MARIANA GRAVINA PRATES JUNQUEIRA

O MOVIMENTO DA VIDA NO VALE DO GAMARRA, SUL DE .

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

SÃO PAULO 2009

MARIANA GRAVINA PRATES JUNQUEIRA

O MOVIMENTO DA VIDA NO VALE DO GAMARRA, SUL DE MINAS GERAIS.

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Soc iais sob

orientação do Prof. Doutor Rinaldo Arruda

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

SÃO PAULO 2009

BANCA EXAMINADORA

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A ttodosodos que sonham em viver ou vivem no Vale do Gamarra AGRADECIMENTOS

À minha querida família, que tem me apoiado em todos os momentos: Ao meu pai com seu incansável incentivo, À minha mãe pelo apoio e revisões do texto, À minha avó com seu carinho, Ao meu marido pela paciência e compreensão nos momentos difíceis, Aos meus filhos, Pedro e Gabriel, que até se acostumaram com as minhas ausências,

A todos àqueles que vivem ou pretendem viver no Vale e que com paciência e carinho me receberam em suas casas e abriram suas vidas para minha pesquisa.

Aos meus professores: Rinaldo Arruda, Lúcia Rangel, Carmem Junqueira e Antônio Carlos Diegues que contribuíram muito com seus ensinamentos e sugestões para meu texto;

A então coordenadora do programa professora Terezinha Bernardes e à Capes pela bolsa de pesquisa que possibilitou que eu concluísse esse trabalho;

A Deus por tornar possível o que eu julguei impossível.

RESUMO

No Vale do gamarra, na zona rural de Baependi, no sul de minas Gerais, ocorre a interação entre a população local, denominada tradicional caipira, e os novos habitantes, que chegam à região. As relações socioculturais entre esses atores constituem o objeto desta dissertação. A compreensão das características da população tradicional caipira e da sua reprodução cultural permitiram verificar as influências da sociedade urbano- industrial, que acontecem com a chegada dos meios de comunicação e de novos moradores nessa área cultural caipira. As interações culturais entre os grupos, numa realidade rural relativamente isolada e peculiar, delinearam grandes transformações. Observamos, portanto, um intenso fluxo migratório: de caipiras que se mudam para a cidade e citadinos que procuram novas formas de vida no campo. Nesse sentido, o campo vai recebendo não só novos moradores, como também vão nascendo novas realidades: atividades econômicas e diferentes formas de reprodução sociocultural, dando origem a múltiplas transformações sociais, tanto na região estudada como em diversas outras. Envolvendo muitos atores em uma realidade de alta complexa, a região rural de Baependi, além de constituir área cultural caipira, abarca grande beleza cênica e de preservação ambiental atraindo sempre novos visitantes. Enfim, em meio a uma realidade complexa e peculiar, a dinâmica migratória reproduz novas realidades em um processo de interação sociocultural com novas relações sociais, afetivas e religiosas no local.

Palavras chaves : populações tradicionais, caipiras, fluxos migratórios, novas realidades rurais no Brasil, Vale do Gamarra.

ABSTRACT

In a rural place in Brasil, south of Minas Gerais, Baependi, Vale do Gamarra, takes place a interation of a local population, denominated tradicional caipira and new habitants that have moved to this local. The sociocultural relations between this actors is the object of de text. As a beguining the caractecteristic of the tradicional population caipira and its cultural reiinvention were observed and then the compreension of the urban-industry society influences, the mass media and new neighbors, beyond this “caipira cultural area”. The cultural interation between this tho groups, in a rural and especifc reality, produces many changes. In fact we can see a intense migratory fluxe: caipira that have moved to the city and urban cityzen that search new ways of life in the contryside. As a result the countryside starts to receive nem habitants, and new realities: economics activities and a particular socialcultural reprodution, so many social changes, in the research area as others in Brasil. This subject envolvs diferents parts in a complex situation in Baependi countryside; it is a cultural caipira area and has great natural beauties with enviroment preservation areas that has atracted many visitants. Lastly, in the middle of a specific and complex reality, the migratory moviment produces new realities in a sociocultural interation process, with new social, emotional and religion relations in this área.

KKKeyKeyeyey----wordswords : tradicional population, caipiras, migratory flux, new rural realities in Brasil, Vale do Gamarra.

SUMÁRIO

Introdução ...... 10

Capítulo 1: A região de Baependi e as Minas Gerais ...... 20

1.1: O Vale do Gamarra...... 34

Capítulo 2 : O Vale do Gamarra e a sua população ...... 38

2.1: O caipira e as peculiaridades do processo de povoamento...... 64

Capítulo 3: As interações da cidade com o campo ...... 69

3.1: A gente de fora no Vale do Gamarra...... 79

Capítulo 4 : As novas realidades...... 95

Conclusão...... 115

Anexos...... 122

Bibliografia...... 126

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 : Mapa de Minas Gerais, município de Baependi...... 20

Figura 2 : Mapa rodoviário da região do sul de Minas Gerais...... 23

Figura 3 : Mapa da Comarca do Rio das Mortes...... 25

Figura 4 : Estrada Real...... 28

Figura 5 : Relação entre a décima predial e a produção rural, na Capitania Minas Gerais, 1805 – 1809...... 30

Figura 6 : Vale do Gamarra, julho de 2008...... 38

Figura 7: Área do Parque Estadual da Serra do Papagaio...... 46

Figura 8 : O entorno do Parque Estadual da Serra do Papagaio...... 48

Figura 9 : Capela no Vale do Gamarra, interior e exterior...... 53

Figura 10 : Moradora e casa do Vale do Gamarra...... 64

Figura 11 : O Vale do Gamarra e o rio Santo Agostinho...... 79

Figura 12 : A Rainha e o Jagube, as novas plantações no Vale...... 83

Figura 13 : Igreja do Santo Daime no Vale do Gamarra...... 85

Figura 14 : Casa construída na área do Sou e nova moradora do Vale...... 86

Figura 15: Comunidade do Santo Daime ...... 88

Figura 16 : O templo Hare Krishna no Vale...... 92

Figura 17 : ENCA encontro de comunidades em julho de 2008...... 93

Figura 18 : Pôr do sol no Vale do Gamarra...... 95

Figura 19 : A olivicultura no Vale do Gamarra...... 98

Figura 20 : Claudinei no Olival Santa Maria, outubro de 2008...... 103

Figura 21 : Olival Santa Maria, oliveiras em sua primeira floração...... 107

Figura 22 : Primeiros frutos...... 109

Figura 23 : Oliveiras em sua primeira frutificação ...... 110 INTRODUÇÃO

Essa dissertação teve por objeto o estudo da relação que se estabelece entre dois tipos de população, habitantes do Vale do Gamarra: uma, de ocupação mais antiga, tendo seu modo de vida centrado numa cultura rural tradicional; e outra, de ocupação mais recente, de origem urbano-industrial, que para lá migrou nos últimos anos.

O objetivo da pesquisa consistiu na compreensão das relações socioculturais que surgem dessa interação ou as novas formas de sociabilidade que se estabelecem nessa relação social bastante peculiar. Nessa intersecção permanente desses dois universos culturais, é possível perceber quais são as novas configurações que surgem e como ocorrem as respectivas dinâmicas de reordenamento sociocultural.

A pesquisa esteve focada em dois movimentos socioculturais interligados: o da população local, que possui uma cultura tradicional e passa por grandes transformações em relação às suas atividades culturais, econômicas e em relação ao meio ambiente; e a dos chamados novos rurais - população urbana que migrou para o campo, inserida numa cultura urbano-industrial, que começa também a se transformar, ensejando novas relações homem x natureza.

Esses dois núcleos culturais distintos convivem no mesmo espaço e, logicamente, se influenciam mutuamente. Esse trabalho retratou tais relações, apontando para uma nova realidade do campo, surgida a partir do recebimento de novos adeptos de uma vida mais próxima à natureza e das mudanças que vêm ocorrendo nessa nova relação tanto para aqueles, que denominamos tradicionais, como para os oriundos da cidade.

Foi justamente a partir desse movimento de intersecção cultural que cheguei a conhecer essa região que, apesar de relativamente próxima aos centros urbanos: cerca de 300 km do e de São Paulo, e 450 km de , ainda permanece relativamente isolada das novas tecnologias das grandes cidades e da economia capitalista.

O difícil acesso à região é um dos fatores responsáveis pelo isolamento dos seus habitantes, o que possibilita uma grande preservação do ambiente natural, e atrai novos moradores e turistas. Assim, nesse contato, tive a oportunidade de presenciar famílias

10 migrando e estabelecer as diferenças socioculturais entre os que chegam e os que lá estão, incentivo fundamental para o estudo dessas relações e o registro dos traços culturais peculiares à região, assim como as novas realidades emergentes.

A sociedade local apresenta traços culturais muito peculiares e tais especificidades podem caracterizá-la como uma população tradicional. Apesar dessa terminologia ser amplamente discutida, a definição utilizada foi a dos sociólogos Diegues e Arruda (2000), que consideram como integrantes desse tipo de população os grupos relativamente isolados que reproduzem seu modo de vida fundamentado em relações socioculturais tradicionais 1.

Dentre as populações tradicionais estão as populações: caboclas, caiçaras, sertanejas, e a população definida por Darcy Ribeiro (2006) e Antônio Cândido (2001) como caipira, o objeto da pesquisa. A população caipira foi estudada por esses dois autores e definida como uma população rural com modalidades étnicas e culturais específicas e muito peculiares em regiões de São Paulo e Minas Gerais.

A população caipira estudada no Vale do Gamarra, apresenta características semelhantes àquelas estudadas pelos autores supracitados, entretanto como não são estáticas, ou seja, estão em processo de constante interação e transformação social, não é possível considerá-las idênticas, décadas depois do estudo apresentado pelos referidos autores.

A realidade social extremamente nova do século XXI implica na interação desse caipira com as populações que chegam da cidade, com o mercado de trabalho e de abastecimento. O vínculo que possuem com o com o mercado, entretanto, como afirma Diegues (1998), é brando e não acarreta profundas transformações.

A vida social caipira reproduz uma estrutura peculiar e descolada dos moldes capitalistas difundidos no mundo todo, especialmente em áreas urbanas. Valoriza o equilíbrio entre o trabalho e o lazer em uma forma autárquica e não mercantil, que não pretende uma elevação do padrão de vida ou um ritmo mais intenso de trabalho e, sim, sua independência inserida em seu sistema tradicional de produção.

1 Segundo Diegues e Arruda (2000), as sociedades tradicionais são grupos humanos diferenciados sob o ponto de vista cultural que reproduzem historicamente seu modo de vida, de forma mais ou menos isolada, com base na cooperação social e relações próprias com a natureza. Essa noção refere-se tanto aos povos indígenas quanto a seguimentos da população nacional, que desenvolveram modos particulares de existência, adaptados a nichos ecológicos específicos.

