RÁDIO FARROUPILHA, TÉCNICA, MODERNIDADE E CRISE POLÍTICA

Sérgio Endler Unisinos - RS Mestre em Teoria Literária PUC -RS

O presente trabalho é um ensaio oportunizado pela pesquisa denominada Rádio Farroupilha: um estudo da programação, produção e técnica radiofônica no , vinculada ao Centro de Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

Já pertence mesmo ao senso-comum a idéia de que a história do rádio no Brasil ainda está por ser construída. A pesquisa maior centrada na história da Rádio Farroupilha tenta, pois, parcialmente, suprir uma lacuna em nível regional. Já o presente ensaio, de modo ainda mais restrito e precário, tenta lançar questões e problemas sobre a relação entre política, sociedade, cultura e radialismo.

Pelo exposto e já sabido, somos quase forçados a reconhecer que o relato da sucessão cronológica dos fatos já significaria algum avanço. Mas, reconhecendo que até a cronologia é falha, ousamos sugerir um salto. A opção, aqui, é pela história enquanto problema, ou melhor, série de problemas. A história é problema enquanto constatação da brutalidade das relações estruturais. E é, igualmente, problema enquanto relato e formulação discursiva em nível simbólico e interpretativo da realidade.

Diante da impossibilidade de construir uma síntese, optamos pela análise. Em detrimento do modo monográfico, escolhemos a saída ensaística. Igualmente, numa inspiração centrada em Walter Benjamin, perseguimos a aproximação entre história e arqueologia, onde cada fenômeno do passado clama pela análise do presente e onde o fato remoto e canonizado deve ser raspado pela espátula crítica em busca de algum esclarecimento. A história é prólogo, disse o poeta. E, tendo esta afirmação alguma verdade, podemos, então, pelo menos, iniciar.

I

A Rádio Farroupilha surge, à época, como a mais potente emissora da América Latina. Em 1935, já nasce em canal exclusivo internacional. E, logo, a potência da rádio será sinônimo de ameaça à política personalista, centralizadora e autoritária do primeiro governo de Getúlio Vargas. O contexto nacional e regional é modernizante e desenvolvimentista. Ali, a criação da Rádio Farroupilha por , então governador eleito do Rio Grande do Sul, significa palanque eleitoral em potência. A crise política travada entre Flores, ex-líder regional da Revolução de 30, e Getúlio Vargas é acrescida pela importância técnica do veículo. Em 1935, o Brasil prepara-se para nova eleição presidencial.

Por que implantar esta rádio? O que deseja Flores da Cunha? Qual é o futuro do antigo caudilho, agora, tão interessado em implantar jornais e emissora? Estas são algumas perguntas que mobilizam Getúlio Vargas, já entronizado presidente pela Revolução de 30 e, logo, ditador a decretar o Estado Novo.

II

Biógrafos e historiadores profissionais têm estabelecido, ao longo do tempo, estudos sistematizados e perfis diversos de Flores da Cunha. (1) Nestas obras, em resumo, podemos encontrar relatos dos feitos e eventos envolvendo Flores, acrescidos de estudos mais ou menos ricos abordando a realidade histórica gaúcha e brasileira.

Ali, está configurado o nascimento de José Antônio Flores da Cunha, na fazenda São Miguel, em -RS, em 5 de março de 1880. Torna-se advogado, administrador, revolucionário, deputado, interventor e governador. Em 1902, é delegado de polícia no Rio de Janeiro. Em 1912, ingressa pela primeira vez na Câmara dos Deputados, eleito pelo estado do Ceará, sem nunca ter pisado em solo cearense. Em 1923, já está no sul onde defende Borges de Medeiros, em revolução. No ano seguinte, Flores defronta-se com nova luta tenentista chefiada por Honório Lemes. Em 30, Flores da Cunha luta para derrubar a República Velha, ao lado de Getúlio Vargas. Vitoriosa a Revolução, Flores é nomeado interventor federal no Rio Grande do Sul. Ele já fôra senador eleito em 1928. Em 1932, enfrenta os constitucionalistas paulistas e funda o Partido Republicano Liberal. Em 34, recebe o título de general de divisão. Em 1935, torna-se o primeiro governador eleito pela Assembléia Constituinte do Rio Grande do Sul, no mesmo ano em que coloca no ar a Rádio Farroupilha. Érico Veríssimo, na condição de "inventor de ficções", chega a afirmar que "Flores é uma vida que está clamando por um biógrafo". (2)

