BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO DOCE (MG/ES): UMA ANÁLISE SOCIOAMBIEN- TAL INTEGRADA

André Luiz Nascentes Coelho Doutor em Geografia pela UFF Professor do Departamento de Geografia da Ufes

Introdução passam, podem ter resultados não esperados. Casos brasileiros que exemplificam, entre ou- Em uma bacia hidrográfica vários processos tros, essa situação são os reservatórios de Bal- físicos (alterações climáticas, intemperismo, bina (AM) e Juturnaíba (RJ), empreendimen- erosão, entre outros) e socioeconômicos (deci- tos que além de provocar diversos impactos, sões políticas, ações como obras de engenha- não atenderam, de fato, suas finalidades. Outra ria de barragens, transposições, desmatamen- situação emblemática é o caso do rio Paraíba tos, urbanização de cidades, etc.) analisados do Sul, na sua planície costeira atual, palco de em conjunto, promovem com o passar do tem- conflitos de usos resultantes da má gestão dos po, mudanças nas características hidrológicas, recursos hídricos, materializado em um dese- tais como: a velocidade da corrente fluvial, a quilíbrio ambiental praticamente irreparável variabilidade das descargas (diária + mensal + que comprometeu não só o escoamento natu- anual e extremas), as características bióticas, ral das águas, formas fluviais e, em parte, a etc., moldando na calha principal do rio uma linha de costa adjacente (com a intensificação morfologia de acordo com essas condições. da erosão praial pelo baixo aporte de sedimen- Assim, qualquer interferência significativa tos do rio para o mar), como também, o solo, que ocorre no interior dessa bacia repercute a vegetação nativa existente e comunidades direta ou indiretamente nos tributários e, por (CARNEIRO, 2004). sua vez, no canal principal (COELHO, 2007). É com base nesses fatores, que se pretende 1 Bacia hidrografia pode ser Em função dessas peculiaridades, a Bacia Hi- no presente artigo analisar as transformações entendida como uma área da superfície terrestre que drena 1 drográfica tornou-se, nos últimos anos, uma socioambientais na Bacia Hidrográfica do Rio água, sedimentos e materiais das referências espaciais mais comuns nos es- Doce, discorrendo, inicialmente, sobre a carac- dissolvidos para uma saída co- terização e dinâmica de importantes atributos mum, num determinado ponto tudos e projetos, não só em função dos proces- de um canal fluvial. Tal concei- sos físicos, mas pelo fato dela também estar físicos/naturais como clima, relevo e vazões to abrange todos os espaços de hoje presente em grande parte da legislação no canal principal. Na sequência, foi realiza- armazenamento, de circulação e saídas de água e do material vigente no que diz respeito ao meio ambiente, da uma análise da ocupação e da industriali- por ela transportado, que man- fazendo parte, portanto, do planejamento ter- zação, elencando-se também, os dados popu- têm relações com esses canais (Coelho Neto, 2001). ritorial e ambiental no Brasil (RODRIGUES lacionais de 2000 e 2007, juntamente com o e ADADI, 2005; BOTELHO e SILVA, 2004). desenvolvimento econômico dos municípios que compõem a bacia. Por fim, avaliou-se de Lamentavelmente, parte destas ações são efe- forma conjunta os aspectos anteriores (físicos tuadas, grande parte das vezes, sem haver um e socioeconômicos), de forma a identificar os conhecimento prévio adequado das condicio- principais momentos do “desenvolvimento” e nantes naturais do ambiente transformado. Um os efeitos socioambientais em toda a bacia, e, exemplo são as águas do rio que, dependendo em especial, na porção capixaba. Bacia hidrográfica do rio da intensidade das transformações pelas quais doce (MG/ES): uma análise socioambiental integrada

