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MEDIDAS ANTROPOMÉTRICAS OROFACIAIS EM CRIANÇAS DE TRÊS A CINCO ANOS DE IDADE

Anthropometrical orofacial measurement in children from three to five years old

Raquel Bossle(1), Mônica Carminatti(1), Bárbara de Lavra-Pinto(1), Renata Franzon (2), Fernando de Borba Araújo (3), Erissandra Gomes(3)

RESUMO

Objetivo: obter as medidas antropométricas orofaciais em crianças pré-escolares de três a cinco anos e realizar a correlação com idade cronológica, gênero, raça e hábitos orais. Métodos: estudo transversal com 93 crianças selecionadas por meio de amostra de conveniência consecutiva. Os responsáveis responderam a um questionário sobre os hábitos orais e as crianças foram submetidas a uma avaliação odontológica e antropométrica da . O nível de significância utilizado foi p<0,05. Resultados: as médias das medidas antropométricas orofaciais foram descritas. Houve diferença estatística nas medidas de altura da face (p<0,001), terço médio da face (p<0,001), canto externo do olho até a comissura labial esquerda/direita (p<0,001) e lábio inferior (p=0,015) nas faixas etárias. O gênero masculino apresentou medidas superiores na altura de face (p=0,003), terço inferior da face (p<0,001), lábio superior (p=0,001) e lábio inferior (p<0,001). Não houve diferença estatisticamente significante na altura do lábio superior em sujeitos não brancos (p=0,03). A presença de hábitos orais não influenciou os resultados. O aleitamento materno exclusivo por seis meses influenciou o aumento da medida de terço médio (p=0,022) e da altura da face (p=0,037). Conclusão: as médias descritas neste estudo foram superiores aos padrões encontrados em outros estudos. As médias orofaciais aumentaram conforme a idade. Houve superioridade nas medidas para o gênero masculino e para as crianças não brancas, mas não para presença de hábitos orais.

DESCRITORES: Antropometria; Face; Medidas; Criança; Pré-Escolar

„„ INTRODUÇÃO ergonomia, desporto e engenharia. Na área da saúde, a utilização pela Fonoaudiologia, como um A antropometria é definida como a ciência que dos métodos para a avaliação morfológica da face, estuda as medidas de tamanho, peso e proporções destaca-se na última década 2-14. do corpo humano 1. A mesma tem sido utilizada em A avaliação antropométrica orofacial é baseada diversas áreas do conhecimento como a saúde, na localização de pontos específicos da face do sujeito e execução de medições de forma não invasiva 3,15; é uma técnica de baixo custo e que não (1) Curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal do Rio oferece riscos à saúde do sujeito 3,4,14. Por resultar em Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil. dados objetivos, podem ser comparados, uma vez (2) Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), estabelecido o padrão de normalidade de medidas Porto Alegre, RS, Brasil. antropométricas orofaciais para a população 3. O (3) Departamento de Cirurgia e Ortopedia da Universidade paquímetro digital, um dos instrumentos utilizados Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil. para a medição, é de fácil manipulação e trans- Trabalho realizado na Clínica Infanto-Juvenil da Faculdade de porte; por ter graduação de 0,01 mm, não apresenta 5 Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul diferença clinicamente significante . (UFRGS) Na motricidade orofacial, área de conheci- Conflito de interesses: inexistente mento da Fonoaudiologia, o paquímetro é usado