Como governador eleito gaúcho, Flores empreende gestão modernizante ao criar a Universidade de , centrada na escola de Engenharia e Medicina. Cria a secretaria de Educação, a secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio e o Instituto de Previdência do Estado, além de organizar o Estatuto dos Funcionários Públicos. Nos transportes, desenvolve a Viação Férrea e cria a Frota Riograndense de navios.

Se a historiografia erguida em torno de Flores está suprida quanto à reconstituição dos feitos, revela-se em lacuna quanto às investidas do personagem em direção à estruturação de veículos de comunicação social. Ainda assim, através destes estudos, pode-se resgatar e destacar dois episódios importantes. Como governante, Flores cria Imprensa Oficial, em 1934 e faz circular o jornal A Federação (1884) como órgão de publicidade e propaganda. Já no ano seguinte, faz circular o Diário Oficial. (3)

As atividades de Flores da Cunha no campo da imprensa escrita e do radialismo ganham maior relevo nas obras específicas sobre os meios de comunicação. Assim, as lacunas deixadas pelos estudos históricos e biográficos, em si, deverão ser completadas pelos estudos sobre comunicação social. Entretanto, ainda aqui, para podermos configurar a Flores da Cunha como gestor estatal interessado em apropriar-se da comunicação social e, ao mesmo tempo, como empresário importante do setor, precisamos fazer aproximações.

Em Tendências do jornalismo (4), é recuperado o momento de criação da Cia. Jornalística Rio-grandense. Francisco Rudiger salienta que, numa conjuntura de estruturação do jornalismo moderno informativo, Ângelo Flores da Cunha, irmão do governador, "concebe" o sonho de se tornar novo magnata da imprensa. Segundo o autor, a empresa é dotada dos melhores equipamentos disponíveis à época. É erguido um parque gráfico com oito linotipos e rotativa com capacidade de 20 mil exemplares/hora. Além do Jornal da Manhã (1930-37), a empresa lança o Jornal da Noite, para suprir a carência de um jornal vespertino. Adiante, Rudiger alude ao apoio irrestrito destes jornais de Ângelo ao irmão e governador José Antônio Flores da Cunha.

Em conclusão, podemos afirmar que, ao aproximar-se o ano de surgimento da Rádio Farroupilha, Flores da Cunha controla a Cia. Jornalística Rio-grandense, por iniciativa privada, e A Federação, como governador, além do Diário Oficial. Por isso, manterá com Breno Caldas, à época empresário hegemônico da imprensa gaúcha, tanto a disputa de mercado quanto a censura política aos jornais do adversário. Confrontados política e empresarialmente no Sul, Flores e Breno Caldas estão juntos no apoio a Vargas no cenário nacional.

III

A Revolução de 30, marco de transição entre o estado arcaico e o estado moderno, é produto de uma aliança política heterogênea que submete as diversas oligarquias regionais. Economicamente, tenta substituir a herança da elite agro-exportadora por agentes urbano-industriais. Ao nível ideológico, promove a idéia de um novo nacionalismo, com as Forças Armadas passando a merecer destaque à parte no capítulo referente à Segurança Nacional. Com o chamado "Estado de Compromisso", segundo Luiz Roberto Lopez, o "povo" passou a ser um componente da ação política. Não se tratava do "povo no governo", mas da ação do Estado que equilibrava reformismo social e defesa dos interesses da elite. Se a industrialização é, aqui, uma inovação econômica, logo, o populismo será uma inovação política correlata. Na gerência de ambos os fenômenos está o Estado autoritário e não-democrático. O desenvolvimento econômico restrito e inconcluso deve-se, sobretudo, à dependência tecnológica e financeira em relação ao exterior. Num primeiro momento, a industrialização brasileira centrada na substituição de importações evolui, somente no setor de bens de consumo não-duráveis. Já o setor de bens duráveis (eletrodomésticos, automóveis) não tem maior pujança. (5) Se o crescimento urbano- industrial é restrito, deve-se ao mesmo, no entanto, o desenvolvimento do rádio.