GEOGRAFARES, nº 7, 2009 • 131 1 - BACIA HIDROGRÁFICA COMO UNI- tradição, mesmo antes de ser concebida como DADE DE ANÁLISE INTEGRADA ciência, possuia um caráter sistêmico. Vários são os registros do uso desse pensamento, Para dar conta dessa problemática, o referen- sendo aqui sintetizado dois momentos: o pri- cial teórico partiu de uma abordagem sistêmi- meiro, revela o pensamento sistêmico presente ca adaptados à realidade socioambiental da desde as primeiras contribuições da geografia bacia em estudo, o que possibilita uma inves- tradicional oriunda dos naturalistas. Mais tar- tigação temporal e espacial, e a integração dos de, foi influenciada pela teoria evolucionista elementos/atributos presentes no território, com os métodos descritivos, comparativos e visto que sua aplicação alcança uma análise de generalizações empíricas, eminentemente mais completa dos processos físicos e socio- positivistas no qual a base desse conhecimento econômicos contemporâneos. partia da observação, comparação e a síntese através de leis gerais, buscando relações entre O final do século passado e início deste sécu- os elementos da paisagem. Outro momento, lo, denominado como o novo período técnico- foi após o fim da 2ª Guerra Mundial, período científico-informacional segundo Santos e em que a geografia (sobretudo a geografia físi- Silveira (2001) é caracterizado por uma so- ca) passa a ser fortemente influenciada pela te- ciedade cada vez mais dependente de tecnolo- oria teorético-quantitativa da Teoria Geral dos gias e produtos a qual passa a impor um novo Sistemas, a exemplo dos trabalhos de geomor- “ritmo” de vida e exploração dos recursos fologia de Chorlley e estudos da paisagem de- naturais. Dessa forma, o homem passa a ser senvolvidos na França, e sobretudo na Alema- considerado como um importantíssimo agente nha, destacando-se Bertrand, Tricart e outros, que cria/recria novos processos ou, em gran- sendo esse um dos fundamentos do estudo dos de parte dos casos, intensifica os processos já geossistemas (Cunha e Freitas, 2004). existentes, levando à degradação nas mais va- riadas escalas espaciais e temporais (Cunha e O conceito sistêmico foi introduzido na lite- Guerra, 2000). ratura soviética por Sotchava na década de 60 com a preocupação de estabelecer uma tipolo- Diante desse novo contexto pelo qual viven- gia aplicável aos fenômenos geográficos (ge- ciamos exige, portanto, um repensar da ciên- ossistemico), enfocando aspectos integrados cia geográfica, pois um fenômeno, antes ana- dos elementos naturais numa entidade espa- lisado como local ou regional, em termos de cial, em substituição aos aspectos da dinâmica formas e, especialmente, de processos, exige biológica dos ecossistemas. um novo olhar, uma nova escala de análise, uma nova metodologia. Ou, como destaca Para Sotchava (1977, p. 6),”embora os geos- Suertegaray (2002, p. 48): “Vivemos num mo- sistemas sejam fenômenos naturais, todos os mento da história dos homens em sociedade fatores econômicos e sociais, influenciando em que tudo tornou-se ambiental, inclusive o sua estrutura e peculiaridades espaciais, são mercado impulsionador da globalização”. tomados em consideração durante o seu estu- do”. O mesmo autor (1977, p. 9) destaca que Nesse sentido, a proposta de metodologia os geossistemas “são formações naturais, ex- sistêmica – que tem como unidade de estudo perimentando, sob certa forma, o impacto dos a Bacia Hidrografia do Rio Doce - investiga ambientes social e econômico”. não só os aspectos físicos, passando também a incorporar e articular a análise dos aspectos A proposta de classificação da paisagem so- socioeconomicos, proporcionando uma visão bre o ponto de vista sistêmico mais trabalhada geral do estado socioambiental da bacia, tor- na geografia foi a apresentada por Bertrand nando-se, a partir daí, uma metodologia mas (1971) em seu trabalho Paysage et Géographie completa e totalizante (Suertegaray, 2002). Phisique Globale, em que define seis níveis temporo-espaciais, um dos quais o geossiste- É importante ressaltar que a Geografia, por ma. Bertrand conceitua teoricamente o resul- 132 • GEOGRAFARES, nº 7, 2009 tado da combinação de um potencial ecoló- tes/bacias que vertem do Espinhaço escoando gico (geomorfologia, clima, hidrologia), uma de O para L com altitudes que variam de 300 exploração biológica (vegetação, solo, fauna) a 2.600m. É marcado por serras e cristas em e a ação antrópica. domínio do complexo Gnáissico-Magmático ocorrendo falhamentos nas direções NO-SE Assim, o estudo das transformações na pai- e NE-SO, os quais influenciaram também a sagem, acrescido da abordagem sistêmica se direção dos rios principais como o Piracicaba recria, teórica e metodologicamente, buscan- que segue a direção SO-NE; no rio do Peixe do a possibilidade de estudar novas interfaces, segue a direção NO-SE (COELHO, Op. cit.). novas interpretações e, consequentemente, A Unidade Médio Rio Doce possui seus limi- proporcionando uma melhor compreensão dos tes a jusante da confluência dos rios Doce e problemas contemporâneos. Tal metodologia Piracicaba até a divisa dos estados de Minas passa a integrar e articular de forma comple- Gerais e Espírito Santo. Abrange parte do oes- ta componentes do meio natural, valorizando te e noroeste da bacia com elevações predo- também, componentes do meio socioeconô- minantes entre 200 e 500m, situados sobre o mico - que era praticamente ignorado – e que domínio do complexo Gnáissico-Magmático- intervém na dinâmica do relevo e geoformas Metamórfico com o predomínio de Biotita- fluviais. Gnaisse, estando dispostas na direção pre- ferencial NE-SO, caracterizada por pontões 2 - OCUPAÇÃO E DINÂMICAS POPULA- graníticos e colinas com topos nivelados e CIONAL E ECONÔMICA NA BACIA HI- vales ora fechado, ora abertos. Em ambas as DROGRÁFICA DO RIO DOCE margens do rio Doce, grande parte dos cursos d`água segue a mesma direção das estruturas. 2.1 - Caracterização da Bacia As exceções ficam para os setores inferiores dos rios Manhuaçu e José Pedro, ambos se- A Bacia Hidrográfica do Rio Doce está loca- guindo a direção O-E. A Unidade Baixo Rio lizada na Região Sudeste do Brasil entre os Doce abrange a porção capixaba caracterizado estados de e Espírito Santo nos por uma morfologia variando de O para E de paralelos 17°45’ e 21°15’ de latitude sul e os colinas, tabuleiros e planície costeira. É deli- meridianos 39°55’ e 43°45’ de longitude oes- mitado a Oeste pelas colinas baixas próximo a te. Possui uma extensão total de 853 km e uma Colatina e por um importante falhamento com área de drenagem com cerca de 83.465 km² direção NNO-SSE, o qual exerce influência (COELHO, 2007), dos quais 86% pertencem sobre a direção principal dos cursos d`água ao Estado de Minas Gerais e o restante (14%) nessa área. Fato semelhante se repete entre os 2 De acordo com o Artigo 20, parágrafo III da Constituição ao Estado do Espírito Santo sendo, portanto, tabuleiros terciários do Grupo Barreiras com Federal. “ São bens da União: uma bacia de domínio federal2. o destaque para inúmeras lagoas de barragem [...] III. os lagos, rios e quais- quer correntes de águas em natural alongadas na direção NO/SE, a exem- terrenos de seu domínio, ou No que se refere aos aspectos físicos, o rio plo, a Lagoa Juparanã, Lagoa Grande, Lagoa que banhem mais de um Esta- Doce é caracterizado como um extenso rio Nova em Linhares, sendo marcado também do, sirvam de limites com ou- tros países, ou se estendam a que penetra profundamente no planalto mi- por uma extensa planície costeira quaternária. território estrangeiro ou dele neiro. Seu traçado a partir de sua formação As altitudes são variadas decrescendo em dire- provenham, bem como os ter- ritórios marginais e as praias copia mais ou menos a forma do litoral e, em ção ao canal principal e, em direção à planície fluviais; VIII. os potenciais de Governador Valadares, o rio toma a direção costeira (COELHO, Op. cit.). energia hidráulica”. leste a caminho do oceano. Este traçado do rio é explicado pelas características morfoes- De acordo com a EMBRAPA (1999), há o truturais variadas que ocorrem no interior da predomínio de duas classes de solos na bacia bacia, podendo ser dividida em três Unidades sendo a primeira o Latossolo Vermelho-Ama- Regionais: Alto, Médio e Baixo Rio Doce relo distrófico e/ou álicos, encontradas, prin-

