciato notevoli tracce nel paesaggio brasiliano.

Parole - chiave: Modernismo, Arte e Scienza; Generazione del 1922; Famiglia Artistica Paulista; Famiglia Artistica Milanese; Arte dei Macchiaioli; Ottocento; Novecento.

SUMÁRIO

Introdução 1

Capítulo I Desenhos e Redesenhos modernistas 17 A linha horizontal 17 A 1ª Exposição Geral de Belas Artes 25 Na linha vertical 29 A ambientação artística 37 A Semana de Arte Moderna 40 Um aspecto relevante que aparece durante a Semana de Arte Moderna 46

Capítulo II Sementes da vanguarda italiana 57 O grupo macchiaiolo 58 A arte macchiaiola 62 O Ottocento fiorentino 67 O pintor livornese Giovanni Fattori 68 A instrução artística na Accademia di Beli Arti di Firenze 72 Scuola del Nudo ou Scuola Libera del Nudo 81 A macchia em São Paulo 82

Capítulo III A Família Artística entre a tradição e a inovação 88 Filho do italiano Claudio Rossi 91 A Exposição 95 O estilo neocolonial nos painéis de Paulo Rossi 99 O ambiente artístico paulista 105 A Família Artística Paulista 109 O ateliê Osirarte 111 As conexões artísticas 115 O crítico argentino José Leon Pagano 118

O crítico argentino Reinando Bianchini 119 Os movimentos de retorno à tradição 123 De modo que a cultura artística 126

Considerações Finais 128

APÊNDICE A 137

APÊNDICE B 146

APÊNDICE C 149

BIBLIOGRAFIA 153 I - Fontes Catálogos 154 Periódicos 155 Arquivo epistolar 157 II- Referências Bibliográficas 157 III- Comunicação pessoal 164 Depoimento 164 Inventário das pesquisas realizadas na Itália 165

Ilustrações e Créditos 175 Licença para Uso de Imagem 178

Introdução

A inquietação provocada pela dissertação de mestrado Travessia Periférica. A trajetória do pintor Waldemar Belisário: um estudo sobre a desconstrução do cenário artístico paulista – apresentada em 2006 - desencadeou o interesse pelo estudo da geração de artistas que, com Belisário, atuaram em São Paulo desde a segunda década do século XX, artistas que, apesar de imensa relevância, foram eclipsados na historiografia do modernismo paulista. Disso resultou a investigação sobre o “outro lado de uma mesma geração modernista”, que agora apresento.

A questão central do trabalho diz respeito ao fato de que os artistas envolvidos na promoção da 1ª Exposição Geral de Belas Artes, inaugurada em setembro de 1922, no Palácio das Indústrias em São Paulo - sete meses depois da famosa Semana de fevereiro do mesmo ano no Teatro Municipal - se mantiveram como grupo em permanente atividade, mas foram tratados na historiografia do modernismo como se tivessem emergido apenas na segunda metade da década de 1930, na época das exposições da Família Artística Paulista, quando, de fato, faziam parte das movimentações artísticas em São Paulo desde o fim da década de 1910. Exemplos da invisibilidade dos artistas que expuseram em setembro no Palácio das Indústrias são os livros de Mário da Silva Brito, História do Modernismo Brasileiro (1964) e de Aracy Amaral, Artes Plásticas na Semana de 22 (1970), que, apesar de apresentarem amplos panoramas do que se passava na época, simplesmente desconhecem esses artistas, suas iniciativas e seus vínculos diretos ou indiretos com os modernistas de 1922.1

Minha natureza investigativa impulsionou-me a um mergulho no passado que, como percebi, havia sido mal restituído, tendo como máxima a ideia de Blaise Pascal, de que a totalidade e a relação entre as partes e das partes entre si é o objetivo que o pesquisador em qualquer campo de estudos deve tentar alcançar. Foi assim que

1 A única referência a Paulo Cláudio Rossi Osir no livro de Aracy Amaral é uma nota de rodapé que trata de Cláudio Rossi, pai de Paulo, como um dos arquitetos do Teatro Municipal. Cf AMARAL, Aracy. Artes plásticas na Semana de 22. São Paulo: Editora 34, 1998. p. 110. 1 encontrei o caminho para sustentar a análise dos acontecimentos pertinentes àquele grupo, relacionando-os entre si e com os outros nos conflitos que marcaram a geração de 1922.

A utilização de ferramentas da crítica epistemológica e cultural permitiu-me construir e desconstruir as relações entre as inovações tecnológicas e o desenvolvimento industrial e o modus vivendi e facciendi dos grupos de pintores aqui estudados.

Apresenta-se assim o caráter revisionista da tese, cujo sentido maior é iluminar o “outro lado de uma mesma geração modernista”, que busca desestabilizar o olhar acostumado com o universo legitimado, convidando a descontruir os espectros do modernismo sedimentados na literatura sobre a Semana de Arte Moderna. Entre as ideias cristalizadas pela historiografia a mais conhecida é da musa Anita Malfatti, relegada a mártir pela crítica de Monteiro Lobato2. Equivocadamente considerado seu algoz, pelo caráter contundente de suas críticas, Lobato tinha como foco todo o movimento modernista, não apenas o nacional. Os estudos que identificaram a tendência do “retorno à ordem” na arte internacional, à qual Anita Malfatti deve ser reportada, foram decisivos na leitura do modernismo italiano, e ajudam assim a compreender as antinomias do fluxo por meio do qual as vanguardas italianas se aclimataram em São Paulo na década de 19203.

Para compreender o que se passou em São Paulo no período em questão, logo de início, percebi que era necessário trabalhar simultaneamente com dois cenários, um interno outro externo, o de recepção e o de transmissão e, portanto, fazer atenção naqueles que tiveram papel de mediadores no processo de média duração que articulou os dois mundos. Italianos cá, italianos lá e italianos de lá e de cá, como já

2 Nesse sentido, posso dizer que essa pesquisa está em linha com o trabalho pioneiro de Tadeu Chiarelli, Um jeca nos vernissages. São Paulo: Edusp, 1995. 3 Na medida em que um dos eixos desse trabalho é a demonstração da presença do modelo italino de formação artística no Brasil, sobretudo, o que derivou das tendências inovadoras milanesa (a Famiglia Artistica) e florentina (os Macchiaioli), me servi das interpretações de Margherita Sarfatti, que foi figura central do grupo Novecento, em Milão, junto com os pintores Oppi, Sironi e Funi; grupo que na historiografia foi articulado às múltiplas correntes europeias do “retorno à ordem”. No entanto, cabe ressaltar que esses grupos foram muito heterogêneos, e não podem ter suas propostas simplificadas na ideia de que foram reação aos excessos da vanguarda artística, anteriores à 1ª Guerra Mundial (cf. LANTERNOIS, Annick: “Analyse critique d’une formule ‘retour à l’ordre’” (Vingtième Siècle. Revue d’Histoire, n. 45, 1995). Creio que no Brasil, no caso dos artistas estudados, menos do que um retorno, houve uma manutenção de uma rotina técnica e estética milano-florentina aclimatada em São Paulo. 2 havia feito com Waldemar Belisário em minha pesquisa de mestrado. Como demonstrou Sérgio Miceli4, Ramos de Azevedo, um brasileiro de Campinas, filho de um negociante português, foi o “maestro da orquestra italiana”, os operários qualificados pelo Liceu de Artes e Ofícios que tiveram papel fundamental, mas “subalterno”, na intensa movimentação empresarial e construtiva de São Paulo, a província acanhada que dava passos decisivos para vir a ser a metrópole afarista5 em constante transformação.

Mas enquanto Ramos de Azevedo aculturava e preparava para o mundo do trabalho aqueles estrangeiros em processo de “readaptação de seus respectivos núcleos familiares de imigrantes na terra de adoção, onde continuavam a falar o idioma do país de origem [...]”6, outros atuaram no sentido de restituir a eles o próprio mundo da arte italiana que pouco conheceram lá, por terem vindo muito novos ou terem nascido aqui, ou também pelas limitações culturais próprias das camadas sociais “inferiores” das quais descendiam. Esse é o caso de Paulo Cláudio Rossi Osir e Giuseppe Perissinotto, que foram mediadores por excelência na transmissão do que se passava na arte italiana, seja no Norte, da Famiglia Artistica Milanese ou na Florença dos Macchiaiolli e da Accademia di Belli Arti, para o ainda acanhado ambiente paulista.

Outro ponto a destacar refere-se ao papel do articulador cultural e artístico Paulo Claudio Rossi Osir na ação conjunta e interdisciplinar com a arquitetura modernista, com os grupos de artesãos e artistas plásticos, mormente no período de feitura dos painéis de arte em azulejo, marcando o início de um período de efervescência cultural distinta dos anos 1920, com a formação dos grupos da Sociedade Pró-Arte Moderna – SPAM, do Clube dos Artistas Modernos - CAM7, aqui analisados pela ótica da Família Artística.

4 MICELI, Sérgio. Nacional estrangeiro: história social e cultural do modernismo artístico em São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. 5 O neologismo é de Oswald de Andrade no prefácio de Serafim Ponte Grande (1933). 6 Ibidem, p. 95. 7 Sobre essas iniciativas é importante destacar o trabalho pioneiro de Fernando Pinheiro Filho: Lasar Segall: arte em sociedade, São Paulo: Cosac Naify, 2008, que jogou luz sobre SPAM e CAM, na sua reconstrução da trajetória de Segall no meio artístico paulista. 3

No tratamento dado às famílias artísticas paulista e milanesa, constatei que Paulo Rossi havia se inspirado no grupo milanês; e me surpreendi com o ambiente inovador de criação coletiva, que se diferenciava e se identificava, em certos aspectos, com a Osir arte e com os objetivos da Família Artística Paulista, sobretudo pela voz dada aos artistas.

O foco da sociedade milanesa era o da formação do artista, no sentido de criar condições de bem aprender o métier. Uma escola para os artistas. Uma escola “Livre” com o ensino focado na prática do desenho, plástica, técnicas incisórias, óleo, aquarela, sessões especiais para o estudo de modelo vivo. Foi assim que a Famiglia Artistica passou a ser considerada a única instituição representativa desse grupo.

Se a Famiglia Artistica Milanese propicia um novo olhar sobre o movimento artístico em geral, após análise da mobilidade da geração de 22, o grupo do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo amplia e sustenta minhas reflexões para aquém e além das Exposições da Família Artística Paulista (1937/1939/1940), quer pela formação de pintores na Itália, quer pela relação com o Ottocento, como fonte de entendimento geracional modernista.

Com os documentos compulsados nos arquivos históricos, academias e museus de Roma, Milão e Florença pude confirmar - por meio da afinidade estabelecida entre o material examinado e o objeto de estudo - a competência desses artistas radicados em São Paulo. O acesso ao Archivio Storico dell´ Accademia di Belli Arti di Firenze comprova a presença de alunos do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo que lá estudaram tendo como professor a icônica figura do macchiaiolo Giovanni Fattori, cuja influência se fez presente no Brasil, Argentina e Uruguai, confirmada pelos estudos em São Paulo, Buenos Aires e Montevideo, onde a técnica macchiaiola foi incorporada por pintores que estudaram com Giovanni Fattori, como Domingo Laporte, segundo relato no Apêndice “A arte macchiaiola na América do Sul”. A formação na Accademia di Belli Arti di Firenze constitui outro aspecto relevante deste estudo. Ao contrário desse ambiente fechado da academia, a pintura ao ar livre se fazia por meio de contrastes mais visíveis, contrapondo-se à ambientação dos estúdios. Interessante notar que as experiências resultantes da

4 pintura ao ar livre inovaram o modus operandi dos grupos de pintores focados na busca experimental de novas perspectivas para as artes. Esse ambiente de efervescência intelectual marcado pelo movimento das doutrinas cientificistas e materialistas que proliferaram ao longo do século XIX incita um novo olhar sobre a pintura, estimulado pelo debate no eixo Florença - Paris. Em Storia della Pittura Moderna, Margherita Sarfatti reforça a ideia de que o ambiente da arte florentina desde as últimas décadas do século XIX não tinha nada de provinciano e autocentrado nas tradições locais. A autora demonstra que os artistas locais estavam sintonizados com a redescoberta das escolas do norte, flamenga, holandesa, inglesa, sobretudo no que diz respeito ao cultivo dos gêneros baixos, a paisagem, as naturezas mortas, as cenas da vida cotidiana. E estava sintonizada também com a França, da escola de Barbizon ao impressionismo. Sarfatti reconhece em Paul Césanne8 um posicionamento de elevação da arte acima do contingente e da superficialidade. Cada tela representa um progresso em relação à anterior, a caminho da purificação das linhas na direção da vitória do espírito sobre a matéria.9 Pablo Picasso é outro exemplo. Latino, nascido na Espanha de família italiana com passagem em Paris, Picasso continua no mesmo círculo de sensações e ideias. Uma vez apresentados os dois grandes símbolos, um ítalo-francês, outro ítalo- espanhol, Sarfatti aponta a origem de influências que direta ou indiretamente estão presentes na vanguarda do período que antecedeu e sucedeu a Grande Guerra Mundial por meio de algumas derivações do futurismo pictórico italiano.

Ainda a propósito da crítica de arte italiana, em Espejo de la Pittura Actual, Margherita Sarfatti10 dedica o capítulo “Terra do Brasil” à Associação Paulista de Azulejos decorados a pincel livre, fundada e dirigida por Paulo Rossi Osir, “pintor de imemorável consciência artística”.

A busca por uma nova linguagem pictórica capaz de expressar o momento histórico do Risorgimento mobilizou os pintores macchiaioli. O impulso para novas

8 Paul Césanne “un francese del sud di sangue semi-italiano (il nonno, emigrando, aveva mutato in “Cesanne” il nome del suo paese di origine, Cesena, comuma italiana na região da Emília-Romanha, província da Forli-Cesena).” In: SARFATTI, Margherita. Storia della Pittura Moderna. Paolo Cremonese. Editore in Roma. Via IV Novembre, 145-146, 1930 VIII grafia – S.A.I. Industrie Grafiche, Via Ennio Quirino Visconti 13 – A Roma. p. 28. 9 Ibidem, p. 31. 10 SARFATTI, Margherita. Espejo de La Pintura Actual. Buenos Aires: Argos S.A. Editorial, 1947. 5 maneiras figurativas de superação contínua encontrou no experimentalismo positivista o seu embasamento científico. O que deu impulso para novas maneiras figurativas que se sucederam em processo de superação contínua. A arte impregnada de ideias se compromete com a veracidade do objeto, não importa se por vias de experimentações científicas, literárias ou da pintura. Imbuída pelo espírito da época, a Rivista Europea traduzia o universo multidisciplinar capaz de integrar o universo científico ao artístico europeu, no levar e trazer conhecimento das nações por meio de correspondência, traduções, economia, teatro, filosofia, visão militar, política, literatura e todas as manifestações culturais. Por ocasião da publicação do segundo número da revista, o debate exigido como resposta dos saberes em conflito pontuou a questão do idealismo versus positivismo. Os debates esquentaram com Andrea Angiulli11, que chamou atenção para a dualidade entre fenômeno e experiência como base da filosofia positivista. Sutil a diferença entre a ciência e a filosofia positivista, sobretudo no estabelecimento da relação Ciência-Metafísica. O divisor de águas refere-se à ausência ou presença - a priori – dessa relação que se faz por meio do conhecimento científico atrelado a fenômenos observáveis, descrição e formulação das leis que os relacionam, como reza o conhecimento do processo científico. Nicola Abbagnano considera como principal característica do positivismo a romantização da ciência no sentido de devoção ao conhecimento, como única moral, única religião possível. Diz ele, “como romanticismo da Ciência, o Positivismo acompanha e estimula o nascimento e a afirmação da organização técnico-industrial da sociedade moderna e exprime a exaltação otimística que acompanhou a origem do industrialismo”12. De modo genérico o positivismo pode ser apresentado sob duas formas históricas: a primeira edificada sob a forma do positivismo social de Saint--Simon, Stuart Mill e Augusto Comte, e a segunda, sob a forma do positivismo evolucionista de Spencer. No Brasil, com a difusão da propaganda republicana, as ideias positivistas se expandiram durante os primeiros anos que se seguiram à queda do Império em distintos estados brasileiros. Benjamim Constant faria germinar os princípios

11Andrea Angiulli (1837 -1890) foi um dos discípulos de Roberto Ardigò (1828-1920), que introduziu o gosto pelo método científico no campo da cultura. 12 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução Alfredo Bosi. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1970. p. 746. 6 positivistas sobre os oficiais do Exército; Júlio de Castilhos e seu sucessor Antônio Augusto Borges de Medeiros no Rio Grande do Sul; Lauro Sodré no Pará; Barbosa Lima em Pernambuco; João Pinheiro em Minas Gerais. A conhecida Escola de Recife tornou-se o principal centro de irradiação do positivismo brasileiro com Tobias Barreto. O segmento evolucionista de Spencer foi um desdobramento do positivismo comtiano pelo viés darwinista de Silvio Romero e Clovis Beviláqua.13 Paralelamente, faço reviver as vias percorridas pela Filosofia Positivista no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo com as contribuições do médico Luís Pereira Barreto, ao lado de outros positivistas que enfileiraram as publicações do jornal O Estado de São Paulo, cujos artigos e registros das Atas do Liceu de Artes e Ofícios revelaram um movimento contínuo que não se esgotaria nos bancos escolares, mas, ao contrário, perpassariam a linha do tempo do Império às Repúblicas “Café com Leite” e Varguista.

A pesquisa confirmou os vestígios da arte italiana antes mesmo das exposições de 1922. Refiro-me aos movimentos que desaguaram na consagrada Semana de Arte Moderna e na desconhecida 1ª Exposição Geral de Belas Artes. Ambas foram recortadas dos eventos comemorativos do Centenário de Independência do Brasil e recebem a marca italiana, quer pela presença do Futurismo entre os conhecidos modernistas da primeira geração, quer pelo clima cultural do Risorgimento no espírito participativo da Família Artística. O passo seguinte foi o da reconstrução histórica do período. Os documentos consultados tanto em Florença como em Milão revelaram a presença da ciência positivista no modernismo italiano como um fio condutor do método analítico, sem presunção de definir la verità. A vertente positivista articulada à pintura italiana tornou-se instrumento de avanço para a arte moderna. O ponto de partida para os estudos do avanço qualitativo na pintura foi a obra Le Risposte dell´Arte do estudioso do período ottocentista Carlo Dell Bravo, fundamental para o entendimento relacional arte/ciência positivista, segundo o princípio da análise da percepção e sua proximidade com a análise do ambiente da tradição figurativa. Em São Paulo, como nos demais estados brasileiros, disse Otto Maria Carpeaux, “a significação do positivismo na história do Brasil

13 Enciclopédia Barsa. Volume 11. Rio de Janeiro: Enciclopaedia Britannica Editores, 1968, p.190. 7 ultrapassa os limites da história de um sistema filosófico”14. O positivismo perpassa a cultura artística do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, a Escola de Belas Artes no Rio de Janeiro, a Academia Imperial de Belas Artes entre outras instituições, do Império à era de Vargas.

Os cursos oferecidos pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP, juntamente com as pesquisas realizadas preponderantemente em São Paulo, Itália e Argentina, tiveram por objetivo investigar de forma articulada dois momentos das artes da cidade paulista que na história da arte foram tratados de forma separada e bastante desigual. De um lado, os artistas e a arte exposta no Palácio das Indústrias, como a 1ª Exposição Geral de Belas Artes em 1922; de outro, a Família Artística Paulista que entrou em cena na segunda metade da década de 1930, em exposições que foram objeto de polêmica, mas que resultaram no acolhimento desse grupo de artistas emergentes no “bonde modernista”, reconhecendo-os como uma fiação contínua na ambiência paulista desde o final do século XIX no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo.

Entre vanguardas: outro lado de uma mesma geração modernista consiste em apontar a relação entre pequenos sinais deixados nas entrelinhas de textos teóricos, notas de rodapé, catálogos de exposições, artigos de jornal, biografias, assinaturas em telas e azulejos “escondidos” em áreas privadas e sagradas. Esta opção primária objetiva intensificar o conteúdo da pesquisa para não repetir os espectros modernistas evitando assim a interseção de duas linhas: ruptura, pelo olhar da historiografia e continuidade pelo olhar da 1ª Exposição Geral de Belas Artes.

O ano de 1922 foi um ano múltiplo no âmbito das artes plásticas e seu acontecimento mais expressivo – a famosa Semana de fevereiro de 1922 – obscureceu para a posteridade a 1ª Exposição Geral de Belas Artes que ocorreu em setembro nas comemorações do Centenário. Pouco se disse sobre essa exposição, além de que teria sido uma “inexpressiva mostra de pintores pobres”, sem importância e abandonada no passado. O fato de ter tido repercussão de apenas poucas e

14 CARPEAUX, Otto Maria, apud BOSI, Alfredo, “A Arqueologia do estado-providência: sobre um enxerto de ideias de longa duração”. In: TRINDADE, Hélhio (org) O Positivismo. Teoria e Prática. Sesquicentenário da morte de Augusto Comte. 2ª ed. Ampliada e revisada. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007. p. 193. 8 impiedosas linhas no mensário de arte moderna dirigido por literatos – Klaxon - deve ter sido relevante para seu esquecimento.

A investigação aqui proposta examina a 1ª Exposição Geral de Belas Artes, analisada com base na hipótese de que a estética da Família Artística Paulista já estava em esboço em 1922, e não foi propriamente uma novidade quando Paulo Rossi deu ao grupo um novo alento nas exposições do fim da década de 1930, quando conquistou o acolhimento de Mário de Andrade, Sergio Milliet e Paulo Mendes de Almeida. Hipótese que supõe que entre 1922 e 1937 (ano da primeira exposição da Família Artística), havia em São Paulo uma corrente de artistas e um modus operandi que permaneceu relativamente invisível.

Tomo como premissa o descaso em relação à 1ª Exposição Geral de Belas Artes e seu papel deflagrador no embrionário núcleo da Família Artística Paulista que, na história, apareceu como se fosse manifestação posterior ao modernismo de 1922 reafirmando o entendimento de uma produção emergente nos anos 1930.

O objetivo específico de minha pesquisa foi detectar a presença de elementos da cultura visual italiana no campo da arte paulista, identificados por meio de eventos de difusão cultural tais como exposições, cursos, ateliê-escolas, publicações, nos quais os artistas - entre eles os de origem italiana com livre trânsito entre Itália e Brasil – que retornavam à capital paulista e se integravam aos processos locais com técnicas e conhecimentos novos, tal como aconteceu com a Escola do Brás de Giuseppe Perissinotto, o Liceu de Artes de Ofícios de São Paulo e a Escola de Belas Artes. A partir da identificação desses elementos nos grupos estudados, impôs-se o estudo das biografias dos artistas, realizado a fim de investigar a formação técnica e estética, os círculos de sociabilidade, a frequência em ateliês ou grupos, as viagens no Brasil e ao exterior, enfim, toda a ambientação artística e cultural dos mesmos. Com isso, procuramos identificar o habitus decorrente do processo de formação e da rotina artística, que começou a ser internalizado no convívio com os mestres italianos. A elaboração da biografia coletiva constituiu importante recurso metodológico para, em meio a muita diversidade individual, tratar de um conjunto relativamente numeroso de agentes operando no mesmo universo. É um método utilizado para mapear as trajetórias dos grupos, mediante o exame de memórias, depoimentos, biografias e autobiografias, mas, sobretudo pelo exame de materiais de pesquisa relacionados aos acontecimentos do grupo estudado. 9

A investigação realizada avançou na direção da análise de transição dos anos 1920 para os anos 1930, ou melhor, da passagem da Velha para a Nova República até o Estado Novo. Isso foi levado a cabo pelo exame dos espaços e das instituições da cidade onde aconteceram as exposições de arte ou as intervenções arquitetônicas, o que permitiu identificar quem estava envolvido nos empreendimentos e nas rotinas artísticas de São Paulo. Esse estudo permitiu demonstrar que, tanto aqueles que foram excluídos da cena pela historiografia do modernismo, como os sempre lembrados, eram passageiros do mesmo bonde modernista15.

Partindo da inclinação paisagista dos pintores da 1ª Exposição Geral de Belas Artes, uma nova questão foi estabelecida: como colocar aqueles que foram ditos “paisagistas do arrabalde”, no interior da mesma geração modernista? Foi no exame da articulação dos diversos núcleos artísticos, tanto dos consagrados como dos esquecidos que, de fato, fizeram muitas coisas juntos, que se confirmou a hipótese de que se tratava da mesma geração, supondo que em uma mesma geração, como demonstra Mannheim, diversas unidades e grupos participam do processo histórico em um período de tempo delimitado16.

Dos artistas que serão tratados ou estão pressupostos neste trabalho, a grande maioria nasceu na década de 1890: Rossi Osir (1890-1959), Romulo Lombardi (1891- 1957), John Graz (1891-1980), Vicente Larocca (1892-1964), Orlando Tarquinio (1894-1970), Victor Brecheret (1894-1955), Bernardino Souza Pereira (1895-1985), Waldemar Belisário (1895-1983), Gastão Worms (1905-1967), Enrico Manzo (1896- 1982), Cirillo Agostini (1896-1976), Pedro Corona (1897-1972), (1896- 1988), Di Cavalcanti (1897-1976), Rego Monteiro (1899-1970), Hugo Adami (1899- 1999). Abaixo dessa faixa de idades estão Giuseppe Perissinotto (1881-1965), Berthe

15 A expressão “bonde modernista” é inspirada no artigo de Roberto Schwarz, “A carroça, o bonde e o poeta modernista” (Que horas são?: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1987), em que trata do poema “pobre alimária” de Oswald de Andrade, que satiriza a mescla de atraso e progresso da cidade: é a história do cavalo e da carroça que atravancam o trilho do bonde. 16 Mannheim considera que no trato do problema sociológico das gerações é necessário distinguir a situação de geração, que diz respeito apenas à ordem dos nascimentos em um universo cultural determinado (no que faz analogia com a situação de classe); das unidades de geração, que correspondem às grandes tendências que estão em disputa em uma determinada época; e aos grupos concretos, que são aqueles que se reportam uns aos outros, que agem em comum, ou confrontam-se em face de problemas que enfrentam de maneiras distintas. A ideia que conduz este trabalho é de que os “paisagistas do arrabalde” e os modernistas consagrados são, de fato, grupos concretos, que se distinguiram, sobretudo, em razão de seus capitais culturais. Cf. MANNHEIM, Karl. Le problème des générations. Paris: Nathan, 1990. 10

Worms (1868-1937), Henrique Vio (1874-1960), Tarsila do Amaral (1886-1973), Anita Malfatti (1889-1964); e pouco acima dela estão Zina Aita (1900-1967), (1902-1980), Waldemar da Costa (1904-1982), (1905-1992), (1906-1974), Cícero Dias (1907-2003), Mário Zanini (1907-1971), Clovis Graciano (1907-1988), Humberto Rosa (1908-1948), Manoel Martins (1911-1979).

Afora Henrique Vio, Berthe Worms e Giuseppe Perissinotto, que podem ser ditos de outra geração e podem ser classificados na categoria dos precursores, todos eles têm seus nascimentos situados entre os anos de 1890 e 1910; variando um pouco a faixa de tempo em que aproximadamente começaram a entrar no jogo, que se situa entre a segunda metade da década de 1910 e o início da década de 1930.

Pode-se postular assim que a articulação entre os artistas da 1ª Exposição Geral de Belas Artes (1922) com a Família Artística Paulista (1937) revela que esse núcleo alargado foi composto por grupos inicialmente ou aparentemente contrapostos aos modernistas de 1922, e posteriormente agregados a ele. Pode-se observar, na lista acima, que os modernistas canônicos, Anita Malfatti, Zina Aita, John Graz, Victor Brecheret, Di Cavalcanti, Rego Monteiro e Cícero Dias, nascidos entre 1889 e 1907, estão distribuídos no mesmo período dos nascimentos da grande maioria dos participantes da 1ª Exposição Geral de Belas Artes e das Exposições da Família Artística Paulista. A única exceção é Tarsila do Amaral, pouco mais velha do que todos, mas que começará a ser reconhecida no campo tardiamente e, portanto, fará sua estreia alguns anos depois de muitos que eram cerca de dez anos mais novos do que ela. É curioso notar que a grande musa da pintura modernista canônica expôs pela primeira vez no Brasil em 1922, não na famosa Semana, mas em setembro, na 1ª Exposição Geral, o que mostra o entrelaçamento e as relações diretas entre os grupos.17

O conceito bourdiesiano de habitus e de campo constituiu outro importante recurso de análise metodológica. Por tratar de São Paulo, é importante notar que a

17 Anita Malfatti também expôs em setembro. Exemplos de relações diretas entre modernistas e os “outros” são vários, antes de 1922. Muitos dos artistas da 1ª Exposição Geral de Belas Artes passaram pelo Liceu de Artes e Ofícios, onde Brecheret conviveu com eles; mas também há que destacar os ateliês dos artistas estabelecidos como George Fisher Elpons e Pedro Alexandrino por onde passaram Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcante, mas também Hugo Adami e Aldo Bonadei, como mostra Tadeu Chiarelli (op. cit., p. 56). Destaca-se também a relação entre Tarsila do Amaral e Waldemar Belisário que tratei em Travessia periférica. 11 cidade tinha posição secundária no campo artístico brasileiro, centralizado no Rio de Janeiro, cabeça do corpo político tanto no Império como na República e cidade que concentrava as principais instituições de formação, a Academia Imperial das Belas Artes (Aiba, 1826), depois Escola Nacional de Belas Artes (Enba, 1890); assim como o primeiro Liceu de Artes e Ofícios (1856), de cujo modelo derivou o Liceu de São Paulo (1873). Foi a Aiba, quando dirigida por Félix-Émile Taunay, que articulou de forma consistente e rotineira as artes brasileiras aos ambientes artísticos franceses e italianos, por meio do prêmio viagem, instituído em 1845; e que criou uma articulação viva com a cidade, formando um público e induzindo a emergência da crítica, por meio das Exposições Gerais (1840)18. Nesse sentido, era no Rio de Janeiro que se concentravam os pilares necessários para a formação do campo, que, na visão de Pierre Bourdieu, depende de público diferenciado, instâncias de difusão, de consagração19. No entanto, como as artes dependiam, sobretudo, de ralações de mecenato, do Ministério dos Negócios do Estado, do qual a Aiba era uma instituição anexa, ou das iniciativas pessoais de D. Pedro II, o campo tinha pouca autonomia, e era também incipiente o mercado de bens simbólicos, com seus agentes especializados, como marchands e editores. Além do que acontecia nos salões da Academia, eram poucos os espaços expositivos20, quase sempre em ambientes não exclusivamente dedicados às artes.

Sobre São Paulo, no período nas primeiras décadas do século XX, como mostrei em Travessia periférica: a trajetória do pintor Waldemar Belisário (p. 39-54), o ambiente era ainda mais acanhado; e os artistas, mesmo aqueles que depois se destacaram na Semana de 1922, dependiam dos salões da Enba, no Rio de Janeiro, para divulgar as suas obras e buscar reconhecimento. Quase tudo dependia de relações pessoais ou de visibilidade conquistada nos salões privados das poucas grandes famílias que se distinguiam pelo gosto artístico e pelo colecionismo. Pode-se dizer que até a década de 1930 a cidade era provinciana e demonstrava relativa desarticulação do ambiente artístico, com crítica incipiente, ausência de produção

18 Sobre a gestão de Félix Taunay na Aiba, cf. DIAS, Elaine. Paisagem e Academia - Félix-Émile Taunay e o Brasil (1824-1851). Tese de doutorado. Campinas: Unicamp, 2009. 19 Cf. BOURDIEU, Pierre. “O mercado dos bens simbólicos” [1970]. ____ A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1999. 20 Sobre esses espaços, Casa de Wilde, Glace Elegante, Galeria Moncada, Salão Insley Pacheco e Casa Vieitas, Cf. SILVA, Maria Antonia Couto da. A Repercussão das Exposições Individuais de Pintura no Brasil da década de 1880. 19&20, Rio de Janeiro, v. IX, n. 2, jul./dez. 2014 12 ideológica dos próprios agentes, inclusive nos meios modernistas, nos quais quem tratava de artes plásticas não eram os seus praticantes, mas os letrados de formação polígrafa. Tanto a Pinacoteca como o Pensionato Artístico Paulista, cujo patrono foi Freitas Vale21, eram instituições muito limitadas, a primeira foi por muito tempo um depósito de quadros22, pouco acessível a um público amplo; o segundo beneficiou apenas um grupo restrito de artistas com suas bolsas para o exterior, por meio de um critério de seleção baseado em um sistema de relações pessoais com o patrono. Como mostram Maria Arminda Arruda e Heloisa Pontes, a desprovincianização só viria passo a passo com a fundação da USP em 1935 e com a série de iniciativas tanto públicas como resultantes de um novo tipo de mecenato, quando entram em cena os Chateaubriand e os Matarazzo. Só então São Paulo daria um salto qualitativo. Os polígrafos autodidatas deram lugar a críticos com formação universitária; a biblioteca municipal inaugurou o seu grande edifício (1942); no lugar de espaços improvisados foram criados museus de arte, o Masp (1947), o Mam (1948) e a Bienal (1951), que colocam a cidade no centro do campo artístico nacional; os teatros se multiplicam e criaram uma nova dramaturgia; os estudantes formaram público, assim como uma classe média instruída que se multiplicou.23

A proposta desta pesquisa supõe a dissolução do eixo sucessivo por meio do qual se constituiu a versão hegemônica da historiografia das artes em São Paulo na primeira metade do século XX, pois quer mostrar – e há evidências suficientes para isso – que a “Família Artística” revelada como tal na década de 1930 já estava presente no primeiro núcleo, suprimido na história. Nesse sentido, o objeto da pesquisa – os dois lados da mesma geração modernista - supõe camadas e não etapas. Trata sim de embates de tendências presentes em todo o período no mesmo fluxo geracional.

No nosso entender, essas camadas que foram se sobrepondo umas às outras, os embates entre grupos e a rotina artística que se instituiu por meio das exposições,

21 Sobre Freitas Valle, o estudo decisivo é de Márcia Camargos, Villa Kyrial: crônica da Belle Époque paulistana, São Paulo: Editora Senac, 2001. 22 Cf. Márcia Camargos, op. cit., p. 98. 23 Os livros de Maria Arminda Arruda, Metrópole e cultura: São Paulo no meio século XX (2001), e Heloisa Pontes, Destinos mistos, os críticos do Grupo Clima em São Paulo, são complementares (1998), perfazem juntos um retrato da mudança da cidade, entre 1930 e 1950, e uma demonstração das vias pelas quais o campo intelectual e artístico se autonomizou em São Paulo. 13 com seu poder de estimular o debate, foram fundamentais para a formação do campo artístico em São Paulo. Como diz Bourdieu,

Se existe uma história propriamente artística, é, além do mais, porque os artistas e seus produtos se acham objetivamente situados, pela sua pertença ao campo artístico, em relação aos outros artistas e aos seus produtos e porque as rupturas mais propriamente estéticas com uma tradição artística têm sempre algo que ver com a posição relativa, naquele campo, dos que defendem esta tradição e dos que se esforçam por quebrá-la. 24

Sobre a noção de habitus, Bourdieu esclarece:

Sistema adquirido de esquemas geradores, o habitus torna possível a produção livre de todos os pensamentos, de todas as percepções e de todas as ações inscritas nos limites inerentes às condições particulares de sua produção, e somente daquelas. Por meio dele, a estrutura da qual é produto governa a prática, não de acordo com as vias de um determinismo mecânico, mas por meio das pressões e dos limites originalmente atribuídos a suas invenções. [...]25 Como produto da história, o habitus engendra práticas fundadas em experiências passadas; diz respeito àquilo que foi internalizado na forma de esquemas corporais e intelectuais; é a bagagem que se traz consigo daquilo que deriva da família ou dos ambientes sociais e culturais aos quais os agentes foram expostos. É noção importante neste trabalho porque é dela que deriva uma de suas hipóteses centrais. Se indicamos acima que, na mesma geração, houve um grupo que foi capaz de produzir a ideia de que a arte que dava sentido ao tempo era aquela que ganhou visibilidade na Semana de 1922 e, com isso, foi capaz de produzir a ideia de que os outros poderiam ficar em situação de invisibilidade, isso se deve em grande parte ao habitus, que é uma porta para o ingresso no universo de sociabilidade das frações das camadas dominantes especializadas em operações no campo da cultura letrada e artística. A desenvoltura dos artistas envolvidos na Semana derivava em grande parte de seus círculos de sociabilidade e de sua capacidade de produzir ou de atrair produtores de justificações intelectuais para legitimarem os novos rumos da arte.

De outro lado, os artistas, em grande parte italianos ou filhos da imigração recente, com seu português macarrônico e com sua postura socialmente acanhada,

24 BOURDIEU, Pierre. A gênese dos conceitos de habitus e de campo. ____ O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011, p. 72. 25 BOURDIEU, Pierre. O senso prático. Petrópolis:Vozes, 2009. p. 91. 14 tinham, no entanto, os traços do habitus do artesão, que vinha de seus pais ou avós. Se não eram sofisticados, eram, no entanto, capazes de bem aprenderem o ofício e formarem uma moralidade profissional que, no contexto do “retorno à ordem” das artes internacionais, passou a ser valorizada. E foi valorizada também quando, em São Paulo, a ascensão social dos imigrantes começou a formar um mercado de consumidores de arte, cujo gosto estava em sintonia com aqueles gêneros menores ou com a arte menos intelectualizada da natureza morta, da paisagem, das cenas da vida comum. Mas faltou a eles encontrarem seus arautos, que só viriam na década de 1930, com a conversão dos três mais importantes intelectuais do modernismo em matéria de artes plásticas, Mário de Andrade, Sérgio Milliet, Paulo Mendes de Almeida, e com as iniciativas de Paulo Cláudio Rossi Osir, que foi por assim dizer o príncipe dos plebeus, homem culto e viajado, bem formado na Europa, mas que também aperfeiçoou sua pintura na escola do Brás, de Giuseppe Perissinoto, o precursor emblemático daqueles que foram o “outro lado da mesma geração modernista”.

O problema aqui tratado foi urdido em uma narrativa desdobrada em três capítulos: o primeiro trata da ambientação artística do período histórico que antecede os eventos da 1ª Exposição Geral de Belas Artes e da Semana de Arte Moderna que marcaram o centenário da independência do Brasil; o segundo da arte italiana e o processo pelo qual foi difundida em São Paulo; o terceiro trata do adensamento do ambiente artístico de São Paulo, quando a Família Artística Paulista realiza suas exposições, e da relação desse grupo com o movimento das vanguardas italianas. A obra de Giovanni Fattori abre cada um dos três capítulos, como homenagem aos 110 dez anos de falecimento do ícone macchiaiolo, presente na pintura paulista. Esses capítulos são seguidos das considerações finais e dos apêndices que complementam o que foi exposto no corpo da tese.

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La “tradizione” e la “modernità” non sono più termini antitetici Carlo Carrà

Todo mestre antigo tem sua própria modernidade

Charles Baudelaire

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26Giovanni Fattori. Pioppi. Bozzetto, 1890 – 1900 circa, Olio sul távola, 17 X25, cm. Inv. Gen 219. Gallerie degli Uffizi, Galleria d´Arte Moderna. Su concessione del Ministero dei Beni e delle Attività Culturali e del Turismo. Foto: Gabinetto Fotografico dele Gallerie degli Ufizzi. Firenze, 2016

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Capítulo I. Desenhos e redesenhos modernistas

200 anos de Independência do Brasil. 100 anos de Semana de Arte Moderna e da 1ª Exposição Geral de Belas Artes. Dois eventos que marcaram os festejos do Centenário da Independência do Brasil na cidade de São Paulo, no ano de 1922. O primeiro assinalando aspectos multidisciplinares das artes no Teatro Municipal com o apoio do stablishment paulista. O segundo, focado na mostra de artes plásticas realizada no Palácio das Indústrias, foi apoiado pelo diretor do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, Ramos de Azevedo. Proponho, aqui, revisitar esses acontecimentos artísticos no fluxo da vanguarda do discurso estético italiano a fim de, às vésperas de 2022, redesenhar a pintura paulista como projeto cultural moderno. Para iniciar o desenho traço duas linhas. Uma horizontal, outra vertical. O objetivo é evocar a ideia de ruptura e de continuidade na corrente de uma rotina artística que, na historiografia da arte permaneceu relativamente invisível no eixo da Família Artística Paulista. Na linha imaginária que intermeia a continuidade da 1ª Exposição Geral de Belas Artes e a ruptura da Semana de Arte Moderna, a hipótese da mesma direção de duas paralelas.

A linha horizontal da 1ª Exposição Geral de Belas Artes incide no Liceu de Artes e Ofícios, pelo apoio dado ao grupo expositor e pela participação de seus artistas, professores, diretores, alunos e artesãos. Por vias indiretas, o Liceu paulista resultou da visão urbanista do Presidente da Província, João Teodoro Xavier, que vislumbrou no propósito de instrução social pleiteada pela sociedade paulista, em 1873, o mote gerador de suporte para o trabalho. Existia certa emergência em reunir esforços focados em infraestrutura para o desenvolvimento da cidade como garantia do contínuo processo de urbanização, com o intuito de atrair fazendeiros do interior do Estado para que estabelecessem residência na capital. A Sociedade Propagadora da Instrução Popular permaneceu por 9 anos até que o sucesso obtido com a expansão dos cursos noturnos, deu-lhe um novo status que levou-a a ser rebatizada como Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, sob a

17 direção de Dr. Leôncio de Carvalho, apoiado pela associação civil de benemerência juntamente com a sociedade política e civil. O então Conselho Diretor da Sociedade Propagadora sustentava filosófica, pedagógica e economicamente o ensino profissionalizante como “salvaguarda da miséria, que é a mais fecunda causa dos vícios e dos crimes”27, juntamente com a Assembleia Geral e o Governo Imperial que, com periódicas contribuições de contos de réis, auxiliaria inclusive com a cessão por sete anos da casa nº 5 da Rua do Imperador, de propriedade de Bernardino Monteiro de Abreu. O funcionamento do curso primário compreendia o ensino de leitura, caligrafia, aritmética, sistema métrico e Figura 1 - Oficina do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo gramática portuguesa. Eram conteúdos ministrados todos os dias úteis, das 4 da tarde às 9 horas da noite. No curso primário eram oferecidos aos alunos, gratuitamente, livros, papéis, penas, tinta, visitas de médicos e remédios. A biblioteca instalada estaria aberta ao público no mesmo período de funcionamento da escola Fonte: Biblioteca do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo Foto da autora primária. Para fazer cumprir a educação com bases igualitárias, sabe-se, por meio das atas, da preocupação em evitar a ignorância enciclopédica no curso preliminar, considerando que não se limitava apenas em ensinar a ler, escrever e contar. As lições gratuitas abrangiam as disciplinas de cosmografia, história da pátria, francês e português duas vezes por semana. As conferências sobre ciências sociais e história da pátria eram ministradas pelos conselheiros Martim Francisco, Leôncio de Carvalho, Vaz Pinto Coelho e França Leite; higiene e fisiologia comparada, pelos conselheiros Candido Barata e Caetano de Campos. Além disso, cabia à Sociedade Propagadora da Instrução Popular proporcionar atividades artísticas que se faziam

27 Ata da Instalação da Sociedade Propagadora de Instrução Popular - SPIP. Doc. XXIII, p. 168. Biblioteca do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo - LAOSP. 18 realizar na Casa-da-Arte, com apresentação de saraus musicais e literários, conferências públicas e mostras de artes. Assim permaneceu a estrutura da Sociedade até 1º de setembro de 1882, ocasião em que passou a ser denominada “Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo”, pela Associação Propagadora da Instrução Popular, que ampliara o ministério de suas atividades educacionais gratuitas com cursos noturnos necessários aos ofícios e às artes, ao comércio, à lavoura, às indústrias; e com a abertura da biblioteca no período noturno. No curriculum foi inserido o ensino de geometria, geografia, história do Brasil e contabilidade, como mostram as Atas, nas quais podem ser identificados os detalhes do modus operandi interno. E, no curso geral de artes e ofícios, a introdução preparatória do desenho geométrico e ornamental, que precedia o estudo das artes plásticas e gráficas, que se desdobravam na estucagem, modelagem, cerâmica, gravura, marchetaria, ebanistaria, escultura, entalhe de madeira, ourivesaria, joalheria, eletrotécnica e engenharia sanitária. No grupo das artes foi introduzido o desenho linear, desenho de figura, desenho geométrico, desenho de ornato, de flores e de paisagem, desenho de máquinas, desenho de arquitetura, caligrafia, gravura, escultura de ornatos e arte, pintura, estatuária, música, modelação e fotografia. Assim foi modificada e ampliada a estrutura da Instrução Popular, nomeada então Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, favorecendo também à expansão das artes e das ciências aplicadas com aritmética, álgebra, geometria, descritiva, zoologia, física, geologia, química, botânica, mecânica e suas aplicações, estereotomia e agrimensura. Do corpo docente, dados transcritos nas Atas do Liceu de Artes e Ofícios mostram o voluntariado de 49 professores. Entre eles, Leôncio de Carvalho, responsável pela disciplina de Elementos de Direito Constitucional; Rangel Pestana, professor de Noções de Economia Industrial; Jose Vieira de Carvalho, professor de Economia Política e Caetano de Campos com aulas de Zoologia. No início do curso, o Liceu de Artes e Ofícios contou com o apoio da estrutura das oficinas e dos mestres do Instituto dos Educandos Artífices. Mediante a disseminação do ensino com fins profissionais, sentia-se a verve dos operários-artistas com seus produtos apreciados nas exposições periódicas do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, assim como as conquistas operadas em salas e oficinas de aula com 1200 alunos, lançados anualmente no mercado de trabalho.

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Sem custos para as famílias, os alunos do Liceu detinham a competência necessária para dar continuidade ao processo de urbanização projetado pelo Presidente da Província, João Theodoro Xavier. A instalação da República provocou a perda da ajuda financeira do Imperador, o que levou o Liceu a dificuldades financeiras, que só puderam ser superadas com o trabalho dos arquitetos Ricardo Severo, responsável pelas finanças da Instituição, e Francisco de Paula Ramos de Azevedo. O fato de Ramos de Azevedo ter investido no binômio escola/indústria incluiu nas atividades exercidas o elo de duas instituições para atender à demanda da construção civil: o Liceu e a Politécnica. Na ponta do Liceu de Artes e Ofícios, a educação secundária. Na ponta da Escola Politécnica, criada em 1893, a educação superior. A educação formou a base para as demandas da indústria e da construção civil. Confirmando sua competência na liderança do comando profissional, Ramos de Azevedo permaneceu como diretor do Liceu entre os anos de 1895 e 1928. O Governo do Estado apoiaria as iniciativas de Ramos permitindo o aproveitamento do terreno no bairro da Luz para a construção do prédio definitivo do Liceu de Artes e Ofícios, atual Pinacoteca do Estado de São Paulo. Sabe-se pelos estudos do arquiteto Carlos Lemos que o edifício construído carecia de condições técnicas e sanitárias para o funcionamento das oficinas. Problema solucionado na gestão do Governo presidido por Jorge Tibiriçá, que doou o terreno localizado na esquina da Rua Cantareira com a Rua João Teodoro para acomodar as oficinas de marcenaria, serralheria e ateliê de artes. Beneficiados pela economia de substituição de importação, o novo perfil do Liceu de Artes e Ofícios atenderia à crescente demanda que se diversificava com a participação da construção civil para o desenvolvimento urbano, por meio da oferta de produtos de excelência internacional, necessária para atender ao mercado interno durante a I Grande Guerra Mundial. A cidade republicana se urbanizava, inserindo cada vez mais o imigrante italiano bem qualificado no cenário paulista. “O influxo de italianos, que, em 1897, na capital, superavam numericamente os brasileiros na proporção de dois para um, foi um fenômeno decisivo do período”28. Tem-se registro de 202.503 italianos, segundo

28 MORSE, Richard. De comunidade à metrópole. Biografia de São Paulo. Comissão do IV Centenário de São Paulo. Serviço de Comemorações Culturais. São Paulo, 1954, p. 189. 20

Richard Morse, que entraram pelo porto de Santos apenas no período referente à década de 1882-1891. Uma parcela de profissionais, artesãos e artistas do contingente da imigração italiana teve sua inserção no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, conforme discurso de Ramos de Azevedo registrado nas atas da instituição:

Tenho trabalhado entre operários [...] nem sei quantos nem de quantas procedências. Revelarei o concurso de italianos, cuja imigração para o nosso Estado tem sido mais numerosa e porque constituem a maior comunidade de artistas de todas as artes. Entre eles e seus descendentes tenho encontrado os meus melhores auxiliares de todos os misteres; e seria injusto se não salientasse a sua notável colaboração no desenvolvimento e aperfeiçoamento dos processos e artes da construção. E são eles que fornecem ainda hoje o maior número de discípulos para o nosso professorado. [...]. 29

Dotado de condições técnicas e artísticas, o Liceu ganhava o espaço público desenhando estatuárias e ornatos de ferro e gesso que invadiam parques, como o Ipiranga com lampadários; edifícios particulares e públicos; teatros como o Santana e o Municipal; residências; decorações de prédios com seus mobiliários em diversificados estilos e materiais, realizados por alunos desenvoltos no modus operandi italiano, constituindo, assim, o qualificado núcleo de artistas-artesãos do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. O núcleo de formação artística e profissional do Liceu era constituído na grande maioria por professores italianos radicados em São Paulo, seus filhos e alguns brasileiros, normalmente com formação na Itália. Das cidades italianas, Roma, Nápoles, Veneza, Florença e Milão demonstram ter sido a trajetória dos imigrantes italianos. Entre eles, destaco o paulista Paulo Claudio Rossi Osir (1890-1959), filho do italiano Claudio Rossi (1850-1935), e o veneziano Giuseppe Pasquale Perissinotto (Venezia, 1881 - São Paulo, 1965), por considerá-los parte essencial da relação da Família Artística Paulista com a Famiglia Artistica Milanese e com a Accademia di Belle Arti di Firenze.

