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233 Saúde ambiental e desenvolvimento na Amazônia legal: indicadores socioeconômicos, ambientais e sanitários, desafios e perspectivas Environmental health and development in legal amazon: socio-economic, environmental and sanitary indicators, challenges and perspectives

Rosana Lima Viana Resumo Ministério da Saúde. Núcleo Estadual do Maranhão. São Luís, MA, Brasil. Este artigo tem por objetivo discutir os processos E-mail: [email protected] de determinação socioambiental nos estados que Carlos Machado de Freitas compõem a Amazônia Legal, com base na análise Fundação Oswaldo Cruz. Escola Nacional de Saúde Pública Sergio de indicadores socioeconômicos, ambientais e sani- Arouca. Centros de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia tários. Nesse sentido, os resultados demonstraram Humana. , RJ, Brasil. uma região dinâmica e muito heterogênea, com E-mail: [email protected] uma população crescente e concentrada principal- Leandro Luiz Giatti mente em áreas urbanas, combinando crescimento Universidade de São Paulo. Faculdade de Saúde Pública. Depar- econômico e degradação ambiental a um rápido e tamento de Saúde Ambiental. São Paulo, SP, Brasil. precário processo de urbanização e aos projetos E-mail: [email protected] de desenvolvimento voltados para a exploração de recursos naturais. O resultado é um quadro com- plexo de problemas de saúde, com expressividade das doenças infecciosas e parasitárias relaciona- das às intensas mudanças ambientais e às difíceis condições de vida, decorrentes principalmente da persistência de imensas desigualdades nos indica- dores sociais e econômicos. Tais vulnerabilidades produzem efeitos negativos no quadro ambiental e sanitário da região. Palavras-chave: Condições de Vida; Degradação Ambiental; Indicadores em Saúde Ambiental; Saúde Ambiental.

Correspondência Ministério da Saúde. Núcleo Estadual do Maranhão. Av. Jerônimo de Albuquerque, nº 16. Centro. São Luís, MA, Brasil. CEP 65060-645.

Saúde Soc. São Paulo, v.25, n.1, p.233-246, 2015 233 DOI 10.1590/S0104-12902016140843 Abstract Introdução

This article discusses the processes of determin- O debate técnico-científico sobre a relação saúde, ing the environmental situation in the states that ambiente e desenvolvimento na Amazônia brasi- are part of the Brazilian Legal Amazon, based on leira, disponível em periódicos científicos, ainda é the analysis of socio-economic, environmental and muito restrito, apesar da quantidade expressiva de sanitary indicators. The indicators showed a very artigos que abordam os aspectos ecológicos, biológi- dynamic and heterogeneous region, with a growing cos e sociais da região em questão. De modo geral, os population mostly concentrated in urban areas, artigos disponíveis nesses periódicos sobre a saúde combining economic growth and environmental na Amazônia dizem respeito a aspectos epidemio- degradation associated with a rapid and precari- lógicos ou clínicos de doenças endêmicas (como a ous process, and with development malária, a dengue, a leishmaniose e as hepatites vi- projects focused on the exploitation of natural rais). Por outro lado, os artigos relativos ao ambiente resources. The result is a complex picture of health e ao desenvolvimento restringem-se a abordagens problems, with the presence of infectious and disciplinares sobre a biodiversidade, ao uso da terra, parasitic diseases related to severe environmental ao desmatamento e ao desenvolvimento sustentável changes and poor conditions of life, caused mainly (Freitas; Giatti, 2009; Confalonieri, 2005). by inequalities in social and economic indicators Raros são os estudos que buscam articular de that produce vulnerabilities and negative effects on forma multidisciplinar os temas “saúde, ambiente the environmental and sanitary context. e desenvolvimento” na Amazônia brasileira. Em Keywords: Living conditions; Environmental Deg- portais eletrônicos como o Pub-Med e o Scielo, radation; Environmental Health Indicators; Envi- que abrangem uma produção significativa da área ronmental Health. biomédica e da saúde coletiva, apenas três artigos foram encontrados sobre o assunto (Briceño-León, 2007; Vicentin et al., 2003; Freitas; Giatti, 2009). Partindo da hipótese de que o modelo de desen- volvimento econômico adotado na Amazônia brasi- leira produziu mudanças ambientais significativas e não conseguiu afetar positivamente os indicado- res sociais e sanitários, este estudo tem por objetivo discutir os processos de determinação da situação socioambiental nos estados que compõem a Amazô- nia Legal, a partir de seus indicadores socioeconô- micos, ambientais e sanitários disponíveis. Sendo assim, a determinação socioambiental corresponde aos processos que, no nível das macropolíticas, moldam as estruturas de produção (bens e serviços) e distribuições de riquezas, simultaneamente con- formando os processos ambientais (ciclos do clima, das águas e dos solos, por exemplo) e a situação de saúde das populações (Sobral; Freitas, 2010). A escolha dessa região como objeto de análise justifica-se por apresentar particularidades ambien- tais (clima, ecossistemas e biodiversidade) e demo- gráficas (sociodiversidade com baixa densidade e população concentrada nas cidades) que, combina-