(COELHO, 2007). A Unidade Alto Rio Doce cipalmente, nos planaltos dissecados desde Bacia hidrográfica do rio localiza-se a montante da confluência dos rios o plano e suave ondulado até o montanhoso. doce (MG/ES): uma análise Doce e Piracicaba. Envolve parte das nascen- A segunda classe é o Argissolo (Podzólico) socioambiental integrada GEOGRAFARES, nº 7, 2009 • 133 Vermelho-Amarelo ocorrendo desde o relevo normalmente: a maior velocidade de decom- plano e suave ondulado até o forte ondulado posição sofrida pelos minerais constituintes e montanhoso, com predominância do último. do material de origem (rocha); maior atividade Outros solos que ocorrem em menor propor- no processo de pedogênese dos solos tropicais ção são: Latossolo Ácrico, Cambissolo, Neos- e processos naturais de erosões. Relacionado solo Litólico e Neossolo Regolítico. Quanto a esses processos, Cunha (2001) e Almeida e aos problemas erosivos, duas áreas da unidade Carvalho (1993), apontam que a Bacia Hidro- médio rio Doce se destacam pela concentração gráfica do Rio Doce é uma das mais prolíficas desses focos. Uma delas é situada nas sub- na produção de sedimentos no país decorrente bacias dos rios Casca e Matipó e a outra loca- de um conjunto de causas, entre elas às con- lizada nas sub-bacias dos rios Suaçui Grande, centrações de precipitações, associadas aos e o rio Doce entre Baguari e Emê solos, as grandes declividades, potencializado (COELHO, 2007). pelo uso e manejo do solo inadequado.