29Ata da Instalação da Sociedade Propagadora de Instrução Popular - SPIP Documento XLII de 08 de dezembro de 1921. [Referências extraídas do discurso de Ramos Azevedo no grande banquete de homenagem por ocasião de seu jubileu] p. 196. 21

O centro de difusão da arte italiana na Escola de Desenho e Pintura, aberta no Brás por Giuseppe Perissinotto30, em 1909, fez diferença na formação artística da cidade, que se ambientava para receber nos cafés do centro artistas que buscavam reconhecimento e maior visibilidade do mercado ainda incipiente. A presença italiana foi-se expandindo por meio de pequenos núcleos de artistas-artesãos em ateliês, normalmente localizados na própria residência, travestida de sala de aula para pequenos cursos de pintura e artes, assim como nas oficinas, ou pintando flores, frutas e paisagens bucólicas nas paredes das salas de visita e de jantar dos palacetes que tomavam conta da cidade. As exposições tornaram-se periódicas no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo ao longo da primeira década do século XX, com destaque às Exposições de Belas Artes. A 1ª Exposição Brasileira de Belas Artes (1911-1912)31 tornou-se referência do grupo artístico, que atraiu 67 expositores na seção de Pintura com 363 quadros, 8 na seção de escultura, com 28 trabalhos, sendo 8 na seção de arquitetura e 70 desenhos e fotografias. Inaugurada no dia 24 de dezembro de 1911, no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, a exposição reuniu artistas com a visibilidade de Antônio Parreiras, Eliseu Visconti, Pedro Weingartner, Lucílio e Georgina de Albuquerque, premiada nos salões do Rio de Janeiro. Entre os artistas radicados em São Paulo, os pintores Giuseppe Perissinotto, Claudio Rossi e o fiorentino Alfredo Norfini (1867-1944), formado em Roma pela Accademia di San Luca32 mantendo ativa participação em

30 Carlos Pires em um artigo sobre Volpi trata brevemente da Escola do Brás comandada por Perissinotto; e indica que Volpi, diretamente ou por meio de seu vínculo de companheirismo artístico com Orlando Tarquínio foi introduzido nas técnicas dos macchiaoli por intermédio da escola Cf. PIRES, Carlos. “Os anos de formação de Alfredo Volpi e o contexto dos imigrantes italianos em São Paulo no começo do século XX”. 19&20, Rio de Janeiro, v. XII, n. 2, jul./dez. 2017. 311ª Exposição Brasileira de Belas Artes no Liceu de Artes e Ofícios. Fonte compulsada: Acervo CEDOC / Pinacoteca de São Paulo. 32Fausto Vagnetti em La Regia Accademia di Belle Arti di Roma. Felice Le Mounnier, Firenze, MCMXLIIIXXI, n inventário 610 Cat. SDB 719 da Biblioteca da Accademia di Belle Arti di Roma, analisa o Colégio de Pintores como ponto germinativo da instituição que deu origem à Accademia di San Luca. Antes, porém, havia ganho o status de Universidade nas proximidades da Igreja Santa Maria Maggiore. Como não se tem precisa a data de sua fundação, Vagnetti estabeleceu uma relação com os registros de contribuintes encontrados em pergaminhos datados de 1470, basilares ao nascimento da Universidade sob o Papado de Sisto IV e invocação de São Lucas Evangelista, “Beatíssimo Advogado e Protetor da Arte da Pintura”. Pouco tempo depois, como Universidade de Arte, escultores e arquitetos seriam inclusos sob a denominação de “Consolato d´Arti”. Período altamente produtivo para as artes caracterizando a “Escola Romana” com estudos rígidos sobre a verdadeira relação com a interpretação estética que constituiria a excelência da arte antiga, impregnada pelo crescimento daquela atmosfera de alto saber com as letras e a ciência sobre a proteção da corte papal. “Eravamo, como ognanosa, nel “secolo d´oro”, afirma Vagnetti na página 8. No final do século XV, a Academia conheceria a mediocridade superada pelo superintendente das obras de Arte, em Roma, Girolano Muziano. Protegido pelo Papa Gregório XII, Muziano criaria, em 1577, na Accademia de San Luca condições de ensino capaz de reestabelecer os princípios e valores para os jovens estudantes se iniciarem na arte 22 distintos núcleos artísticos da Europa, e no eixo Buenos Aires – São Paulo – Rio de Janeiro. Os professores da Escola Nacional de Belas Artes, João Baptista da Costa (1865–1926) e Henrique Bernardelli (1858-1936), distinguidos pela notável formação artística. O paisagista Baptista Costa foi aluno de Rodolpho Amoedo na Academia Imperial de Belas Artes – AIBA, tendo completado seus estudos na Académie Julian, em Paris. Bernardelli, ao contrário, completou seus estudos em Roma no ateliê de Domenico Morelli. Na Escola Nacional de Belas Artes – ENBA, exerceu a função de docente (1891 a 1905) para, na contramão do ensino da Escola Nacional de Belas Artes, criar o Núcleo Bernardelli, por onde passaram artistas como Takaoka, Malagoli e Dacosta. A 2ª Exposição Brasileira de Belas Artes (1912-1913)33 reuniu 54 pintores e 9 escultores. O olhar admirado dos visitantes elegeu as obras Fim de Romance de Antônio Parreiras; Primavera e Anunciação de Eliseu Visconti e A mãe de Enrico Vio. Afora a natureza morta de Pedro Alexandrino, a grande tendência da exposição concentrou-se nas paisagens, sendo as de Alfredo Norfini as que mais chamaram a atenção pelo colorido, ao lado de Perissinotto, Torquato Bassi e Wasth Rodrigues, Amadeu Zani, Fisher Elpons e Oscar Pereira da Silva, que não havia participado da 1ª Exposição Brasileira de Belas Artes por estar ausente de São Paulo. O motivo de sua ausência deveu-se à organização de um painel para a Esposizione Internazionale di Torino.34 Essa exposição fazia parte de um triênio de exposições, iniciada pela Esposizione Internazionale di Roma, seguida pela Esposizione Internazionale di Firenze. As três mostras celebravam o percurso econômico, social e cultural como parte da celebração do cinquentenário da Unidade Italiana35.

expandindo atividades e conferências de índole artística e científica, criando uma escola de modelos nus, instituindo concursos e promovendo viagens de instrução artística. Com a morte do Papa Gregório XIII voltaram os momentos difíceis, sanados com o Papa Sisto V. Com a Academia, o espírito característico de sua atividade inconfundível ganha autonomia no decorrer da unidade da Itália, quando a instituição passa para a supervisão do Estado (1873). O evento da Reforma trouxe o embate entre os artistas ligados à tradicional Accademia di San Luca, que continuaria a cultuar a valorização da obra de arte, cuja tradição, por séculos se pensou que, fazer arte, fosse a capacidade de se fazer representar a realidade utilizando regras canônicas. Fonte compulsada: Biblioteca dell`Accademia di Belle Arti di Roma

331ª Exposição Brasileira de Belas Artes no Liceu de Artes e Ofícios. Fonte compulsada: Acervo CEDOC / Pinacoteca de São Paulo. 34 TARASANTCHI, Ruth Sprung. Pintores Paisagistas. São Paulo 1890 a 1920. São Paulo: Edusp, 2016. p. 43,44. 35Esposizione Internazionale di Torino. http://www.museotorino.it/view/s/60d7821856bd4c40b6418870f9f07a0d 23

E, finalmente o expositor arquiteto36 e cenógrafo, natural de Carpi, Província de Modena - Itália, Claudio Rossi – pai de Paulo Claudio Rossi Osir – que passara longas temporadas em São Paulo. Durante sua visita em 1871 na capital paulista, Rossi conheceu o conselheiro Antônio Prado, com quem conviveu mais de 30 anos, conforme esclareceu o professor Carlos Lemos em seu livro Ramos de Azevedo e seu escritório. O fortalecimento dos laços de amizade entre eles crescia na mesma proporção em que o respeito profissional estreitava o convívio, considerando a reforma das residências da Rua de São Bento, a construção do Palacete Elias Chaves e os desenhos que o arquiteto italiano teria apresentado ao conselheiro Antônio Prado de teatros feitos na Itália, como base para o projeto do Teatro Municipal, que resultou na parceria com Ramos de Azevedo, encarregado de construir o projeto, com planta do arquiteto italiano Domiziano Rossi.

Afinal, em 26 de junho de 1903, “tiveram início os trabalhos de fundação do teatro, executando-se, durante o ano, outras obras, como vereis do relatório e mapas anexos apresentados à Prefeitura pelo engenheiro diretor da construção, dr. Ramos de Azevedo”, como afirma o prefeito Antônio Prado em sua exposição à Câmara. Nesse mesmo texto, refere-se aos “arquitetos D. Francisco de Paula Ramos de Azevedo, Domiziano Rossi e Claudio Rossi, cuja competência profissional, bastante conhecida em São Paulo, oferecia, como então vos disse, suficiente garantia para a aprovação do projeto por eles organizado” (...)37

A naturalidade com que o construtor Ramos de Azevedo, ao término da obra do Teatro Municipal em 1911, assumiu para si as glórias do espaço cultural mandando executar uma placa de bronze com o seu nome, despertaria a indignação dos arquitetos parceiros, cujos nomes foram, por fim, gravados, de modo não muito claro, na nova placa de arenito amarelo de Ipanema, como pode ser vista no saguão do Teatro Municipal com os seguintes dizeres:

THEATRUM HOC AD SPECTACULA CIVIBUS DIGNE EXIBENDA ANTONIUS DA SILVA PRADO

36 Sabe-se que o curso de Arquitetura foi desligado da Accademia di Belli Arti apenas entre os anos de 1927 e 1936. Até então, a arquitetura fazia parte do curriculum de cursos de especialização das Belas Artes. 37CERQUEIRA LEMOS, Carlos Alberto. Ramos de Azevedo e seu escritório. Câmara Brasileira do Livro. Fonte: Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. São Paulo, 1993, p. 70. 24

PAULOPOLITANAE URBIS PRAEFECTUS ERIGI IUSSIT FRANCISCUS DE PAULA RAMOS DE AZEVEDO CLAUDIUS DOMITTIANUSQUE ROSSIUS ARCHITECTORES PERITISSIMI A FUNDAMENTIS PERFECERUNT A. D. MCMXI38

A 1ª Exposição Geral de Belas Artes aconteceu com o apoio de Ramos de Azevedo, que cedeu o inacabado Palácio das Indústrias para o evento comemorativo dos festejos do Centenário da Independência do Brasil. Inaugurada com a presença do Presidente do Estado, a exposição contou com o pronunciamento de Menotti Del Picchia para o discurso de abertura com um cumprimento aos moços que tomaram a bela iniciativa artística. A inauguração se deu no dia 07 de setembro de 1922.

Figura 2 - Grupo de pintores da 1ª Exposição Geral de Belas Artes no Palácio das Indústrias. Setembro de 1922

Fonte: Catálogo Angelo Simeone. MASP, julho de 1973. Pasta Angelo Simeone. Biblioteca Walter Wey. Pinacoteca de São Paulo. Foto da autora

1 Desconhecido; 2 Bernardino de Sousa Pereira; 3 Athaide Gonçalves; 4 José Cordeiro 5 Enrico Manzo; 6 Humberto Cozzo; 7 Cirillo Agostini; 8 Vicente Larocca; 9 Romulo Lombardi; 10 Pavan; 11 J Prado; 12 Paulo Rossi Osir;13 Waldemar Belisario;14 Giuseppe Perissinoto; 15 Orlando Tarquínio e 16 Ângelo Simeone.

A direção da1ª Exposição Geral de Belas Artes foi constituída pelos artistas Vicente Larocca, professor da Escola de Belas Artes, na função de diretor presidente; Henrique Manzo, pintor, vice-presidente; J. Gonçalves, secretário e como tesoureiro,

38IbIdem, p. 70. 25

Pedro Corona, professor no curso de arquitetura do Mackenzie, segundo depoimento concedido à autora (16.05.2018) de um de seus brilhantes alunos, o artista plástico, arquiteto, historiador, professor da FAU-USP, Carlos Lemos. Entre os expositores da mostra inaugurada no dia 7 de setembro de 1922 estavam Anita Malfatti na trilha da pintura paulista e Tarsila do Amaral, recém--chegada de uma temporada de estudos na Académie Julien, em Paris, Ângelo Simione, Giuseppe Perissinotto, Paulo Claudio Rossi Osir, Enrico Manzo, Vicente Larocca; o professor do Liceu de Artes e Ofícios, Enrico Vio, pintor escolhido para retratar a família de Tarsila do Amaral. Entre os alunos de Vio expuseram no Palácio das Indústrias, Ernani Dias e Carlos Gomes de Oliveira. Outro professor de destaque do Liceu e Artes e Ofícios de São Paulo presente na mostra foi Pedro Alexandrino, aluno de Almeida Júnior e da Academia Imperial de Belas Artes, reafirmando as conexões no eixo São Paulo – Rio de Janeiro com estudos em Paris. O “esforço dos novos”, como exaltou Del Picchia em seu discurso, havia superado as dificuldades do grupo para organizar o evento, que sem ajuda financeira, tomou para si a incumbência de pintar a sala da mostra e apanhar os quadros de casa em casa para serem transportados numa carroça até o Palácio das Indústrias, localizado no Parque D. Pedro II. A exposição contou com as obras dos pintores Adolpho Fonzari, Albertina Jardim, Américo Giusti, Figura 3 - Grupo de pintores 1ª Exposição Geral de Belas Artes. Angelo Simione, Anita Setembro de 1922 Malfatti, Benedito Tobias, Bernardino de Souza Pereira, Berthe Worms, Bruno Françoso, Carlos Gomes de Oliveira, César Colasuono, Waldemar Belisario, Enrico Manzo, Enrico Vio, Cirilo Agostini, Del Nero, Ernani Dias, Fonte: O Estado de São Paulo. 20 de março de 2001. Scanner da imagem de OESP Ernesto Quissak,

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Gastão Worms, Gentil Garcez, J. Gonçalves, Guido Vergani, José Wasth Rodrigues, José Cordeiro, Geraneo Lorini, Helena Pereira da Silva, José Barquita, Leoncio Neri, Maria de Lourdes F. Dos Santos, Marina Moraes Burchard, José Monteiro França, Natale Parisi, J. Prado, Paulo do Valle Júnior, Paulo Rossi Osir, Pedro Corona, João Tonissi, Vicentina Taurisano, Vicente Corcione, Umberto Vigianni, Orlando DuilioTarquini, Taymatus Sati, Enrico Tavolai, W.Toledo Piza, Romulo Lombardi, Sara G. Franconi, Silvia Neves, Tarsila do Amaral, José Perissinoto, Pedro Strina, Pervineab Gianesi, Pedro Alexandrino, Oscar Pereira da Silva, Jorge Ziata. E dos Escultores, Antonio Brunelli, Umberto Cozzo, Figuera Filho, J. Lopes, Herman Levy, José Cucé, João B. Ferri, Rigoletto Mattei, Sante Pavam, Umberto Del Debio, Vicente Larocca. Foram também incluídos estudos de arquitetura de Américo Giglio, José di Grado e Silva Neves. Na 1ª Exposição Geral de Belas Artes, a presença de Monteiro Lobato foi de significativa importância no apoio da luta dos artistas para um mercado de arte local que, desde 1917, se reuniam no Café Paulista da Praça Antônio Prado, local onde debatiam as primeiras ideias dos pintores Enrico Manzo, Pedro Corona e do escultor Vicente Larocca. Para consolidar as ideias de expandir o mercado de arte em São Paulo, geraram a Sociedade de Belas Artes que, em 1925, daria origem à Academia de Belas Artes, criada por Gomes Cardim. 0s integrantes do grupo assim permaneceram até 1922, quando mudaram o ponto de encontro para uma sala emprestada no sótão de um edifício na esquina da Praça da Sé com a Rua Barão de Paranapiacaba, onde funcionava a Sociedade de Sapateiros.39 Empenhados na luta por um espaço onde pudessem expor as obras para o mercado paulista, o grupo cresceu com o escultor José Cucce, Bernardino de Souza Pereira, Gastão Worms, João Del Nero, José Cordeiro, José Wasth Rodrigues, Paulo Gonçalves, Correia Junior e Clemenes Campos. Paralelamente exerciam atividades como artistas-artesãos no Liceu de Artes e Ofícios e ensinavam desenho e pintura em pequenos ateliês que começavam a se formar na cidade. Como exemplo, a escola de Giuseppe Perissinoto no Brás tornou-se representativo núcleo da arte italiana por meio da reprodução técnicas de pintura e desenho. A escola da francesa Anna Clément Berthe Abraham Worms (1868–1937) de Uckange, casada com o cirurgião-

39Cf. MARCONDES, Ana Maria B. de Faria. Travessia periférica: a trajetória do pintor Waldemar Belisario. São Paulo: IMESP, 2014, p. 41. 27 dentista brasileiro Fernando Samuel Worms, mantinha um curso de desenho e pintura na Rua da Glória, em São Paulo, onde vivia com sua família. Entre seus alunos destacou-se Gastão Worms, filho da artista. No eixo São Paulo–Rio de Janeiro, a maioria dos artistas brasileiros já havia participado das Exposições Gerais no Rio de Janeiro visando à consagração do tão almejado Prêmio de Viagem ao vencedor da medalha de ouro. Anne Berthe foi uma das artistas vencedoras. Sua primeira medalha de ouro foi na 2ª Exposição Geral de Belas Artes, e depois, em 1910, outra medalha de ouro com a tela Invocação. As Exposições Gerais no Palácio da Escola Nacional de Belas-Artes representavam para o artista paulista dificuldades de ordem mercadológica, tanto pela venda de quadros com temáticas de paisagens e marinhas paulistas, que atraía apenas os colecionadores regionais, como pela distância percorrida no eixo São Paulo–Rio por envolver gastos de transporte e hospedagem. Estabelecido o conflito entre o reconhecimento artístico a o inadequado mercado carioca, a proposta daquele grupo era substituir “os salons do Rio de Janeiro”, onde os artistas brasileiros orbitavam na esperança de serem reconhecidos na capital da arte. Assim, os artistas paulistas ousaram criar um salão de artes em São Paulo, onde pudessem expor suas produções artísticas para o mercado local.

Essa 1ª Exposição Geral de Belas Artes, que passou para a história como 1ºSalão da Sociedade Paulista de Belas Artes,40 contou com apoio do prof. Alexandre de Albuquerque que desejava criar, em São Paulo, um espaço destinado à mostra de pinturas, esculturas, desenhos, projetos de arquitetura e gravura de água-forte, sustentando as ideias do grupo que organizou o primeiro salão durante as Comemorações do Centenário da Independência do Brasil do Estado de São Paulo.

O articulista do Jornal Fanfulla41,ao comentar a 1ª Exposição Geral de Belas Artes, lastimou o difícil acesso aos visitantes. Afirmou ter sido uma mostra que merecia o apoio da sociedade pelo fato de reunir valoroso conjunto de obras com a presença de mestres da categoria de Pedro Alexandrino, Oscar Pereira da Silva, Henrique Vio, este último apresentado como “sonhador veneziano com recente exposição na Rua Direita”, e, Paulo Rossi Osir, como “Il pittore dalle trasparenze del tuono”.

40 Cf. AMARAL, Aracy.Tarsila. Sua obra e seu tempo. EDUSP. São Paulo: Editora 34, 3ª edição, 2003, p. 78. 41Jornal Fanfulla,“Arte ed Artisti”, Arquivo do Instituto de Cultura Ítalo-brasileiro ICIB, 07-09-1922, p 11. 28

Entre os 67 expositores havia 11 mulheres, confirmando a presença de notáveis pintoras nas artes da Família Artística Paulista. Assim, em meio a diferentes bagagens estrangeiras e técnicas mescladas à expressão pictórica da paisagem local, foram inseridos variados experimentos artesanais de criação artística adaptada a novas demandas econômicas e acontecimentos políticos. Esses experimentos serão examinados no capítulo 3, pelo viés de culturas transversais que se fizeram reconhecer pelas benesses provenientes do crescente setor profissional da cidade de São Paulo, relacionado ao Liceu de Artes e Ofícios, decorrente dessa linha contínua de horizontalização que fora repudiada pelo olhar dos que abraçaram o movimento de ruptura, como proposta cultural para a cidade que crescia desordenadamente.

Na linha vertical, a ideia de ruptura antecede a Semana de Arte Moderna com a exposição de Lasar Segall, quando aqui aportou o jovem pintor lituano. Recém- chegado na casa dos Klabin com algumas telas, Segall trouxe consigo o expressionismo alemão representado pelo drama humano na figura do imigrante fragilizado pelo afastamento de sua terra e pela incerteza diante dos desafios das novas regiões, às quais exaltava o caráter transitório do existir. Lasar Segall expôs no interior e na capital paulista apadrinhado pelo Senador Freitas Valle, um mecenas das artes, e por Nestor Rangel Pestana, respeitado crítico do jornal O Estado de São Paulo. Instalada em São Paulo e Campinas, a exposição diluiu-se entre outras mostras que a cidade acolhia, sem repulsa ou admiração. No mesmo ano de 1913, Anita Malfatti se aproximava da mesma tendência expressionista, quando viajou para a Alemanha para complementar os estudos em artes na Academia Imperial de Belas Artes de Berlim com o alemão Fritz Burger. A vivência com as vanguardas europeias, sobretudo com o Expressionismo, e, depois, durante a I Grande Guerra Mundial, na América do Norte, entre os modernos nova--iorquinos facultaria à aluna Anita o conhecimento de técnicas de produção artística que lhe dariam o reconhecimento de primeira artista brasileira a debutar na arte moderna. Em Berlim, visitou a exposição de Lovis Corinth. Surpreendida com a mostra apresentada pelo conhecido professor de todas as cores, de quem se tornou aluna na Academia Lewin Funcke, Malfatti deixou-se arrebatar pelo “segredo da composição 29 da cor”. Corinth, conhecido como genioso e impaciente professor com quase todos os alunos, parecia reconhecer o empenho de Anita para enfrentar suas limitações físicas, com o braço direito atrofiado por problemas de nascença, que a impedia de segurar corretamente a paleta e pincelar com a esquerda42. Um terceiro mestre, Ernst Biscoff Culm (Culm – cidade natal de Biscoff) completa sua formação com técnicas de pintura, distintamente dos mestres Fritz Burger e Lovis Corinth que incentivam a inspiração por acreditarem que a técnica seria capaz de destruí-la. Seus estudos na Alemanha lhe renderam a percepção dos objetos e sua relação com a luz. “Os objetos se acusam só quando saem da sombra, quando envolvidos na luz. Como tudo é resultado da luz que os acusa, tudo participa de todas as cores”. Foi então, disse Malfatti, que “comecei a ver tudo acusado por todas as cores” para em seguida concluir que “nada nesse mundo é incolor ou sem luz”.43 O salto perceptivo de Anita Malfatti não romperia os paradigmas da crítica que, um ano antes, havia apoiado a mostra de Lasar Segall. O mesmo grupo mostrava-se desgostoso frente à Exposição de Estudos de Pintura - Anita Malfatti, individual de 1914, na Casa Mappin Stores. Aproveitando o mote Estudos de Pintura, a crítica paulistana entendeu tratar-se de estudos de aparência inacabada e consequente ausência de técnica. Assim tratou o artigo não assinado do jornal O Estado de São Paulo:

É incontestável que a senhorita Malfatti possui um belo talento. Os seus estudos têm uma espontaneidade [...] o seu senso de colorido é rico e equilibrado, e os seus meios de expressão, limitados ainda por uma técnica incipiente, embora notável para o seu tempo de estudo, são já poderosos pela emoção que conseguem despertar [...]44.

No mesmo dia 29 de maio, o conceituado crítico Nestor Rangel Pestana publicou também no jornal O Estado de São Paulo em tom moderado e esperançoso:

Para os que acompanham o movimento artístico europeu, não seria preciso dizer que os seus estudos foram feitos na Alemanha. Todos esses trabalhos denotam flagrantemente a influência da moderna

42BATISTA, Marta Rossetti. Anita Malfatti no tempo e no espaço. Biografia e estudo da obra. Edusp. São Paulo: Editora 34, 2006, p. 64. 43 As referências biográficas sobre Anita Malfatti têm como base de dados a obra citada de Marta Rossetti Batista, que trata da biografia da artista. 44O Estado de São Paulo, São Paulo, 29 de maio de 1914. Apud Marta Rossetti, op. cit. p. 96 30

escola alemã que levou às últimas consequências o impressionismo em pintura.45

Em História do Movimento Modernista46, Mário da Silva Brito dedica um capítulo para “A querela Segall e Anita”, e analisa a posição de alguns críticos favoráveis a Segall, segundo o eixo temporal. A referência do marco 1913, como data demarcatória, defendia a precedência de Segall na eclosão do movimento modernista paulista, pelo fato de preceder as mostras de Malfatti de 1914 e de 1917. Silva Brito, sem demonstrar adesão à ordem cronológica, toma a reflexão de Mário de Andrade em “Fazer História”47 para contrapor o fato cronológico. Com Andrade não é priorizada a linha do tempo, e sim o despertar para novos modos de expressão vanguardistas, capaz de tirar da zona de conforto os companheiros da mesma geração, como aconteceu naquele emblemático 1917 com a Exposição de Pintura Moderna – Anita Malfatti. Em 1917, quando a Exposição de Pintura Moderna - Anita Malfatti surpreendeu e encantou alguns, horrorizando outros, o “clima” na Europa continuava obnubilado pela guerra e pela revolução bolchevique, que já havia destituído o Czar Nicolau II em fevereiro e, em outubro, formado um governo provisório liderado por Lênin. Enquanto isso em São Paulo, greves e passeatas aconteciam inspiradas por um núcleo anarquista dotado de propostas mais revolucionárias concentradas em reivindicações de melhoria de vida para os operários. Assim,

O operariado erguia-se sobre os próprios pés, descobria-se com uma força política que não conhecia nem sabia ter. O empresariado descobriu que não estava só, que sua existência era mediada pela existência de seu contrário, o operariado de suas fábricas, e que esse operariado podia não só paralisar as fábricas, mas podia, também, paralisar a cidade e a sociedade moderna48.

Somada à greve geral de junho e julho de 1917, que se iniciou em São Paulo, houve uma onda de outras greves por todo o Brasil. A muito custo algumas das

45 Texto atribuído ao crítico Nestor Rangel Pestana. O Estado de São Paulo, apud Marta Rossetti, Ibidem, p. 95. 46BRITO, Mario da Silva. História do movimento modernista brasileiro. Antecedentes da Semana de Arte Moderna. São Paulo: Edição Saraiva, 1958. p. 59. 47ANDRADE, Mário. “Fazer História”. Fundo Mário de Andrade. Instituto de Estudos Brasileiros Universidade São Paulo. 48SOUZA MARTINS, José de. São Paulo no século XX: primeira metade. Coleção História Geral do Estado de São Paulo. Poesis. São Paulo: Imprensa Oficial, 2011, p. 80. 31 reivindicações dos grevistas foram atendidas depois de dura repressão com prisões, custosas vidas humanas, e expulsão de operários estrangeiros. É nesse ambiente que Anita Malfatti49 reúne o conjunto de telas do período em que estudou em Nova York no Art Students League; depois em Mohegan com Homer Boss, para quem “a Arte era pura filosofia da vida”50. Motivada para a criação individual, Anita Malfatti e seus colegas conheceram o aprendizado livre, capaz de transpor os limites que atrofiavam a criação. Malfatti transpunha a cor do céu, para descobrir a cor diferente da terra, desdobrando planos com formas e cores novas, nas pessoas e nas paisagens. Esses estudos fizeram-na aprender que ao transpor uma forma é preciso transpor igualmente a cor. Assim, a percepção da natureza em sua plena luminosidade, ventania, sol, chuvarada, neblina, vão para telas e mais telas juntamente com a tormenta, o farol, casinhas de pescadores escorregando pelos morros, rochedos, grutas, sol, lua, mar e paisagens circulares. Uma verdadeira revolução de conceitos que irão acentuar a sua poética singular. A rica experiência em Nova York seguiu na contramão do clima paulista para onde aportara seus quadros com imagens de refugiados de guerra, como “O Homem Amarelo”, cujo teor emotivo sensibilizou Mário de Andrade, pela autêntica expressão da arte de vanguarda, ao contrário do incômodo causado à maioria dos visitantes da Exposição de Pintura Moderna de 1917, na sala cedida pelo Conde Lara da Rua Líbero Badaró, n. 111. Alguns poucos artistas visitavam diariamente a Exposição de Pintura Moderna. Impactado, Mário de Andrade digeria suas emoções, conforme ele mesmo revela na conferência “O Movimento Modernista” (1942).

Parece absurdo, mas aqueles quadros foram a revelação. E ilhados na enchente de escândalo que tomara conta da cidade, nós, três ou quatro, delirávamos de êxtase diante de quadros que se chamavam o “Homem Amarelo”, a “Estudante Russa”, a “Mulher de Cabelos Verdes” ... E a esse mesmo “Homem Amarelo” de formas tão inéditas então, eu dedicava um soneto de forma parnasianíssima...Éramos assim.51

49 Os dados biográficos de Anita Malfatti têm por referência a obra de Marta Rossetti Batista. Anita Malfatti no tempo e no espaço. Biografia e estudo da obra. Edusp. São Paulo: Editora 34, 2006. 50BATISTA, Marta Rossetti. Op. cit., p. 115.

51ANDRADE, Mario. O Movimento Modernista. Aspectos da Literatura. 6ª ed. São Paulo: Editora Itatiaia, 2002, p. 254,255. 32

O Homem Amarelo, imagem do imigrante surpreendido em seu desejo imenso de, em algum momento, escapar daquela moldura que o enquadrava, diariamente foi visitado por Mário de Andrade, até o encerramento da exposição, quando entregou à Anita o soneto parnasiano. No início do mesmo ano de 1917, o lado poético da cidade é traçado por um poema parnasiano de um professor de música, recém-formado pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, Mário de Andrade. Esse poema, ele dedica ao Homem Amarelo, o quadro que tanto o enfeitiçara. Por outro lado, o mesmo Mário de Andrade redige então um discurso em homenagem ao Secretário da Justiça Elói Chaves - em campanha pela participação do Brasil na I Grande Guerra Mundial - animado por entusiasmos nacionalistas. Em sinal de agradecimento à presença do político, Andrade expressou de maneira entusiasmada o espírito que o país vivia pelo recente afundamento de navios brasileiros pelos alemães. O discurso agradou tanto Oswald de Andrade, que no dia seguinte o Jornal do Comércio, para o qual trabalhava, estampava o pensamento de Mário de Morais Andrade. Esse fato marcou o início histórico da amizade entre os Andrade. Oswald de Andrade já havia captado o “novo comportamento dinâmico e renovador”52 europeu, devidamente ajustado à bagagem trazida para São Paulo por ocasião de seu retorno da Europa, em 1913. Portanto, quando conheceu Mário de Andrade em 1917, logo reconheceu o companheiro das sementeiras revolucionárias, que levaria cinco anos até eclodir na Semana de Arte Moderna. Na bagagem vinda da Europa, Oswald de Andrade trazia a mesma atitude incitada pelo Manifesto de Filippo Tommaso Marinetti publicado em fevereiro de 1909, no Jornal Le Figaro em Paris.

La letteratura esaltò fino ad oggi l´immobilità pensosa, l´estasi e Il sonno. Noi vogliamo esaltare il movimento aggressivo, l´insonnia febrile, il passo di corsa, il salto mortale, lo schiaffo ed Il pugno.53

52FABRIS, Annatereza.O futurismo paulista: hipóteses para o estudo da chegada da vanguarda ao Brasil. Editora Perspectiva: São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995, p. 100. 53MARINETTI, Filippo Tommaso. “Il manifesto del futurismo”. Manifeste du futurisme – pubblié par Le Figaro, le 20 Fébrier 1909. Biblioteca Braidense. Accademia di Brera. Milano. Trad. Livre: A literatura exaltou até agora a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono. Nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o andar rápido, o salto mortal, o tapa e o soco. Versão francesa: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/1e/Manifestofuturismo.jpg 33

Era o despertar temático e libertário para uma Semana Futurista em São Paulo que foi se amoldando até ser formatada na versão paulista como Semana de Arte Moderna, cujo tratamento será explorado no item deste capítulo “A Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal”. Retomo, portanto, ao ano da “Exposição de Arte Moderna - Anita Malfatti” para fazer referência à sinalização da polêmica causada por tanta estranheza. Uma das causas deve-se ao fato de a mostra ter apresentado além das 53 obras da artista, algumas telas de Floyd O´Neale, Sara Friedman e Baylison, que daria o tom não nacional à Exposição de Pintura Moderna, considerando que

Anita Malfatti colocou, além de seus 53 trabalhos, alguns outros, de colegas norte-americanos, uma espécie de aviso ao público brasileiro: “não sou a única que pinta de maneira desconhecida para vocês; lá fora, esta é a arte nova, atual, aceita e praticada por muitos”. Incluíam dois ou três desenhos a carvão de Floyd O´Neale e Sara Friedman e, talvez, mais de um trabalho de A.S. Baylinson – entre eles, provavelmente o óleo Nu cubista.54

A ausência de conhecimento sobre arte moderna desautorizava comentários críticos até a chegada de Monteiro Lobato. Como era de conhecimento da comunidade, Lobato defendia a arte brasileira a partir de temas nacionais, como já publicara em “O Estadinho”, da edição vespertina do jornal O Estado de São Paulo, no dia 20 de dezembro de 1917, declarando ser necessário extirpar o mal representado pela arte moderna55. No entendimento do articulista, a arte era a expressão da natureza transposta para a tela, e tudo o que fosse contrário à natureza não merecia crédito. Assim pensava Lobato. Assim pensava a maioria dos habitantes da cidade de São Paulo, onde Anita Malfatti fazia a sua exposição de Arte Moderna. As obras expostas na mostra de Malfatti foram, em sua maioria, realizadas durante a I Guerra Mundial, numa zona geográfica apartada do conflito, cuja proximidade com a guerra se deu pelo viés dos imigrantes e artistas que haviam se deslocado da Europa para a América do Norte, quase todos concentrados em Nova York. Essa vivência despertaria em Anita Malfatti a expressão dos retratos resultantes

54BATISTA, Marta Rossetti. Op.cit .p. 195. 55A verve inovadora de Monteiro Lobato como editor e escritor faria com que ele em 1920 fundasse a Editora Monteiro Lobato e Cia., “que se pôs ativamente a desenvolver o gosto pela leitura entre o público e a sistematizar a publicação e a distribuição de livros entre os brasileiros. Em três anos sua casa editou, entre muitos outros, nomes tais como Oswald de Andrade, Ribeiro Couto, Lima Barreto, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Oliveira Viana, Amadeu Amaral e Alphonsus Guimarães.” Conforme relata Richard M. Morse em: De comunidade a metrópole. Op. cit, p. 273. 34 da transitoriedade do homem deslocado de seu país, como O Homem Amarelo, A Estudante Russa, O Japonês. De volta ao Brasil, Anita se insere no universo local. Prova encontrada nas telas pintadas em 1916 com temáticas essencialmente brasileiras, parecia querer redefinir a realidade interior da obra, a fim de entrar “no clima” nacionalista comprometido com as suas raízes. Assim nasceram as telas A Palmeira, Rancho de Sapé, Capanga, O Saci, Caboclinha, Tropical, Paisagem de Santo Amaro. Sobre o assunto de ordem temática e pictórica manifestou-se Tadeu Chiarelli, afirmando que a artista se encontrava afinada ao movimento de “retorno à ordem” que havia emergido naqueles anos de guerra e que trazia em seu interior a necessidade de recuperação da cultura visual de cada país onde prosperou, [...]. Se até então sua produção se caracterizava não apenas pela expressividade, mas sobretudo por um perfeito entendimento da autonomia da pintura em relação ao assunto retratado, de volta ao Brasil nota-se que passa a dar destaque ao tema de suas pinturas, um destaque aliado a um tratamento menos intenso e mais convencional do plano pictórico.56

Anita Malfatti busca se aproximar do grupo de pintores brasileiros, atitude que irritou Monteiro Lobato pelo fato de a artista “querer mostrar-se integrada em grupos existentes, na pesquisa de uma arte de seu tempo”.57 No dia 1º de janeiro de 1917, portanto11 meses antes do artigo ”A Propósito da Exposição de Anita Malfatti”, e dois anos antes de sua republicação com o nome de “Paranoia ou Mistificação”, Monteiro Lobato havia publicado os artigos “A Grande Oficina-Escola” e a “A Criação do Estilo” no mesmo jornal, O Estado de São Paulo.58 O cunho nacionalista presente na interpretação lobatiana em “A Grande Oficina--Escola” e “A Criação do Estilo” constituem a prova da visão de Lobato sobre a arte contrária às experiências estrangeiras existentes no próprio Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Sem poupar o Liceu, Lobato criticou e lutou para travestir o gosto do estrangeiro em nacional, criticando o reduto da seção de modelagem da escola, representada por figuras de fauno, ninfas, bacantes, etc., que, certamente, poderiam servir de impedimento, ou de estímulo para o imaginário paulista transitar fora das correntes nacionalistas.

56 CHIARELLI, Tadeu.Um jeca nos vernissages: Monteiro Lobato e o desejo de uma arte nacional no Brasil, São Paulo: EDUSP,1995, p. 21-22. 57BATISTA, Marta Rossetti. Anita Malfatti no seu tempo e no espaço. op. cit. p. 209. 58LOBATO, Monteiro.O Estado de São Paulo, “A Grande Oficina-Escola”. Monteiro Lobato. 01 de janeiro de 1917. Apud Documento e Atas XXXVI, Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. 35

Na contramão das imagens greco-romanas fabricadas no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, Lobato defendia uma produção artística construída com referências brasileiras. Afora essa crítica, o articulista de “A Grande Oficina-Escola” descrevia o Liceu de Artes e Ofícios como uma verdadeira escola de arte em São Paulo. Com admiração, ele apresentava as artes do Liceu, como “a menina dos olhos” que inseria em seu programa, modesto, o verdadeiro curso de Belas Artes que São Paulo possui. Em “A Criação do Estilo” publicada no Jornal O Estado de São Paulo,59 Monteiro Lobato declinou o conteúdo estético de uma cidade forjada por artistas sem nome, que desenhavam o espaço urbano com detalhes em madeira, ferro, gesso de ornamentos de edifícios, mansões e palacetes. Então, questionou: como seriam esses obreiros se lhes fosse dada a oportunidade de criar um estilo? Um gosto? Sem o gosto pessoal e a coragem de criar não se tem estilo próprio. Estilo, afirma Lobato, é feição peculiar das coisas, um modo de ser inconfundível, uma fisionomia, uma cara. Não ter cara, observou Lobato, “é um mal tamanho que as cidades receosas de criá-la importam máscaras alheias para fingir que têm uma”. O artigo confirma ser o modelo estrangeiro o alvo da crítica lobateana, visando salvaguardar o imaginário brasileiro. A fim de tornar evidente seu objeto de crítica, Lobato não encontra um único elemento capaz de identificar a feição brasileira. Para isso, descreve diferentes linhas de enfeites, marcas, mobiliários, sem encontrar nem mesmo um trinco de porta capaz de denunciar a tradição e individualidade tão presente em povos eleitos como modelo. Os dois artigos de Lobato preservam o teor de guardião da arte brasileira, validando o agravo às fronteiras vanguardistas e não à pessoa de Anita Malfatti, que já buscava inserir-se no fazer artístico da cidade paulista, retomando, corajosamente, a relação do espaço e os acontecimentos do passado para revisitar, como nos diz Tadeu Chiarelli, o circuito de recordações impregnadas em cada significante da cidade, analisada por Tadeu Chiarelli como importante retorno à ordem.

Com exceção da fase introdutória da obra de Anita Malfatti (que na verdade faz eclodir, mas antecede o modernismo), a pintura modernista brasileira propriamente dita caracterizou-se em substância

59LOBATO, M. “A Criação do Estilo”, op. cit. 36

pela necessidade de continuar captando a realidade física e social do Brasil com índices precisos e exteriores de sua origem.60

A ambientação artística e as considerações históricas sobre a cidade de São Paulo, no período do governo Washington Luís, correspondente aos preparativos para os festejos do Centenário da Independência incluíram a reforma proposta para o Largo da Memória, projeto de Victor Dubugras (1868-1933). Reconhecido arquiteto pela marca neocolonial que ganharia espaço na arquitetura paulista, juntamente com José Watsh Rodrigues (1891-1957), que também havia participado da 1ª Exposição Geral de Belas Artes, foi reconhecido como pesquisador da arquitetura e da indumentária do Brasil colonial. A digressão faz-se necessária para explicar o conhecido marco histórico de 1814, que teve seu espaço revitalizado mantendo a referência do passado. Inspirado na azulejaria lusitana, Watsh Rodrigues foi o primeiro paulista a se valer da arte em azulejo, seguido por Paulo Claudio Rossi Osir, na decoração da Capela do Campus Monte Alegre da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e na Osirarte com os painéis realizados para o Ministério de Capanema no Rio de Janeiro e a Pampulha em Belo Horizonte. Antes, porém, de explorar a azulejaria brasileira, pela relevância no contexto da Família Artística Paulista nas décadas de 1930/40, conforme será analisado no capítulo 3. Continuo com os feitos de Victor Dubugras em São Paulo, pela importância do estilo neocolonial para a história paulista. Tendo aportado no Brasil em 1891, após ter vivido em Buenos Aires, onde trabalhou nos escritórios do italiano Francesco Tamburini, arquiteto projetista do Teatro Collón, o francês Victor Dubugras marcaria com distinção a arquitetura brasileira. Radicado em São Paulo, trabalhou para instituições públicas até abrir o seu próprio escritório. Não existe um consenso a respeito de Dubugras ter sido um autodidata ou ter-se diplomado em Buenos Aires, fato que não o impediu de lecionar na Escola Politécnica como professor na disciplina de desenho sobre trabalhos gráficos. Noto que pesquisadores portenhos não encontraram documentos que pudessem comprovar a passagem de Dubugras em cursos de Arquitetura na capital

60 CHIARELLI, Tadeu. A Arte Internacional Brasileira. 2ª edição São Paulo: Lemos Editorial, , 2002. p. 46. 37

Argentina.61 Dubugras recebeu prêmios pelas obras expostas nas Exposições Gerais de Belas Artes da Escola Nacional de Belas Artes62. Em 1901, na seção de Arquitetura, ele apresentou o projeto da Matriz de Ribeirão Preto, inscrito com o número 235, com o qual recebeu a Medalha de Prata; em 1916 foi premiado com a Pequena Medalha de Ouro, e, em 1918, com a Grande Medalha de Ouro. Na época, Victor Dubugras residia na Rua São Bento, 59, tendo inscrito para a Exposição Geral de Belas Artes as obras 207-Rancho da Maioridade; 208-Paranapiacaba; 209-Perspectivas dos edifícios; 210-Fotografias de plantas de edifícios; 212- Painel de azulejos do Largo da Memória. Em 1923, expôs o conjunto de suas obras, com especial destaque para Caminho do Mar e para as fotos de Paranapiacaba. Em 1925, inscrito com o número 486, o reconhecido arquiteto francês apresentou a planta e a maquete em gesso projetada para residência de Arnaldo Guinle em Teresópolis63. Em 1927, recebeu a medalha de prata no Congresso Pan-Americano de Arquitetos em Buenos Aires. A participação de Victor Dubugras para o desenvolvimento das cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro foi além do exercício da arquitetura, considerando ter sido membro da Sociedade dos Arquitetos e do Instituto de Engenharia, e colaborador do engenheiro Saturnino de Brito (1864 - 1929) nos projetos do Sanatório Popular e das Habitações Proletárias Salubres e Econômicas, em Santos. Inspirado nos estudos da estética colonial, Dubugras corresponderia aos anseios de Washington Luíz, então governador do Estado de São Paulo, realizando o complexo monumental para a Calçada de Lorena, assim chamada para lembrar as melhorias do antigo caminho da Serra do Mar intermediadas por Bernardo José de Lorena, Conde de Sarzedas, e realizadas pelo engenheiro militar João da Costa Ferreira, responsável pelo calçamento da estrada. As obras de Victor Dubugras na serra de acesso à Santos foram deliberadas para as comemorações do Centenário da Independência do Brasil, transformando o Caminho do Mar em ponto turístico de excelência técnica construtiva, pelo uso do granito de grossa granulação, marca

61 Victor Dubugras, [mensagem pessoal à autora] de Paola Melgarejo, magister en Historia del Arte. Area de Invetigación do Museo Nacional de Bellas Artes. Buenos Aires, 8 de outubro de 2016. 62 As premiações de Victor Dubugras foram compulsadas nos Catálogos das Exposições Gerais de Belas Artes, na Biblioteca Mediateca Araújo Porto Alegre, no Museu de Belas Artes / BRAM/MINC, Avenida Rio Branco, 199, Rio de Janeiro. 63 Constam no catálogo dois endereços residenciais na ficha de Victor Dubugras: Rua Eugenio de Lima, 17, em São Paulo, e, na Rua Dr. Arnaldo Guinle, em Teresópolis, RJ.

38 singular da arquitetura neocolonial de Dubugras, na sequência da descida da serra o Cruzeiro Quinhentista, Pontilhão da Serra, Belvedere Circular, Padrão do Lorena, Rancho da Maioridade e pouso de Paranapiacada. No mesmo período, a reforma da Ladeira da Memória deu mostras do uso do azulejo com José Wasth Rodrigues, assíduo colaborador de Victor Dubugras e estudioso da arte tradicional brasileira. Os azulejos são verdadeiras aulas de história. Além dessas obras públicas de grande porte, Victor Dubugras deixou sua marca em residências e edifícios comerciais na região central de São Paulo, assim como nos bairros mais nobres ocupados pela elite paulista. Essa tendência neocolonial elevou-se a movimento artístico-cultural com José Mariano Filho no Rio de Janeiro. Grande incentivador da pesquisa, Mariano promovia estudos documentais sobre a arte colonial de Minas Gerais. A favor do estilo, José Mariano defendia o estilo neocolonial, como modelo a ser alçado ao patamar nacional e aclimatado à vida brasileira. Coincidência, ou não, a moradia de Mariano Filho na praia do Leblon foi projeto arquitetônico de autoria de Victor Dubugras, tornando-se a mais conhecida e admirada residência projetada pelo arquiteto francês, cuja maquete foi de grande visibilidade nas Exposições Gerais do Rio de Janeiro. Em São Paulo, o estilo alcançaria respeitável público nas conferências de Ricardo Severo, que se tornavam mais constantes à medida em que eram divulgadas as obras de Victor Dubugras. Para ilustrar as conferências, Severo se valia das edificações neocoloniais e dos Pousos da Serra do Mar, sobretudo o de Paranapiacaba, que abrilhantara a Exposição Geral de Belas Artes de 1921, no Rio de Janeiro. O arquiteto Alexandre Albuquerque seguiu o mesmo estilo neocolonial, inspirando-se na militância do reconhecido arquiteto português Ricardo Severo que iniciara suas conferências na década de 1910 com a temática da arquitetura colonial a ser referenciada como fio condutor entre o passado e o futuro do Brasil. A proposta de Severo visava uma espécie de retorno às práticas da arte colonial portuguesa. Um meio de retomar o passado, devidamente repaginado, pelo estilo neocolonial brasileiro. Uma referência à memória e à tradição lusitana, como fonte de alimento para as raízes culturais da arte traduzida na expressão potencializada da nacionalidade brasileira.

39

A conferência proferida no espaço da Sociedade Artística foi publicada na íntegra no jornal O Estado de São Paulo, em 26 de julho de 1914, com o título “Arte Tradicional no Brasil”. O tema abordado sustentava-se em fundamentos étnicos e históricos da arquitetura, justificados pela necessidade de “antepor ao espírito de hoje o espírito do passado”64 desvelado pelos traços de uma determinada civilização, um estilo e época.

