LUTA PELA RECONQUISTA DA CIDADANIA EM ACAUÃ, NA

Adinari Moreira de Sousa1; Fernando Garcia de Oliveira2; Genival Barros Júnior3; Maria Fernandes do Nascimento4

RESUMO

Construiu-se recentemente mais uma barragem no rio Paraíba, cuja finalidade principal é o abastecimento de áreas urbanas. 900 famílias afetadas diretamente pela obra foram tratadas com o mais absoluto descaso. As medidas mitigadoras, inclusive as previstas no Estudo de Impacto Ambiental, não foram implementadas. O Governo do Estado ignorou completamente a necessidade de a população desenvolver atividades produtivas e a re- assentou em conjuntos habitacionais rurais, o que é um contra-senso, uma vez que não faz sentido criar conjunto habitacional no meio rural sem que a ele estejam associadas áreas de produção. A partir de 2002, iniciou-se um processo de luta, apoiado por um pool de entidades estaduais, que se vincularia em seguida ao MAB. O surgimento tardio do movimento tornou a luta ainda mais difícil: construir soluções efetivas num contexto em que o que foi feito pelo governo representa mais problema do que solução. Os desafios principais para o movimento são: obter a necessária iniciativa governamental, através de sua capacidade de luta; conquistar o direito de participar, juntamente com sua assessoria, da construção de alternativas de solução. Este trabalho, cujos autores integram a assessoria aos atingidos, pretende discutir todo este processo.

Palavras-chave: Barragens, Impactos ambientais, Impactos sociais, Movimento social, Pesquisa-ação.

1 Profa Titular da Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Serviço Social pela UFPB. [email protected]; 2 Professor Titular da Universidade Federal de , Doutor em Sociologia pela Universidade Paris X, França; [email protected]; 3 Doutorando em Engenharia Agrícola na UFCG; [email protected]; 4 Economista, Universidade Federal de Campina Grande. 2

INTRODUÇÃO

No Brasil, três políticas governamentais têm justificado o represamento de rios e a formação de lagos artificiais: a construção de usinas hidrelétricas, o abastecimento d’água para as cidades e a construção de perímetros irrigados. Em praticamente todos os casos de construção de barragens, um significativo número de famílias tem seu habitat natural destruído ao ser encoberto pelas águas, o que obriga o deslocamento destes contingentes populacionais para novos locais. As perdas que estes grupos humanos sofrem são, a rigor, irreparáveis. Acrescente-se que, em inúmeros casos, a atitude e os procedimentos dos responsáveis pela construção das barragens agravam a situação porque não dialogam com a população, desrespeitam seus mais comezinhos direitos e não cumprem o que determina a legislação específica, tanto no que diz respeito à população quanto no que tange ao meio ambiente. Construiu-se recentemente mais uma barragem no rio Paraíba, cuja finalidade principal é o abastecimento de áreas urbanas. 900 famílias afetadas diretamente pela obra foram tratadas com o mais absoluto descaso. As medidas mitigadoras, inclusive as previstas no Estudo de Impacto Ambiental, não foram implementadas. O Governo do Estado ignorou completamente a necessidade de a população desenvolver atividades produtivas e a re-assentou em conjuntos habitacionais rurais, o que é um contra-senso, uma vez que não faz sentido criar conjunto habitacional no meio rural sem que a ele estejam associadas áreas de produção. A partir de 2002, iniciou-se um processo de luta, apoiado por um pool de entidades estaduais, que se vincularia em seguida ao MAB. O surgimento tardio do movimento tornou a luta ainda mais difícil: construir soluções efetivas num contexto em que o que foi feito pelo governo representa mais problema do que solução. Os desafios principais para o movimento são: obter a necessária iniciativa governamental, através de sua capacidade de luta; conquistar o direito de participar, juntamente com sua assessoria, da construção de alternativas de solução. Este trabalho, cujos autores integram a assessoria aos atingidos, pretende discutir todo este processo. Este trabalho discute as relações entre o movimento de resistência e luta da população atingida pela barragem de Acauã, no estado da Paraíba, e a assessoria estadual que se estrutura a partir de uma atividade de extensão universitária. 3