O clima que opera no interior da bacia é o 2.2 – Ocupação e Industrialização tropical úmido, estando caracterizado, entre- tanto, por uma não uniformidade climática. Na sequência, serão enfatizados os principais Esta diversidade é explicada por um conjunto momentos da ocupação da bacia do rio Doce, de fatores, sobretudo, pela posição geográ- no decorrer do século passado e industrializa- fica, pelas características de relevo e doen- ção que contribuíram na mudança de sua pai- contro de massas de ar que atuam no interior sagem. Segundo Strauch (1955) o processo de da bacia, como é o caso do Sistema Tropical ocupação da bacia do rio Doce, Atlântico que predomina grande parte do ano, e também, do Sistema Equatorial Continental, orientou-se em dois sentidos diversos ocasionando Linhas de Instabilidade a Tropi- em épocas diferentes: do planalto na cal, sobretudo no verão, provocando chuvas direção do litoral, sem contudo atingi- intensas, com cerca de 60% do total anual. lo; e dêsse para o interior. O primeiro Normalmente, a estação chuvosa se inicia em corresponde à antiga corrente povoa- novembro e se prolonga até maio com uma dora, conseqüência do ciclo minera- distribuição heterogênea no interior da bacia, dor, enquanto o último é mais recente mas como totais anuais superiores a 700 mm. (STRAUCH, 1955, p. 45). As regiões de maior altitude e as litorâneas são as que apresentam maiores totais anuais, va- Conforme observa Strauch (Op. cit.), o povo- riando entre 900 mm e 1500 mm. Os fundos amento, no planalto, data dos primeiros anos de vales e regiões deprimidas são as que apre- do século XVIII (ciclo minerador), ocupando sentam menores totais anuais, variando entre grande parte do Espinhaço e favorecendo o 700 e 1000 mm, a exemplo do município de surgimento de municípios, como , Colatina (ES). O regime fluvial do rio Doce é Mariana e . Já o povoamento ocorrido perene e, de modo geral, acompanha a pluvio- do litoral para o interior da bacia foi iniciado, sidade. Os picos de cheias ocorrem nos meses de dezembro, janeiro e março; e as vazantes ...a partir de 1847 através dos núcle- extremas nos meses agosto e setembro (CO- os de Santa Isabel e Santa Leopoldina, ELHO, Op. cit.). Quase a totalidade da bacia respectivamente, nos rios Jucu e Santa apresenta-se temperaturas médias anuais ele- Maria da Vitória (STRAUCH, 1955, p. vadas durante boa parte do ano e, mesmo nos 47). meses mais frios, as temperaturas médias anu- ais são superiores a 18ºC e no litoral superior Assim foi que o movimento colonizador a 24ºC. desceu o vale do Santa Maria do Rio Doce, atingindo em 1891 a região das Essas condições climáticas, associadas às matas, onde hoje se acha a cidade de características de relevo/solo, proporcionam Colatina. [...] Esta penetração inicial 134 • GEOGRAFARES, nº 7, 2009 foi feita com elementos alemães de meiro deles foi em 1937, com a instalação da 3 Para saber mais a respeito, sugere-se as seguintes leituras: Santa Leopoldina, e no rio Doce ficou Companhia Siderúrgica Belgo Mineira, situa- O Sertão do Rio Doce (escrito muito anos restrita à área inicial. A da às margens do e, em 1942, a pelo historiador Haruf Salmen expansão ao longo do vale tomou im- criação da Companhia Vale do Rio Doce, em Espindola - 2005); O Vale do Rio Doce (coord.) Romeu do pulso com a chegada a Colatina, em . No ano 1953, foi inaugurada a siderúr- Nascimento Teixeira / (CVRD) 1906, dos trilhos da Estrada de Fer- gica Acesita e, em 1975, ocorreu a instalação - 2002; Norte do Espírito San- to: ciclo madeireiro e povoa- ro Diamantina (atual Vitória-Minas) de um outro segmento industrial de celulose, a mento, (BORGO et. al. 1996); (STRAUCH,1955, p. 49). Cenibra, proporcionando nos anos seguintes, O Desbravamento das Selvas o desenvolvimento de outros segmentos como do Rio Doce (Ceciliano A. de Almeida); O Norte do Espírito Conforme assinalou Strauch (Op. cit.), a ocu- de comércio e serviços ligados as atividades Santo Região Periférica em pação ao longo de todo o canal principal e ad- industriais. Transformação (Tese, Bertha K. Beker – 1969); A Bacia do jacências se deu de forma definitiva, em 1901, Rio Doce: estudo geográfico com o início da construção da Estrada de Ferro 2.3 – Aspectos Econômicos (Ney Strauch, IBGE, 1955); A Vitória-Minas (EFVM), após várias tentativas Zona Pioneira ao Norte do Rio Doce (Walter Alberto Egler, 3 sem sucesso, via rio . Nessa época, o número A economia atual na bacia é, predominante- Revista Brasileira de Geogra- total de municípios pertencentes à bacia era mente, baseada na agricultura e no comércio, fia, V. 13 – nº. 2, 1951); Alguns Problemas Geográficos na de apenas 26, com 22 destes localizados em destacando-se a cultura do café, a pecuária, a Região de entre Teófilo Oto- Minas Gerais e 4 no estado do Espírito Santo, silvicultura (em expansão nas adjacências da ni e Colatina (Pedro Pinchas sendo apenas Linhares4, situado às margens do RMVA), o comércio e os serviços dos seus Geiger, Revista Brasileira de Geografia, V. 13 – nº. 3, 1951). 5 canal principal do Rio Doce . principais centros regionais, isto é, cidades Sugere-se também o Docu- com mais de 50.000 habitantes. Próximo ao mentário: ASSIM CAMINHA REGÊNCIA. Direção: Ricardo O processo de industrialização, na bacia, ocor- litoral capixaba, a economia apresenta-se mais Sá. São Paulo: Cultura Marcas reu no final da década de 30 com a chegada diversificada com a industria, a expansão da / Doc TV, 2005. da Ferrovia, no município mineiro de Itabira silvicultura e fruticultura, com destaque para 4 O município está localizado (sub-bacia do Piracicaba), que, na década se- o mamão, maracujá, abacaxi, coco, cacau e no Baixo Rio Doce, apenas 37 guinte, passa a escoar, regularmente, o miné- cana-de-açúcar, além da pecuária, e junto a km da desembocadura do rio com o mar. rio em direção ao porto de Vitória. Em função linha de costa o crescimento das atividades dos recursos naturais encontrados na região petrolíferas. 5 Nas últimas décadas do sé- adjacente à Itabira, associados à rede ferroviá- culo XIX e início do XX, foram criados diversos municípios ria existente, foram criadas condições favorá- Na Tabela 1 são listadas as principais ativida- na Bacia, como Viçosa, Gua- veis para implantação de um pólo siderúrgico des econômicas no interior da bacia. nhães, Peçanha, Manhuaçu, Visconde do Rio Branco, Fer- conhecido, hoje, como, “Vale do Aço”. O pri- ros Caratinga, São Domingos do Prata, Alto do Rio Doce, Al- Tabela 1 - Principais Atividades Econômicas da Bacia do Rio Doce por Estados vinópolis e Abre-Campo. Des- tes, o mais próximo do canal principal do rio Doce era Ca- ratinga, a cerca de 50 km em linha reta. Até o final do ano de 1915, numa área de 30.000 km², no médio rio Doce, não havia uma única cidade, nem mesmo uma vila (STRAUCH, 1955).