Rev. CEFAC. 2015 Maio-Jun; 17(3):899-906 900 Bossle R, Carminatti M, Lavra-Pinto B, Franzon R, Araújo FB, Gomes E na avaliação quantitativa da face, mais especifi- média aritmética entre elas. As medidas analisadas camente em avaliações de frênulo de língua, na foram: terço médio da face (glabela a sub-nasal paralisia facial, na estética facial, no estudo da (g-sn)); terço inferior da face (sub-nasal a gnatio predominância mastigatória, entre outros 16. Os (sn-gn)); altura da face (glabela a gnatio (g-gn)) - procedimentos da antropometria podem ajudar o soma do terço médio com o inferior; canto externo fonoaudiólogo a complementar o exame clínico, do olho direito à comissura do lábio direita (ex-ch); fornecendo informações da caracterização da face canto externo do olho esquerdo à comissura do e dados reproduzíveis 11,12,16. lábio esquerda (ex-ch); lábio superior (sub-nasal ao Referências da normalidade de medidas antro- ponto mais inferior do lábio superior (sn-sto)) e lábio pométricas orofaciais são encontradas na literatura, inferior (do ponto mais superior do lábio inferior porém, a maioria refere-se a crianças em idade ao gnatio (sto-gn)). Não foi realizada a medida da escolar, adolescentes e adultos 1,3,4,6,9,16,17. Dados largura da face (zy-zy), pois o instrumento para sobre medidas da face de crianças abaixo de medição utilizado não comporta tal medida. seis anos de idade são encontrados somente na Como preconizado na literatura, para a coleta 1 literatura internacional . Assim, o objetivo deste das medidas antropométricas orofaciais, todas as estudo foi obter medidas antropométricas orofaciais etapas metodológicas foram consideradas: locali- em crianças pré-escolares de três a cinco anos e zação precisa e palpação antes da marcação dos correlacionar com idade, gênero, raça e hábitos pontos antropométricos que foi realizada com lápis orais. apropriado; utilização do paquímetro sem o pressio- namento de suas pontas sobre a pele; examinador „„ MÉTODOS em posição sentada à frente do pesquisado, sob incidência de luz artificial direta; sujeito avaliado Trata-se de um estudo transversal, observacional sentado com a cabeça em posição natural e com e contemporâneo. A pesquisa foi desenvolvida na os pés apoiados no chão; sujeito avaliado com Clínica Infanto-Juvenil da Faculdade de Odontologia os dentes em oclusão na posição habitual, sem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul máxima intercuspidação 3-5,9,13. (UFRGS) no período de março/2011 a março/2013. A antropometria foi realizada sempre pela A pesquisa foi aprovada, sob o número 19236, pelo mesma fonoaudióloga, com especialização na Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio área de motricidade orofacial e com experiência no Grande do Sul (UFRGS). manejo com o instrumento. O paquímetro utilizado A amostra foi constituída de 93 crianças, com foi o digital da marca DIGIMESS Pró-Fono/2006. idades entre três e cinco anos, selecionadas por Os itens de biossegurança foram atendidos. meio de uma amostra de conveniência consecutiva. Os responsáveis responderam um questionário Os critérios de inclusão no estudo foram além da sobre os hábitos orais (aleitamento materno, uso idade, apresentar dentição decídua com a erupção e frequência de chupeta e mamadeira, sucção de completa dos quatro primeiros molares. Foram digital, onicofagia, hábito de respirar pela boca). A excluídas crianças que já realizaram ou realizavam administração do questionário sobre hábitos orais tratamento fonoaudiológico independente da área; foi realizada por outra pesquisadora, que foi previa- crianças com histórico de tratamento ortodôntico mente treinada na leitura pausada e na entonação ou ortopédico facial; crianças com síndromes, constante para a aplicação de cada questão e malformação craniofacial e/ou doença neurológica, opções de respostas. crianças cujos responsáveis não permitiram a parti- cipação no estudo ou crianças que se indispuseram As crianças que apresentaram alterações nos a realizar as medidas antropométricas orofaciais aspectos odontológicos e/ou fonoaudiológico foram propostas. encaminhadas para os respectivos serviços, na Inicialmente, as crianças foram avaliadas por um própria instituição. Dentista Odontopediatra. A avaliação da oclusão foi Os resultados foram cruzados e analisados realizada em equipo odontológico, sob iluminação, e segundo hábitos orais, idade, gênero e raça. Em se observou ausência ou presença de maloclusões relação à idade, as crianças foram divididas em (mordida aberta anterior e/ou posterior; sobre- três grupos: de três anos a três anos e 11 meses; mordida; mordida cruzada anterior e/ou posterior, de quatro anos a quatro anos e 11 meses; de unilateral ou bilateral). cinco anos a cinco anos e 11 meses. Os sujeitos Para a avaliação fonoaudiológica foi utilizado o foram considerados como respiradores oronasais subitem “Face” do item número dois do Protocolo mediante respostas dos questionários, acrescida MBGR 18 que registra as medidas antropométricas da observação da fonoaudióloga durante a reali- orofaciais em três momentos e, ao final, se realiza a zação da antroposcopia e dos dados da avaliação

