Bacia Hidrográfica Do Rio Doce (Mg/Es): Uma Análise Socioambien- Tal Integrada
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BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO DOCE (MG/ES): UMA ANÁLISE SOCIOAMBIEN- TAL INTEGRADA André Luiz Nascentes Coelho Doutor em Geografia pela UFF Professor do Departamento de Geografia da Ufes Introdução passam, podem ter resultados não esperados. Casos brasileiros que exemplificam, entre ou- Em uma bacia hidrográfica vários processos tros, essa situação são os reservatórios de Bal- físicos (alterações climáticas, intemperismo, bina (AM) e Juturnaíba (RJ), empreendimen- erosão, entre outros) e socioeconômicos (deci- tos que além de provocar diversos impactos, sões políticas, ações como obras de engenha- não atenderam, de fato, suas finalidades. Outra ria de barragens, transposições, desmatamen- situação emblemática é o caso do rio Paraíba tos, urbanização de cidades, etc.) analisados do Sul, na sua planície costeira atual, palco de em conjunto, promovem com o passar do tem- conflitos de usos resultantes da má gestão dos po, mudanças nas características hidrológicas, recursos hídricos, materializado em um dese- tais como: a velocidade da corrente fluvial, a quilíbrio ambiental praticamente irreparável variabilidade das descargas (diária + mensal + que comprometeu não só o escoamento natu- anual e extremas), as características bióticas, ral das águas, formas fluviais e, em parte, a etc., moldando na calha principal do rio uma linha de costa adjacente (com a intensificação morfologia de acordo com essas condições. da erosão praial pelo baixo aporte de sedimen- Assim, qualquer interferência significativa tos do rio para o mar), como também, o solo, que ocorre no interior dessa bacia repercute a vegetação nativa existente e comunidades direta ou indiretamente nos tributários e, por (CARNEIRO, 2004). sua vez, no canal principal (COELHO, 2007). É com base nesses fatores, que se pretende 1 Bacia hidrografia pode ser Em função dessas peculiaridades, a Bacia Hi- no presente artigo analisar as transformações entendida como uma área da superfície terrestre que drena 1 drográfica tornou-se, nos últimos anos, uma socioambientais na Bacia Hidrográfica do Rio água, sedimentos e materiais das referências espaciais mais comuns nos es- Doce, discorrendo, inicialmente, sobre a carac- dissolvidos para uma saída co- terização e dinâmica de importantes atributos mum, num determinado ponto tudos e projetos, não só em função dos proces- de um canal fluvial. Tal concei- sos físicos, mas pelo fato dela também estar físicos/naturais como clima, relevo e vazões to abrange todos os espaços de hoje presente em grande parte da legislação no canal principal. Na sequência, foi realiza- armazenamento, de circulação e saídas de água e do material vigente no que diz respeito ao meio ambiente, da uma análise da ocupação e da industriali- por ela transportado, que man- fazendo parte, portanto, do planejamento ter- zação, elencando-se também, os dados popu- têm relações com esses canais (Coelho Neto, 2001). ritorial e ambiental no Brasil (RODRIGUES lacionais de 2000 e 2007, juntamente com o e ADADI, 2005; BOTELHO e SILVA, 2004). desenvolvimento econômico dos municípios que compõem a bacia. Por fim, avaliou-se de Lamentavelmente, parte destas ações são efe- forma conjunta os aspectos anteriores (físicos tuadas, grande parte das vezes, sem haver um e socioeconômicos), de forma a identificar os conhecimento prévio adequado das condicio- principais momentos do “desenvolvimento” e nantes naturais do ambiente transformado. Um os efeitos socioambientais em toda a bacia, e, exemplo são as águas do rio que, dependendo em especial, na porção capixaba. Bacia hidrográfica do rio da intensidade das transformações pelas quais doce (MG/ES): uma análise socioambiental integrada GEOGRAFARES, nº 7, 2009 • 131 1 - BACIA HIDROGRÁFICA COMO UNI- tradição, mesmo antes de ser concebida como DADE DE ANÁLISE INTEGRADA ciência, possuia um caráter sistêmico. Vários são os registros do uso desse pensamento, Para dar conta dessa problemática, o referen- sendo aqui sintetizado dois momentos: o pri- cial teórico partiu de uma abordagem sistêmi- meiro, revela o pensamento sistêmico presente ca adaptados à realidade socioambiental da desde as primeiras contribuições da geografia bacia em estudo, o que possibilita uma inves- tradicional oriunda dos naturalistas. Mais tar- tigação temporal e espacial, e a integração dos de, foi influenciada pela teoria evolucionista elementos/atributos presentes no território, com os métodos descritivos, comparativos e visto que sua aplicação alcança uma análise de generalizações empíricas, eminentemente mais completa dos processos físicos e socio- positivistas no qual a base desse conhecimento econômicos contemporâneos. partia da observação, comparação e a síntese através de leis