No Rio Grande do Sul, destaca-se o trabalho pioneiro do italiano Savério Leonetti. A partir da Casa A Elétrica, onde vendia lâmpadas, Leonetti passa a fabricar gramofones e discos, em meados da década de 10, quando estes produtos eram importados por custo elevado e caros. Segundo pesquisas de Paixão Côrtes, o selo Discos Gaúchos criado por Leonetti reuniu mais de mil títulos diferentes, todos gravados e prensados em Porto Alegre. (6) As primeiras emissoras de rádio instaladas na capital gaúcha, igualmente, terão suas existências vinculadas ao disco e ao comércio de elétrodomésticos. Em 1927, nasce a Rádio Gaúcha, através da associação entre Arthur Pizzolli e Francisco Garcia de Garcia. Pizzolli é proprietário da Casa Coates e Garcia de Garcia dirige a Casa Victor, ambas dedicadas à venda de fonógrafos e discos. Enquanto Garcia de Garcia associa-se a Breno Caldas no comando da Rádio Gaúcha, Pizzolli rompe a sociedade e funda, já em 1934, a Rádio Difusora.

Para administrar a Farroupilha, terceira emissora de Porto Alegre, Flores da Cunha nomeia ao filho, Luís, e a Arnaldo Balvé, contratado junto à Rádio Gaúcha. Um ano antes da rádio entrar no ar, Flores e Balvé contatam empresa argentina na busca por melhor equipamento.

Segundo Doris Haussen, a indústria rádio-elétrica argentina, no período, atinge desenvolvimento autônomo importante. (7) Conforme Ricardo Gallo, os aparelhos receptores era fabricados por empresas locais. (8) Em 1933, é criada a Saira, empresa que fabrica válvulas com qualidade similar às importadas.

Em 12 de junho de 1934, Flores e Balvé assinam contrato com a Rádio Prieto Sociedade Anônima, em Buenos Aires, para a aquisição de uma estação radiodifusora. O transmissor da estação é construído pelo engenheiro norte-americano Elliot Bard e tem potência de 25 quilowatts. À época, as estações de onda larga não possuíam força maior do que 1 quilowatt. Para a instalação daquela que será a mais potente emissora de broadcastig da América Latina, é construído um prédio no bairro Mont Serrat, ficando os estúdios instalados na rua Duque de Caxias, Nº. 1304, nos altos do Viaduto Otávio Rocha. (9)

Em 18 de março de 1935, é constituída a Rádio Sociedade Farroupilha Ltda, o Canal Internacional Exclusivo, sociedade por cotas, de responsabilidade limitada, com capital inicial de 100 contos de réis. Inicialmente, a sociedade é estabelecida entre Arnaldo Balvé e Paulo da Rocha Gomes. Posteriormente, a sociedade é modificada, figurando como sócios José Antônio Flores da Cunha, seu filho Luiz Guerra Flores da Cunha e, ainda, Arnaldo Balvé.

No dia 24 de julho, em anúncio estampado na capa de A Federação, a Rádio Sociedade Farroupilha, P.R.H. 2 " comunica aos seus amáveis ouvintes que não lhe sendo possível dispôr do Theatro São Pedro, e estando já ultimadas as instalações técnicas dos seus estúdios, apresentar-se-á hoje em irradiação inaugural para todos os céus da América. Sintonize, pois, a voz potente do Brasil, realizando diretamente dos seus estúdios a sua primeira irradiação oficial ".

Segundo, ainda, A Federação, os jornais do Rio de Janeiro noticiam, no dia, a inauguração da Farroupilha, convidando " todo o Brasil a ouvi-la, acrescentando ser este mais um laço que une os brasileiros de sul ao norte ".