De maneira bastante explícita, Ricardo Severo promovia uma clivagem na história da Arquitetura que, sem negar a importância do neoclassicismo, trazido para o Brasil após a vinda da missão francesa, colocava entre parênteses a tradição do século XIX e o ecletismo que caracterizara as últimas décadas. Tratava-se, no caso, de estabelecer uma religação entre o século XX e o século XVIII, com o sentido de reinventar uma arquitetura verdadeiramente nacional, baseada na tradição que, segundo ele, melhor se havia adaptado às condições naturais e culturais brasileiras.65

Acreditando nas tendências do estilo neocolonial, Alexandre Albuquerque, além de dar voz aos pintores da 1ª Exposição Geral de Belas Artes, deixou a sua marca no conjunto arquitetônico do Mosteiro das Carmelitas Descalças, atual Campus Monte Alegre da PUC-SP- (será abordado no último capítulo) - cuja edificação contou com o tombamento em 1998 do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (processo 31.720/94).

A Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal de São Paulo ganhou ao longo das décadas o respaldo da crítica e dos estudos modernistas na literatura brasileira, como ícone de uma geração na qual se imputa o selo modernista. Tristão de Athayde reconhece no espírito da modernidade

o motor, o asfalto, o rádio, o tumulto, o rumor, a vida ao ar livre, as grandes massas, os grandes efeitos, o cinema transportado para os demais setores estéticos e marcando-os com a sua estética do secionamento da realidade, do efeito imagístico, da sobreposição e deformação das formas, do primado da técnica sobre o natural, do efeito racional ou irracional. Provocado sobre a inclinação nostálgica e lírica.66

64SEVERO, Ricardo. “Arte Tradicional no Brasil”. O Estado de São Paulo, 26 de julho de 1914, p. 3. 65GOMES JR., Guilherme Simões. O barroco e o pensamento sobre artes e letras no Brasil. São Paulo: Edusp, 1998. p.51. 66 Tristão de Athayde apud Richard Morse. Citado em Bezerra de Freitas, Formas e expressão no romance brasileiro. (Rio de Janeiro, 1947, p. 321). In De comunidade a metrópole, op.cit, p. 279. 40

Impregnados de ideias futuristas que perpassavam a “estética do ruído, da cor, da luz, do movimento, da impressão gritando, do protesto, do escândalo, da ruptura com o passado, com o estabelecido”67, os literatos na Semana de Arte Moderna obtiveram apoio do establishment paulista, representado por Alfredo Pujol, Oscar Rodrigues Alves, Numa de Oliveira, Alberto Penteado, René Thiollier, Antônio Prado Júnior, José Carlos Macedo Soares, Martinho Prado, Armando Penteado e o líder do grupo Paulo Prado. O evento multidisciplinar no Teatro Municipal foi inaugurado pelo grupo que encabeçava o movimento literário para uma mostra multidisciplinar de arte moderna, com apresentações de dança, música, poesia, pintura, escultura e maquetes com o objetivo de enaltecer o movimento intelectual sugerindo a feição revolucionária futurista, irremediavelmente constatada nas publicações do período, já prenunciadas por Oswald de Andrade desde 1913, por ocasião de seu retorno da Europa.

Antes de explorar a crítica ao futurismo liderada pelos literatos, faço apresentar a mostra no saguão do teatro Municipal, tomando por referência uma carta de Sérgio Milliet”68 endereçada à amiga Marthe:

Penetremos juntos no hall do Grande Teatro e admiremos um pouco esta exposição. Eis, da esquerda para a direita, John Graz, ex-discípulo de Holder, que nos apresenta telas de um colorido vigoroso e de um simbolismo místico simples, duro e ingênuo. [...] Zina Aita, do Rio de Janeiro, mais bizarra que original, amando sobretudo a cor e moderna sobretudo nisso, pois ela conservou um certo realismo no desenho que não de bom quilate. Algumas telas rebuscadas de interpretação não me fazem mudar de opinião. Anita Malfatti, vigorosa, ousada e inteligente. O Homem Amarelo, O Japonês, Paisagens à beira mar são puras obras-primas. Seu desenho concentrado e seu colorido sóbrio fazem-na o melhor pintor da exposição. [...] Di Cavalcanti, do Rio de Janeiro, cujas últimas obras são muito pessoais e modernas e lembram um pouco o método empregado por Frans Masereel em Souvenirs de Londres, errou ao expor telas antigas. [...]

67 Idem. 68MILLIET, Sergio. “carta escrita a sua amiga Marthe”. Apud Maria Eugenia Boaventura (Org.) 22 por 22. A Semana de Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos.. São Paulo: EDUSP,2000.p.128.

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Rego Monteiro, do Rio, também apresenta várias telas que podem ser divididas em dois grupos. Aquele das telas impressionistas e mesmo pontilhistas, entre as quais é preciso notar o Baile no Assyrio que interpreta o movimento de uma ronda de máscaras volteando sob as serpentinas e os confetes. Um turbilhão de cores cujo centro é o ponto luminoso. E aquele das telas cubistas, que marca a evolução do pintor em direção à pintura intelectual. Ferrignac com um só quadro, uma natureza-morta dadaísta. É a extrema esquerda do movimento paulista.

Se, de um lado, para Milliet, Anita Malfatti era vista como a melhor expressão de pintura da exposição, em razão do desenho concentrado e do colorido sóbrio, que se afastavam da vanguarda pictórica futurista; de outro, Oswald de Andrade via nas suas obras o descompasso “entre a modernidade material e o marca-passo cultural, a propor sistematicamente estéticas já consolidadas, não mais adequadas às peculiaridades do século XX.” 69 Sem me aprofundar no evento da Semana de Arte Moderna, trago para o debate a ambientação artística e as considerações históricas que evidenciam a presença das artistas Anita Malfatti e Tarsila do Amaral no evento da 1ª Exposição Geral de Belas Artes no Palácio das Indústrias, ao lado de conhecidos pintores integrados na rede de relações das artistas. Eram eles, Enrico Vio, retratista da família Amaral; Pedro Alexandrino professor de desenho das duas pintoras; Waldemar Belisário, premiado na XXVI Exposição Geral de Belas Artes no Rio de Janeiro com a Menção Honrosa de 2º grau em 1919, afilhado de batismo de Estanislau e Lídia, pais de Tarsila do Amaral. Belisário também havia posado para o professor George Fisher Elpons, passando de modelo a aluno; e, colega de Malfatti, Amaral e toda aquela gente rica que frequentava o ateliê da Rua Líbero Badaró. Nessa época Fisher Elpons compartilhava esse espaço com o escultor William Zadig e José Watsh Rodrigues, até ser convidado por Tarsila do Amaral para permanecer na Rua Vitória enquanto construía seu próprio ateliê no Palácio Martinelli. Como já comentei anteriormente, Anita Malfatti buscou nas cores e nos tons das paisagens brasileiras a sua direção de pesquisa, cujo objeto artístico se diferencia da exuberante produção de Tarsila do Amaral ainda na fase latente de escolha de tendências, com obras que começavam a se aproximar da arte vanguardista dos

69 FABRIS, Annatereza.Fragmentos urbanos representações culturais. São Paulo: Studio Nobel, , 2000. p. 77. 42 mestres europeus André Lothe e Fernand Légèr, De Chirico, Carlo Carrà, René Magritte e Paul Delvaux. Antecipo aqui o assunto da vanguarda italiana (capítulo 2) germinada entre os artistas brasileiros pelo viés dos estudos realizados por Monica Cioli70 por entender que eles contribuíram para elucidar o universo filosófico e científico incorporado à pintura moderna. De Friedrich Nietzche à clínica freudiana; das inovadoras descobertas da física à mecânica quântica, às ideias que se misturaram na pintura e na criação vanguardista, sobretudo com De Chirico, que contribuiu com as bases de uma linguagem plástica construída por imagens capazes de despertar no observador a mesma intensidade a ele revelada no momento de sua criação. O resultado alcançado tornou-se a expressão revolucionária na arte do século XX. Desse universo advém a criação de Tarsila do Amaral alguns anos após a 1ª Exposição Geral de Belas Artes. Antropófaga, deglute em sua obra a inspiração dechiriana necessária para Sol Poente e Floresta, ambas de 1929, assim como internaliza as lições do mestre De Chirico e da Antropofagia andradiana e oswaldiana para criar as telas Antropofagia e Abaporu. A filósofa Gilda de Mello e Souza71 analisa a estética nacionalista da pintora Tarsila do Amaral, no tocante à fase advinda do mestre Légèr, com quem a artista resolveria os obstáculos que resultariam na aparente solução do conflito existente entre a racionalidade europeia e a “realidade primitiva e desordenada de seu país”72, devidamente adaptado ao modelo urbano impregnado de elementos que denotam progresso. Em Passagem de Nível, por exemplo, a artista dá sequência ao primeiro postulado do cubismo, estabelecendo a ordem das coisas por meio da composição de linhas, geometricamente resolvidas no espaço do tempo do progresso com a ideia de locomotivas, trilhos, a lâmpada elétrica e pela cancela aberta da estação. O conjunto pictórico sugere a passagem do trem, que ainda não chegou ou já partiu, tornando presente em Passagem de Nível o mesmo sentido de transitoriedade

70 CIOLI, Monica. Il fascismo e la sua arte. Dottrina e istituzionetra futurismo e novecento. Leo S. Olschki Editore. Museo di Arte Moderna e Contemporânea di Trento e Rovereto. p. 31,32. 71MELLO E SOUZA, Gilda de. Exercícios de leitura: Gilda Mello e Souza. São Paulo: Duas Cidades, , 1988. Cf. “Vanguarda e Nacionalismo na Década de Vinte”, p. 249-250. 72 Ibidem,. p. 267. 43 analisado por Charles Baudelaire73,que atribui ao pintor da modernidade a tarefa de “subtrair da moda aquilo que ela pode conter de poético no que é histórico, de obter do transitório o eterno.”74 Indiferente aos elementos constantemente modificados pela modernidade, a cidade convivia com aspectos de inspiração primitiva impactando a artista que, em seu subjetivismo teve dificuldade de representar a cidade da nova era, que se afasta dos cafezais para se aproximar dos elementos contraditórios limítrofes à dualidade fugidia de repulsa ao afastamento da natureza, representada pela floresta, e de fascínio pelas conquistas do espaço urbano, representado pela dualidade entre a inspiração primitiva e a técnica construtiva.

De modo que a historiadora e crítica de arte Annatereza Fabris em Fragmentos Urbanos chama atenção para a estética do primitivismo presente na obra de Tarsila do Amaral no sentido de analisar como os modernistas brasileiros passaram a assimilar o termo primitivo descolado do significado antigo, normalmente vinculado a figuras e paisagens rurais tradicionais, como meio de internalizar o sentido usado pelos futuristas.

O único primitivismo que os modernistas poderiam admitir naquele momento seria aquele de derivação futurista, que os levará a considerar-se precursores da sociedade tecnológica, cujo emblema definitivo fixam na ideia da cidade como ser vivo, em constante evolução. Essa equação reponta no “Manifesto da poesia pau-brasil” (1924), no qual Oswald de Andrade faz do progresso tecnológico o verdadeiro marco definidor de uma arte renovada na temática e na sintaxe. O modelo naturalista é colocado em xeque pela paisagem tecnológica.75

73BAUDELAIRE, Charles. “Le peintre de La vie moderne”. Écrit sur l´art. Paris : Librairie Genéral Française, 1999. 74Tradução do original “Le peintre de la vie moderne”, op.cit.: « Il s’agit, pour lui, de dégager de la mode ce qu’elle peut contenir de poétique dans l’historique, de tirer l’éternel du transitoire ». Idem. Para Guilherme Simões Gomes Júnior, o quadro de Tarsila do Amaral “Passagem de nível” valoriza não o contingente (o trem que vai passar ou já passou), mas a paisagem, tão estática, tão lisa, de um colorido ameno e agradável, resta plena, não há nela ruído ou instabilidade”. Desse modo, Gomes Júnior infere duas alternativas de interpretação: a) Tarsila em atitude muito cética e crítica estaria dizendo que a modernidade com seu trem é superficial no Brasil e não vai macular os campos idílicos das fazendas dos Penteados ou dos Amarais, que permanecem soberanas na sua simplicidade; o trem não é suficiente para colocar em questão o Brasil agrário; b) Tarsila, ingênua, gosta daquela paisagem com cores lisas e linhas definidas e está confusa; quer ser baudelairiana e moderna, mas quer também agradar Penteados e Amarais. [comunicação pessoal à autora] 75FABRIS, Annatereza, op. cit. p. 75 44

O escape do modelo naturalista vigente da expressão plástica do Manifesto da poesia pau-brasil, de Oswald de Andrade, encontra-se presente numa parceria de elementos urbanos, representado nas telas de Amaral que, segundo Fabris, a artista dedica à cidade de São Paulo. No entender da autora de Fragmentos Urbanos,

O espaço vazio e geometricamente determinado testemunha a percepção do universo citadino como reino de uma ordem imóvel e estratificada. Impressão fortalecida pelo léxico adotado, no qual predominam linhas duras e uma luz distribuída igualmente em toda a superfície do quadro, produtora de uma estrutura clássica em sua essencialidade.76

No decorrer dos anos da década de 1920, o casal Tarsiwald, assim chamado por Mário de Andrade, se mantém próximo à arte europeia. Ela com os ensinamentos da vanguarda, sobretudo do mestre Fernand Légèr. Ele, inspirado no movimento futurista de combate à mimese e defesa da ruptura com o passado, realizando sua arte com base no progresso tecnológico. Fato significativo em relação ao aprendizado que tivera com Oswald de Andrade de assimilar a vanguarda europeia como um ritual antropofágico, cuja força de combate no âmbito individual se assemelha ao canibal no ato de deglutir um guerreiro. Juntos dariam voz e forma à expressão artística do movimento antropofágico, eminentemente nacional. Unem-se aqui as pontas da pintura e da literatura, numa interatividade na qual a precedência - de um ou de outro - deixa de existir.

A artista Tarsila do Amaral, que em 1922 havia participado da 1ª Exposição Geral de Belas Artes no Palácio das Indústrias com obras como Paquita (A Espanhola), encontrou na bandeira modernista dos literatos da Semana de Arte Moderna o mote ajustado às vanguardas europeias, para delas deglutir sua singularidade. Ao contrário, Anita Malfatti, que se tornara a musa dos literatos pelas revolucionárias obras pintadas em Nova Iorque, encontraria, de volta ao Brasil, a serenidade das paisagens de cenas nostálgicas, que

na convergência destes dois espaços, geográfico e artístico, Zanini, Rebolo e o jovem Volpi se realizaram. Este último, mesmo enveredando com o tempo por outro caminho, preservou na série das fachadas e das bandeirolas, o antigo sentimento paulista de paisagem, que convive em suas telas com velhas reminiscências artísticas.77

76 Ibidem, p. 75. 77 MELLO E SOUZA, Gilda de. A ideia e o figurado. Coleção Espírito Santo. São Paulo: Duas Cidades., 2005. p. 119. 45

Cada um, a seu modo, estilo e tempo, encontrou o significado da pintura paulista, toda ela, voltada para a terra Brasil. Figura 4 - Anita Malfatti

Fonte: Anita Malfatti. Vida na Roça, 1956 O/t. Col. Almeida e Dale Galeria de Arte/ Exposição MAM Anita Malfatti 100 anos de Arte Moderna. Foto da autora

Um aspecto relevante que aparece durante a Semana de Arte Moderna foi o caráter futurista do movimento. O tratamento dado ao futurismo pela imprensa brasileira durante a polêmica Semana deixa a desejar no conhecimento da representação dessa vanguarda, que enaltecia a ciência, supostamente triunfante, rumo à chamada Modernolatria, sugerida pelos futuristas na década de 1910. Assinalavam a realidade dinâmica dos objetos ou seres, o progresso e seus efeitos estampados no ritmo febril da vida dos automóveis, aviões, iluminação elétrica e construções. A Modernolatria era um sistema de adoração ao Vivo, ao Novo, ao Original. Proposta que encontrou eco na direção do esplendor geométrico do universo artístico e arquitetônico.

O 1º Manifesto de Pintura Futurista (Torino, 8 de março de 1910) demonstra a adesão dos pintores Umberto Boccioni (1882-1916), Carlo Carrà (1881-1966), Luigi Russolo (1885-1947), Balla (1871-1958), Gino Severini (1883-1966) aos poetas futuristas, cujo movimento foi iniciado no ano anterior por Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944) em manifestação nas colunas da primeira página do jornal francês Le

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Figaro.78 O manifesto faz a apologia da sensação de dinâmica que permeia a arte futurista; chama a atenção do público para o fato de tudo se transformar rapidamente, o que conduz à ideia de que o perfil do futuro não se desvela. Ele aparece e desaparece. É uma sequência de vibrações no espaço percorrido. Basta observar o cavalo correndo. Ele não tem quatro patas. São vinte. E seus movimentos são triangulares. As convenções da arte são transitórias. Nada é absoluto em pintura. O que era uma verdade para os pintores do passado, deixou de existir no tempo presente. Declara também, que um retrato não deve se parecer com o modelo. Não é o objeto que se deve retratar e sim a atmosfera que o envolve como realidade dinâmica.

É o fim da mimese ou, ao menos, uma nova maneira de entendê-la.

A opacidade dos corpos deve ser vista além do circunscrito. A visão utilizada pelo raio x deve igualmente servir às vibrações. O Manifesto demonstra que se deve colocar o observado no centro do quadro. A proposta é mergulhar na vida. A ciência moderna reúne o passado para responder às necessidades materiais do nosso tempo. A arte deve responder às necessidades que tomam conta da vida.

No “Manifesto Técnico da Pintura Futurista”, escrito dois meses após o 1º Manifesto, é definido o sentido do termo “dinamismo”, com referência a cenas em movimento, como o exemplo já referido das patas de um cavalo a galope. O fato desconexo da realidade material para ser transposto para a realidade do movimento leva o pintor futurista a utilizar contrastes vitais de tonalidades encarnado-azul, verde- laranja, violeta-amarelo, desvelando o entendimento mais amplo da representação do “dinamismo”, por meio dos efeitos da luz e dos movimentos em corpos sólidos.

A reunião de esforços com pesquisas concentrou-se, então, no objetivo de atribuir à pintura moderna condições plásticas para se realizar, a partir de pinceladas, as passagens de linhas de cor, cujos efeitos de luz teriam o resultado desejado para registrar o objeto bipartido de repetição de elementos simultâneos. Assim, na pintura futurista não se privilegia o objeto e sim a forma plástica e a velocidade percorrida num determinado tempo no espaço. Não se enfatiza o contorno e sim a

78 AGNESE, Gino; SCHEIWILLER, Vanni. Org. Catálogo Milano, Caffeina d´Europa. Marinetti e il futurismo a Milano. All´Insegna del Pesce d´Oro, Milano, 1999. 47 interpenetração contínua do movimento pelo uso de cores vivas e contrastantes e pela sobreposição de imagens por meio de traços e sutis deformações de figuras.

Figura 5 - Carlo Carrà

Fonte: Carlo Carrà. Cavalo e Cavaleiro,1912

Coleção: O/t. Civico Museo d´Arte Contemporanea. Palazzo Reale, Milano. Foto da autora

. A sustentação teórica do contínuo processo da visão simultânea da realidade em seu movimento dinâmico apoia-se no pensamento filosófico de Henri Bergson, pela noção de recordação atualizada no princípio ótico-mnemônico da representação pictórica de distintos tempos num só espaço. O binômio: dinamismo e simultaneidade, tão presente nas pinturas futuristas, criou-se na correspondência entre o tempo e o fluxo da consciência humana, entendida como duração.

Chamo contemporâneos dois fluxos que são para a minha consciência um ou dois indiferentemente: minha consciência os percebe juntos [...] Chamo “simultâneas” duas percepções instantâneas apreendidas num único e mesmo ato mental, podendo a atenção mais uma vez fazer delas uma ou duas, à vontade.79

79 BERGSON, Henri. Duração e simultaneidade. Tradução Claudia Berliner. São Paulo: Editora Martins Fontes, , 2006. p. 60.

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A pintura futurista tomou da filosofia bergsoniana as impressões sobre a justaposição dos corpos sólidos, cujos conceitos, até então, permaneciam no domínio da ciência da natureza limitado às noções das posições sucessivas dos corpos.

De um modo geral, no Brasil, a atitude da Figura 6 - Capa do Catálogo Marinetti e il Futurismo. Colagem imprensa foi fluida e superficial no trato da polêmica dos literatos em 1922. E deixou despercebido o ganho qualitativo no fazer artístico das vanguardas, como as experiências tipográficas introduzidas por Marinetti que, ao defender o verso livre, introduziu as cores das palavras articuladas à simultaneidade do uso de caracteres tipográficos no espaço de uma folha de papel, o que foi fartamente empregado em publicações brasileiras como a Revista Klaxon.

E é importante também registrar que os novos conceitos do futurismo produziram efeitos notáveis em Fonte: Ministero per il Bene Culturale e Ambientali. Roma, distintas manifestações artísticas, como o “teatro 1994. Foto da autora sintético” de Eugênio Ionesco, que subvertia as referências ao real e ao lógico; assim como o balé sem a presença humana, composto apenas por luzes nas encenações musicais de Igor Stravinsky; e também a moda com novas texturas de tecido para o vestuário masculino, com a finalidade de escapar das linhas simétricas e aderir às cores alegres e agressivas, reinventadas para o homem novo por Flavio de Carvalho (1899-1973), desde as pesquisas com o Teatro de Experiência, no Clube dos Artistas Modernos – CAM, até os traços da arquitetura moderna em Gregori Warchavchick, em oposição às cores apagadas, ao ângulo reto e todas as formas estáticas rechaçadas por Carlo Carrà no Manifesto da Pintura de 1913. Poucos dias antes da Semana de Arte Moderna, a vanguarda futurista assim se manifestava:

Nada, pois, justificaria um desequilíbrio entre as manifestações atualíssimas, e vanguardistas da sua vitalidade social, industrial, financeira, e as de sua cultura. [...] Daí surgir, em São Paulo, um futurismo artístico tão sadio, tão moderno, tão vivo como o mais evolvido de todo o resto do mundo. Prova disso vai dá-la no Municipal, na próxima semana, um grupo de 49

artistas, realizando uma curta temporada de Arte Moderna, em que tomarão parte todos os “novos” – isto é, os escoriados na corrente moderna: escritores, poetas, pintores, músicos, escultores. Será um grande acontecimento histórico para a vida mental do país de alta repercussão social para São Paulo, porquanto a ela estão ligados nomes dos mais genuínos representantes da mais fina aristocracia paulista. 80

Autor de “Futurismo Racial”, título atribuído à crônica sobre a Semana de Arte Moderna publicada no Correio Paulistano81, Menotti Del Picchia82 que, em 1917 havia rompido com o escapismo parnasiano por meio do poema Juca Mulato83, prestou esclarecimentos a respeito do tom futurista da Semana em sua coluna “Crônica Social”. Dizia Del Picchia que os aspectos urbanos de tensão racial, crescimento industrial e econômico eram condicionantes do Futurismo que germinava na diversidade etnológica da capital paulista. No Jornal do Comércio, publicado no dia 10 de fevereiro, um artigo assinado apenas por F. questionava o sentido da palavra Futurismo, aventando a hipótese de haver em São Paulo uma corrente estética capitaneada por Oswald de Andrade, reivindicando atitudes futuristas. Se assim fosse não estaria o capitão “plagiando atitudes de guerreiros que o antecederam e que bombardearam a biblioteca de Louvain, e a catedral de Reims, [despejando] projéteis contra o que... não é futurista, mas a crítica com esse caráter é, porventura, uma novidade?”84

80 PICCHIA, Menotti Del. pseudônimo Hélios in Correio Paulistano, “Futurismo Racial”, 11 de fevereiro de 1922, p.5 In: Maria Eugenia Boaventura.(Org.) 22 por 22. A Semana de Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos, São Paulo: EDUSP, , 2000. p. 70. 81 O Correio Paulistano é considerado o primeiro diário publicado em São Paulo. Fundado em 1854 por Joaquim Roberto de Azevedo Marques e Pedro Taques de Almeida Alvim. Assumindo um posicionamento liberal, desempenhou importante papel na Semana de 22, sobretudo pela presença marcante de seu redator Menotti Del Picchia ou, Hélios – Helius, em grego λιος Apud Maria Eugenia Boaventura.(Org.) no livro 22 por 22. A Semana de Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos. São Paulo: EDUSP., 2000. 82 Menotti Del Picchia foi chefe da Tribuna de Santos, jornal que lhe trouxe respeitável roda literária, mormente pela presença de Vicente de Carvalho, que se referiu ao poema Juca Mulato como “verso borbulhantes de inspiração” Apud Marcos Augusto Gonçalves. A Semana que não terminou. São Paulo: Cia das Letras., 2012. p. 162. Em 1918, Del Picchia passa a redator político da Gazeta comprada por Casper Líbero. Paralelamente começou a escrever assinando o pseudônimo Hélios, para o Correio Paulistano, órgão oficial do Partido Republicano Paulista. Em seguida assume a função de redator político do Correio Paulistano 83 Juca Mulato contou com boa aceitação da crítica e dos leitores, resultando em 1919 na segunda edição, seguida de inúmeras edições. Reconhecido pela comunidade literária, Menotti recebera a visita de Oswald e Dayse, que foram expressar total aprovação pelo poema recém-publicado. Fato determinante para estreitar o contato que resultaria, cinco anos depois, na Semana de Arte Moderna. 84Jornal do Comercio. “Futurices”. São Paulo, 10 de fevereiro de 1922, p 4. Apud Maria Eugenia Boaventura, op.cit. p. 204 50

Em 11 de fevereiro, no mesmo dia em que o Teatro Municipal abriu as portas para o vernissage, Oswald de Andrade, no Jornal do Comércio85, respondeu às provocações aos futuristas com o artigo “Glorias de Praça Pública”. Oswald de Andrade esclareceu que o objetivo da Semana de Arte Moderna era de iniciar um movimento contrário à “imitação servil, à cópia sem coragem e sem talento”, isto é, à arte acadêmica realizada no Brasil; e referiu-se ao “futurismo paulista” como um movimento sem qualquer ligação com Filippo Tommaso Marinetti. Ressaltou sua posição a favor do Futurismo clássico, em que o estado de perfeição de um momento humano se universaliza. Como exemplo, citou os escritores e artistas que romperam as fronteiras do passado. Em literatura, Dante Alighieri na Itália e Machado de Assis no Brasil. Em artes plásticas, Fídias na Grécia e Nicolas Poussin na França. A título de conclusão, pontuou que a cópia de qualquer modelo é acadêmica pelo fato de despersonalizar o elemento criativo.

Queremos mal ao academismo porque ele é o sufocador de todas as aspirações joviais e de todas as iniciativas possantes. Para vencê-lo destruímos. Daí o nosso galhardo salto, de sarcasmo, de violência e de força. Somos boxeurs da arena. Não podemos refletir ainda atitudes de serenidade. Essa virá quando vier a vitória e o futurismo de hoje alcançar o seu ideal clássico.86

Um novo artigo de Hélios no Correio Paulistano, “Futurismo no Municipal”87, manifestava o comprometimento do articulista com o “futurismo nacional, filho legítimo de São Paulo”. Com otimismo, dizia haver na cidade uma aceitação total do futurismo, o que era confirmado pelo sucesso da Semana de Arte Moderna que, segundo Del Picchia, marcaria a “história do pensamento brasileiro”.88

85 O Jornal do Commercio teve sua origem no Diário Mercantil com especialidade em Economia. Criado em 1824 por Francisco Manuel Ferreira e Cia., foi vendido em 1827 a Pierre Plancher, ocasião em que deixaria de ser um Jornal focado em Economia para assuntos e notícias de interesse geral. Sua sede era no Rio de Janeiro. Em 1959 passou a denominação de Diários Associados, sob a direção de Assis Chateaubriand. Permanece assim até 2006, quando foi extinto nas duas versões, como jornal impresso e como portal na internet, disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jornal_do_Commercio. Dados relevantes em relação à trajetória do jornal que serviria de suporte para Chateaubriand atingir os objetivos úteis para consolidar o conjunto de bens que integram o MASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateubriand. 86 Oswald de Andrade. “Glórias de Praça Pública”,publicado na coluna “Semana de Arte Moderna, Jornal do Comercio, São Paulo, 11 de fevereiro de 1922, p. 4. Apud Maria Eugenia Boaventura.(Org.) 22 por 22. A Semana de Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos. São Paulo: EDUSP,.. 2000. p.75. 87PICCHIA, Menotti del. Assinado Hélios. Correio Paulistano, São Paulo, 12 de fevereiro de 1922, p.5 coluna “Crônica Social. Apud Maria Eugenia Boaventura. (Org.) 22 por 22. A Semana de Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos. São Paulo: EDUSP.. 2000. p. 81,82,83. 88Ibidem, p.82. 51

Como a polêmica dos cronistas paulistanos não cessava, Oswald de Andrade publicou no artigo “Futuristas de São Paulo”, um contundente recado contra “a má--fé de quatro patas”, que lhe exigia publicamente a morte do futurismo. Fez questão de lembrar a todos os leitores que ele, Oswald de Andrade, havia se apropriado do sentido clássico, universal e revolucionário que envolvia a arte moderna, pelo entendimento paulista do termo futurista89. Annatereza Fabris, em O Futurismo Paulista, diferencia “movimento” de “momento”, para esclarecer que o “momento futurista” diz respeito à concepção de modernidade dos literatos paulistas. Parte do “movimento futurista” em direção ao “futurismo paulista”90, propondo novas interpretações de fatos que foram determinantes no contexto europeu, como a morte do pintor Umberto Boccione (1883- 1916) e do arquiteto Antonio Sant´Elia (1888-1916), dois inspiradores do futurismo, na I Grande Guerra Mundial. Para Annatereza Fabris esse foi o fim da primeira fase futurista, quando os pintores Gino Severini (1883 -1966) e Carlo Carrà (1881-1966) se afastaram do movimento. Esses foram os fatores determinantes para medir a passagem da embrionária poética futurista germinada em Milão, para o início da segunda fase, em Roma, com Giacomo Balla (1871-1958), visto como ponte entre os dois momentos. Essa segunda fase foi ignorada, ou melhor, foi negada pelos literatos em São Paulo, por considerarem extremado o dogmatismo de Filippo Tommaso Marinetti. Como movimento literário e artístico, sua primeira lição foi fazer do passado tabula rasa. Isto é, propor uma arte capaz de exprimir sua época em oposição à tendência estética tradicional. Para tanto, inspirou-se no dinamismo da vida moderna animado pela estética da máquina. O termo Futurismo fez crescer a incompreensão anedótica e pejorativa na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro, sobretudo quando o crítico de arte Oscar Guanabarino de Sousa Silva91 despertou a indignação de Menotti Del Picchia,

89Cf. Jornal do Comércio, “Futuristas de São Paulo” Oswald de Andrade. São Paulo, 19 de fevereiro de 1922, p. 4. In: Maria Eugenia Boaventura.(Org.) 22 por 22. A Semana de Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos. São Paulo: EDUSP.. 2000, p. 107. 90 FABRIS, Annatereza. O Futurismo paulista, op. cit. p. 91, 92. 91 Oscar Guanabarino de Sousa Silva (Niterói, 1851 – Rio de Janeiro, 1937) notabilizou-se como crítico de arte dedicado à música, sobretudo à ópera. Entre os compositores foi Carlos Gomes que ocuparia a lista de seus preferidos. Marcante foi a presença de Guanabarino nas exposições da Academia Imperial das Belas Artes (Brasil Império) e nas exposições da Escola Nacional de Belas Artes (Brasil República). Incluiu em seu extenso repertório artístico, a dramaturgia, tendo ele mesmo escrito a comédia “As Filhas de Tídia”, “Perdão que Mata”, “Aurora”, entre outras. 52 gerando grande polêmica no Jornal do Comércio, logo após o término da Semana no Teatro Municipal. A “embaixada de arte moderna destinada a explorar o provincianismo paulista”92, sob o título de vanguarda, parecia para Guanabarino um grupo “Mambembe”, tentando atingir tanto aqueles que se diziam futuristas em São Paulo como no Rio de Janeiro. Como parte do ataque, Guanabarino defendeu a revolução literária de 1885 e criticou duramente a supressão da pontuação, a ausência de nexo e a desestruturação da sintaxe, opondo-se duramente à performance manifestada no Municipal, salvando apenas a atuação de Guiomar Novaes. No geral, os críticos da Semana de Arte Moderna apoiaram-se em dois tipos de argumento. De um lado, a acusação de que a Semana não passava de outra moda importada; de outro, que o sentido predominante era por demais negativo: como se “um estado de guerra da Europa tivesse preparado” naquele grupo “um espírito de guerra, eminentemente destruidor”93. Mas, no que diz respeito às Artes Plásticas, há que se destacar que não foram objeto de polêmica e produziram pouca repercussão. A explicação dada por Aracy Amaral, em Artes plásticas na Semana de 22, retoma o que Mario da Silva Brito havia dito no artigo “O estrangeiro e a Semana de Arte Moderna”, publicado em 26 de fevereiro de 1972, ano em que se comemorava o cinquentenário do evento modernista. Neste artigo, Silva Brito lastimava o fato de publicações sobre as artes plásticas se restringirem aos jornais escritos por estrangeiros, Fanfulla e Zeitung. A imprensa nacional, insensível à mostra, publicaria apenas uma pequena nota de arte no Correio Paulistano anunciando a exposição.

Como se vê, longe de “futurista”, como fora por muitos rotulada, a exposição do Municipal na Semana de Arte Moderna [...] apresentou como dominante número maior de obras de tendência pós--impressionista (Anita e John Graz, além de dois neo--impressionistas, Rêgo Monteiro e Zina Aita). Tudo o demais é experiência de difícil determinação como tendência, por serem de procedência romântica ou estudos visando a um cubismo apreciado, se bem que não digerido e inautêntico.94

92 Texto de Oscar Ganabarino publicado no Jornal do Comércio com o nome de “Pelo Mundo das Artes, Apud Boaventura, op. cit. p. 255. 93ANDRADE, Mario de. “O Movimento Modernista”.Op. cit. p. 258. 94AMARAL, Aracy. Artes Plásticas na Semana de 22. Editora 34.5ª Ed. Revista e Ampliada. São Paulo, 1998, p. 190 53

A agitação da Semana distraiu a atenção do público e da crítica, que acompanhou a polêmica das letras e da música deixando de notar a exposição de artes plásticas no saguão do Teatro Municipal, com obras que, mesmo tendo sido mote de repulsa e admiração, como aconteceu em 1917, ainda despertavam admiração pelo perfeito entrosamento do segundo com o primeiro plano, pelo traço gestual e pela dramaticidade de seu estilo em planos diversos e simplificados, sensivelmente perceptíveis nas obras de Anita Malfatti. Vicente do Rego Monteiro (1899-1964), outra expressão irretocável do modernismo brasileiro, sobretudo pela temática, que retraduzia o indianismo na linguagem da vanguarda com algumas telas da coleção de Ronald de Carvalho, sem que o público tivesse conhecimento do conjunto de sua obra. A propósito, disse Sergio Milliet: “admiro, sobretudo em Rego Monteiro, sua composição sábia, seu desenho muito seguro e seu colorido voluntariamente pobre.”95 Jorge Schwartz se surpreende com a produção do pintor modernista, toda fatura de Rego Monteiro apresentada no livro Fervor das Vanguardas.

Antecipar a temática indianista ou incorporar a estética marajoara são méritos reconhecidos de Rêgo Monteiro no panteão do cânone modernista [...] [...] opera como tradutor de uma cultura, levando para a França verdadeiras joias da mitologia amazonense96.

Nos debates críticos sobre a Semana o que ficou mais visível foi o espírito demolidor e a acidez da crítica da revista Klaxon, principal veículo das ideias modernistas, cuja intenção era tirar os leitores da zona de conforto, publicando notícias e críticas jocosas aos que não possuíam o selo modernista. A atitude predominante estava mais para o boxeador, na alusão de Oswald, do que para as sutilezas da crítica de Milliet. Um exemplo desse espírito pode ser visto na última página do nº 5 de Klaxon, em setembro de 1922. A nota que tratava da 1ª Exposição Geral de Belas Artes no Palácio das Indústrias metralhou o seguinte comentário:

95MILLIET, Sergio. “Quelques visages de Paris, par Rego Monteiro” (Les livres... bresiliens), RAL, nº 40, Paris, ar. 1925, p. 356. Apud Marta Rossetti Batista. Os Artistas brasileiros na Escola de Paris. Anos 1920. Editora 34, São Paulo, 2012 p.446 96 SCHWARTZ, Jorge. Fervor das Vanguardas. Arte e Literatura na América Latina. Companhia das Letras. São Paulo, 2013, pp. 39-43. 54

Inaugurou-se o primeiro salon paulista. Ao lado de apetitosa feira de alexandrinos, catitas coisas; sargentinhos de Wasth, valles do Sr. Paulo do Valle que valem alguma coisa, roças do Sr. Paulo Rossi, etc. Só falta o Carlito, sim, o Benedito Carlito, o de Santos. Compensações. Duas grandes notas de arte: Anita Malfatti e Tarsila do Amaral. Enfim, é um esforço - já o disse em discurso o nosso grande Menotti Del Picchia. É um esforço que vale mais que todos os oficiais salons do Rio de Janeiro. Não somos otimistas. Reproduzimos apenas a opinião dos expositores paulistas. Estamos com eles. 97

Com o propósito de apresentar a atualidade por meio de artigos sobre arte, literatura, artes plásticas, música, cinema, Klaxon tinha por meta atualizar os leitores com assuntos em voga, sem poupar o burlesco que não os repugnava. “Klaxon sabe que a vida existe. E, aconselhado por Pascal, visa o presente. KLAXON não se preocupará de ser novo, mas de ser actual. Essa é a grande lei da novidade.” 98 Na primeira página do primeiro número de Klaxon, uma nota declarava que o início da luta se deu em 1921, quando se tornaram públicas as aspirações artísticas de São Paulo, cidade que se transformaria no decorrer da década de 1920 na musa inspiradora dos poetas e consequente palco do evento da Semana de Arte Moderna com o despertar da já comentada polêmica sobre o futurismo.

97Klaxon.Mensário de Arte Moderna. Nº 5. São Paulo, 15 de Setembro de 1922. Cosac Naify. São Paulo, p. 16 98 Idem. Nº 1. Esthética. São Paulo, 15 de Maio de1922, p. 1

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Noi crediamo ad uno sviluppo sempre più grande delle loro qualità, poichè non sono progettate come tanto leggermente si crede, esse sono maturate daí tempi, e si sono imposte a loro e si imporranno ad altri fra breve come uma necessità poichè dovranno rappresentare l´epoca nella quale viviamo99 Telemaco Signorini

100

99 Tradução Livre: Nós acreditamos no desenvolvimento sempre maior das qualidades deles, pois não foram projetadas, como se pode acreditar superficialmente, elas amadureceram pelos tempos e se manifestaram a eles e se manifestarão aos outros em breve como uma necessidade, já que deverão representar a época na qual vivemos.

100 Giovanni Fattori. Casa rustica sul mare. Bozzetto. Olio su tavola, 20,5 X 38 cm. Inv. Gen. 223. Gallerie degli Uffizi, Galleria d´Arte Moderna. Su concessione del Ministero dei Beni e delle Attività Culturali e del Turismo. Foto: Gabinetto Fotografico dele Gallerie degli Ufizzi. Firenze, 2016

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Capítulo II. Sementes da vanguarda italiana

Durante a segunda metade do Ottocento, a Itália encontrava-se desestabilizada por potências estrangeiras e por disputas internas provocadas pela divisão do país em diversos estados. A situação que facilitava o fortalecimento da burguesia e enfraquecimento dos príncipes, refletia o processo de unificação do país, iniciado no final do segundo quartel do século XIX. Era a narrativa do desejo de conquistar um Estado Nacional Italiano, conhecido como Risorgimento. Durante esse período conturbado por revoluções, a sociedade mobilizou-se em grupos voluntários, nos quais incluíram-se alguns pintores toscanos, que combateram nas batalhas de 1848, em Curtatone e Montanara; em 1859, na guerra franco--piemontese contra a Áustria; em 1860, por ocasião da expedição de Garibaldi à Sicilia, e, em 1866, na guerra do Reino da Itália, aliada à Prússia, contra a Áustria, pela conquista de Veneza.

A propósito das revoluções, o romance de Giuseppe Tomasi di Lampedusa trata do conflito de 1860 na Sicilia, tendo como eixo central a biografia do bisavô, o Príncipe Giulio Fabrizio Tomasi di Lampedusa. Tomando como ícone o brasão da família, Giuseppe Tomasi apresenta Il Gattopardo101, que dá nome ao romance, no personagem do Príncipe Fabrizio Salina, cujo modo de pensar sintetiza o processo histórico daquele período ottocentesco na Sicilia:

Noi fummo i Gattopardi, i Leoni; quelli che ci sostituiranno saranno gli sciacaletti, le ienne; i tutti quanti i Gattopardi, sciacalli e pecore continueremo a crederci i sale dela terra.102

As oposições de classe que perpassam o romance são demonstradas nos expressivos diálogos entre o Príncipe e seu sobrinho Tancredi. O processo de conscientização torna-se um contínuo enfrentamento de forças contrárias entre o velho e o novo, como se nota no início do romance com a censura do Príncipe ao sobrinho:

101 LAMPEDUSA, Giuseppe Tomasi di. O Leopardo. Tradução: Mauricio Santana Dias.São Paulo: Companhia das Letras, 2017. 102 Idem. Tradução livre: Nós fomos os Leopardos, os leões; os que vão nos substituirão serão os chacais, as hienas, e todos eles, Leopardos chacais, hienas, continuarão se acreditando o sal da terra. P. 186. 57

Você está louco meu filho! Meter-se com aquela gente! São todos mafiosos e trapaceiros. Um Falconi deve permanecer conosco, pelo Rei. (...) Em oposição, o jovem Tancredi responde: Pelo Rei com certeza, mas qual Rei? (...) Se não nos envolvermos nisso, os outros implantam a república. Se quisermos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude.103

O sentido da referência ao romance além do relato literário do período é, sem dúvida, creditar o aburguesamento às paisagens e cenas de família e o contraponto da promessa de uma Itália unificada quer pelos aspectos mundanos, quer pelos aspectos sublimes que ganham vida na versão do cineasta Lucchini Visconti,104cujas cenas e figurinos do filme foram inspirados nos quadros pintados pelos macchiaioli, com o objetivo de localizá-los meio a campos de batalha e emergentes situações sociais, conforme registrou o pintor Telemaco Signorini:

Noi fummo allora rivoluzionari e soldati, per esser dopo i liberi cittadini di uma grande nazione.105

O grupo macchiaiolo, no âmbito da modernização do campo artístico, significou a expressão de uma narrativa germinada entre jovens insatisfeitos contra o léxico tradicional, em busca de uma linguagem mais compatível com a unificação da Itália. Rafaello Monti106chama atenção para o fato de o Risorgimento ter provocado uma nova linguagem pictórica de raiz nacional e de espírito renovador ao buscar uma técnica capaz de dar conta dessa nova realidade. A partir dessa situação inflamaram, radicalmente, aquele momento revolucionário que tomava conta dos debates do Caffè Michelangiolo, localizado na Via Larga, atual via Cavour que liga o Duomo ao Museu de San Marco, onde se encontram os afrescos de Fra Angélico.

103Idem. Tradução livre: Mauricio Santana Dias.São Paulo: Companhia das Letras, 2017. p. 31. Texto original: Se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi. 104 O filme “Il Gattopardo” de Lucchini Visconti venceu a Palma de Ouro no 16º Festival de Cannes. 105 Telemaco Signorini,”Il Caffè Michelangiolo”, in Gazzetino delle arti del Disegno, n. 19, 25 maggio 1867. MAR. B. 2. 233, pp 150-151. Trad. livre: fomos revolucionários e soldados, para ser em seguida livres cidadãos de uma nação. 106 MONTI, Raffaele. Fattori, Artedossier, nº 101, Ed. Giunti, monografias de arte. 58

O grupo se reunia disposto a confrontar ideias, embasadas ou não, em sólidos argumentos a respeito da expressão figurativa de história e de paisagem. Assim como os efeitos da luz na pintura com variáveis e sutis tonalidades. A busca por uma nova linguagem pictórica para representar aquele momento singular da sociedade fiorentina. Figura 7 - Gruppo di artisti, Firenze Aprofundando a análise do termo “macchia”, Elisabeta Matteucci da Fondazzione per L´Arte Moderna Matteucci, remonta ao século XVI para identificar o uso da expressão “fare alla machia”, como sendo o traçado ligeiro de uma imagem, que se pretende fixar. No entanto, a técnica só Fonte: Biblioteca Marucelliana, Legato Lamberto Vitali 14.13 se definiria com as experiências de pesquisa cromática, em acordo com o estudioso Professor Carlo Sisi.107 Para ele a macchia data de 1855. Nesse período, a síntese cromática expressava a solidez dos corpos sob a luz, anterior à referência catalisadora do movimento manchista, proveniente da machia durante os anos em que “o realismo se afirmava com base na natureza”.108Para o mecenas, escritor e crítico do movimento macchiaiolo, Diego Martelli, a primeira experiência com a macchia aconteceria em 1860. In quell´epoca, dove d´ogni difficoltà dell´Arte si cercavano le ragioni, quando e macchia e chiaroscuro e tonalità grigia, e pittura a corpo o a

107 SISI, Carlo, “Le Caffè Michelangiolo, avant-poste du réalisme en Europe.” Catalogue Les Machhiaioli 1850-1874. Des impressionnistes italiens? Exposition organisée par L´Établissement public des musées d´Orsay et de l´Orangerie. Paris, e par La Fondation MAFRE, Madrid, avec la participation exceptionelle du Palazzo Piti, Florence, p. 75. 108 BIETOLETTI, Silvestra. I Macchiaoli. Giunti Group, Editore, Firenze, p.12. 59

velatura, erano tanti punti interrogativi, ed al penello si sostituiva il mestichino, e tutto il passato era scosso e rovinoso ...109

Naquele ambiente artístico onde se debatia o que, resumidamente, Martelli chamaria de “macchia e chiaroscuro, e tonitá grigia, e pittura a corpo e velatura”110 encontravam-se os pintores Telemaco Signorini, Adriano Cecione, De Nittis, Lega, Abbati, Altamura, Banti, Fattori. Em 1857, Édouard Manet encontrava-se em Firenze para copiar os afrescos de Andrea del Sarto, conservados na Igreja da Santissima Annunziata, ocasião em que visitou o Caffè Michelangiolo.111 Um ano depois, Edgar Degas (1834-1918) permaneceria por um ano em Firenze, na residência de seus familiares italianos, tempo dispensado para pintar La Famiglia Bellelli. Essa obra, hoje no Musée D´Orsay, retrata Laure, sua tia paterna, casada com o Barão Genaro Bellelli e suas duas filhas, Giulia e Giovanna. Durante sua estadia na casa dos Bellelli, Degas aproximou-se dos pintores Fattori, Altamura e Banti, que residiam nas imediações da Piazza di Barbani, atual praça da Independência, onde moravam também os parentes italianos da família de seu pai. Degas mantinha relações de afeto com os tios, nutridas por sentimentos mútuos de profunda afinidade. Sabe-se que ele também frequentava o Caffè Michelangiolo, participando dos debates do grupo macchiaiolo, responsável por significativos avanços teóricos para novas pesquisas de elaboração figurativa. Anos mais tarde, o francês Edouard Manet voltaria a Firenze. A propósito, Martelli escreveu:

...lo vidi la prima volta in casa di Pepino De Nittis a qui desinari settimanali, dove veniva quase sempre insieme alla sua signora, ad Edgar Degas e al critico romanzere Duranty, ma dove lo conobbi veramente fut al Caffè della Nouvelle Athènes sulla Piazza Pigale, caffè che un giorno vivrà nella storia come virà cronaca d´arte fiorentina il Caffè Michelagiolo.112

109 MARTELLI, Diego. Machiette Artistiche. Stanislau Pointeau, in Fanfulla dela Domenica, anno III, nº 51,18 dicembre 1881. MAR G. a 514 Apud Catalago a cura di Giancarlo Gentilini. Macchia e Cultura a Firenze Intorno al 1860.31 maggio – 30 giugno, 1976, p. 16 Trad. Livre: Naquela época, onde cada dificuldade encontrada nas artes era um desafio em relação à machia e chiaroscuro, e tonalidade cinza, e pintura, e tonalidade cinza uniforme mais ou menos densa como o negativo de uma imagem fotográfica, eram tantos pontos de interrogação, e o pincel era substituído pela espátula, e tudo o resto arruinado.

