Bichos Do Paraná
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PALEONTOLOGIA y Bichos do Paraná 1 Fósseis de mamíferos e ave indicam a existência de uma antiga fauna desconhecida que viveu na região de Curitiba há 40 milhões de anos Marcos Pivetta epois da extinção dos dinos- fósseis de vertebrados no Brasil – foram predadores carnívoros que tinham gran- sauros há 66 milhões de anos, descobertos em um novo sítio paleonto- des dentes caninos e atingiram o tama- as formas de vida animal ter- lógico no Paraná. nho de um leopardo. restre tomaram um caminho De um afloramento rochoso da for- A maior parte da fauna de Guabirotuba R EDO D S singular em algumas partes do globo. Na mação geológica Guabirotuba, na divisa é igual ou se assemelha aos mamíferos América do Sul, que tinha se separado de Curitiba com o município vizinho de fósseis encontrados na província de NANDO R da África e ainda não estava conectada Araucária, uma equipe coordenada por Chubut, na Patagônia argentina, que FE 4 à América do Norte, surgiu uma ordem pesquisadores da Universidade Federal viveram em um momento geológico ONS de mamíferos com placenta, a dos Xe- do Paraná (UFPR) e da Universidade conhecido como Barrancano, entre 42 mm narthra, hoje quase toda extinta, com Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e 39 milhões de anos atrás. Mas uma nova EDIA CO exceção dos atuais tatus, preguiças e ta- encontrou dentes e fragmentos ósseos espécie até então desconhecida de tatu M manduás. Também aqui apareceram as de 10 tipos distintos de mamíferos pla- primitivo, o Proeocoleophorus carlinii, foi primeiras “aves do terror”, nome popular centários: sete com carapaça, ancestrais descrita no artigo científico que apresen- EBATTY / WIKI EBATTY de carnívoros gigantes, igualmente desa- dos extintos gliptodontes e dos atuais tou os achados do sítio paranaense, publi- D parecidos da Terra, que eram incapazes tatus, e três com casco, tecnicamente cado neste ano no Journal of Mammalian RÉGINE 3 de voar e pertenciam à família Phorus- denominados ungulados. Entre os mar- Evolution. Os pesquisadores recuperaram rhacidae. Exemplares dessa antiga fauna supiais, mamíferos com um envoltório uma grande quantidade de placas fossi- ONS sul-americana que viveram entre 42 e em forma de bolsa para carregar filhotes, lizadas que compunham a carapaça do mm 39 milhões de anos atrás – intervalo de foram achados vestígios de três gêneros animal. “Começamos a estudar o novo EDIA CO tempo que, até agora, não tinha registros extintos, inclusive dos sparassodontes, sítio pelos mamíferos, pois alguns des- M ses fósseis ocorrem apenas no intervalo ON / WIKI Barrancano e funcionam como evidência R REXT para datação geológica”, explica o pa- 2 leontólogo Fernando Sedor, coordenador ONS científico do Museu de Ciências Naturais mm da UFPR e principal autor do estudo. EDIA CO Esse é o caso dos vestígios do tatu pri- M Reconstituição mitivo do gênero Utaetus e do sparas- de dois mamíferos extintos, semelhantes sodonte do gênero Nemolestes, ambos aos encontrados agora encontrados na capital paranaen- no sítio paranaense, se. “Nos próximos trabalhos, devemos o marsupial descrever ao menos duas novas espécies sparassodonte (alto) JOSE MANUEL CANETE / WIKI 1 2 e o astrapotério extintas de marsupiais”, diz o paleon- (à esq.) tólogo Eliseu Vieira Dias, professor da FOTOS 64 z ABRIL DE 2017 4 Fósseis de diferentes animais Unioeste, de Cascavel. Além dos mamí- me de Proeocoleophorus carlinii porque resgatados em aparenta ser uma forma mais antiga e Curitiba, como a feros, o