No prédio nº. 1304 da rua Duque de Caxias são instalados megafones em frente ao edifício onde a Farroupilha entra no ar naquele 24 de julho, às 20 horas. O locutor Arlindo Príncipe faz a apresentação da emissora e de seu elenco. A locução é precedida pela execução da "Ave Maria", de Schubert, interpretada pela Orquestra Sinfônica da emissora, com 24 integrantes e pelo Trio Schubert. A seguir, fala o general Flores da Cunha. Após, o diretor regional dos Correios, Aparício Castelo Branco, declara, oficialmente, inaugurada a "voz possante do Brasil". Cônsules de Portugal, Argentina, Espanha, Itália e Uruguai transmitem mensagens aos radioescutas compatriotas. A orquestra internacional da emissora executa o Hino Nacional e o Hino Rio-grandense.

Mas, as grandes atrações da noite são Carmen Miranda e Mario Reis, vindos do Rio, para apresentação na inauguração. A Farroupilha apresenta ao público, ainda, sua Orquestra Típica e Jazz Band, dirigida pelo maestro Paulo Coelho, além de nova apresentação da Sinfônica, dirigida pelo maestro Geyer. Naquela noite, apresenta-se, ainda, a contralto Véra Franzel Peyser, Hildegard Heinitz, Elsa Tschoepke, Véra Regina, Rudolf Meyer, Hans Prager, R. Fossati, Alcides Gonçalves e Herman Weil.

Getúlio Vargas não está em Porto Alegre para a inauguração. No dia seguinte à festa da Farroupilha, Flores anuncia, na capa de A Federação, que está de viagem marcada para a capital do país. Alegadamente, Flores tratará com o presidente Vargas sobre questões referentes a grande Exposição Farroupilha, megaevento que comemorará, em Porto Alegre, os 100 anos da Revolução dos Farrapos.

IV

No ato inaugural da Rádio Farroupilha, Flores discursara, em tom de exortação, onde pede aos brasileiros e aos rio-grandenses, em particular para " que cessem os contendos inúteis em que vêm dilacerando e, confraternizados, sinceramente, se voltem todos à grandeza do Brasil, base incalculável e inexcedível da paz e da concórdia ". (A Federação, 26 de julho de 1935).

A paz solicitada por Flores da Cunha era bastante a pacificação política que ele, pessoalmente, desejava. Afinal, a luta partidária regional mostrava-se acirrada, com enfrentamentos entre o Partido Republicano Liberal e a Frente Única oposicionista. No Rio Grande do Sul, ainda, as forças integralistas faziam passeatas, reuniões e apresentações públicas de suas propostas fascistas. Logo, a A.N.L. estará requisitando ao governador espaço idêntico para reunião-comício no Theatro São Pedro. Sob pressão, Flores concorda com o pedido da Aliança Nacional Libertadora, ressalvando que os aliancistas, na verdade, eram comunistas. (10)

Mas, o enfrentamento decisivo para o futuro político de Flores apontava para o Rio de Janeiro, onde estava Vargas. No dia 30 de julho, Flores da Cunha declara que o Rio Grande do Sul " não tem candidato à futura reeleição de presidente da República ". Segundo estampa na capa A Federação, no mesmo dia, Flores afirma que não deseja ser ele o " sucessor do senhor Getúlio Vargas ". Mas, ressalva Flores, " acima, porém, do meu orgulho e das minhas conveniências pessoais, eu coloco o interesse do Rio Grande " (...).

Definitivamente, no ano de fundação da Rádio Farroupilha, Flores distancia-se de Vargas rumo a uma confrontação decisiva. Partidários de Vargas plantam a imagem de Flores como "subversivo" e "comunista" (11).

Os encontros políticos entre Flores e Vargas ocorrem com freqüência durante o mês de agosto. Publicamente, ambos informam que os encontros têm como preocupação maior a Exposição do Centenário Farroupilha. A Rádio de Flores convoca o secretário-geral da Exposição, Mario Oliveira para repercutir o evento. O orador ressalta a grandiosidade dos prédios, a extensão da área ocupada, cerca de 250 mil metros quadrados, pórtico monumental de entrada, pavilhão dos diversos estados brasileiros e países do Prata.