111 Cf. Carlo Sisi. Op. cit. p. 74 112Diego Martelli relata sua primeira impressão de Manet, apud Alba Del Soldato. Luoghi e Ricordi dei Macchiaioli, “Diego Martelli, Scritore Político”. pp. 28,30. Tradução: “.... o vi pela primeira vez em casa de Pepino De Nittis num dos jantares semanais, onde vinha quase sempre a sua esposa, junto 60

Diego Martelli continua descrevendo Manet: era um homem alto, loiro, gentil no verdadeiro sentido da palavra gentiluomo. Sua barba escondia os dentes com um sorriso irônico, o mesmo que Martelli encontrava na maioria dos parisienses de puro sangue, o sorriso de populações privilegiadas que ignoram as demais, seguros da própria superioridade. A primeira impressão que Diego Martelli registrou quando viu o trabalho de Edouard Manet em Paris, em 1863, foi de indiferença à pintura que lhe pareceu feia, pelo fato de ser dotada de uma originalidade ostensiva. A obra de Manet, que não lhe havia agradado no primeiro olhar, com o tempo ganharia uma nova feição mais interessante. Martelli havia mudado de opinião. Era um período de efervescência cultural em Firenze. Os ambientes artísticos e salões literários acolhiam coleções de arte onde elite e pintores circulavam no mesmo ambiente. Um dos pontos de encontro a partir de 1848 foi o Caffé Michelangiolo, verdadeiro centro dos debates político, artístico, literário e musical, que se tornou conhecido reduto da Itália do Risorgimento. Cada pintor buscava sua forma individual de expressar o mundo. Telemaco Signorini, por exemplo, havia adotado fortes contrastes cromáticos da pintura histórica para as cenas da vida quotidiana. Em Zibaldone,113o pintor facultaria o entendimento da pintura para além de exercícios pictóricos sobre a natureza como cópia exata da realidade. A verdadeira arte, disse Signorini em seu artigo “Lettere ed Arti” de 4 maio de 1889,

(...) sviluppa un ragionamento che individua con particolare evidenza l´intima funzione della pittura nell´espressione della sostanza della natura, al di là di ogni esercizio pittorico di “copia esatta della realtà”. La vera arti si configura come “quella che sa giornalmente combatter colla natura, per conquistare qualcosa del suo movimento, della sua luce e del suo carattere locale, in qualque condizione sociale, en qualunque ora si sia”.114

com Edgar Degas e o crítico romancista Duranty, mas onde o conheci realmente foi no Caffè da Nouvelle Athènes na Piazza Pigale, café esse que um dia entrará para a história assim como entrará para crônica da arte fiorentina o Caffè Michelangiolo”. 113 SIGNORINI, Telemaco. Lo Zibaldone, a cura di Silvio Baldoni – Suprintendenza Speciale per Il Polo Museale Fiorentino. Ministero per Il Beni e le Attività Culturali. Sillabe, Livorno, 2008 114 Idem, p. 21. Tradução livre: (...) desenvolve uma reflexão que individua com particular evidência a íntima função da pintura na expressão da substância da natureza, além de cada exercício pictórico de cópia exata da realidade. A verdadeira arte se configura como aquela que sabe cotidianamente 61

Telemaco Signorini desconstruiria, assim, a edificação do pensamento decorrente de conceitos impostos que tendem a ver na estrutura da realidade um movimento de ascensão acumulativo, onde cada evento é um avanço em relação ao passado como condição necessária de um aperfeiçoamento futuro. Ao contrário, Signorini, que se baseava na experiência estética da fotografia, deixa registros da técnica que levou os jovens artistas a realizar experiências em áreas abertas utilizando o espelho negro como resposta à “síntese da luz e da cor percebida pelo olho em condições da variabilidade contínua do espectro luminoso”.

Ce miroir permettait d´obtenir une forme réduite à l´essentiel, incisive et nette dans son contraste d´ombre et de lumière (la tache, justement), et capable de représenter une analogie poétique des formes naturelles.115

Nesse ambiente incitado por doutrinas cientificistas e materialistas que proliferaram ao longo do século XIX, os olhares sobre a pintura se multiplicavam tornando-se complexo perpassar toda angulação de argumentos debatidos em Firenze e na capital francesa. A busca por experimentos correspondentes a uma nova linguagem pictórica mobilizaria os pintores macchiaioli, estimulados pelo experimentalismo positivista que se fazia sentir nas atividades humanísticas, sobretudo na literatura. Os estudos de Rafaello Monti sobre Fattori evidenciam a luta do pintor pela modernização do campo artístico, tendo por base a ideia de que a pintura germina em meio a jovens insatisfeitos com o léxico tradicional, na busca de uma linguagem mais compatível com a unificação da Itália. O Risorgimento certamente deveria produzir uma nova linguagem pictórica de raiz nacional, mas de espírito renovador.

A arte macchiaiola tem sido objeto de estudos na Itália, quer pela ambientação fiorentina renovada como fonte de criação da expressão figurativa de representação cultural, quer relacionada ao ambiente daquela nova sociedade participativa do Ottocento. Analisada no cruzamento entre as linhas da tradição acadêmica, que já

combater a natureza, para conquistar algo do seu movimento, da sua luz e do seu caráter local, em qualquer condição social, em qualquer momento que ela se manifeste. 115 SISI, Carlo. “Le Caffè Michelangiolo, avant-poste du réalisme en Europe.” op. cit., p. 77. 62 não bastava para responder àquele momento do Risorgimento, e a modernidade, que se fazia sentir com as pesquisas tecnológicas e científicas. A cultura fiorentina dos anos 1860 toma da ciência o método da investigação, estimulando a pesquisa e o sentido da complexidade do objeto em questão, recusando, no entanto, toda presunção de verdade, aspiração a valores absolutos, ou novos sistemas. Em acordo com os estudos sobre arte e ciência de Pasquale Villari, “Il positivismo è quindi un nuovo método, non già un nuovo sistema.”116 E, como método impulsionou novas maneiras de expressão figurativa, sobretudo pela movimentação entre os visitantes franceses a Florença, e fiorentinos a Paris, encorajados pelos debates que aconteciam no Caffè Micchelangiolo, em Florença. A investigação crítica passou a ser privilegiada como exigência da expressão de vivências plurais revigoradas pelo comprometimento daquele grupo fiorentino com o Risorgimento italiano. Entre os estudiosos da arte macchiaiola destaca-se o professor emérito da Università degli Studi di Firenze, Carlo Del Bravo (1935-2017), mormente pela abordagem dada ao capítulo “Milleottocentosessanta” do livro Le Rispote dell´Arte, onde analisa as especulações do método analítico em meio à pesquisa pictórica. Em “Milleottocentosessanta”, Del Bravo evidencia os recursos do positivismo para o avanço da pintura macchiaiola, como meio de proporcionar às artes plásticas a chave analítica, pela qual se desejava comprovar a percepção histórica e ambiental da tradição figurativa sem a presunção de definir a verdade absoluta. Os macchiaioli encontrariam respostas para a pintura nas investigações sobre o modo de apreender os efeitos da luz e das cores com base na teoria kantiana do conhecimento, praticada naquele mesmo ano em que se encontravam no Caffè Michelangiolo, como meio de representar mentalmente o objeto cognoscível.

Nel settimo decennio del secolo scorso, e in partticolare a Firenze, ci si poneva dunque il problema del rapporto dell´arte contemporanea col positivismo, con questa partenza proponiamo di ritenere ‘positive’ le opere dei macchiaioli, indicandovi analisi della percezione, analisi della storia più viccina, analisi dell´ambiente e della tradizione figurativa. Questo sarebbe dunque un positivismo che ricerca soddisfazione nel metodo analitico senza presunzione di definire verità.

116 VILLARI, Pasquale. La Filosofia Positiva e il Método Storico, in “Il Politecnico” Serie IV, Vol. I, gennaio 1966. MAR. RIV.i,253.p.23 apud Catálogo a cura di Giancarlo Gentilini. “Machia” e Cultura a Firenze Intorno Al 1860. Biblioteca Marucelliana di Firenze, 31 Maggio, 30 Giugno, 1976, p.13 Trad. Livre:” O positivismo é, portanto, um novo método, ainda não é um novo sistema”. 63

Per l´analisi della percepzione potremmo far dispendere la loro inesauribile indagine critica degli effetti di luce e colore, dalla ‘traduzione’ empiristica della teoria kantiana della conoscenza.117

Para defender seus argumentos, Del Bravo118 recorreu ao artigo “L´Optique et la Peinture” publicado na revista francesa Revue des Deux Mondes, em fevereiro de 1857, e, em dezembro de 1859, traduzido para a Rivista di Firenze e bullettino delle arti del disegno. O artigo de Jules Celestin Jamin (1818-1886), físico francês, professor durante 29 anos na École Polytecnique e 23 na Facultè des Sciences de Paris, e presidente da Académie des Sciences, reflete o desenvolvimento de seus trabalhos científicos sobre ótica e pintura, afirmando:

La pittura non è come spesso si supone, una riproduzione della natura, ma uma finzione ammessa, di cui i processi sono convenzionali, e che produce delle opere senza realtà fisica. Ne deriva un´altra verità, come questa incotenstabile: ed è che se si tentasse di dare alla pittura questo carattere di realtà che le manca, s´incontrerebbe una impossibilità materiale contro quale sarebbe inutile lottare.119

Desse modo, Jamin, analisa a impossibilidade de imitar as cores da natureza. Um esplendor absoluto que ninguém pode imitar. As cores usadas na pintura possuem uma escala modificada de luminosidade, não tão brilhantes como o corpo iluminado. A imitação artística é regulada sobre a gradação da luminosidade e não sobre a luminosidade absoluta: em outras palavras, usa uma escala modificada para concluir que o artista não pode copiar a natureza, apenas por relação análoga. Há, portanto, uma impossibilidade de realizar uma cópia exata do mundo visível, por duas razões: a primeira diz respeito à composição de fibras nervosas da retina, por meio da qual se

117 DEL BRAVO, Carlo. Le Risposte dell´Arte. Firenze; Sansoni Editore, Nuova S.p.A., 1985. p. 280. Tradução livre: Nos anos setenta do século passado e em particular em Firenze, se colocava o problema da relação entre a arte contemporânea e o positivismo, deste princípio propomos definir o ‘positivo’ dos macchiaioli, indicando a análise da percepção, análise da história mais próxima à análise do ambiente e da tradição figurativa. Isto seria então um positivismo que procura satisfação no método analítico sem presunção de definir a verdade. Para a análise da percepção poderíamos relacionar a inexaurível indagação crítica deles, sobre os efeitos da luz e da cor, da tradução do ponto de vista empírico da teoria kantiana do conhecimento. 118Ibidem, p. 280, nota de rodapé. 119 JAMIN, Jule. “L´ottica e la Pittura”, 1857, tradotto in “Rivista di Firenze e Bullettino dele Arti del Disegno, anno III, vol. 6, 1850. MAR. A.J.A. VI.108, p. 392 apud Catálogo a cura di Giancarlo Gentilini. “Machia” e Cultura a Firenze Intorno Al 1860. Biblioteca Marucelliana di Firenze, 31 Maggio, 30 Giugno, 1976. p.18. Trad. Livre: A pintura não é, como se supõe, uma reprodução da natureza, mas um fingimento permitido, cujos processos são convencionais e produzem obras sem realidade física. Disso vem outra verdade, como a primeira, incontestável: se se tentar dar à pintura o caráter de realidade que lhe falta, encontraríamos um obstáculo material contra o qual seria inútil lutar.

64 tem apenas sensações e visões subjetivas, dificultando assim a percepção da luminosidade das coisas; a segunda diz respeito às cores da paleta, que são produtos artificiais e, portanto, não correspondentes à luminosidade natural.

La peinture n´est pas vraie quando elle reproduit à l´identique les formes et les couleurs, mais quand elle émeut les spectateurs de la même manière que les émouvrait la vue de la réalité.120

A partir de Jules Celestin Jamin, o estudioso Carlo Del Bravo analisa o artista fiorentino do terceiro quartel do Ottocento, os macchiaioli, pelo modo crítico com que assimilavam o objeto de estudo, sem perder o sentido da natureza e atualizando os conhecimentos científicos e o sentimento. Assim, le macchie (as manchas) podem ser entendidas como uma versão artística do modo de experimentação positivista pela análise da percepção e pelo estudo dos valores de luz-cor. Assim como o artista se coloca diante do objeto para apreender a proporção, a situação, o chiaro-scuro no tocante a distintos aspectos de nitidez, demonstrações geométricas, próprias da noção de modernidade, assim deve elaborar intelectualmente a narrativa de modo similar à obra literária. A propósito, Telemaco Signorini enfatizava o fato de o objeto não ter relevância na pintura. O que importa é a interpretação única e singular daquele velho tema da paisagem, deslocada ou não, para os campos de batalha, domésticos, jardins ou hortas, periferias, ou cenas do cotidiano de tradução pictórica sobre o plano árido do sentir e da emoção. Fato que evidenciaria, como bem analisou Eugenio Garin121 que, apesar da reciprocidade entre a ciência histórica e a ciência da natureza, Firenze não perderia a poesia ao aspirar o positivismo metodológico dos macchiaioli dos anos 1860, visto, neste caso, como componente essencial de um engenho criativo.

120JAMIN, Jules. « L´Ottica et la pittura » Rivista di Firenze e bullettino delle arti des disegno, 35, décembre 1859, p. 377-378. Apud Carlo Sisi. “Le Caffè Michelangiolo, avant-poste du réalisme en Europe”, In Les Macchiaiol : des impressionistes italiens ? Exposisition organisée par l´ètablissement public des musées D´Orsay e de L´Orangerie, Paris e par la Fundation MAFRE, Madrid, avec la participation exceptionelle du Palazzo Pitti, Firenze. Tradução livre: A pintura não é verdadeira quando ela reproduz as formas e as cores. Ela é verdadeira quando emociona os observadores do mesmo modo que eles se emocionariam diante da realidade. p. 77. 121 GARIN, Eugenio. “La cultura italiana tra `800 e `900”. L´Istituto di Studi Superiore di Firenze, 1960 Roma, 1962. MAR. Coll. 59.572. Apud Catálogo a cura di Giancarlo Gentilini. “Machia” e Cultura a Firenze Intorno Al 1860. Biblioteca Marucelliana di Firenze, 31 Maggio, 30 Giugno, 1976, pp.19, 20. 65

Um relato encontrado no arquivo epistolar da Biblioteca Marucelliana - Firenze, revela o espírito investigativo dos macchiaioli.122 Trata-se da carta de Adriano Cecione (1836-1886) a Odoardo Borrani (1833-1905) contando a experiência vivida com seus amigos artistas no Montelupo em Valdarno, ocasião em que exploravam novas possibilidades cromáticas sobre a intensidade da luz solar em contraste com a sombra, por meio do espelho negro. A ideia era obter uma escala cromática seguindo os ensinamentos de Altamura. Na carta Cecioni restabelece o clima de entusiasmo com que os pintores estudavam o efeito da luz e das cores indicando uns aos outros as próprias descobertas: “Guarda Banti, la belezza di quel bianco sul fondo”. “Guarda Signorini, guarda la forza degli abbattimenti di luce”. Entre pesquisas e debates se reuniam no Caffè Michelangiolo, para avaliação dos avanços conquistados e planejamento de novas visitas em grandes campos abertos a fim de aprimorarem o próprio métier. A sensibilidade formal moderna dentro do movimento macchiaiolo renova a arte Ottocentista, considerada por Carlo Argan em De Michelangelo ao Futurismo, como sendo a mais comprometida e construtiva daquela metade do século fiorentino, dotado de uma força que precede, cronologicamente,

os enunciados teóricos dos impressionistas franceses e, por alguns aspectos dele se aproxima. Afirmar que o pintor deve oferecer exatamente o que o olho percebe, ou seja, manchas coloridas de luz e de sombra, significa evidentemente afirmar que a atividade do artista não deve ser viciada por preconceitos culturais: o campo do artista é, portanto, o do absoluto presente.123

Assim como aconteceu em São Paulo124, o positivismo italiano inspirou-se em Spencer, seguido das teorias de Darwin e do evolucionismo para o florescimento das

122 Biblioteca Marucelliana. Manuscrito 944330, n. 6 Ceccione/ lettere/ Barroni, p. 17-18. 123 ARGAN, Giulio Carlo. História da arte italiana. De Michelangelo ao futurismo. Vol. 3. Tradução Vilma De Katinsky. Prefácio de Lorenzo Mammi. São Paulo: Cosac Naif. p. 425. 124“A significação do positivismo na história do Brasil, segundo Otto Maria Carpeaux, “ultrapassa os limites da história de um sistema filosófico”. Os significantes de um Brasil positivista estão presentes na fiação contínua dos conceitos no processo artístico, por meio de sugestões de figuras heroicas capazes de mobilizar sentimentos cívicos afinados aos propósitos republicanos. Assim foi o caminho percorrido pelo artista rio--grandense Décio Villares (1851-1931) inspirado pelos “filósofos” Miguel Lemos (1854-1917) e Teixeira Mendes (1855-1927), em maio de 1888. Os considerados positivistas ortodoxos tinham como simpatizantes os profissionais liberais Quintino Bocaiuva, Benjamim Constant, Silva Jardim, Lopes Trovão, Raul Pompeia indispostos com a política cafeeira paulista. Essa dualidade se fez sentir pelo retardamento da escravatura conveniente aos ’cafezistas”, como eram chamados os “spenceristas paulistas” por Nabuco124. Interesses de ordem 66 ciências da vida. Em Florença a representação positiva da cultura do Resorgimento italiano deu expressão à ideia de uma nação firmada militarmente para expulsar os estrangeiros na luta pela unidade nacional.

a reforma dos macchiaioli quer ser justamente uma reforma linguística: o “toscano” reinvidica, também na arte, o direito histórico de se tornar a língua oficial da Itália unida. Se todos os valores do quadro se limitam a luz e sombra a construção resultará das linhas de limite entre cores-luz e cores-sombra, assim se restabelece, revisto o princípio da tradição figurativa toscana, o desenho. Contudo, o desenho dos macchiaioli é muito diferente do desenho acadêmico, que consistia em delinear o objeto para depois passar ao colorir. Para os macchiaioli o desenho resultante da ligação entre as manchas não é o ato inicial, e sim o ato último e conclusivo da pintura, a síntese que ordena e constrói na forma as sensações cromáticas e luminosas. Reduzindo, simplificando, esclarecendo, o desenho elimina qualquer engrandecimento retórico, qualquer excitação emotiva, qualquer efusão patética: a mancha sintética dos macchiaioli é a antítese da mancha dispersiva dos lombardos.125

Para Giulio Carlo Argan, a linguagem toscana, no entender dos macchiaioli, deveria ser exprimida pelo povo e não por representantes da elite intelectual, incapazes de expressar a linguagem da Unificação italiana, e a “a pintura dos macchiaioli é a única tendência figurativa que pode ser chamada, nas palavras de Gramsci, de nacional-popular”.126

O Ottocento fiorentino traz na poética realista, precisa e concisa, a diferença entre os impressionistas e os macchiaioli fundamentada na visão de real. Ou melhor,

econômica, política e ideológica dividiam os dois lados: de um lado o spencerismo, de outro o comtismo com a polêmica iniciada por Silvio Romero, defensor do evolucionismo presente na “democracia paulista”. Outros fatores de ordem prática contribuíram para que se prevalecesse o estado ideológico a favor e contra as presidências paulistas constituídas no liberalismo. A representação mais acirrada foi sem dúvida no Rio de Janeiro, durante a passagem da Academia Imperial de Belas Artes para a Escola Nacional de Belas Artes, quando os representantes Décio Villares, Montenegro Cordeiro e Aurélio de Figueiredo, da pintura positivista no Brasil, desenvolveram um projeto de ruptura com a estrutura da Academia. Uma nova identidade foi proposta para fazer valer a arte positivista contra os modernos, representados pelos irmãos Bernardelli, Rodolfo Amoedo e seus alunos Eliseu Visconti, Fiúza Guimarães e Rafael Frederico. O spencerianismo de Silvio Romero, assim como o discurso darwinista do médico Luís Pereira Barreto, um dos conselheiros do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, evidenciava as tendências ideológicas, a favor das presidências paulistas constituídas no liberalismo paulista. 125ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. Trad. Denise Bottmann e Frederico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, , 1992. p. 164, 165. 126 ARGAM, Giulio Carlo. Op. cit., p. 165. 67 enquanto os franceses buscavam a sensação pura para representar suas impressões pictóricas, os fiorentinos se apoiavam no discurso claro e conciso, simplificando a visão estruturada na perspectiva e retomando o movimento de retorno à tradição do Quatroccento italiano. Reafirma-se assim o movimento de recuperação dos gêneros tradicionais escalonado em meio aos avanços da modernidade, que ganhara as fronteiras internacionais por colocar na pauta de debates o papel do artista na sociedade do pós-guerra, a dialética entre a tradição e inovação, muito bem articuladas por Carrà, Kandinsky, Cechi, Soficci, De Chiricco, entre outros colaboradores vanguardistas da revista Valori Plastici, no sentido de ocupar aquele espaço de transição. Fato que permite inferir que nem toda vanguarda era moderna. O passado e a tradição se farão representar no Novecento, para delinear o caráter político da arte italiana, que juntamente com os futuristas nortearia os anos pós-guerra na busca de uma nova linguagem para a Itália.

O pintor livornese Giovanni Fattori (1825-1908) herdou a simplicidade do pai artesão no modo de ser e no estilo de vida, tornando-se o ícone do movimento macchiaiolo. Figura 8 - Giovanni Fattori. La rotonde dei bagni Palmieri, 1866

Fonte: Olio sul tavola, 12 X 35 cm. Galleria d´Arte Moderna. Palazzo Pitti. Firmato e datato in basso a destra “Gio Fattori. 1866” Foto autora, 2016

A tampa da pequena caixa de cigarro pintada por Fattori tornou-se ícone da teoria macchiaiola. As sucessivas aplicações de cor com variações de tons acompanhavam a intensidade da luz valoradas por leves traços que se mostravam e se escondiam nas pinceladas interrompidas pela narrativa. A macchia estava presente

68 na coloração, no valor e na relação que envolvia a atmosfera da composição de sua mulher doente, acompanhada por familiares durante seu último verão em Livorno. As figuras femininas na tenda do balneário foram agrupadas por Fattori no primeiro plano, que é cortado magistralmente, por linhas horizontais. O pintor rompe o natural enquadramento do objeto retratado, pela linha do ombrelone inserida na paisagem contínua do azul marinho entremeado pela areia branca e pelo tom escuro, que ao fundo retrata Punta del Romito. Entre os inúmeros artigos e biografias sobre o artista Fattori, faço referência aos artigos do pintor e crítico Ardengo Soffici127 na edição especial da Revista Valori Plastici. Valendo-se de diferentes elementos de natureza variada e de aspecto puramente figurativo, Soffici analisou de modo particular a construção pictórica na tradição da matéria, para se deter na técnica fattoriana. Como base de reflexão para a análise do pintor toscano, referia-se à visão de realidade que impregnava as telas como um dos caracteres da sua pintura, a partir do argumento tratado e pelo modo de tratá-lo, incluindo na mesma relação de importância, o espírito e o estilo advindos da própria pintura. Ardengo Soffici chamava atenção do leitor para o significado genuinamente importado do real e também para o fato de Fattori internalizar os apelos do cotidiano transformados em argumentos. O estilo se adequava à sua expressão pictórica por resultar da observação daquela realidade fortemente ligada à verdade.

[...] e c´è realismo e realismo. C´è un realismo che si manifesta prevelentemente nella imitazione materiale, diciamo meglio sostanziale del sogetto, senza che il pittore segua troppo puntualmente le forme della natura apparente, ed anzi le violente e le deformi secondo un concetto estético che porta in sè; come avviene, ad esempio, per Michelangelo e Cèzanne, ce n´`e un altro, invece, che nell´osservanza scrupolosa di quelle forme trova un´espressione altrettanto chiara – con un poco di sacrificio, è vero, della vastità monumentale che una maggior libertà d´interpretazione permetterebbe di raggiungere. – Ma ciò che perde in ampiezza lo guadagna in intimità. Il realismo di Fattori è di quest´ultima specie. [...] ma specialmente i ritrati, dove la fedeltà alle forme del modelo vivo è piena, assoluta, e quale raramente si riscontra in símile genere di lavori, ove non si tratti

127 SOFFICI, Ardengo. ”Giovanni Fattori”, Edizione d´arte di Valori Plastici, Grande edizione di lusso di tutta l´opera inédita, riprodotta in fototipia e preceduta da uno Studio critico di Ardengo Soffici. Rivista D´Arte. 1921, Anno III, Roma, pp. 14, 15

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di copie triviali e fotografiche della figura ritratta ma di creazione d´arte veraci e belle.128

Ainda na Rivista Valori Plastici outra homenagem a Giovanni Fattori viria do artigo do pintor Emilio Cechi,129cuja referência ao artista disse respeito à prospectiva por justaposição de tons, com total e natural adequação entre a cor e o objeto revelados como elemento de diferenciação e de verdade.

Emilio Cechi reproduziu a descrição de uma aluna que descreveu o artista:

Quando passa nelle stanze dell´Accademia, le mani dietro la schiena e l´eterno cappellino tondo di festro nero sulla zazzera ricciuta, la cordiale vivacità del suo volto pigliava una punta di malizia. Non chiedeva silenzio nè disciplina, e circolova fra i cavaletti, silenzioso e divertido come un camerata.130

A relação de Fattori com os alunos era livre, ou seja, era uma relação de “lasciar fare” para quem não conseguisse fazer arte. No entanto, quando Giovanni Fattori encontrava um estudante verdadeiramente interessado, a sua metodologia mudava. Buscava despertar a consciência do jovem num movimento de dentro para fora, aconselhando-o a lidar com a pintura com naturalidade e consciência. Para isso utilizava uma estratégia por meio de um enfático discurso declinando o fato de ele, quando jovem, dominar o desenho do modelo nu realizado na academia e de volta à casa redesenhar de memória. No entanto, afirmava, já não o sabia desenhar de memória. Utilizava dessa artimanha para encorajar seus discípulos e, ao mesmo

128 Ibidem, p.14, 15. Tradução livre: “(...) e há realismo e realismo. Há realismos que se manifestam prevalentemente na imitação material, isto é, substancial do sujeito, sem que os pintores sigam muito pontualmente a forma da natureza aparente, e como também a violência e deformidade como um conceito estético que traz em si, como o futuro. E a exemplo de Michelangelo e Cézanne, há um outro, que, numa observação escrupulosa daquelas formas encontra uma expressão sobretudo clara -, com um pouco de sacrifício, é verdade, da vastidão monumental que uma maior liberdade de interpretação permitiria alcançar. Porém, isto, se perde em amplitude, ganha em intimidade. O realismo de Fattori é desta última espécie (...) mas especialmente os retratos, onde a fidelidade à forma do modelo é plena, absoluta, e que raramente se encontra gênero similar de trabalho, que não sejam cópias triviais e fotografias da bela figura retratada, mas de criação de arte verdadeira e bela..” 129”Giovanni Fattori da Emilio Cecchi”, Valori Plastici, Rivista D´Arte. Periodico Mensile. Gennaio – Febraio, 1920, AnnoII, Roma, N.I-II, (1-9) 130 CECHI, Emilio,. “Giovanni Fattori”. Valore Plastici. Rivista d´Arte. Diretta da M. Broglio. Periodico Mensile. Anno II. Roma, nº I-II Gennaio-Febraio, 1920, p.2 Trad. Livre: Passava na frente da Academia, mãos no bolso, o eterno chapéu redondo de feltro negro sobre os cabelos longos e enrolados, a cordial vivacidade com uma ponta de malícia. Não pedia silêncio nem disciplina, circulando entre os cavaletes, silencioso e divertido como um camarada. 70 tempo, para fazê-los sentir que a arte é um estudo sem fim, um desafio a ser retomado. A tradução de sua genial criatividade acontecia no instante em que o tema da obra passava para a tela fazendo coincidir, segundo Giulio Carlo Argan, “com o universo do espaço geométrico e da luz absoluta”.131 A título de exemplo, a obra De Sentinela (1868-1970) sintetiza o fazer artístico de Fattori. Ela apreende o momento de suspensão do impasse retratado sob o sol forte do lugar deserto, cuja essencialidade bipartida em dois planos corresponde à horizontalidade do terreno e a verticalidade do muro, os dois em tonalidades claras, próximas ao branco. Argan refere-se, no conjunto da obra, “ao equilíbrio de cores-luz e cores-sombra” com a chegada da patrulha com uniformes escuros destacados por quepes brancos em cavalos brancos e negros. O espaço é construído nos moldes do Quatrocento de Paolo Uccelo e Piero Della Francesca. Mantém, no entanto, a identidade própria em relação aos elementos que, na obra de Fattori, provocam no observador a sensação do ar rarefeito e da luz sufocante no espaço arenoso ocupado por 3 sentinelas. A redução da visão cenográfica da perspectiva confere à técnica macchiaiola a construção resultante das linhas-limite construídas por meio do desenho, entre luz e sombra. Não se trata do desenho acadêmico. Nem do colorido depois do desenho. Trata-se do ato de concluir e organizar as impressões cromáticas do artista, que retoma a visão tradicional da arte fiorentina. Aqui entendida por Giulio Argan como a busca histórica de uma linguagem pictórica naquele momento de luta pela unificação da Itália. Como pintor inserido no movimento macchiaiolo, Giovanni Fattori tornou-se uma espécie de ícone acolhido na Academia de Belas Artes de Florença no fim de 1876, quando lhe foi concedido o sótão do edifício da Academia para pintar a “Bataglia di Custoza”. Tempos depois, em 1879, vivendo confinado no espaço cedido na Accademia di Belle Arti passou a ensinar pintura. Em 1888 lhe foi concedida a posição de mestre, como assistente de “Figura e La Scuola di Pittura, Disegno nelle classe feminili”.132

131 ARGAN, Giulio. Op. cit., p.166 132 Os dados aqui mencionados sobre a Accademia di Belle Arti di Firenze têm como referência a fonte indicada pelo Dott. Daniele Mazzolei, pela fidelidade às fontes compulsadas por Luigi Biaggi. In: L´Accademia di Belle Arti di Firenze, edição Felice Le Mounier, MCMXLI-XIX. 71

Figura 9 – Giovanni Fattori e Alcunni Alunni

Fonte: Legatto Vitali. Biblioteca Marucelliana Biblioteca Nazionale di Firenze

A instrução artística na Accademia di Belle Arti di Firenze apropriava-se da noção interativa do sombreado desenvolvido cuidadosamente a partir de cópias de antigos estatuários modelados em gesso, para desenvolver a percepção de diferentes densidades de chiaroscuro133. Normalmente, bem postado sob a luz natural que iluminava o ambiente fechado da academia, a técnica desenvolvida tinha como suporte os efeitos de luz e sombra potencializados na pintura sob a forma adensada de seu volume e solidez, isto é, representado por formas arredondadas. Diferentemente das formas planas vistas à luz do dia que mais pareciam manchas coloridas. Ao contrário dos ambientes fechados, a pintura ao ar livre se fazia por meio de contrastes mais visíveis, contrapondo-se à ambientação dos estúdios, onde os objetos perdiam a sua nitidez. Verifica-se a existência de uma iluminação mais brilhante em oposição ao sombreado de tons acinzentados ou negros dos estúdios. As experiências resultantes da pintura ao ar livre estimulavam os grupos de pintores que buscavam novas experiências para as artes. Na Accademia di Belle Arti di Firenze, o alunado do curso comum aprendia as disciplinas básicas e aquelas direcionadas para os cursos de especialização em Arquitetura, Escultura, Pintura, Ornato. Entre elas, incluía duas disciplinas focadas no Curso de Arquitetura. Uma delas era a História da Arte e a outra Escultura de Ornato.

133 Observo a mesma técnica na Academia de Belas Artes de São Paulo, que após curto período passou a Escola de Belas Artes, atual Faculdade de Belas Artes. 72

Ao professor diretor do R. Instituto, Vicenzo Micheli, cabia a precedência na banca examinadora como professor do curso de Arquitetura e, como diretor na presidência

Figura 10 - AABAFi. FILZA n 95. Ano 1905 – da banca compartilhada com outros dois 906, ins. 11, verbale ornato, 2º ano. 1905-906 professores, Giacomo Roster e Corinto Corinti. O aluno era submetido ao exame de Promoção Verbal aplicado por uma banca constituída por três professores, sendo um deles o professor responsável da disciplina examinada. Normalmente temida pelos alunos, a banca intimidava a todos dificultando o bom desempenho para

Fonte: Archivio storico dell´Accademia di Belle obtenção de notas altas nos exames escrito Arti di Firenze e oral. O veneziano radicado em São Paulo, Giuseppe Pascuale Perissinotto (1881- 1965), beneficiou-se do aprendizado na Accademia e levou seu conhecimento para sua vida profissional em São Paulo, como difusor da cultura italiana, quer na condição de educador - quando abriu sua escola no bairro do Brás e lecionou no Liceu de Artes e Ofícios -, quer nos ornatos realizados em edifícios da capital paulista como, por exemplo, o Teatro Oberdan, no Brás. Como aluno de De Carolis, Perissinotto herdou o grafismo e de Giovanni Fattori, a técnica macchiaiola presente em sua pintura e dos alunos de pintura e desenho da Escola Perissinotto e no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Sua trajetória foi brilhante e o resultado lhe garantiu aprovação pela banca examinadora para cursar diretamente o 3º ano do curso comum, em 1903. Reconhecido com duas medalhas: uma de prata pelo desempenho na disciplina de “Desenho de Ornato”, outra de bronze pelo resultado na disciplina de “Escultura” foi aprovado em Figura com nota 8 sobre 10; em “Desenho de Ornato” 18 sobre o ponto de mérito 20, com o desenho ½ macchia ½ gesso. Em “Plástica de Figura”, 17 sobre 20, como ponto de mérito.134 A título de conclusão do curso comum o seu boletim assinalava não apenas as notas, como as duas medalhas recebidas135 .

134 AABAFi. FILZA 93 A N 17 A 46. AFFARI del R Istituto di Belle Arti di Firenze. Anno 1904. Direttore V. Michele ins. 31 135 AABAFi- Archivio Storico dell´Accademia di Belle Arti di Firenze. Anno 1904. Direttore Michele, ins. 31, alunos premiados no ano escolástico 1903 -1904.

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Exame de Promoção 1903/904 Figura 8 (10) Ornato 18 MA (medalha de prata) Prospectiva 15 Plástica de Ornato 15 Plástica de Figura 17 MB (medalha de bronze) Arquitetura 13 Anatomia 17 Teoria Sombra 12 História da Arte 14

As premiações obtidas no terceiro ano do curso comum foram determinantes para a escolha do “Curso de Especialização em Ornato e Figura”, ministradas pelos professores Adolfo De Carolis, Arturo Calosci e Giovanni Fattori, esse último responsável pela seção feminina. Mais dois anos contados do inverno às férias de verão foram necessários para que Giovanni Perissinotto completasse a especialização em Ornato -Speciale Ornato – na Accademia Di Belle Arti di Firenze, de novembro de 1904 a julho de 1906. No primeiro ano do curso especial, Perissinotto participou de um grupo minoritário do sexo masculino, apenas 5 alunos em relação à classe feminina com 12 alunas.136 As provas finais consistiram, no primeiro ano, em desenhar a lápis ou caneta visando apenas fazer o contorno de um esboço de uma peça decorativa. Há observações que indicam solicitações de peças de adorno, indicando por sua forma e característica a procedência e o século. O tratamento dado à peça poderia ser entalhe na madeira, uma variação no gesso, ou outro material sugerido. O jovem Giuseppe finalizaria esse primeiro ano de especialização com menção honrosa em Ornato e Perspectiva, como discípulo de Ruggero Pannerai e Cesare Zocchi137. Em abril de 1906, cursando o segundo ano com o professor Augusto Burcchi da disciplina de Ornato, responsável pelas classes femininas e masculinas,

136 AABAFi, FILZA 94ª dal A12 al 37. AFFARI del R Istitutto di Belle Arti di Firenze. Anno 1905, ins. 20e 137AABAFi, Carteggio e Atti, Filza nº95 (1905-906) ins.11, verbale ornato 2º ano 1905-1906 esame di prommozione 1905 - 1906

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Perissinotto se exercitaria com diferentes temáticas apropriadas aos alunos do 2º ano do Curso Especial da Escola de Ornato e Pintura Decorativa. Um dos exercícios consistia na realização de “bozzettos”, isto é, desenho preparatório de uma composição figurativa ou tridimensional para a composição cênica. Meio aos exercícios sugeridos havia um que se tratava da realização de um vitral. A forma era de livre escolha. A recomendação para este gênero de trabalho sugeria atenção à tessitura do vidro, estrutura orgânica, chumbo e policromia, de cores variadas em acordo com a luminosidade. Observava-se, no entanto, a importância de um esboço preenchido com a cor preta de modo a ver claramente o efeito produzido contra a luz. O professor deixara livre a escolha da forma. No entanto, chamava atenção para a relação com a ambientação onde o vitral estaria disposto em harmonia com a composição. O desenho não deveria ultrapassar 20 cm. A escala deveria estar relacionada com o vitral.138 Figura 11 - AABAFi, Carteggio e Atti, Filza nº95 (1905-906) ins.11, verbale ornato 2º ano 1905-1906 esame di prommozione 1905 - 1906

Fonte: Archivio storico dell´Accademia di Belle Arti di Firenze

As provas aplicadas aos alunos Speciale Ornato visavam precisão de estilo, tempo histórico, verossimilhança no desenho, com escalas reduzidas a um décimo da real relação com o objeto de ornamentação, rica em ouro se utilizada para decorar um livro da primeira metade do século XVI, ou qualquer outra opção capaz de definir, no caso do livro, capa de couro, formato, espessura e tantos outros detalhes, levados em conta pelo Professor Augusto Burcchi.

138 AABAFi, Carteggio e Atti, Filze di Affari, f.95 (906) ins.2 ouTemi di ornato 75

Em acordo com a assinatura arquivística AABAFi. FILZA n 95. Ano 1905 – 906, ins. 11, verbale ornato, 2º ano. 1905-906, Perissinotto concluiu o curso de especialização com medalha de bronze, tendo como pontuação 20/20, ou melhor, a nota máxima sobre a pontuação de mérito, em julho de 1906. Como o quadro docente do R. Istituto di Belle Arti di Firenze139 era constituído pelo Presidente do Conselho de Professores Titulares e Honorários, essa função era atribuída ao diretor do Istituto, que era totalmente submetido às normas da Academia di Belle Arti di Roma, 140 sobretudo no item salarial de seus professores, cujas variáveis não eram inferiores a 1.000 liras, nem superiores a 2.200 liras. Como exemplo, tem-se conhecimento de que ao reconhecido Professor Jacopo Cavallucci, responsável pelo ensino de literatura italiana, cabia o salário de 1.000 liras. Assim como, ao encarregado do ensino feminino, o conhecido pintor macchiaiolo Giovanni Fattori, que recebia 2.000 liras por mês. Um pouco menor era o salário do encarregado Gereissatti Eustáchio, responsável pela disciplina de “Desenho de Ornato” e “Plástica de Ornato” no curso feminino. Seu salário era de 1.800 liras. Tudo indica que a maioria dos mestres da Accademia – entre encarregados, adjuntos e professores - recebiam

139De acordo com o Dott. Daniele Mazzolai, responsável pelo Archivio storico dell´AAccademia di Belle arti di Firenze, uma importante informação foi dada para se entender a denominação Régio do R. Instituto de Belas Artes.“ In italiano gli aggettivi "regio" e "reale" sono sinonimi. Detto questo, intenderei "R. Istituto" come "Regio Istituto" perché talvolta appare nella forma "R.° Istituto". Comunque compare normalmente la forma abbreviata "R. Istituto" e così la utilizzerei sempre, senza sciogliere l'abbreviazione”. Tradução: “Em italiano os adjetivos “regio” e “reale” são sinônimos. Dito isso, eu entenderia “R. Istituto” como “Regio Istituto” já que às vezes aparece na forma de “R. º Istituto”. De qualquer forma aparece com frequência a forma abreviada “R. Istituto” e, portanto, a utilizaria em todos os casos, mantendo a abreviação. In: correspondência de 18.01.2017. 140 VAGNETTI, Fausto. La Regia Accademia di Belle Arti di Roma faz referência ao Colégio de Pintores, universidade nas proximidades da Igreja Santa Maria Maggiore como instituições que precederam a Academia de Roma. Como não se tem precisa a data de sua fundação, estabelece-se uma relação de registros de contribuintes encontrados em pergaminhos datados de 1470, aferindo-se a hipótese de a Universidade ter se constituído pouco antes dessa data, sob o Papado de Sisto IV, tendo a referência a São Lucas Evangelista, “Beatíssimo Advogado e Protetor da Arte da Pintura”. Sua trajetória como Universidade de Arte conheceu a produção de escultores e arquitetos sob a denominação de Consulado de Arte. Vive-se um período altamente produtivo para as artes. A “Escola Romana” é formatada com estudos rígidos retomando a excelência da antiga arte romana, que assume um alto nível de conhecimento, das Letras e das Ciências mantidos sob a proteção do Papa. “Eravamo, come ognuno sa, nel secolo d´oro”. In: Fausto Vagnetti, La Regia Accademia di Belle Arti di Roma, p. 8. No final do século XV, a Academia conhece um período medíocre. Esse momento foi superado pelo superintendente em Roma das obras de Arte, Girolano Muziano. Apoiado pelo Papa Gregório XII criou na Academia de San Luca condições de ensino capazes de reestabelecer os princípios e valores para os jovens estudantes se iniciarem na arte, promovendo conferências de índole artística e científica. Criou a escola de modelos nus, instituiu concursos e promoveu viagens de instrução artística. Com a morte do Papa Gregório XIII, encontrou dificuldades sanadas com o Papa Sisto V, que apoiava a autonomia da Academia. In: Fausto Vagnetti. La Regia Accademia di Belle Arti di Roma. Felice Le Mounnier, Firenze, MCMXLIIIXXI, nº inventário 610 Cat. SDB 719. O breve histórico visa apenas traçar os principais momentos da Academia que se faz presente na formação artística ocidental.

76 em torno de 1.000 a 2.200 liras, sendo este o valor do maior salário que cabia ao professor adjunto De Carolis.141 Observo o valor lira/euro referente ao salário dos professores da Accademia di Firenze com base na pesquisa realizada pelo professor e coordenador do Instituto de Cultura ìtalo-brasileiro – ICIB, Gabriele Frigerio. O equivalente ao salário de 1.000 Lire em 1905 corresponde a Euro 4.321,84142. Na busca de documentos para justificar o critério salarial, encontrei comprovantes da participação de professores, em exposições de arte. Além da visibilidade artística no mercado das artes, o professor obtinha um ganho adicional com a venda de obras.

Incentivados pelo diretor Michele Vicenzo, que também exercia a função de mecenas e colecionador de artes, o corpo docente da Academia di Belle Arti di Firenze era estimulado para participar das exposições internacionais, independentemente do exercício do magistério. O professor Rivalta Augusto, por exemplo, ensinava Figura na seção feminina; Burcchi Augusto, Ornato; Calosci Arturo, Figura na seção masculina; e Giovanni Fattori, Figura na seção feminina. Este grupo de professores constituía o Conselho do Régio Istituto de Belle Arti di Firenze, sobretudo no tocante aos impasses de ordem acadêmica, mostras e concursos para o Pensionato Artístico de Roma, nas áreas de Arquitetura, Pintura e Escultura.

Com o incentivo da direção do Istituto e do Governo Romano houve o estímulo na participação de um grande número de professores da Accademia na Mostra Universal de Saint Louis143. O elenco dos artistas italianos premiados estreitava, assim, a ligação entre o magistério e o mercado de arte ligado às exposições, que aconteciam dentro e fora da Itália. Fato este que manteve um estreito diálogo entre o reconhecimento da sociedade internacional e o rigor teórico e prático da Academia. Entre os premiados pintores e desenhistas destacaram-se os professores Adolfo Carolis, premiado com medalha de Ouro; Galileo Chini Galileo, Gioli Luigi e Giovanni Fattori com medalha de Prata e Ghilia Oscar com a medalha de Bronze.

141 FILZA n. 94 dal n 1 al n 11 AFFARI del R. Istitutto di Belle Arti di Firenze. Anno 1905. Direttore Prof. Vicenzo Michele al tutto il 1 agosto 1905. Prof. Jacoppo Cavallucci al tutto il 5 dicembre 1905. 142http://www.infodata.ilsole24ore.com/2015/04/14/se-potessi-avere-calcola-il-potere-dacquisto-in-lire- ed-euro-con-la-macchina-del-tempo/ Link de apoio para a pesquisa salarial. 143Mostra Universale di Saint- Louis del 1904. Ministero di Agricoltura Industria e Commercio – Ispettorato Generale dell’Industrie e del Commercio. Roma, tipografia Nazionale di G. Bertero. Belle Arti di pinti e disegni Grand Prie Mancini Antonio – Roma. 77

Em Londres, apesar de ter sido uma mostra particular, a orientação do governo italiano foi de estímulo para que professores-artistas participassem da exposição em território inglês. Assim foi feito; a mostra que se estendeu de maio a outubro de 1904, seguia os mesmos parâmetros da Mostra de Saint Louis, sobretudo pela característica de ser uma exposição aberta para produtos agrários, industriais e artistas ligados à R. Accademia di Belle Arti di Firenze, com a participação dos professores Giovanni Fattori, Ceccarelli, Gioli, Bastiniani e Calosci. Em relação às tarefas do magistério, o registro de aula do ano de 1903 possuía um organograma completo, o que me permitiu conhecer a dinâmica do ensino e do corpo docente todo ele documentado no Archivio Storico, assim identificado: FILZA n 92 a (1903). Filza n 92 dal n 15 al n 45 Affari del R. Istituto di Belle Arti di Firenze Anno 1903. Direttore Prof. Vicenzo Micheli, ins. 45 R. Istituto di Belli Arti di Firenze, Registro delle Lezione 1903

N. Disciplina Mestre Formação Dia da Horário semana 01 Figura Calosci Professor 2ª 4ª 6ª 9h às 15h

02 Figura/ fem. Fattori Encarregado 2ª 3ª 4ª 9h às 15h

03 Ornato / Des. Burcchi Professor 4ª 6ª Sábado 9h às 15h masc./fem. De Carolis Adjunto Gereissatti Encarregado 04 Ornato Modelado De Carolis Adjunto 5ª Sábado 12h às 15h Gereissatti Encarregado 05 Escultura Rivalta Professor 2ª 4ª 9h às 15h Zocchi Adjunto 3ª 5ª Sábado 06 Arquitetura Micheli Professor 3ª 5ª Sábado 9h às 15h Ristori Adjunto 2ª 4ª 6ª 07 Medidas e Ristori Adjunto 6ª 15 às 18h Proporções 08 Aplicação de Ristori Adjunto 2ª 14 às 19h Perspectiva Castagna Encarregado

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09 Desenho de Ristori Adjunto 2ª 9h às 15h Arquitetura Spighi Encarregado 10 Projeção Castagna Encarregado 3ª 5ª 15 às 16h 11 Teoria Sombra Spighi Encarregado 3ª 5ª 15 às 16h 12 Desenho Spighi Encarregado 2ª 15 às 16h Geométrico 13 Elemento de Ristore Adjunto 2ª 9h às 15h Prospectiva 14 Elemento de Ristore Adjunto 2ª 9h às 15h Arquitetura 15 Anatomia Livini Encarregado 5ª e Sábado 15h30 às 16h30 16 Literatura Cavalluci Professor 2ª 4ª 15 às 16h 4ª 5ª 6ª e Sábado

O curso de Ornato tinha a vantagem de proporcionar aos alunos, no caso, o aluno Giuseppe Perissinotto, maior aproximação com o lendário professor Giovanni Fattori e demais professores, conforme representação do gráfico:

Professores Disciplinas Alunos Inscritos Fattori Figura fem. Fem. 06 Saporetti Figura masc. Masc. 16 De Carolis Ornato masc. Masc. 16 Gereissatti Ornato fem. Fem. 06 Castagna Projeção Masc. 16 Fem. 06 Total Cavallucci Literatura Masc. 16 Fem. 06 16 M Spighi Geometria Masc. 16 Fem. 06 06 F.

CURSO INICIADO Professores Disciplinas Alunos Inscritos Fattori Figura Fem. 27

79

Saporetti Figura Masc. 48 Zocchi Escultura Masc. 41 Fem. 26 De Carolis Ornato Masc. 48 Ristori Arquitetura Masc. 48 Spighi Arquitetura / Teoria Masc. 22 Sombra Curiatti Ornamento Fem. 22 Castagna Desenho e Prospectiva Masc. 26 Fem. 24 Total Cavallucci Literatura Masc. 48 Fem. 14 M. 48 Livini Anatomia Masc. 19 Fem. 13 F. 27

CURSO ESPECIAL Professores Disciplinas Alunos Inscritos Calosci Figura Masc. 12 Total Fattori Figura Fem. 4 M. 64 Rivalta Figura Masc. 13 Fem. 3 F. 33

CURSOS ESPECIAIS Professores Disciplinas Alunos Inscritos Micheli Arquitetura Masc. 12 Burchi Ornato Masc. 14 Fem. 19 Ristori Aplicação de Prospectiva Masc. 37 Castagna Aplicação de Prospectiva Fem. 15 Total

Cavallucci História da Arte Masc. 58 Fem. 28 M. 51

Livini Anatomia Masc. 15 Fem. 06 F. 28

Total de alunos em 06 de fevereiro de 1904: M. 119/ F. 61144

144Há de se notar a presença da figura feminina em seções distintas da masculina. Ocasionalmente, no caso de cursos comuns, a lista feminina constava abaixo da masculina. Apesar dessa distinção era notável o número feminino crescente na Academia cf. estatística do corpo discente da academia no ano de 1904, de acordo com os documentos da Filza 1904 que traduzem a estatística daquele grupo representado por alunos masculinos.