1 - CARACTERIZAÇÃO E OBJETIVOS DA BARRAGEM DE ACAUÃ

As obras da barragem de Acauã, no rio Paraíba, divisa entre os Municípios de Aroeiras, e , todos no Estado da Paraíba, começaram em 14 de Junho de 1999 e foram concluídas (construção física da estrutura de barramento) em Agosto de 2002. A barragem, que ocupa uma bacia hidráulica de 1.725 ha, provocou o deslocamento de aproximadamente 5.000 pessoas (900 famílias) que viviam às margens do rio. As águas da barragem – que hoje acumula 85 % da sua capacidade total de armazenamento (no final de janeiro de 2004, Acauã sangrou) – atingiram, em maior ou menor escala, as zonas rurais das cidades mencionadas acima, inundando completamente 06 povoados: Melancia, Cajá, Ilha Grande, Junco, Pedro Velho e Cafundó e Água Paba (localidade que não fora incluída dentre as que seriam atingidas) e 115 imóveis rurais. O barramento do rio Paraíba ocorreu a cerca de 23 Km à montante da cidade de Salgado de São Félix, na região denominada de médio Paraíba e tem capacidade para armazenar um volume total de 250.000.000 m3, com uma descarga projetada de 4.000 m3/s e uma tomada d’água que dará fluxo a uma vazão continua de 5 m3/s, o que, segundo o projeto, garantirá um nível médio permanente de 90 % da capacidade de armazenamento do reservatório. De acordo com a ICOLD (Comissão Internacional de Grandes Barragens), Acauã encontra-se enquadrada na categoria das barragens de grande porte, levando-se em conta que estão classificadas nesta faixa, toda barragem cujo reservatório tenha capacidade superior a 3 milhões de m3 de água. Assim como Acauã, existe hoje no mundo cerca de 45.000 grandes barragens. O custo total das obras do reservatório foi orçado em aproximadamente R$55 milhões, sendo que, 65,7% deste total, foram destinados à construção da barragem e sangradouro de serviço. O objetivo principal do empreendimento é o abastecimento de água potável para 09 cidades da região (Salgado de São Félix, Itabaiana, Pilar, Ingá, Itatuba, , São Miguel de Taipu, Aroeiras e Fagundes), além do reforço no sistema de abastecimento de outras 04 cidades: Campina Grande (2ª maior cidade do Estado), Boqueirão, Queimadas e Caturité. Secundariamente, estão previstas ainda atividades de irrigação no Baixo Vale do Paraíba, bem como em algumas áreas do rio Paraibinha, afluente do Paraíba, além da criação de um pólo pesqueiro e da regularização da vazão a jusante da barragem, que 4 contribuirá para contenção definitiva das enchentes nas cidades de Salgado de São Félix, Itabaiana, São Miguel de Taipu, Cruz do Espírito Santo e Cabedelo.

1.1 - IMPACTOS AMBIENTAIS E MEDIDAS MITIGADORAS Com a publicação do Decreto Lei Nº 20.878 de 05 de Junho de 2000, que determinou a desapropriação das áreas que foram inundadas, vários impactos adversos incidiram sobre o meio antrópico, com a conseqüente expulsão de um grande contingente de pessoas para fora da região, provocando a paralisação das atividades produtivas, além do abandono da infra-estrutura sócio - econômica existente e abalos ou até mesmo ruptura de relações familiares e sociais. Apesar do projeto original prevê como medidas de proteção ambiental, objetivando a mitigação destes impactos adversos, o reassentamento da população atingida através de projetos produtivos; o manejo da fauna; o desmatamento zoneado da área da bacia hidráulica; a reconstrução da infra-estrutura de uso público e dos cemitérios atingidos; implantação e monitoramento da faixa de proteção do lago; esgotamento sanitário das cidades ribeirinhas como Aroeiras, Natuba e , entre outras, nenhum delas foi efetivamente concretizada até a presente data. E o que é pior, seja do Governo Estadual, seja do Federal, nada sinaliza para que ações neste sentido sejam efetivamente realizadas. O quadro a seguir, apresenta um resumo das principais medidas mitigadoras que deveriam ser executadas na região de influência da barragem. 5

Quadro 1: Síntese dos impactos ambientais e das medidas mitigadoras

Ação impactante versus Componente Impactos potenciais Medidas mitigadoras ambiental impactado

Poluição da água represada pelo Implantação de sistemas de Esgotamento sanitário das aporte permanente de carga esgotamento sanitário destas cidades, cidades de Aroeiras, Natuba e orgânica e de coliformes fecais, centrados no uso de lagoas de Umbuzeiro. através dos esgotos destas cidades, estabilização; versus que se encontram localizadas na Monitoramento da qualidade do Qualidade das águas bacia de contribuição do efluente e da eficiência da Estação de superficiais e subterrâneas. reservatório. Tratamento de Esgotos (ETE).

Interrupção da produção agrícola provocando queda no nível de Engajar a população desempregada nas Desapropriação emprego, com reflexos no setor atividades que surgirão com a versus primário e sobre o nível de renda implementação do reservatório. Níveis de emprego e renda da população.

Interrupção permanente das Elaboração e implementação de um Reassentamento da população atividades agropecuárias, com projeto de reassentamento para a atingida reflexos no setor primário e sobre população atingida, o qual deve primar versus o nível de renda da população e por um programa de reativação da Níveis de emprego e renda da arrecadação tributária dos economia da região. municípios.

Submersão de trechos de estradas vicinais interrompendo o acesso Formação do reservatório a diversas propriedades, bem como das rodovias PB 090 no Reconstrução dos trechos de estradas versus trecho Cajá / Aroeiras, PB 092 – submersos com padrão de qualidade igual trecho Pedro Velho / Aroeiras, ou superior aos anteriores. Rede rodoviária PB 082 – trecho Natuba / Salgado de São Félix e do trecho Pirauá - Melancia.

Perdas dos serviços essenciais Desmobilização da infra- pela população atingida, no que Acelerar o processo de reconstrução da estrutura de uso público se refere a rede de energia infra-estrutura de uso público, que deverá versus elétrica, escolas, postos de saúde, ser reposta com um padrão de qualidade População atingida postos telefônicos, mercados, melhor do que o já existente. igrejas e cemitérios.