Rev. CEFAC. 2015 Maio-Jun; 17(3):899-906 Antropometria de face em crianças 901 completa de motricidade orofacial, realizada por e dois meses (mínimo de dois meses e máximo de meio do Protocolo MBGR 18. quatro anos e um mês), entretanto somente cinco No sistema de classificação por cor ou raça da crianças foram amamentadas exclusivamente por população, de acordo com o Instituto Brasileiro seis meses. de Geografia e Estatística (IBGE), constam A partir dos dados colhidos é possível analisar cinco categorias: branca, preta, amarela, parda que 80 (86%) crianças fizeram uso da mamadeira em e indígena 19. Neste estudo as crianças foram algum estágio da infância e que 62 (66,7%) utilizou divididas em brancos e não brancos, sendo que o artefato com bico comum. O uso de chupeta foi este último engloba as categorias preta, amarela, referido em 45 (48,4%) das crianças, entretanto 20 parda e indígena. A análise da raça foi realizada crianças ainda a utilizam. A exemplo da mamadeira, por meio das imagens fotográficas de cada sujeito, em 28 (62,2%) o tipo do bico é comum. Já no que considerando a concordância entre dois observa- se refere ao hábito de sucção digital, verificou-se dores; quando não havia concordância, um terceiro apenas 10 (10,8%) dos indivíduos tiveram esse foi convidado a opinar. comportamento, porém sete destes indivíduos Para a análise estatística dos dados obtidos ainda o mantém. foi utilizado o software Statistical Package for A média de idade da retirada da mamadeira, Social Science (SPSS) v.18.0 for Windows. Para da chupeta e da sucção digital foi de 3,7±1,3, as variáveis categóricas foram realizadas análises 3,5±1,5 anos e 3,5±1,9 anos, respectivamente. de frequência absoluta e de frequência relativa Constatou-se que 78 crianças (83,9%) ainda em percentual; e para as variáveis quantitativas apresentavam hábitos orais. calculadas média, desvio padrão, mínima, máxima Na Tabela 1 estão descritas as medidas orofa- e intervalo de confiança de 95% (IC ). Para as 95% ciais obtidas na pesquisa. comparações entre os grupos foram utilizados os testes t de Student e ANOVA, que em algumas A Tabela 2 apresenta as médias das medidas situações foi complementado pelo teste Tukey. antropométricas orofaciais distribuídas nas três Para verificar a confiabilidade interobservadores faixas etárias e revelou aumento conforme a idade. foi utilizado o teste Kappa. O nível de significância Quanto à relação entre medidas antropomé- utilizado foi de 5%. tricas orofaciais e gênero (tabela 3), verificou-se que as medidas do terço inferior da face (sn-gn) „„ RESULTADOS para o gênero masculino foram maiores. A Tabela 4 apresenta os dados referentes à As 93 crianças tinham média de idade de análise das medidas orofaciais segundo a raça 4,5+0,9 anos. Dividindo por grupos: 29 (31,2%) do sujeito, dividindo por branco e não branco. A entre três anos e três anos e 11 meses, 30 (32,3%) concordância interobservadores para este item foi entre quatro anos e quatro anos e 11 meses e 34 quase perfeita (k=0,941). (36,6%) entre cinco anos e cinco anos e 11 meses. A função respiratória também foi correlacionada Do total, 75,3% eram brancos e 52,7% do gênero com as medidas antropométricas orofaciais (Tabela masculino. O aleitamento materno foi realizado em 5) e o aumento das medidas nos respiradores 86 (92,5%) crianças, com uma mediana de um ano oronasais não apresentou significância estatística.