" Foi o maior espetáculo já realizado em toda a história de Porto Alegre ", afirma Carlos Reverbel (12). Segundo ele, pela ação do Governo do Estado e do prefeito de Porto Alegre, aquele Campo da Redenção, antigo terreno baldio antes ocupado por carroças que descarregam alimentos para a cidade, transforma-se em ambiente cosmopolita. A população participava ativamente. Cerca de 1 milhão de visitantes comparecem, quando a cidade possuía, na época, não mais do que 300 mil habitantes. Reverbel destaca, ainda, a existência de dois cassinos, que funcionarão até 1939. Nos cassinos, havia espetáculos todas as noites, sendo num deles franqueado a entrada de populares e, no outro, com preços mais elevados, reservado para a elite vestida em traje a rigor. Reverbel destaca, ainda, a presença da Farroupilha, transmitindo do local da Exposição diariamente.

Manoel Braga Gastal é categórico ao apontar que a verdadeira época do rádio ocorre em 1935 com a cobertura da Farroupilha durante a Exposição e pela potência instalada da emissora. (13).

Se a configuração quanto ao período exato da “época de ouro” do rádio é discutível, se a própria expressão pode ser questionável, é inegável que, em 1935, a radiodifusão brasileira dá sinais de maturidade. Ao longo de toda a década, o número de emissoras em todo o país passa de 19 para mais de 50.

Contribui para o avanço do rádio o decreto presidencial de 1932, que garante o direito de utilizar 10 por cento da programação com publicidade paga. O ano de 1935 é emblemático, também, para Assis Chateaubriand, pois naquela data a Diários e Emissoras Associadas coloca no ar a Rádio Tupi do Rio de Janeiro. No ano seguinte, será a vez da Rádio Nacional iniciar seu trabalho na capital do país. Em 1937, será a vez da Tupi paulista. Esta nova emissora de Chateaubriand passa a ser a mais potente da América Latina, ultrapassando a Farroupilha em apenas 1 quilowatt.

A importância da Farroupilha, de resto, não está localizada apenas na sua extraordinária potência. Ela destaca-se por um conjunto de qualidades relacionadas com a programação, produção, administração e comercialização.

Ao nível da programação, a emissora ultrapassa suas concorrentes por possibilitar ao público programação ao vivo, produzida pelo elenco artístico contratado. O esquema musical baseado no toda-discos é ultrapassado. Logo, a Farroupilha estará produzindo radioteatro. Em 27 de setembro de 1935, o Correio do Povo estampa na capa o seguinte anúncio: P.R.H.2 Rádio Sociedade Farroupilha de Porto Alegre. Apresentará dentro de poucos dias um espetáculo inédito para Porto Alegre: o radio-teatro com o concurso dos mais consagrados astros radiofônicos: Eriberto Muraro, Lamartine Babo, Elisa Coelho, Mario Reis, Francisco Alves, Neiva e Esterlina Gomes, Olga Praguer Coelho, Jorge Fernandes, Roberto Dias, Carraro e sua orquestra. Um espetáculo teatral aliado a um espetáculo radiofônico! Ver e ouvir: eis o inedetismo! LUPE VELEZ A grande estrela do cinema atuará em P.R.H.2 na primeira quinzena de outubro. Esta é a mais potente voz do Brasil. Irradiando para todos os céus da América.

No mesmo período, a emissora já apresenta diversos programas com patrocínio, como Hora Vermouth, às 11h45min; Audição Hotéis Palace, às 18h; Audição do Syndicato do Alcool, às 19h45min. Entre os anunciantes e patrocinadores estão, ainda, a Cia. Brasileira de Papel, de São Paulo, e Armazens Frigoríficos, do Rio de Janeiro. Centrada na música, a programação oferece música popular e erudita, sempre com artistas do elenco contratado. Jazz, música orquestrada, música popular brasileira e argentina, solos de órgão, piano e violão, valsas italianas configuram a programação eclética, apresentada, também, em discos. À época, a emissora já apresenta A Hora do Brasil, às 18h45min, mesmo sem existir, ainda, a obrigatoriedade de retransmissão. Diariamente, Hamilcar de Garcia retransmite sua crônica radiofônica. Antes do encerramento das transmissões, a Farroupilha apresenta, às 23h, previsões do tempo, informações sobre o câmbio e “notícias locaes”.