11 Contudo, a introdução da agricultura comercial e o desenvolvimento da pecuária para o abastecimento das cidades em diversas regiões levaram o caipira a perder suas terras e muitas vezes foi pressionado a migrar para as cidades. As influências capitalistas desintegraram muitas áreas culturais caipiras, o que fez com que Antônio Cândido acreditasse que eles não existissem mais. No entanto, se em algumas regiões houve o fim de sociedades caipiras, esse não é o caso do Vale do Gamarra e nem em diversas outras áreas vizinhas.

Não podemos ignorar a dinâmica das transformações sociais e a existência de um movimento migratório para as cidades, mas reafirmamos a permanência de suas características socioculturais que mesmo inseridas em um movimento de interação, os caracterizam como um grupo social específico tendo sua disposição para ações específicas sendo transmitida por meio do habitus. (Bourdieu, 1997). Apesar da manutenção do habitus, a sociedade tradicional caipira sofre influência da sociedade urbano-industrial, por via dos meios de comunicação e pelos novos moradores vindos da cidade, que compram terras, ou pelos turistas que visitam a região.

Existe um movimento de interação entre os moradores locais, os caipiras e os citadinos que vêm das cidades grandes em busca de uma vida mais tranqüila em contato com a natureza, em meio a uma beleza cênica peculiar. Essa região integra o complexo montanhoso da Serra da Mantiqueira, com água pura, inúmeras cachoeiras e áreas de floresta tropical ainda preservada. Faz parte da Área de Preservação Ambiental da Serra da Mantiqueira (APA) e também compõe o entorno do recém criado Parque Estadual da Serra do Papagaio.

O fluxo migratório de indivíduos urbanos para a região está vinculado a um processo de transformação e integração que acontece no campo e também nas cidades. Esse processo histórico é particular para cada uma das áreas estudadas e apresenta muitas peculiaridades, de forma que um estudo generalizado dessas interações não dará conta de descrever todos os processos que têm acontecido. Procurei, portanto, partir de uma análise mais abrangente dessas transformações para então focalizar a área rural do Vale do Gamarra.

Além disso, julguei necessário indicar as múltiplas transformações sociais que deram origens a esses fluxos migratórios, em um panorama extremamente complexo de interação, cada dia mais intenso, entre campo e cidade, envolvendo muitos atores. Tal qual em outras regiões do país, camponeses vêm abandonando o campo principalmente

12 em decorrência do processo de urbanização, industrialização e mecanização rural. A modernização agrícola provoca a liberação da mão-de-obra, concentração fundiária e, por outro lado, a busca por serviços oferecidos nas cidades, em regiões onde não são oferecidos no campo, engrossou o fluxo para as cidades. Contudo, questões vinculadas à degradação do nível de vida nas cidades, violência e miséria urbanas apontam para um outro sentido desse fluxo, para o campo.

Esse novo fluxo migratório esteve extremamente vinculado às classes médias, com acesso à renda para comprar casas de campo, tirar férias e almejar um contato mais estreito com a natureza. Esse novo panorama levou José Eli daVeiga(2006) a propor uma nova ruralidade, diferente das relações anteriores, uma vez que é crescente a valorização da ligação com o ambiente natural e também o estabelecimento de um forte vínculo com as cidades, numa perspectiva econômica racionalizada na qual as atividades econômicas, em muitos casos, se tornaram dinâmicas e diversificadas.

Portanto, a interação campo e cidade também se tornou uma constante. Assim como foi estudado pelo projeto Rurbano 2, as cidades e os campos estão, a cada dia, mais interligados no Brasil. Embora alguns autores ainda apontem para uma completa dicotomia, ela não corresponde às diversas realidades estudadas pela pesquisa de Graziano da Silva (2002) e também à realidade da região estudada nesse trabalho. Pelo contrário, o êxodo rural se intensifica onde essa interação não está consolidada e diminui nas áreas em que o acesso a serviços urbanos é maior.

Na região rural de Baependi nos deparamos com grandes transformações na atualidade, pois a luz elétrica acaba de chegar, as estradas estão mais conservadas e uma escola até o Ensino Médio entrou em funcionamento em 2007. Mais ainda, o local é de extrema beleza cênica, com muitas cachoeiras, água pura e extensas áreas de matas preservadas, o que têm atraído o interesse de muitos indivíduos urbanos para a região.

Nesse contexto, pude observar dois tipos de população e múltiplos fluxos migratórios. Uma população tradicional caipira, que se transforma e se movimenta no tempo e no espaço, pois não são estáticas e, sim, sujeitas a influências; e uma população urbana chegando ao local com intuitos religiosos e/ou na busca de um contato mais estreito com a natureza. Essa nova população também não pode ser considerada

2 O Projeto Rurbano – Caracterização do Novo Rural Brasileiro, 1981/95, foi uma pesquisa realizada pelo Professor José Graziano da Silva com intuito de analisar as transformações recentes do meio rural em onze unidades da federação – PI, RN, AL, BA, MG, RJ, SP, PR, SC, RS e DF- utilizando os dados das PNADs – Pesquisa Nacional de amostras domicíliares.

13 homogênea: existem daimistas 3 que foram para a região para aproximarem-se da natureza em um ideal comunitário, novos sitiantes comprando propriedades para fins de semana, turistas e hare krishnas 4.Os fluxos também não são previsíveis: vemos moradores caipiras indo embora definitivamente para a cidade, alguns vão para outras áreas rurais, algumas famílias dividem-se e metade passa a viver na cidade enquanto a outra continua no campo e ainda alguns vão embora e depois voltam. Os novos habitantes também fazem parte desse fluxo constante, assim muitos vão morar no Vale por algum tempo e depois voltam para a cidade, outros fixam residência e outros continuam a ir para a região de forma esporádica.

Essa dinâmica migratória foi observada na região criando e reproduzindo realidades peculiares, num processo de interação sociocultural. Novas atividades econômicas têm sido introduzidas na região exercendo grande influência sobre essas populações, tanto as caipiras como os novos habitantes do local, vivenciando profundas transformações nesse contato mais estreito com a natureza e uma diferente reprodução social.

Para a pesquisa, lancei mão de diversos artifícios metodológicos que, integrados, possibilitaram uma análise abrangente das realidades presentes na região. Um dos instrumentos metodológicos utilizados foi a observação participante, assim por meio da permanência em campo e participação na vida da região, pude coletar os dados necessários para a pesquisa e posteriormente elaborar o texto. As gravações de conversas, anotações em um diário de campo e as entrevistas também tiveram grande utilidade.

“O observador participante coleta dados através de sua participação na vida cotidiana do grupo ou organização que estuda” ( BECKER, 1999: p. 47).

3 Os daimistas são adeptos da Doutrina do Santo Daime, uma doutrina cristã na qual seus fundamentos assemelham-se ao cristianismo primitivo deixado por São Pedro. É baseada na Sagrada família, na Virgem Santa Mãe, inspiradora do Mestre fundador Raimundo Irineu Serra, Jesus Cristo e São José. Os seguidores buscam o auto conhecimento e a experiência de Deus, para tanto uma bebida sagrada, conhecida como Ahyasca e rebatizada como Santo Daime, é ingerida em uso ritual. Impregnada de grande sincretismo de elementos culturais, folclóricos e religiosos do Brasil a doutrina do Santo Daime é uma religião brasileira, fundada na Floresta Amazônica. A mensagem encontra-se reunida em hinos que são recebidos pelos seguidores e valores da vida em comunidade e um contato mais próximo à natureza fazem parte da espiritualidade daimista. 4 O movimento Hare Krishna é baseado nos ensinamentos do guru Sri Krishna Chaitanya Mahaprabhu (1486- 1534) e foi trazida para o ocidente em 1965 por Bhaktivedanta Swami Prabhupada. Os membros participam do serviço nos templos e realizam suas práticas em casa ou passam a dedicar-se inteiramente ao serviço e devoção da Suprema Personalidade de Deus Krishna. Buscam uma vida mais identificada aos valores espirituais e eternos em detrimentos aos valores materiais e efêmeros.

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A utilização da pesquisa participante permite uma ligeira maleabilidade. Assim segundo Becker (1999), um observador pode se engajar em diversas atividades diferentes, em tempo integral, morando na comunidade e vivenciando o cotidiano, ou ser um observador oculto, isto é, não permitindo que os outros o vejam. Essa pesquisa lançou mão de uma observação integrada à comunidade e de acordo com o autor, portanto, todos os relatos e acontecimentos foram anotados da maneira mais completa possível e até utiliza transcrições literais das conversações. Foi esse o modelo de pesquisa utilizado.

Alguns problemas decorrem dessa metodologia e cabe ao pesquisador lidar com eles, como o envolvimento com a população local. Na medida em que o pesquisador aprofunda os contatos, o objeto da pesquisa pode passar a ser também um companheiro, com sentimentos de amizade, lealdade e obrigação, podendo eventualmente querer proteger um membro do grupo. Esse foi realmente uma questão vivenciada já que freqüento o local pesquisado há dez anos. Outro problema possível dessa metodologia seria o da inserção, isto é, a dificuldade em conseguir permissão do grupo para realizar o estudo, o que não ocorreu.

A observação participante foi usada em associação às entrevistas. Foram selecionados integrantes de seis diferentes famílias para conseguir abranger os diferentes tipos de relações culturais existentes, cinco das quais vivem no Vale do Gamarra e uma delas, na qual parte da família migrou para a cidade de Baependi. Além disso, entrevistei também seis famílias dos chamados novos rurais que se mudaram para região ou pretendem fazê-lo.

As entrevistas seguiram o roteiro do pesquisador, deixando espaço aberto para as impressões pessoais e de grupo. O resgate da memória individual e coletiva foi estimulado, e ainda fez-se uso da história de vida como instrumento metodológico. Para tal, foram selecionados dois moradores para completar a pesquisa. A história de vida é um instrumento metodológico, como descreve Becker (1999), que pode auxiliar muito a pesquisa.

Debert (1986) vê na história de vida a possibilidade de ajudar na compreensão do contexto geral das realidades estudadas e a partir da experiência concreta de uma vivência, poder avaliar e eventualmente reformular pressupostos e hipóteses. A história

15 de vida foi usada não para recuperar a história, mas para rever interpretações, desenvolver novas hipóteses e encaminhar novas pesquisas. Para também refinar conceitos e seus pressupostos. Assim, lancei mão de algumas histórias de vida que foram de grande utilidade para montar o texto e dar um encaminhamento à análise.

Sintetizando, a pesquisa lançou mão de uma abordagem metodológica envolvendo a observação participante, entrevistas e finalmente a história de vida, que foi utilizada para completar a análise.