Tabela 1 - Descrição das medidas antropométricas orofaciais

Medidas Média ± DP Mínimo Máximo IC 95% Altura da face (g-gn) 99,4±5,6 90,1 118,1 98,2-100,5 Terço médio da face (g-sn) 45,2±3,5 36,5 56,7 44,5-45,9 Terço inferior da face (sn-gn) 54,2±3,6 48,4 62,0 53,4-54,9 Canto externo do olho até a comissura labial direita 58,3±3,2 51,8 66,9 57,6-58,9 (ex-ch) Canto externo do olho até a comissura labial 57,9±3,2 51,2 67,1 57,3-58,6 esquerda (ex-ch) Lábio superior (sn-sto) 17,9±1,8 13,4 22,3 17,6-18,4 Lábio inferior (sto-gn) 35,9±2,9 27,3 42,9 35,4-36,5 Legenda: DP = desvio padrão; IC = intervalo de confiança;g = glabela; gn = gnatio; sn = sub-nasal; ex = canto externo do olho; ch = cheilion; sto = estômio

Rev. CEFAC. 2015 Maio-Jun; 17(3):899-906 902 Bossle R, Carminatti M, Lavra-Pinto B, Franzon R, Araújo FB, Gomes E

Tabela 2 - Análise das medidas antropométricas orofaciais segundo faixa etária (média ± desvio padrão)

Idade 3:0 – 3:11 4:0 – 4:11 5:0 – 5:11 Medidas Valor p* anos anos anos (n=29) (n=30) (n=34) Altura da face (g-gn) 96±4 a 100,5±6,1 b 101,2±5,2 b <0,001 Terço médio da face (g-sn) 43±2,8 a 46,2±3,5 b 46,1±3,7 b <0,001 Terço inferior da face (sn-gn) 52,9±2,9 54,2±3,8 55,1±3,7 0,070 Canto externo do olho até a comissura labial direita 56,5±2,6 a 58,3±3,0 b 59,8±3,0 b <0,001 (ex-ch) Canto externo do olho até a comissura labial 56,3±2,7 a 57,9±3,2 ab 59,4±2,9 b <0,001 esquerda (ex-ch) Lábio superior (sn-sto) 17,9±1,9 18,1±1,5 18±1,9 0,885 Lábio inferior (sto-gn) 34,7±2,6 a 36,1±2,9 ab 36,8±2,8 b 0,015 Legenda: * p<0,05 pelo ANOVA; a,b – letras iguais não diferem pelo teste de Tukey; g = glabela; gn = gnatio; sn = sub-nasal; ex = canto externo do olho; ch = cheilion; sto = estômio

Tabela 3 - Análise das medidas antropométricas orofaciais segundo gênero (média ± desvio padrão)

Masculino Feminino Medidas Valor p* (n=49) (n=44) Altura da face (g-gn) 100,9±5,7 97,6±5 0,003 Terço médio da face (g-sn) 45,3±3,7 45,1±3,4 0,742 Terço inferior da face (sn-gn) 55,6±3,4 52,5±3,1 <0,001 Canto externo do olho até a comissura labial direita 58,9±3 57,6±3,3 0,063 (ex-ch) Canto externo do olho até a comissura labial 58,8±3,3 57,3±3 0,057 esquerda (ex-ch) Lábio superior (sn-sto) 18,9±1,9 17,3±1,6 0,001 Lábio inferior (sto-gn) 37,2±2,8 34,6±2,4 <0,001 Legenda: * p<0,05 pelo t de Student; g = glabela; gn = gnatio; sn = sub-nasal; ex = canto externo do olho; ch = cheilion; sto = estômio

Tabela 4 - Análise das medidas segundo a raça do sujeito (média ± desvio padrão)

Branco Não Branco Medidas Valor p* (n=70) (n=23) Altura da face (g-gn) 98,8±5,2 101±6,6 0,117 Terço médio da face (g-sn) 44,9±3,3 46±4,1 0,192 Terço inferior da face (sn-gn) 53,9±3,4 54,9±3,9 0,241 Canto externo do olho até a comissura labial direita 57,9±3,2 59,2±3,2 0,118 (ex-ch) Canto externo do olho até a comissura labial 57,6±3,1 59±3,2 0,072 esquerda (ex-ch) Lábio superior (sn-sto) 17,8±1,9 18,7±1,5 0,030 Lábio inferior (sto-gn) 35,7±2,8 36,5±3 0,256 Legenda: * p<0,05 pelo t de Student; g = glabela; gn = gnatio; sn = sub-nasal; ex = canto externo do olho; ch = cheilion; sto = estômio