Bacia hidrográfica do rio Fonte: ANA/CBH-Doce (2009), ANEEL (2006) e ANA (2001). doce (MG/ES): uma análise socioambiental integrada Org.: André Luiz N. Coelho, 2009. GEOGRAFARES, nº 7, 2009 • 135 2.4 – Dinâmica Populacional (2000 e 2007) Já o Colar Metropolitano, constituído por mu- nicípios do entorno, é formado por: Açucena, Com base nos últimos dois censos demográ- Antônio Dias, , Braúnas, , ficos do IBGE (2000 e 2007), a bacia do rio Córrego Novo, , Dionísio, En- Doce conta com 226 municípios, sendo 197, tre-Folhas, , , Jaguaraçu, Joanésia, localizados em Minas Gerais e, 29 no, Espírito Marliéria, Mesquita, , , Pingo Santo, e possuindo uma população total supe- d’Água, São José do Goiabal, São João do rior a 3.000.000 de habitantes, razoavelmente Oriente, Sobrália e . Segundo distribuída por toda a bacia. indicadores do IBGE (2007), a RMVA apre- senta grande potencial de crescimento com 6 Santos e Silveira (2001) des- Apenas 15 municípios possuem população su- integração do conjunto urbano do núcleo for- tacam que a partir da análise perior a 50.000 habitantes com uma taxa de mado por Timóteo, e Coronel Fabri- do território (considere-se a bacia do Rio Doce), mesmo urbanização média de 90%. Desses 15 muni- ciano, e, principalmente, o aumento da renda que superficial, é possível cípios, 2 em Minas Gerais, possuem popula- per capita. identificar centros regionais ção superior a 200.000 habitantes: Governador que influenciam os adjacentes, sendo estes centros dotados de Valadares (260.396 hab.) e Ipatinga (238.397 Desses 15 municípios, apenas Colatina maior estrutura, maior número hab.), que se localizam junto ao canal princi- (106.677 hab.) e Linhares (124.581 hab.) estão de vias, que acumulam densi- 7 dades técnicas e informacio- pal do rio Doce, próximo a corredores impor- localizados no Espírito Santo , possuindo uma nais, podendo até acumular tantes, como Ferrovia (com transporte diário população superior a 100.000 habitantes. A densidades populacionais, de passageiros e carga) e Rodovias Federais análise da Figura 1 também destaca que 11 dos estando mais aptos a atrair atividades com maior conte- (BR-116 e BR-381), sendo considerados os 15 municípios, com mais de 50.000 habitan- údo em capital, tecnologia e pólos dinamizadores da economia regional tes, estão próximos a importantes corredores organização. Também em fun- 6 ção destas características eles mais importantes da bacia (Figura 1). de transporte que passam no interior da bacia, são, em parte, ordenadores das desempenhando, até hoje, importante papel na decisões políticas e da produ- Há também o destaque para a Região Metro- ocupação, a exemplo da BR-101 a leste da ba- ção regional, refletindo assim na economia e na divisão do politana do Vale do Aço – RMVA-MG, sendo cia; a BR-116, que corta a parte central da ba- trabalho. a segunda maior concentração urbana indus- cia no sentido N-S; BR-381 que liga a porção

7 Do lado capixaba, 29 muni- trial do Estado de Minas Gerais, composta por Sudoeste em direção a Governador Valadares; cípios fazem parte da bacia, Ipatinga com 238.397 hab., principal municí- e a BR-262, que corta a porção sul-sudoeste, abrangendo uma população pio em população, seguido de Coronel Fabri- ligando a Vitória. A exceção superior a 735 mil habitantes (IBGE, 2007). ciano (100.867 hab.) e Timóteo (76.122 hab.). fica para Ouro Preto, Mariana, , Viçosa e Ubá (COELHO, 2007).

136 • GEOGRAFARES, nº 7, 2009 Bacia hidrográfica do rio doce (MG/ES): uma análise socioambiental integrada

GEOGRAFARES, nº 7, 2009 • 137 3. – PRINCIPAIS TRANSFORMAÇÕES SO- CIOAMBIENTAIS A montante de Colatina, o processo de devas- tação da floresta se deu de forma mais rápida, 3.1 – O Ciclo Madeireiro e a Devastação das na medida em que a estrada de ferro ia avan- Matas Nativas çando em direção ao interior. Parte dessa ma- deira extraída era transportada pela ferrovia e A paisagem da bacia era coberta, em sua maior outra parte era levada para uma empresa mul- parte, por mata nativa com Campos de Altitu- tinacional do ramo de exploração madeireira. de (na Serra do Caparaó, Serra do Espinhaço Borgo et. al. (1996, p. 69) diz, e Serra da Mantiqueira), Floresta Estacional Semidecidual e o predomínio da Floresta Om- ... foi exatamente por causa desta ri- brófila Densa (ou Mata Atlântica) com rico queza natural que os pioneiros assis- estoque de mata ciliar, considerado por alguns tiram a um dos mais tristes capítulos especialistas uma das maiores biodiversidades da história da colonização do norte 8 Espécies como (nome vul- 8 gar/científico): Pau-Brasil de espécies madeireiras do país (BORGO et capixaba, quando surgiu em Nanu- (Caesalpinia echi), Sapucaia al. 1996), em função da localização da bacia, que (MG), cidade que fica a 15 km da (Lecythis sp.), Cedro (Cedrela somada a um conjunto de fatores naturais, a fronteira com o Espírito Santo, uma sp.), ipê (Tabebuia sp.), Pe- roba (Aspidospermum sp.), exemplo do relevo, clima e latitude, que pro- indústria multinacional de exploração Ingá-ferro (Ínga capitata), piciam condições especiais para o desenvolvi- de madeira, Bralanda (sic) (Convênio Jacarandá (DaÍbergia sp.), Maçaranduba (Manilkara sal- mento dessa diversidade florística. com o Brasil – Holanda): esta indús- zmannii), Copaíba (Copaifera tria a maior da América Latina, até langsdorffii), Angico (Acacia O processo inicial de extinção da mata ocor- então, fazia com que os colonizadores sp.), Braúna (Melanoxylon sp.), entre outras. reu, de forma mais intensa, na unidade baixo vendessem as suas matas de qualquer rio Doce (STRAUCH, 1955), nas adjacências maneira. de Linhares até Colatina, com a utilização de técnicas rudimentares de derrubada de árvore Strauch (1955) descreveu o mesmo processo com machado. O tronco era transportado por (ciclo madeireiro) em Governador Valadares, uma junta de bois, através das picadas abertas a partir da chegada da ferrovia, por volta de na mata, até às margens, sendo jogado no rio, 1910, cuja base da economia era, basicamente, descendo em direção a Povoação, comunida- a exploração e a industrialização da madeira de localizada junto à foz, sendo ali embarcada (dormentes, lenha) e um grande número de em navios. Esse processo de extração, como serrarias. Conforme suas palavras, destaca Borgo et al. (1996), era o mais viável nessa época (primeira metade do século XIX), as estradas de ferro são também gran- pois não havia, praticamente, estradas em boas des devastadoras e consumidoras das condições para o transporte dessa madeira. matas e capoeiras. Em 1949 a Estra- Entretanto, parte destas toras encalhava nos da de Ferro Vitória-Minas que serve 9 Tal fato pode ser constatado 9 em uma das várias visitas à re- bancos de areia junto à foz , não chegando aos a bacia (Colatina-Itabira-) gião, juntamente com entrevis- navios para embarque. Borgo et al. (Op. cit.) consumiu 264.000 metros cúbicos de tas realizadas com pescadores relatam que esse “ciclo madeireiro” foi mar- lenha. Quando se viaja pela região, mais antigos da localidade de Regência, situada na margem cante, a partir de 1910 até o final da década ao longo das ferrovias e nas estações, sul do rio. de 60, com a construção de inúmeras serrarias, vê-se grande quantidade de lenha e nas proximidades das matas, apresentando, no carvão aguardando transporte tradu- final deste período, sinais de exaustão, em fun- zindo a intensa exploração da floresta ção do crescimento dessa atividade e dos mé- (Strauch, 1955 p. 98). todos mais rápidos de corte e transporte. Um exemplo é o caso da sede municipal de Ara- Dessa forma, em menos de quatro décadas, cruz (ES), em que havia na rua principal mais grande parte das matas nativas, incluído a de 42 grandes serrarias, dado o grande estoque ciliar, foram, aos poucos, dando lugar a uma de matas da região do vale do rio Doce e norte paisagem de café e pastagem, impulsionada do Espírito Santo. pela construção da Ferrovia e a chegada dos 138 • GEOGRAFARES, nº 7, 2009 colonos, que propiciavam o desenvolvimento (ES), Aimorés (MG), (MG), de pequenos aglomerados populacionais que (MG), (MG), Governador se transformavam, com o passar do tempo, Valadares (MG), entre outras, apontadas na em municípios. São exemplos dessa situa- Tabela 2. ção, o surgimento de cidades como Colatina