No primeiro capítulo, procurei recuperar o processo de ocupação de Minas Gerais, em específico a região de Baependi, buscando fontes bibliográficas das bibliotecas e dos moradores locais, assim como trabalhos publicados nas Universidades próximas à região. Também utilizei os conhecimentos da população: a história oral foi de grande ajuda para o primeiro capítulo, uma vez que são raros os registros sobre o processo histórico local. Consegui encontrar alguns livros antigos, em péssimas condições com registros sobre as expedições dos paulistas para as Minas Gerais, a busca por escravos, terras e principalmente recursos minerais, como ouro, diamante e esmeralda. Entretanto muito poucos registros sobre população nativa que vivia na região, os Cataguás, foram encontrados. Eles foram expulsos do território depois de múltiplas guerras durante séculos de expedições sangrentas: os registros indicam que foram bravos guerreiros e de tudo fizeram para manter o seu território, daí terem sido quase completamente dizimados. Os inúmeros relatos encontrados não facilitaram a confirmação da veracidade dos eventos, uma vez que tinham o intuito de exaltarem os bandeirantes para conseguirem alcançar concessões, postos públicos e terras. Assim foi necessária muita atenção para chegar à imparcialidade esperada do antropólogo.

Apesar de algumas controvérsias, a versão mais aceita considera a fundação do povoado de Baependi em 1692 por Antônio Delgado da Veiga. Ele saiu de Taubaté em busca de cativos indígenas e navegando pelo rio Verde, afluente do Grande, encontrou um grande tributário deste e lá estava um habitante nativo, um cataguá, a quem o intérprete perguntou: Bae pendi? Isto é, que nação é a sua. O nome foi dado ao rio e mais tarde à povoação que surgiu em suas margens. Foi o ouro o maior responsável pela atração de grande contingente populacional para o povoado que depois recebeu status de vila e em seguida o de cidade. Entretanto, como a quantidade de ouro era muito pequena apesar de importante para a fixação da população no território, a atividade agrícola logo se tornou a principal fonte de renda dos baependianos.

16 No segundo capítulo, passei à pesquisa de campo para entender o modo de vida da população tradicional do Vale do Gamarra e em um diálogo com Antônio Candido, Darcy Ribeiro, Antônio Carlos Diegues e Rinaldo Arruda, defini-los como uma população tradicional caipira, inserida em uma área cultural caipira. A pesquisa participante foi fundamental para essa analogia, uma vez que o meu contato com a população local era antigo. No entanto, busquei aprofundar as minhas observações com as entrevistas e as histórias de vida, de modo a descrever a forma de vida dessa população tradicional, suas atividades econômicas, seu cotidiano, seus valores, suas festas e seus encontros religiosos, enfim, seu modo de reprodução sociocultural.

As transformações da atualidade foram também discutidas assim como suas influências no modo de vida tradicional. Uma delas é a nova legislação ambiental, uma vez que a região integra área de preservação ambiental (APA – Mantiqueira) e entorno do Parque Estadual da Serra do Papagaio (PESP). A infra-estrutura básica oferecida pelo Estado também tem contribuído para essas mudanças: estradas mais conservadas, energia elétrica e educação foram introduzidas na comunidade. Os novos rurais, ou os indivíduos urbanos que se mudaram para a área ou simplesmente compraram sítios e freqüentam esporadicamente, também constituem novos atores para essa realidade tradicional, sujeita a transformações. A partir dessa descrição da realidade local, dediquei-me às descrições e análises feitas pelos autores supramencionados para tecer comparações em relação ao sistema cultural caipira descrito por eles e ao observado pela pesquisa.

O estudo nessa fase encontrou algumas dificuldades, como a compreensão do dialeto local. Os moradores mais novos são facilmente compreendidos, entretanto, a tarefa é bem mais árdua com os moradores mais velhos que, além de terem dificuldades em nos compreender, a recíproca é verdadeira. Para tanto lancei mão de um gravador, na verdade um mp4, para posteriormente transcrever os discursos. O auxílio de outros moradores de fora mais antigos da região, como intérpretes, foi de grande utilidade. Além disso, facilitei o entendimento com um vocabulário simples, falando bem pausadamente.

A população que vem da cidade é tratada no terceiro capítulo. O arcabouço teórico foi fornecido por sociólogos e antropólogos que trabalham tanto com o processo de urbanização e as transformações do homem urbano e industrial, quanto com as transformações do mundo rural e as formas atuais da interação campo cidade. As

17 profundas transformações ocasionadas pela revolução industrial e a intensa urbanização imprimiram significativas alterações na realidade urbana e rural cujas atividades econômicas vão se integrando e se transformando. O conceito de “rurbano” de Graziano da Silva (2002) foi utilizado para descrever uma realidade a cada dia mais integrada entre o campo e a cidade.

As análises dessas duas realidades, do campo e da cidade são utilizadas para entender os novos fluxos migratórios existentes nesse século XXI. O homem urbano imerso em uma realidade de conforto, começa a almejar um contato mais estreito com a natureza, um ritmo mais tranqüilo de vida, um ar mais puro, a água mais limpa. Esse contato acontece esporadicamente em fins de semanas e férias ou por toda a vida. Por outro lado, o homem rural sai de seu ambiente em busca de educação, saúde e uma vida mais confortável. Entretanto nas regiões onde existe a infra-estrutura desejada os fluxos se alteram evitando essas migrações do homem do campo para fora e possibilitando sua permanência nas áreas rurais.

Nesse quadro, analisei as realidades do local, verificando quais foram os primeiros grupos a chegar, o motivo da mudança, quais influências e quais as impressões tiveram na época. Posteriormente, a pesquisa enfocou o presente, quem mora no local atualmente, os motivos da mudança e o novo modo de vida. Dei especial ênfase às interações entre a população caipira e os novos moradores do local e procurei captar as impressões de um grupo em relação ao outro.

No quarto e último capítulo, discorri sobre as novas realidades presentes na região. Entre elas, está a introdução da olivicultura como alternativa de geração de renda e emprego, num modelo agroecológico. A agricultura agroecológica é uma alternativa com foco nas relações complexas entre as pessoas, as culturas, os solos e os animais, num manejo sem utilização de insumos químicos, mas orgânicos. Ela também apresenta uma demanda maior de mão-de-obra e utiliza produtos da região como esterco e urina de vaca. A interação econômica se fez presente não só na compra de produtos, mas também na necessidade de mão-de-obra. O projeto de expansão da olivicultura é uma realidade nova não só na região, mas em todo o Brasil. Assim, a produção de mudas e o beneficiamento de azeite podem trazer novas alternativas de renda não apenas para os novos moradores, como para os caipiras que também estão vendo com bons olhos a possibilidade de um cultivo com promissor retorno financeiro. A estimativa é de três mil pés plantados no Vale entre 2008 e o início de 2009. Em breve,

18 a colheita de azeitonas será grande e o beneficiamento, uma necessidade. Para tanto, um lagar, como são chamadas as fábricas de azeite, deverá ser construída; e para alcançar esse intuito, o projeto prevê a organização de uma cooperativa de olivicultores agroecológicos.

Uma outra atividade que vem se desenvolvendo no Vale é o turismo rural: apesar de não ter sido ainda colocada em funcionamento, existe uma pousada que já foi construída e em breve funcionará. Portanto as transformações são numerosas. O poder público tem investido em infra-estrutura, novas atividades estão sendo introduzidas e acima de tudo, uma nova interação cultural envolve os habitantes da região, em um movimento bastante peculiar.

Assim, pretendi compreender as relações e as influências entre estes diferentes modos de vida nesta região rural situada no município de Baependi. Com esse intuito, dediquei-me ao estudo das novas relações sociais, afetivas e religiosas estabelecidas em decorrência dessa interação. Torna-se evidente que a cultura tradicional e a cultura urbano-industrial não são estáticas, transformando-se, influenciando-se e reproduzindo socioculturalmente novos elementos em novos ambientes. Nesse sentido, sugiro que uma nova forma sociocultural esteja se estabelecendo no local, diferente tanto de uma como de outra, suscitando uma relação peculiar ao Vale do Gamarra.

19 CapítCapítuloulo 1

A região de Baependi e as Minas Gerais

Figura 1: Minas Gerais – Município de Baependi. (Wikipédia)

A região das Minas Gerais, como ficou conhecida mais tarde, teve seu povoamento diretamente relacionado à procura de riquezas minerais, tais como ouro, prata, diamantes e esmeraldas. Os viajantes que se embrenhavam no sertão encontravam nações indígenas e realizavam com elas violentos confrontos por tentarem defender seus territórios.

Apesar de existirem inúmeros relatos sobre essas expedições, nem sempre as informações são conclusivas quanto a veracidade histórica dos eventos, havendo diversas versões sobre os mesmos fatos. Considerando as diferenças da linguagem e os intuitos dos relatos, é preciso muita atenção para recuperar os acontecimentos históricos buscando a imparcialidade esperada ao antropólogo. A principal dificuldade foi a escassez de informações sobre as nações indígenas que viviam na região em contraste aos abundantes registros dos feitos heróicos dos ilustres bandeirantes, suas bravuras e as

20 suas correspondências com as autoridades. Essas relatavam suas conquistas e seus feitos para exaltarem-se e eventualmente ganhar postos públicos, sesmarias e concessões da exploração de minas e gerenciamento de terras e povos indígenas. Assim, a partir daí, busquei nas entrelinhas o que estaria acontecendo na região, como de fato viviam esses viajantes, quais eram suas mazelas e desventuras, juntamente com as das nações indígenas.

É certo também que as autoridades viam com grande entusiasmo as expedições desses aventureiros e por sua parte também estimularam viagens ao sertão, guerras contra as nações indígenas e a conquista das terras, almejando o encontro de riquezas.

Foram muitas as expedições para o interior das Minas Gerais, e muitos relatos ficaram registrados em livros, revistas e editais das câmaras municipais. Entretanto, restringi - me em comentar as expedições que tiveram relevância para o povoamento da região do Sul de Minas e em específico sobre a região que é hoje o município de Baependi.

O primeiro registro sobre a região do sul de Minas foi em 1601, quando Francisco de Sousa, de passagem por São Paulo, empenhado em descobrir minas de prata, encomendou uma expedição para André de Leão. Ele saiu de São Paulo junto a alguns companheiros, seguiram o curso do rio Paraíba. Passaram por Cachoeira, atravessaram a Mantiqueira rumo a e chegaram a Baependi e ao Rio Grande. Não se tem registros de descobrimento de minérios nessa expedição. (PELÚCIO, 1942).

Já em meados do século XVII, no período da coroação de D. João VI, eram muitas as esperanças em encontrar ouro nos sertões da colônia, o que seria a salvação para a situação financeira precária em que se encontrava Portugal. Portanto, houve um forte empenho do governo colonial em estimular expedições com o intuito de conhecer, colonizar, ocupar terras desconhecidas e, principalmente, encontrar minas na colônia. Com esse intuito a coroa portuguesa dirigiu uma ordem expressa ao então capitão-mor, governador do Rio de Janeiro, D. Francisco de Souto Maior, em 1644, para dedicar-se com afinco ao descobrimento de recursos minerais, tais como ouro, diamantes, esmeraldas e outras pedras preciosas. D. Francisco contatou Salvador Correia e com este planejou a expedição. Conseguiram um roteiro com os filhos de Marcos de Azeredo que haviam estado no sertão anteriormente e partiram para uma de inúmeras expedições que a partir de então ocorreram.