Difusão de tecnologias apropriadas para as condições da região; Desenvolvimento O emprego de alta tecnologia, Introduzir, na capacitação das hidroagrícola aliado a capacitação das futuras famílias agricultoras, temas como famílias irrigantes, propiciará a políticas agrícolas governamentais; Versus difusão na região de técnicas associativismo/ cooperativismo, agropecuárias avançadas. armazenamento, pré-beneficiamento Elementos culturais e comercialização da produção. Fonte: elaboração própria 6

1.2 - ÍNDICE DE AVALIAÇÃO PONDERAL Em obediência a legislação vigente, diversas avaliações foram realizadas a partir da análise ambiental do projeto, indicando um Índice de Avaliação Ponderal (IAP) - que estabelece uma relação entre os índices de benefícios e os índices de adversidades e de indefinições - muito abaixo do valor unitário mínimo admitido para que o empreendimento seja considerado benéfico e bem definido do ponto de vista da sustentabilidade econômica, social e cultural da população atingida. Sem a efetivação das medidas mitigadoras, os índices calculados apontam para um IAP de 0,5736 quando se leva em conta o meio antrópico nestas áreas. Já para a área de influência física como um todo, ou seja, área de inundação somada a área destinada as obras civis, apresenta um IAP ainda pior, na ordem de 0,4292, o que demonstra que o projeto em sua versão original, isto é, sem adoção das medidas de proteção ambiental recomendadas, não se mostra viável do ponto de vista ecológico. Por outro lado, levando-se em conta a área de influência funcional da barragem, tem- se uma elevada concentração de impactos benéficos, incidindo principalmente sobre o meio antrópico, o que faz elevar o IAP final para 2,1397, decorrente da perspectiva concreta do desenvolvimento da agricultura irrigada na área de jusante e da atividade pesqueira no lago, o que beneficiará enormemente o setor primário da região, aliado ao objetivo principal do empreendimento que o abastecimento de água de um número significativo de cidades dentro do Estado. Os resultados obtidos nestas avaliações permitem concluir que o projeto original da barragem, sem a adoção de medidas proteção ambiental e da população, implica em que as adversidades e indefinições geradas até a presente data, tendem a se sobrepor aos benefícios a serem alcançados. Desta forma, para que o empreendimento torne-se definitivamente viável, faz-se necessário que os impactos benéficos resultantes do desenvolvimento dos usos múltiplos do lago a ser formado, os quais incidem principalmente sobre o meio antrópico da área de influência funcional, superem as adversidades atuais. Entretanto, apesar das constatações efetivas demonstradas no EIA - RIMA quanto as medidas a serem adotadas e do excelente IAP, potencialmente alcançável, o Governo do Estado, responsável direto pelas obras, inexplicavelmente, de forma insensível e inconseqüente, nada fez de concreto para viabilizar a execução das medidas mitigadoras aqui apresentadas. 7

Todo este quadro agrava-se ainda mais por um ecossistema que, por si só já contempla dificuldades para sobrevivência do ser humano. De um modo geral, a população da região tem dificuldades na obtenção de água potável, a intensidade pluviométrica é reduzida e as secas são fenômenos que se repetem sistematicamente. Afora isso, como em todas as áreas do Estado, faltam emprego e recursos para o cultivo das terras; as endemias são constantes, a população se alimenta mal, o atendimento para saúde é precário, há carência de transporte, escolas e outros serviços considerados básicos. Por fim, o mais grave é que os recursos públicos empregados na obra, de forma equivocada, trouxeram prejuízos irreversíveis à população, seja pela total ausência até a presente data de investimento de qualquer parte do que já foi gasto para atender ao reassentamento dos atingidos (parte dos quais já abandonou as suas antigas estruturas de produção e provavelmente foi engrossar a população de moradores nas periferias de Cidades como Campina Grande, João Pessoa, Recife e Caruaru), seja pela total inoperância do sistema de captação, armazenamento e distribuição da água potável para as diversas cidades a serem contempladas, uma vez que a obra de construção do sistema adutor ainda não saiu do papel, logo não tem como levar água para lugar algum. Neste momento, aproximadamente 213.000.000 m3 encontram-se estocados a mercê dos efeitos da incidência da radiação solar, que faz evaporar uma grande quantidade desta água sem que a mesma possa ser efetivamente aproveitada por alguma atividade, seja ela agrícola ou pecuária. Das diversas situações que justificaram a construção da Barragem, apenas uma tem se mostrado eficiente e em pleno funcionamento, que diz respeito a regularização da vazão a jusante da barragem, o que tem evitado enchentes de largas e perigosas proporções nas Cidades que se localizam ao longo deste trecho do Rio Paraíba.

2 - DISCUSSÃO SOBRE TRABALHOS DE ASSESSORIA & PESQUISA DESTE TIPO

Tomamos por parâmetro as práticas da pesquisa-ação, adaptando-as ao fazer concreto colocado por este caso específico. José de Souza Martins coloca com propriedade a legitimidade do trabalho de assessoria, desempenhando por sociólogos (e por intelectuais, de uma forma geral) quando colocam-se à disposição de determinados grupos. Não vejo porque possa haver incompatibilidade entre a condição de sociólogo e a de assessor de grupos populares e de grupos indígenas, uma 8