234 Saúde Soc. São Paulo, v.25, n.1, p.233-246, 2016 das com processos econômicos, como a agricultura Pesquisas Espaciais). A organização dos dados e extensiva, pecuária, exploração mineral, hidrelétri- discussão do estudo partiu da hipótese central do cas e indústrias, produzem efeitos nas condições de estudo apresentada na introdução, sendo observa- saúde das populações relacionadas ao seu modelo das as evoluções e comparações dos indicadores da de desenvolvimento (Freitas; Giatti, 2009). Amazônia brasileira (e seus estados) com os alcan- çados no país, como também as possibilidades de Material e métodos cruzamento entre os dados. A referência principal na coleta dos indicadores foi o ano do último Censo Este trabalho é uma análise de processos de de- Populacional (2010) realizado no país (IBGE, 2010), terminação da situação socioambiental e de saúde visando à construção de um quadro com dados dis- (fatores sociais, econômicos, culturais e ambien- tintos em sua origem, porém próximos em relação tais, entre outros que influenciam a ocorrência de aos anos de coleta. problemas de saúde na população), conforme Sobral Por fim, é importante considerar que, se por um e Freitas (2010), com a utilização de variáveis quan- lado, a sistematização e análise de dados secundários tificáveis (indicadores) e de revisão bibliográfica. e a construção de indicadores vêm sendo largamente A delimitação da área de estudo compreendeu a utilizada para análises globais (de países ou mesmo superfície total dos 9 estados que compõem a Ama- regiões), permitindo uma visão mais ampla sobre zônia Legal (, Amapá, Amazonas, , determinados temas, espaços geográficos e políticas Pará, Rondônia, , e Maranhão). públicas, por outro, apresenta limitações. A primeira Após essa etapa, foi realizada busca bibliográfica é que cada um dos dados utilizados foi coletado e nas bases SciELO e MEDLINE (PubMed) dos últi- construído a partir diferentes padrões de qualidade, mos 10 anos, utilizando-se como critério de busca validade, confiabilidade, cobertura, sensibilidade e os descritores (termos de busca) “saúde, ambiente especificidade, resultantes de um contexto em que há e desenvolvimento” e “Amazônia”. A busca serviu grande variabilidade local na capacidade de coletar para uma revisão que previamente identificou os dados e que interferem na qualidade dos dados. A temas que têm sido priorizados nas pesquisas sobre segunda é que, mesmo que os limites apontados an- as relações de saúde, ambiente e desenvolvimen- teriormente não existissem, cada indicador é, por sua to, com o objetivo de contextualizar e discutir os natureza, uma redução da complexidade a um único e indicadores. unidimensional valor (Van Bellen, 2005). Posteriormente, foram levantados dados e in- Essa característica de redução da realidade, toda- dicadores socioeconômicos, ambientais e de saúde via, constitui a potencialidade de síntese representada da região. A organização dos dados e indicadores pelos indicadores, o que contribui fundamentalmente teve por objetivo visualizar as possíveis relações para viabilizar estudos entre escalas ampliadas e per- e interações existentes entre os determinantes mite análises multidisciplinares (Van Bellen, 2005; socioeconômicos, as mudanças ambientais e seus Corvalán et al., 2000). No Brasil, há ampla tradição impactos na exposição e nos efeitos diretos sobre na produção de indicadores socioeconômicos e demo- a saúde das populações (Freitas; Giatti, 2009). gráficos, assim como indicadores de saúde. Alguns A coleta dos dados foi realizada eletronicamen- indicadores ambientais, como aqueles que requerem te via websites disponibilizados por instituições monitoramento de qualidade ambiental, são mais públicas brasileiras. Os indicadores de saúde fo- recentes e têm mais limitações. Porém, neste estudo, ram coletados na RIPSA (Rede Intergerencial de mesmo alguns indicadores ambientais, como aqueles Informações para o Setor Saúde), e os indicadores relacionados ao acesso à água e ao saneamento básico, econômicos e socioambientais nas publicações do são produzidos em base censitária e por isso possuem IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís- melhor qualidade, periodicidade e abrangência na- tica), PNUD (Programa das Nações Unidas para o cional (IBGE, 2012; Freitas; Giatti, 2009; Corvalán et Desenvolvimento) e INPE (Instituto Nacional de al., 2000).

Saúde Soc. São Paulo, v.25, n.1, p.233-246, 2016 235 Resultados Em 2011, o estado de Mato Grosso permaneceu com o maior PIB per capita da Amazônia. Para esse Indicadores socioeconômicos indicador, o destaque negativo ficou com o estado do Maranhão, que obteve o menor PIB per capita, classificando-se com o pior desempenho do país, No período de 2002 a 2011, com exceção do es- apesar de ser o 15º maior PIB e ter a décima maior po- tado do Amazonas, os estados da Amazônia Legal pulação brasileira. Os demais estados apresentaram apresentaram incremento superior a 200% no PIB per capita abaixo da média nacional (Tabela 1). É PIB (Produto Interno Bruto). No mesmo período, importante acrescentar que os consideráveis valores os estados da Amazônia elevaram sua contribui- do PIB atingidos pelos estados da Amazônia refletem ção ao PIB nacional, passando de 7% (2002) para o significativo crescimento da economia brasileira 13% (2011) . entre os anos, mesmo diante da crise econômica mundial intensificada durante o período (IBGE, 2013).

Tabela 1 – Indicadores Socioeconômicos. Brasil, Amazônia Legal

Redução do Crescimento Índice de Índice de em volume PIB índice de PIB 2002 PIB 2011 pobreza pobreza do PIB no per capita pobreza Região R$ R$ extrema extrema período de 2011 extrema 1.000.000 1.000.000 2000 2010 2002 a 2011 R$ 2000-2010 % % % % Brasil 1.346.028 4.143.013 207,8 21.535,65 12,48 6,62 -47,0% Amazônia 97.096 542.841 459,1w 21.019,26 20,76 13,00 -37,4% Legal Rondônia 7.284 27839 282,2 17.659,33 12,60 6,39 -49,3% Acre 2.259 8.794 289,3 11.782,59 22,99 15,59 -32,2% Amazonas 25.030 64.555 157,9 18.244,30 17,40 9,93 -42,9% Roraima 1.488 6.951 367,1 15.105,86 16,53 15,66 -5,3% Pará 25.530 88.371 246,1 11.493,73 22,89 15,90 -30,5% Amapá 2.652 8.968 238,2 13.105,24 27,13 16,43 -39,4% Tocantins 3.545 18.059 409,4 12.891,19 22,28 10,21 -54,2% Maranhão 11.420 52.187 357,0 7.852,71 37,21 22,47 -39,6% Mato Grosso 17.888 71.418 299,3 23.218,24 7,83 4,41 -43,7%

Fonte: RIPSA (2013); PNUD (2013). * PIB em valores correntes.