21 Apesar do otimismo que envolvia a partida dos sertanistas, como passaram a ser chamados, as infelicidades eram corriqueiras, uma vez que os roteiros eram desconhecidos, a vegetação, densa de floresta tropical, o relevo por vezes acidentado e eles se deparavam com nações indígenas distintas ocupando essas tão cobiçadas terras. Portanto, foram muitos os insucessos das expedições. E raros registros foram feitos sobre as nações indígenas com que se depararam, salvo a denominação de bárbaros e de algumas sangrentas batalhas que travavam.

Em 1646, o então governador do Rio, Duarte Correa, incumbiu um capitão, Félix Jaques, para cumprir as ordens reais e se aventurar pelo interior de Guaratinguetá. Este foi talvez o primeiro sertanista a transpor a Serra da Mantiqueira pela garganta do Embaú 5, passando pelo planalto e chegando ao Rio Verde. A passagem da Serra pelo Embaú, hoje região de Cruzeiro, possibilitou aos aventureiros maior facilidade para alcançar as tão almejadas minas.

Se a felicidade e euforia tomavam conta dos sertanistas, não podemos dizer que o mesmo sucedeu aos habitantes da região, os Cataguás 6, que passaram a temer essas tão obstinadas expedições, que imprimiam grande violência para conseguir seus objetivos dourados. Assim, tiveram êxito em alcançar o Rio Grande até sua nascente e o Rio das Velhas, apesar das exaustivas batalhas contra os Cataguás, conseguiram enfraquecê-los, facilitando as expedições seguintes.

Em São Paulo, a paixão da época tornou-se as grandes jornadas pelo sertão, uma vez que todos se tornaram ou pretendiam-se sertanistas. Homens de variadas idades e posições sociais arriscaram a vida em expedições que na maioria das vezes eram um verdadeiro fracasso, ou seja, a mortalidade era elevada e nenhuma riqueza era encontrada.

Mesmo sendo esse o panorama das expedições, a possibilidade de encontrar minas de esmeraldas arrebatou o chefe de família ilustre, senhor de grande latifúndio e milhares de escravos, administrador de inúmeras aldeias indígenas e arsenal militar, Fernão Dias, a aventurar-se para o sertão levando consigo centenas de pessoas que fariam parte do povoamento das Minas Gerais.

5 A garganta do Embaú é hoje um caminho muito utilizado para chegar á região, saindo da Via Dutra, entrando em direção á cidade de Cachoeira Paulista, passando por Cruzeiro, a estrada que sobe a serra passa por essa garganta, chegando às Terras altas da Mantiqueira. 6 A Nação Cataguá vivia na região do sul de Minas e foi violentamente exterminada e será comentado adiante.

22 Foi com grande ânimo que as autoridades, que esperavam ansiosamente o descobrimento de minas, receberam esse oferecimento, uma vez que Fernão Dias era conhecido por sua bravura na catequização de diversos povos do interior. Portanto, o sertanista recebeu do governador Afonso Furtado a sua nomeação como chefe e governador de suas terras e terras das esmeraldas, que seriam posteriormente denominadas Minas Gerais.

Apesar de sua idade avançada, Fernão Dias partiu com sua bandeira em 1674, com grande comitiva de “homens notáveis”, mamelucos e índios escravizados, um verdadeiro exército. Esse número tão elevado de indivíduos foi uma das causas dos infortúnios da expedição, uma vez que eram muitos consumidores para o sertão.

A comitiva partiu de São Paulo para Guaratinguetá, localidade habitada e de lá transpuseram a Serra da Mantiqueira pela garganta do Embaú, lugar ermo em que já outros sertanistas haviam estado. Passaram pelo rio Passa Trinta, hoje Passa Quatro, Capivari e daí encontraram um sítio ameno onde descansaram e deram-lhe o nome, segundo Diogo de Vasconcelos, de Mbaependi, pouso bom ou alegre e daí, seguiram para o Rio Verde, transpuseram o rio Grande e foram fundar o primeiro arraial em Ibitiruna, Serra Negra (VASCONCELOS, 1948).

Figura 2: Mapa rodoviário da região do sul de Minas Gerais (google imagens)

23 A ocupação do sertão foi se tornando uma realidade, vários arraiais foram sendo fundados, terras ocupadas por fazendas e vilas, nações indígenas expulsas, dizimadas e escravizadas pelas guerras.

O sul de Minas, segundo Diogo de Vasconcelos, era ocupado por uma nação organizada, os Cataguás , que por serem guerreiros e terem resistido bravamente às expedições paulistas, ficaram conhecidos pelo terror que incutiram aos sertanistas e por isso seu povo não foi totalmente apagado dos livros e dos registros históricos.

Tinham raiz comum com os Tremembé do rio Jaguaribe; este povo dividiu-se em duas correntes migratórias: uma subiu o Rio São Francisco até sua nascente e outra desceu o rio Parnaíba até a foz, quando tempos depois, foram se reencontrar no vale do rio Grande, nascente do Rio Paraná. Lutaram pela posse do rio, os vencidos desceram a Mantiqueira e foram instalar-se no rio Paraíba, próximo a Taubaté e os vencedores ficaram nas terras conquistadas e a ocuparam até o rio das Mortes, com o nome de “catu-auá” – gente boa; daí o nome dos Cataguás. Os vencidos receberam a denominação de “puxiauá”, gente ruim.

Foram os Puxiauá que, unidos ao bandeirante Felix Jaques, após fundação de Taubaté, guerrearam contra a nação Cataguá expulsando-a do território. Entretanto, os Cataguá ainda resistiram à ocupação guerreando contra outros sertanistas em expedições posteriores. Assim acabaram quase dizimados. Os que restaram acredita-se que foram unir-se a outros povos também quase dizimados (VASCONCELOS, 1948).

A conquista do sertão imprimiu de fato uma guerra contra as populações nativas da terra, os selvagens como eram chamados, tiveram seus costumes e suas crenças desvalorizadas e exterminadas. A dignidade de um povo e do ser humano se esvaiu sob a máxima da catequização e da escravidão. Aos indivíduos que se sujeitaram às novas regras, à religião e à nova cultura e se misturaram aos conquistadores, a sobrevivência se fez possível. Entretanto, aqueles que lutaram por seu povo, sua cultura e, principalmente, por seu território, tornaram-se fugitivos em sua própria terra.

Apesar da promulgação real 7 dos casos em que os nativos poderiam ser escravizados, para tentar manter o estado de direito e conter os abusos e crueldades extremas que estavam acontecendo na região, não havia saída possível para estes. Pois todas as guerras eram consideradas justas e o tráfico escondia-se sob a aparência de

7 Anexo 1 – promulgação real dos casos em que os índios podiam ser escravizados.

24 resgate. Em um confronto com os conquistadores, se resistissem eram presos e escravizados; caso se entregassem, eram transportados para os grandes latifúndios que iam se formando com as terras conquistadas e todos tinham o mesmo destino. Nessas terras plantavam-se vários gêneros alimentícios, criavam-se diversos animais, tinham um exército armado sob uma bandeira simbólica, daí o nome bandeiras às expedições.

Mesmo que a nação Cataguá tenha sido dizimada, a denominação do território ficou sendo essa e inclusive as minas ficaram conhecidas como minas dos e posteriormente Minas Gerais dos Cataguases. Apenas em 1720 foi criada a Capitania independente das Minas Gerais, subdividida em Comarca de Vila Rica, Comarca do Rio das Velhas e Comarca do Rio das Mortes, e abandonada a memória daqueles que há muito viviam nessas paragens.

Figura 3: Mapa da Comarca do Rio das Mortes ( Google imagens)

Há controvérsias sobre a fundação de alguns arraiais mineiros, como também sobre o caminho que trilhou Fernão Dias. Diogo de Vasconcelos e alguns outros autores 8 defendem sua passagem pela garganta do Embaú e a fundação de Baependi,

8 Orvile Derby na Revista do Instituto histórico e geográfico de São Paulo , Estevão de Oliveira em Rudimentos da história pátria , Carlos Góis em Pontos de História do Brasil e Alfredo Valadão em Campanha da Princesa concordaram com a passagem de Fernão Dias pela Garganta do Embaú.

25 Passa Quatro, Sumidouro, entre outros. Porém, segundo Pelúcio (1942), Afonso Taunay na biografia de Fernão Dias 9 defende a passagem do sertanista por Bragança baseado na Revista do Arquivo Público mineiro e também desconsidera a fundação de Baependi pelo mesmo, uma vez que a Vila é posterior à morte do paulista. E ainda, segundo Feu de Carvalho, em O Patriota n.602 10 , a povoação de Baependi foi fundada em 1692, por Antônio Delgado da Veiga, seu filho João da Veiga e Manuel Garcia que moravam em Taubaté e partiram rumo ao sertão em busca de cativos indígenas. Para auxílio no percurso e servindo-lhes de tradutor iam alguns indígenas. Transpondo a Mantiqueira, foram dormir em cima de um morro, próximo a um aldeamento indígena que deram o nome de Pouso Alto. Seguindo o Rio Verde encontraram um grande tributário desse rio e na margem oposta estava um índio a quem o intérprete perguntou: Bae pendi? Que significava que nação é a sua, que gente é a tua ou ainda sois de que nação? Por uma outra versão a pergunta foi feita pelo índio que estava no rio. O nome agradou a comitiva que nomeou o rio como Baependi.

Nelson de Sena defende a origem tupi do nome que seria uma derivação de Maependy, mbae – pindi , que pode ser traduzido por clareira aberta, lugar limpo que facilitou a passagem dos descobridores de Minas Gerais (SENA, 1906).

Mais tarde nas proximidades desse rio, surgiu pequena povoação a qual foi dada o nome de Baependi. E a notícia de que ali haveria ouro, trouxe diversos outros paulistas que se estabeleceram na região.

“Os paulistas acharam interessante à interrogação e deram a esse rio o nome de Baependy. Interrogado esse índio sobre a existência de ouro naquelas paragens, respondeu que, seguindo rio acima, encontrariam dele grande abundância. E os paulistas o fizeram, até que encontrando muito desse metal no lugar hoje denominado Engenho, aí se estabeleceram. Mais tarde, chegando ao lugar outros paulistas, atraídos pela notícia fundaram uma pequena povoação a que denominaram Baependi, e edificaram uma pequena capela de invocação de Nossa Senhora de Montserrat.” (PINTO, ALFREDO. APUD: PELÚCIO, 1942: p. 20) 11 .