vez que tal incompatibilidade não é mencionada quando sociólogos e antropólogos da Universidade assessoram empresários e cientistas políticos, assessoram partidos e governantes (Martins, 1993, p. 42). Percebe-se que não há conflito entre assessoria e pesquisa. Muito ao contrário. Assessorar os trabalhadores proporciona uma forma privilegiada de fazer pesquisa. Por seu turno, ter a preocupação com a pesquisa, isto é, de conhecer melhor aquela realidade realimenta a assessoria. Parte das atividades de pesquisa, cujo desenvolvimento deram-se de forma concomitante com o trabalho de assessoria, desenvolveu-se sempre a partir daquilo que era suscitado como necessidade do movimento. A prática de experiência de “pesquisa a serviço da ação” permite discutir algumas questões presentes no debate sobre a pesquisa em ciências sociais. Em primeiro lugar, supera-se de entrada a questão da neutralidade científica. Há um claro e expresso “parti pris”. Não obstante, isto não significa abrir mão do rigor científico, do uso criterioso de determinadas técnicas. Apenas, e tão somente, ocorre algo que talvez possa ser expresso assim: aqui o comitente é o grupo social em movimento. Considero que a experiência de extensão vivenciada tem muita proximidade com o que se costuma denominar de pesquisa-ação. Barbier (1996, p. 7) recorda um ponto de partida conceitual para pesquisa-ação: “Il s’agit de recherches dans lesquelles il y a une action délibérée de transformation de la réalité; recherches ayant un double objectif; transformer la rélaité et produire des connaissances concernant ces transformations.” Neste contexto, o pesquisador está a serviço da causa dos dominados, tanto através dos resultados da pesquisa quanto de sua prática, enquanto pesquisador engajado. Ao discutir as relações entre movimentos sociais e educação popular, Souza nos fornece uma interessante pista para tentar compreender as inúmeras situações nas quais grupos de advogados, religiosos e outros intelectuais, no mais das vezes associados a sindicalistas, colocam-se à disposição de grupos que lutam para superar situações desvantajosas no confronto com outros segmentos sociais ou mesmo com instâncias do governo. Em seus termos: De um lado, pessoas com formação escolar mais ampla, portadores de um pensamento crítico, de projetos políticos mais ou menos esboçados e uma lógica específica. Estas se fazem, no processo, agentes sociais. Denomino-as, genericamente, de intelectuais. De outro, pessoas que sofrem determinadas situações de exploração, dominação, subordinação, discriminação, situações sociais deprimentes. Geralmente com pouca escolarização, com uma lógica própria e quase sempre sem projetos 9