Rev. CEFAC. 2015 Maio-Jun; 17(3):899-906 Antropometria de face em crianças 903

Tabela 5 - Análise das medidas antropométricas orofaciais segundo a função respiração (média ± desvio padrão)

Respiração Respiração Medidas Valor p* Oronasal Nasal Altura da face (g-gn) 100,1±6,6 98,8±5,0 0,172 Terço médio da face (g-sn) 45,4±4 45,1±3,3 0,739 Terço inferior da face (sn-gn) 55,3±4,2 53,6±3,1 0,065 Canto externo do olho até a comissura labial direita 58,7±3,9 58,1±2,8 0,446 (ex-ch) Canto externo do olho até a comissura labial esquerda 58,1±3,8 57,9±2,9 0,830 (ex-ch) Lábio superior (sn-sto) 18,4±2,2 17,8±1,6 0,135 Lábio inferior (sto-gn) 36,1±2,8 35,8±2,9 0,649 Legenda: * p<0,05 pelo t de Student; g = glabela; gn = gnatio; sn = sub-nasal; ex = canto externo do olho; ch = cheilion; sto = estômio

A amamentação em si não resultou em diferença de face (g-gn) aos três anos a média de 87,7 mm; entre as médias das medidas orofaciais (p>0,05), aos quatro a média de 94,5 mm e aos cinco a porém a amamentação exclusivamente por seis média de 96,6 mm. Para a medida de lábio inferior meses parece influenciar significantemente na (sto-gn), o autor traz como referência aos três anos medida do terço médio da face (g-sn) (p=0,022) média de 35,5 mm; aos quatro, média de 40,6 mm aumentando em aproximadamente 5 mm e na e aos cinco anos média de 41,7 mm 1. Os resultados altura da face (g-gn) (p=0,037) em aproximada- dos valores obtidos para esta última medida são mente 7 mm. semelhantes aos três anos de idade, porém, variam Em relação aos aspectos dentários, 40 (43%) em média 4,7 mm se comparados aos quatro e apresentaram algum tipo de alteração oclusal, cinco anos de idade. sendo a mordida aberta a mais prevalente, seguida A literatura relata dados referentes à norma- de sobremordida e de mordida cruzada. lidade das medidas para crianças de sete e 11 anos. A presença de outros hábitos, além dos A média da medida do terço médio de face (g-sn) é descritos acima, bem como alterações oclusais, de 51,4 mm, variando entre 43,0 mm e 60,9 mm; não influenciaram significantemente as medidas a média do terço inferior de face (sn-gn) é de 58,7 da face propostas neste estudo para a faixa etária mm, variando entre 49,6 mm e 72,4 mm; a média estabelecida. do lábio inferior (sto-gn) é de 39,7 mm variando entre 31,0 mm e 50,2 mm; e média do lábio superior „„ DISCUSSÃO (sn-sto) é de 18,1 mm, variando entre 13,0 mm e 23,1 mm 4. Constata-se que a medida que menos Apenas um estudo internacional foi encontrado1 diferiu das encontradas neste estudo foi a do lábio com amostra de crianças em idade pré-escolar, superior (sn-sto) e a que mais divergiu foi a de terço porém com medidas em pontos antropométricos da médio da face (g-sn), ampliando 6,2 mm. face distintos dos usados nesta pesquisa. Estudos Numa revisão de literatura 16 foram apresentadas, nacionais, que utilizaram as mesmas medidas a partir de estudos internacionais, as referências do presente estudo, estabeleceram parâmetros de parâmetros para a normalidade em adultos das da normalidade para as medidas orofaciais em medidas de terço de face médio (g-sn) (média de crianças acima de seis anos de idade, adolescentes 65,2 mm) e inferior (sn-gn) (média de 69 mm) e e adultos 3-5. lábio inferior (sto-gn) (média de 45,3 mm) e superior Abaixo, serão realizadas as comparações com (sn-sto) (média de 21,6 mm). Ao estabelecer o estudo internacional; para os estudos nacionais relações entre os dados acima com o deste estudo, não é viável a comparação direta entre os dados, percebe-se que há um aumento nas alturas dos entretanto foram realizadas hipóteses. terços médio (g-sn) (em torno de 20 mm) e inferior Os resultados dos valores obtidos nesta amostra (sn-gn) (em torno de 15 mm) e lábio superior (sn-sto) para a medida de altura de face (g-gn) foram (em torno de 4 mm) comparando as crianças em maiores em média 6,3 mm que as encontradas no idade pré-escolar e os adultos, entretanto a medida estudo internacional 1 em todas as faixas etárias. O de lábio inferior (sto-gn) é semelhante. A literatura referido estudo traz como referência para a altura aponta que o lábio inferior (sto-gn) se apresenta