9 Afonso Taunay . A grande vida de Fernão Dias Paes. São Paulo, século XVI. 10 Feu de Carvalho. Comarcas e termos em O Patriota n. 602 . Todos esses autores citados por José Alberto Pelúcio, Baependi. São Paulo, Gráfica Paulista, 1942. 11 Alfredo Moreira Pinto. Apontamentos para o Dicionário Geográfico do Brasil. In: Pelúcio, José Alberto. Baependi . São Paulo, Gráfica paulista, 1942.

26 Desde o final do Século XVII vieram para a região muitos sertanistas e no início do Século XVIII, em 1715, Tomé Rodrigues do Ó realizou as primeiras edificações do povoado. Assim, alguns autores o consideram o fundador do povoado e em 1723 foi erguida a primeira capela.

Baependi foi elevado a Vila de Santa Maria de Baependy em outubro de 1814 no lugar de arraial, pertencente à comarca do Rio das Mortes. Em 1833, Baependi separou- se da Comarca do Rio das Mortes para ser inserida na Comarca do Rio Paraibuna junto a e Pomba. Em 1839, passou a ser Comarca do rio Verde junto a Campanha e Aiuruoca. Em 1855, reivindicaram tornar-se Comarca de Baependi, o que de fato aconteceu, integrando outras vilas. Logo depois, em 1856, tornou-se cidade e, em 1878, a Comarca restringiu-se a cidade de Baependi. Com a emancipação de Caxambu em 1901, a Comarca passou a abranger Baependi e Caxambu.

A capitania de Minas Gerais, no século XVIII, viveu um período de grande riqueza e surtos migratórios movidos pelo ouro, o chamado “ século do ouro ”. Assim, surgem muitos povoados que, posteriormente, foram elevados à categoria de vilas e a vida urbana floresceram em conjunto às áreas mineradoras. A necessidade de escoar o ouro cria uma ligação entre as Minas Gerais e o Rio de Janeiro, a Estrada Real 12 , aumentando o fluxo migratório e o esplendor cultural na capitania. Contudo nem todas as minas produziram as mesmas quantidades e em algumas delas, como em Baependi, a produção foi inexpressiva ao comparar-se a outras regiões e muito rapidamente ficaram restritas a serem lembranças do passado 13 .

Entretanto, a esperança de encontrar grandes quantidades de ouro em Baependi, assim como em outras regiões das Minas Gerais, fez com que o trabalho se espalhasse desde o Engenho e Lavrinha, região próxima ao povoado, até áreas mais isoladas como as banhadas pelo rio São Pedro e Gamarra. O trabalho de mineração desenvolveu-se pouco, uma vez que a quantidade de ouro era muito pequena nessas áreas. O que restou do período da mineração foram cascalhos, restos das terras revolvidas e amontoados de entulhos e pedras, que relembram a frustrada empreitada do baependiano, que apesar do fascínio pelo ouro, muito pouco pode se deleitar dele.

12 A Estrada Real possibilitou a integração da região com a Capital e o escoamento de ouro pra a Europa. Hoje desenvolve - se o turismo na região. Mapa página 28 13 Anexo 1: tabela com a produção de ouro nas vilas da Comarca do Rio das Mortes nos anos de 1809,1810 e 1811.

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Figura 4: Estrada Real ( www. Estrada real. org.br)

28 Em decorrência dessa incipiente exploração, pouco se ouvia em Vila Rica (atual Ouro Preto) sobre as minas em Baependi. Assim, em 1737, o governador Martinho Mendonça ordenou que fosse feita averiguação das minas pelo ouvidor da comarca do Rio das Mortes. Após inspeção, ficou indicado que nas minas de Baependi e Juruoca, trabalhavam 64 escravos que produziam 1223 oitavas de ouro (VALADÃO, 1911).

Portanto, a ocupação dos mineiros na região foi rústica e efêmera. Entretanto, teve uma significativa importância para a fixação da população no território, ocupando extensas áreas. Mesmo assim, apesar da desventura dos mineradores, muitos bandeirantes ainda chegavam à região. Aqui se concentraram em procurar ouro, como nas demais regiões de Minas Gerais, entretanto, apesar de conhecidas essas minas não continham grande quantidade de ouro, pois era “ouro de lavagem” e rapidamente perderam a sua importância econômica. E foram substituídas por outras atividades, como a lavoura e a criação, constituindo na região uma população muito mais de pastores e agricultores do que de mineiros.

Para tanto, muitas sesmarias foram concedidas no início do século XVIII com intuito de fazer a região se ocupar em fabricar mantimentos e fundar currais de gado. E desse trabalho de derrubada de matas, de formação de campo, de plantio de gêneros alimentícios, enfim, do abastecimento do sertão é que se destacou Baependi, como primeiro núcleo no sul de Minas. Os produtos agropecuários que mereceram destaque foram o fumo, o gado, os suínos, os toucinhos e o queijo, que eram inclusive exportados para outras regiões e conhecidos nacionalmente. Contudo, as terras disponíveis para essas novas atividades econômicas, doadas em sesmarias, estavam concentradas nas mãos de poucos proprietários.

Apesar da importância da mineração em diversas vilas de Minas Gerais, em Baependi, a arrecadação em decorrência do garimpo do ouro não era tão importante quanto a agricultura, que se destacou desde que se percebeu as limitações do ouro de lavagem na região. Floresceu uma agricultura diversificada que inicialmente tinha o intuito do abastecimento interno e posteriormente abasteceu o setor agro exportador. Dentre os produtos em destaque estava o fumo e uma fábrica para seu beneficiamento. Na ocasião da visita da Princesa Isabel, herdeira do trono, e do Conde d’Eu, seu esposo, a Baependi, em 1868, visitaram a tal fábrica e o Conde d’Eu mencionou a fama do fumo, conhecido nacionalmente com o ditado popular:

29 “ Farinha de Suruí, aguardente de Parati, café de Piraí, fumo de Baependi” (PELÚCIO, 1942: p. 213).

Além do fumo, do gado leiteiro, dos queijos, do gado de corte, dos suínos, toucinho, outros produtos também tinham muita importância, tais como o feijão, o milho, o algodão. No final do século XVIII, o café foi introduzido por tropeiros na região de Baependi, Sapucaí, Aiuruoca e Jacuí. A princípio para o consumo interno e posteriormente para exportação (SAINT HILAIRE, 1975). A produção do café significou uma grande transformação na paisagem e também no transporte na região (FILETTO, 2001). Foi em abril de 1833 que foi inaugurada a estrada de ferro no município de Baependi, que em1885 foi ligada à Estrada de Ferro Minas – Rio.

As Minas Gerais do Século XIX, não eram as mesmas do século anterior. Já no início deste século, a produção agropecuária tinha uma crescente importância na receita gerada na capitania. Assim, entre 1808 e 1813, as receitas da mineração e da agropecuária quase se equiparavam e progressivamente o setor agrário passou a ter uma maior relevância econômica, não só nas vilas desafortunadas em relação ao ouro, como em todas de Minas Gerais.

“A partir do período entre 1808 – 1818, a Capitania, poucos anos depois província de Minas Gerais, parecia ser outra coisa que fora no século anterior, livre das determinações da atividade mineradora, completamente submetida aos ritmos agrários”. (CARRARA, 2006: p. 3) .

Figura 5: Relação entre a décima predial e a produção rural, na Capitania Minas Gerais, 1805 – 1809 (CARRARA, 2006: p. 9) 14 .

14 A décima predial era a quantidade de ouro extraído das minas na Capitania de Minas Gerais, separado no gráfico por freguesia.

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Além da vasta produção agrícola, na região de Baependi descobriu-se um novo recurso natural: as águas milagrosas, que atraíram grande número de doentes e interessados para a então fazenda Caxambu com intuito de tratar-se. Acredita-se que já entre 1762 e 1777 as fazendas eram procuradas para tratamento, mas só por volta de 1842 é que ficaram mais conhecidas. Em 1844, uma nova fonte é descoberta por Felício Germano, contudo, desaparece em consequência do lançamento indevido de cascalhos. Tendo em vista as grandes dificuldades em se encontrar novas fontes, uma vez que a vegetação era abundante e as escondia, o mesmo empreendedor, Felício Germano, foi nomeado administrador gratuito pela câmara de Baependi para empreender novas buscas. O que de fato rendeu muito trabalho e muitas fontes de águas minerais, que ficaram nacionalmente conhecidas e eram muito admiradas pelos baependianos. (PELÚCIO, 1942).

A população da vila em 1825 era composta por 18.551 homens e mulheres livres e 11.258 escravos e escravas negros. Esses trabalhavam em todo tipo de ocupação que aparecesse, desde no trabalho doméstico, na agropecuária e também nas eventuais aventuras da mineração. Muito pouco se sabe sobre a história desses escravos no Sul de Minas Gerais, já que grande parte migrou a partir do fim da escravidão devido a dificuldade de trabalho numa região agrária, que evidentemente não disponibilizou terras para essa parcela da população excluída da sociedade, da história do Brasil e também da região do Sul de Minas Gerais.

Houve um progressivo decréscimo do número de escravos em Baependi com o passar dos anos e a proximidade da abolição. Assim, em 1876, eram 7.248 escravos, em 1883, 6.789, até a emancipação total dos cativos que receberam suas cartas de alforria na praça da cidade e veio modificar por completo a mão-de-obra vigente até então: negros e índios. Esses estavam sujeitos a maus tratos e uma condição de vida extremamente precária. Durante o século XVIII, os registros oficiais comprovam o apoio do poder público aos senhores de escravos. Em caso de fuga, o Estado tinha um capitão do mato a seu serviço para capturar os fugitivos. Apesar dos horrores a que eram sujeitos, caso fossem capturados, os escravos eram marcados com ferro em brasa com a letra F na primeira fuga. Reincidentemente tinham a orelha amputada, eram açoitados e ameaçados a serem levados aos cafezais do Rio de Janeiro, onde as condições eram

31 ainda mais precárias. Mas apesar disso, continuaram sempre a fugir em busca de uma vida digna.

Os senhores também tinham obrigações para com seus escravos, uma vez que por lei deveriam alimentá-los e vesti-los devidamente, caso contrario, poderiam ser punidos com multas. Mas essas leis não garantiam uma vida razoável aos escravos, que fizeram em 1833 o levante da Bela Cruz, matando muitos membros da família de Gabriel Francisco Junqueira, o Barão de Alfenas.