sítio de Curitiba ainda apresenta mandíbula de um fósseis de peixes, anfíbios, tartarugas, anterior do Eocoleophorus, um gênero ungulado, o crocodilomorfos, moluscos, uma “ave do extinto de tatu primitivo encontrado ori- casco de uma terror” e rastros e marcas deixados nas ginalmente na região de Taubaté. Sedor tartaruga e Dias esperam identificar outros casos e o dente de um rochas por invertebrados. Os primeiros astrapotério fósseis da formação Guabirotuba foram semelhantes ao comparar os fósseis das achados em 2010 pelos geólogos Anto- formações Itaboraí, Tremembé e Gua- nio Liccardo, da Universidade Estadual birotuba, situadas em bacias do Sudeste de Ponta Grossa (UEPG), e Luiz Carlos que se originaram em razão do chama- Weinschütz, da Universidade do Con- do Rift Continental do Sudeste do Bra- testado (UnC), de Santa Catarina, que sil. Essa ruptura deu origem a diversas ali encontraram um dente de crocodi- falhas que resultaram em um conjunto lomorfo. Posteriormente, Sedor e Dias de vales com mais ou menos 100 quilô- iniciaram pesquisas sistemáticas na lo- metros (km) de largura e que se estende calidade, que levaram ao resgate de um por cerca de mil km, desde o litoral do conjunto mais amplo de fósseis. Paraná até o Rio de Janeiro, passando por Curitiba e São Paulo. NOVO TATU PRimiTIVO Os estudos comparativos de vertebra- No Brasil, além de Guabirotuba, existem dos não vão se limitar aos mamíferos. apenas quatro formações geológicas co- Em parceria com os colegas do Paraná, nhecidas com fósseis de vertebrados do o paleontólogo Herculano Alvarenga, Paleógeno, período geológico entre 66 fundador e diretor do Museu de Histó- e 23 milhões de anos atrás: Maria Fa- ria Natural de Taubaté, deverá analisar rinha, em Pernambuco, com material os vestígios do exemplar de “ave do ter- de idade entre 66 e 56 milhões de anos ror” achado na capital paranaense. “Eles atrás; Itaboraí, no Rio de Janeiro (56 e 48 realmente acharam um Phorusrhacidae”, milhões de anos); Entre-Córregos, em explica Alvarenga, especialista em aves Minas Gerais (35 e 30 milhões de anos); fósseis. “Ele é menor que o nosso Para- e Tremembé, na bacia de Taubaté, em physornis brasiliensis, mas pode ser o São Paulo (28 e 16 milhões de anos). Mas primeiro representante de ‘ave do ter- só foram encontrados vestígios de ma- ror’ que viveu durante o Eoceno [época míferos do Paleógeno em Itaboraí e em geológica entre 55 e 36 milhões de anos Tremembé. Em termos cronológicos, os atrás].” O paleontólogo de Taubaté des- fósseis de Curitiba apresentam, portanto, cobriu um esqueleto quase completo do Um fóssil de uma idade intermediária em relação às Paraphysornis brasiliensis e descreveu a “ave do terror”, faunas extintas encontradas nessas duas espécie, um predador de 2 metros de al- parecido com formações. “Os mamíferos de Guabiro- tura que aterrorizava o Vale do Paraíba o Paraphysornis brasiliensis, cujo tuba são um pouco mais novos do que os com seu bico em forma de gancho há 23 3 modelo (à esq.) está de Itaboraí e um pouco mais velhos do milhões de anos. n em um museu na que os de Tremembé”, comenta Sedor. Áustria, foi achado “Eles são de extrema importância para na formação Guabirotuba entender a evolução de algumas linha- Artigo científico gens de mamíferos na América do Sul.” SEDOR. F. A. et al. A new South American paleogene land mammal fauna, Guabirotuba formation (Southern A nova espécie de mamífero xenar- Brazil). Journal of Mammalian Evolution. v. 24, n. 1, p. tro descoberta no Paraná recebeu o no- 39-55. mar. 2017. PESQUISA FAPESP 254 z 65.