A área comercial da emissora tinha departamento próprio, onde atuavam Ítalo Morganti, Homero Castro e Marçal Pessoa. Os “corretores exclusivos” (hoje, chamados “contatos”), não ficavam à espera de reclames. É produto desta política de ida até o cliente, por exemplo, o contrato de cinco anos assinado com a Casa Masson, empresa que fabricava e comercializava relógios, para o patrocínio da “Hora Certa”. (14)

V

Em 1937, a Rádio Farroupilha mantém o Departamento Comercial e continua a utilizar a mídia impressa para anunciar sua programação. Em setembro daquele ano, o Correio do Povo destaca, além da programação completa, a Audiência Especial Blaupunkt, às 13h15min; e o Programa Selecto Vinhos Único, às 11h45min.

Aos domingos, às 20 horas, está consolidado o horário do radioteatro. Sempre com apresentações de, no mínimo, cinco radioatores, é retransmitido o Grande Teatro Farroupilha, apresentando textos de autores consagrados e de escritores locais.

Se a ênfase da programação é no entretenimento, aos poucos, ganha espaço a linha de programas informativos. Na hora do almoço, os ouvintes conferiam A vida da Cidade, com notícias locais, entremeadas por música. O programa estendia-se até às 14h, quando a emissora fazia intervalo na programação, até às 18h.

Pela potência instalada, pela qualidade da programação e pela competência da gestão comercial, a Rádio Farroupilha configura-se como a segunda mais importante emissora do país, suplantada apenas pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, opina Manoel Braga Gastal (15).

Enquanto a emissora desenvolve-se, Flores da Cunha aproxima-se do confronto final com Getúlio Vargas. Este, ao colocar Flores no exílio, após decretar o Estado Novo, trata de expandir o domínio autoritário sobre o rádio. Assim, o programa A Hora do Brasil passa a ter caráter compulsório. E, sobretudo, planeja e implanta o Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP, em dezembro de 1939, aos moldes do Ministério do Reich para a Instrução Pública e Propaganda, dirigido por Joseph Goebbels, entre 1933 e 1945, durante o nazismo na Alemanha. Em 10 de dezembro de 1937, Getúlio Vargas vale-se do rádio para o comunicado à nação sobre a implantação do Estado Novo. O pretexto para o golpe á a “ação dos comunistas”.

VI

O maniqueísmo estado-novista inclui diferentes práticas políticas rotuladas como atividades “subversivas”. A pretensão de autonomia do governador Flores da Cunha, assim, será criticada. Em carta dadata de maio de 1937, Eurico Dutra, ministro da Guerra Vargas, escreve a este. Sob o título de “ Atividades subversivas do governador do RS “, afirma Dutra:

“ O governador, conhecendo tanto quanto os que melhor o conheçam as características, os preconceitos e os sentimentos do povo do seu Estado tem procurado fazer constar, por todos os meios ao seu alcance, que se pretende ferir a autonomia estadual e humilhar o povo riograndense. Este tem sido o thema predilecto de suas bem montadas campanhas jornalísticas, radiophonica e parlamentar .“(Eurico Dutra) (16).

No documento, há dupla reprovação da atuação de Flores. Dutra ataca o governador gaúcho pela prática política e, especificamente, pelo uso que faz Flores dos meios de comunicação.

Antes disso, em documento assinado pelo próprio presidente, Vargas se queixa da atuação de Flores quanto à questão presidencial. A carta é endereçada a Oswaldo Aranha, em Washington, em 25 de novembro de 1935. Contrariado, Vargas recrimina Flores:

“ Entre os mais aborrecidos destaco o provocado pela sua insistência em agitar a questão da sucessão presidencial, com uma antecedência injustificável e sob uma infinidade de pretextos “ (...) (17).