políticos esboçados. Estas, no decorrer do processo se transformam em autores sociais. Denomino-as de segmentos das camadas da classe trabalhadora (Souza, 1995, p. 79). Nas situações empíricas vivenciadas configuram-se absolutamente compatíveis com o que o autor em questão anuncia: Esses dois sujeitos potenciais (pessoas de pensamento crítico ou intelectuais e pessoas das camadas da classe trabalhadora), pelas razões mais diversas e circunstâncias mais inusitadas, se encontram, vão confrontando seus pontos de vista e se transformando em sujeitos coletivos, expressão de movimentos sociais populares (ibid, p. 79). Compreensão que pode ser complementada com termos a seguir apresentados. Le chercheur en recherche-action n’est ni un agent d’une institution, ni un acteur d’un organisation, ni un individu sans appartenance sociale, par contre il accepte éventuellement ces différents rôles à certains moments de as action et de sa réflexion. Il est avnat tout un sujet autonome et plus encore un auteur de sa pratique et de son discour (Barbier, op. cit. p. 8). De fato, o engajamento como assessor, no processo de organização e luta dos trabalhadores, adquire dinâmica própria, imprevista. Na medida em que o tema da investigação está diretamente relacionado ao tempo do conflito, o pesquisador também não detém o controle do tempo da investigação. Nesse sentido, o trabalho de assessoria e pesquisa não segue um cronograma, definido previamente, como normalmente ocorre na atividade de pesquisa. Acrescente-se que este tipo de trabalho é bastante exigente: requer compromisso, continuidade e uma dedicação que deve corresponder às necessidades do processo de luta. Na prática da pesquisa-ação, pelo envolvimento, pelos imprevistos, pelos desafios, surge a necessidade do pesquisador externar algo de próprio, de pessoal. Não se está ali para seguir receituários, ou preceitos adredemente concebidos por organizações, entidades ou ideologias. Torna-se necessário, portanto, que - confrontado a determinadas situações - o pesquisador saiba bem utilizar a “caixa de ferramentas” de que ele dispõe. Esta á a idéia: é preciso primeiro dispor de uma “caixa de ferramentas”. E, segundo: ter sensibilidade para saber que ferramentas utilizar, nos diferentes momentos. Le chercheur joue alors son jeu professionnel dans une dialectique qui articule sans cesse l’implication et la distanciotion, l’affectivité et la rationalité, le symbolisme et l’imaginaire, la médiation et le défi, l’autoformation et l’hétériformatio, la science et l’art (ibid, p. 8). Surgem, portanto, diferentes possibilidades nas situações particulares. Diversos encaminhamentos podem ser vislumbrados, mas dependendo da dinâmica dos processos e 10 de determinadas intervenções oportunas, tomam-se determinadas direções a partir da análise das alternativas concretas. Sem essa interinfluência e interferência mútua, sem esse questionamento permanente das situações, das condições existentes, a necessidade de transformação social não é formulada nem se transforma numa prática histórica nem cria sujeitos da ação coletiva transformadora. Sem esse confronto, não temos práticas sociais transformadoras, não teremos ações coletivas inovadoras (Souza, op. cit., p.80). Pierre Bourdier entra nesse debate e propõe: O que podemos fazer é criar não um contra-programa, mas um dispositivo de pesquisa coletivo, interdisciplinar e internacional, associando pesquisadores, militantes, representantes de militantes, etc., tendo os pesquisadores um papel bem definido: eles podem participar de maneira particularmente eficaz, pois é sua profissão, de grupos de trabalho e de reflexão, em associação com pessoas que estão em movimento (Bourdier, 1998, p. 76) Na proposta de Bourdier (ibid.), pensada para os grandes temas (de âmbito internacional), como componente do que ele chama de “táticas para enfrentar a invasão neoliberal”, está implícito o redirecionamento do trabalho dos intelectuais para a construção de um grande “dispositivo de pesquisa coletivo”, que se colocaria a serviço da transformação da sociedade, fornecendo reflexões, interpretações e procurando contribuir na construção de caminhos alternativos à lógica do laissez-faire que seriam de fato “leis de conservação”, cuja verificação interessa apenas àqueles que se beneficiam com o caminho neoliberal. Evidentemente, que todos os paralelos são possíveis e desejáveis. O que está indicado como “tarefa” dos intelectuais comprometidos com os interesses das grandes maiorias das diversas sociedades, em planos macros, pode ser aplicado a toda e qualquer situação nas quais grupos, coletividades, comunidades, ou qualquer outra forma de ser coletiva, buscam superar situações de subordinação econômica, social, política, etc. A proposição de Bourdier é, portanto, autoaplicável nos mais variados contextos. Ou seja, é absolutamente desejável que intelectuais comprometidos, críticos, tornem-se disponíveis para participar - aportando sua contribuição específica - de movimentos de trabalhadores, e outros, colocando-se assim a serviço daqueles interesses. Neste ponto, é importante registrar que esta específica forma de aproximação dos grupos sociais (de “estar junto”) propicia elementos ímpares, únicos, do ponto de vista do processo de pesquisa. Impensáveis quando o pesquisador - munido de sua pretensa neutralidade - trata os atores sociais como “objeto” de investigação. Nos contextos clássicos de pesquisa social não se estabelece reciprocidade, não estão presentes os níveis 11 de confiança - de cumplicidade mesmo - que se estabelecem quando do engajamento dos pesquisadores às lutas dos trabalhadores. Os riscos, e as armadilhas do caminho derivam do fato de que, em boa medida, está sendo apresentado, descrito e analisado todo um processo do qual o autor deste trabalho fez parte. Foi talvez uma de suas personagens. Mas, com honestidade de propósito e procurando trazer uma contribuição para a reflexão de questões presentes em contextos similares, espera este autor superar as dificuldades inerentes a trabalhos do gênero. Bourdieu (ibid.), ao final de sua intervenção na gare de Lyon (estação ferroviária e metroviária de Paris) ressalta a importância do exercício (e da prática) de uma “... solidariedade real para com os que hoje lutam para mudar a sociedade...” e valoriza, redefinindo-o, o trabalho dos intelectuais enquanto portadores de uma característica exclusiva: a capacidade de realizar trabalho científico. As proposições do autor são claras. Explicitam um lugar para os intelectuais - na luta solidária com segmentos dos dominados - no processo de busca por uma transformação social, objetivando atingir um mundo melhor: “Aquilo com que nós pesquisadores poderíamos sonhar é que uma parte de nossas pesquisas pudesse ser útil ao movimento social [...]” (Bourdier, op. cit., pp. 78,79)