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Luigi Biaggi em seu livro L´Accademia di Belle Arti di Firenze, Editora Felice Le Mounnier MCMXLI-XIX, Firenze, indicado para o presente estudo pelo Prof. Dott. Daniele Mazzolai, responsável pelo Archivio dell´Accademia di Belle Arti di Firenze, remete a presente reflexão ao estatuto do ano de 1860, nº 5, durante o reinado de Vitorio Emanuelle II. Esse giro de volta ao passado é necessário para entender as bases da estrutura educacional do alunado da Accademia, especificamente a formação artística de Perissinotto. O artigo I: dizia ser a Accademia di Belle Arti constituída pelas escolas: Scuola di Disegno di Figura; Scuola Speciale Del Nudo; Scuola di Architettura; Scuola di Prospettiva; Scuola di Ornato Monumentale; Scuola d´Incisione. Cabia, portanto, à Scuola di Ornato Monumentale a relação complementar desse ramo da arte com o gesso por meio de modelos monumentais de diferentes épocas.

Scuola Del Nudo ou Scuola Libera del Nudo funcionava paralela aos cursos “Comum” e de “Especialização” da Accademia di Belle Arti di Firenze, a Scuola del Nudo despertando o interesse de jovens estudantes. Notabilizado pela procura de artistas estrangeiros durante o verão, a escola funcionava uma vez por semana, no período da manhã. No inverno a carga horária era reduzida para duas horas semanais. Durante os anos de 1915 e 1924, a Scuola Libera del Nudo permaneceu fechada por determinações decorrentes da I Grande Guerra Mundial. Ao reiniciar o ano escolar em 1925, pós-guerra, o registro de alunos inscritos reiniciou a ordem numérica na Accademia. Por exemplo, a inscrição realizada no dia 10 de fevereiro do brasileiro Ugo Adami145 foi identificada com o número 26 na Scuola Libera del Nudo, com 29 anos, filho de Leonetto e morava na Viale Nilton, 31. Gastone Worms (1905-1967), que a crítica do Jornal Fanfulla, em 1922, já havia destacado como “expressão de valorosa pintura” na1ª Exposição Geral de Belas Artes no Palácio das Indústrias em São Paulo, como consta na ficha de sua inscrição o registro número 2175 na Scuola Libera del Nudo.146 Complementando o registro consta o nome do pai: Ferdinando; o

145ABBAFi, Scuola Libera del Nudo, 1909 – 1931 / 2092. 146ABBAFi, Scuola Libera del Nudo, 1909 – 1931 / 2175.

81 endereço: Via Jacopino, 17 e a data de admissão na Accademia: 05 de abril de 1927. Aldo Bonadei ingressou no curso na sessione di ottobre 1929-1930.

Observo que as breves biografias de Gastão Worms Figura 12 – Giovanni Fattori ignoram a sua passagem na Accademia di Belle Arti di Firenze, relatando apenas a formação parisiense. Portanto, o registro da pesquisa no Archivio Storico com os alunos da Scuola Del Nudo veio como resposta à identidade artística de Worms vinculada ao Grupo Bernardelli, no Rio de Janeiro e Santa Helena em São Paulo. Havia uma particularidade para ingressar no curso. Tratava-se da indicação da escola proveniente, ou realizar um exame de admissão. Aos alunos já matriculados em outros cursos, bastava obter permissão para assistir às aulas da

Scuola Del Nudo, normalmente concedida pelo professor Fonte: Giovanni Fattori. responsável que exercia Soldatti in Vedetta. Figura 13 - Giuseppe Perissinotto Fusain/ papel 19 x 11. função temporária e, Coleção Anna Grazia De Marzi Foto da autora consequentemente, alternada entre o corpo docente. Justamente o que aconteceu como Giuseppe Perissinotto no ano de 1904, quando o professor responsável da turma foi o mestre da técnica macchiaiola, Giovanni Fattori.

A macchia em São Paulo teve na figura do veneziano Giuseppe Perissinotto o grande propagador dos sinais vitais da técnica macchiaiola de Giovanni Fattori na Escola do Brás e no Liceu Fonte: Giuseppe Perissinotto. Subindo a serra. O/m 26,5 x 18,5 de Artes e Ofícios. O crítico José Roberto Teixeira Coleção Ana Maria Marcondes Foto da autora Leite escreveu em “Paisagistas Andarilhos”, Catálogo Comemorativo do Centenário de Nascimento de Perissinotto, sobre a força da sua pintura em naturezas mortas, flores,

82 e, sobretudo nos “nus”.147 Uma arte, diz Teixeira, na qual Perissinoto permite que suas paisagens e marinhas alçem voo. Entende a obra do pintor veneziano a partir da técnica derivada dos “macchiaioli à cuja sombra plasmara o seu estilo, dava um tom pessoal ensolarado que levou críticos a se identificarem com os impressionistas” e que “não deixa de ser o seu impressionismo. [...] o suporte de madeira em tais ocasiões é utilizado com encanto especial: a cor, a textura, os veios da madeira aproveitados como elementos integrantes na pintura, emergem de inopino entre as manchas de tinta e com elas se harmonizam”148.

As imagens, lado a lado, das pinturas de Giovanni Fattori, do soldado em constante vigília no cavalo que já demonstra , pela macchia na parte posterior do animal. Na obra de Perissinotto observa-se a macchia na coloração da estrada de terra. As manchas se misturam em tons de terra Brasil, sombreadas por folhas de araucárias que tornam presentes as curtas pinceladas. Nessa obra, a presença da técnica macchiaiola é resolvida na estrada de terra, no cavalo, na roupa e no chapéu, no plano daquele que está subindo a serra, diferentemente do elevado plano das araucárias, que o artista resolve com curtas pinceladas, próprias da técnica impressionista. Não há dúvida de que a técnica aprendida por Perissiotto na Accademia di Belle Arti di Firenze foi a base a partir da qual desenvolveria as competências para o exercício de atividades como professor, pintor, profissional em estatuárias e ornatos em gesso. Entre seus alunos foi o pintor Paulo Claudio Rossi Osir que tomou para si a essência do Ottocento italiano. O Cine Oberdan foi um de seus trabalhos durante os anos 1920, na Rua Firmino Whitaker, no bairro do Brás. Foi nesse cinema que Perissinotto desenvolveu “estatuárias de cimento”. O teto era em azulejos portugueses representando cenas diversas e uma cúpula semelhante à do Teatro Municipal”.149 A sala, que acomodava aproximadamente 1266 lugares, com o nome Oberdan foi dado ao cinema para homenagear o mártir da Unificação Italiana, Gugliemo Oberdan. O bairro do Brás

147TEIXEIRA LEITE in: Catálogo Comemorativo do Centenário de Nascimento. Escritório de Arte Renato Magalhães Gouveia, 17 de setembro de 1981. 148 Idem. 149 Depoimento de R. Biáfora prestado à divisão de Pesquisa em 1982. Apud Inimá Simões ,Salas de Cinema em São Paulo. Secretaria Municipal de Cultura e Secretaria de Estado da Cultura. São Paulo, 1990. Pesquisa realizada pela equipe técnica de cinema da Divisão de Pesquisa do Centro Cultural São Paulo. 83 ainda oferecia à população os cine-teatros Colombo, Olímpia e Brás-Politeama com sete mil lugares. Paralelamente às atividades ornamentais, Perissinotto mantinha as cores sombrias na pintura. Estilo notável, que lhe traria certo reconhecimento no ensino da técnica na escola-ateliê no Brás. É possível dizer que, apesar de sua relativa invisibilidade, Perissinotto foi figura com grande e contínua presença no campo arrtístico paulista. Além de participar em grande parte das exposições coletivas que aconteceram em São Paulo, a começar pela 1ª Exposição de Belas Artes, no Liceu de Artes e Ofícios, em 1911150. Depois disso, aparece como expositor na coletiva de 1918, na Galeria Artística na Rua Bento Freitas (Correio Paulistano, 05/06/1918); depois, como já vimos, na 1ª Exposição Geral de Belas Artes, em setembro de 1922; em 1925 participa de outra coletiva, o Salão Paulista de Belas Artes, que teve grande destaque na revista Frou-Frou (Ano III, n. 27, 2005), na qual também estiveram presentes Volpi, Larocca e Tarquino; em 1928, na Exposição Muse Italiche da Sociedade Italiana de Cultura. As notícias sobre exposições individuais são muitas; em 1922, na Editora ‘O Livro’, da qual o único registro que encontramos foi uma pequena notícia no Correio Paulistano (03/02/1922); em 1929, o Diário Nacional ([SP], 24/12/1929) informa sobre uma individual na qual expôs 70 telas; depois, em 1930, outra individual, e outra ainda em 1934; o que se repete em 1936, 1938 e 1940 (Correio Paulistano, 24/01/1930; 04/07/1934; 08/10/1936; [...]/1938; Dom Casmurro, 23/03/1940). Quando da exposição de 1940, Tito Vézio Batini fez uma entrevista com sabor de crônica sobre o artista, já quase sexagenário, para a revista Dom Casmurro. Há nela referências a viagens pelo Brasil que Perissinotto fez para expor suas paisagens e naturezas mortas, fala-se do Mato Grosso, do Paraná, do Rio Grande do Sul, de Bauru. Afora o Rio Grande do Sul e o Paraná, não encontramos dados sobre as outras viagens, mas é certo que Curitiba respondeu bem ao artista, pois esteve lá três vezes, em 1935, 1938 e 1950. Nem sempre as notícias de jornal informam sobre os quadros, mas parecem ter sido sempre muitos: na exposição de Curitiba, em 1935, 87 quadros; na de São Paulo de 1936, 75 quadros. Perissinotto fez da arte um trabalho e tudo indica que encontrou o seu público e os seus clientes.

150 A biografia de Perissinotto na Wikipédia informa que o artista retornou ao Brasil em 1912, depois de anos de estudo na Itália, onde estudou em Veneza e Florença, entre 1902 e 1912, no entanto, como vimos, já estava em São Paulo em 1911. 84

Angelo Simeone foi aluno de Giuseppe Perissinotto com quem teve uma relação estreita, de companheirismo e atuações conjuntas, mormente quando assume o ateliê-escola do Brás. Nascido em Capua, Itália, em 1899, Simeone era filho de um alfaiate napolitano radicado com a família em São Paulo. Formou-se na Escola Tranquilo Carmona com medalha de ouro, estudou no Liceu de Artes e Ofícios e na Escola Giuseppe Perissinoto, onde substituiu o mestre. Participou da 1ª Exposição Geral de Belas Artes no Palácio das Indústrias e das Exposições do Rio de Janeiro e São Paulo. Ao lado de Perissinoto participou das Exposições Gerais de Belas Artes na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, em 1925 e 1927. Perissinotto e Simeone receberam a menção honrosa, em 1935, e a medalha de prata, em 1941. Observo que no catálogo da Exposição de 1925 consta o mesmo endereço da Rua Monsenhor Andrade, 44, Brás, São Paulo, na ficha de Perissinotto e de Ângelo Simeone (1899- 1971). Desse fato infere-se tratar-se do endereço da Escola do Brás de Giuseppe Perissinotto. Simeone pintou toda a sua vida com vocação, sem ir além do seu simples modo de sentir: penetrou amorosamente nos episódios da intimidade familiar [...] na seleção da história e nas oscilações que o gosto prescreve a seu capricho.”151

Figura 14 - Ângelo Simeone

Fonte: Catálogo Ângelo Simeone, MASP, Julho de 1973. Centro de Documentação e Biblioteca do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand. Biblioteca Walter Wey. Pinacoteca de São Paulo

151BARDI, Pietro. “Esquecidos de 22”. Catálogo da Exposição Simeone, Patrocínio Banco Safra S/A. Tombo 3004. São Paulo, julho de 1973.

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A imagem que abre o Catálogo de Ângelo Simeone da mostra retrospectiva que aconteceu em 1973 no Museu de Arte Moderna Assis Chateaubriand, por Pietro Maria Bardi, responsável pela série de homenagens prestadas pelo diretor do MASP aos pintores esquecidos de 1922, traduz a solidez do corpo em repouso nas tonalidades do leito branco, com destaque às sinalizações de luz que intensificam a cor branca do travesseiro, que ampara o rosto relaxado e a parte superior do corpo.

Por meio dos dados, até aqui apresentados, pode-se dizer que se abre um novo panorama no ambiente artístico paulista, no qual os bairros do Brás, da Luz e o Centro aparecem como espaços de recepção de agentes individuais e institucionais. É, sobretudo, nesse plano que se dará a fusão de culturas. A arte italiana germina em solo brasileiro por meio da circulação de pintores nas Academias de Belas Artes de Roma, Nápoles, Florença, Milão, Veneza que aumentaram significativamente o trânsito de artistas brasileiros, estrangeiros aqui radicados e seus descendentes. São Paulo terá maior contato com a cultura macchiaiola como representação positiva da cultura do Risorgimento italiano.

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Vedo davanti a me, nel loro piano immutabile, i valori di tutte le epoche. Rivendicare alle mie opere l´avvenire, mi pare supérfluo, perchè l´arte, come la storia há in sé l´avvenire. 152

Carlo Carrà

153

152 Tradução livre: Vejo na minha frente, no plano imutável deles, os valores de todas as épocas. Reivindicar o futuro para minhas obras me parece supérfluo, já que a arte, como a história, contém em si o que está por vir. 153 Giovanni Fattori.Tramonto sul mare. 1890 – 1900. Olio su tavola, 23,5 X 36,5 cm. Inv. Gen. 224. Gallerie degli Uffizi, Galleria d´Arte Moderna. Su concessione del Ministero dei Beni e delle Attività Culturali e del Turismo. Foto: Gabinetto Fotografico dele Gallerie degli Ufizzi. Firenze, 2016.

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Capítulo III. A Família Artística entre a tradição e a inovação

A Família Artística Paulista foi sinalizada para além e aquém dos limites das exposições de 1937, 1939 e 1940, sugerindo uma reavaliação da atuação de seus atores no traçado contexto da pintura paulista, que se perpetua tanto no âmbito da educação artística do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e da Faculdade de Belas Artes, como nas exposições de belas artes da Pinacoteca do Estado e nos Salões de Belas Artes. Esta Paulista Família, como Mário de Andrade intitulou o artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, foi assim batizada por Paulo Claudio Rossi Osir,

Figura 15 – Vespasiano Begnami inspirado na Famiglia Artistica Milanese.

Localizada na cidade de Milão, a Famiglia Artistica Milanese trafegou por 144 anos na contramão da Accademia di Belle Arti di Brera, acolhendo artistas que se opunham à academia. Fundada por Vespasiano Bignami (1841-1929) como Società per le Belle Arti (1845 – 1874) e Società degli Artisti passou, após ter iniciado o mecenato artístico, a

Fonte: Una seduta del comitato ordinatore della Famiglia Artistica Milanese, em 1874. presente indisposizione, 1881. Olio su tela 87 x Naquele mesmo ano, o presidente da 133 cm. Coleção Famiglia Artística Milanese. Foto: autora Província de São Paulo, João Teodoro Xavier, aprovava os estatutos do instituto popular que em 1882 passaria a Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo sob a direção de Leôncio da Silva Carvalho.

A data de criação da Famiglia Artistica Milanese e do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo não infere qualquer relação de semelhança. Se o Liceu de São Paulo privilegiou - nos primeiros anos de sua existência - a instrução popular como garantia da mão de obra especializada em ofícios ligados à construção154, a Famiglia Artistica Milanese dedicou-se à arte que “contribuisca validamente a sollevare l´arte

154 Cf. capítulo 1. 88 contemporanea a più splendidi destini [...] e di procurare com mezzi acconci un facile smercio de’ suoi prodotti”155, obtendo apoio para o projeto de uma escola de desenho e de artes plásticas para operários a fim de estimular, renovar e manter ativa a Esposizione Permanente, constituída pela Società per L’Esposizione Permanente di Belle Arti in Milano, como meio de estreitar a relação entre arte e indústria. A ideia encontraria eco no ministro Cesare Correnti, que se empenhou pessoalmente na execução da tarefa de uma “scuole di disegno e plástica, e di esperienza estética ove siamo ammessi gli artieri e dove le discipline del bello figurativo siano ordinative a servizio, a consolazione delle industrie”156. Para atingir o objetivo proposto foi necessário dar acesso gratuito às salas aos alunos da Accademia, dell´Associazione dell´Operai, delle Scuole Tecniche, mestres e professores de liceus, além de expor os conhecimentos produzidos pelas escolas populares da cidade, agregando a scuola del sodalismo operaio e pensão para os artistas impossibilitados de trabalhar. De modo geral, não se associa a Famiglia Artistica Milanese com uma escola pictórica. Ao contrário. A imagem dela está ligada ao artista e se faz indiferente à fama de passadistas, que se mostravam contentes naquele espaço de scapigliati, marcado pela técnica sfumata da scapigliatura157. Assim representada, a Famiglia acolheu pintores de renome como Cremona, Ranzoni, Segantini, Gignous, Longoni, Morbelli e Previati, além de abraçar os artistas Francesco Barzaghi, Francesco Didioni, Luigi Borgo Mainerio (ilustrador scapiglisto) e Francesco Fontana (que figurava na crônica da scapigliatura por haver visto plenamente “in quel clima particolare (fato di sollazzi, divertimenti ed esterioritá), típico

155 Observo que os dados aqui fornecidos sobre a Famiglia Artistica Milanese têm por referência a obra Niccolò D´Agati, “Tradizione e Innovazione: nuovi indirizzi dell’associazionismo artístico milanese” publicado em Milano 1861-1906 Mappa e Volto Di Una Città: per uma geostoria dell’arte. Maria Grazia Schinetti (org), Franco Angeli, Milano, 2015. D´Agati, op. cit., p. 92. Tradução livre: “contribua validamente a elevar a arte contemporânea ao seu mais esplêndido destino [...] e de procurar com meios ajustáveis uma venda fácil do seu produto”. 156 D´Agati, op. cit., p. 95.Tradução livre: “escolas de desenho e plástica, e de experiência estética em que os operários são admitidos e onde as disciplinas do belo figurativo sejam ordenadas a serviço das indústrias”. 157 O ano de 1871 é marcado pela Exposição Humorística. No ano seguinte, a Esposizione Umoristica de Montemerlo, um entretenimento oferecido aos artistas no Caffè Balzaretti com a participação de Giuseppe Verdi. Sua importância do ponto de vista cultural se deve ao fato de ser organizada pelos próprios artistas que já participavam do movimento da Scapigliatura, e da fundação da Famiglia Artistica. Dentre as obras destacaram-se Effetto di sole, Scuola dell´avvenire e Effetto di luna. O primeiro fazia referência à obra Effetto di Sole de Carcano, exposto em 1864 em Brera, e também à obra Beatrice Cenci che scioglie i capelli al sole de Ranzoni, realizada entre 1867 e 1868 com uma linguagem de effetto que remete ao termo effettisti usado pelo próprio para indicar o primeiro trabalho da Scapigliatura. 89 sull´ambiente scapigliato, rivolto all´anticonformismo contro la mentalità borghese e accademica, anche se in fondo se ne alimentavano”158. É deste clima que surge o termo gaia scapigliatura, de Bignami159. O termo não se referia à falta de seriedade, mas ao ponto de vista de uma geração desiludida: da acusação de Garibaldi de ter impedido a constituição de um Estado Republicano à desilusão pela política Rattazzi, da defesa do racionalismo científico até à luta contra a religião. Sob o ponto de vista da arte: da falta de sustento de uma classe rica toupeira à ignorância de uma classe artística incapaz por si só de defender-se da necessidade de que a arte exprima os conceitos do racionalismo, laicismo e fé republicana. Um novo sopro aconteceria em 1893 com a Espozicione di Ventagli Artistici, em que participaram Previati, Hohenstein, Cavaleri, De Dragon. Neste mesmo ano ocorreu uma mostra de 350 obras gráficas da coleção de Grubicy De Dragon, além da mostra capital de 1900, La Pittura Lombarda nel XIX Secolo, com catálogo organizado por Bignami. A Famiglia Artistica Milanese teve importante participação no ambiente cultural e artístico italiano, participando ativamente de memoráveis eventos que aconteciam em Milão, como foi a primeira exibição de Fallstaff de Giuseppe Fortuninno Francesco Verdi (1813-19091), no Teatro Scala. Para homenagear o compositor de Fallstaff, a Famiglia Artistica Milanese realizou um sarau com uma exposição interna com obras que lhe foram presenteadas, com uma carta agradecendo “L´Egregia Associazione, che ha voluto in certo modo dare un´impronta ad un´epoca, che non portrà mai più ripetersi”.160 Em resposta ao apoio recebido, Verdi dedicou a partitura original de Falstaff à Famiglia Artistica Milanese.161 Com as fronteiras geográficas e artísticas rompidas por meio de italianos radicados na América, São Paulo abrigou inúmeros deles no Liceu de Artes e Ofícios, aqui entendido como centro de difusão da arte lombarda presente na Família Artística Paulista.

158 D´Agati, op. cit., p. 103. Tradução livre: ...”naquele clima particular (feito de folguedos, divertimentos e exterioridade), típico do ambiente scapigliato, revolvido pelo anticonformismo contra a mentalidade burguesa e acadêmica, da qual se alimentavam”. 159 V. Bignami, Il risoto masqué di sabbato e Il club degli artisti, “Il Secolo”, VII (1872), 2122. Apud D´Agati, op.cit., p.104 160 Milano, D´Agati, op. cit., p. 111. Tradução Livre: ”a Egrégia Associação que quis de certo modo dar uma imagem a uma época que não se repetirá”. 161 Depoimento da Presidente da Família Artística Milanesa, Mariarosa Tavazzani, à autora. Circolo Culturale I Navigli, Av. Edmondo de Amicis, 27. Milano, 27 de setembro de 2016. 90

Filho do italiano Claudio Rossi e da francesa Odile Neagel, Paulo Claudio Rossi viveu o maior período de sua formação educacional e artística com os pais na Itália, à exceção de temporadas em São Paulo para as tratativas de negócios de seu pai com o Conselheiro Antonio Prado, já comentado. As constantes viagens da família Rossi esclarecem a circunstancialidade de seu nascimento em São Paulo.

Apesar de paulistano por nascimento, Paulo Mendes de Almeida em De Anita ao Museu afirma que Paulo Claudio Rossi nunca perdeu o sotaque italiano, que adquiriu durante os anos vividos na Itália, onde seu pai, Claudio Rossi, natural da Comuna de Carpi na Província de Modena, permaneceria longas temporadas. Assim como o pai, e homônimo a ele, seu avô, também arquiteto, realizou o expressivo projeto arquitetônico neoclassico do Teatro de Carpi, na província de Modena, construído entre 1857 e 1860, comprovando, assim, três gerações de arquitetos. Os Rossi da segunda e terceira gerações viveriam, preponderantemente, entre São Paulo e Milão, em razão do período da construção do Teatro Municipal, supervisionada por Claudio Rossi. Numa dessas viagens à cidade de Milão, Paulo Claudio, aos 16 anos, iniciou-se em artes na Accademia di Belle Arti di Brera. Período fértil em relação ao aprendizado com os professores milaneses Giuseppe Mentesse e Achile Cattani, Alberto Beniscelli, Emilio Gola (1851-1923) e Donato Frisia (1883- 1953).162 Para a crítica de arte Marina Prizziolo, Donato Frisia representava L’invenzione del vero163. “Il bello nel vero”, todo ele enraizado no real, sustentado por seu credo na

162 Gola, representante do Ottocento milanês, foi um dos participantes da mostra de desenhos da Família Artística em prol da Cruz Vermelha ao lado de Leonardo Bistolfi, Arturo Tosi e Adolfo Wildt. Donato Frizia, formado pela Accademia di Belle Arti di Brera, tornar-se-ia mestre nos anos 1920 de Paulo Rossi Osir que, em 1906, iniciou-se em artes na mesma Academmia di Brera. Da produção artística de Donato Frisia são conhecidos monumentos em cemitérios, pintura de paisagem e natureza morta, incluindo participação no Círculo de Emilio Gola; nas mostras da Exposição Nacional de Belas Artes da Sociedade e da Exposição permanente de Milão, nas Exposições de Veneza, viagens e premiações como Mylius dell´Accademia di Belle Arti di Milano e, em 1922, o Prêmio Príncipe Umberto. Anos mais tarde, a Bienal de Veneza (1942) prestaria uma homenagem a Frisia dedicando-lhe uma sala individual. 163 Pizziolo, M. Donato Frisia. L’invenzione del vero, Bolis, Bergamo, 1992. http://www.artconsulting.net/it/donato-frisia-linvenzione-del-vero/ 91 arte como criação. “L’arte è una creazione d’amore”, escreveu o pintor. Ed è proprio così, si può inventare il vero: basta saperlo guardare”164.

Frisia è il pittore della luce, dell’aria e dell’acqua. Quando teneva il traghetto a Imbersago si è allenato a contemplare i giochi di luce sui colori, sull’acqua. Contemplare l’acqua vuol dire smarrirsi, dissolversi, ritrovare quella dimensione di inconsistenza, di nullità che siamo e che tuttavia ci libera dalle ristrettezze del nostro io. Osservando le delicate immagini dei riflessi - immagini mosse, sfaldate -, impariamo a riconoscere una fragilità che è nostra e alla quale il pittore dà voce, dà parola. Osservare, contemplare sono termini chiave per Donato. Eppure questi dipinti non sono solo da vedere: possiamo ascoltare il silenzio del lago oppure gli squilli dei salici protesi verso il cielo, possiamo sentire l’odore di putrido o avvertire al tatto il ruvido dell’antico plátano.165

Dos ensinamentos de Frisia, Paulo Rossi seguiria contemplando a luz e aprendendo a ver o movimento que escapa para que outro seja inventado, uma variação do momento que se toma real, próximo à atmosfera que o envolve. Figura 16 - Paulo Rossi Osir

Fonte: Praia Grande Vila Atlântica, 1948. Coleção Museu de Arte Moderna. Foto da autora

164 Tradução livre: O belo no real (verdade); A arte é uma criação de amor; É simples assim, se pode inventar o real, basta olhar! 165 Tradução livre: “Frisia é o pintor da luz, do ar e da água. Quando pegava o trajeto a Imbersago se exercitava contemplando os jogos de luz e suas cores sobre a água. Contemplar a água quer dizer perder-se, dissolver-se, reencontrar a dimensão da inconsistência, do nada que somos e, todavia, liberar-se da restrição do nosso eu. Observando a delicadeza das imagens refletidas – imagens móveis, lascadas -, aprendemos a reconhecer uma fragilidade que é nossa e à qual o pintor dá voz, dá palavra. Observar, contemplar são termos-chave para Frisia. Ainda assim, estas pinturas não são apenas para ver: podemos escutar o silêncio do lago ou o ressoar dos salgueiros estendendo-se ao céu, podemos sentir o odor pútrido ou reparar o toque áspero do plátano antigo”. 92

Assimilados os severos ensinamentos dos mestres italianos em relação ao modo de tratar o objeto de estudo artístico, Paulo Claudio Rossi Osir retornaria à capital paulista no final da década de 1920 trazendo na bagagem livros e cultura impregnados de conhecimento artístico e literário, após ter incorporado o modus vivendi daquele efervescente universo milanês. Assim, expandiu-se por um vasto campo de conhecimento que lhe auferiu respeitável capital cultural, prontamente reconhecido por Mário de Andrade, como elemento de distinção naquela provinciana cidade.

A vida e fixação de Vittorio Gobbis e de Paulo Rossi no ambiente paulista, homens capazes de conversar sobre as diferenças de pincelada de um Raphael e de um Ticiano e sabendo o que é ligar uma cor à sua vizinha, veio mansamente destruir o nosso analfabetismo pictórico com o apriorismo sentimental dos casos.166

A formação artística italiana de Paulo Rossi Osir lhe serviu como passaporte entre intelectuais e artistas conscientes de que “era preciso não confundir pintura com assunto, nem a beleza com o decorativo das cores bonitas”.167

Dotado de uma formação eurocentrada, a pintura de Paulo Claudio Rossi pode ser analisada na contramão da arte francocentrada dos anos 1920, quando a provinciana São Paulo ainda vivia sob os efeitos da Belle Époque. No entanto, o gosto pela literatura não tinha fronteiras. Conhecia Shakespeare, Dante, Gide, Petrarca, Verlaine, Valery, Proust, incluindo os clássicos Montaigne, Rabelais, Stendhal. Para Sérgio Milliet, com quem conversava sobre artes, filosofia e literatura, Paulo Rossi Osir “só não entendia de política, nem das coisas do cotidiano”.168

Distinguido com as características do “homem do Mediterrâneo”,169 Paulo Rossi Osir se identificava com a Famiglia Artistica Milanese, quer pelo aprendizado com os mestres lombardos, quer pela ambientação artística experenciada em Milão. Após

166 Mario de Andrade.” Esta Paulista família”. In: O Estado de São Paulo, Selecta da Colaboração mensal, a.1,10, São Paulo, jun. jul., p.14, parágrafo 6. 167 Idem. 168 MILLIET, Sérgio. “Primeiro Aniversário”. O Estado de São Paulo. São Paulo 30 de dezembro de 1960. 169 ______“Paulo Rossi Osir”. O Estado de São Paulo, São Paulo, 6 de janeiro de 1960. 93 anos de estudos na Itália, passou uma breve temporada na Inglaterra onde estudou com o artista e gravador Alexander Ansted. De volta à São Paulo, continuou seus estudos no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e na Escola Politécnica de São Paulo.

Nova temporada na Europa o leva à permanência de um ano em Paris, onde vivia a família de sua mãe, Odile Neagele. Durante esse periodo na capital francesa, Paulo Rossi frequentaria o Ateliê Laloux. De volta à Milão, onde permaneceu durante a I Grande Guerra Mundial, dedicou-se à antiquária e aos estudos sobre pintura antiga e arquitetura, ocasião em que conquistou o título de arquiteto pela Real Accademia di Belle Arti di Bologna.170 Naqueles anos, a arquitetura era uma especialização do ensino de Bellas Artes, com duração de dois a três anos, provavelmente cursados por Rossi Osir no período em que havia fixado residência em Milão.

Afora sua formação artística,

Paulo Rossi Osir era homem de cultura e gosto literário. Lera seis ou oito vezes a Chartreuse de Parme, a que se referia sempre com apaixonado interesse. Outras tantas vezes devorara os numerosos volumes de À la recherche du temps perdu, de cujas personagens lograra intimidade completa. A rigor, em seus melhores dias, lera tudo ou quase tudo que deveria ter lido. Tinha, assim, uma real cultura humanística, uma visão universal das coisas.171

Paulo Mendes de Almeida em seus estudos sobre Paulo Rossi revela ainda os conflitos vividos por esse artista, italiano de alma, brasileiro de nascimento, para nele apontar o homem “despaisado”. Assim, a dificuldade do artista para entender o seu próprio modo de ser encontrou eco na crítica publicada no Jornal do Comércio. Sem poupar o organizador Paulo Claudio Rossi Osir, o crítico bombardeou as obras e os artistas da Exposição de Arte Italiana no Clube Comercial de São Paulo, na semana de 7 a 28 de outubro de 1920, Rua São Bento, 79172.

170Paulo Rossi teria conquistado o título de arquiteto no ano de 1916 segundo a pesquisa acadêmica de RIBEIRO, Niura. Rossi Osir - Artista e Idealizador Cultural. São Paulo: USP, Dissertação de Mestrado sob orientação de Walter Zanini, Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1975. 171 MENDES DE ALMEIDA, Paulo. Op. cit., p. 163. 172 Lauci dos Reis Bertoluci em sua Dissertação de Mestrado apresenta detalhadamente os artistas italianos trazidos por Paulo Rossi Osir para a exposição. Foram 214 obras de 65 artistas das escolas napolitana, lombarda, piemontesa e venezia. In: A Biblioteca de Paulo Rossi Osir: coleção e arte. Dissertação de Mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo, 2007. 94

No ano seguinte, Paulo Rossi viajou para Minas Gerais com o fiorentino Alfredo Norfini (1867-1944), que aportou por aqui após ter sido convidado por Ramos de Azevedo para ocupar a função de professor do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo

Em 1921, Norfini percorre, ao lado de Paolo Rossi, as cidades de Diamantina, Sabará, São João Del Rei, Ouro Preto, Mariana, produzindo um vasto conjunto, entre aquarelas e desenhos. Mostra--se atento à topografia, à arquitetura e à cultura material das cidades mineiras. Esses trabalhos são reconhecidos como importante documentação iconográfica do patrimônio cultural brasileiro, adquiridos pelo Museu Histórico Nacional (MHN), em 1934. As obras são divulgadas no sétimo volume dos Anais da instituição, publicado em 1953, com comentários do então diretor Gustavo Barroso (1888- 1959).173

O resultado dessa viagem foi determinante para a fase das aquarelas - de cujas exposições se tem conhecimento por pesquisas realizadas na Universidade São Paulo - conforme exposições realizadas em 1921 e 1922 na Casa Byington em São Paulo174. Em setembro de 1922, o catálogo da 1ª Exposição Geral de Belas Artes realizada no Palácio das Indústrias confirma a participação de Paulo C. Rossi com cinco aquarelas inscritas com os seguintes números: 175. Hortência e cactos; 176. Dhalias e Oncidium; 177. Rosas e Hortências; 178. Mar bravo em tempo de chuva e 179. Pórtico do convento (Itanhaém). Observo que a última aquarela, inscrita com o número 179, Pórtico do convento faz parte do Acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo. Logo após o término dos eventos de 22, o artista tornou a Milão, onde fixou residência por 5 anos. Após esse longo período na Itália, retorna à cidade de São Paulo em 1927, onde permeneceu até o final de sua vida em 1959. No final de 1927 organizou a Exposição Paulo Rossi na rua São Bento, 79.

A Exposição de Paulo Rossi, em 1927, contou com três crônicas de Mário de Andrade. A primeira, “Paulo Rossi I”175 foi dedicada ao pintor recém-chegado da Itália,

173 NORFINI, Alfredo. http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa22260/alfredo-norfini 174 Cf. RIBEIRO, Niura. Rossi Osir - Artista e Idealizador Cultural. Op. cit. Cf. BORTOLUCCI, Lauci dos Reis. A biblioteca de Paulo Rossi Osir: Coleção e Arte. Programa de Pós- Graduação Intrunidades em Estética e História da Arte, sob orientação da profa. Dayse Peccinini. Bortolucci. 175 Diário Nacional. São Paulo 28 out 1927 apud Claudéte Kronbauer Pohlit. Mário de Andrade: Cronista Crítico das Artes Plásticas. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Filosofia da 95 num tom firme em relação às obras do passado, caloroso nos avanços daquele momento artístico e demolidor em relação às aquarelas, desaprovadas pelo crítico pelo excesso de detalhe e perfeição. Percebe-se a mudança de tom na passagem do assunto das aquarelas para as obras produzidas em Milão, graças à apuração técnica no processo de produção da pintura, que lhe permitiu um avanço profissional, considerando que

D`antes era jogador de aquarelas. Agora merece o nome de pintor e eu creio que este é o elogio mais digno que a gente pode fazer a um artista. 176

Foram cinco anos de trabalho intenso: aprendizado técnico e internalização do discurso estético das vanguardas dos principais centros artísticos italianos. Desde então, reafirma Mário de Andrade na crônica do Diário Nacional, a significativa melhora naquilo que faz e no que vai fazer, confirmando ser um artista no sentido de possuir a própria arte, o que decorre da conquista do equilíbrio entre as correntes tradicionais italianas e a contemporaneidade do conhecimento. Entretanto, como o público paulista se interessava por telas bem “bonitinhas”, Andrade chama a atenção do leitor para a perda em “vendabilidade o que ganhou em seriedade”. Ainda no Diário Nacional, de 01 novembro de 1927, em “Paulo Rossi II”, Mário de Andrade relaciona a produção pictórica do pintor ao excesso de “invencionices”. A desaprovação do crítico evidencia-se quando Paulo Rossi parece sucumbir ao objeto representado.

Paulo Rossi, embora culto, inda não consegue tirar da realidade natural mais que essa mesma realidade, em cor suave. Não consegue tirar dela o que a gente poderia chamar de “memória sensível”: quero dizer: aqueles elementos estáticos de tinta, de superfície, de luz, de volume que reagindo pela objetividade própria contra o natural representado, sintetizem por sua vez uma imaginação criadora e atuem dinamicamente duma maneira sensibilizadora.177

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Huanas da USP, sob orientação do Prof. Dr. León Kossovitch, São Paulo, 1996, p.127.Em nota de rodapé, Pohlit faz um breve resumo das publicações anteriores em que o crítico anunciara, no dia 22 de outubro, o retorno da Europa do pintor Paulo Rossi, ausente do país há cinco anos. Período em que se dedicou aos estudos. No dia 23, comenta sobre a abertura da exposição realizada com a presença da sociedade paulista, representada por colecionadores e artistas, seguido de prospectivas para os próximos dias. 176Ibidem, p. 128. 177 Diário Nacional. São Paulo, 01 novembro 1927. “Paulo Rossi II”. Apud op. cit. p. 130,131. 96

Há, no entanto, uma coincidência do objeto retratado que o pintor representa por meio de conceitos teóricos, tendenciosamente inclinados ao belo sentimental, alguns, com bons resultados, outros, não. “Quando a coincidência existe mesmo, temos quadros bons que nem os...” 178 que Mário de Andrade cita não pelo nome, mas pelos números referentes às obras expostas, exceto o Tectos e terraços, que para Andrade é muito bom [...]. Paulo Rossi não é um colorista, afirma Mário de Andrade no artigo “Paulo Rossi III”. A personalidade do pintor resulta da resolução dos desequilíbrios, no avanço da técnica, como um aluno eterno de si mesmo. [...] Paulo Rossi está agora no momento em que, de posse duma técnica vasta e de conhecimento bem abalizados, se vai libertando de tudo isto e alcançando liberdade. 179

Em maio de 1928, a Exposição de Belas Artes promovida pelo Muse Italichi, representada pela Sociedade Italiana de Cultura, foi alvo de crítica de Mário de Andrade na crônica “Passado ilusionista” publicada no Diário Nacional. Criticou tanto o Palácio das Indústrias, por seu “pseudofiorentino” - projetado nos escritórios de Ramos de Azevedo por Domiziano Rossi -, como a qualidade artística da exposição, considerada baixa. O Palácio, representando o culto ao passado, é contraponto para “a única referência admissível em Arte que é a de “métier”.180

A mostra Muse Italiche voltou a ser objeto da crítica de Mário de Andrade na crônica “Exposição de Belas Artes”181. Para ele, foi um desserviço à cultura italiana reverenciada pelo crítico apenas no tocante às letras e à música.

Escreveu Mário de Andrade:

Em questão de Artes plásticas é incontestável que a Itália ainda geme sob a decadência formidável em que despencou, morto Tiepolo. O

178 Ibidem, p. 131. 179 Diário Nacional. São Paulo, 03 novembro 1927. “Paulo Rossi III”. Apud, op. cit. p. 136. 180 Diário Nacional. São Paulo, 17 de março de 1928. “Passado ilusionista”. Apud Claudéte Kronbauer Pohlit. Mário de Andrade: Cronista Crítico das Artes Plásticas. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Huanas da USP, sob orientação do Prof. Dr. León Kossovitch, São Paulo, 1996, p. 173. 181 Diário Nacional. São Paulo, 23 de maio de 1928. “Exposição de Belas Artes” Apud Claudéte Kronbauer Pohlit. op.cit, p. 186 – 189. 97

século XIX, então, que foi o grande século da plástica francesa, tem na Itália um dos mais prodigiosos exemplos de obscuridade. [...] Se é certo que pelo esforço magnífico de um grupo magnífico de musicólogos e compositores, a música italiana conseguiu se levantar de novo e retomar a posição brilhante que está ocupando agora, em plástica isso não se dá. È certo que ainda residem lá esse notável Soffici, um Ubaldo Oppi interessante e mais algumas figuras de valor, mas nem elas, nem a organização esforçada de exposições internacionais que nem a de Veneza, conseguiram acordar o espírito plástico italiano da pasmaceira em que caiu faz mais dum século. 182

Assim foi para Mário de Andrade a lastimável Exposição de Belas Artes do Muse Italiche, onde “a pintura, a escultura italiana de agora, estão no número desses malefícios deploráveis e carecendo de repulsa imediata”.183

Essa contextual afirmação de Mário de Andrade, certamente teria fornecido munição ao crítico Geraldo Ferraz, por ocasião da crítica de 1937 aos expositores da Família Artística Paulista, como será analisado na sequência deste capítulo. Sem imaginar o voo biográfico de Alfredo Volpi (1896-1988), que também havia participado da exposição do Muse Italiche com medalha de ouro, os críticos Andrade e Ferraz manifestam suas posições contrárias ao Ottocento italiano, o que revela o desconhecimento da história da arte macchiaiola no modernismo italiano, objeto de estudo do capítulo anterior.

Entre as crônicas de Mário de Andrade, destaco “Anita Malfatti”184, publicada no Diário Nacional daquele mesmo ano de 1928. Visando apresentar a artista como aquela que soube “sentir a precisão de buscar os caminhos mais contemporâneos de expressão artística”, Andrade anuncia seu “retorno” após cinco anos de estudos na capital francesa.

Passados aqueles tempos de revolta com que os artistas modernos nas suas obras faziam ponto de honra da extravagância, mais por bravata às vezes que por convicção, veio do movimento de agora, já muito menos destruidor, muito mais sobranceiro às transitoriedades do tempo e já tradicional. Anita também segue essa orientação construtora de agora. Sua arte atual, baseada numa técnica perfeita pelo que dizem os críticos franceses, se apresenta calma, firme, sem nenhuma daquelas pesquisas inquietas e tantas vezes rebarbativas

182 Ibidem, p. 187. 183 Ibidem. p.189. 184 Diário Nacional. São Paulo, 29 de setembro de 1928. “Anita Malfatti”. Apud op. cit. p. 201. 98

que agora já não têm mais razão de ser. Também a ilustre pintora vem encontrar os seus companheiros antigos bastante modificados e... reforçados. Terá agora mais facilidade em ser compreendida e estimada no seu valor.185

Foi nesta publicação do Diário Nacional que encontrei a singular análise de Mário de Andrade sobre o movimento de “retorno à ordem” na arte brasileira articulado à arte italiana, no exame da obra de Anita Malfatti durante o lento processo de construção do campo artístico em São Paulo. Um movimento “muito mais sobranceiro às transitoriedades do tempo e já tradicional”, que pode ser confirmado na técnica perfeita da artista.

No mesmo ano de 1928, Paulo Claudio Rossi acrescentou ao registro de nascimento, o apelido Osir, quando “passou a se assinar Paulo Rossi Osir”, conforme relato de Paulo Mendes de Almeida186. Há duas versões para Paulo Rossi ter modificado o nome civil. A mais evidente parece ligada à ideia de querer diferenciar o sobrenome Rossi, muito comum em São Paulo. A outra versão diz respeito à crença numerológica.

O estilo neocolonial nos painéis de Paulo Rossi teve visibilidade no já citado projeto do arquiteto Alexandre Albuquerque para o Convento das Carmelitas, zona oeste da cidade de São Paulo. Tendo participado da 1ª Exposição Geral de Belas Artes, Pedro Corona, Paulo Rossi Osir e Alexandre Albuquerque constituíram o tripé arquitetônico e decorativo da Capela do Convento das Irmãs Carmelitas Descalças. Essa Capela, hoje Paróquia Coração Imaculado de Maria, abriga a comunidade do bairro das Perdizes e é parte do Campus Monte Alegre da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

A realização do projeto durante o final da década de 1920 demandou um esquema sui generis a fim de evitar o constrangimento da presença masculina no espaço sagrado onde as carmelitas viviam em clausura, sem o uso da palavra e contato com o mundo. Para evitar o trabalho in loco, que certamente incomodaria as

185 Ibidem, p. 202, 203. 186 MENDES DE ALMEIDA, Paulo. Op. cit. p. 165. Observo que Paulo Mendes de Almeida relata o fato de Paulo Claudio Rossi ter acrescentado, em 1938, a palavra Osir em seu nome civil. “(...) por injunções da numerologia. em que acreditava piamente (...) passou a se assinar Paulo Rossi Osir.” 99 irmãs descalças, Rossi Osir e Corona restringiram suas atividades artísticas à arte em azulejaria e marouflage. Como solução, a pintura realizada no ateliê encurtaria o tempo de aplicação das telas, devidamente transportadas e coladas nas paredes e no teto da Capela. A azulejaria foi executada na parte inferior das paredes da capela e as telas na parte superior.

Figura 17 - Imagem geral da arte em azulejos de Rossi Osir e telas de Pedro Corona

Fonte: Paróquia Coração Imaculado de Maria. Capela da PUC-SP Foto: Davilym Dourado

O antigo Mosteiro do Carmelo projetado para as Carmelitas em 1921, abrigaria as irmãs por um curto espaço de tempo. Em 1948, as Carmelitas se mudaram para o Mosteiro da Avenida Jabaquara. Desde então, o complexo arquitetônico das Perdizes passou a abrigar as faculdades da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, mantida pela Fundação São Paulo.

As obras permanecem no espaço da Capela da PUC-SP e os croquis foram doados pela família de Pedro Corona ao Acervo do Museu de Arte Sacra187. As tonalidades pastel que deram origem aos croquis refinam a delicadeza das aquarelas que reproduzem imagens de santos e passagens da vida de Santa Tereza D´Ávila. São 15 croquis arquivados por números de identificação em fichas, pelo Patrimônio denominado e titulado com descrição sumária e cronológica do objeto segundo suas dimensões, forma de confecção, nome do artista e origem.

187 Pesquisa realizada no Museu de Arte Sacra, onde pude identificar as obras de 5 artistas do núcleo da 1ª Exposição Geral de Belas Artes, a saber: Anita Malfatti, Enrico Manzo, Paulo Claudio Rossi Osir, Pedro Corona e Oscar Pereira da Silva. 100

Figura 18 - Imagem do azulejo de Paulo Claudio Das unidades reunidas no Rossi Osir painel de azulejos é, no meu entender, o momento pictórico que emociona e surpreende por meio de pinceladas em tons de azul colonial, sutilmente equilibrado por sombreados que se transfiguram na composição da morte presente na face da Mater Dolorosa.

Fonte: Paróquia Coração Imaculado de Maria Na parte baixa, onde o painel Capela da PUC-SP Foto: Davilym Dourado finda junto à porta de acesso à sacristia, Paulo Claudio Rossi Osir deixou sua assinatura: “P.C. Rossi Osir”, pintó 2/07 1931 queimados na Fábrica de Louça Santa Catarina, S.P”.

Figura 19 – Imagem do azulejo assinado pelo autor Paulo Claudio Rossi Osir

Fonte: Paróquia Coração Imaculado de Maria Capela da PUC-SP Foto: Davilym Dourado

Este é o registro da primeira série de painéis que levaria Paulo Claudio Rossi Osir a criar a Osir Arte, conhecida como Osirarte a partir do Palácio Capanema, confirmando o prolongamento de sua arte em gestação.

Como aluno de Giuseppe Perissinotto na Escola do Brás, Rossi Osir estendeu sua rede de sociabilidade para o eixo Rio/São Paulo, por meio das Exposições Gerais de Belas Artes, que aconteciam anualmente na Escola Nacional de Belas Artes, na Avenida Rio Branco, 199, no centro do Rio de Janeiro. Daí o aspecto socializador germinado entre seus pares, que também participavam das atividades artísticas na 101 capital do país. A XXXII Exposição Geral de Belas Artes, inaugurada em 12 de agosto de 1925, marca a presença de alguns expositores, como: Henrique Manzo, Giuseppe Perissinotto, Orlando Tarquinio, Vicente Larocca e Angelo Simeone, que já estavam inseridos na rede de sociabilidade de Rossi Osir.

No Catálogo da XXXIII Exposição Geral de Belas Artes, inaugurada no dia 12 de agosto de 1926, consta entre os premiados Candido Portinari, com a medalha de bronze, em 1923, e a pequena medalha de prata em em 1925; Gastão Worms com menção honrosa de 2º grau; Dubugras com medalha de prata em 1916 e grande medalha de ouro em 1918. No ano seguinte, no Catálogo da XXXIV Exposição Geral de Belas Artes, Cândido Portinari concorria ao Prêmio Viagem. Entre os expositores encontravam-se Angelo Simeone; Antonio Rocco; Fedora Rego Monteiro (irmã do pintor Rego Monteiro); Giuseppe Perissinotto; Quirino Campofiorito e Vicente Larocca. Paulo Rossi Osir, que se encontrava em Milão, só participaria da exposição de 1928, conforme consta no Catálogo da XXXV Exposição Geral de Belas Artes no Palácio das Belas Artes, ocasião em que se confirma o Prêmio Viagem para Cândido Portinari como pensionista da Escola Nacional de Belas Artes.