A carta-queixa de Vargas é, imediatamente, posterior a entrada do presidente no Rio Grande do Sul, para a inauguração da Exposição Farroupilha. Antes disto, em agosto, Vargas e Flores reúnem-se em discussão no Palácio Piratini. Há briga. E, anos depois, ao retornar do exílio, Flores relembrará aquela data como momento fatal para sua carreira política e para a implantação do Estado Novo. Já na condição de deputado federal, Flores discursa na Câmara. Segundo Flores, ocorrera o seguinte diálogo entre ele e Vargas:

“ Flores, com esta Constituição de 34 e com este Congresso eu não poderei continuar governando “.

“ Em outubro haverá nova eleição, você terá uma grande maioria e poderá governar francamente, apoiado no poder Legislativo “, é a resposta de Flores.

A versão de Flores da Cunha para aquele encontro mantido em agosto de 1935 está lavrado na edição do Diário do Congresso de 11 de abril de 1953. Derrotado no confronto político com Vargas, Flores trata de confirmar sua posição legalista diante do Estado Novo.

Na prática, após aquele encontro em 35, Vargas busca reforçar a Frente Única gaúcha de oposição parlamentar a Flores na Assembléia Estadual. O “Modus Vivendi”, acordo local que buscou o consenso político entre a Frente e o partido governista, pela ação de Vargas, é rompido. A seguir, há dissidência dentro do próprio Partido situacionista (PRL). Com isso, Vargas coopta nove deputados estaduais, cinco federais, um senador e um prefeito. Flores contra-ataca, apoiando o candidato paulista, Armando de Salles Oliveira, para a presidência da República, em abril de 1937. Com a maioria parlamentar em suas mãos, e ajudado pelo irmão Benjamin, Vargas convence a vinte deputados oposicionistas a votarem pelo pedido à União pelo fim do Estado de Guerra, até ali controlado pelo governador gaúcho. Com isso, o poder de fogo de Flores é transferido para Emílio Lúcio Esteves, comandante da 3ª. Região Militar do Sul. A seguir, é tentada a votação do impeachment do governador. Flores consegue bloquear a medida. Ele, ainda, pensa em resistir a Vargas com a força militar da Brigada estadual. Mas, logo após a descoberta do Plano Cohen, e novamente em nome do necessário ataque ao comunismo, Vargas federaliza a Brigada Militar estadual e nomeia Daltro Filho como executor do Estado de Guerra no Rio Grande do Sul. Daltro Filho espalha tropas do Exército por todo o território gaúcho. Flores ainda esboça reação, pedindo aos trabalhadores portuários que resistam em luta. Pede ajuda ao governo de São Paulo, mas sua mensagem é interceptada por Vargas. Na manhã de 17 de outubro de 1937, Flores entrega, oficialmente, o comando da Brigada Militar para Daltro Filho e anuncia que renunciará ao governo do estado. Logo, parte para o exílio no Uruguai com a família.

VII

Durante o período de conflito entre Flores e Vargas, a Farroupilha mantém- se na oposição ao governo federal. Por isso, em 10 de setembro de 1937, o sócio de Flores na emissora, Arnaldo Balvé, será detido por 24 horas. Tão logo é implantado o Estado Novo, a Farroupilha terá um censor a serviço de Vargas. Os agentes do Departamento Regional de Censura passam a fiscalizar toda a programação. De Montevidéu, no exílio, Flores ataca a incampação por Vargas da Frota Riograndense, composta por seis navios mercantes. Aos primeiros minutos da locução, a emissora é invadida e Flores é retirado do ar. Arnaldo Balvé e Luiz Flores da Cunha, filho do governador, são presos.

O conflito envolvendo Vargas, Flores e a Rádio Farroupilha perduraria até a década seguinte. Em 1945, Vargas retira a rádio do ar sob o pretexto que estava vencido o prazo para utilização do canal. Na verdade, a renovação após dez anos era automática. E a atitude de Vargas era uma reação ao apoio da Farroupilha à candidatura à Presidência do brigadeiro Eduardo Gomes.