Entre 2000 e 2010, a pobreza extrema (per- teve um acréscimo de 0,143 pontos, superando centual da população com rendimento médio o crescimento do IDH do Brasil (Tabela 2). Cabe domiciliar per capita até um quarto do salário mí- apontar que os estados da Amazônia permaneceram nimo mensal) da Amazônia Legal apresentou-se entre os piores desempenhos do país. O estado do acima da média nacional, mesmo apresentando Maranhão, por exemplo, apresentou o 2º pior IDH uma redução de 37,4% abaixo da média nacional. estadual em 2010, mesmo tendo atingido um acrés- No ano de 2010, o estado de Mato Grosso atingiu cimo no período estudado de 0,163 pontos nesse o menor percentual nesse indicador. Já o estado indicador (PNUD, 2013). do Maranhão, permaneceu com o maior índice de Para a taxa de analfabetismo da população pobreza extrema da Amazônia e do país (Tabela 1). com 18 anos de idade ou mais, os estados da Ama- No mesmo período, o IDH (Índice de zônia apresentaram significativas quedas, com Desenvolvimento Humano) da Amazônia Legal percentuais acima dos 20% (Tabela 2). Os desem-

236 Saúde Soc. São Paulo, v.25, n.1, p.233-246, 2016 Tabela 2 – Indicadores de desenvolvimento humano e escolaridade. Brasil, Amazônia Legal

Taxa de Crescimento Taxa de Declínio da taxa IDH analfabetismo - 18 analfabetismo - Brasil IDH 2010 do IDH 2000- de analfabetismo 2000 anos ou mais 18 anos ou mais 2010 2000-2010 (%) 2000 (%) 2010 (%) Brasil 0,612 0,727 0,115 13,8 10,2 -26,3% Amazônia Legal 0,540 0,683 0,143 17,9 12,9 -28,0% Rondônia 0,537 0,690 0,153 13,6 9,4 -30,9% Acre 0,517 0,663 0,146 25,4 17,8 -30,1% Amazonas 0,515 0,674 0,159 16,2 10,5 -35,3% Roraima 0,598 0,707 0,109 14,0 11,0 -21,2% Pará 0,518 0,646 0,128 17,4 12,6 -27,6% Amapá 0,577 0,708 0,131 12,9 9,1 -29,3% Tocantins 0,525 0,699 0,174 19,6 14,1 -27,9% Maranhão 0,476 0,639 0,163 29,6 22,5 -24,1% Mato Grosso 0,601 0,725 0,124 12,6 9,1 -28,2% Fonte: RIPSA (2013); PNUD (2013).

penhos mais desfavoráveis no ranking nacional tagens sobre as áreas naturais, dos focos de calor foram alcançados pelos estados do Maranhão e do desmatamento acumulado na Amazônia atin- (4ª posição) e do Acre (7ª posição). Os estados giram os maiores indicadores no mesmo “arco do apresentaram ainda resultados adversos acima fogo”, com a clara coincidência entre a expansão da média nacional e da Amazônia Legal (Tabela da agricultura extensiva e o desmatamento com as 2) (PNUD, 2013). ocorrências de queimadas e uso de agrotóxicos (Ta- bela 3). No cruzamento dos indicadores ambientais Indicadores ambientais e de saneamento (taxa de desflorestamento e uso de agrotóxicos) com os indicadores sociais (pobreza extrema e evolução No espaço que envolve o Sul e o Leste da Amazô- do IDH) foram verificadas as seguintes discrepân- nia (estados de Rondônia, Mato Grosso, Tocantins, cias entre os indicadores nos períodos estudados: Maranhão e Pará) se expandem os focos de incên- 1) O estado de Mato Grosso, que atingiu o 3º maior dio, o desmatamento acumulado e a construção PIB e o IDH mais elevado da Amazônia no final do de rodovias, como também a expansão da área período em estudo, alcançou a segunda maior taxa plantada de culturas e a intensificação do consumo de desflorestamento e de uso de agrotóxicos, além de agrotóxicos (INPE, 2013; IBGE, 2012). Por essas da segunda menor evolução observada do IDH; 2) características, Becker (2009) denominou o espa- O estado do Pará, que atingiu o maior PIB, foi o ço de “o arco do fogo”. Em relação ao consumo de terceiro estado da região com o maior percentual agrotóxicos, os índices alcançados de uso dessas de população extremamente pobre, e apresentou o substâncias na região foram expressivos, corres- 2º pior IDH e a 4ª menor evolução neste indicador, pondendo a 18% do total nacional. Conforme os obtendo ainda a 3ª maior taxa de desflorestamento últimos dados divulgados pelo IBGE (ano de 2009), (Tabelas 1, 2 e 3). o estado do Mato Grosso alcançou o maior índice Em relação ao acesso aos serviços de saneamento nacional de consumo de agrotóxicos por hectare básico (abastecimento de água, esgotamento sani- de área cultivada na Amazônia Legal (IBGE, 2012) tário e a disposição, coleta e tratamento de resíduos (Tabela 3). sólidos), os estados da Amazônia seguiram a tendên- De acordo com os indicadores explorados, os cia nacional com incrementos positivos no período dados de crescimento das áreas de lavouras e pas- compreendido de 2000 a 2010. No ano de 2010, os

Saúde Soc. São Paulo, v.25, n.1, p.233-246, 2016 237 Tabela 3 – Indicadores ambientais e de saneamento. Brasil, Amazônia Legal (2006 e 2013)