3 - RELAÇÕES ENTRE ASSESSORIA ESTADUAL E MAB – MOVIMENTO DOS ATINGIDOS PELA BARRAGEM DE ACAUÃ

A proximidade da inauguração da barragem faz soar o sinal de alarme. Uma pergunta surge na cabeça de várias pessoas: como é que a obra já vai ser inaugurada e ainda não foram pagas as nossas indenizações? A primeira iniciativa se daria logo a seguir. Alguns atingidos da localidade de Pedro Velho, município de Aroeiras, e o pároco de Aroeiras, dirigem-se a alguns professores da UFCG para apresentar suas inquietudes. No mês de janeiro de 2002, uma comissão formada por professores e estudantes começa a participar, aos domingos, de reuniões na localidade de Pedro Velho, município de Aroeiras. No primeiro sábado após o carnaval, realiza-se uma nova reunião na mesma localidade. Desta feita contando também com a participação de um dirigente de sindicato de trabalhadores rurais do Pólo Sindical do Compartimento da Borborema e de um assessor de um deputado estadual, antigo coordenador da CPT de João Pessoa, de há muito 12 concentrado no trabalho de apoio à luta dos trabalhadores rurais, principalmente à luta pela conquista da terra. Aquela reunião pode ser considerada um marco na luta da população atingida por duas razões principais: define-se ali a primeira iniciativa de caráter político dos atingidos: decide-se divulgar uma nota, através dos jornais, para relatar a situação deles; programa-se uma ida às rádios de Campina Grande, para expor em vários programas matinais, o que se passava com eles. Essas ações seriam realizadas na segunda-feira seguinte. Aquele gesto inicial daria início a um processo que levaria à: a) estruturação do movimento dos atingidos; b) à conformação de uma rede de assessores locais (cujo trabalho principal é assegurado por um grupo de professores e estudantes da universidade e representantes de uma gama de entidades integrantes da Articulação Semi-Árido da Paraíba (ASA-PB), com destaque para as seguintes: Pólo Sindical do Compartimento da Borborema (formado por sindicatos de trabalhadores rurais); Sindicato dos Técnicos em Extensão Rural do Estado da Paraíba (SINTER); Comissão Pastoral da Terra (CPT); mandato de um deputado estadual; além da participação pontual de diversas outras). O pároco de Aroeiras também presta decisivo apoio à causa dos atingidos. c) No bojo deste processo, se daria a incorporação deste caso ao Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). A partir de um determinado momento, estabelece-se uma divisão de trabalho muito clara: o caráter mais político do movimento dos atingidos de Acauã é assegurado por sua integração ao MAB nacional; a assessoria estadual se incumbe do assessoramento ao cotidiano do movimento. O desenvolvimento desta parceria enfrentará algumas dificuldades motivadas por questões do seguinte tipo: a) o MAB nacional não tem estrutura para dar um acompanhamento mais próximo da luta na Paraíba. A título de exemplo: um dirigente do movimento comparece para contribuir na organização de uma atividade pontual, mas não permanece para acompanhar os desdobramentos daquele ato pontual; b) não se estabelece, de forma nítida, às conseqüências na luta local das freqüentes viagens de representantes locais a encontros em Brasília; c) quando do rompimento da barragem de Câmara (que teve repercussão na mídia nacional), mais uma vez aconteceu a visita pontual de um dirigente nacional, mas o MAB não teve estrutura para dar o acompanhamento que a situação requeria. A conseqüência: toda a organização da população atingida se deu sem interferência do MAB; d) as lideranças locais do MAB não conseguem se desvencilhar da teia de relações políticas locais que se desenvolvem com base em atrasado estilo clientelista; e) surge uma questão de difícil equacionamento para a assessoria local: o que 13 fazer diante do insuficiente acompanhamento político do MAB? Embora haja um progresso remarcável das lideranças locais, ainda não se constata a capacidade de avaliação e formulação independente a ponto de prescindir do acompanhamento na discussão política. No primeiro semestre de 2002, estabelece-se uma rotina de trabalho, que tem dois momentos principais: semanalmente, em geral no domingo à tarde, um dos representantes do grupo de apoio comparece a Pedro Velho, onde participa de uma reunião com a comunidade, que se realiza no prédio da igreja católica; também semanalmente, nos terças- feiras à noite, faz-se uma reunião nas dependências do Campus universitário, da qual participam os membros do grupo de apoio e representantes da comunidade. Posteriormente, haverá modificações na dinâmica das reuniões entre assessores e integrantes do movimento dos atingidos. Mas, grosso modo, têm-se os seguintes tipos de atividades:  Reuniões periódicas com as lideranças, na cidade de Campina Grande, que cumprem os seguintes objetivos: fazer avaliação política da situação; avaliar o andamento de atividades em curso; programar atividades futuras;  Reuniões nas comunidades atingidas, sem periodicidade definida;  Preparação e realização de oficinas: tanto propostas pela assessoria estadual quanto pelo MAB nacional;  Acompanhamento do trabalho de formação de monitores de curso de alfabetização;  Proporcionar apoio logístico às atividades programadas pelo movimento dos atingidos, o que inclui propiciar veículo para a realização de atividades dos seguintes tipos: transporte de lideranças para realização de reuniões nas 5 comunidades atingidas e distribuição de cestas básicas fornecidas pelo governo federal. Toda uma outra série de iniciativas pode ser contabilizada, dentre as quais se pode citar: Redação de documentos sobre a situação em questão: ofícios; cartas; notas para a imprensa; direcionados ao Ministério Publica, ao governador do Estado; aos Deputados Estaduais; ao Presidente da República; redação da pauta de reivindicação dos atingidos; relatório de encontros; artigos para encontros de natureza científica. Preparação de dois questionários para a identificação e quantificação dos bens indenizáveis pertencentes às famílias; auxílio da aplicação de questionários propostos pelo MAB nacional e pelo programa Fome Zero; 14

Acompanhamento de comissão dos moradores em visitas ao Bispo de Campina Grande, ao Arcebispo da Paraíba; à Secretária de Recursos hídricos do governo do Estado; à representação do Governo do Estado em Campina Grande; Contribuição para a realização de uma sessão especial da Câmara de Vereadores de Campina Grande, transcorrida em 09 de maio de 2002, na qual a unanimidade dos vereadores se definiu pelo apoio à comunidade; Participação nas gestões para que o Ministério Público possa se colocar em defesa dos direitos da população atingida. Uma iniciativa dessas foi mais bem sucedida e teve duas conseqüências práticas importantes: a formulação de uma minuta de um “termo de ajuste de conduta” direcionada ao governo do estado e a realização de uma audiência pública em 18 de novembro último, na localidade de Pedro Velho Novo, município de Aroeiras (ver anexos); Contribuição na mobilização de diversas entidades em apoio à população, dentre as quais se pode citar: o pólo Sindical do Compartimento da Borborema; as entidades que compõem a ASA (Articulação do Semi-árido da Paraíba); o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a partir de sua direção nacional; o Departamento de Serviço Social da UEPB (Universidade Estadual da Paraíba); Participação na articulação do Comitê de Apoio aos Atingidos pela Barragem de Acauã, após o enchimento do lago da barragem, em fins de janeiro de 2004, que deixou desabrigadas as famílias que permaneciam na localidade de Pedro Velho, na mais usada atitude de resistência. Contribuição para que os veículos de comunicação – jornal, rádio e televisão – façam a correta divulgação dos problemas que afligem aquela população. Participação da audiência com o governador do estado, em 2 de maio de 2002, e em todas as atividades dela decorrentes. dentre as quais destaca-se: encaminhamentos tomados pelo INTERPA, inclusive participação na comissão formada para buscar equacionar os problemas dos atingidos; Participação no primeiro encontro dos atingidos pela barragem de Acauã, em parceria com o MAB (ver cópia do relatório do encontro, anexa); Participação da audiência concedida pela Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, à coordenação do MAB, em seu gabinete, em 28 de janeiro de 2003; Participação no encontro nacional do MAB, junto com representantes dos atingidos por Acauã, ocorrido em Brasília, de 29 a 31 de janeiro de 2003. 15