Tabela 2 - Implantação da Ferrovia e a Criação dos Municípios ao longo do Rio Doce

Modificado de: CVRD (2002). Org. André Luiz N. Coelho, 2007.

3.2 – A Industrialização e a Urbanização no Médio rio Doce (Vale do Aço) Costa (2000) em pesquisa na atual Região Metropolitana Vale do Aço observou que os Outro fator importante que contribuiu para o efeitos da monocultura do eucalipto provocam surgimento de novos municípios, na unidade não só alterações sobre o meio físico (fauna, médio rio Doce, foi a criação do pólo indus- flora, solos, etc.,) como também nas popula- trial em uma região praticamente desabitada, ções que moram nessas áreas e tiram da terra promovendo, a partir de então, um expressivo grande parte de seu sustento. A pesquisadora fluxo migratório e o surgimento do aglomera- identificou o que ocorre, na maioria dos casos, do urbano do Vale Aço, envolvendo, sobretu- é o comprometimento dessas terras pela mo- do, as cidades de Ipatinga, nocultura, que reduz, sensivelmente, a dispo- e Timóteo, potencializado pela construção da nibilidade da água de subsuperfície, secando rodovia Rio-Bahia (BR-116), que provocou, inúmeros corpos d´água, além de causar outros no decorrer dos anos, a supressão das matas efeitos físicos negativos, forçando as famílias para fornecimento de carvão para as siderur- a vender suas terras e migrarem para áreas pe- gias. Na década de 40, houve a introdução do riféricas dos centros urbanos. Assim, as con- eucalipto10 nas adjacências das indústrias, de sequências ambientais do reflorestamento são 10 Com o uso de quantidades elevadas de herbicidas nos forma a aliviar a pressão sobre os fragmentos transferidas para o meio ambiente urbano atra- plantios de eucaliptos. de florestas naturais, praticamente inexisten- vés da mobilidade dessa população. tes, atendendo a demanda, cada vez mais cres- Bacia hidrográfica do rio cente, das siderurgias e indústria produtora de Tais impactos, certamente, são maiores para doce (MG/ES): uma análise celulose (COELHO, 2007). a parcela da população com condições socio- socioambiental integrada