gerais, buscando relações entre O final do século passado e início deste sécu- os elementos da paisagem. Outro momento, lo, denominado como o novo período técnico- foi após o fim da 2ª Guerra Mundial, período científico-informacional segundo Santos e em que a geografia (sobretudo a geografia físi- Silveira (2001) é caracterizado por uma so- ca) passa a ser fortemente influenciada pela te- ciedade cada vez mais dependente de tecnolo- oria teorético-quantitativa da Teoria Geral dos gias e produtos a qual passa a impor um novo Sistemas, a exemplo dos trabalhos de geomor- “ritmo” de vida e exploração dos recursos fologia de Chorlley e estudos da paisagem de- naturais. Dessa forma, o homem passa a ser senvolvidos na França, e sobretudo na Alema- considerado como um importantíssimo agente nha, destacando-se Bertrand, Tricart e outros, que cria/recria novos processos ou, em gran- sendo esse um dos fundamentos do estudo dos de parte dos casos, intensifica os processos já geossistemas (Cunha e Freitas, 2004). existentes, levando à degradação nas mais va- riadas escalas espaciais e temporais (Cunha e O conceito sistêmico foi introduzido na lite- Guerra, 2000). ratura soviética por Sotchava na década de 60 com a preocupação de estabelecer uma tipolo- Diante desse novo contexto pelo qual viven- gia aplicável aos fenômenos geográficos (ge- ciamos exige, portanto, um repensar da ciên- ossistemico), enfocando aspectos integrados cia geográfica, pois um fenômeno, antes ana- dos elementos naturais numa entidade espa- lisado como local ou regional, em termos de cial, em substituição aos aspectos da dinâmica formas e, especialmente, de processos, exige biológica dos ecossistemas. um novo olhar, uma nova escala de análise, uma nova metodologia. Ou, como destaca Para Sotchava (1977, p. 6),”embora os geos- Suertegaray (2002, p. 48): “Vivemos num mo- sistemas sejam fenômenos naturais, todos os mento da história dos homens em sociedade fatores econômicos e sociais, influenciando em que tudo tornou-se ambiental, inclusive o sua estrutura e peculiaridades espaciais, são mercado impulsionador da globalização”. tomados em consideração durante o seu estu- do”. O mesmo autor (1977, p. 9) destaca que Nesse sentido, a proposta de metodologia os geossistemas “são formações naturais, ex- sistêmica – que tem como unidade de estudo perimentando, sob certa forma, o impacto dos a Bacia Hidrografia do Rio Doce - investiga ambientes social e econômico”. não só os aspectos físicos, passando também a incorporar e articular a análise dos aspectos A proposta de classificação da paisagem so- socioeconomicos, proporcionando uma visão bre o ponto de vista sistêmico mais trabalhada geral do estado socioambiental da bacia, tor- na geografia foi a apresentada por Bertrand nando-se, a partir daí, uma metodologia mas (1971) em seu trabalho Paysage et Géographie completa e totalizante (Suertegaray, 2002). Phisique Globale, em que define seis níveis temporo-espaciais, um dos quais o geossiste- É importante ressaltar que a Geografia, por ma. Bertrand conceitua teoricamente o resul- 132 • GEOGRAFARES, nº 7, 2009 tado da combinação de um potencial ecoló- tes/bacias que vertem do Espinhaço escoando gico (geomorfologia, clima, hidrologia), uma de O para L com altitudes que variam de 300 exploração biológica (vegetação, solo, fauna) a 2.600m. É marcado por serras e cristas em e a ação antrópica. domínio do complexo Gnáissico-Magmático ocorrendo falhamentos nas direções NO-SE Assim, o estudo das transformações na pai- e NE-SO, os quais influenciaram também a sagem, acrescido da abordagem sistêmica se direção dos rios principais como o Piracicaba recria, teórica e metodologicamente, buscan- que segue a direção SO-NE; no rio do Peixe do a possibilidade de estudar novas interfaces, segue a direção NO-SE (COELHO, Op. cit.). novas interpretações e, consequentemente, A Unidade Médio Rio Doce possui seus limi- proporcionando uma melhor compreensão dos tes a jusante da confluência dos rios Doce e problemas contemporâneos. Tal metodologia Piracicaba até a divisa dos estados de Minas passa a integrar e articular de forma comple- Gerais e Espírito Santo. Abrange parte do oes- ta componentes do meio natural, valorizando te e noroeste da bacia com elevações predo- também, componentes do meio socioeconô- minantes entre 200 e 500m, situados sobre o mico - que era praticamente ignorado – e que domínio do complexo Gnáissico-Magmático- intervém na dinâmica do relevo e geoformas Metamórfico com o predomínio de Biotita- fluviais. Gnaisse, estando dispostas na direção pre- ferencial NE-SO, caracterizada por pontões 2 - OCUPAÇÃO E DINÂMICAS POPULA- graníticos e colinas com topos nivelados e CIONAL E ECONÔMICA NA BACIA HI- vales ora fechado, ora abertos. Em ambas as DROGRÁFICA DO RIO DOCE margens do rio Doce, grande parte dos cursos d`água segue a mesma direção das estruturas.