Rev. CEFAC. 2015 Maio-Jun; 17(3):899-906 904 Bossle R, Carminatti M, Lavra-Pinto B, Franzon R, Araújo FB, Gomes E desenvolvido em idade precoce: aos cinco anos as que a variação das medidas nos estudos podem crianças de gênero masculino já possuem 84,2% estar relacionada a grande miscigenação racial do tamanho adulto; para as do gênero feminino este brasileira 13. 1 percentual é de 91,4% . Corroborando com a presente pesquisa, que Considerando a faixa etária das crianças demonstrou valores de medidas faciais menores avaliadas no presente estudo, cabe ressaltar a (mas somente com o lábio superior com signi- inter-relação entre o desenvolvimento da dentição ficância) nos sujeitos brancos daqueles obtidos e o crescimento e desenvolvimento facial, que é para os sujeitos não brancos, um estudo infere que amplamente regulada pelos dentes que se fazem os indivíduos negros têm uma leve tendência em presentes 20. A oclusão dos 20 dentes decíduos se apresentar um padrão vertical superior em relação estabelece usualmente aos três anos de idade, e é aos indivíduos brancos, o mesmo deve ser aplicado também por volta desta idade que a relação maxila para medidas antropométricas 27. e mandíbula está estabelecida e padrão maxiloman- Em outra pesquisa 9, cujo objetivo foi comparar dibular geral não muda mais significantemente 21. as médias das dimensões de face entre as crianças Na faixa etária pesquisada a presença de alteração paulistanas com os padrões de normalidade oclusal não influenciou a medida facial. publicados para a população norte americana, Há citação na literatura que o tipo facial é foram encontradas médias menores nas crianças preservado dos cinco aos 25 anos de idade em paulistanas em todas as faixas etárias e em ambos 77% da população e essa regularidade foi mantida os sexos. Na comparação da população de norte em 88% dos sujeitos acompanhados entre cinco americanos acima com crianças de Santiago do 22 e 12 anos de idade . O crescimento continua a Chile, entre cinco e oito anos, não houve diferença causar alterações nos tecidos moles, decorrentes entre as populações, porém o autor ressalta que a do aumento em volume, mas a tendência é de metodologia aplicada foi diferente 28. que a configuração esquelética facial se mantenha constante durante o crescimento, já que é geneti- Analisando os dados dos estudos acima camente determinada. Entretanto, no estágio de referidos, atenta-se à importância de realização de dentadura decídua, mesmo que a face não tenha pesquisas na região sul do Brasil, na determinação alcançado sua dimensão final já é possível avaliar das medidas faciais, porque as mesmas parecerem clinicamente e definir o padrão esquelético facial 23. ser influenciadas pela origem da migração geográfica. Deve-se considerar a influência da No presente estudo houve uma evolução nas colonização italiana e alemã nesta região, o que medidas entre os grupos de três e quatro anos. pode ter determinado o aumento das medidas Todavia, as medidas mostraram um ganho menor faciais deste estudo no que diz respeito ao padrão de crescimento de quatro para cinco anos quando vertical superior, em comparação com o interna- comparadas com o crescimento de três para quatro 1 anos. Na literatura pesquisada não foi encontrado cional . nenhum estudo que fizesse a comparação entre Considerando o modo respiratório, alguns crescimento craniofacial de crianças na faixa etária autores 5,8,29 encontraram associação entre o modo deste estudo. Considera-se que existem dois respiratório e alterações morfológicas faciais. Num períodos de grande velocidade de crescimento desses estudos, as medidas que se mostraram craniofacial: os dois primeiros anos de vida; e na diferentes entre os grupos foram: lábio superior etapa puberal 22. (sn-sto), lábio inferior (sto-gn), terço inferior da face Quanto à diferença entre gêneros, a presente (sn-gn) e lados da face (ex-ch), além das diferenças pesquisa obteve uma diferença 3,3 mm na altura de nas proporções entre lábios superior e o inferior, e 5 face (g-gn) e 1,6 mm na medida de lábio superior entre o terço médio e o terço inferior da face . (sn-sto) entre meninos e meninas, enquanto na Nesta pesquisa, embora as medidas antro- referida pesquisa internacional 1 as diferenças foram pométricas orofaciais tenham se apresentadas de 1,9 mm e 0,6 mm. Estudos apontam ocorrência superiores nos respiradores oronasais não foram de dimorfismo sexual 13,24-26 concordando que, em encontradas diferenças estatísticas para as geral, as medidas obtidas nas análises são maiores medidas antropométricas orofaciais entre respi- no gênero masculino do que no feminino. Na radores oronasais e nasais. Corroborando com o pesquisa efetuada, o mesmo acontece na maioria presente estudo, uma pesquisa recente 14, contendo das medidas, exceto no terço médio da face (g-sn). respiradores oronasais e nasais, constatou que as Diferenças nas medidas e nas proporções medidas orofaciais se apresentaram semelhantes faciais são demonstradas em estudos compostos entre os dois grupos. Os achados do referido com populações de diversas raças 3,4,9,11-13,25,26. estudo se assemelharam aos obtidos em outras Autores discutem que os achados dos trabalhos e pesquisas 7,30, que, mesmo utilizando metodologia