GEOGRAFARES, nº 7, 2009 • 139 econômicas mais deteriorada, desenraizada, 3.3 – Os Impactos Atuais na Bacia Hidrográfi- precariamente inserida no mercado de traba- ca na Porção Capixaba lho, ocupando as áreas urbanas mais desfavo- recidas com um custo ambiental muito maior. A Bacia Hidrográfica do Rio Doce faz parte A leste da bacia, (unidade baixo rio Doce), de uma das doze unidades hidrogeográficas ou processo semelhante foi notado, na década Unidades Administrativas de Recursos Hídri- de 50, com a construção da BR-101 (em di- cos do estado do Espírito Santo (IEMA, 2004) reção a Salvador), impulsionando o avanço sendo a maior unidade em volume de vazão da supressão da mata nativa além dos limites e área de drenagem no estado, abrangendo na da bacia, seguido do processo de urbanização totalidade 18 municípios e, também, parte de como observado no município de Linhares - 10 outros (COELHO, 2007). ES (ESPINDOLA, 2005; BORGO et al. 1996; e BEKER, 1969). Em relação às principais demandas de água para irrigação, foi possível constatar, através Do ponto de vista físico, os efeitos da supres- dos trabalhos de campo realizados no interior são da mata e urbanização (novos parcelamen- de toda a bacia, que a agricultura irrigada é tos) proporciona, normalmente, o aumento da muito mais presente no estado Espírito Santo. velocidade das águas superficiais (pluviais) Um exemplo observado são as monoculturas que eram antes interceptadas pelas matas, com irrigadas, em ilhas como na localidade de Ita- boa parte absorvida pelo solo. O que ocorre, pina, no município de Colatina. A jusante da geralmente, nessas áreas é a chegada mais rá- sede municipal de Colatina também foi regis- pida das águas das chuvas para os tributários e trada a ocorrência de monoculturas irrigadas para a calha principal do rio por fluxos concen- e a introdução da silvicultura na localidade de trados que provocam processos de erosões, do Barbados. tipo laminar, ravina e voçoroca, transportando quantidades expressivas de sedimentos que, No entanto, no município de Linhares, é onde por sua vez, causam assoreamento e a ocor- predominam as maiores áreas irrigadas nas rência de cheias mais frequentes no rio. Tam- ilhas e, em ambas às margens, propiciadas bém as características do relevo e dos solos, pelas características naturais de relevo e solos a exemplo do Argissolo Vermelho-Amarelo existentes, correspondendo com as principais encontrados em grande parte em relevo forte áreas irrigadas (Figura 2) mapeadas pela ANA ondulado a montanhoso das bordas e interior (2005). Esse mapa também espacializa os mu- da bacia são muitas vezes alterados a partir nicípios fora do canal principal como São Ga- da atuação do homem com a prática de des- briel da Palha, que capta água do rio São José; matamentos das encostas, cortes inadequados Santa Tereza, que demanda água do rio Santa de terrenos para construção de residências e Maria do Rio Doce; Itarana, que capta do rio estradas, causando efeitos irreversíveis como Santa Joana; Laranja da Terra, que demanda os escorregamentos. Dessa forma, a ocorrên- do rio Guandu. Todos eles com retirada de cia conjunta e a intensificação dos processos água/área estimada entre 1,0 e 2,0 l/s/km². Os degradantes ao longo dos anos refletiram e municípios de Linhares, Colatina, Governador refletem sensivelmente na dinâmica das águas Lindenberg e Itaguaçu possuem demandas en- da bacia podendo ser comprovada a partir da tre 0,5 e 1,0 l/s/km², e, Rio Bananal, São Do- redução das vazões do rio e alterações das ge- mingos do Norte, João Neiva e Afonso Cláu- oformas fluviais como, ilhas, bancos arenosos, dio possuem demandas inferiores estimadas paranás, perfil transversal, padrões de drena- entre 0,25 e 0,5 l/s/km² (ANA, 2005). gem (COELHO, 2007).

140 • GEOGRAFARES, nº 7, 2009 Outro estudo das Áreas Irrigadas por Municí- da infiltração no solo), escoando diretamen- pio elaborado pela ANA (2005), destaca a uni- te para os cursos d`água (COELHO, 2007). dade regional baixo rio Doce com as maiores Entretanto, dado surpreendente foi a redução áreas irrigadas, notadamente, nos municípios registrada entre as décadas de 1940 e 1950, de Colatina e Linhares, com parcelas superio- quando as vazões cairam de 1.313 m³/s para res a 6.500 ha; São Gabriel da Palha, Santa 927 m³/s, uma queda de 386 m³/s. A partir de Teresa, Itaguaçú e Laranja da Terra, com área então, não houve registros, em uma década, de irrigada entre 2.500 e 6.500 ha. vazões superiores a 1.000 m³/s.

Com relação aos valores de vazões, a série his- Na década de 1960, a vazão permaneceu está- tórica (1939 a 2008) da estação fluviométri- vel (870 m³/s), com uma redução de 57 m³/s. ca de Colatina (ES) tabulados por décadas na Na década de 1970, apresentou uma redução Tabela 3, aponta uma redução considerável, e de vazão considerável de 150 m³/s, e, na dé- sua relativa recuperação a partir dos anos 80. cada de 1990, um acréscimo de vazão de 129 Ou seja, um reflexo das transformações- so m³/s, com média de 845 m³/s, e, entre 2001 e cioambientais ocorridas no interior da bacia, 2008, houve uma estabilização com média de a exemplo do ciclo madeireiro que interferiu 844 m³/s. na dinâmica das águas precipitadas (redução

Bacia hidrográfica do rio doce (MG/ES): uma análise socioambiental integrada

GEOGRAFARES, nº 7, 2009 • 141 Tabela 3 - Média de Vazões por Década Estação Colatina (1939 – 2008)

Fonte de dados: acesso em: 04 de novembro de 2009. Org.: André Luiz N. Coelho.

Em relação às demandas totais por trechos da Metropolitana da Grande Vitória, gerando um bacia, a ANA (2005), destaca que no canal novo uso consultivo (COELHO, 2007). principal do rio Doce, a partir da divisa com o Espírito Santo até a Foz, é o segmento que Do ponto de vista da dinâmica hídrica, a que-