O Prêmio Viagem afastaria Cândido Portinari (1903-1962) do Brasil para realizar seus estudos em Paris, de modo que, apesar de ter participado da XXXV Exposição Geral de Belas Artes ao lado de Paulo Rossi Osir, a amizade entre eles se consolidaria por meio de profícua correspondência, no período das tratativas do projeto do Edifício do Ministério da Educação e da Saúde, conforme observa Flávio Motta188. O então Ministro Gustavo Capanema189 (1900-1985), constituiu uma comissão composta pelos arquitetos Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Afonso Eduardo Reidy, Jorge Machado Moreira, Carlos Leão e Ernani Vasconcelos, com base em estudos feitos por Le Corbusier, desde a sua primeira vinda ao Brasil, em 1929, e

188 MOTTA, Flávio em seu artigo “A Família Artística Paulista”188, afirma que a correspondência entre Paulo Rossi Osir e Cândido Portinari aconteceu entre os anos de 1937 e 1943, período em que definiram o projeto e a execução dos azulejos do painel do edifício do Ministério da Educação e da Saúde no Rio de Janeiro. 189 Edifício Gustavo Capanema, inscrição nº 315, livro das Belas-Artes, fls. 66.18.03.48. . In: SILVA TELLES, Augusto. Guia dos Bens Tombados da Cidade do Rio de Janeiro.Rio de Janeiro: Editora Expressão e Cultura, 2001. Fich 115.3T39 Biblioteca Nacional. 102 depois em 1936, quando passou a acompanhar a equipe de arquitetos envolvidos com a realização do projeto do Ministério da Educação e da Cultura.

O projeto se concretizou em escala monumental seguindo princípios da era moderna, amalgamados com soluções inspiradas nos séculos XVIII e XIX, e, nos azulejos inspirados na arquitetura neocolonial brasileira para revestimento dos corpos edificados do térreo; paredes laterais do auditório, salões de audiências do Ministro e nas salas de espera do 2º pavimento, com figuras avulsas formando painéis. A criação de figuras avulsas para formação desses painéis exigiu um contingente de pintores ligados ao métier de Paulo Rossi Osir que, em 1931, já havia criado e executado a arte em azulejos da Capela da PUC-SP com o arquiteto Alexandre Albuquerque. Os novos parceiros da arquitetura, Oscar Niemeyer e Lucio Costa, simbolizavam o modernismo em seu desdobramento de 1922, passando à condição de política cultural do Estado, na Era Vargas.

A escolha de Cândido Portinari para desenhar a arte dos painéis aconteceu no momento de seu retorno ao Brasil, após dois anos de estudos em Paris, com os recursos do Prêmio Viagem. As sincronicidades o levaram a participar do Salão Revolucionário, em 1931, organizado pelo diretor da Escola de Belas Artes, Lúcio Costa. O recém-nomeado diretor, em ação parceira com o júri, do qual fazia parte Cândido Portinari, deu ampla participação aos modernistas, somando 506 trabalhos de 160 pintores, ocasião em que Cícero Dias expõe “Eu vi o mundo... ele começa em Recife”. Como a exposição desagradou os velhos professores, Lúcio Costa foi demitido, não sem antes indicar o nome do artista Cândido Portinari para realizar a arte dos painéis para o complexo Capanema. E Rossi Osir, que também havia participado do Salão de 1931, criou a Osirarte para atender à montagem dos painéis executados pelos pintores da Família Artística Paulista.

A produção de azulejos “biscoito” para pintura e cozimento foi garantida por Francisco Matarazzo Sobrinho nas dependências das indústrias de sua família. O pintor Theodoro Benedicto Meirelles Freire, em depoimento concedido à autora na Associação Paulista de Belas Artes, relata sua passagem pela Osirarte, como pintor da série de azulejos para o Ministério da Educação e da Saúde no Rio de Janeiro. Disse ele: 103

Tratava-se da execução do mural cuja temática reportava-se a um conjunto de ciclos econômicos brasileiros que foram encomendados em 1936 por Capanema. A fábrica dos Matarazzo produzia os azulejos biscoito, assim chamadas as peças que não recebiam esmalte. Com a medida de 15 x 15 cm, continuou Meirelles, eles eram encaminhados a uma fornalha de 1.200 graus que levava dois dias para esfriar. Depois disso, o trabalho tinha que obedecer a sincronia da produção artística de dez artistas em mesas improvisadas e apoiadas em cavaletes que chegava a 15 metros de comprimento. O transporte era feito por duas locomotivas numa estrada de ferro que passava atrás da fábrica de Matarazzo.190

Eram distintas as etapas do trabalho coletivo na feitura dos painéis da Família Artística Paulista, antecipando, de certa forma, as tendências do novo mercado de trabalho, que passa a incluir tanto o artista/artesão, como o empreendedor das artes e da indústria, representado por Rossi Osir e Francisco Matarazzo Sobrinho, confirmando-se, assim, o novo mecenato do Governo Vargas, que emerge distinto daquele dos tempos do Pensionato Artístico da 1ª República, modelo que teve em Freitas Valle a figura exemplar, como Senador da República afinado ao “jogo entre privilegiados possuidores dos mesmos padrões de gosto”191 da elite. Uma nova fase emerge evidenciada pelo fazer ligado à arte urbana em busca de um imaginário moderno destinado a edifícios e órgãos públicos, ao interesse de industriais e dos homens de negócio com vistas no colecionismo.

Com a criação da Osirarte, cumpriu-se o propósito de executar e montar os painéis para o Edifício Gustavo Capanema. Parte das cartas trocadas entre Cândido Portinari e Rossi Osir, que o considerava “o novo Rivera do Brasil”, encontra-se no rico acervo epistolar Portinari. A correspondência foi um meio estabelecido pelos dois para o entendimento da execução dos painéis e fortalecimento da amizade iniciada com o retrato de Paulo Rossi Osir, pintado por Cândido Portinari, em 1935. (Acervo MAC-USP).

190 MARCONDES, Ana Maria. Travessia Periférica. A trajetória do pintor Waldemar Belisario. IMESP. São Paulo, 2003. op. cit. P. 108 191 MICELI, Sergio. Nacional Estrangeiro. São Paulo: Cia das Letras, 2003. p. 142. 104

Figura 20 – Cândido Portinari A rede de sociabilidade de Rossi Osir estendeu-se aos pintores e à intelectualidade paulista de seu grupo artístico, permitindo-lhe unir as duas pontas de uma mesma geração modernista - cuja exclusão se fazia notar por meio da separação entre os artistas consagrados e os pintores italianos – articulando as duas cidades e unindo os dois grupos num único “bonde modernista”.

O ambiente artístico paulista ganhara folego com o pluralismo de Lúcio Costa no Salão Revolucionário, em 1931, com a arte de Lasar

Fonte: Retrato de Paulo Rossi Osir, Segall na Sociedade Pró- -Arte Moderna – SPAM, 1935. Coleção Museu de Arte em 1932; e, no mesmo ano, com a irreverência de Contemporânea. Foto de Gomes Jr. Flávio de Carvalho no Clube dos Artistas Modernos – CAM, a arte brasileira superava obstáculos com exposições e salões redesenhados por uma onda de vivências coletivas que perpassaram o primeiro decênio da segunda República brasileira. A efervescência cultural na arte urbana visava à construção de um imaginário moderno destinado a edifícios, órgãos e logradouros públicos.

Na direção da Escola Nacional de Belas Artes estava Lucio Costa entre parceiros da arquitetura e da arte modernista por ele convidados para colaborar na gestão por ele liderada para construção da imagem daquele período comprometido com a estética urbana.

Entra em cena também Gregori Warchivchik, arquiteto ucraniano formado em Roma pelo Reggio Istituto di Belle Arti, durante o mesmo período de fecundação da fase do segundo futurismo na capital italiana. Após dois anos de residência no Brasil, Warchavchik publicaria o artigo “Futurismo?” para o jornal italiano Il Piccolo, em 14 de junho de 1925. Considerado o 1º Manifesto de Arquitetura no Brasil, o arquiteto 105 delineou os seguintes princípios básicos para a arquitetura moderna: a relação com o período histórico vivido; o aperfeiçoamento técnico; a necessidade de se conhecer as tendências mecanicistas e classicizantes; deixar de pensar no estilo; focar no aspecto racional da arquitetura e em residências cômodas, econômicas, funcionais e de expressão estética, com movimentos similares aos “de volta à ordem”, em artes. Com obras situadas em São Paulo e no Rio e Janeiro, Warchavichik se destacou pelos aspectos da estética paulistana em residências, como a casa de Mina e Gregori, em 1927/28, renomeada como Casa Modernista. Na década de 1930, as casas da rua Bahia e Itápolis; os Edifício Barão de Limeira; e a Sede do Clube Paulistano, em 1948, entre outras construções e projetos modernistas em parceria com Lúcio Costa no Rio de Janeiro.

A Sociedade Pró-Arte Moderna - SPAM buscava desestabilizar o acomodamento das pessoas naqueles primeiros anos de adaptação ao Governo Vargas, por meio de exposições, palestras, espetáculos, concertos, a fim de expandir a interação dos artistas com os amigos da arte. No livro De Anita ao Museu192, Paulo Mendes cita os integrantes dos eventos: ao lado de Lasar Segall, Paulo Prado, John Graz, Watsh Rodrigues, Arnaldo Barbosa, Antônio Gomide, Frank Smith, Mário de Andrade, Menotti Del Pichia, Brecheret, Sérgio Milliet, Camargo Guarnieri, Rubem de Moraes, que juntos teriam iniciado a fundação da SPAM, na casa do arquiteto Warchavchik, em 1932. Entre os fundadores encontravam-se as Sras. Klabin, Segall, Rossi, Graz, Guedes Penteado, Ullman, Bessel, Malfatti e Amaral além de outros integrantes que completaram 39 membros.

A SPAM tinha por objetivo seguir um programa ligado às artes promovendo exposições, concertos, conferências, tertúlias, por meio de uma rede de associados de distinto prestígio social. Em relação aos artistas, tinham por meta aproximá-los, e também estimulá-los com prêmios de viagem de estudo ao exterior, como acontecia no centro artístico da capital federal.

A Sociedade Pró-Arte Moderna conheceu o sucesso com a exposição dos trabalhos de artistas modernos estrangeiros, como De Chirico, Picasso, Brancusi, mesclados aos artistas da SPAM. Essa 1ª Exposição de Arte Moderna da SPAM foi

192 Cf. ALMEIDA, Paulo Mendes de. De Anita ao Museu op.cit. 106 inaugurada no dia 28 de abril de 1933 na rua Barão de Itapetininga. A 2ª Exposição de Arte Moderna da Sociedade Pró-Arte Moderna aconteceu no final de 1933 com o propósito de manter um intercâmbio com os artistas modernos do Rio de Janeiro.

Com especial atenção às artes plásticas, a SPAM ampliaria suas atividades para abraçar as obras de Camargo Guarnieri, Frutuoso Viana e Francisco Mignone no I Concerto Oficial. Palestras, dança, festas, enfim, um clima multidisciplinar que parecia reviver os salões da elite paulista dos anos 1920. Os bailes, festas de réveillon e carnavais também marcaram época sob a criação artística de Lasar Segall, sobretudo a execução dos temas carnavalescos: “Carnaval na cidade de SPAM”, em 1933, e “Grande expedição às matas virgens de Spamolândia,” no carnaval de 1934.

Apesar de alguns críticos considerem que a SPAM havia ressurgido com roupagens novas, como Clube dos Artistas Modernos - CAM, as propostas de Flávio de Carvalho se afastavam ideologicamente da expressão elitista da SPAM ao eleger como principal mote artístico o “Teatro da Experiência”, que teve suas apresentações censuradas e o teatro fechado. O CAM funcionou no prédio da Rua Pedro Lessa, local que abrigava os ateliês dos artistas Flávio de Carvalho, presidente do clube, Di Cavalcanti, Carlos Prado e Antônio Gomide como “um grande movimento de arte e de inteligência, que dificilmente se repetirá”193.

Em oposição à SPAM, o Clube de Artistas Modernos – CAM teria uma atuação enfaticamente “de contestação de tudo que possa ser politicamente identificado como elemento da ordem burguesa.”194 O projeto hegemônico do moderno promovia certa tensão entre os grupos, estendida pela germinação de uma ordem simbólica renovada pelo “movimento de unificação cultural,”195 que tomou para si o antigo outsider.

As demais exposições dos anos 1930, a contrapelo dos ideais elitistas, permitiram uma crescente expansão da consciência crítica, como também mercadológica, por meio da validação do projeto estético representado pela Osirarte,

193 MENDES DE ALMEIDA, Paulo. Op. cit., p. 84. 194 PINHEIRO FILHO, Fernando Antonio. Lasar Segall: arte em sociedade. Cosac Naify, 2008, p. 150. 195 CANDIDO, Antonio. “A Revolução de 1930 e a Cultura”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, v. 2, 4, p. 27-36, abril 84. 107 como base de um triângulo isósceles cujas linhas traçadas pela arquitetura modernista e pelo Estado materializaram o projeto cultural de identidade urbana.

No entender do crítico Paulo Mendes de Almeida, tensões se repetiriam nas exposições de arte em São Paulo, na década de 1930. A “arte do passado” e a “arte do presente”, recolocaram o problema em seus legítimos termos, na perspectiva de “arte de sempre”196. A antiga antipatia dos modernistas com seus companheiros de geração toma um outro sentido por ocasião da criação do Conselho de Orientação Artística, constituído pelo interventor Federal no Estado de São Paulo, Armando de Salles de Oliveira. De certo modo, o Conselho garantia a continuidade do Salão Paulista de Belas Artes que, com a República Nova, retornaria ao marco zero como 1º Salão Paulista de Belas Artes, realizado no dia 25 de janeiro de 1934. Em seguida, movimentações de artistas no Palacete Santa Helena, localizado na Praça da Sé, marcariam o ano de 1934 com a chegada de Francisco Rebolo e de seu amigo Mario Zanini, com quem dividiria o ateliê.

Entre os artistas que frequentaram o Palácio Santa Helena havia integrantes da Escola de Belas Artes, que funcionava nas proximidades da Praça da Sé. A locação das salas no Palacete costumava acontecer por iniciativa de dois ou mais artistas, que dividiam os custos do ateliê e o pagamento de modelos contratadas. Habitualmente reuniam-se no café da Praça do Patriarca para trocar experiências teóricas e práticas do fazer artístico; e normalmente, aos domingos, saíam para as zonas da periferia de São Paulo com a ideia de pintar os arredores da cidade. Foi assim, que alguns santelenistas da Sociedade de Belas Artes abriram caminho para que o Sindicato dos Artistas Plásticos fosse instalado, em 1937, no mesmo edifício, que, além de artistas, abrigava também profissionais liberais.

Desde então, as exposições da Sociedade de Belas Artes abririam as portas para múltiplos estilos, o que levaria seus participantes a ignorar o fato de que, naquele espaço, o grupo dominante era, justamente, o da Sociedade Paulista de Belas Artes que organizaria em 1938 o 1º Salão do Sindicato. Durante o 2º Salão do Sindicato observa-se a dissolução dos antigos grupos polares de 1922, se for observada a crescente presença dos representantes da “arte do presente” com Antônio Gomide,

196 Ibidem, p. 193. 108

Flávio de Carvalho, Clovis Graciano, Arnaldo Barbosa, entre outros artistas do Santa Helena captaneados por Paulo Rossi Osir.

A primeira das exposições aconteceu em novembro de 1937 no Hotel Esplanada. Entre os artistas que participaram da mostra estavam Rossi Osir e Valemar da Costa como idealizadores e organizadores. Entre os expositores destaco a presença de alguns mebros da Família Artística Paulista representada por Anita Malfatti, Armando Balloni, Arnaldo Barbosa, Arthur Krug, Hugo Adami, Joaquim Figueira, Francisco Rebolo, Aldo Bonadei, Alfredo Volpi, Clovis Graciano, Fulvio Pennachi, , Humberto Rosa e Mario Zanini.

A Família Artística Paulista teve sua primeira exposição no mesmo ano do 1º Salão de Maio. Os dois eventos aconteceram em 1937. Ousadia de um, na “exposição moderna”, e “indiferença” do outro, na defesa da “qualidade intrínseca dos elementos plásticos” imbuídos dum espírito de artesão de um nobre ofício.197

Em 1939, a segunda exposição foi reconhecida e legitimada por Mário de Andrade nas conferências “Esta família artística”, “O artista e o artesão” e “Elegia de abril”. Organizados no subsolo do edifício onde funcionava o Automóvel Clube, na rua Libero Badaró, acrescida da participação de Rullo Rizzoti, Cândido Portinari, Toledo Pizza, Renée Lefevre, Nelson Barbosa, Nelson Nóbrega, Bernardo Rudofsky, Vilanova Artigas, Ernesto de Fiori, sendo a pintura de Gobbis e Rossi Osir terem sido apontadas como exemplo de valoração artística por Mário de Andrade.

Houve ainda uma última exposição da Família Artística Paulista no Rio de Janeiro, em agosto de 1940. Entre os expositores encontravam-se Carlos Scliar, Paulo Sangiuliano, Vicente Mecozzi, Franco Cenni e Vittorio Gobis.

Na tendência característica de Paulo Rossi Osir pude reconhecer nas exposições da Família Artística, a ideia de uma atitude sintonizada com a Famiglia Artistica Milanese, considerando o acolhimento dos artistas sem se importar com o maniqueísmo estético. Atitude que causara rejeição dos críticos modernos ao grupo formado por artistas concentrados, desde 1934, no Palacete Santa Helena e na Escola de Belas Artes. O dualismo entre os considerados acadêmicos/modernos era

197 MENDES DE ALMEIDA, Paulo. Op.cit., p. 124. 109 visível na crítica paulista que, de fato, desconheciam o espírito da “família artística”, sem que se dessem conta do fio contínuo que os conectava.

A reviravolta se daria em 1939, com o artigo de Mário de Andrade “Esta Família Paulista”, publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 2 de julho de 1939. Avaliando as obras e os participantes da 2ª Exposição da Família Artística Paulista, Mário enfatizou o lugar que seus membros ocupavam na sociedade, quase sempre desprovidos de bens materiais. A análise explora o aspecto da técnica artesanal, como elemento socializador do artista, que se concretizava norteado pela vontade estética, segurança na pesquisa, respeito à obra de arte e pelo entendimento do modus operandi.198

Mário de Andrade atribuiu reconhecido valor de “alta condecoração”199 aos pintores da Família Artística, desmistificando o desprezo dos modernos que os consideravam acadêmicos; e dos acadêmicos, que não os aceitavam como seus pares. No ataque à vanguarda, Mário enfatizava o tema da conferência que versava sobre “O artista e o artesão”, durante a conferência proferida na abertura dos cursos de Filosofia e Letras da Universidade Federal no Rio de Janeiro, onde se reunia a intelectualidade modernista docente. O assunto colocava o dedo na ferida dos expositores do primeiro Salão de Maio por tratarem o fenômeno estético com vaidade, de modo a desequilibrar a relação do artista com a obra de arte, mormente pela sobreposição do ego no ato de “artefazer”.

A consciência artesanal do artista podia ser identificada como núcleo gerador capaz de nutrir o ser individual e o ser social, mormente quando se referia a uma artesania técnica, cujo aspecto coletivo envolvia os elementos que enunciam o denominador comum da individualidade coletiva, como com a Família Artística Paulista, afirmou Mário de Andrade em “Esta Paulista Família”.

[...] eu via encantado o segundo salão que a Família Artística apresentava. [...] mas a verdade é que todos esses paulistas estão pintando excelentemente bem. Muito melhor que no Rio.

O fenômeno da pintura paulista do momento (não oficial e sem escolas) é bastante curioso. Alguns pintores estrangeiros domiciliados em São Paulo provocaram pela sua firme cultura técnica um reflorescimento excepcional da legítima técnica de pintar. Quero me

198 Características similares às da Famiglia Artistica Milanese. 199 Expressão de Paulo Mendes de Almeida in: De Anita ao Museu, op. cit. p. 129 110

referir especialmente a Lasar Segall, e em segundo plano a Paulo Rossi Osir e Vitório Gobbis.200

Em A Elegia de Abril, conferência proferida em 1941, Mário de Andrade reafirmaria o caráter coletivo acerca da técnica como dimensão artesanal, em que a valoração do artista permaneceria contida no construtor de obras de arte dotado de consciência artesanal e artística

[...] não somente o artesanato e as técnicas tradicionais adquiridas pelo estudo, mas ainda a técnica pessoal, o processo de realização do indivíduo, a verdade do ser nascida sempre da sua moralidade profissional. Não tanto o seu assunto, mas a maneira de realizar o seu assunto. Que os assuntos são gerais e eternos, e entre eles está o deus como o herói e os feitos. Mas a superação que pertence à técnica pessoal do artista, como do intelectual, é o seu pensamento inconformável aos imperativos exteriores.201 Flavio Motta, em seu artigo “A Família Artística Paulista”202, chama a atenção para o clima de camaradagem, que proporcionava assimilação recíproca de técnicas artísticas e constantes trocas de conhecimento sobre os grandes mestres italianos, como características próprias desta família paulista. O clima de sociabilidade característica do “homem do Mediterrâneo”203 habitava no criador do ateliê Osirarte e articulador dessa grande família paulista impregnada pela técnica artesanal e pela inspiração dechriana de “tornare alle mistiere”204 como dimensão artística no exercício dialético entre tradição e inovação.

O ateliê Osirarte não se dissolveu com a conclusão dos painéis para o edifício do Ministério da Educação e da Saúde no Rio de Janeiro, em 1945, já analisado na unidade dedicada a Paulo Claudio Rossi, cujos trabalhos com Oscar Niemeyer, deram continuidade com o projeto arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte, em 1944.

200 ANDRADE, Mário. “Esta Paulista Família”. In: O Estado de São Paulo. São Paulo, 1939, Selecta de Celebração Mensal, a.1,10. jun .jul., p.14. 201 ANDRADE, Mário. A Elegia de Abril. Aspectos da Literatura Brasileira. 6ª Belo Horizonte: Ed. Editora Itatiaia, 2002. p.207-218, p. 217. 202 MOTTA, Flávio. Comunicações. Textos Informes. A Família Artística Paulista. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, nº 10. São Paulo, 1971, p.139. 203 Expressão atribuída a Paulo Rossi Osir por Sergio Milliet in O Estado de São Paulo, 06 de janeiro de 1960 204 De Chirico In Monica Cioli, op. cit. p. 33 111

Outros painéis da Osirarte: a fachada principal da Escola Municipal do conjunto habitacional do Pedregulho no Rio de janeiro, em 1951; painel na residência do banqueir o Moreira Sales, atual sede do Instituto Moreira Sales no Rio de Janeiro; sede do Clube de Regatas Vasco da Gama; Fundação Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro, com arte em azulejo de Rossi Osir; Poty em Curitiba; Educandário Don Silvério em Cataguases; e em Juiz de Fora com arte de Portinari. Mario Zanini (1907-1971) foi o primeiro companheiro da Família Artística Paulista convidado a trabalhar com Rossi Osir, juntamente com Alfredo Volpi (1896-1988). Esses artistas unidos sustentariam a arte e a artesania necessárias para o sucesso do ateliê-oficina Osirarte, ao lado das artistas companheiras, que fortaleciam os laços da família artística paulista. , Gerda Brentani, Giuliana Giorgi, Virginia Artigas, Maria Wrochnich e Alice Brill, juntamente com Cesar Laccana, Frans Krajcberg, Ernesto Fiori, Ottone Zorlini e Ettore Figura 21 – Cândido Portinari Imagem de São Francisco Boretti compunham a Osirarte, cuja característica de ser uma grande família sem assinatura. Há indícios que, por exigência do mercado norte americano, cobiçado por Rossi Osir, eles passaram a assinar algumas vezes em grupo, prevalecendo o espírito coletivo. Figura 22 – Imagem da marca firmada do Ateliê Osirarte Durante o decênio de 1940, impulsionado pelo desejo de divulgar o cabedal conquistado na arte em azulejo, Fonte: Igreja de São Francisco de Assis da Pampulha, BH, MG Paulo Rossi Osir Foto: Sonia Skroski realizou uma série de exposições: , que em muitas ocasiões aconteceram no próprio ateliê, mas também no Museu Nacional Fonte: Igreja de São Francisco de Assis da de Belas Artes, no Rio de Janeiro, em 1943; na Pampulha, BH, MG Foto: Sonia Skroski Galeria Benedetti, em São Paulo, em 1946; em

112

Buenos Aires e Mendoza, na Argentina, entre 1946 e 1947; e a última delas na Rua do Arouche, novamente na capital paulista, em 1951. 205

Por ocasião da exposição da Osirarte no Rio de Janeiro, o jornal A Noite publicou o artigo “O milagre dos azulejos”, em 18 de julho de 1943. Tratava-se de um apelo do jornal para chamar atenção do público para a Exposição de Azulejos da Osirarte. A nota pedia um novo olhar sobre a exposição que, sem publicidade, até então atraíra pouco público. A mostra, escreve Ariel, é uma verdadeira prova de arte honesta e significativa. Honesta, pela pesquisa que envolve os agentes da arte em azulejos. Significativa pelo envolvimento do grupo “evocador daquele artesanato” que faz lembrar o quatrocento italiano como arte resultante do coletivo.

O pintor Rossi Osir começou a experimentar tintas que resistem a uma temperatura superior a 1200 graus para os azulejos Ministério da Educação. O azul dos azulejos de Portugal, aquele incomparável azul que anima os desenhos das nossas Igrejas Coloniais, não foi conseguido na sua plenitude. (...)

Percorrendo a gana das cores frias – afirma o pintor – verifiquei ser possível a policromia sob esmalte.

A arte aplicada, continua o articulista, não deve ser considerada entre as artes menores. É uma arte clara, bela e útil, virtudes presentes na exposição de azulejos da Osirarte, de São Paulo, dignas do público do Museu Nacional de Belas Artes.

Em ‘Uma Exposição de Azulejos’ o cronista de arte, Luis Martins, ao se referir a Paulo Claudio Rossi Osir referenciou o ministro Gustavo Capanema, por prestigiar os artistas brasileiros com mostras de Portinari, Lasar Segal e a arte francesa no Museu Nacional de Belas Artes. Acrescentou que, entre as exposições programadas nos salões do Museu Nacional, aconteceria uma mostra especial entre os dias 13 e 17 de julho.

Paulo Rossi, pintor conhecido e admirado, tem-se dedicado há tempos à confecção de azulejos, tendo alcançado, com uma técnica apreciável, uma verdadeira elevação artística rara no gênero, entre nós. Com ele trabalha um grupo de profissionais

205 FARIA COUTO, André Luis. Osirarte. http://www.raulmendessilva.com.br/brasilarte/temas/osidarte.htm 113

competentes, constituindo todos uma importante oficina de alto nível artístico.206

No dia 23 de julho de 1943, o assunto “Osirarte de São Paulo” tornou-se crônica de Manuel Bandeira (1886-1968), publicada no espaço Artes Plásticas do Jornal A Manhã207. Como o edifício do Ministério da Educação e da Saúde ainda estava em construção e só seria inaugurado em 1945, Bandeira, de forma didática, informou ao público a iniciativa de Gustavo Capanema de encarregar Paulo Claudio Rossi Osir da fabricação de azulejos para revestimento de algumas paredes externas do novo edifício do Ministério, com base em desenhos de Portinari. Informou também que as peças para o Ministério teriam como protótipo o azulejo tirado da Igrejinha do Outeiro da Glória, cujos tons de azul foram considerados os mais adequados para serem reproduzidos no edifício modernista. Com isso, Bandeira pretendia mostrar que o edifício moderno não significava uma ruptura com o passado, mas valia-se dele por meio de um detalhe dos mais significativos, a azulejaria portuguesa que havia deixado tantos rastros importantes na paisagem urbana brasileira.

Essa encomenda, explicava Manuel Bandeira, permitiu a Paulo Rossi criar desenhos com temas da imaginária brasileira e do nosso folclore. Foram usadas 143 peças com varias composições, incluindo algumas, bem grandes. “A impressão que se traz ao sair da exposição” escreveu Manuel Bandeira, “é que a tentativa de Rossi tem todos os elementos para vingar”208.

No dia 31 de julho outra nota de arte foi publicada no jornal A Noite. Era o anúncio do encerramento da mostra dos “artistas paulistas que assinam as inúmeras composições que integram a bonita mostra de arte”209.

Com a inauguração do edifício do Ministério da Educação e da Saúde em 1945, a crônica “Exposição Rossi-Zanini” de Luis Martins mostrava o lado da produção

206 MARTINS, Luis. “Uma Exposição de Azulejos”. 18 de junho de 1943. In: MARTINS, Ana Luisa e PEREIRA DA SILVA, Jose Armando. (Org.) Luis Martins. Um Cronista de Arte em São Paulo nos anos 1940. Museu de Arte Moderna MAM de São Paulo, p. 49. 207 BANDEIRA, Manuel. “Crônica Osirarte de São Paulo”. Espaço das artes plásticas Jornal A Manhã, 23 de julho de 1943, p. 5. 208 Ibidem, p. 5. 209 Jornal A noite, Domingo, Rio de Janeiro, 31 de julho de 1943, p. 3. Fonte compulsada: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Material disponível no site Biblioteca Nacional memoria.bn.br. No Museu Nacional de Belas Artes. 114 pictórica na Galeria Benedetti, tão comprometida pelo excesso de virtuosismo de Paulo Rossi, que beirava a monotonia.

Se Rossi é um apaixonado das puras formas exteriores, levando a sua pintura ao extremo de um acabamento sensual que chega paradoxalmente ao antipictórico por excesso, Zanini mais poeta e mais sensível, mais dotado de temperamento lírico, não procura dominar a pintura, antes a ela se entrega com voluptuosa fúria.210

As conexões artístisticas no final de 1946 atravessaram a fronteira para realizar, no Salón Peuser, em Buenos Aires, uma outra exposição de azulejaria, que incluía obras do organizador Paulo Rossi Osir e demais integrantes da Osirarte. Essa mostra, em fevereiro de 1947, contou com a boa aceitação da crítica de Mendoza.

A documentação disponível não esclarece os vínculos por meio dos quais Rossi Osir empreendeu a viagem à Argentina. Mas, por vias indiretas, sabe-se que havia uma relação triangular entre Brasil, Argentina e Itália mediada por Paulo Rossi Osir.

Como Osir, Pettoruti havia passado longas temporadas na Itália, entre 1913 e 1924, com viagens secundárias a Paris. Na Europa, assimilou futurismos e cubismos, filtrados por estudos renascentistas, sobretudo pré-rafaelitas, Fra Angelico, Masaccio, Giotto. No retorno a Buenos Aires, colocou-se como o representante das correntes modernistas, incluindo o movimento de “retorno à ordem”, causando polêmica e resistência. Junto com outros artistas e intelectuais argentinos, Pettoruti fez parte da “Agrupación Camuatí [do guarani: vespas reunidas amigavelmente]” que, entre muitas iniciativas, pretendeu articular uma rede sul--americana modernista. Foi como parte desse projeto que Pettoruti realizou duas viagens ao Brasil, uma em 1928, entre junho e agosto, quando esteve no Rio de Janeiro e por uma semana em São Paulo. Outra mais longa, entre fevereiro de 1929 e janeiro do ano seguinte211.

A viagem em “missão de amizade”, como noticiou o Diário de São Paulo, em fevereiro de 1929212, surtiu um razoável efeito no sentido contrário. Além de muitos

210 Luis Martins, Exposição Rossi-Zanini, 18 de junho de 1946, op. cit., p. 291. 211 ARTUNDO, Patrícia. Mário de Andrade e a Argentina. São Paulo: Edusp, 2004. p.111-118. 212 Ibidem, p. 113. 115 vínculos de amizade e de uma grande cobertura em jornais de Rio e de São Paulo, Pettoruti proporcionou viagens de intelectuais e artistas brasileiros para a Argentina. A mais robusta foi composta por Antonio Alcântara Machado, Agripino Grieco, Orestes Piladi Palagi e Múcio Leão, que visitaram a Argentina em fevereiro de 1935. Mas, antes disso, no plano estritamente artístico, as iniciativas internacionais de Pettoruti levaram mais de setenta artistas brasileiros a enviarem obras para o XI Salón de Outoño na cidade de Rosário em 1929, entre os quais Cândido Portinari (1903-1962), no início de sua ascensão, e Alberto da Veiga Guignard (1896-1962). Além disso, em 1930, em La Plata, Pettoruti organizou uma exposição de obras suas também com artistas brasileiros, entre eles Guignard e Paulo Rossi Osir213.

É nesse contexto de trocas e fluxos entre Brasil e Argentina que o retrato de Pettoruti foi pintado por Rossi Osir. E é também em decorrência dessas entradas brasileiras em Buenos Aires, La Plata e Rosário, que as obras de Paulo Rossi Osir revisitaram Buenos Aires, em 1946, com a exposição da Osirarte, e Mendoza, em 1947. Nessa exposição um quadro chamou atenção. O retrato do pintor Emilio Petorutti, retratado Paulo Rossi Osir, significativo indício da amizade dos artistas.

No artigo “Acerca de la materialidad y visualidad de una revista (I): El caso de Sur y sus primeros números (1931-1932),“214 Patrícia Artundo, a mesma autora de Mario de Andrade e a Argentina, analisa a revista cultural argentina Sur, pelo viés do espaço cultural ocupado no consagrado universo da fotografia, sob a ótica técnica, estética e geográfica. A autora trata justamente do mesmo número em que a Revista Sur publicava fotografias de diferentes regiões da América do Sul, inclusive do Brasil. Artundo destaca a cidade do Rio de Janeiro, como ponto de referência dos contatos estabelecidos por Emilio Pettoruti, meio à ambiência de escritores, artistas e críticos brasileiros, indicando probabilidades de divulgar a arte brasileira na Argentina, como organizador da exposição, em 1931, das obras de Paulo Rossi Osir e Alberto da Veiga Guignard, em La Plata. E também, como provável intermediador das obras de Tarsila

213 Ibidem, p. 114. 214 ARTUNDO, Patricia. “Acerca de la materialidad y visualidad de una revista (I): el caso de Sur y sus primeros números (1931-1932)”. En caiana. Revista de Historia del Arte y Cultura Visual del Centro Argentino de Investigadores de Arte (CAIA). N. 9 | Segundo Semestre 2016, p. 25-35, p. 33 http://caiana.caia.org.ar/resources/uploads/9-pdf/CAIANA9-Artundo-final.pdf. P. 33 [mensagem pessoal à autora] de Paola Melgarejo. 116 do Amaral publicadas na revista Sur. Artundo denuncia a falta de interesse dos diretores da Sur pelo empenho de Rossi Osir e Guignard em estreitar as relações culturais e artísticas entre brasileiros e argentinos.

Apesar de o projeto oferecido à revista Sur não ter dado certo, a relação de amizade entre Osir e Pettoruti permaneceu intacta, não apenas pela trajetória de exposições e interesses culturais, como pela correspondência do pintor argentino ao jornalista e estudioso José Carlos Mariátegui. Explico melhor. A relação de amizade entre Osir e Pettoruti, pode ser mensurada na correspondência do pintor argentino com Mariátegui. Com data de 13.03.1929, Pettoruti escreveu ao amigo peruano para agradecer as revistas e livros: “Recibi los libros y las revistas, muchas gracias. He leido algunas páginas de su última obra” [...] “Pronto te enviarè un articolo sobre el pintor brasileño que estoi segurísimo que le intereserá”. Em nota de rodapé esclarece: “El amigo pintor se llama: Paulo C Rossi Osir”. Encerra a breve carta prometendo uma mais extensa, em razão da necessidade de deixar o Rio com certa urgência para retornar à casa. Passado um ano, Pettoruti escreveu a Mariátegui:

Mi grande e querido Mariátegui: Perdoneme si dejé passar tanto tempo sin escribirle ni responder a sus últimas, tan atentas – Vi a Hidalgo y le llegó la carta que Ud. le habia dirijido desde esa – Escriba imbocando mi nombre al señor Paulo Rossi Osir, Rua Ipiranga, 19. São Paulo, Brasil. Quien puede indicarle la libreria que a Ud. le conviene para “Amauta”, hasta creo bien que lo nombre a él mismo corresponsal o lo que Ud. quiera. Es um amigo mio, serio y todo cuanto de bueno pedirse – Es brasileño pero há sido educado em Europa, solo de Italia tiene 30 años, luego Francia, etc., es sobre quien vo lo prometi un articolo, pues il y Da Veiga Guignard son los únicos pintores interessantes del Brasil. Da Veiga tiene 37 años e tiene 36 años de Europa. Me escribe en frances y hablamos en frances y italiano. I que America esta! [...] 215

215 Arquivo José Carlos Mariátegui. Carta de Emílio Pettoruti,13.02.1930. http://archivo.mariategui.org/index.php/carta-de-emilio-pettoruti Tradução livre: “Meu grande e querido Mariátegui: Perdoa-me se deixei passar tanto tempo sem escrever nem responder às suas últimas cartas, tão atenciosas. Vi Hidalgo e chegou a carta que você o havia endereçado. Escreva invocando meu nome ao Sr. Paulo Rossi, Rua Ipiranga, 19. São Paulo, Brasil. Quem pode indicar-lhe a livraria que lhe convém para “Amauta”, acredito que o nome corresponde ao que você queira. É um amigo meu, sério e muito bom. É brasileiro, porém foi educado na Europa. Só na Itália, viveu trinta anos, depois na França, etc., é sobre ele que lhe prometi um artigo, ele e Da Veiga Guignard são os únicos pintores interessantes do Brasil. Da Veiga tem 37 anos e tem 36 anos de Europa. Me escreve em francês e falamos em francês e italiano. E que América é esta! [...] 117

Havia, sem dúvida, um elo intelectual entre os dois pintores, cuja formação artística urdida na Itália lhes proporcionava certa cumplicidade sustentada no campo das artes pela bagagem cultural das vanguardas italianas.

O crítico argentino José Léon Pagano (1875-1964) do diário La Nación216, escreveu sobre a mostra do brasileiro Paulo Claudio Rossi Osir, inaugurada em 2 de dezembro de 1946 no Salón Peuser em Buenos Aires, com a presença do embaixador do Brasil, dr. Batista Luzardo. José Léon Pagano217 iniciou o artigo com os dados biográficos de Paulo Rossi para, em seguida, destacar os azulejos e as telas do artista criador e empreendedor da Osirarte. De um lado, o pintor de cavalete atento à captação do concreto, da coisa observada; de outro, o pintor atento às expressões autênticas de folclore nativo, com suas manifestações de fé, festas, ritos, etnia e alma animados na pintura viva dos azulejos e policromia similar à vivacidade do povo.

Léon Pagano fez referência a Paulo Claudio Rossi Osir e seus colaboradores, agrupados no anagrama “Osirarte,” como os representantes de uma mesma fonte folclórica, regidos por análogos anseios estéticos. São colaboradores de Rossi Osir os artistas Alfredo Volpi, Hilde Weber, Mário Zanini e Maria Wochnik, que logram, segundo o crítico, dar unidade de forma e estilo às típicas cenas locais apresentadas no Salón Peuser. Em primeiro lugar, Festa de São João com 88 azulejos, que apresenta um sentido plástico admirável tanto no trato da arquitetura colonial religiosa, como da paisagem, dos animais, dos azulejos que encantam o observador pela graça e vivacidade de seus elementos; em segundo lugar Pic Nic com 84 azulejos, e por fim, os 221 azulejos do painel para um Gourmet apresentados em 163 composições ricas em modos de expressão. Além de observações sobre o trabalho coletivo, outros trabalhos individuais dos artistas Paulo Rossi, Alfredo Volpi e Mário Zanini foram considerados de excelente qualidade e sensibilidade de visão e de técnica pessoal situada na corrente da arte moderna.

216 Diario de La Nación, Lunes, 2 de diciembre de 1946, p.6. 217 O Fundo José León Pagano foi doado ao MAMBA - Museu de Arte Moderna de Buenos Aires, em 1968. Fazem parte de seu conjunto os documentos reunidos pelo crítico Pagano durante as pesquisas realizadas para compor a sua obra "El Arte de los Argentinos" juntamente com os artigos publicados no Diário La Nación entre os anos de 1922 a 1948. Confirma-se, assim, ser de autoria do crítico José Léon Pagano o artigo s/ Paulo Rossi, publicado em 02/12/1946 no Diário La Nación. Os dados são de Paola Melgarejo, da Área de Investigação do Museu Nacional de Buenos Aires. 118

No dia seguinte à inauguração, o jornal La Prensa218 - fundado por José C. Paz em 1869 - fez referência à Exposição da Osirarte, como representativa mostra dos expoentes mais significativos da modalidade daquele país irmão. Além de observações sobre a mostra, o articulista acrescentou o fato de o grupo possuir uma verdadeira e autêntica concepção da alma nacional; e exaltou a generosidade do artista Paulo Rossi pelo fato de ter articulado um grupo nos moldes pré-rafaelitas219, dispostos a respeitar a expressão própria de cada um graças à união que os azulejos impõem ao coletivo e ao indivíduo.

Sublinha ainda, o elemento diferenciador das paisagens e do folclore brasileiros, presente em suas múltiplas facetas nos esmaltados dos azulejos de rara e suave beleza. Entre os trabalhos de cavalete desses artistas, também apresentados no Salon Peuser, enaltece Mulheres de Zanini, Composições de Volpi, e, Pettoruti, o pintor argentino Emílio Petorutti (1892-1971) retratado por Paulo Rossi Osir.

O crítico argentino Reinaldo Bianchini, em seu artigo publicado no diário Los Andes,220 Mendoza, reafirma o trabalho em grupo dos artistas da Osirarte, que poderia muito bem prescindir do suporte arquitetônico, para ser apreciado como elemento puramente estético, de modo a confirmar que o ganho seria da Arquitetura, que ampliaria sua gama artística de possibilidades numa reciprocidade profissional de interesse mútuo, na qual o trabalho em equipe tornar-se-ia essencial deixando para trás o jogo do vem e vai de quem ganha ou perde. O que se confirma é, sem dúvida, o consistente elemento estético e sociológico desse núcleo paulista no entorno de Paulo Claudio Rossi Osir.

Reinaldo Bianchini prossegue com sua valorosa crítica descrevendo os azulejos pintados com “considerável acerto de modernidade”, por retomar temas e expressões populares contemporâneas, de inspiração das mais antigas heranças egípcias e hispano-árabe. O azul dos azulejos conquistado por Paulo Rossi, escreveu

218 La Prensa, Buenos Aires, Martes, 3 de diciembre de 1946. 219 Gerado na Royal Academy de Londres, o grupo Pré-rafaelita se posicionou contra a arte britânica, por volta de 1848. Constituído por John Everett Millais (1829-1896), William Holman Hunt (1827-1910) e Dante Gabriel Rossetti (1828-1882) buscam retomar o modelo dos pintores florentinos do Quattrocento. 220 BIANCHINI, Reinaldo. “Osirarte’. Los Andes. Domingo, Mendoza, 9 de fevereiro de 1947, p. 8.

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Bianchini, foi o resultado de uma série de esforços técnicos e estéticos que justificaram a visita do público à Galeria Gimenez, onde o grupo Osirarte apresentou os trabalhos que revelavam grande harmonia Figura 23 – Imagem do azulejo criado por Alfredo Volpi estética e qualidade na composição de suas criações. São próprios de bons artistas, mas a unidade de suas criações dificulta a identificação dos distintos autores que cooperaram nas obras coletivas.

A Osirarte, continuou Bianchini, mostra sua marca no Fonte: Azulejo, 23,5 X 23,5 cm. Coleção Leila Sarquis conjunto dos trabalhos expostos Foto da autora com transparência, qualidade emotiva e capacidade interpretativa das obras. A despeito do suporte, têm elas um mérito de distinção, pelo fato de serem obras de arte e não apenas elementos decorativos. A técnica da composição empregada lhes permite contornar o desafio da cor e da forma. Fraternalmente unidos, Figura 24 – Verso do azulejo de Alfredo Volpi afirma o crítico, os artistas constituem um grupo. A vocação e o afeto que os une, diariamente, em um ateliê em São Paulo trazem um olhar para a arte popular de seu país expressando cenas folclóricas compostas para os azulejos, respeitando suas individualidades e unidos pela admiração e estima que sentem mutuamente, ajustados à orquestra de Fonte: Azulejo, 23,5 X 23,5 cm. Coleção Leila cores e formas com a qualidade da Osirarte, Sarquis empresa única e quase anônima de seus Foto da autora trabalhos.

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No dia 9 de fevereiro, o mesmo jornal publicou: “Vivo interes en la exposición Osirarte”221. Com distintas formas do folclore brasileiro, as obras da Osirarte expostas na Galeria Gimenez revelavam ora uma leitura de sua ingênua espiritualidade, ora a apreensão de uma técnica, desvelada com graça e equilíbrio por meio da espontaneidade de elementos de composição, compostos na transparência da cor distribuída sobriamente e utilizada como instrumento expressivo, donde emerge uma série de quadros de valor decorativo. Os demais trabalhos demonstraram uma profunda conquista de valores plásticos, dando-lhes um sentido universal no que existe de particular e exclusivo, tanto na paisagem, quanto no homem brasileiro, ao mesmo tempo em que a matéria plástica se faz mais concreta, mais valorosa, mais expressiva do ponto estético. Uma pintura, afirmou o articulista, de ritmo moderno, povoada de elementos pictóricos sutis, como o material plástico que retoma a sua elasticidade e se descobre em todas as suas possibilidades, tomando como base a depuração e agilidade de seus meios mais expressivos, podendo ser visto nas criações de elevada inspiração.

A crônica de Paulo Mendes de Almeida publicada no Suplemento Literário222 de O Estado de São Paulo sobre a singularidade de Paulo Claudio Rossi Osir, por meio do artigo de Mário de Andrade “Esta Paulista Família”. Lembrando Mário, Paulo Mendes faz notar a importância da Família Artística Paulista223 na contenção da fúria futurista que havia invadido o primeiro modernismo, característico da Semana de Arte Moderna:

no sentido de conter os fáceis entusiasmos dos tempos heroicos do modernismo caboclo, a fúria iconoclasta, que lhe comunicara a pregação futurista. Num processo dialético, dentro das próprias correntes renovadoras, buscava-se um certo censo de moderação e equilíbrio retomando o fio das legitimas tradições e restabelecida a crença nos conhecimentos técnicos e no mettier, como elemento imprescindível para a realização da obra de arte perdurável [...] no campo das artes visuais da Era Vargas. E adiante, Mendes de Almeida arremata:

221 Ibidem, p. 10. 222 Suplemento Literário, O Estado de São Paulo, 8 de agosto de 1964. 223 ANDRADE, Mário de. “Esta Paulista Família”. In O Estado de São Paulo, Selecta da Colaboração Mensal, a.1.10. São Paulo, jun.jul., p. 14. 121

A contribuição dos artistas plásticos, inclusive de Portinari, revelou-se bastante decisiva ao viabilizar uma expressão figurativa nova às demandas formuladas pelos grupos dirigentes. A montagem do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), a reinvenção do barroco mineiro como idade de ouro de uma atividade artística autóctone e capaz de ombrear-se com experiências artísticas estrangeiras de idêntico calibre, a encomenda dos murais históricos para o novo prédio do Ministério da Educação e Saúde Pública, a reforma dos cursos e das orientações artísticas da Escola Nacional de Belas Artes, a abertura do Salão aos artistas modernos, constituem alguns dos marcos desse projeto, talvez o mais bem sucedido de toda a história política cultural no Brasil.224

No entender de Paulo Mendes de Almeida, a Família Artística Paulista desdenhava o rótulo modernista, por entender tratar-se de prevenção contra os desvarios e facilidades cometidos em nome da liberdade de expressão. “Com a serenidade que o exame a posteriori de certos processos impõe”, Paulo Mendes haveria de ponderar a situação da Família Artística Paulista expressando assim seu modo de pensar

Muito a propósito, evitou-se incluir, na denominação dada ao novo grupo, a palavra ‘moderno’, ou qualquer outra que a equivalesse. Já se disse que a Família Artística não nutre preconceitos de qualquer categoria. Cumpre acentuar, porém, o mau gosto que se tem feito daquele adjetivo, o qual tem servido não raro para acobertar as maiores heresias no domínio das artes plásticas, criando assim, no seio do público menos informado do assunto, a mais lamentável confusão. Dessa confusão se originou, no espírito desse público, uma surda revolta, uma justa prevenção contra o que traga o rótulo de moderno[..]225

Indiferentes a rótulos, permaneceram unidos até a morte de Rossi Osir, em 1959, quando acabou a Osirarte, mantida pelo amigo Mário Zanini, que sempre esteve a seu lado, até mesmo na memorável viagem com Paulo Rossi e Alfredo Volpi para uma temporada na Europa. O amigo Paulo Mendes de Almeida manteve a imagem artística e humana de Paulo Claudio Rossi Osir nas linhas e entrelinhas de sua obra De Anita ao Museu; por meio da relação de amizade e de respeito ao métier dos parceiros Vitório Gobbis, Hugo Adami, Ernesto De Fiori, Anita Malfatti, Alfredo Volpi,

224 MICELI, Sergio. Imagens negociadas. Retratos da elite brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 225 MENDES DE ALMEIDA, op.cit., p. 116. 122

Mario Zanini, Guignard da Veiga, Lasar Segal, entre tantos artistas que colaboraram com a Osirarte, como Gerda Brentani, Hilde Weber, Giuliana Giorgi, Cesar Lacanna, Virgínia Artigas, Ettore Boretti, Maria Wrochnik, Alice Brill, Frans Krajcberg e Ottone Zorlin, constituindo a grande Família Artística Paulista.