Na região agropecuarista do Rio Grande, os escravos eram menos numerosos do que na Comarca de Vila Rica e vilas com abundância de jazidas de ouro. Portanto, observou Saint Hilaire em sua viagem em 1817, grande diferença entre os fazendeiros:

“ Bem menos polidos do que os fazendeiros das vizinhanças de Vila Rica e do Serro Frio, os da região do Rio Grande e em geral da Comarca de São João del Rei, dedicando-se mais à lavoura do que os fazendeiros que possuem Jazidas, eles trabalham lado a lado com os escravos, passando a maior parte do tempo nas plantações e em contato com os animais. Em consequência, suas maneiras adquiriram forçosamente um pouco da rusticidade inerente das ocupações . Em oposição os que se dedicam em grande escala a extração do ouro têm por único encargo supervisionar o trabalho dos escravos. Não se ocupam necessariamente com serviços pesados e lhes sobra tempo para pensar e discorrer sobre os assuntos gerais”. (SAINT HILAIRE,1975: p. 54 - 55).

Os fazendeiros no Rio Grande trabalhavam e também os seus filhos se ocupavam dos afazeres da fazenda. Um se ocupava da plantação, o outro dos porcos, um terceiro dos bois e assim sendo era comum ver homens brancos dedicados a serviços pesados. E, segundo as previsões de Saint Hilaire, quanto mais a população crescesse mais dispensáveis seriam os escravos. E de fato isso chegou a acontecer.

A criação de ovelhas também foi observada por esse viajante. Eram criadas e tosadas e a produção de lã usada para a confecção de tecidos grosseiros, que serviam principalmente para vestir os negros por meio de uma tecelagem bastante rústica.

As grandes concentrações fundiárias também eram comuns nessa região e as fazendas eram gigantescas propriedades de terra. No entanto contavam com simplicidade em suas construções, mesmo as propriedades dos fazendeiros mais abastados, surpreendendo os viajantes que passavam por ali.

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”Um muro de pedras rústica mais ou menos da altura de um homem cerca um pátio bastante vasto, no fundo do qual se enfileiravam as choças dos escravos, os galpões para beneficiamento ou depósito dos produtos agrícolas e a casa grande. Esta de pau a pique e coberta com telhas. A sala é a primeira peça encontrada ao entrar, e seu mobiliário consiste unicamente de uma mesa, um par de bancos, uma ou duas camas desarmada s e vários porta chapéus”. (SAINT HILAIRE, 1975: p. 56).

Essa situação transformou-se a partir da morte dos dois grandes proprietários de sobrenome Nogueira, que concentravam grandes extensões de terra. Começou a acontecer uma divisão das grandes fazendas em sítios menores, dedicados à agricultura e também à pecuária. Os arrendamentos também eram muito comuns: os pequenos proprietários arrendavam áreas de fazendeiros detentores de maiores áreas, principalmente para fazerem roçados e alimentarem as numerosas famílias.

O crescimento populacional foi fragmentando as propriedades sucessivamente com a morte de seus grandes proprietários e a existência de muitos herdeiros, modificando a estrutura fundiária existente no século XVIII e XIX.

Baependi, apesar das subdivisões no século XX – Caxambu e São Tomé das Letras-, continuou muito extensa com uma grande área rural. O município ocupa uma área de 751,8 Km 2 e localiza-se na região Sul de Minas Gerais, nas encostas da Serra da Mantiqueira, o que lhe confere características bastante peculiares dos pontos de vista socioambiental e cultural.

O relevo montanhoso, com altitudes que variam entre 868m e 2359m (Pico do Garrafão), dá origem a diferenças climáticas consideráveis, constituindo o clima tropical de altitude, com influência na constituição da flora e da fauna. Nas regiões mais baixas, predominam os remanescentes de Mata Atlântica (Floresta Ombrófila Densa). Acima de 1000 m, encontra-se a Floresta de Araucárias ( Araucária angustifolia ). Acima de 2000m encontram-se os Campos de Altitude, constituídos, basicamente, por vegetação herbácea, resistente a condições climáticas severas. Na região de transição para os 2000m, encontram-se espécies vegetais de troncos grossos e retorcidos, tal como a Candeia (Eremanthus Erithropapus).

Os rios principais da região são: Baependi, São Pedro, Gamarra, que integram a bacia hidrográfica do rio Grande e a bacia do rio Verde. A bacia do rio Grande é a

33 segunda maior de Minas Gerais e drena 15% do Estado. A região apontada faz parte da microbacia do rio Gamarra, que na sua nascente denomina-se rio Santo Agostinho. Portanto, podemos definir a área pertencente à microbacia do rio Santo Agostinho, fazendo parte do comitê da bacia do rio Verde, responsável pelo gerenciamento dos recursos hídricos da região.

1.1 --- O vale do Gamarra

O Vale do Gamarra integra uma área de nascentes e o rio Gamarra nesse ponto, recebe o nome de rio Santo Agostinho. A ocupação do vale do rio Santo Agostinho se inicia em tempos muito remotos. Os primeiros habitantes da região foram provavelmente comunidades indígenas da nação Cataguá, atraídos pela abundância de água e caça das florestas que cobriam todo o vale do rio Santo Agostinho. Entretanto, não existem registros precisos sobre esses primeiros habitantes no Vale do Gamarra.

A partir da segunda metade do século XVII, surgem os primeiros relatos da chegada dos bandeirantes. Atraídos pelo ouro e pelos lucros da escravidão indígena, esses colonos desbravadores começaram a ocupar a bacia hidrográfica do rio Baependi, da qual o rio Santo Agostinho faz parte. Muito provavelmente foram esses primeiros bandeirantes que eliminaram e escravizaram as populações indígenas que ocupavam a região.

Com a chegada desses colonos uma nova atividade econômica começou a transformar o vale do Santo Agostinho: a mineração. Utilizando a mão-de-obra escrava indígena e técnicas rudimentares, os bandeirantes iniciaram a “virada” do rio. Ou seja, o rio era desviado em um pequeno trecho para que se pudesse explorar seu fundo de cascalho. Terminada a exploração, o rio era conduzido ao seu leito original para que um novo desvio fosse feito mais abaixo. Esta atividade, portanto, é responsável pelos inúmeros canais e enormes montes de pedra encontrados ainda hoje às margens do rio Santo Agostinho na área do Gamarra de cima.

Entretanto, a mineração acabou se demonstrando uma atividade de curta duração no Vale, já que as técnicas muito rudimentares não permitiram aos mineradores alcançarem as maiores jazidas do subsolo, esgotando rapidamente o pouco ouro da

34 superfície. Desta forma, o Vale do rio Santo Agostinho perdeu sua importância econômica inicial e, por ser uma região de difícil acesso, manteve-se inserido numa economia agrícola diversificada, com características peculiares.

Mas, no desenrolar do século XIX, o vale começou a ser ocupado também pela pecuária extensiva. Essas atividades econômicas vão também trazendo novas formas de relação sociocultural, pois as ricas florestas de Mata Atlântica começaram a dar lugar para pastagens e áreas de cultivo, dificultando uma forma de abastecimento que já havia sido comum a essa região, a caça.

No início do século XX, chegou ao vale, vindo do município vizinho de Aiuruoca, o senhor José Ouvídeo, adquirindo extensas propriedades que incorporavam desde o Pico do Canjica até as margens do rio Santo Agostinho. A partir deste momento, a ocupação do vale se intensificou, pois o novo proprietário passou a utilizar o sistema de parceria em suas terras, permitindo que um significativo número de famílias pudesse cultivar e criar gado na região, mesmo não sendo efetivamente proprietários. Muitos construíram pequenos ranchos, onde ficavam na época de seca para cuidar do roçado e do plantio e também da criação de gado leiteiro, logo, extensas áreas eram destinadas à agricultura pelo sistema de parceria.

“Aqui eu trabalhava no tempo da seca, do retiro. Tudo aqui era plantação de milho, feijão, não tinha mato não. Era tudo arrendo, arrendo por toda parte. Semente era por conta do plantador. O povo fazia rancho e acampava. Nenhum morava na terra. A gente trabalhava com gado de leite aqui só na seca. Soltava a vaca 2 meses 60, 70, 80 vacas leiteiras.” (Seu J, 65 anos).

Durante a década de trinta do século XX, foi retomada a atividade mineradora com basicamente os mesmos métodos de desvio e prospecção do cascalho do fundo do rio, articulada com o mesmo sistema tradicional por pessoas de fora que permaneceram na área somente o tempo necessário para colocar em prática seu empreendimento. E a última empreitada aconteceu na década de sessenta, quando aproveitando desvios anteriores, o garimpeiro fez uma barragem no rio Santo Agostinho com o intuito de secar um poço profundo que existe no rio (hoje chamado de Caldeirão). Colocou um motor para bombear a água para fora, entretanto a barragem não agüentou a pressão da

35 água e quando o período de chuvas chegou, acabou por frustrar os objetivos de se encontrar ouro por lá. Acredita-se que tenham encontrado apenas um pouco de ouro:

“Em 1930 os turcos de Caxambu arrumaram com meu avô para desviar o rio e secaram aquele poço, trabalharam mais de 60 homens para abrir a vala, eu entrei no poço e não tinha uma gota d´água, aí em 1960 apareceu um garimpeiro que arrumou comigo de fazer aquela barragem, e usou a vala que já estava aberta. Desviaram o rio para secar o poço. Daí ele botou um motor com uma mangueira de 6 polegadas, o motor puxava 245 mil litros por hora, demorou 6 dias para ver as areias mais altas. Mas eles foram infelizes, foram tirando a água e foi desapertando a pedra, quando esvaziou o poço mais ou menos na metade, despregou aquela pedra, começou a cair água. Diz que eles acharam um pouco de ouro, mas não exploraram o poço. Mês de setembro veio a chuva e estourou a barragem.” (Seu J, 65 anos).

A partir da década de 60, o senhor José Ouvídeo começou a desmembrar suas propriedades no Vale e a vendê-las em lotes menores, o que permitiu a fixação de muitas famílias que ainda hoje, em sua maioria, continuam ocupando a região e também dificultou o sistema de parceria que existia no vale.

Atualmente, a atividade econômica principal continua sendo a pecuária leiteira e a produção de leite e queijos, entretanto a agricultura que costumava abastecer a região perdeu sua antiga importância e os produtos cultivados diminuíram consideravelmente. A tecelagem que existia no Vale foi abandonada para dar lugar a um artesanato de cestos de bambu. Esses produtos chegam à cidade por intermédio de atravessadores, que muitas vezes buscam a mercadoria, apesar de ser difícil o acesso ao local devido à elevada declividade das formações montanhosas, que dificulta a conservação das vias de circulação, restringindo o trânsito de automóveis sem tração na estação chuvosa. Os transportes coletivos não chegam até o Vale, levam a população apenas até a Piracicaba, vilarejo próximo. Recentemente, uma condução escolar tem buscado as crianças para a escola em Piracicaba. O acesso à saúde e à educação acontece por via desse vilarejo e um outro bairro rural, São Pedro, onde as pessoas encontram ensino e um posto de saúde.

A vida rural dessa região de Baependi ainda é bastante isolada é muito peculiar: pequenos sítios ocupam a região. As propriedades que costumavam ser maiores começaram a ser sistematicamente divididas pelos herdeiros. Laços familiares e de compadrio unem as pessoas em uma reprodução social não capitalista, com um vínculo brando com o mercado.

