Rádio Farroupilha, Técnica, Modernidade E Crise Política

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Rádio Farroupilha, Técnica, Modernidade E Crise Política RÁDIO FARROUPILHA, TÉCNICA, MODERNIDADE E CRISE POLÍTICA Sérgio Endler Unisinos - RS Mestre em Teoria Literária PUC -RS O presente trabalho é um ensaio oportunizado pela pesquisa denominada Rádio Farroupilha: um estudo da programação, produção e técnica radiofônica no Rio Grande do Sul, vinculada ao Centro de Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Já pertence mesmo ao senso-comum a idéia de que a história do rádio no Brasil ainda está por ser construída. A pesquisa maior centrada na história da Rádio Farroupilha tenta, pois, parcialmente, suprir uma lacuna em nível regional. Já o presente ensaio, de modo ainda mais restrito e precário, tenta lançar questões e problemas sobre a relação entre política, sociedade, cultura e radialismo. Pelo exposto e já sabido, somos quase forçados a reconhecer que o relato da sucessão cronológica dos fatos já significaria algum avanço. Mas, reconhecendo que até a cronologia é falha, ousamos sugerir um salto. A opção, aqui, é pela história enquanto problema, ou melhor, série de problemas. A história é problema enquanto constatação da brutalidade das relações estruturais. E é, igualmente, problema enquanto relato e formulação discursiva em nível simbólico e interpretativo da realidade. Diante da impossibilidade de construir uma síntese, optamos pela análise. Em detrimento do modo monográfico, escolhemos a saída ensaística. Igualmente, numa inspiração centrada em Walter Benjamin, perseguimos a aproximação entre história e arqueologia, onde cada fenômeno do passado clama pela análise do presente e onde o fato remoto e canonizado deve ser raspado pela espátula crítica em busca de algum esclarecimento. A história é prólogo, disse o poeta. E, tendo esta afirmação alguma verdade, podemos, então, pelo menos, iniciar. I A Rádio Farroupilha surge, à época, como a mais potente emissora da América Latina. Em 1935, já nasce em canal exclusivo internacional. E, logo, a potência da rádio será sinônimo de ameaça à política personalista, centralizadora e autoritária do primeiro governo de Getúlio Vargas. O contexto nacional e regional é modernizante e desenvolvimentista. Ali, a criação da Rádio Farroupilha por Flores da Cunha, então governador eleito do Rio Grande do Sul, significa palanque eleitoral em potência. A crise política travada entre Flores, ex-líder regional da Revolução de 30, e Getúlio Vargas é acrescida pela importância técnica do veículo. Em 1935, o Brasil prepara-se para nova eleição presidencial. Por que implantar esta rádio? O que deseja Flores da Cunha? Qual é o futuro do antigo caudilho, agora, tão interessado em implantar jornais e emissora? Estas são algumas perguntas que mobilizam Getúlio Vargas, já entronizado presidente pela Revolução de 30 e, logo, ditador a decretar o Estado Novo. II Biógrafos e historiadores profissionais têm estabelecido, ao longo do tempo, estudos sistematizados e perfis diversos de Flores da Cunha. (1) Nestas obras, em resumo, podemos encontrar relatos dos feitos e eventos envolvendo Flores, acrescidos de estudos mais ou menos ricos abordando a realidade histórica gaúcha e brasileira. Ali, está configurado o nascimento de José Antônio Flores da Cunha, na fazenda São Miguel, em Santana do Livramento-RS, em 5 de março de 1880. Torna-se advogado, administrador, revolucionário, deputado, interventor e governador. Em 1902, é delegado de polícia no Rio de Janeiro. Em 1912, ingressa pela primeira vez na Câmara dos Deputados, eleito pelo estado do Ceará, sem nunca ter pisado em solo cearense. Em 1923, já está no sul onde defende Borges de Medeiros, em revolução. No ano seguinte, Flores defronta-se com nova luta tenentista chefiada por Honório Lemes. Em 30, Flores da Cunha luta para derrubar a República Velha, ao lado de Getúlio Vargas. Vitoriosa a Revolução, Flores é nomeado interventor federal no Rio Grande do Sul. Ele já fôra senador eleito em 1928. Em 1932, enfrenta os constitucionalistas paulistas e funda o Partido Republicano Liberal. Em 34, recebe o título de general de divisão. Em 1935, torna-se o primeiro governador eleito pela Assembléia Constituinte do Rio Grande do Sul, no mesmo ano em que coloca no ar a Rádio Farroupilha. Érico Veríssimo, na condição de "inventor de ficções", chega a afirmar que "Flores é uma vida que está clamando por um biógrafo". (2) Como governador eleito gaúcho, Flores empreende gestão modernizante ao criar a Universidade de Porto Alegre, centrada na escola de Engenharia e Medicina. Cria a secretaria de Educação, a secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio e o Instituto de Previdência do Estado, além de organizar o Estatuto dos Funcionários Públicos. Nos transportes, desenvolve a Viação Férrea e cria a Frota Riograndense de navios. Se a historiografia erguida em torno de Flores está suprida quanto à reconstituição dos feitos, revela-se em lacuna quanto às investidas do personagem em direção à estruturação de veículos de comunicação social. Ainda assim, através destes estudos, pode-se resgatar e destacar dois episódios importantes. Como governante, Flores