O amigo Sérgio Milliet, que o acompanhou até o final, deixou por escrito as mais belas passagens da alma desse artista nas homenagens póstumas publicadas nos artigos de 6 de janeiro e 30 de dezembro de 1960 em O Estado de São Paulo.

Durante os cento e cinquenta dias que passou deitado, com balão de oxigênio dia e noite, visitei-o regularmente três vezes por semana. Não falava muito porque se cansava, mas alegrava-se em ouvir, saber das novidades literárias e artísticas, participar intensamente da vida intelectual. [...] Sou um homem feliz, um pouco de música, um bom livro, olhos para contemplar a beleza das coisas, um copo de vinho, “um papo” de vez em quando, e morrer de repente, é tudo o que peço ao destino”. Teve tudo, menos o fim que foi lento, doloroso e que suportou estoicamente226.

Os movimentos de retorno à tradição. Alvo de duras críticas, a família Artística foi depreciada por Geraldo Ferraz, um dos fundadores do Salão de Maio.

Até os que fundaram, contra o Salão de Maio, em fins de 1937, o movimento fracassado da Família Paulista, até esses surgiram. E eram os tradicionais, os defensores do carcamanismo artístico da Pauliceia, a morrer de amores pelos processos de Giotto e Cimabue.227

“Os defensores do carcamanismo artístico da Pauliceia, a morrer de amores pelos processos de Giotto” segundo Geraldo Ferraz expressava um movimento de retorno à tradição, que buscou inverter o lado escuro do processo que privara a arte “da seiva valorativa dos mestres do passado”, segundo a crítica de arte Margherita Grassini Sarfatti228 (1880-1961), refugiada em Buenos Aires durante a II Grande Guerra Mundial por causa da perseguição aos judeus na Itália fascista de Mussolini. Sarfatti conheceu os artistas da Osirarte no Salon Peuser, dedicou

226 MILLIET, Sérgio. “Paulo Rossi Osir”. O Estado de São Paulo, São Paulo, 6 de janeiro de 1960. 227 Geraldo Ferraz apud Paulo Mendes de Almeida, op. cit., p. 111. 228 Sarfatti é o sobrenome adquirido como matrimônio. Grassini é o sobrenome de sua família. 123 ao grupo o capítulo “Terra do Brasil” no seu livro Espejo de la Pintura Actual, escrito na capital portenha em 1947, ocasião em que

Volpi colabora en el taller paulista de preciosos azulejos, decorados a pincel suelto, que fundó y dirige Pablo Rossi-Osir, pintor de inmejorable conciencia artística. Y confesso que comparada con cierta pintura americana, más talentosa y rápida que profunda y diligente, la objetividad escrupulosa de Pablo Rossi-Osir brinda un ejemplo edificante. En el taller de Rossi colaboraram también otros, como Hilda Weer, Mario Zanini y Maria Wochnik. 229

A contrapelo da crítica de Geraldo Ferraz e décadas antes da II Grande Guerra Mundial, o movimento de retorno à ordem se fortalecia amalgamado à tradição artística, defendida pelo futurista Carlo Carrà, que contou com o apoio de Margherita Sarfatti na cidade de Milão. Para Carrà era inevitável retornar a Giotto di Bondoni

229SARFATTI, Margherita. Espejo de La pintura actual. Buenos Aires: Argos, S.A. Editorial, 1947. p. 111. Trad. Livre: Volpi colabora na oficina paulista de belos azulejos, decorados a pincel livre, que fundou e dirige Paulo Rossi-Osir, pintor de incrível consciência artística. E, confesso, que comparada a uma certa pintura americana, mais talentosa e rápida que profunda e diligente, a objetividade escrupulosa de Paulo Rossi-Osir apresenta um exemplo edificante. Na associação de Rossi colaboram também outros como Hilda Weer, Mário Zanini e Maria Wochnik. Observo que Tadeu Chiarelli refere-se à frase de Sarfatti quando comenta que o pintor Osir “possuía uma incrível consciência artística”; Chiarelli comenta a ausência de referência do texto original de Sarfatti apud Paulo Mendes de Almeida. In: Arte Internacional Brasileira. 2ª edição. São Paulo: Lemos- Editorial, 2002. p. 76. A referência encontra-se na obra Espejo de La Pintura Actual, escrita por Sarfatti em Buenos Aires, em 1947. 124

(1267-1337), assunto bem tratado em Il Fascismo e la “sua” arte. Dottrina e istituzioni tra futurismo e Novecento por Monica Cioli.

Il divorzio di Carrà dal futurismo era maturato già prima della Grande Guerra e si riassumeva nella concezione di una´arte nuova nella forma e nella sostanza, un´arte che fondesse la tradizione artística italiana con la modenità, il passato con il presente e il futuro: “Vedo davanti a me, nel loro piano immutabile, il valori di tutte le epoche. Rivendicare alle mie opere l´avvenire, mi pare supérfluo, perché l´arte, come la storia, há in sé l´avvenire” Era la verità “svelata dal tempo”, il presente rivelato dalla storia, che corrispondeva, forse, ala percepzione della realtá.230

Foi assim que, sob o efeito das feridas da I Grande Guerra Mundial, deixadas no corpo e na alma de cada um dos artistas, escritores, pintores que frequentavam as tertúlias na casa da crítica de arte Margherita Sarfatti durante as noites de 1920, houve um sopro de esperança altiva que os animou a encontrar na glória do passado do Quatrocento e do Cinquecento, a força necessária para revitalizar aquele sombrio Novecento. O determinante das sinalizações estéticas da vanguarda italiana, que Margherita Sarfatti analisou sob efeito das feridas da I Grande Guerra Mundial, como marcas tatuadas na alma daqueles artistas, foi o impulsor para o Novecento como movimento agregador de diferentes tendências estéticas: impressionistas, divisionistas, luministas, pontilhitistas e futuristas. 231

No entender de Carlo Carrà o Novecento não teria existido se não tivesse havido o futurismo, que naquele momento do pós-guerra revia a sagração da máquina, que agora se adaptava à pintura incluindo dois elementos: o estático e o móvel como superação do dinamismo plástico, no sentido bergsoniano de princípio explicativo da matéria e da imobilidade. Reafirmando essa ideia, o futurismo defendido por Carlo Carrà libertou a arte moderna da clandestinidade projetando a arte italiana

230 CIOLI, Monica. Il Fascismo e la “sua” arte. Doutrina e istituzioni tra futurismo e Novecento. Firenze: Casa Editrice Leo S. Olschki, 2011. p. 35, 36. Trad. Livre: O divórcio de Carrà com o Futurismo estava sendo maturado desde o início da Grande Guerra, reassumindo uma arte nova tanto na forma como na substância, uma arte que fundisse a tradição artística italiana com a modernidade, o passado com o presente e o futuro. Vejo diante de mim, num plano imutável, o valor da época. Revindicar o futuro na minha obra, me parece supérfluo, porque a arte, como a história, possui em si o futuro”. Era a verdade “contida no tempo”, o presente revelado pela história, que talvez correspondesse com a percepção da realidade. 231 SARFATTI, M, Espejo de La pintura actual. Buenos Aires: Argos, S.A. Editorial, p. 151. 125 fora do provincialismo, como elemento de vanguarda. Para Carrà, como para o futurismo,

“l´arte moderna era um elemento “costituzionale” dela nuova Italia, erano gli artisti a poter plasmare la società, a costituire l´elite in grado di creare una nuova sensibilità.232

O comprometimento com o passado, como parte da grandeza italiana, facilitaria a ideia de ancorar a noção de tradição como motor de uma grande nação. Essa visão que não rompia com a arte moderna, impediu Carlo Carrà de romper com o futurismo, propiciando sua inclusão no fluxo da poética lombarda divisionista como linguagem moderna. A alternativa do modernismo (evidente também no caráter paracientífico da técnica divisionista) era, de todo modo, um caminho mais aberto do que a reativação de uma linguagem antiga, tentada pelos macchiaioli. Certamente Fattori era um artista maior do que Previati; todavia, depois de Fattori a corrente macchiaiola logo se exaure em um toscanismo iniludivelmente provinciano, enquanto do divisionismo de Previati partem artistas como Giacomo Balla (1871- 1958, Umberto Boccione (1882-1916), Carlo Carrà (1881-1966) e Gino Severini (1883-1966), que encontraremos na primeira linha daquela vanguarda futurista que, em 1910, se qualificará como o primeiro movimento artístico italiano moderno de importância europeia.233

De modo que a cultura artística internalizada por Paulo Rossi Osir foi aquela do espírito da Famiglia Artistica Milanese que imigrantes italianos e brasileiros exerimentaram como parte do universo filosófico e científico incorporado à pintura moderna no movimento de “retorno à ordem” vinculado ao universo da vanguarda integrada, tendenciosamente no Novecento; como esclarece a estudiosa Cioli, mas presente na essencialidade do Valori Plastici, que a caracteriza como valor clássico do passado, para o qual retoma a lição de modernidade. De Friedrich Nietzche ao laboratório freudiano, das inovadoras descobertas da física à mecânica quântica, as ideias se misturaram na pintura, sobretudo com De Chirico, que contribuiu com as bases de uma linguagem plástica construída por imagens capazes de despertar no observador a mesma intensidade a ele revelada no momento de sua criação.

232 Ibidem, Monica Cioli, op. cit., p. 36. 233 ARGAN, Giulio Carlo. De Michelangelo ao futurismo. História da arte italiana 3. Tradução Wilma de Katinsky. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 426. 126

Nas reflexões do papel do artista no movimento de “retorno à ordem”, Carlo Carrà redesenha as inserções do legado estético na arte. “Noi sappiamo che la vita, l´arte, la storia sono un eterno divenire, ma sapiamo altresi che quando lo spirito riprende a muoversi con fervore, l´artista torna ad avvertire in sé un´estetica che è anche un´etica”.234

A estudiosa Monica Cioli, in Il fascismo e la sua arte reafirma o Novecento pela importância dada ao passado, à tradição e ao papel político do artista. Acrescenta a Rivista Valore Plastici pela dedicada contribuição à arte contemporânea entre os anos 1918 e 1921, sob a direção de Mário Broglio (1891-1948), mormente pela relevante importância dada ao universo intelectual europeu e pela dialética do retorno à tradição e a inovação.

Valore Plastici ebbe grande diffusione anche all´estero; essa fotogravava le tendenze artistiche italiane, francesi, tedesche, olamdesi e inglesi, riuscendo cosi a dar conto del dibattito culturale europeo che riprendeva vivacità dopo la parentesi della guerra. La revista non si presentava com uma linea programmatica, ma era nel complesso indirizzata ala ridefinizione del ruolo dell´artista nella società e ala ricerca di nuovi linguaggi, in continua dialettica fra recuoero della tradizione e innovazione.235

Entre os modernos e os vanguardistas, a Família Artística Paulista experienciou a tradição e a inovação de distintas fases estéticas que também foram internalizadas pelo pintor Carlo Carrà, constituindo a liga da movimentação de uma tradição artística italiana aberta para os movimentos estéticos que romperam as fronteiras da Europa. A arte macchiaiola, scapigliatura, a sementeira do futurismo no divisionismo, De Chirico, Valori Plastici e o Novecento despertaram nas correntes do modernismo o escopo dos debates intelectuais e positivistas, os efeitos da luz no objeto científico, na evolução da forma pictórica e no esfumaçado dos tons gradativamente misturados

234 Tradução livre: Nós sabemos que a vida, a arte, a história, estão em constante devir, mas sabemos que quando o espírito suscita um fervoroso sentimento, o artista reconhece a estética que também é ética. 235 CIOLI, Monica. Op. cit., p. 33 Tradução livre: Valore Plastici teve grande difusão também no exterior, ela fotografava as tendências artísticas, francesas, alemãs, holandesas e inglesas procurando assim dar conta do debate cultural europeu que retomava a vivacidade após o parêntesis da guerra. A revista não apresentava uma linha programática, mas era no conjunto endereçada a uma linha programática à reflexão do papel do artista na sociedade e à pesquisa de novas linguagens, em contínua dialética entre a recuperação da tradição e inovação. 127 sem contornos abruptos, que perpassaram a pintura paulista, para nela reafirmar a tradição e a inovação, como aconteceu com a scapigliatura incorporada por Bignami à Famiglia Artistica Milanese [Apêndice A].

L´avvenire che si schiude al nostro paese appartine ai giovani236

Considerações Finais

Quando, no início do primeiro capítulo, expus os movimentos de ruptura e de continuidade que caracterizaram o ambiente artístico de São Paulo, procurei mostrar, por meio de um grande mosaico, que a 1ª Exposição Geral de Belas Artes e Semana de Arte Moderna foram acontecimentos entrelaçados, produzidos por uma mesma geração, em um fluxo que se desenvolveu entre as décadas de 1910 e 1930. No balanço desse fluxo pode-se afirmar que, no âmbito da pintura, mais do que nas letras, a continuidade é mais visível, desde que deixemos de lado as visões simplistas sobre Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, que foram bem desmontadas por Tadeu Chiarelli e Sérgio Micelli. O primeiro, quando demonstrou que Anita não foi bem uma mártir, castrada pela crítica de Monteiro Lobato, mas que constituiu um caminho por meio de escolhas próprias, que a afastaram do papel de vanguardista que lhe foi imputado. O segundo quando mostrou que o “empréstimo criativo” que Tarsila fez de Léger - em época em que este já havia atenuado seus impulsos vanguardistas, para ficar mais bem sintonizado com o gosto da clientela internacional - foi parte de um momento em que sua relação com Oswald de Andrade deu origem a um projeto artístico que demonstrou potência, entre o “pau--brasil” e a “antropofagia”, mas que, com a dissolução do casal Tarsiwald e os resultados progressivos da crise de 1929, deram lugar a “certo pendor por uma criação figurativa apaziguadora”. Com isso, mais cedo

236.BIGNAMI, Vespasiano. In: Famiglia Artistica Milanese. 130º Anniversario 13 Gennaio 1873 – 13 Gennaio 2003. Folder. Tradução Livre: o futuro que se aflora em nosso país pertence aos jovens. 128

Anita e mais tarde Tarsila, ambas recuaram para posições estéticas nas quais as diferenças entre os dois lados da mesma geração modernista foram atenuadas.237 Nas artes representadas pelo imaginário crítico brasileiro nota-se o descompasso que vertia das vanguardas europeias. Quero dizer: uma vez elevado a cânone o modernismo representado pela Semana de Arte Moderna, a tendência foi deixar de avaliar as bandeiras europeias que, ironicamente, não correspondiam à sua verdadeira ânima. Ideia que, de certo modo, Annatereza Fabris já confirmara em 1993.

[...] boa parte do que conhecemos do modernismo foi produzida por seus protagonistas e por uma geração de críticos e historiadores empenhados na defesa da causa da arte moderna que frequentemente esposou as razões da primeira hora sem contestá--las ou questionando-as muito timidamente238.

A leitura crítica de Fabris sobre a historiografia da Semana de Arte Moderna em “Modernidade e vanguarda: o caso brasileiro”239 tira da zona de conforto o pensar acostumado com a literatura modernista. Paralelamente, Paulo Mendes de Almeida desvela um grupo de pintores que desdenhava o rótulo modernista, porque lhes parecia necessária alguma prevenção contra os desvarios e facilidades cometidos em nome da liberdade de expressão, “com a serenidade que o exame a posteriori de certos processos impõe”. O autor de De Anita ao Museu redimensiona a situação da Família Artística Paulista

Muito a propósito, evitou-se incluir, na denominação dada ao novo grupo, a palavra ‘moderno’, ou qualquer outra que a equivalesse. Já se disse que a Família Artística não nutre preconceitos de qualquer categoria. Cumpre acentuar, porém, o mau gosto que se tem feito daquele adjetivo, o qual tem servido não raro para acobertar as maiores heresias no domínio das artes plásticas, criando, assim, no seio do público menos informado do assunto, a mais lamentável confusão.240

No meu ver, a confusão à qual Paulo Mendes de Almeida se refere ocorre quando o modernismo é entendido como o oposto ao “retorno à ordem”; vistos em

237 CHIARELLI, T. Um jeca nos vernissages (op. cit); MICELI, S. Nacional estrangeiro (op.cit., p. 149) 238 FABRIS, Annatereza (org), Modernidade e modernismo no Brasil. Coleção Artes: Ensaios e Documentos. Campinas: Mercado de Letras, 1994. p 9. 239 Simpósio realizado na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, em abril de 1993. O resultado foi a publicação do livro organizado por Annatereza Fabris Modernidade e modernismo no Brasil. Coleção Artes: Ensaios e Documentos. Campinas: Mercado de Letras, 1994. 240 ALMEIDA, Paulo Mendes de. De Anita ao museu.São Paulo: Editora Perspectiva, 1976, grifo meu. 129 linha sucessiva, primeiro o modernismo, depois a volta à tradição. De fato, o que foi entendido como “retorno à ordem”, na década de 1920, não foi muito mais do que um avatar de uma ruptura ocorrida lá nos anos de 1870 na arte italiana, que foi avante retomando tradições – o século XIX foi apinhado de pré-rafaelismos e de outras redescobertas em arte241 – e promovendo rupturas. No Brasil, sem atentar para essa característica da vanguarda italiana, os críticos da Família Artística Paulista a colocaram no delicado dilema de, afastada do academismo, não ter embarcado nas correntes mais avançadas das vanguardas. Geraldo Ferraz, o mais estridente entre todos, durante a 2ª exposição da Família Artística Paulista foi ácido em seus comentários: “até os que fundaram, contra o Salão de Maio, em fins de 1937, o movimento fracassado da Família Paulista, até esses surgiram. E eram os tradicionais, os defensores do carcamanismo artístico da Pauliceia”. Com isso, misturava má compreensão com preconceito social. Postulamos aqui que, na arte italiana entre 1870 e 1930, as “vanguardas” quase sempre colocaram na sua pauta a manutenção das legítimas tradições da pintura; com isso, interligaram associações artísticas na sequência das gerações.242 No período anterior às exposições da Família Artística Paulista, os quadros dos mestres do Liceu de Artes e Ofícios eram pintados pelo qualificado imigrante italiano, cuja excelência artística advinha de uma tradição redesenhada por imperceptíveis movimentos da vanguarda italiana, que configuraram uma nova linguagem. Em primeiro lugar, linguagem para o país unificado, desencadeada pelos macchiaioli, com o despertar da técnica que os levou para fora dos ateliês a fim de captar a atmosfera do Risorgimento. O objeto por eles retratado é o da sociedade e da paisagem unificadas no Estado Nacional Italiano, que parecia ter sido conquistado por cidadãos livres. Sem se importarem com a representação idêntica do objeto, mas sim com a verdade pictórica captada, apreendida no instante em que luz e sombra coincidem nos corpos sólidos, captavam a expressão daquele momento revelado ao artista como verdade, sem a pretensão de embelezar ou modificar o mundo. Como trato no capítulo dois, o artista macchiaiolo toma para si o objeto a ele revelado como obra de arte, dando relevo ao conteúdo moral da cena apresentada.

241 Cf. HASKELL, Francis. La norme et le caprice: redécouvertes en art. Paris: Flammarion, 1993. 242 FERRAZ, Geraldo. In: Paulo Mendes de Almeida. Op. cit. 130

Em segundo lugar, linguagem para o país entreguerras. Quando De Chirico, no período em que participou ativamente da Rivista Valori Plastici, esclarece a questão da revelação do mundo realizada pelo artista para transpor na tela a analogia entre o enigma do mundo e a criança diante de um brinquedo que, ao quebrar para ver o que tem dentro, depara-se com o vazio. O mesmo vazio que o pensador apreende frente ao enigma do próprio destino, tomando por referência o pensamento filosófico nietzcheniano e o mundo clássico. De Chirico se contrapõe ao moderno por meio de formas plásticas determinantes do espaço pelo viés do objeto estilístico para dominar uma nova linguagem. O observador é convidado diante da obra de De Chirico, a sentir a linguagem que comunica o momento de sua criação. Ainda na Rivista Valori Plastici, as reflexões sobre o papel do artista foram colocadas na relação com a sociedade, afirmando assim a experiência da Itália e da sua transição com novas propostas de retorno ao ministério, isto é, ao métier, “tornare alle mistiere”, base da defesa de Mário de Andrade por ocasião da defesa da segunda exposição da Família Artística Paulista em 1939. Também na Rivista Valori Plastici Carlo Carrà propõe uma nova ordem artística desinteressada das formas, na busca de significados de ordem moral, por considerar as soluções éticas e sociais inerentes à arte. No entender de Carrá, o movimento do grupo dos pintores futuristas viabilizou esse liame nos campos da pintura, tanto no período da primeira fase, como na segunda fase dos futuristas. Em terceiro lugar, cabe atenção à passagem do Valori Plastici ao Novecento. Segundo Carrà, o Novecento formou-se porque o Futurismo viabilizou a ligação das tendências da pintura com Boccioni, Carrà, Severini, Russolo y Balla, e, pouco tempo depois com Mario Sironi, Fortunato Depero, Pipo Rizzo, Dotori e Enrico Prampolini.

El más notable entre los futuristas, el gran pintor Carlo Carrà, se alejó en pos de Giorgio De Chirico por las sendas metafísicas. Temperamento de assombrosa curiosidad y ductilidad, Carrà se adueña de todas las novedades, sin perder por esto su personalidad, gracias asentido de la forma sencilla, augusta y grave, del color refinado e del esquema essencial. (...) Alredor de 1919, Carrà se inspira en las deformaciones de Derain com los românticos, tiesa hilera de varrones-muñecos, patéticos y grotescos. Después encontro veneros no menos originales en sus fincas escuálidas y en sus Marinas, Bañistas, Pescadores y Casas de Campo, escuadradas en geometrias recias y en matices a la vez terminantes y delicados. Como ya tuve ocasión de decir, al hablar del pintor brasileño Alfredo Volpi, Carlo Carrà es herdero directo de los

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secretos de los antiguos, por intermédio de su primer oficio de albañil y pintor de brocha gorda. 243

As linguagens estéticas italianas representam o passado como lição valorativa do mundo clássico, de modo que as questões suscitadas pelas vanguardas abriram novas experiências, ora criticando a política, ora criticando a modernidade, o que permitiu pensar o modernismo distintamente dos direitos exclusivos da vanguarda.

Em quarto lugar, há que se entender o futurismo como linguagem da modernidade atrelada ao movimento e dinamismo resultante dos esforços com pesquisas atribuídas à pintura moderna. A pintura futurista não privilegia o objeto e sim a forma plástica, não enfatiza o contorno e sim a interpenetração contínua do movimento pelo uso de cores vivas e contrastantes e pela sobreposição de imagens por meio de traços e sutis deformações de figuras.

A pintura futurista tomou da filosofia bergsoniana as impressões sobre a justaposição dos corpos sólidos, cujos conceitos, até então, permaneciam no domínio da ciência da natureza limitado às noções das posições sucessivas dos corpos.

La scienza è facoltà d´ordine, di distizione, di sistema, senza la scienza, le cose, come disceva Anassagora, starebbero tutte insieme. Essa quindi trasforma le cose, perchè attraverso il flusso perenee il vario scintillare dell´apparenza intende a coglier nela forma invariabile, permanente, necessaria e assoluta. Nè il sensibile quello di che essa s´occupa, ma il reale; e il reale, il vero reale, sta nella trasfigurazione, nella risoluzione del sensibile; è inteligibile, l´ideale. (...).244

243 SARFATTI, Magherita, op. cit.p. 146. Tradução livre: O mais notável entre os futuristas, o grande pintor Carlo Carrà, se afastou de Giorgio De Chirico por sendas metafísicas. Com um temperamento de assombrosa curiosidade e docilidade, Carrà se apropria de todas as novidades, sem perder contudo, sua personalidade, graças à concordância da forma simples, augusta e grave, da cor refinada e do esquema essencial (...) Por volta de 1919, Carrà se inspira nas deformações de Derain com os românticos, fileiras rígidas de rapazes-bonecos, patéticos e grotescos. Depois, encontro abundantes, não menos originais, em suas plantas esquálidas e em suas Marinas, Banhistas, Pescadores e Casas de Campo, enquadradas em geometrias robustas e em matizes de forma terminal e delicada. Como já tive ocasião de dizer ao falar do pintor brasileiro Alfredo Volpi, Carlo Carrà é herdeiro direto dos segredos mais antigos, por intermédio de seu primeiro ofício de pedreiro e pintor de pincel largo. 244 Andrea Angiullini apud Rivista Europea. Anno 1, vol. III fascicolo. Firenze, Tipografia dell´Associazione Via Falfonda, 79.1870. p. 28-46. Rivisti 229. Tradução livre: “A ciência é faculdade de sistematização racional, de distinção, de sistema. Sem a ciência as coisas, como dizia Anaxágoras, estaria tudo junto. Isso então transforma as coisas porque através do fluxo perene os vários cintilares da aparência tendem a capturá-la na forma invariável, permanente, necessária e absoluta. Daí o sensível daquilo que ela se ocupa, mas o real; e o real, o verdadeiro real, está na transfiguração, na resolução do sensível; é inteligível o ideal (...) O positivismo, ainda que deva negar a velha metafísica e não apenas o conhecimento metafísico.

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A efervescência cultural do período milanês do futurismo agregou em seus movimentos peninsulares os representantes dos distintos universos artístiscos: impressionistas, divisionistas, luministas, pontilhitistas e futuristas. E me parece claro que esse espírito milanês inspirou Paulo Claudio Rossi Osir 245. Portanto, a Famiglia Artistica Milanese incita um novo olhar sobre o movimento artístico para além das exposições da Família Artística Paulista (1937/1939/1940), seja pelo fato de que exerceu um papel formativo para artistas itálo-brasileiros na Itália, seja pela relação com o Ottocento, que difundiu a técnica macchiaiola em várias direções, chegando até no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e na Escola do Brás Giuseppe Perissinotto. A busca por similaridades entre a Família Artística Paulista e Famiglia Artistica Milanese não se justifica pela estrutura das duas famílias, e sim pelo efeito da ação artística e científica do positivismo italiano presente nas pesquisas estilísticas do Ottocento, assim como no espírito positivista republicano na educação artística do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. O germe das famílias (paulista e milanesa) já se encontrava presente na composição familiar e artística de Paulo Claudio Rossi Osir, sobretudo pela condição de seu pai, o italiano Claudio Rossi, ter sido o arquiteto idealizador e projetista do Teatro Municipal de São Paulo para os escritórios Ramos de Azevedo, que por sua vez foi diretor do Liceu de Artes de Ofícios de São Paulo entre 1895-1928. As investigações conduzidas no mosaico de variáveis, como a educação artística do Liceu de Artes e Ofícios, que correspondia - no entender de Monteiro Lobato246 - à verdadeira Escola de Belas Artes de São Paulo, demonstraram a presença maciça de arquitetos, professores, operários e alunos italianos, que deram volume e qualidade ao campo artístico em São Paulo. O fluxo da pintura paulista, que teve seu primeiro ponto culminante em 1922, teve seu ponto de partida na criação do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, ainda

245 Sobre isso, a pesquisa no Circulo Culturale I Navigli, sob a direção da Presidente Mariarosa Tavazzani e da Vice-Presidente Ester Milani, foi, sem dúvida, determinante para entender a ligação entre Milão e São Paulo no que diz respeito à Família Artística. Durante o meu encontro com a presidente e a vice, no dia 27 de setembro de 2016, esteve presente o estudioso acadêmico da Famiglia Artistica Milanesa, Niccolò D´Agati, responsável pela pesquisa que se tornou a mais fiel versão publicada no livro Milano 1861-1906: Mappa e Volto Di Una Città: per una geostoria dell’arte. SCHINETTI, Maria Grazia (org). Franco Angeli: Milão, 2015. 246 Monteiro Lobato, “A grande oficina- escola”, O Estado De São Paulo, 01.01.1917. 133 sob a denominação Sociedade Propagadora de Instrução Popular. Por sua vez, muitos artistas formados no Liceu alcançaram a função de professores na Academia de Belas Artes, em 1925, depois Escola de Belas Artes e atual Faculdade de Belas Artes. É a partir de então que se forma a rede de atividades desse grupo geracional articulado à Academia de Belas Artes de São Paulo, fundada por Pedro Augusto Gomes Cardim, cuja criação institucional faria jus às competências do corpo docente e dos cursos gerais de desenho, pintura, escultura, arquitetura e artes plásticas. 247 Após ter estudado em Portugal, Cardim radicou-se em São Paulo onde cursou a Faculdade de Direito, dando vazão a sua verve política, literária, jornalística, comediógrafa e crítica. De sua autoria foi o projeto apresentado à Câmara Municipal para instituir na cidade o Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, mediante fundos angariados para a abertura do Conservatório, onde Mário de Andrade estudou e lecionou de 1911 até sua morte, em 1945.

Dos estudos relacionados à Academia/Escola/Faculdade de Belas Artes, confirma-se a presença no corpo docente de alguns pintores que fizeram parte do Liceu de Artes e Ofícios e da 1ª Exposição Geral de Belas Artes comprovando, assim, o amálgama profissional entre as ações didáticas e artísticas na capital paulista. O exercício do magistério desempenhado pelo escultor Vicente Larocca na Escola de Belas Artes contou com o trabalho dissertativo “Iniciação das Artes Figurativas”. Waldemar Belisário foi professor de desenho na Escola Paulista de Medicina e em distintos colégios da pauliceia, como o Colégio Saldanha da Gama, reconhecido por seu corpo docente constituído por professores da Universidade de São Paulo. Giuseppe Perissinoto criara sua própria escola no Brás e lecionou no Liceu de Artes e Ofícios. Entre seus discípulos assinalo dois pelo espaço ocupado no campo artístico: Angelo Simione e Paulo Claudio Rossi Osir. Enrico Manzo lecionou na Escola de Belas Artes e Gastão Worms que além de lecionar havia vivido o clima de escola no ateliê de sua mãe Berthe Worms – que também participara com o filho da 1ª Exposição Geral de Belas Artes em 1922. Pedro Corona deixou sua marca na Capela da PUC-

247 PIMENTA, Celio. Pedro Augusto Gomes Cardim: o sonho e o trabalho. São Paulo: Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, 2015. 134

SP com as telas maroufladas, e na Uniiversidade Mackenzie, por meio dos alunos de desenho artístico que fizeram história na arquitetura modernista248. Eram pintores, alunos ou professores do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, que haviam participado da 1ª Exposição Geral de Belas Artes de setembro de 1922. Com isso, parece-me claro que o magistério foi, em larga medida, um complemento das atividades propriamente artísticas daqueles que atuaram em São Paulo no período em análise, similar à Accademia di Belli Arti di Firenze.

Assim como aconteceu em São Paulo, o positivismo italiano inspirou-se em Spencer, seguido das teorias de Darwin e do evolucionismo para o florescimento das ciências da vida. No entanto, Florença, como representação positiva da cultura do Resorgimento italiano, deu expressão à ideia de uma nação firmada militarmente para expulsar os estrangeiros. Objetivo atingido pelo desvelamento ocorrido na passagem do estado unitário para a unidade nacional, abrindo brechas para a nova cultura e ciência, cuja linguagem pictórica seria a expressiva arte macchiaiola.

Justamente a pintura macchiaiola, que teve seu portão de entrada em São Paulo no Liceu de Artes e Ofícios, em meio ao fluxo de professores-artistas-artesãos que estudaram na Itália e incorporaram princípios positivistas. De modo geral, a tendência italiana sinalizaria o viés de um sistema aberto, o que faz “considerar o positivismo como um clima natural, como uma época caracterizada por uma mentalidade positiva e positivista”,249 claramente visualizada pelos pintores macchiaioli. Da Famiglia Artistica Milanese, Paulo Rossi internalizou o modus vivendi da ambiência artística marcada pelo acolhimento aos artistas sem se importar com o maniqueísmo estético. Atitude que provocara os críticos modernos que, sem entender o espírtito da família artística, emitia nos artigos publicados nos jornais do período mensagens de descaso ao grupo formado por artistas concentrados, desde 1934, no Palacete Santa Helena e na Escola de Belas Artes.

248 Depoimento de Carlos Lemos concedido à autora. Maio de 2018. Note que Carlos Lemos iniciou seus estudos na Universidade Mackenzie, e na FAU-USP a partir da abertura do curso. 249DONZELLI, Maria. “Comte, a Itália e a França entre o século XIC e o XX”. Helgio Trindade.(Org) O Positivismo. Teoria e Prática. Sesquicentenário da morte de Augusto Comte. 2ª ed., Porto Alegre: Editora UFRGS. UNESCO, 2007. p. 86. 135

Como analisei no capítulo 3, o dualismo entre os considerados acadêmicos/modernos era visível na crítica paulista que, de fato, desconhecia o espírito da “família artística”. Sem que se dessem conta do fio contínuo que os conectava desde a década de 1910 quando, muitos deles, ministravam a técnica italiana no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, na Escola de Belas Artes e em seus ateliês, a pintura paulista perpassava décadas com os mestres Giuseppe Perissinotto, Enrico Manzo, Pedro Corona, Vicente Larocca, Waldemar Belisário, Ângelo Simeone, entre outros. Entre os alunos de Perissinotto estava Paulo Claudio Rossi, que nos anos 1930 inovou o sentido do coletivo em arte com a Família Artística Paulista, que se materializou com os feitos da Osirarte. Foi assim que a rede de sociabilidade de Rossi Osir estendeu-se aos pintores e à intelectualidade paulista permitindo-lhe unir as duas pontas de uma mesma geração modernista. Motivo pelo qual a pintura em São Paulo não se contrapõe na inserção da ruptura, nem se cristaliza como passadista, como se fossem dois aspectos necessariamente opostos.

A Família Artística pretendia “realizar uma arte contemporânea, que se prevalecesse das lições do passado, ao invés de com ele romper”250, de modo a validar o caráter de sua contemporaneidade aportada em São Paulo como processo travestido de ideias do Ottocento e do Novecento, por princípios matemáticos, e pela física que, uma vez internalizadas por intelectuais e artistas, 251 foram semeadas na arte moderna.

250 ALMEIDA, Paulo Mendes de. De Anita ao museu, op. cit., p. 112. 251 Cf. Monica Cioli, op. cit., p. 86. 136

APÊNDICE A: A Família Artística de Milão

A Famiglia Artistica surgiu no início da década de 1870 por iniciativa do versátil artista, humorista, músico, diretor de orquestra, crítico de arte e entusiasta da scapigliatura, Vespasiano Bignami (1841-1929). Na parte superior do Caffè dell´Accademia, na Piazza Scala, Milano, reunido com aqueles que seriam os primeiros sócios - Tranquillo Cremona, Daniele Ranzonim Eleutero Pagliano, Mose Bianchi - Vespasiano Bignami fundou a sociedade que se distinguiria como uma organização de artistas.

Atualmente, com sede no Circolo Culturale I Navigli, localizado na Via Edouard de Amicis, 17, Milano, a associação tem como presidente a artista plástica Mariarosa Tavazzani, que conta com o apoio da vice-presidente Ester Milani na luta para salvaguardar a memória de seu fundador Vespasiano Bignami e o espírito de seu pensamento; “l´avvenire che si schiude al nostro paese appartiene ai giovani”252, conforme consta no folder de comemoração do 130º Anniversario - 13 Gennaio 1873 – 13 Gennaio 2003253 e nos estudos que sustentam o texto do acadêmico Niccolò D´Agati. “Tradizione e Innovazione: nuovi indirizzi dell’associazionismo artístico milanese” publicado em Milano 1861-1906 Mappa e Volto Di Una Città: per uma geostoria dell’arte organizado por Maria Grazia Schinetti, publicado por Franco Angeli, Milano, 2015.

O estudioso Niccolò D´Agati analisa historicamente o período que precede a constituição da Famiglia Artistica pontuando as duas sociedades que serviram como referência para artistas e mecenas: Società per le Belle Arti e Società degli Artisti. A primeira fundada em 1842 e a segunda, três anos mais tarde. A Società degli Artisti estimulava o mecenato. Em 1874 ela se funde com a Società Patriottica, enquanto que a Società per le Belle Arti permanece até 1884, quando se funde com a Esposizione Permanente.

252 Tradução Livre: o futuro que se aflora em nosso país pertence aos jovens. In: Famiglia Artistica Milanese. 130º Anniversario 13 Gennaio 1873 – 13 Gennaio 2003. Folder. 253 O folder Famiglia Artistica Milanese. 130º Anniversario me foi ofertado pela Presidente Mariarosa Tavazzzani e sua Vice-Presidente Ester Milani, em 27 de setembro de 2016, no Circolo Culturale I Navigli, Via Edouard de Amicis, 17. Milano, Itália. 137

O presidente Giovanni Masciaga havia proposto, em 1869, uma exposição permanente de Belas Artes. Um modo democrático de responder aos anseios dos participantes da sociedade, incluindo na mesma linha de pensamento a ideia de Alessandro Rossi, que propusera uma Sociedade Promotora de Belas Artes mantenedora de uma exposição permanente. Em dezembro desse ano foi constituída a Società per l’Esposizione Permanente di Belle Arti in Milano, com a aprovação do estatuto assinado pelos fundadores Alessandro Rossi, Luigi Crippa e Giacomo Cattadori. O objetivo era dar à arte uma nova tribuna que “contribuisca validamente a sollevare l´arte contemporanea a più splendidi destini [...] e di procurare con mezzi acconci un facile smercio de’ suoi prodotti”.254

O sucesso obtido pela nova sociedade em sua primeira exposição se opõe à Accademia di Belle Arti di Brera expandindo a ideia de um novo mercado para as obras da sociedade, que se iniciaram com o mecenato artístico pelo viés do comércio. Paralelamente ao espírito de promover a arte italiana, Alessandro Rossi, um dos fundadores, investiu em um projeto de uma escola de desenho e de artes plásticas para os operários a fim de estimular e renovar a Esposizione Permanente, um liame entre arte e indústria. A ideia encontraria eco no ministro Cesare Correnti, que se empenharia pessoalmente na execução da tarefa de uma “scuole di disegno e plástica, e di esperienza estética ove siamo ammessi gli artieri e dove le discipline del bello figurativo siano ordinative a servizio, a consolazione delle industrie”..255

Para atingir o objetivo proposto concedeu-se acesso gratuito às salas da Esposizione Permanente aos alunos da Accademia, Associazione degli Operai, Scuole Teccniche, Magistrali, Licei, para formação de mestres e professores dos liceus e escolas populares da cidade. O empreendimento agregaria a caixa de pensão para os artistas impossibilitados de trabalhar, por doença e por velhice.

254 D´AGATI, Niccolò. “Tradizione e Innovazione: nuovi indirizzi dell’associazionismo artístico milanese”. In: SCHINETTI, Maria Grazia (org). Milano 1861-1906 Mappa e Volto Di Uma Città: per una geostoria dell’arte. Franco Angeli: Milão, 2015. p. 91-111; p. 92. Tradução livre: “contribua validamente a elevar a arte contemporânea ao seu mais esplêndido destino [...] e de procurar com meios ajustáveis uma venda fácil de seus produtos”.

255 Ibidem, p. 95. Tradução livre: “escolas de desenho e plástica, e de experiência estética em que os artesãos são admitidos e onde as disciplinas do belo figurativo fossem disponibilizadas a serviço e consolidação da indústria”. 138

Os problemas tiveram início quando Alessandro Rossi instituiu um escritório de representação para os artistas italianos, mormente com obras vendidas na América. Como o dinheiro arrecado não era repassado para os artistas, tudo indica que Rossi provocou um rombo de 43 mil francos para a Associação. Mesmo chamado aos tribunais, ainda tomaria parte de algumas exposições. A autonomia de Alessandro Rossi foi substituída pela participação italiana na Esposizione di Filadelfia, gerida por um comitê não governamental, e na Lombardia, por um comitê filiado por uma ação conjunta da Famiglia Artistica e da Società per L´Esposizione permanente di Belle Arti in Milano. Momento em que o governo concedeu uma subvenção ao comitê, proibindo a participação de Rossi.

Niccolò d´Agati chama atenção do leitor para uma dissenção interna envolvendo Cattadori, Rossi e Crippa. A tentativa de eliminar Cattadori da “Rappresentanza” incidiria em novo acordo patrimonial entre os três fundadores. Inicialmente parecia haver uma única solução: excluir Cattadori de cada propriedade móvel e imóvel da Esposizione Permanente. A situação foi contornada pelo novo presidente, Federico Mylius, mediante um acordo estabelecido entre as partes a fim de impedir o fim da Exposição Permanente. Por volta de 1878 Cattadori se afastaria da Sociedade após ter vendido sua parte societária a Rossi e Crippa.

Uma nova Sociedade para a Esposizione Permanente di Belle Arti di Milano surgiria no início de 1879, com a publicação do seu estatuto no ano seguinte.

Nata, dunque come un caso particolarissimo de una istituizione ibrida, dove una base sociale ‘ pubblica’ finanzia l´ativittá privata dei tre fondatori che al neto dela gestione guadagnano gli utili avanzo, e caratterizzantesi altresi por un altrettanto singolare assetto patrimoniale, nel quale i tre fondatori sono i tre proprietari dela EP, l´istituizione artística più innovativa nel panorama di metà ottocento italiano, per certi aspetti la prima realtà che si avvicini ad una galeria d´arte privata cessa sua azione doppo dieci anni. 256 Uma série de exposições humorísticas aconteceria, sendo a de 1879 decorrente da Novena di Montemerlo por ocasião da exibição del filme Po nel Giardini Pubblici di Milano, onde aconteceram eventos beneficentes. Ainda na década de

256 Ibidem, p. 102. Tradução livre: Nascida pois como um caso particularíssimo de uma instituição híbrida, onde uma base social “pública” financia a atividade privada dos três fundadores que ao desfalcar a gestão ganham as sobras úteis e caracterizando-se outrossim por um mesmo singular arranjo patrimonial, no qual os três fundadores são os três proprietários da Esposizione Permanente, a instituição artística mais inovadora no panorama da metade do Ottocento italiano, em certos aspectos a primeira realidade que se aproxima de uma galeria de arte privada, termina sua ação após dez anos. 139

1870, a Esposizione Umoristica de Montemerlo tornou-se a mais conhecida, por se tratar de um entretenimento oferecido aos artistas, que envolveu uma programação no Caffè Balzaretti com a participação de Giuseppe Verdi. Sua importância do ponto de vista cultural foi graças ao fato de ser organizada pelos próprios artistas que já participavam e participariam do fenômeno Scapigliatura e que fundaram a Famiglia Artistica. Dentre as obras encontravam-se o Effetto di sole, Scuola dell´avvenire e Effetto di luna. O primeiro faz referência à obra Effetto di Sole de Carcano, exposta em 1864 em Brera, e também à Beatrice Cenci che scioglie i capelli al sole de Ranzoni, realizada entre 1867 e 1868 e fala de effetto que remete ao termo effettisti usado pelo próprio para indicar o primeiro trabalho da Scapigliatura. Nota-se a importância da scapigliatura como técnica sfumata, isto é, um estilo esfumaçado em tons gradativamente misturados e sem contornos abruptos, que exigia do artista muito tempo para elaborar cada pintura. Como em 1873 a scapigliatura é incorporada por Bignami à Família Artística, os entraves relativos ao tempo demandado para executar a técnica são considerados pela maioria dos membros da Famiglia Artistica que não possuiam verdadeiramente a alma scapigliati em seu strictu sensu. E, gradativamente, o entusiasta Vespasiano Bignami inclui novas tendências que, de modo geral não se associam a nenhuma escola pictórica, motivo pelo qual nem se deveria afirmar, como é feito, que se tratasse de uma instituição antiacadêmica. Essa ideia ganha sentido com Antonio Curti empenhado em esclarecer aquela ambientação artística não apartada dos acadêmicos quando ressaltou a presença de artistas com fama de passadistas que se mostravam contentes naquele espaço de scapigliati. Assim, em 1875, representada pelos pintores Cremona, Ranzoni, Segantini, Ginous, Longoni, Morbelli e Previati, a Famiglia Artistica abraçaria os artistas Francesco Barzaghi, Francesco Didioni, Luigi Borgo Mainerio (ilustrador scapiglisto) e Francesco Fontana que figurava na crônica da scapigliatura naquele clima particular de divertimentos, e, frontalmente contrário à mentalidade burguesa e acadêmica. O núcleo da associação era a escola interna de desenho, junto a outras atividades mundanas, festas, bailes, concertos, conferências literárias e artísticas, concursos e exposições internas. Também havia discussões de relevância citadina e nacional. Artigos da imprensa local, compulsados por D´Agati, indicam uma publicação de 18 de setembro de 1872 convidando os artistas a assinarem a circular de 1º de

140 julho no Caffè Rinascimento. O tema da reunião era a fundação da Sociedade257 criada para os artistas, com reunião marcada para setembro do mesmo ano. Foram eleitos 5 artistas para redigirem o estatuto que contou com 75 adesões. Em novembro o estatuto foi aprovado e a sociedade, finalmente, oficializada. A inauguração aconteceria em 13 de janeiro de 1873, com sua primeira sede na Via Santa Margherita, 24, sobre o Caffè dell´Accademia, totalizando 112 membros. Ao se deter no estatuto fundacional percebe-se que não houvera inovações, a não ser por um aspecto, o incremento das artes. Como? Por meio de promoções de atos e instituições voltadas para o progresso das artes e uso geral dos artistas. Cabia ao artista o espaço para a prática da arte singular, uma biblioteca, espaço para exposições, conferências e entretenimento musical. Aberta para sócios efetivos e diletantes. Das belas artes à literatura ou ciência correlacionada às belas artes e música. O cargo de diretor era privilégio dos sócios efetivos.

Segundo D´Agati, a razão de ser da sociedade era a Escola Livre: “iniziativa non nuova giaché nei locali della Società Artística era stata allestita una scuola di costume”258 O ensino tinha como foco a prática do desenho, plástica, técnicas incisórias, óleo, aquarela, sessões especiais para o estudo de modelo vivo. Foi assim que a Famiglia Artística passou a ser considerada a única instituição representativa da classe artística.

Sua participação na vida da cidade acelerou-se a partir de 1874. A ideia era modernizar as bases conservadoras, reunir estudos para a fundação de uma Sociedade de Aquarelistas, intermediar a participação da Itália na exposição de Filadélfia (1876), ao lado da Società degli Artisti, que estimulava o mecenato. Neste mesmo ano de 1874, se funde com a Società Patriottica. Criou-se um comitê para promover a participação italiana, apelando economicamente aos institutos e também à colônia ítalo-americana. Sua participação no congresso artístico de Turim em 1880 tornou-se relevante pelos estudos sobre “Direitos Autorais”.

O ápice da Famiglia Artistica ocorre em 1881, por ocasião da Esposizione Nazionale do Belle Arti, l´Indisposizione di Belle Arti, considerada a primeira mostra

257 D´AGATI, op. cit., p. 105. 258 Milano 1861. D´AGATI, op. cit., p. 106. Tradução livre: “iniciativa que não era nova uma vez que nos locais da SA tinha sido preparada uma escola de costumes”. 141 humorística italiana, retratada na obra Una seduta del comitato ordinatore della presente indisposizione por Vespasiano Bignami, cujo valor patrimonial é agregado à Famiglia Artistica Milanese.

All´Esposizione Annuale della Famiglia Artistica aceitava artistas, sócios e participantes de todas as tendências. Havia pintores formados e/ou, regeitados pela Accademia di Belli Arti di Brera, assim como pintores que representaram a vanguarda futurista na pintura italiana, como Umberto Boccioni, Carlo Carrà, Luigi Russolo, Carlo Erba e, na arquitetura, Antonio Sant´Elia e Mario Chiattone, que permaneceria indiferente ao futurismo. Carrà passa uma ideia da ambiência milanesa em Segreto Profissionale, quando faz referência ao espaço da Famiglia Artistica onde "si discuteva insieme a colpi d'entusiasmo fino ad ora inoltrata. Romani, Camona, Martelli, Erba erano con noi e di quando in quando compariva il volto rabbuiato di Ugo Valerì."259

Desse modo, o clima do risorgimento parecia ter sido internalizado pela geração que transpirava o espírito aventureiro, cuja arte mais reflexiva pulsava o traçado antiacadêmico e vibrante. Com espírito participativo, a Famiglia Artistica incorporou essa nova identidade alicerçando uma série de eventos de tradição expositiva. A relação dos artistas com o público era um dos propósitos da Famiglia Artistica, alcançado em 1892 com a mostra Bianco e Nero, ocasião em que se abre um espaço para as artes gráficas. Desde então, um novo sopro foi dado a favor do grafismo com a Esposizione di Ventagli Artistici, em que participaram Previati, Hohenstein, Cavaleri, De Dragon. A este acontecimento datado de 1893, sucede outra mostra que reuniu 350 obras gráficas da coleção de Grubicy De Dragon, além da mostra capital de 1900, La Pittura Lombarda nel XIX Secolo, com catálogo organizado por Bignami.

Assim aconteceriam sucessivamente diversas exposições com a participação da Famiglia Artistica em distintas cidades, como foi a mostra de Bergamo, no norte da Itália com a finalidade de expandir a arte nacional.