Cobertura Participação Cobertura Taxa de domiciliar Cobertura das terras Consumo e Focos de domiciliar desflorestamento de acesso domiciliar em uso utilização calor e de acesso à acumulado à rede de coleta agropastoril de queimadas Região/UF* rede geral da superfície geral de de lixo na superfície agrotóxicos 2000 a de esgoto territorial 1991 a água 2010 territorial e afins 2009 2009 2010 2010 2010 % 2006* kg/ha und % % % % Brasil 83% 55% 87% - 26,47% 3,60 185.5412 Amazônia 60% 14% 71% 7% 13,41% 1,98 126.5856 Legal Rondônia 39% 6% 73% 20% 22,60% 2,70 93.884 Acre 47% 24% 75% 7% 8,02% 1,10 11.487 Amazonas 65% 26% 79% 1% 1,09% 0,20 21.767 Roraima 81% 15% 79% 2% 3,76% 1,80 17.196 Pará 48% 10% 71% 9% 10,44% 1,00 335.609 Amapá 55% 7% 89% 1% 2,98% 2,70 6.876 Tocantins 79% 13% 77% 2% 31,69% 2,10 122.537 Maranhão 66% 12% 56% 5% 24,94% 2,00 213.208 Mato 75% 19% 83% 13% 31,61% 4,30 443.292 Grosso

Fonte: INPE (2013); IBGE (2010). *Dados do último Censo Agropecuário (2006) realizado pelo IBGE. estados de Rondônia, Acre e Pará alcançaram os com a última Pesquisa Nacional de Saneamento menores indicadores de acesso ao abastecimento Básico (PNSB) (2008), entre os municípios que dis- de água por rede geral de água (Tabela 3). Cabe tribuíam água sem qualquer tipo de tratamento, ressaltar que, embora tenha ocorrido incremento destacaram-se os situados na região Norte (20,8% no acesso aos serviços de saneamento, o percentual dos municípios), onde se encontram 7 estados da de cobertura da Amazônia é bem abaixo do nacional Amazônia Legal. Nesse item, os estados do Pará (IBGE, 2010). (40,0%) e Amazonas (38,7%) apresentaram os per- O acesso dos domicílios ao esgotamento sani- centuais mais desfavoráveis (IBGE, 2008). tário por rede geral ainda é restrito na região, com Os mesmos estados foram aqueles em que apenas 14% do total de domicílios atendidos. Para mais de 40% dos municípios apontaram ocor- coleta de resíduos sólidos, o percentual de cobertura rências de racionamento no abastecimento. Os foi de 71% dos domicílios atendidos. À exceção do motivos mais frequentes apontados pelos mu- estado do Maranhão, em todos os demais estados nicípios para o racionamento foram: problemas da Amazônia Legal o percentual ficou acima de relacionados à seca/estiagem (50,5%); insufici- 70% (Tabela 3). ência de água no manancial (39,7%); deficiência Os avanços nos indicadores de acesso às ações na produção (34,5%); e deficiência na distribuição de saneamento na Amazônia são expressivos, prin- (29,2%) (IBGE, 2008). cipalmente no acesso aos serviços de abastecimen- Na destinação dos resíduos sólidos urbanos, to de água. Entretanto, quando se comparam esses também foi restrito o acesso ao destino adequa- indicadores com os das demais regiões, estados e do na Amazônia Legal, pois em mais de 70% dos municípios do país e analisa-se a qualidade dos municípios a disposição dos resíduos sólidos do- serviços prestados, observa-se que a região ainda miciliares e/ou públicos era realizada por meio de mantém um persistente quadro adverso. De acordo vazadouro a céu aberto (lixão) (IBGE, 2008).

238 Saúde Soc. São Paulo, v.25, n.1, p.233-246, 2016 Indicadores de saúde ações de saneamento básico e às grandes mudanças nos padrões reprodutivos que apresentaram quedas Freitas e Giatti (2009) apontaram que o quadro acentuadas nos níveis de fecundidade (RIPSA, 2013). de saúde dos estados da Amazônia é bastante he- Entre os anos de 1980 e 2010, por exemplo, a terogêneo, com uma expressividade dos óbitos por taxa de mortalidade infantil foi de 69,1 para 15,97 doenças infecciosas e parasitárias. Para esses agra- óbitos a cada mil crianças nascidas vivas (RIPSA, vos, os estados do Acre, Amazonas, Roraima, Pará 2013). No ano de 2010, os estados da Amazônia Legal e Maranhão alcançaram as maiores ocorrências do atingiram taxas entre 18 (Roraima) e 25,41 óbitos a país. Entretanto, já é possível observar a significa- cada mil crianças nascidas vidas (Amapá) (Tabela tiva ocorrência de óbitos por doenças do aparelho 4). Os estados do Amapá e Maranhão registraram os circulatório, em valores que coincidem com a al- resultados mais adversos do país. O estado do Ma- cançada nacionalmente. Outra questão importante ranhão, mesmo com os avanços positivos ao longo são os avanços nas notificações das causas externas das décadas, manteve a menor queda do percentual (lesões por acidentes e violências), primeira causa de nesse indicador (50%) (RIPSA, 2013). óbitos observada nos estados de Roraima e Amapá. Para as doenças relacionadas às condições adver- Para a taxa de mortalidade infantil, observou-se sas de saneamento, destacou-se a doença diarreica no país e na Amazônia Legal um consistente declínio aguda (DDA) em menores de cinco anos. No período a partir da década de 1970 relacionado à ampliação de 1998 a 2007, as taxas de internação hospitalar dos programas de saúde materno-infantil, principal- por 1.000 habitantes para DDA em menores de mente os voltados para o pré-natal, parto e puerpério; 5 anos demonstraram que existe uma tendência à ampliação da oferta de serviços médico-hospitala- de queda dessas internações na Amazônia Legal res em áreas do país até então bastante carentes; às (OPAS, 2010).