4 - SITUAÇÃO ATUAL DA LUTA DOS ATINGIDOS

O estado atual da população atingida é ainda pior, em que pese todo o processo de organização e luta. Numa palavra: aumentou a chance da pior solução se consolidar. E esta pior solução consiste em permanecerem de forma definitiva nos conjuntos habitacionais rurais inviáveis. O agravamento do quadro deriva de dois fatores combinados: o primeiro dado pelo reiterado descaso governamental. O segundo surge em conseqüência do súbito enchimento do lago de Acauã. A absoluta falta de interesse de dois sucessivos governos estaduais tem como conseqüência o agravamento das condições de vida das cerca de 900 famílias instaladas nos 4 conjuntos acrescidas das cerca de 50 famílias da localidade de Água Paba, no município de Natuba. O enchimento do lago transformou em desabrigado quem já era atingido por barragem. Foi um rude golpe nos “gauleses” de Pedro Velho e do Cafundó que, não aceitando ir par os conjuntos, resistiam bravamente em seus locais de vida tradicionais. Com a cheia, não puderam dar continuidade à sua estratégia de resistência... Forçados à rendição, se encontram hoje nos conjuntos. Várias famílias ainda estando desabrigadas. A condição de desabrigado deixou alquebradas as lideranças mais combativas. Que foram aos poucos se refazendo, e sucumbindo às novas condições: estão neste momento construindo suas casas em Pedro Velho Novo... Assim como outros, que estão em condição de fazê-lo. O futuro da população está condicionado ao revigoramento de sua condição de organização e luta e da capacidade de traçar eficazes estratégias de ação política. Para tanto, poderão continuar contando com a estrutura do MAB nacional e o apoio dos assessores estaduais. 16

BIBLIOGRAFIA

BARBIER, R. La Recherche Action. Paris: Anthropos, 1996.

BOURDIER, P. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

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______. Projeto de Extensão: Atingidos pela Barragem de Acauã: Apoio à Luta pelo Resgate da Cidadania, UFCG, fevereiro de 2003, mimeo.

______. Projeto de Extensão: Atingidos pela Barragem de Acauã: Apoio à Luta pelo Resgate da Cidadania, UFCG, fevereiro de 2004, mimeo.

OLIVEIRA, F.G., BARROS JÚNIOR, G, TONEEEAU, J-P., FERNANDES, M.N., Equacionamento dos problemas dos atingidos pela barragem de Acauã, na Paraíba. In: Encontro de Ciências Sociais Norte e Nordeste (ANPOCS regional), XI., 2003, São Cristóvão(Se): UFSE, 2003, CD-ROM

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SOUZA, J. F. Educação e Movimentos Sociais. In: Memória do Seminário Internacional Universidade e Educação Popular, IV, 1994, João Pessoa: UFPB, Ed. Universitária, 1994. 17

Anexo 1 XIII ASSEMBLÉIA DAS PASTORAIS SOCIAIS DO REGIONAL NE II - CNBB – PARAÍBA, RIO GRANDE DO NORTE, PERNAMBUCO E ALAGOAS –

MOÇÃO DE APOIO AOS ATINGIDOS PELA BARRAGEM DE ACAUÃ, NA PARAÍBA

Os participantes da XIII Assembléia das Pastorais Sociais do Regional NE II vêm manifestar seu mais irrestrito apoio aos atingidos pela barragem de Acauã, na Paraíba. Nesta oportunidade, expressamos nossa mais calorosa solidariedade à luta que vem sendo travada pelas cerca de 800 famílias que foram desalojadas de seus locais de vida e trabalho tradicionais em conseqüência da construção da referida barragem. Consideramos que – conforme está expresso no Estudo de Impacto Ambiental – é responsabilidade do Governo do Estado da Paraíba devolver aos atingidos, no mínimo, as mesmas condições de vida e trabalho que eles possuíam anteriormente. Antes a população, distribuída nas localidades de Pedro Velho, Cajá, Melancia, Junco, Ilha Grande, Água Paba e Cafundó, nos municípios de Aroeiras, Natuba e Itatuba, desfrutava de excepcionais condições em conseqüência de sua privilegiada localização às margens do rio Paraíba. O que lhes permitia acesso à terra fértil e livre, favorecendo sobremaneira o desenvolvimento de suas atividades produtivas, principalmente a criação de animais, a agricultura – inclusive irrigada – e a fruticultura. A estas atividades somavam-se outras tais como: magarefe, pequeno comerciante, feirante, etc. Acrescente-se: eles tinham água farta e gratuita.