11 com exceção do rio Ma- apresenta as maiores demandas na bacia. A da dos valores de vazão, em função das no- nhuaçu. Para saber mais a justificativa desses valores elevados são- de vas demandas, intensificará, a médio prazo, respeito das vazões “estima- correntes de um conjunto de fatores de ordem respostas morfodinâmicas ampliadas ao longo das” das principais sub-bacias do rio Doce, ver o trabalho de física/natural, como o próprio formato da ba- do canal fluvial, como por exemplo a redução Marques (2006) e, também, cia, apresentando neste trecho, que abrange o no transporte de sedimentos e seu aporte junto as estimativas de vazões das UHEs de Mascarenhas e Ai- estado capixaba, uma menor área de abran- à desembocadura com o mar, desencadeando morés elaborada pela ONS gência e captação de águas precipitadas, con- processos erosivos mais frequentes nas praias (2003). sequentemente, refletindo em cursos d`água adjacentes, em função da baixa reposição se- com pequena representatividade em termos de dimentar (há mais retirada que reposição de vazão11, o que resulta em um menor volume sedimentos), o que produz resultados seme- de água bruta. lhantes aos registrados na foz dos rios Paraíba do Sul e São Francisco. Outros fatores de ordem socioeconômica con- tribuem, significativamente, para a redução Face a essa realidade, o trecho do canal prin- do volume de vazão, no trecho mencionado, cipal do rio Doce, desde o município de Ai- como a operação de dois reservatórios para morés (divisa entre MG e ES) até a desembo- geração de energia (Usinas Hidrelétricas de cadura, torna-se um dos mais complexos da Aimorés e Mascarenhas), interferindo nas bacia, apresentando um cenário de prováveis marés naturais do rio; elevada população de conflitos. municípios, como Linhares (124.581 hab.) e Colatina (106.677 hab.), com perspectivas de CONSIDERAÇÕES FINAIS crescimento de indústrias no município de Li- nhares e adjacências, como a Aracruz (indús- A análise conjunta das transformações da pai- tria de celulose que já transpõe parte das águas sagem aponta que a Bacia Hidrográfica do Rio do rio Doce). Além dessas necessidades ante- Doce, ao longo dos tempos, sofreu profun- riores, estão sendo propostos projetos polêmi- das modificações e teve o seu maior impacto cos, como a transposição de parte das águas da junto ao canal principal e adjacências, impul- bacia do rio Doce para atender parte da Região sionado pela construção da Ferrovia Vitória- 142 • GEOGRAFARES, nº 7, 2009 Minas, criando condições para o surgimento cional de Gerenciamento de Recursos e expansão municípios como: Ipatinga (MG), Hídricos; Coronel Fabriciano (MG), Governador Vala- dares (MG), Conselheiro Pena (MG), Aimorés • Fazer cumprir as demais Leis e Decretos (MG) e Colatina (ES), havendo concomitante que tratam a respeito dos cursos d`água a esse processo, a extração de madeiras nas e gestão da bacia hidrográfica. proximidades da estrada de ferro, que resultou na supressão de grandes áreas de mata nativa, • Revisão imediata nos Estudos de Im- inclusive, extensões consideráveis de mata ci- pactos Ambientais (EIAs) e Relatórios liar, potencializando os processos erosivos dos de Impactos Ambientais (RIMAs) para solos. construção de barragens, transposições, etc., pois os procedimentos atuais exi- Em função dessas práticas passadas (e recen- gidos para realização dos respectivos tes) o maior manancial de água doce do estado EIAs/RIMAs não conseguem dar conta do Espírito Santo apresenta reduzida vazão, da realidade socioambiental das regiões níveis elevados de assoreamento, efeitos estes e municípios, possuindo sérias deficiên- que podem levar o rio Doce, num futuro próxi- cias. mo, a uma situação ainda mais crítica, a partir, de novas demandas, a exemplo da utilização • Maior integração das questões sociais de parte de suas águas para abastecimento da e ambientais no processo de tomada de Região Metropolitana de Vitória (RMV), as- decisões, a exemplo de planos diretores, sim como já ocorre na Região Metropolitana construção de barragens, transposições, do Rio de Janeiro (RMRJ - captando água do desvios ou outras obras de engenharia Paraíba do Sul) e Região Metropolitana de que de alguma forma produzam efeitos Belo Horizonte (RMBH - captada do rio das na quantidade e qualidade das águas do Velhas), podendo com isso provocar efeitos canal principal. socioambientais irreparáveis, como o com- prometimento de solos junto à desembocadura • Estudo das vazões ao longo dos anos (provável avanço da cunha salina), alterações como um dos instrumentos eficientes na morfologia de praias adjacentes, além de de gestão da bacia, pois permite estabe- danos sociais para comunidades que depen- lecer medidas adequadas, baseadas na dem do rio, como os pescadores e pequenos realidade hídrica de determinado rio, a agricultores (conflitos de usos). exemplo da melhor utilização da água.

Por fim, são sugeridas algumas diretrizes com REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS base em experiências bem sucedidas em ou- tras regiões do país com o objetivo de garantir ALMEIDA, Sérgio B.; CARVALHO, Newton uma maior sustentabilidade da bacia: de O. Efeitos do assoreamento de reservató- rios na geração de energia elétrica: análise • Maior integração dos estados de Minas da UHE de Mascarenhas, ES. X SIMPÓSIO Gerais e Espírito Santo (inseridos na ba- BRASILEIRO DE RECURSOS HÍDRICOS, cia) em projetos de educação ambiental I SIMPÓSIO DE RECURSOS HÍDRICOS ou projetos voltados para conservação e DO CONE SUL. Anais... Gramado, RS, 1993. recuperação das matas ciliares no canal p. 1-8. principal e sub-bacias; ANA – Agência Nacional de Águas. Bacias • Garantir a participação dos representan- Hidrográficas do Atlântico Sul - Trecho Leste: tes do estado; municípios e sociedade sinopse de informações do Espírito Santo, Rio

civil (comitês de bacias) nos processos de Janeiro, Bahia e Sergipe (cd nº 4), Série: Bacia hidrográfica do rio de gestão da bacia conforme a Lei Fe- Sistema Nacional de Informações Sobre Re- doce (MG/ES): uma análise deral 9.433 que instituiu a Política Na- cursos Hídricos, 2001. (CdRom). socioambiental integrada GEOGRAFARES, nº 7, 2009 • 143 ANA, Disponibilidades e Demandas Hídricas deral Fluminense, Instituto de Geociências, no Brasil, Brasília: ANA, 2005. Departamento de Geografia), Niterói, 2007.

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Bacia hidrográfica do rio doce (MG/ES): uma análise socioambiental integrada

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