Tabela 4 – Coeficiente de Mortalidade Infantil, taxas de internação por DRSAI, IRA, e DDA no SUS em menores de 5 anos. Brasil, Amazônia Legal-2010

Taxa de Internação Taxa de Internação Taxa de Internação por Coeficiente de por Doenças Diarreicas por DRSAI no SUS em IRA no SUS em menores Região/UF Mortalidade Agudas no SUS em menores de 5 anos por de 5 anos por 1.000 mil Infantil menores de 5 anos por 1.000 habitantes habitantes 1000 habitantes

Brasil 15,97 21,99 46,21 8,89

Amazônia Legal 18,64 31,12 45,03 12,38 Rondônia 18,92 41,65 55,74 26,64 Acre 20,42 24,79 29,91 3,71 Amazonas 20,57 14,33 35,82 7,05 Roraima 18,00 28,44 42,93 16,19 Pará 21,46 54,92 60,65 21,6 Amapá 25,41 11,89 28,34 6,84 Tocantins 20,45 35,70 59,25 5,86 Maranhão 21,88 39,63 42,68 14,14

Mato Grosso 19,55 28,76 49,94 9,42

Fonte: RIPSA (2013).

Saúde Soc. São Paulo, v.25, n.1, p.233-246, 2016 239 No entanto, conforme os dados do ano de 2010, Para a malária, os estados que alcançaram os maio- os estados da Amazônia Legal ainda mantêm indica- res valores para o Índice Parasitário Anual (IPA), dores preocupantes de ocorrências nesse indicador, no período de 1990 a 2010, foram o Acre, Roraima, representando 30% do total dessas internações no Rondônia, Amazonas e Amapá (OPAS, 2010; Freitas; país. As maiores ocorrências foram encontradas nos Giatti, 2009) (Tabela 5). estados do Amapá e Maranhão. Cabe apontar que, para Segundo os dados de 2010, a taxa de incidência as doenças relacionadas ao saneamento inadequado de leishmaniose tegumentar americana para a (DRSAI), os estados que compõem a Amazônia Legal Amazônia foi de 70,26 casos confirmados a cada também alcançaram as maiores ocorrências do país. cem mil habitantes. Nos estados do Acre, Roraima, Em 2010, os estados do Pará, Rondônia e Maranhão Mato Grosso, Amapá e Rondônia foram registrados atingiram as maiores taxas de internação no SUS de os maiores coeficientes no mesmo ano (Tabela 5). menores de 5 anos por 1.000 habitantes das DRSAI A leishmaniose visceral vem expandindo nos esta- no nível nacional (Tabela 4), com as mesmas posições dos que fazem parte da Amazônia Legal. Até a década observadas no período de 1998 a 2009 (RIPSA, 2013). de 1990, os estados da região Nordeste atingiram 90% No cruzamento dos indicadores sociais (pobreza dos casos do país, mas os estados do Tocantins, Ma- extrema, taxa de analfabetismo e IDH) no ano de ranhão e Pará vêm progressivamente apresentando 2010 com as taxas de internação por DDA e DRSAI, taxas significativas ao longo dos anos, o que vem a verificou-se que o estado do Maranhão, que apresen- corroborar a expansão da leishmaniose visceral na tou o pior desempenho nos indicadores IDH, taxa de região amazônica ( et al., 2008). No ano de 2010, analfabetismo e pobreza extrema, obteve a 3ª maior por exemplo, esses estados apresentaram as maiores taxa de internação das DRSAI e a 4ª maior taxa para taxas de incidência da Amazônia Legal (Tabela 5). as DDA. O estado do Pará, que atingiu o 2º pior de- Entre as doenças diretamente ligadas às condi- sempenho para o IDH e a 4ª taxa de analfabetismo, ções de vida e às deficiências nutricionais, mere- alcançou a 2ª maior taxa de internação por DDA e a cem citação a hanseníase e a tuberculose em razão maior taxa para as DRSAI (Tabelas 2 e 3). dos indicadores atingidos na região. Conforme o Para as internações por infecção respiratória coeficiente de detecção da hanseníase por 100.000 aguda (IRA) em menores de cinco anos, no período habitantes para o ano de 2010, os estados do Mato de 1998 a 2010, os dados dos estados da Amazônia Grosso, Tocantins, Maranhão e Rondônia apre- Legal não apresentaram muitas variações em rela- sentaram os maiores resultados do país. As taxas ção à média nacional, com destaque somente para o confirmaram esses estados como hiperendêmicos Mato Grosso e Pará (OPAS, 2010). Em 2010, o mesmo (Tabela 5). Em estudos desenvolvidos em diversos perfil observado ao longo dos anos foi verificado na municípios da Amazônia, a hanseníase atingiu taxa de incidência por IRA em menores de 5 anos um caráter hiperendêmico, alcançando, no século nos estados da Amazônia, que alcançaram taxas XXI, taxas de prevalência superiores a 20 casos que variavam entre 28,34 e 60,65 internações por por 10.000 habitantes. A partir do ano de 2001, 1.000 habitantes (Tabela 4). municípios do Maranhão têm apresentado taxas As doenças consideradas endêmicas na região superiores a 60 por 100 mil habitantes, ou seja, as amazônica, como a malária e a leishmaniose tegu- maiores taxas municipais da Amazônia (Aquino et mentar americana, têm relação direta com os proces- al., 2003; Figueiredo; Moura da Silva, 2003). sos antrópicos que promovem alterações ambientais Em 2010, as taxas de incidência de tuberculose (como o desmatamento, os fluxos migratórios, a por 100.000 habitantes nos estados da Amazônia abertura de estradas, a agricultura, a pecuária ex- Legal situavam Amazonas, Pará, Acre, Mato Grosso tensiva e a ocupação urbana sobre áreas de florestas e Maranhão com as maiores incidências (Tabela nativas), as variações sazonais e a suscetibilidade da 5). No nível nacional, os estados do Amazonas e do população (Martins et al., 2004). Essa relação direta Pará apresentaram, respectivamente, o segundo e o explica a variabilidade da morbidade dos agravos. quarto maiores indicadores (RIPSA, 2013).