A Farroupilha fica fora do ar entre 09 de junho até outubro de 1945. No dia 27 daquele mesmo mês, ocorre novo confronto. Eduardo Gomes está em Porto Alegre para comício de campanha. Já, agora, integrando a rede dos Diários e Emissoras Associados, a Farroupilha está proibida de retransmitir o comício. Na última hora, um telegrama do Ministério de Viação e Obras Públicas autoriza a volta ao ar. E a emissora retransmite a fala do oposicionista Eduardo Gomes, no maior comício ocorrido em Porto Alegre até aquele momento. Já quase no final da transmissão, a Polícia Política invade os estúdios e retira, novamente, a Farroupilha do ar. Na verdade, o telegrama liberativo era apócrifo e engendrado por Assis Chateaubriand. A emissora somente voltará a irradiar após a vitória do situacionista Eurico Dutra. (18)

O conflito final entre Vargas e a Rádio Farroupilha ocorreria, somente, quando da morte do presidente da República. Imediatamente após o suicídio de Vargas, a população consternada e enraivecida provoca quebra-quebra em toda a cidade de Porto Alegre. A onda de depredações atinge o Diário de Notícias e a Rádio Farroupilha, notadamente, veículos antivarguistas. Na emissora, a destruição é total. Vargas entrara para a história. E a Farroupilha, mesmo sob o império de Chateaubriand, entraria em trágico declínio. Daquele verdadeiro limbo e precariedade, a emissora só sairia décadas depois, quando, nos anos 80, é adquirida pelo Grupo RBS. Mas, esta, definitivamente, já é outra história. Ou, parafraseando o poeta, já é outro prólogo.

Notas Bibliográficas (1) Ver CAGGIANI, Ivo. Flores da Cunha - biografia. Porto Alegre : Martins Livreiro,1996. (2) In: Flores da Cunha na opinião de seus contemporâneos. VERGARA, Pedro (org.). Porto Alegre : Globo, s/d. (3) SCHNEIDER, Regina Portella. Flores da Cunha: o último gaúcho legendário. Porto Alegre : Martins Livreiro, 1981. (4) RUDIGER, Francisco. Tendências do jornalismo. Porto Alegre : Ed. Universidade/UFRGS, 1993. (5) Op. cit. p.93. (6) Ver ARTHUR, Faria. Zero Hora, Segundo Caderno, p.8, 25/1/97. (7) Para uma análise mais profunda sobre o rádio no Brasil e na Argentina ver HAUSSEN, Doris Fagundes. Rádio e política: tempos de Vargas e Perón. Porto Alegre : EDIPUCRS, 1997. (8) GALLO, Ricardo. La radio. Ese mundo tan sonoro. Buenos Aires : Corregedor, 1991. v.1. (9) Estas informações foram recolhidas pela historiadora Maria da Graça Aikin, em pesquisa oral junto a funcionários do Grupo RBS, entre 1988 e 1993; Parte deste trabalho encontra-se sistematizado em SOARES, Maria Izabel Carvalho. Rádio Farroupilha: um fenômeno de audiência. Trabalho de Conclusão. PUCRS, 1995. (10) Ver BARATA, Agildo. Vida de um revolucionário (memórias). Rio de Janeiro : Melso, s/d. (11) Para maiores esclarecimentos sobre confronto entre Flores e Vargas, consultar CAMPOS, Derocina Alves. Flores da Cunha x Getúlio Vargas: da união ao rompimento. Porto Alegre, Dissertação de Mestrado, PUCRS, 1995. (12) Depoimento ao Autor e para Carla Bigliardi, em 07/12/96. (13) Ver a introdução em DILLENBURG, Sergio. Os anos dourados do rádio em Porto Alegre. Porto Alegre : ARI/Corag, 1990. (14) SOARES, Maria Izabel Carvalho. Op. cit. p.14 (15) Conforme depoimento de Manoel Braga Gastal para Doraci Masiero e para Autor, em 07/06/97. (16) Arquivo Getúlio Vargas/ GV 0382. (17) Ver LEITE, Mauro Renault e JÚNIOR, Novelli. Marechal Eurico Gaspar Dutra - O dever da verdade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983. p. 83. (18) Conforme depoimento de Manoel Braga Gastal para Autor e para Doraci Masiero, em 07/06/97.