cria Imprensa Oficial, em 1934 e faz circular o jornal A Federação (1884) como órgão de publicidade e propaganda. Já no ano seguinte, faz circular o Diário Oficial. (3) As atividades de Flores da Cunha no campo da imprensa escrita e do radialismo ganham maior relevo nas obras específicas sobre os meios de comunicação. Assim, as lacunas deixadas pelos estudos históricos e biográficos, em si, deverão ser completadas pelos estudos sobre comunicação social. Entretanto, ainda aqui, para podermos configurar a Flores da Cunha como gestor estatal interessado em apropriar-se da comunicação social e, ao mesmo tempo, como empresário importante do setor, precisamos fazer aproximações. Em Tendências do jornalismo (4), é recuperado o momento de criação da Cia. Jornalística Rio-grandense. Francisco Rudiger salienta que, numa conjuntura de estruturação do jornalismo moderno informativo, Ângelo Flores da Cunha, irmão do governador, "concebe" o sonho de se tornar novo magnata da imprensa. Segundo o autor, a empresa é dotada dos melhores equipamentos disponíveis à época. É erguido um parque gráfico com oito linotipos e rotativa com capacidade de 20 mil exemplares/hora. Além do Jornal da Manhã (1930-37), a empresa lança o Jornal da Noite, para suprir a carência de um jornal vespertino. Adiante, Rudiger alude ao apoio irrestrito destes jornais de Ângelo ao irmão e governador José Antônio Flores da Cunha. Em conclusão, podemos afirmar que, ao aproximar-se o ano de surgimento da Rádio Farroupilha, Flores da Cunha controla a Cia. Jornalística Rio-grandense, por iniciativa privada, e A Federação, como governador, além do Diário Oficial. Por isso, manterá com Breno Caldas, à época empresário hegemônico da imprensa gaúcha, tanto a disputa de mercado quanto a censura política aos jornais do adversário. Confrontados política e empresarialmente no Sul, Flores e Breno Caldas estão juntos no apoio a Vargas no cenário nacional. III A Revolução de 30, marco de transição entre o estado arcaico e o estado moderno, é produto de uma aliança política heterogênea que submete as diversas oligarquias regionais. Economicamente, tenta substituir a herança da elite agro-exportadora por agentes urbano-industriais. Ao nível ideológico, promove a idéia de um novo nacionalismo, com as Forças Armadas passando a merecer destaque à parte no capítulo referente à Segurança Nacional. Com o chamado "Estado de Compromisso", segundo Luiz Roberto Lopez, o "povo" passou a ser um componente da ação política. Não se tratava do "povo no governo", mas da ação do Estado que equilibrava reformismo social e defesa dos interesses da elite. Se a industrialização é, aqui, uma inovação econômica, logo, o populismo será uma inovação política correlata. Na gerência de ambos os fenômenos está o Estado autoritário e não-democrático. O desenvolvimento econômico restrito e inconcluso deve-se, sobretudo, à dependência tecnológica e financeira em relação ao exterior. Num primeiro momento, a industrialização brasileira centrada na substituição de importações evolui, somente no setor de bens de consumo não-duráveis. Já o setor de bens duráveis (eletrodomésticos, automóveis) não tem maior pujança. (5) Se o crescimento urbano- industrial é restrito, deve-se ao mesmo, no entanto, o desenvolvimento do rádio. No Rio Grande do Sul, destaca-se o trabalho pioneiro do italiano Savério Leonetti. A partir da Casa A Elétrica, onde vendia lâmpadas, Leonetti passa a fabricar gramofones e discos, em meados da década de 10, quando estes produtos eram importados por custo elevado e caros. Segundo pesquisas de Paixão Côrtes, o selo Discos Gaúchos criado por Leonetti reuniu mais de mil títulos diferentes, todos gravados e prensados em Porto Alegre. (6) As primeiras emissoras de rádio instaladas na capital gaúcha, igualmente, terão suas existências vinculadas ao disco e ao comércio de elétrodomésticos. Em 1927, nasce a Rádio Gaúcha, através da associação entre Arthur Pizzolli e Francisco Garcia de Garcia. Pizzolli é proprietário da Casa Coates e Garcia de Garcia dirige a Casa Victor, ambas dedicadas à venda de fonógrafos e discos. Enquanto Garcia de Garcia associa-se a Breno Caldas no comando da Rádio Gaúcha, Pizzolli rompe a sociedade e funda, já em 1934, a Rádio Difusora. Para administrar a Farroupilha, terceira emissora de Porto Alegre, Flores da Cunha nomeia ao filho, Luís, e a Arnaldo Balvé, contratado junto à Rádio Gaúcha. Um ano antes da rádio entrar no ar, Flores e Balvé contatam empresa argentina na busca por melhor equipamento. Segundo Doris Haussen, a indústria rádio-elétrica argentina, no período, atinge desenvolvimento autônomo importante. (7) Conforme Ricardo Gallo, os aparelhos receptores era fabricados por empresas locais. (8) Em 1933, é criada a Saira, empresa que fabrica válvulas com qualidade similar às importadas. Em 12 de junho de 1934, Flores e Balvé assinam contrato com a Rádio Prieto Sociedade Anônima, em Buenos Aires, para a aquisição de uma estação radiodifusora. O transmissor da estação é construído pelo engenheiro norte-americano Elliot Bard e tem potência de 25 quilowatts. À época, as estações de onda larga não possuíam força maior do que 1 quilowatt.
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