240 Saúde Soc. São Paulo, v.25, n.1, p.233-246, 2016 Tabela 5 – Taxa de Incidência de Dengue, leishmaniose tegumentar americana, leishmaniose visceral e tuber- culose, coeficiente de detecção de hanseníase, Índice Parasitário Anual (IPA) na Amazônia Legal, Brasil (2010) Taxa de Taxa de Taxa de IPA (Índice Taxa de incidência Coeficiente incidência de incidência Parasitário incidência leishmaniose de leishmaniose de Anual): exames Região/UF de dengue tegumentar hanseníase visceral por tuberculose positivos de por 100.000 americana (LTA) por 100.000 100.000 mil por 100.000 malária por 1.000 habitantes por 100.000 habitantes habitantes habitantes habitantes habitantes Brasil 514,09 11,59 1,8 37,57 18,75 1,71 Amazônia Legal 1057,37 70,26 4,56 29,04 49,26 19,81 Rondônia 1307,66 59,97 - 29,95 58,82 27,53 Acre 4741,68 141,64 - 41,99 34,22 49,44 Amazonas 277,76 32,46 - 66.73 20,58 21,25 Roraima 1638,26 140,07 3,55 28,86 32,63 42,34 Pará 194,99 31,78 4,05 47,57 49,43 18,02 Amapá 474,96 68,26 - 28,68 21,06 18,61 Tocantins 637,32 40,62 25,15 13,44 79,06 0,01 Maranhão 87,59 38,04 6,51 32,14 62,45 0,36 Mato Grosso 156,13 79,54 1,75 38,71 85,07 0,72

Fonte: RIPSA (2013).

Discussão didos na região Amazônica geraram transformações ambientais com riscos à saúde humana. Nesse A inserção da Amazônia em projetos nacionais aspecto, podemos citar: a poluição de corpos d’água de desenvolvimento econômico foi recorrente em pelo mercúrio dos garimpos; a contaminação micro- diferentes momentos de sua história, como no caso biana pelas deficiências de saneamento nas cidades; da exploração das “drogas do sertão” (especiarias, as afecções respiratórias causadas pela fumaça das frutas, sementes, raízes, entre outros produtos típi- queimadas pós-desmatamento; as alterações locais cos da região) e do “ciclo da borracha” (1879/1912 e dos ciclos hidrológicos que proporcionam potenciais 1942/1945). Desde a década de 1970 até a atualidade criadouros de mosquitos etc. podem ser citadas como frentes de expansão econô- Segundo Rojas e Toledo (1998), a historicidade mica na região: a exploração mineral, o agronegócio, das doenças consideradas endêmicas na região a mineração, o garimpo e os grandes empreendimen- amazônica, como a malária, a hanseníase e a tuber- tos (como as hidrelétricas), além da Zona Franca culose, mantém estreita relação com as alterações e do Polo Industrial de (Monteiro, 2005). demográficas, ecológicas, socioeconômicas e cul- Tal modelo de desenvolvimento promoveu pro- turais ocorridas na região, o que determina uma fundas mudanças na dinâmica da região e alterou contínua reorganização de seu espaço geográfico e estruturalmente o antigo padrão secular de ocupa- altera os processos de reprodução dessas endemias. ção, baseado na baixa densidade demográfica, no Por sua vez, a dinâmica de ocupação e a exploração extrativismo de subsistência e na circulação fluvial da região promoveram alterações nas dinâmicas dos (Castro, 2012; Becker, 2009; Sathler et al., 2009). ecossistemas naturais, antropização da paisagem e ur- Confalonieri (2005) e Netto et al. (2010) adverti- banização, possibilitando a invasão do habitat natural ram que os processos de desenvolvimento empreen- desses animais, além dos riscos maiores de emergên-