O Governo do Estado ignorou completamente a imperiosa necessidade de a população desenvolver atividades produtivas e a re-assentou em conjuntos habitacionais rurais, o que é de per si um contra-senso, uma vez que não faz sentido criar conjunto habitacional no meio rural sem que a ele estejam associadas áreas de produção. Desconsiderou-se, assim, a absoluta necessidade de as famílias obterem suas condições de sobrevivência a partir dos frutos do trabalho de seus membros. As condições de vida nos conjuntos habitacionais são tão degradantes e desumanas que Pe. Rômulo (pároco de Aroeiras) perguntou se aquilo ali era uma espécie de “campo de concentração moderno”. Finalmente, conclamamos o Governador do Estado da Paraíba a reabrir o diálogo com os representantes da população organizada, de forma que sejam urgentemente encaminhadas as soluções necessárias aos problemas criados a partir de ação do próprio Governo Estadual.

Lagoa Seca, Paraíba, 28 de fevereiro de 2004. 18

Anexo 2

Trecho da minuta do “TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA E ASSUNÇÃO DE OBRIGAÇÕES CELEBRADO PERANTE O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NA PARAÍBA”, proposto pelo Dr. Duciran Van , Procurador Regional dos Direitos do Cidadão na Paraíba, instância do Ministério Público Federal no Estado.

CLÁUSULA PRIMEIRA: Constituem compromissos do Estado da Paraíba:

a) Implantar pagamento de remuneração mensal no valor de um salário mínimo às famílias dos atingidos pela Barragem de Acauã, que persistirá até que seja efetivamente cadastrada a família e recebido o benefício previsto no Programa Fome Zero. A primeira prestação deverá efetivar-se trinta dias após a celebração deste termo. b) Promover, no prazo de três meses contados da celebração deste, o efetivo cadastramento e inclusão das comunidades carentes atingidas pela construção da Barragem de Acauã no Cartão Alimentação do Programa Fome Zero do Governo Federal, assegurando-lhes a percepção dos benefícios; c) Fiscalizar as Prefeituras municipais onde estão assentadas as comunidades, em especial as de Aroeiras, Natuba e Itatuba, a fim de assegurar a meta prevista no item anterior, adotando todas as providências legais necessárias, no caso de responsabilidade pela omissão ou ação que inviabilizem a inclusão das famílias de atingidos e percepção dos benefícios, inclusive o descredenciamento do município; d) Elaborar, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias contados da celebração deste, um Plano de Desenvolvimento Sustentável (PDS), acompanhado de cronograma de atividades, contemplando as necessidades das famílias atingidas, dando ênfase a recriação de atividades produtivas que venham gerar emprego e renda. O Cronograma de Execução do Projeto deverá ser enviado ao Ministério Público Federal, que atuará como fiscalizador de sua fiel execução. e) Assegurar a participação de representante legitimamente escolhido pela população atingida em todas as etapas da elaboração e execução do PDS de que trata a alínea anterior, considerando-se o processo de escolha, a ser implementado pelo Estado, dentro do prazo ali previsto. A participação de que trata este dispositivo efetivar-se- á mediante um processo sistemático de informação e consulta à população 19

interessada sobre os seus direitos e sobre as opções possíveis para sua implementação. f) Reestruturar o processo de reassentamento da população, engajando a comunidade no processo de decisão, assegurando assentamento rural para todas as famílias que vivem de atividades rurais. A participação efetiva dos atingidos deverá ocorrer mediante reuniões periódicas, com intervalo máximo de um mês entre elas. g) Engajar a população desempregada nas atividades que surgirão com a implementação do reservatório. Para a consecução deste objetivo deverão ser implantados, nos locais de assentamento das famílias atingidas, centros de treinamento para a capacitação das mesmas. h) Incentivar a atividade de piscicultura na região, mediante a instrumentalização e capacitação das famílias atingidas. i) Acelerar os pagamentos das indenizações para aqueles que ainda não as receberam, assegurando aos desapropriados o direito a reavaliação das indenizações. 20

Anexo 3

Ministério Público Federal Procuradoria da República no Estado da Paraíba

João Pessoa, 14 de Novembro de 2004

Notícias

MPF ouvirá deslocados da

Barragem de Acauã em audiência pública

Será realizada, próximo dia 18 de novembro, a partir das 9 horas, na localidade de “novo” Pedro Velho, em Aroeiras-PB, audiência pública do Ministério Público Federal destinada a ouvir as autoridades federais, estaduais e municipais, bem como a população, a respeito da assistência aos deslocados pela construção da barragem de Acauã. Além da presença do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) e de deslocados, foram convidadas entidades da sociedade civil e autarquias, como Dnocs, Funasa, Crea, entre outros.

As populações que residiam nas áreas hoje inundadas pela Barragem de Acauã foram deslocadas para conjuntos residenciais implantados nos municípios de Aroeiras, Natuba e Itatuba. Faltam serviços públicos essenciais e condições de trabalho produtivo. No início deste ano, foi proposto ao governo estadual celebração de Termo de Ajustamento de Conduta prevendo a assistência e a melhoria de condições de vida das populações de atingidos, mas o Estado ainda não se manifestou pela sua assinatura, o que será discutido na audiência.

http://www.prpb.mpf.gov.br/