36 Outras atividades também são freqüentes em Baependi, como o comércio, o artesanato de peças de bambu, palha de milho e o tronco de árvore de café, a comercialização de pedras de quartzito e o turismo. Este último tem-se firmado nas belezas naturais da região e na religiosidade, pois Baependi é a terra de Nhá Chica, a quem são legados muitos milagres e está em processo de beatificação. Muitos devotos visitam Baependi para conhecer onde esta Santa viveu e a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, construída por ela.

Enfim, a região de Baependi passou por um processo de transformação quanto ao seu povoamento. A nação indígena Cataguá que ali vivia foi dizimada ou se integraram aos colonizadores, tal qual em muitas outras regiões do Brasil. Em substituição de sua organização social, fundaram vilas, exploraram ouro e desenvolveram atividades pecuaristas e agrícolas. Os bandeirantes que aqui chegaram se estabeleceram nas terras da Mantiqueira, ricas em água, fundaram o povoado, que posteriormente foi elevado à condição de Vila e depois Cidade.

Apenas a partir da criação da cidade, em 1856, é que houve a distinção entre população urbana e rural. Hoje a população urbana é de 11.987 habitantes, enquanto a rural é de 5.536, com uma densidade demográfica de 23,30 habitantes por quilômetro quadrado. E estão em constante interação, o fluxo migratório urbano – rural e vice e versa tem se tornado uma prática recorrente. Em uma região com características peculiares, esses fluxos também apresentam suas peculiaridades, o que estudarei nesse trabalho.

37 Capítulo 2

Vale do Gamarra e a sua população

Figura 6: Vale do Gamarra – julho de 2008

A vida rural dessa região ainda bastante isolada é muito peculiar: pequenos sítios ocupam a região. As propriedades que costumavam ser maiores começaram a ser sistematicamente divididas pelos herdeiros com o passar do tempo. Consequentemente, a quantidade de área resultante das subdivisões é inversamente proporcional ao tamanho da família. Assim, alguns herdeiros hoje vivem em fazendas, enquanto outros em pequenos lotes ou sítios. Contudo, um fato pode ser observado na região: são todos parentes.

As relações sociais entre as famílias do Vale do Gamarra são estreitas na medida em que os casamentos também acontecem entre primos e familiares dos arredores, impedindo que os laços de parentesco se distanciem muito. Apesar de viverem em uma região isolada, a amizade, a solidariedade e o companheirismo das famílias aproximam as pessoas e as ajudam a enfrentar as dificuldades impostas pela vida no campo e o isolamento.

38 Grande parte das famílias cria gado para a venda do leite e produção de diversos tipos de queijos: mussarela, parmesão, minas (fresco); e também produzem para o próprio consumo. Os intermediários vão buscar o leite no vale e a rotina do produtor estará condicionada aos horários do comerciante. Assim, o horário da alvorada poderá variar das cinco às sete horas dependo da chegada do “leiteiro”, pois se deve ordenhar as vacas e acondicionar o leite em latões que serão transportados para a cidade. Para a produção de queijo, que acontece na própria fazenda ou na do vizinho, pode haver uma flexibilização deste horário. A ordenha é uma tarefa principalmente masculina, assim tanto o pai como os filhos mais velhos se encarregam dessa tarefa. Entretanto, as mulheres podem também se ocupar da retirada do leite em algumas famílias, o que ocorre quando o número de parentes homens é reduzido. Já o queijo é feito pelas mulheres, que instalam queijeiras nas fazendas e alternam o tipo de queijo a ser produzido. Em casas onde não moram mulheres, os homens também podem dedicar-se ao queijo.

A pecuária de corte também existe no Vale; alguns proprietários vendem o animal para o abate, pois julgam ser mais rentável do que o leite. Esse fato foi observado principalmente em fazendas mais afastadas da estrada, na qual a chegada do carro se faz mais difícil.

“Eu planto milho e feijão para o gasto, crio gado para vender, não vendo leite, pois não vale a pena. Tenho orgulho em dizer que não sou um cara rico, mas nunca fui apertado.” (Seu J, 65 anos).

Ao amanhecer, o desjejum consiste em café com leite com farinha de milho, bolinhos, que são preparados com ovos, leite e fermento, e podem ou não ser fritos, e algum outro tipo de pão, biscoito ou broa de milho, a “quitanda”, como são chamados por eles. Essa quitanda é preparada pelas mulheres em um dia especial e conta com a ajuda de vizinhas e familiares. Um forno de barro fora da casa é construído especialmente para esse fim.

Nesse dia de encontro, grande quantidade de pães e biscoitos, doces e salgados são feitos e repartidos entre as participantes, que podem presentear amigos e parentes e reservar para o consumo diário.

39 No almoço é servido arroz, feijão, macarrão, farinha de milho e podem também preparar alguma carne ou algum legume da horta, refeição que poderá ser repetida no jantar depois do café da tarde. A carne mais consumida na região é o porco: toucinho e lingüiça são pendurados em cima do fogão à lenha para defumá-los e serem consumidos mais tarde. A gordura usada na cozinha consistia unicamente em banha de porco, entretanto hoje, o óleo de soja também é comprado na cidade para o uso cotidiano, mas nem todos apreciam esse novo hábito culinário.

“Eu como comida feita com óleo de soja e logo já estou com fome, eu fui criado comendo comida feita com banha de porco e ainda uso, ela sustenta” (Seu A, 70 anos).

A caça já foi muito comum na região, abastecendo de carnes exóticas a população. Entretanto, com o aumento de pastagens e campos cultivados, essa prática foi sendo abandonada. Hoje a carne que é comida provém unicamente da criação de frangos, porcos e bois.

São das mulheres as obrigações domésticas, a limpeza da casa, das roupas, da cozinha, o cuidado das crianças e também a manutenção das hortas que se localizam próximas às casas. Nessas hortas são cultivadas hortaliças, legumes e plantas medicinais para chás e temperos. No terreiro das casas, também são plantadas árvores frutíferas, tais como abacateiro, goiabeira, laranjeira, limoeiro, jabuticabeira e pessegueiro.

As roças de milho, feijão, cana e mandioca são as mais freqüentes na região, cultivadas em época de chuva, que acontece entre outubro a março. Nesse período os campos são roçados e as terras são preparadas para o plantio, que acontecerá quando as chuvas são mais intensas. Para o plantio, a família inteira participa da empreitada, que tem que ser feita velozmente para aproveitar o período úmido e quente. Pois o inverno é extremamente seco e também muito frio, com geadas. O arado da terra pode ser feito manualmente ou com ajuda de animais, principalmente as juntas de boi. O arado mecanizado por meio de tratores é extremamente raro e só acontece quando um trator da prefeitura está no Vale em decorrência de um serviço extraordinário como a conservação ou abertura de novas estradas.

Muitos proprietários usam a prática da coivara em áreas destinadas à agricultura. As áreas agrícolas são restritas hoje em dia, uma vez que a pecuária leiteira

40 é a atividade predominante. Assim quando o proprietário percebe um rendimento baixo em seus cultivos em um ano, ele pode lançar mão do fogo para renovar a terra. Essa prática é tradicional na região, apesar de hoje estar restrita pelos órgãos públicos ambientais (IBAMA e IEF 15 ). Após roçar a capoeira mais alta, se pode queimar a área para então ará-la, para posteriormente serem lançadas as sementes. A utilização de adubo de cobertura é hoje comum, assim compram o adubo químico NPK (nitrogênio fosfato potássio) na cidade, para as suas roças. Depois do plantio é feita a manutenção do cultivo capinando as áreas plantadas. Os instrumentos utilizados nessas atividades são rústicos: o penado para o roçado e a enxada para a capina. A agricultura está diretamente ligada à pecuária, pois o milho e a cana produzidos serão utilizados para o trato de animais (vacas, bois, cavalos, éguas, mulas, burros) e muitos legumes da horta destinam-se a engorda dos porcos.

Se por um lado o fogo utilizado para a agricultura em nada impacta as áreas vizinhas, já que acontecem em pequenas áreas e ajudam a fertilizar o solo, pois mineraliza a matéria orgânica que fica disponível no solo para a planta, o mesmo não se dá com as queimadas das pastagens. Assim, após o roçado do pasto, a forma utilizada para renová-lo é a queimada, que acontecerá em uma data associada à umidade do ar quando o céu estiver encoberto ameaçando chuva. Apesar dos aceros 16 que são feitos em volta de toda a área a ser queimada para evitar que o fogo alcance áreas vizinhas, os ventos violentos podem levar as labaredas para além dos aceros, dos pastos que seriam queimados para áreas vizinhas, provocando grandes incêndios na região.

Apesar de a coivara ser a única forma conhecida pelos proprietários do Vale, ela é limitada pelos órgãos fiscalizadores ambientais, ou seja, os proprietários só podem fazê-las legalmente mediante autorização dos mesmos. Essa autorização tem que ser obtida no escritório do órgão responsável, IEF, na cidade de Itamonte a 100 Km de distância. Essa medida restritiva diminuiu bastante essa prática evitando novos grandes incêndios; entretanto não foi disponibilizado ao produtor uma assistência técnica rural alternativa que solucionasse de fato esse problema. A fiscalização ambiental é exclusivamente punitiva e não disponibiliza técnicos agrícolas que proponham formas de manejo para as pastagens.

15 IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, IEF - Instituto Estadual de Floresta. 16 O acero consiste na retirada do mato em volta de onde será a queimada, por meio da capina por uma área de dois a três metros com auxílio da enxada.

41 O milho é o produto agrícola mais cultivado na região e pode ser plantado em associação com o feijão, que traz benefícios para a recuperação do solo por meio da nitrogenação, pois é uma planta leguminosa. Depois da colheita faz-se farinha do milho e fubá para o consumo humano e o farelo do milho destina-se ao trato dos animais. A cana também é utilizada para produção de ração junto ao capim. O feijão e a mandioca podem ser exclusivamente para o próprio consumo, como também para venda.

Os pastos destinados ao gado precisam de constante manutenção. O roçado dessas grandes áreas é obrigação dos homens, pais e filhos, que cumprem parte da empreitada e no período que julgam ser mais conveniente, a lua minguante, chamam os vizinhos, familiares e amigos para o mutirão. Nesse dia, os convidados vão à casa estipulada, na hora marcada (geralmente às oito horas), depois das obrigações de suas próprias fazendas, tomam café da manhã e começam o trabalho de roçado. Na hora do almoço, ao meio dia ou à uma hora, se alimentam da comida do anfitrião, que consiste em arroz, feijão, macarrão, uma carne que pode ser frango, leitão ou boi, farinha de milho e alguma verdura como a batata. As carnes mais comuns são: o frango e a carne de porco; e mais raramente, o boi. De volta ao campo continuam o serviço até o entardecer, às dezessete horas, com uma breve parada de meia hora para o café da tarde, às duas horas. O serviço que o proprietário levaria uma semana pode ser cumprido em um único dia, além da velocidade do trabalho, a animação e a descontração estão presentes, aliando trabalho e diversão.