259 CARRÀ, Carlo. Segreto profissionale. Firenze: Vallechi, 1962, p.403-404. Tradução livre: “as discussões do grupo eram tomadas por um golpe de entusiasmo em que mergulhavam noite adentro. Romani, Carmona, Martelli, Erba se juntaram a nós e de vez em quando aparecia no meio da noite Ugo Valeri”. 142

Um novo espaço foi criado no âmbito do divertimento para os pintores, desenhistas e literatos no campo da ironia, sátira e paródia para as revistas Lo Spirito Foletto, L´Uomo di Pietra, Mefistofele. As artes se abriam assim para o campo do entretenimento que se expandiu para as festas e bailes de máscara, assim como o carnaval “ambrosiano”, conhecido evento anual de caráter histórico e religioso. A abertura profissional do artista coincidiu com a primeira escola serial de desenho e várias petições para uma legislação mais favorável aos artistas.

Durante a I Grande Guerra Mundial a Famiglia Artistica manteve-se com exposições dos associados. No entanto, em 1931, uma reação à obrigatoriedade de se inscrever no Sindacato Fascista di Belle Arti, ocasionou a dissolvição da Famiglia Artistica que só retomará as atividades em 1946, com o nome de Famiglia Artistica Milanese. A iniciativa foi de Acetti, Borella, Carpi, Pellini, que retomaram as propostas iniciais de auxílio aos artistas, incremento das artes e criação de uma sede. Paralelamente às atividades artísticas resgataram também as atividades educacionais com os cursos de modelo nu, retrato figurativo, ícone e escultura.

Como parte do patrimônio da Famiglia Artistica Milanese, permanece a valorosa partitura da 1ª exibição da Opera Fallstaff de Giuseppe Verdi (1813-1901), no Teatro Scala. Esse ato do venerado compositor italiano foi em sinal de gratidão pela calorosa acolhida da Família Artística ao compositor presenteado com um saral e com as obras da exposição dos pintores associados. Agradecido, Giuseppe Verdi escreveu:

L´Egregia Associazione, che ha voluto in certo modo dare un´impronta ad un´epoca, che non potrà mai più ripetersi.260 A Egrégia Associação, que quis deixar de alguma forma uma marca à época, que nunca mais poderá se repetir.

A partitura de Fallstaff autografada por Verdi constitui o bem maior do patrimônio da Famiglia Artistica Milanese, como bem disse a atual presidente, Mariarosa Tavazzani261.

260 Ibidem, p. 111. 261 Depoimento da Presidente da Família Artística Milanesa, Mariarosa Tavazzani, à autora. Circolo Culturale I Navigli, Av. Edmondo de Amicis, 27. Milano, 27 de setembro de 2016. 143

L´avvenire che si schiude al nostro paese appartine ai giovani

Vespasiano Bignami

1873 Vespasiano Bignami funda com outros 116 artistas a Famiglia Artistica

Tranquilo Cremona, Daniele Ranzoni, Eleuterio Pagliano, Mosè Bianchi organizam a escola livre serial de figura, nu e retrato.

1875 A Família Artística empenha-se para que artistas italianos participem da Esposizione Mondiale di Filadelfia (EUA).

1876 Durante a Quaresma, é organizado na associação um sarau mascarado com o tema Il pescatore ignobile. No ano seguinte, o encontro ocorre com o tema La floresta imbalsamata, ocasião em que Bignani, fantasiado de Dante Alighieri, declama versos parafraseados da Divina Commedia.

1879 Em prol dos desabrigados da inundação do rio Po é organizada a Novena di Montemerlo com alegres saraus que ocorrem no Giardini Pubblici di Milano.

1880 No Congresso Artistico di Torino, a Famiglia Artistica apresenta uma proposta para modificar a lei sobre a propriedade artística.

1881 Por ocasião da Esposizione Industriale Italiana e da Esposizione Nazionale di Belle Arti, a Famiglia Artistica inaugura na via San Primo, 10, a Indisposizione di Belle Arti, considerada a primeira mostra humosrística italiana, adotando como lema Il riso existe, dunque c´è.

1882 Em sua vocação social, a Famiglia Artistica institui cursos de língua a francesa e ciclos de conferências, das quais participam Emile Zolà e 1890 Giosuè Carducci.

1893 Em 09 de fevereiro, Giuseppe Verdi recebe homenagens na sede da Famiglia Artistica, após a primeira exibição de Falstaff, no Teatro Scala.

1897 A Associação apresenta uma petição contra o júri da Esposizione Annuale di Brera e recebe como resposta a abolição da comissão de seleção das 144

obras e ao direito dos artistas de exporem em grupo como expoentes de uma determinada corrente.

1900 Organizada na sede da Famiglia Artistica a exposição Pittura lombarda del XIX secolo em que é assegurado a Piccio um papel fundamental mediado por Vespasiano Bignami.

1909 Em fevereiro, expõem na sede da Família Umberto Boccioni, Arnaldo Bonzaghi, Giuseppe Camano, Carlo Carrà, Carlo Erba, Romolo Romani e Luigi Russolo.

1913 Para celebrar os 40 anos de fundação, a Família Artística organiza uma mostra de arte retrospectiva e contemporânea, com a participação de Tranquilo Cremona, Mosè Bianchi, Vespasiano Bignami, além dos “emergentes” Vittore Grubicy, Gaetano Previati e Angelo Morbelli.

1914 Pela primeira – e única – vez a Famiglia Artistica expõe um grupo denominado Nuove Tendenze, com a participação de Leonardo Dudreville, Achille Funi, Mario Chiattone, Ugo Nebbia e Antonio Sant´Elia.

1916 É preparada a L´esposizione dell´Autoritratto curada por Vittorio Pica.

1919 A Famiglia Artistica organiza uma mostra de desenhos de alguns artistas em prol da Cruz Vermelha. Participam Leonardo Bistolfi, Emilio Gola, Arturo Tosi e Adolfo Wildt.

1922 A Famiglia Artistica promove uma convenção sobre artes industriais.

1926 A Associação festeja seu fundador, Vespasiano Bignami, já octagenário, com uma cerimônia nos Jardins Públicos.

1931 Em razão da obrigação de inscrever-se no Sindicato Fascista di Belle Arti, a Famiglia Artistica decide dissolver-se.

1946 Em 10 de fevereiro a Famiglia Artistica se reconstitui com o nome de Famiglia Artistica Milanese. Atualmente, a sede encontra-se no Circolo Culturale I Navigli, Via Edouard de Amicis, 17, Milano.

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APÊNDICE B - A arte macchiaiola na América do Sul

A arte macchiaiola na América do Sul apresenta a mesma atitude disciplinar e sincera característica da Florença dos tempos de Giovanni Fattori. Pode ser vista em Laporte, em Montevideo; em Della Valle, em Buenos Aires, e em Perissinotto, em São Paulo. A América do Sul teve, portanto, o privilégio de herdar os ensinamentos do lendário pintor macchiaiolo Giovanni Fattori, que aproximava os alunos ao redor da mesa entulhada de trabalho numa displicente sala de aula da Accademia di Belle Arti di Firenze repleta de esboços, tintas e substâncias químicas a serem utilizadas nas mais diversas técnicas renovadas por operações linguísticas que se faziam notar, sobretudo na sua estupenda acquaforte, como bem analisou o estudioso do período Rafaello Monti.262 Sua metodologia era simples e direta, no modo de observar seus alunos em sua singularidade, com a paciência de um asceta.

O uruguaio Domingo Laporte (1855-1928), um de seus alunos mais interessados no aprendizado da arte italiana, assumiu para si a tarefa de difundir em Montevideo os conhecimentos apreendidos com o mestre Fattori. Significativa foi a importância de Laporte no estabelecimento do diálogo artístico entre a arte florentina e a cultura sul-americana. O artista uruguaio tornou--se o representante da arte italiana no Uruguai. Seu quadro Gran Canal de Venecia, premiado na Exposição Universal de Paris, em 1889, lhe rendeu reconhecimento como artista e como difusor da arte fattoriana. Como professor de desenho na Escola de Artes e Ofícios, Laporte tornou-se responsável pela formação de pintores entre os anos de 1883 e 1889, ocasião em que assumiu a direção das bolsas de estudos do seu país na Europa. Entre idas e vindas para a Itália, Laporte levou para Montevidéu a cultura de um povo, inserindo-a na transmissão de conhecimento museológico, bibliotecário, institucional, científico e didático. Montevidéu - assim como São Paulo - carecia de projetos, instituições educativas e especificamente culturais, para a formação de novas gerações artísticas e para criação de um ambiente no qual as artes pudessem se desenvolver de forma

262 Catalogo Giovanni Fattori e l´Uruguay a cura di Rafaele Monti e Lucilla Saccà. Roma, Istituto Italo- Latino-Americano. 28 maggio – 28 giugno 1996, Firenze, Galleria d´Arte Moderna di Palazzo Pitti, 4 luglio – 4 agosto 1996. Banca Nazionale Del Lavoro. Lions Club, Firenze – Michelangelo. 146 rotineira. Necessitava, portanto, de investimentos culturais e de agentes capazes de

Figura 25 – Giovanni Fattori levá-los à frente de forma contínua, com objetivo de fazer com que a capital uruguaia decolasse no plano da cultura. Os laços estabelecidos entre Laporte e a cultura artística florentina não se deram apenas pelo contato com Giovanni Fattori, mas também pelos anos de seleção de professores estrangeiros para os bolsistas uruguaios na Itália. Essa relação facilitou a implantação parcelar do capital cultural italiano no Museo de Bellas Artes, atual Museu Nacional de Artes Visuais, criado com capacidade de ensinar arte, didática, história e receber novas coleções pelo viés da arte europeia.263 Fonte: Rittrato della Figliastra.1889. Olio Domingo Laporte tornou-se o primeiro su tela, 71 X 55cm. Firmato e datato in alto a destra. Giov. Fattori 1889. diretor do Museo de Bellas Artes de Montevidéu, Collezione Proprietà del Municipio di Firenze. onde se encontra a obra Figura 26 - Domingo

de Giovanni Fattori Vita Laporte di Caserna e inúmeros retratos do artista pintados pelo próprio diretor Laporte. Esta seria apenas a história de um brilhante ex-aluno do pintor livornese. No entanto, os laços de afeto entre aluno e professor estreitaram-se, ainda mais, com o casamento de Domingo Laporte com a enteada de Fattori, Giulia Marinelli264, filha de sua segunda mulher Marianna Bigazzi Marinelli. Viúvo de três esposas, Settimia Vannucci, Mariana Bigazzi e Fanny

Martinelli, o artista macchiaiolo tinha a fama de exercer Fonte: Ritratto di Fattori. grande fascínio sobre o público feminino, mesmo não sendo Acervo Museu Nacional de Artes Visuales, Monte um belo homem.265 Video, Uruguay

263 MONTI, Rafaello: Giovanni fattori e L´Uruguay. Oltre L´Oceano. ”Lucilla Saccà. Quadri e memórie da Montivideo”,p. 33,34. 264 Para Rafaello Monti, o retrato de Giulia realizado por Giovanni Fattori representa um dos mais belos da pintura italiana do Otoccento. In: Giovanni fattori e LÚruguay, op. cit., p. 20. 265 Alba Del Soldato. Luoghi e Ricordi dei Macchiaioli, p.25. 147

Figura 27 - Giovanni Fattori

Fonte: Vita di Caserma, 1897. Acervo Museu Nacional de Belas Artes, atual Museu de Artes Visuais de Montevideo266

A técnica fattoriana em Buenos Aires confirma o eixo histórico-cultural com obras institucionalmente inseridas na sala dedicada à pintura macchiaiola, que se encontra no andar térreo do Museo Nacional de Bellas Artes, criado em 1895. Entre os artistas que se sobressaíram na coleção do museu destacam-se os pintores argentinos que estudaram na Itália, assim como alguns mestres italianos. La vuelta del malón267 do pintor argentino Angel Della Valle (1852-1903) é a obra-prima. Tendo estudado em Florença com Antonio Ciseri, Della Valle desenvolveu temáticas de inspiração nacional, colocando em evidência a técnica macchiaiola. Seguindo na mesma temática dos pampas, Augusto Bellerini (1857-1902) reproduziu os ensinamentos do Instituto de Belle Arti di Roma com Cesare Maccari. Entre as cidades italianas escolhidas para os estudos dos pintores argentinos encontravam-se Veneza,

266 As fotos me foram enviadas pelo correio eletrônico por Maria Eugênia Crau do Museu de Artes Visuais de Montevideo. 267 Angel DellaValle. La vuelta del malón, 1892 186,5X 192cm Adquisición 1909 Inv. 6297 Museu Nacional de Belas Artes. Buenos Aires. 148

Florença e Roma. O fato de as obras serem bem aceitas pelo mercado portenho e internacional facilitou a participação dos artistas nas exposições na Europa e na América do Norte, como aconteceu com Ernesto de la Cárcova (1867-1927), que expôs a tela Sin Pan y sin Trabajo 268 premiada com Medalha de Honra na Exposição Universal de Saint Louis –USA, em 1904.269

Apêndice C: Linha do tempo do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo

A linha do tempo do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo se articula com a Pinacoteca do Estado de São Paulo, com a Faculdade de Belas Artes, com os Salões de Belas Artes e com a Família Artística Paulista.

1873 Leôncio da Silva Carvalho funda a Sociedade Propagadora da Instrução Popular em dezembro de 1873. Considera-se este núcleo de instrução popular o “sagrado dever com a comunidade”. 1874 O presidente da Província de São Paulo, dr. João Teodoro Xavier, aprova os estatutos da benemérita sociedade por Carta firmada em 5 de janeiro de 1874. O novo instituto popular estava oficializado. 1882 A Sociedade Propagadora da Instrução Popular conserva o seu caráter primordial de associação civil de benemerência e instala a escola noturna, ampliada e reorganizada, sob o título de Liceu de Artes e Ofícios. 1884 1ª Exposição de Trabalhos Escolares na presença de D. Pedro II. 1889 O advento do regime republicano: conjunção de positivistas republicanos com o democrático liberalismo dos que serviram à última fase do Império. Era o espírito da época que se introduziu no íntimo das constituições dos Estados. 1895 Nova diretoria no Liceu de Artes e Ofícios com Francisco de Paula Ramos de Azevedo e Ricardo Severo.

268 Ernesto de La Cárcova. Sin Pan y sin Trabajo. O/t 125,5 x 216 cm Inv. 1777 Adquisición, 1906.Museu Nacional de Belas Artes. Buenos Aires. 269 Cf. Laura Malosetti Costa. El Art e del Siglo XIX en El Museo Nacional de Bellas Artes. Asoc. Amigos Del Museo Nacional de Bellas Artes, V.2, Buenos Aires, 2010. 149

1900 O Liceu de Artes e Ofícios instala-se em edifício próprio, a um canto do Jardim da Luz, na confluência da Rua José Paulino com a Avenida Tiradentes. 1905 As primeiras obras da Pinacoteca são constituídas pela coleção do Estado com 21 quadros. Entre os artistas atuantes encontram-se José Ferraz de Almeida Júnior, Pedro Alexandrino, Oscar Pereira da Silva, Berthe Worms, Antonio Parreiras, Pedro Weingartner, Benjamin Parlagreco e Antonio Ferrigno. “Não só pela escassez de espaço, como por carência de condições técnicas e sanitárias necessárias ao desenvolvimento das oficinas, a diretoria cuidou da sua mudança e instalação propriamente industrial em terreno conveniente”, declara Ricardo Severo. 1906 O terreno entre as ruas João Teodoro, Cantareira e Jorge Miranda é doado pelo presidente do Estado Jorge Tibiriçá para as ampliações do Liceu de Artes e Ofícios, onde são construídos barracões para abrigar as oficinas. 1911 1ª Exposição Brasileira de Belas Artes. 1912 Exposição de Pedro Alexandrino. 2ª Exposição Brasileira de Belas Artes. 1915 Exposição de trabalhos escolares. Inauguração dos bustos de Cerqueira Cesar e Bernardino de Campos. 1922 I Exposição Geral de Belas Artes. 1924 Ocupação do prédio do Liceu por tenentistas durante a Revolta Paulista de 24. 1925 A Academia de Belas Artes270 é fundada por Gomes Cardim. Sua primeira sede foi na Rua Bento Freitas, 60. O prédio foi cedido à família Cardim como compensação por ter protegido as obras da Pinacoteca durante a Revolução de 24. 1927 Em Buenos Aires acontece o III Congresso de Arquitetura. Defesa do Curso de Arquitetura em Escolas de Belas Artes.

270 Os dados da Academia de Belas Artes e sua passagem à Escola de Belas Artes e, finalmente Faculdade de Belas Artes, têm como referência o livro de comemoração dos 75 anos de Belas Artes em São Paulo. Belas Artes 75. Faculdade de Belas Artes, São Paulo, 2001. 150

1928 A Academia de Belas Artes cria o curso de Arquitetura. Alexandre Albuquerque é o presidente interino (1928 -1929). Morre Francisco de Paula Ramos de Azevedo.

1932 Extinto o curso de Arquitetura. A Academia de Belas Artes passa à Escola de Belas Artes.

1932 O batalhão “Santos Dumont” ocupa parte do Liceu de Artes durante a a Revolução de 1932. 1933 A Pinacoteca é transferida para a Rua Onze de Agosto, juntamente com a Escola de Belas Artes, que assumira a guarda do acervo da Pinacoteca do Estado disperso entre o Museu do Ipiranga, Secretaria da Educação e escolas primárias. O acervo compõe-se de um total de 200 telas, 1.200 gravuras, maquetes, estátuas e moldagens em gesso. Os professores e fundadores da Escola de Belas Artes, José Watsh Rodrigues, Paulo Vegueiro Lopes de Leão, ambos participantes da 1ª Exposição Geral de Belas Artes, constituíam a Comissão de Avaliação do Acervo, desfalcado em 1 medalhão de David e 93 gravuras. Lopes Leão ocupava a diretoria do LAOSP e da Escola de Belas Artes. 1937 1ª Exposição da Família Artística Paulista.

1939 2ª Exposição da Família Artística Paulista. Decreto de Adhemar de Barros suspende a guarda do acervo do LAOSP. 1940 3ª Exposição da Família Artística Paulista idealizada por Paulo Claudio Rossi Osir. 1950 Centenário de nascimento de Almeida Júnior. Mostra retrospectiva. 1956 A Pinacoteca abre espaço para a arte moderna: inclui no acervo peças de Tomie Ohtake, Manabu Mabe e um conjunto de 387 gravuras de Marcelo Grassmann. 1973 A Pinacoteca constrói um teatro de arena, sala de exposições temporárias e práticas educativas e culturais. Durante a gestão de Fábio Magalhães, o edifício da Pinacoteca é tombado pelo Condephaat, preservando o conjunto arquitetônico do bairro da Luz. 1979 Decreto permite a reabertura do Curso de Arquitetura na Faculdade de Belas Artes.

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1985 Desentendimentos entre a Pinacoteca e a Faculdade de Belas Artes dão um novo rumo: a Faculdade se muda para a Rua Dr. Alvim, 76 - Vila Mariana. 1994 Reforma da Pinacoteca: o projeto de Paulo Mendes da Rocha cobre os a vazios internos do edifício com claraboias de aço e vidro laminado; interliga 1998 os pátios laterais com passarelas metálicas; nova reserva técnica e sistemas adequados de climatização, controle e segurança. Paulo Mendes da Rocha dimensiona o estilo neoclássico do Liceu de Artes e Ofícios. 1998 Reaberta ao público com exposições internacionais como a de Auguste Rodin. A Pinacoteca amplia o conjunto de obras-primas do Modernismo Brasileiro. Integra a Coleção Brasiliana à Coleção Nemirovsky, e, inclui no acervo obras de artistas estrangeiros radicados no Brasil.

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III - COMUNICAÇÃO PESSOAL - E-MAIL

GOMES JR. Guilherme Simões. Tarsila. [mensagem pessoal]. São Paulo, 03 de março de 2018. MELGAREJO, Paola.Victor Gubugras. Facultad de Arquitectura de la Universidad Católica de La Plata. Buenos Aires, 08 de outubro de 2016. ______Pettoruti, exposición, 1931. Buenos Aires, 12 de abril de 2018. FRIGERIO, Gabriele.Coordenador do Instituto Cultural Ítalo-brasileiro. Correspondência Famiglia Artistica Milanese.São Paulo, 12 de abril de 2016; 22, de junho de 2016. DELAROLLE, Leonardo. Jornal Fanfulla, il giornale degli italiani in Brasile dal 1893. São Paulo, 08 de junho de 2016. ZANINI, Adriana, bibliotecária do Instituto Cultural Ítalo-brasileiro. Jornal Fanfulla. São Paulo, 10 de junho de 2016. Disponível em: http://www.infodata.ilsole24ore.com/2015/04/14/se-potessi-avere- calcola-il-potere-dacquisto-in-lire-ed-euro-con-la-macchina-del-tempo/ Link de apoio para a pesquisa salarial.

DEPOIMENTO

MEIRELLES, Theodoro, artista plástico da Osirarte. Associação Paulista de Bellas Artes, julho de 2005 MELGAREJO, Paola. Pagano, crítico de arte. Área de Investigación do Museo Nacional de Bellas Artes, Buenos Aires, julho de 2016. TAVAZZANI, Mariarosa, presidente da Famiglia Artistica Milanese. Circolo Culturale I Navigli, Av. Edmondo de Amicis, 27. Milano, 27 de setembro de 2016.

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INVENTÁRIO DAS PESQUISAS REALIZADAS NA ITÁLIA

1. Roma, 15 a 22 de setembro de 2016 1.1. Accademia di Belle Arti. Via Ripetta, 222 - 00186 Roma Tel.: 06/ 3227025 Diretora: Tiziana D´Acchille Arquivo da Academia de Belas Artes de Roma: fechado. 1.2. Biblioteca da Accademia di Belle Arti di Roma Obras pesquisadas: 1.2.1. Vagnetti, Fausto. La Regia Accademia de belle Arti di Roma. Felice Le Monnier. Firenze. MCMXLIIIXXI. Inventario 610 Cat. SDB 719. É a primeira fonte sobre o Instituto Romano e sobre o nascimento da Academia de Belas Artes com referências históricas, didáticas, ensino da arte e distintas interferências da passagem da Igreja para o Estado. 1.2.2. Catálogo Romaccademia a cura di Tiziana D´Acchile, Anna Maria Damigeglia, Gangeni Editore. Roma, 1990. Biblioteca Inventário 7821 Cat.11.

Trata-se de um debate sobre a situação da Academia levando em consideração aspectos históricos e exigências do mercado.

2. Milão: de 22/09 a 05/10 2.1. Accademia di Belle Arti di Brera. Via Brera, 28 Milano 20121 Tel. 39 02 86955 Diretoria da Accademia di Belle Arti – 0286955252 - secretária Chiara Badiati [email protected] Professor responsável: Walter Rosa (39) 3298069324 - [email protected] 2.2. Famiglia Artistica Milanese. Via Edmondo de Amicis, 17 20 123 Milano. Tel. 30 02 57402031 Presidente dell´Archivio della Famiglia Artistica Milanesa: Mariarosa Tavazzani - [email protected] Vice-presidente: Ester Milani - [email protected] Pesquisador acadêmico: Niccolò D´Agati

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Obras pesquisadas: 2.2.1. M.G. Schwetti, Milano 1861-1906. Mappa e Volto di una Città – Per una Geostoria Dell´Arte, Franco Angeli, Milano, 2015 O livro dedica reflexões sobre a Arte na Cidade de Milão com especial participação do estudioso da Família Artistica Milanesa, Niccolò D´Agati. “Tradição e Inovação: Novo Endereço do Associacionismo Artístico Milanese”, do original “Tradizione e Innovazione Dell´Associazionismo Artistico Milanese”, entre as páginas 91 e 113, e Lepiditia Fons Laetitia: Artisticità Effimera nella Milano della Scapigliatura (1864 – 1905), entre as páginas 153 e175. 2.2.2. Catalogo Mario Uggeri. A cura di Mariarosa Tavazzani. Famiglia Artistica Milanese, Milano, 2008. 2.2.3. Catálogo Famiglia Artistica Milanese. 130 Anniversario. 13 Gennaio 1873 – 13 Gennaio 2003. A cura di Anna Mangiarotti. Famiglia Artistica Milanese, Milano, 2004 2.3. Biblioteca Braidense, Palazzo Brera, Via Brera, 28 Mi. 2.3.1. Luigi Bracchi. La Famiglia Artística Milanese dalla Scapigliatura al dopo Futurismo. Periodico mensile illustrato. Vol. XXVII – Fascicolo III-IV 1973. La Martinella di Milano. Rassegna di vita italiana. Italia di Pulcinella. Lire 2.500. “1872: nasce la Famiglia Artistica, quase emanazione di quel movimento della Scapigliatura che doveva segnare un´epoca”. O texto de Bracchi retrata a Família Artistica Milanesa inserida entre dois relevantes movimentos: a Scapigliatura e o Futurismo. Sobre a Scapigliatura reporta-se ao conceito enciclopédico de um movimento artístico e literário milanês permeado de política e com forte apelo moral entre os anos de 1860 e 1870. Sobre o Futurismo reporta-se a inspiração literária francesa do poeta ítalo-egipcio, Filippo Tommaso Marinetti, durante os anos em que viveu e estudou em Paris, e do movimento plástico figurativo milanês, por meio da atração exercida do idealisador e animador do movimento futurista sobre artistas de diferentes áreas. 2.3.2. Catálogo Milano “Caffeina d´Europa”. Marinetti e il Futurismo a Milano. A cura di Gino Agnese e Vanni Scheiwiller. All´Insegna del Pesce d´Oro, Milano, 1999. A efervercência cultural de Milão foi revisitada na mostra “Caffeina d´Europa” sob a organização de Agnese e Scheiwiller no Pallazzo di Brera, Via di Brera, 25

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Milano. A mostra aconteceu em 1995 durante a jornada de estudos “Caffeina d´Europe” que teve como curadora Armida Batori, Assessora da Transparência Cultural da Lombardia com apoio da Biblioteca Nazionale Braidense e Ministero dei Beni Culturali e Ambientali, Catalogo De Luca, Roma. 2.3.4. Margherita Sarfatti. Storia della Pittura Moderna. Paolo Cremonese. Editore in Roma. Via IV Novembre, 145-146, 1930 VIII grafia – S.A.I. Industrie Grafiche, Via Ennio Quirino Visconti 13 – A Roma. Sarfatti retrata a história da Arte Moderna a partir do realismo de representação individual, característica expressiva nos retratos e paisagens da pintura flamenca, holandesa e francesa. Refere-se à origem italiana de Paul Cesanne: “un francese del sud di sangue semi-italiano (il nono, emigrando, aveva mutato in “Cesanne” il nome del suo paese di origine, Cesena, p. 28). Cesena é uma comuna italiana na região da Emília-Romanha, província da Forli- Cesena. Margherita Sarfatti empresta da ascendência de Paul Cèsanne a atitude inerente de elevação da arte acima da contingente superficialidade. Continua sua análise reflexiva representando fielmente os embates do corpo a corpo, mês a mês, decênio a decênio de Paul Cesanne para fazer compreender a devida reverência que deve ser prestada a este grande homem. Cada tela, enfatiza Sarfatti, representa um progresso em relação a anterior, a caminho da purificação das linhas na direção da vitória do espírito sobre a matéria. (p.31) As reflexões de Sarfatti encontram no pintor de ascendência latina, nascido na Espanha de família italiana com passagem em Paris - Pablo Picasso –, o outro segmento da evolução lógica e intuitiva do mesmo circulo de sensações e ideias. Uma vez apresentado os dois grandes símbolos, um ítalo- francês, outro ítalo- espanhol, Sarfatti conclui a origem da influencia direta ou indireta da vanguarda do período que antececedeu e sucedeu a Grande Guerra Mundial através de algumas derivações do futurismo pictórico italiano. 2.4. Biblioteca di Architetura del Politecnico di Milano Via Ampere, 2 / 20133 Mi 2.4.1. Rivista Valori Plastici. BC Per V002 – Rivista d´Art Diretta da Mario Broglio. Direzione Amministrazione: Roma (49) Via Ciro Menotti. 10.” Giovanni Fattori da Emilio Cecchi: (1-9).

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Descreve a figura do lendário pintor, sua arte e posicionamento com os alunos em uma edição de luxo da Rivista Valori Plastici, ricamente documentada 2.4.2. Rasseggna d´Arte. Roma. Anno II. Nº IX – XII. Prezzo L. 4, pp 13 Giovanni Fattori. A pitoresca figura do pintor livronese é retratada por sua faculdade de sentir e se render a realidade de modo visível e com rara energia. Sua forma expressiva e largueza de estilo apresentam síntese vitais de sua anima pictórica. “Ora, sono precisamente questo doti di autottona genuinità, questa pontenza d´imprimere alla breve figurazione della realtà quotidiana il carattere dello stile e della grandezza, che nessuno, o pochissimo avevan finora notato, e che giovava mettere in lucci” (...) p. 4

3. Firenze: de 05/10 a 16/12 A fim de otimizar os estudos nos arquivos e bibliotecas de Florença foi possível adequar as minhas investigações ao horário de funcionamento das instituições Marucelliana, Academia de Belas Artes, Galeria de Arte Moderna, Biblioteca Central e Gabinetto Vissieux. 3.1. Biblioteca Marucelliana Via Cavour, 43/45 – 50129 Firenze Tel. 38 055 2722211 Diretora Geral da Biblioteca Dot.ssa. Silvia Fosco

Obras consultadas: 3.1.1.Manuscritos Legato Vitali Signatura Numero Sogetto Ingresso 3.E 1 944549 Signorini

3.F. 1 12/10/ 1926 La Nazione della Sera Signorini 3.F. 2 13/10/1926 La Nazione della Sera Signorini 3.F. 3. 944550 La Nazione della Sera 14/10/1926 Signorini

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3.F. 7. 05/09/1925 Il Nuovo Giornale Mario Tinti

3.F. 9. 24/07/1925 Il Nuovo Giornale Benso Becca

3.F. 10. 28/07/1925 Il Nuovo Giornale Ugo Ojetti

3.1.2. Manuscritos Carteggio 3.1.2.1. Fondo Vitale 2.B.1 • 944.307. Adriano Cecione fala a respeito da macchia e da situação da arte em 1866. Pensieri. • 944.330 – Adriano Cecione conta como conheceu Oduvaldo Barroni e sobre os pintores macchiaioli. 2.B.36 9444343 – Passaporto / viagem para França • C. Ma.311 XV (21.22); (2866) • CMA 192 A.4; A.6; A.7; A.8; A.9; A.10; A.12 e A.13 3.1.2.2. Fondo Martelli • c1 CMA132; c3 C M A 192; c4 CMA192; c5 CMA 195; c6 CMA; c7 CMA; c8 CMA; d1CMA; d2 CMA; d3 CMA; d4 CMA; d5 CMA; d6 CMA192; CMA 258. A correspondência de Giovanni Fattori tem sido de grande valia para o entendimento da atitude do pintor frente a sua incansável pesquisa pictórica, aspectos humanos no modo de lidar com seus alunos, amigos macchiaoli e com o seu mecenas Diego Martelli, mas, sobretudo, por seu espírito artístico. 3.1.3. Catálogos de Mostras do Fundo Martelli 3.1.3.1. Catálogo Macchia e Cultura a Firenze intorno al 1860. A cura di Giancarlo Gentilini. Maggio – Giugno 1976. Prima Mostra. Firenze, 1976 169

Analisa a produção macchiaola como reflexo do espírito positivista na busca relacional de introduzir o novo a antigas temáticas. 3.1.3.1. Catálogo Diego Martelli e i Macchiaioli. A cura di Alba del Soldato. Seconda Mostra. Biblioteca Marucelliana. Firenze, 1976 Analisa o perfil do mecenas Diego Martelli: visão econômica e política do período. 3.1.4. Fotografias Legato Vitali: Reprodução de 5 fotografias para ilustrar a tese inclui a foto “Fattori e alunni scolari”. 3.1.5. Biblioteca/ livros/ periódicos 3.1.5.1. Bietoletti, Silvestra, I Macchiaioli. Giunti, 2002.Groupi Editoriale, Firenze, 2001 Bietoletti apresenta a exploração da pesquisa pictórica dos artistas que frequentavam o Café Michelangelo, ponto de encontro dos pintores e simpatizantes do movimento macchiaolo. 3.1.5.2. Del Bravo. Carlo. Le Risposte dell´arte. Sansoni Editore, 1985. Nuova S.p.A. Firenze. No capítulo “Milleottocentassessante”, Del Bravo analisa o significado cultural do Café Michelangelo e os primeiros anos da macchia. 3.1.5.3. Giovanni Fattori e l´Uruguay. A cura di Raffaele Monti e Lucilla Saccà. Roma, Istituto Ìtalo- Latino Americano. 28 maggio – 28 giugno 1996. Forenze, Galleria d´Arte Moderna di Palazzo Pitti 4 luglio – 4 agosto, 1996. BNL Banca Nazionale Del Lavoro. Lions Club, Firenze – Michelangelo. A mostra enfatiza a relação de Giovanni Fattori com seu ex-aluno, o pintor uruguaio Domingo Laporte, casado com sua enteada, Giulia Marinelli. O casal viveu em Montevidéu. 3.1.5.4. Biagi, Luigi. L´Accademia di Belli Arti di Firenze. Felice Le Mounnier. Firenze. MCMXLI – XIX nel 1784 (caderno preto) Considerada a obra mais completa sobre a Academia de Belas Artes de Florença. Luigi Biagi pontua historicamente os momentos relevantes de seus contextos didático e político. 3.1.5.5. Bietoletti, Silvestra. I Macchiaioli. Gerente Groupi Editoriale. Firenze, 2001 (caderno vermelho)

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Em sua análise sobre a pintura macchiaiola, Bietoletti esclarece a questão das cores e da técnica, muito debatida entre os frequentatores do Café Michelangelo, que conta com a presença de Degas nos debates sobre a relação dos experimentos positivistas na pintura. 3.1.5.6. Gazzetino delle Arti del Disegno. Giornale Settimanale. Legato Martelli. Anno I. Firenze 26 Fi BI Marucelliana B. 2 233 Um jornal voltado para a arte de toda a Itália, com artigos assinados semanalmente. Dirigido por Diego Martelle, mecenas dos macchiaoli, o jornal oferecia ao público biografias de artistas vivos e mortos, notícias artísticas, e todo o gênero de programações como abertura de exposições, correspondências, arte inglesa, alemã e tudo o que pudesse interessar ao artista diletante, incluindo polêmicas e embates sobre diversos gêneros artísticos. 3.1.5.7.La Rivista Europea II Anno I Vol. 11. Tipografia Fodratti, Via S. Zanobi, 8, Firenze, 1870 – O artigo trata sobre o positivismo e sua relevância na pesquisa plástica. (caderno preto) 3.2. Galleria d´ Arte Moderna - Pallazzo Pitti Piazza Pitti 1 / 50125 Firenze Tel. 0552388616 Coordinatore Della Galleria d´Arte Moderna: Dott.ssa. Simonella Condemi 3.2.1. Signorini, Telemaco. Lo Zibadone di Telemaco Signorini. A cura di Silvio Balloni. Soprintendenza Speciale per il Polo Museale Fiorentino. Galleria d´arte Moderna di Palazzo Pitti. Ministero per i beni e l´atività culturale. Sillabe. Livorno, 2008 (caderno rosa) O olhar crítico de Signorini vai além de uma leitura pictórica restrita à cor exata da realidade para conquistar o seu movimento e a luz da localidade. 3.3. Università degli Studi di Firenze Via delle Pandette, 21 – 50127 Firenze Tel. 38 055 2759510 Dott. Alberto Tonini - Coordinatore di Scienze Politiche “Cesare Alfieri”; Coordinatore Del Curriculum do Studi Internazionali 3.3.1. Monica Gioli. Il fascismo e La “sua” arte Dottrina e istituzioni tra futurismo e Novecento, Leo S. Olschki Editore, 2011- Obs.: livro foi comprado com o dinheiro da reserva técnica, portanto, será doado à biblioteca da PUC- SP, cf. documentação protocolada na FAPESP em 22/05/17.

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3.3. Biblioteca Nazionale Centrale di Firenze Piazza dei Cavalleggeri, 1 / 50122 Firenze 3.3.1. Rivista d’Arte Valori Plastici Observação: a enchente de 1966 arrasou a cidade de Florença, sobretudo nas proximidades do Rio Arno, onde fica a Biblioteca Nazionale Centrale acarretando grande perda de obras e manuscritos. Infelizmente pude sentir os efeitos da enchente ao pesquisar o artigo de Ardegno Soficci na Revista d´Arte Valori Plastici. Das 4 páginas consagradas ao pintor Giovanni Fattoti restaram duas. Apenas a biblioteca do Gabinetto G.P. Viesseux possuía um exemplar completo. Cópia-reprodução de fotografias do pintor Giovanni Fattori 3.4. Gabinetto Scientico Letterario G.P. Vieusseux / Biblioteca Piazza e Palazzo Strozzi, 50123 Firenze Tel. 38 055 2396743

“Rivista d´Arte Valori Plastici”. Rivista d´Art diretta da Mario Broglio. Anno II, Roma, n I-II. Periodico Mensile. Gennaio-Febraio, 1920: consulta e cópia do artigo de Soffici sobre Giovanni Fattori). A Revista Valori Plastici nasceu graças a Mário Broglio, em Roma, onde foi publicada trimestralmente, entre os anos de 1918 e 1921. Artistas de expressão como Carlo Carrá, De Chirico, Cechi, Soffici colaboraram com artigos sobre uma nova ordem estética com bases reflexivas no passado artístico. A revista promoveu duas importantes exposições na Alemanha (1921 e 1924), que muito auxiliaram no reconhecimento da arte italiana.

Fontes Primárias 1. Florença 1.1. Archivio Storico dell´Accademia di Belle Arti Via Ricasoli, 66 – 50122 Firenze. Tel. 30 055 215449 Diretor responsável do Arquivo: Dott. Daniele Mazzolai [email protected]

Pesquisa nos registros dos alunos inscritos na Academia

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Archivio Storico Accademia di Belle Arti Firenze AABAFi • AABAFi, Alunni, Scrizioni, Aluni dal 1888 al 1890 • AABAFi, Alunni, Scrizioni, Aluni dal 1830 al 1905 • AABAFi, Alunni, Scrizioni, Aluni dal 1905 al 1922 • AABAFi, Alunni, Scrizioni, Aluni dal 1922 al 1923 • AABAFi, Alunni, Scrizioni, Aluni dal 1923 al 1924 • AABAFi, Alunni, Scrizioni, Aluni dal 1924 al 1925 • AABAFi, Alunni, Scrizioni, Aluni dal 1927 al 1928 Pesquisa realizada nos registros da Scuola del Nudo • AABAFi, Alunni, Scrizioni, Aluni dal 1891 al 1930 • AABAFi, Alunni, Scrizioni, Aluni dal 1930 al 1931 • AABAFi, Alunni, Scrizioni, Aluni dal 1931 al 1932 • AABAFi, Alunni, Scrizioni, Aluni dal 1932 al 1933 • AABAFi, Alunni, Scrizioni, Aluni dal 1933 al 1934 • AABAFi, Alunni, Scrizioni, Aluni dal 1934 al 1935

Archivio dell´Accademia (caderno laranja) • Scuola del Nudo 1909-1931 - Relação de 10 brasileiros inscritos. Entre eles, Hugo Adami e Gastone Worms são considerados objeto do presente estudo. • Filze di Affari dell´Accademia, f. 88 (1899) ins, 19 Correspondência / solicitação do planisfério de Bartolomeu Velho para Pedro Américo • AABAFi, Alunni, Iscrizioni, dal 1834 al 1905 n.905, Perissinoto Giuseppe Data ammissione novembre/1903 Data della rassegna novembre / 1904/ 1907 Età: 22 /Tassa Lira 30/Veneziano, filho de Giacomo (capo maestro)

Registros de documentos, exposições, correspondência, professores, cursos dos anos 2003/4/5/6 e processos de admissão do aluno G. Perissinoto e do mestre Givanni Fattori/ Desenho e Plástica de Ornato. Filze di Affari dell´Accademia, 1903 Filze di Affari dell´Accademia, 1904 173

1.1. Biblioteca Marucelliana Via Cavour, 43/45 – 50129 Firenze Tel. 38 055 2722211 Diretora: Dot.ssa. Silvia Fosco,

Archivio / manuscritos • Legato Vitali: Adriano Cecione Fundo Vitale 2.B1 cc.2-27 Officina Critica Appunti e Pensieri Vari (caderno vermelho) Manucritos • Legato Vitali (fotos, cartas e periódicos) e Diego Martelli (cartas)

Acervos 1.Florença 1.1.Galleria d´ Arte Moderna - Pallazzo Pitti Piazza Pitti 1 / 50125 Firenze Tel. 0552388616 Coordinatore della Galleria d´Arte Moderna: Dott.ssa. Simonella Condemi Coleção Diego Martelli/ Pintura Macchiaoila 1.2.Galleria Degli Uffizi Piazzale degli Uffizi. Estudos: Quatrocento/ Ardengo Soffici: exposição das obras e influências Piazzale degli Uffizi, 6 / 50122 Firenze Gabinetto Fotografico: cópia de fotos obras de Giovanni Fattori: Acervo da Galeria de Arte Moderna do Palazzo Pitti

2.São Paulo 2.1. MAB- FAAP 2.2. Pinacoteca

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ILUSTRAÇÕES E CRÉDITOS Figura 2 - Oficina do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo Fonte: Biblioteca do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Foto da autora

Figura 2 - Grupo de pintores da 1ª Exposição Geral de Belas Artes no Palácio das Indústrias. Setembro de 1922 Fonte: Catálogo Angelo Simeone. MASP, julho de 1973. Pasta Angelo Simeone. Biblioteca Walter Wey. Pinacoteca de São Paulo. Foto da autora

Figura 3 - Grupo de pintores 1ª Exposição Geral de Belas Artes. Setembro de 1922 Fonte: O Estado de São Paulo. 20 de março de 2001. Scanner da imagem de OESP

Figura 4 - Anita Malfatti Fonte: Anita Malfatti. Vida na Roça, 1956 O/t. Col. Almeida e Dale Galeria de Arte/ Exposição MAM Anita Malfatti 100 anos de Arte Moderna. Foto da autora

Figura 5 - Carlo Carrà Fonte: Carlo Carrà. Cavalo e Cavaleiro,1912 Coleção: O/t. Civico Museo d´Arte Contemporanea. Palazzo Reale, Milano. Foto da autora

Figura 6 - Capa do Catálogo Marinetti e il Futurismo. Colagem Fonte: Ministero per il Bene Culturale e Ambientali. Roma, 1994. Foto da autora

Figura 7 - Gruppo di artisti, Firenze Fonte: Biblioteca Marucelliana, Legato Lamberto Vitali 14.13

Figura 8 - Giovanni Fattori Fonte: Giovanni Fattori. La rotonde dei bagni Palmieri, 1866. Olio sul tavola, 12 X 35 cm. Galleria d´Arte Moderna. Palazzo Pitti. Firmato e datato in basso a destra “Gio Fattori. 1866”. Foto autora, 2016

Figura 9 Giovanni Fattori e Alcunni Alunni Fonte: Legatto Vitali. Biblioteca Marucelliana Biblioteca Nazionale di Firenze

Figura 10 - AABAFi. FILZA n 95. Ano 1905 – 906, ins. 11, verbale ornato, 2º ano. 1905-906 Fonte: Archivio storico dell´Accademia di Belle Arti di Firenze

Figura 11 - AABAFi, Carteggio e Atti, Filza nº95 (1905-906) ins.11, verbale ornato 2º ano 1905-1906 esame di prommozione 1905 – 1906 Fonte: Archivio Storico dell´Accademia di Belle Arti di Firenze

Figura 12 – Giovanni Fattori Fonte: Giovanni Fattori. Soldatti in Vedetta. Fusain/ papel 19 x 11. Coleção Anna Grazia De Marzi. Foto da autora

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Figura 13 - Giuseppe Perissinotto Fonte: Giuseppe Perissinotto. Subindo a serra. O/m 26,5 x 18,5 Coleção Ana Maria Marcondes. Foto da autora

Figura 14 - Ângelo Simeone Fonte: Catálogo Ângelo Simeone, MASP, Julho de 1973. Centro de Documentação e Biblioteca do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand. Biblioteca Walter Wey. Pinacoteca de São Paulo

Figura 15 - Vespasiano Begnami Fonte: Vespasiano Begnami. Una seduta del comitato ordinatore della presente indisposizione, 1881. Olio su tela 87 x 133 cm. Coleção Famiglia Artística Milanese. Foto: autora

Figura 16 - Paulo Rossi Osir Fonte: Paulo Rossi Osir. Praia Grande Vila Atlântica, 1948. Coleção Museu de Arte Moderna. Foto da autora

Figura 17 - Imagem geral da arte em azulejos de Rossi Osir e telas de Pedro Corona Fonte: Paróquia Coração Imaculado de Maria. Capela da PUC-SP Foto: Davilym Dourado

Figura 18 - Imagem do azulejo de Paulo Claudio Rossi Osir Fonte: Paróquia Coração Imaculado de Maria Capela da PUC-SP. Foto: Davilym Dourado

Figura 19 – Imagem do azulejo assinado pelo autor Paulo Claudio Rossi Osir Fonte: Paróquia Coração Imaculado de Maria Capela da PUC-SP. Foto: Davilym Dourado

Figura 20 - Cândido Portinari Fonte: Cândido Portinari. Retrato de Paulo Rossi Osir, 1935. Coleção Museu de Arte Contemporânea. Foto de Gomes Jr.

Figura 21 – Cândido Portinari. Imagem de São Francisco Fonte: Igreja de São Francisco de Assis da Pampulha, BH, MG Foto: Sonia Skroski

Figura 22 – Imagem da marca firmada do Ateliê Osirarte Fonte: Igreja de São Francisco de Assis da Pampulha, BH, MG Foto: Sonia Skroski

Figura 23 – Imagem do azulejo criado por Alfredo Volpi Fonte: Azulejo, 23,5 X 23,5 cm. Coleção Leila Sarquis Foto da autora

Figura 24 – Verso do azulejo de Alfredo Volpi Fonte: Azulejo, 23,5 X 23,5 cm. Coleção Leila Sarquis Foto da autora

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Figura 25 - Giovanni Fattori Fonte: Giovanni Fattori. Rittrato della Figliastra.1889. Olio su tela, 71 X 55cm. Firmato e datato in alto a destra. Giov. Fattori 1889. Collezione Proprietà del Municipio di Firenze.

Figura 26 – Domingo Laporte Fonte: Domingo Laporte. Ritratto di Fattori. Acervo Museu Nacional de Artes Visuales, Monte Video, Uruguay

Figura 27 - Giovanni Fattori Fonte: Giovanni Fattori. Vita di Caserma, 1897. Acervo Museu Nacional de Belas Artes, atual Museu de Artes Visuais de Montevideo

Figuras adicionais

Figura de abertura do Cap. I – Giovanni Fattori Fonte: Giovanni Fattori. Pioppi. Bozzetto, 1890 – 1900 circa, Olio sul távola, 17 X25, cm. Inv. Gen 219. Gallerie degli Uffizi, Galleria d´Arte Moderna. Su concessione del Ministero dei Beni e delle Attività Culturali e del Turismo. Foto: Gabinetto Fotografico dele Gallerie degli Ufizzi. Firenze, 2016

Figura de abertura do Cap. II – Giovanni Fattori Fonte: Giovanni Fattori. Casa rustica sul mare. Bozzetto. Olio su tavola, 20,5 X 38 cm. Inv. Gen. 223. Gallerie degli Uffizi, Galleria d´Arte Moderna. Su concessione del Ministero dei Beni e delle Attività Culturali e del Turismo. Foto: Gabinetto Fotografico dele Gallerie degli Ufizzi. Firenze, 2016

Figura de abertura do Cap. III – Giovanni Fattori Fonte: Giovanni Fattori.Tramonto sul mare. 1890 – 1900. Olio su tavola, 23,5 X 36,5 cm. Inv. Gen. 224. Gallerie degli Uffizi, Galleria d´Arte Moderna. Su concessione del Ministero dei Beni e delle Attività Culturali e del Turismo. Foto: Gabinetto Fotografico dele Gallerie degli Ufizzi. Firenze, 2016

Figura ilustrativa – Alfredo Volpi Fonte: Catálogo Alfredo Volpi. Paisagem. Óleo s. tela colado em papelão – 1922. Centro de Documentação e Memória Biblioteca Walter Wey. Pinacoteca do Estado

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Licença para Uso de Imagem

Centro de Documentação e Memória Biblioteca Walter Wey. Pinacoteca do Estado

Biblioteca e Documentação do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Biblioteca do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo

Biblioteca e Centro de Documentação Luis Martins do Museu de Arte Moderna

Civico Museo d´Arte Contemporanea. Palazzo Reale, Milano

Ministero per il Bene Culturale e Ambientali. Roma

Biblioteca Marucelliana (manuscritos)/ Biblioteca Nazionale di Firenze

Galleria d´Arte Moderna. Palazzo Pitti

Archivio storico dell´Accademia di Belle Arti di Firenze

Paróquia Coração Imaculado de Maria. Capela da PUC-SP

Museu de Arte Sacra

Museu de Arte Contemporânea

Gabinetto Fotografico delle Gallerie degli Ufizzi

Acervo Museu Nacional de Artes Visuales, Monte Video, Uruguay

Fotógrafos: Sonia Skroski e Davilym Dourado

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