Saúde Soc. São Paulo, v.25, n.1, p.233-246, 2016 241 cia e reermegência de processos infecciosos (Paraná e os resultados mais desfavoráveis nas taxas de des- et al., 2008; Vasconcelos, 2006; Confalonieri, 2005). florestamento e uso de agrotóxicos, além da menor Diante desse cenário complexo e a partir dos evolução no IDH. O estado do Pará, que atingiu o diferentes indicadores analisados, é possível produ- maior PIB, apresentou 22,89% da população em zir algumas reflexões sobre o que se pode chamar situação de extrema pobreza e alta taxa de desflo- de cenário socioambiental e sanitário da região restamento (Tabelas 1, 2 e 3). amazônica, identificando suas vulnerabilidades. De Desse modo, apesar do aumento considerável da modo geral, seguindo uma tendência nacional, todos riqueza produzida na região amazônica nas últimas os estados da Amazônia sofreram, nas duas últimas décadas, tal desempenho também não será obser- décadas, incrementos e avanços nos indicadores vado nos indicadores de saneamento para a região econômicos, sociais e de qualidade de vida. sob a mesma dinâmica. Trata-se de uma política Cabe apontar que, a despeito dos incrementos pública essencial para a saúde das populações que, alcançados nos indicadores econômicos, esse no entanto, têm o acesso às ações de saneamento alcance não fez com que os estados tivessem um ainda limitado. Conforme os dados aqui analisados, desempenho compatível com os indicadores sociais os estados da Amazônia tinham os indicadores de em comparação com os demais estados do país. acesso ao abastecimento de água mais desfavorá- Nesse ínterim, o estado do Maranhão apresentou os veis do país, mesmo com seu potencial hídrico. indicadores sociais mais adversos do país, atingindo Tal distribuição desigual dos serviços de sane- o pior índice de pobreza extrema, 2º IDH mais desfa- amento no nível nacional pode ser decorrente das vorável e a 4ª maior taxa de analfabetismo. profundas desigualdades sociais ainda existentes Quanto aos indicadores ambientais, vê-se a clara no país, possibilidade corroborada pelos dados de tendência de os estados que compõem o “arco do acesso aos serviços de saneamento básico do Censo fogo” terem apresentado os índices mais desfavo- de 2010 e da PNSB de 2008. Segundo os dados, 77,50% ráveis, resultantes do avanço do desmatamento, do desses serviços foram disponibilizados aos usuários agronegócio (principalmente da soja), da pecuária que possuíam rendimento domiciliar acima de dois extensiva e das queimadas, que acompanham tais salários mínimos. Os domicílios que possuíam renda frentes econômicas (Waichman, 2008). Em estados total de até ½ salário mínimo eram atendidos por ape- como o Pará, Mato Grosso e Maranhão foram regis- nas 41,3% dos serviços de saneamento (IBGE, 2010). tradas as mais altas taxas de desmatamento e de Assim, os estados da Amazônia atingiram os re- focos de calor do país. sultados mais desfavoráveis nos indicadores sociais Essa situação é motivo de grande preocupação, e sanitários no âmbito nacional, expressando de mediante a perspectiva de que o desenvolvimento alguma forma exclusão da população. Essa desigual- econômico praticado na região, que promoveu dade de acesso aos serviços de saneamento é tam- rápidas e profundas alterações nas dinâmicas dos bém observada quando comparados os municípios ecossistemas (principalmente pelo desmatamento), da região com o restante do país. Ressalta-se que caracterizar-se como insustentável por possibilitar os dados adversos de acessibilidade aos serviços de uma elevação dos indicadores sociais durante a as- saneamento inadequado são compatíveis com os in- censão da ocupação e, posteriormente, queda dos re- dicadores adversos de prevalência e incidência das sultados ao final do processo de desmatamento nas doenças relacionadas ao saneamento inadequado e localidades da Amazônia (Rodrigues et al., 2009). das doenças diarreicas agudas. De acordo com os cruzamentos de indicadores O cruzamento dos dados sinalizou ainda situa- realizados, a evolução nos indicadores econômicos ções antagônicas de desempenho entre indicadores (PIB e PIB per capita) não foi observada nos indi- econômicos, sociais e as taxas de internação. O esta- cadores ambientais (taxa de desflorestamento e do do Pará, por exemplo, que apresentou maior PIB uso de agrotóxicos). O estado do Mato Grosso, por da Amazônia Legal, obteve resultados desfavoráveis exemplo, obteve o segundo maior PIB da Amazônia nos indicadores IDH, pobreza, nas taxas de analfabe-

242 Saúde Soc. São Paulo, v.25, n.1, p.233-246, 2016 tismo e de internação por doenças diarreicas agudas Ressalta-se que na Amazônia Legal se encontram e das relacionadas ao saneamento. Já o estado do historicamente as maiores taxas de incidência e Maranhão apresentou evolução nos indicadores prevalência da tuberculose em nível municipal. Essa econômicos, mas não conseguiu superar os dados condição levou, a partir de 2003, a região Norte a ser adversos de pobreza extrema, IDH e escolaridade considerada como prioritária no Programa Nacional (taxa de analfabetismo), que se mostraram compa- de Controle de Tuberculose devido às persistentes tíveis com os as taxas de internação pelas DRSAI e taxas de incidência e prevalência atingidas ao longo por DDA (Tabelas 1, 2 e 4). das décadas, que podem ser atribuídas, entre outros A taxa de mortalidade infantil para os esta- determinantes, à precariedade das condições de dos da Amazônia seguiu a tendência de redução vida, às deficiências de organização e acessibilidade crescente observada no nível nacional, entretanto da população ao Sistema Único de Saúde (Levino; ainda permanece entre as maiores do país. Nessa Oliveira, 2008). questão, Szwarcwald et al. (2002) verificaram que Outros aspectos da saúde das populações ama- 35% da população da região Norte possui as maio- zônicas foram assinalados por Alencar et al. (2007), res ocorrências de sub-registro de óbitos. Segundo que alertam sobre a exclusão da região Norte rural os autores, tais ocorrências têm relação com os do cenário epidemiológico nacional, com um imenso sepultamentos nos cemitérios clandestinos sem a vazio de informações científicas das condições de exigência da certidão de óbito, associados à pobreza saúde, nutrição e sobrevivência nas pesquisas de na área rural. abrangência nacional desenvolvidas por órgãos Em relação à hanseníase e à tuberculose, doen- oficiais do governo. Observando tais lacunas de ças diretamente relacionadas às precárias condi- informação, o autor baseia a análise evolutiva ções de vida da população, os indicadores apresen- das pesquisas realizadas no estado do Amazonas tados corroboraram as pesquisas já existentes sobre nas últimas décadas, sugerindo a persistência de esses agravos na região (Campos et al., 2014). Assim, um quadro de insegurança alimentar evidenciada as áreas consideradas endêmicas para hanseníase por elevadas prevalências de desnutrição infantil, compreendem desde o estado de Rondônia, Norte anemia ferropriva e hipovitaminose A, agravadas e Centro de Mato Grosso, Sul do Pará, Noroeste de pela alta frequência de infecções por parasitose Tocantins, até o extremo Oeste do Maranhão. Essa gastrointestinal. área corresponde ao “arco do fogo” da Amazônia Desse modo, cabe ilustrar, nesse complexo Legal. O estado do Maranhão destaca-se por apre- quadro de saúde, que ocorrem na população sentar taxas consideravelmente mais altas que os amazônica 98% dos casos de malária e 35% dos demais estados (Silva et al., 2010). casos de hanseníase do país, havendo áreas Os estados da Amazônia também apresentaram consideradas hiperendêmicas para as hepatites altas taxas de incidência de tuberculose, o que pode virais fulminantes. Na Amazônia, reermergiram ser atribuído ao longo histórico de endemicidade ainda, em meados da década de 1990, doenças na região e à persistência da pobreza, do precário como a cólera e a dengue. No entanto, as doenças acesso às ações de saneamento e dos indicadores crônico-degenerativas apresentaram um perfil negativos de qualidade de vida, de forma geral. muito semelhante ao restante do país (Confalo- Pesquisas realizadas entre populações indígenas nieri, 2005; Freitas; Giatti, 2009). da Amazônia apontaram que as taxas de incidência É a partir dessa reflexão que se busca entender da tuberculose nessas populações podem ser até dez os indicadores e estudos aqui apontados como vezes maiores que na população brasileira em geral, reveladores da vulnerabilidade da população que com o risco de adoecimento e de morte expressiva- compõe a Amazônia brasileira, diante de um modelo mente alto (Levino; Oliveira, 2008). de desenvolvimento desenhado para a região que Tais achados fornecem subsídios para se en- produziu desigualdades sociais e efeitos negativos tender a dinâmica da doença na região amazônica. no seu quadro ambiental e sanitário.