Rev. CEFAC. 2015 Maio-Jun; 17(3):899-906 Antropometria de face em crianças 905 diferente, sugerem que o modo respiratório não „„ CONCLUSÃO pode ser considerado como fator primário para as alterações orofaciais. Entretanto, considera-se Em vista dos resultados apresentados e como limitação deste estudo o modo respiratório ter discutidos pode-se concluir que as médias das sido diagnosticado somente por meio da avaliação medidas antropométricas orofaciais aumentam fonoaudiológica. com a idade, porém se mantém mais próximas O conhecimento sobre as medidas antropo- quando comparados os grupos de quatro e cinco métricas orofaciais em crianças e suas variações anos. Verificou-se que as médias descritas neste estudo foram superiores aos padrões encontrados no que se refere à idade, gênero, raça e hábitos em outros estudos para a mesma faixa etária. O orais pode enriquecer a avaliação da motricidade gênero masculino apresentou maiores medidas orofacial e contribuir no estabelecimento do antropométricas, com significância estatística do diagnóstico funcional realizado pelo fonoaudi- terço inferior da face; igualmente, as crianças não ólogo, trazendo dados objetivos sobre a morfologia brancas em todas as medidas, com significância facial 9. Também é importante ressaltar que na estatística na medida do lábio superior. A presença literatura nacional ainda não havia dados sobre a de hábitos orais não influenciou significantemente população nesta faixa etária. os resultados dessa amostra.

ABSTRACT

Purpose: to obtain the orofacial anthropometric measurements in preschool children from three to five years old and realize the connection of these data with chronological age, gender, race,and oral habits. Methods: a transversal study with 93 children selected through consecutive convenience sample. Parents answered a questionnaire about the oral habits and children underwent odontological evaluation and orofacial anthropometric. The significance level was p <0.05. Results: the averages of orofacial anthropometric measurements were described. There were statistical differences in measures of midface (p<0.001), lower face (p<0.001), face height (p<0.001) and lower lip (p=0.015) in the age groups. The male gender showed higher mesures in height of the face (p=0.003), lower face (p<0.001), upper lip (p=0.001) and lower lip (p<0.001). There was no statistically significant difference in the height of the upper lip in non-caucasian subjects (p=0.03). The presence of oral habits didn’t influence the outcomes. The exclusive for six months influenced the rise of the middle third (p=0.022) and height of the face (p=0.037). Conclusion: the measurements described in this study were higher than those found in other studies. The orofacial measurement increased with age. There were higher on measures for masculine gender and for non-white children, but not for the presence of oral habits.

KEYWORDS: ; Face; Measures; Child; Child, Preschool

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