Saúde Soc. São Paulo, v.25, n.1, p.233-246, 2016 243 Conclusão bém pelas mudanças nos padrões de vida; acidentes de trânsito resultantes de um precário processo de O modelo de desenvolvimento implantado na urbanização; violência nas cidades e no campo em Amazônia promoveu profundas mudanças na dinâ- uma Amazônia estruturalmente desigual e caracte- mica da região e alterou estruturalmente o antigo rizada por situações de conflito. padrão secular de ocupação (Becker, 2005; Sathler Assim, o importante debate atual sobre a Ama- et al., 2009). Se, por um lado, pode-se considerar zônia, os modelos de desenvolvimento econômico e que resultou na melhoria de alguns dos indicadores seus custos ambientais não podem estar dissociados econômicos e sociais, por outro, persistem imensas das discussões e análises das condições de vida da desigualdades e efeitos negativos no quadro am- população da região, crescentemente urbanizada biental e sanitário, tornando mais vulneráveis de- e vivendo cotidianamente com a sobreposição de terminados grupos populacionais (os mais pobres) riscos ambientais e de saúde. e determinadas áreas (as da expansão agropastoril, Neste artigo foi construído um amplo mosaico de extração mineral e madeireira, além das áreas de indicadores sobre desenvolvimento, ambiente e saúde urbanização e industrialização). em uma grande e diversificada região do país, o que Rodrigues et al. (2009), ao comparar o IDH com constitui um desafio neste tipo de estudo. No entanto, os indicadores de desmatamento de 286 municípios não se pode deixar de apontar os limites existentes da Amazônia brasileira, observaram que no estágio neste trabalho ao considerar que a amplitude e hete- inicial das frentes de expansão econômicas (agri- rogeneidade da Amazônia exigem que se considere cultura extensiva, pecuária e exploração mineral, diferentes padrões de situações geográficas e de saúde, entre outras) há um relativo incremento no IDH e que resultam em diferentes modos de uso e ocupação aumento do desmatamento. Após esse estágio, o do espaço e suas histórias. Nesse processo de tensões, IDH iniciou um processo de declínio e sua evolução mediações e combinações entre o geral e o particular, permaneceu em níveis mais baixos, fase em que as vale lembrar importantes esforços nessa direção, frentes de expansão já se estabeleceram nos muni- realizados na forma de livros, como os organizados cípios. Esta pesquisa aponta para a insustentabili- por Rojas e Toledo (1998), bem como o mais recente dade desse modelo de desenvolvimento, que produz organizado por Oliveira (2014), ou mesmo na forma ganhos sociais que declinam quando se esgotam os de artigos, como o de Viana et al. (2007). Com este ar- recursos naturais. tigo, esperamos contribuir para o debate sobre essas Em relação aos aspectos de saúde da população, tensões e mediações, sem perder de vista o debate considerando a análise e discussão realizadas neste mais geral sobre o modelo de desenvolvimento e seus artigo, os resultados revelaram que as principais impactos sobre o ambiente e a saúde na Amazônia. mudanças sociais e ambientais que vêm ocorrendo na Amazônia contribuem para o surgimento de um Referências quadro sanitário bastante complexo, sobrepondo os ALENCAR, F. H. et al. Determinantes e riscos de doenças e agravos. Esse quadro revela a consequências da insegurança alimentar no expressividade das doenças infecciosas e parasitá- Amazonas: a influência dos ecossistemas.Acta rias, com a emergência e reemergência de algumas, Amazônica, Manaus, v. 37, n. 3, p. 413-418, 2007. provocadas pelas profundas alterações nos ciclos de vetores e de agentes etiológicos (Freitas; Giatti, 2009). AQUINO, D. M. C. et al. Perfil dos pacientes com Desse modo, tal situação de saúde encontra-se hanseníase em área hiperendêmica da Amazônia combinada com: precárias condições de saneamen- do Maranhão, Brasil. Revista da Sociedade to; doenças respiratórias provocadas pelas quei- Brasileira de Medicina Tropical, Uberaba, v. 36, n. madas; doenças crônico-degenerativas provocadas 1, p. 57-64, 2003. tanto pela contaminação química resultante do uso BECKER, B. K. Geopolítica da Amazônia. Estudos intensivo de agrotóxicos e do mercúrio, como tam- Avançados, São Paulo, v. 19, n. 53, p. 71-76,2009.

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Contribuição dos autores Todos os autores foram responsáveis pela concepção, elaboração e revisão do artigo.

Recebido: 22/09/2014 Reapresentado: 23/06/2015 Aprovado: 02/07/2015

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