A carne é sempre encontrada nos mutirões, alimento apreciado por todos. Quando o anfitrião mata um boi, vende uma parte e reserva outra para os companheiros de roçado. Entretanto, como os mutirões agora agregam menos gente que no passado, os frangos, por serem pequenos e de abate fácil, e a carne de porco, muito consumida na região, têm sido os mais comuns nesses dias. Muito popular também é a pinga, que vem da cidade e é consumida no final do serviço.

Grupos de dez a vinte camaradas fazem o serviço em uma fazenda e na lua minguante seguinte vão para outra propriedade para ser roçada, também em esquema de mutirão. Em outros tempos juntavam-se até cinqüenta homens para o trabalho, mas como muitos já foram para a cidade, esse número hoje é reduzido.

Não é somente o serviço do roçado do pasto que lança mão dos mutirões, a capina para o plantio do milho ou qualquer outro serviço que se faça necessário pode solicitar ajuda dos companheiros. Essa prática antiga de solidariedade é comum na

42 região, todos participam. Entretanto, caso alguém não atenda o chamado de um vizinho, esse também se sentirá desobrigado a atender-lhe o convite e não comparecerá no mutirão organizado por aquele que esteve ausente em seu mutirão.

Esses laços de solidariedade que unem as famílias, os vizinhos e os parentes, garantem a proximidade dos indivíduos, a coesão social e a possibilidade de reprodução social em um sistema isolado e distante da cidade, cuja sociabilidade é extremamente peculiar. As dificuldades são vencidas com essa ajuda mútua.

Uma realidade semelhante foi observada por Antônio Candido em Bofete, São Paulo, na década de cinqüenta, na qual os mutirões exemplificavam a reprodução sócio- cultural da população, com práticas de ajuda mútua e sentimento de localidade que integravam as famílias, agregados e posseiros numa estrutura de bairros e localidade que era de fundamental importância para a coesão social. Estrutura que foi denominada pelo autor de solidariedade caipira (CANDIDO, 2001).

Portanto, a solidariedade caipira pôde ser observada no Vale do Gamarra na atual pesquisa, onde os mutirões e os movimentos de solidariedades são extremamente peculiares a essas áreas ditas caipiras, mesmo que os movimentos de transformação já estejam presentes na região.

A produção de gêneros alimentícios já foi maior no passado, os proprietários possuíam propriedades maiores e mais terras agricultáveis, podendo, inclusive arrendar para algum produtor, mediante divisão da colheita ou pagamento em dinheiro de aluguel. Hoje os arrendamentos são mais raros, mas ainda acontecem.

O isolamento da região vem sendo alterado, assim, há quinze anos, os moradores compravam pouquíssimas coisas na cidade. A maior parte dos alimentos era da própria região, como feijão, milho, café, batata, legumes e verduras, carnes e banha de porco, usada como óleo. A farinha era toda produzida, o café torrado e pilado e a banha, extraída na fazenda, dos porcos que eram criados nas propriedades.

Atualmente, a lista de compras vem aumentando bastante na medida em que a interação campo - cidade se torna mais estreita. Muitas vezes os produtores encontram mais vantagem em comprar batata do que plantá-la. É também mais barato comprar o café a plantá-lo e estar sujeito às intempéries climáticas, pragas e geadas. E ainda como os afazeres das fazendas são muito numerosos e a cada dia atrai menos os jovens, a

43 mão-de-obra se torna menos abundante dentro da família, dificultando o cumprimento de todas as atividades realizadas no passado.

“Na época do meu avô, ele comprava só sal na cidade, até açúcar eles produziam aqui, faziam rapadura da cana. A minha mãe também torrava e pilava o café e fazia farinha, mais é um serviço muito pesado: sempre que tinha um irmão por perto ela pedia ajuda. Se meu pai tivesse, ele também ajudava. Já a farinha, todos ajudavam. Como demora pra ficar pronta, cada um que passava dava uma ajuda. Então se não tem muita gente em casa, o mais fácil é comprar na cidade” (F, 25 anos).

Quando foi perguntado a uma jovem se a família dela comprava café, ela respondeu: “ Graças a Deus que a gente não torra e nem pila mais café aqui, agora compramos na cidade, é muito mais fácil.” (C, 15 anos).

Contudo, as famílias que não obtêm uma renda fixa com a venda do leite ou a confecção de cestos, procuram ao máximo plantar e produzir seus alimentos. Quando não conseguem produzir compram de outro sitiante; tempos atrás, tinham por hábito a troca, a barganha por alimentos e serviço. Assim, aqueles que não produziam rapadura, podiam trocar por outro produto feito em sua casa ou acertavam a compra por dias de serviços.

As lavouras multiplicavam-se pelo vale, nas encostas, nas várzeas e em diversas áreas apropriadas. Os grandes proprietários arrendavam parte de suas terras para que os pequenos pudessem ampliar suas produções. Com o passar do tempo, essas grandes propriedades foram sendo subdivididas pelos herdeiros e quanto mais filhos um indivíduo tivesse, menores seriam as heranças. Podendo, inclusive, restringir o acesso de alguns a sítios maiores, pressionando-os a arranjar trabalho fora ou mudar-se para a cidade ou outros bairros rurais.

A venda das propriedades também ocorre associada a alguma necessidade ou desejo de mudar-se para outra região ou para a cidade. Isso ocorreu com Seu A., 70 anos, pois seu avô tinha uma grande fazenda que deixou de herança para seu pai. Esse ficou muito doente e para comprar os remédios necessários, teve que vender toda sua propriedade, deixando para seu filho, que permaneceu morando na região, apenas a casa com um pequeno terreno em volta. Essa situação levou essa família, com sete pessoas, à pobreza. Quando os filhos mais velhos cresceram, arrumaram emprego com os novos

44 moradores do local, mas a vida só teve uma substancial melhora quando um novo proprietário da região trocou o pequeno terreno de Seu A., que se situava no meio de sua propriedade, por outra terra com acesso à estrada e área para plantar. Nessa nova casa ele está muito satisfeito, não precisa arrendar terra para plantar, e ainda pôde construir uma casa melhor para si e também dispôs de espaço para novas construções para os filhos. Ademais, ganhou nessa barganha uma vaca, que agora rende leite e novilhos. Com terra para plantar a vida melhorou muito.

As novas restrições ambientais também foram apontadas por alguns moradores, como motivo da diminuição da produção agrícola. A área do Vale do Gamarra constitui Área de Proteção Ambiental da Serra da Mantiqueira (APA Mantiqueira) desde 1995 e entorno do recém criado Parque Estadual da Serra do Papagaio, que engloba diversos municípios no Sul de Minas Gerais. Muitos moradores tiveram parte de suas terras inseridas no traçado do parque e outros tiveram que reelaborar suas atividades econômicas em decorrência das restrições ambientais.

O Parque Estadual da Serra do Papagaio (PESP) foi criado em agosto de 1998, com uma área de 22.917 hectares abrangendo áreas dos municípios de Baependi, Aiuruoca, Alagoa, Itamonte e Pouso Alto e sede administrativa no escritório do Instituto Estadual de Floresta (IEF) na cidade de , também no Sul de Minas Gerais. (Figura 7)

A região é de grande relevância ecológica, pois concentra as nascentes de alguns dos principais afluentes do rio Grande, responsável pelo abastecimento e geração de energia de grandes centros urbanos de Minas Gerais e de São Paulo. É um local com importantes conjuntos montanhosos, uma declividade acentuada e altitudes acima de 1800m. As maiores elevações constituem o Pedra Redonda, com 2353m, na Serra do Garrafão, o Pico da Bandeira, com 2357m, na Serra do Papagaio. Inserido no bioma da Mata Atlântica, o PESP integra-se ao Parque Nacional do Itatiaia e a APA Mantiqueira. A peculiar biodiversidade natural da área, associada à dificuldade de acesso ao local, possibilitou historicamente grande preservação da flora e da fauna nativas.

A relevância cultural também merece grande destaque, pois toda a área do entorno do PESP, integra a área cultural caipira a que estamos discutindo nesse trabalho, com enfoque para região do Vale do Gamarra. E também têm recebido um fluxo migratório de novos moradores vindo de áreas urbanas que buscam um contato mais estreito com a natureza em ambientes de grande beleza cênica. Portanto, por meio

45 de uma atividade econômica baseada na agropecuária rústica, mantém traços socioculturais tradicionais que permitiram a preservação da área, onde começa a nascer uma nova atividade econômica, o turismo.

Figura 7: área do Parque Estadual da Serra do Papagaio

46

O processo de implantação do Parque Estadual da Serra do Papagaio, assim como diversas outras unidades de conservação pelo mundo, traz à tona o conflito entre a ocupação do espaço e a utilização dos recursos naturais pelas populações que vivem nas áreas e a preservação do meio natural. Assim, a iniciativa do Estado em garantir a preservação por meio de desapropriação de terras particulares entra em conflito com as diferentes culturas e o uso econômico que as sociedades sempre fizeram da terra. A forma de implantação é bastante problemática, na medida em que as comunidades não são previamente consultadas e nem envolvidas nas discussões que definem as áreas a que abrangerá a unidade de conservação. A falta de informação sobre os objetivos, propósitos e possíveis vantagens tornam o processo traumático para as populações locais e dificultam a manutenção de suas antigas atividades econômicas, sem contudo, propor uma alternativa de geração de renda. Os órgãos públicos IBAMA e IEF, gestores da APA Mantiqueira e do PESP, respectivamente, começaram atuar na região apenas nos últimos anos quando entraram em contato com as populações do entorno por meio de fiscalizações, embargos e multas, provocando uma onda de aversão ao invés de promoverem uma conscientização ambiental fundamentada na participação social.

Os limites do Parque Estadual ainda não estão claros, sua demarcação definitiva ainda não ocorreu, pois pelo decreto foram incluídas algumas áreas produtivas sem relevância ambiental e deixadas de lado extensas áreas florestadas. A exceção da propriedade onde está a sede, o processo de desapropriação de terras ainda não começou. Nesse contexto, a região hoje é palco de profundas transformações que envolvem diversos atores: a população tradicional caipira, os citadinos que vieram morar na região, os órgãos públicos gestores, o turismo que cresce em várias regiões e a política ambiental que é imposta em um processo autoritário, unilateral e punitivo.

A extensão do entorno do PESP faz com que nos deparemos com diversas realidades distintas nos diferentes municípios, enquanto alguns têm investido fortemente no turismo como alternativa de renda, muitas vezes abandonando as atividades agropecuárias pré-existentes; outros mantêm sua característica agrária. Em decorrência do isolamento das comunidades, as realidades podem ser bem distintas.

Um exemplo da intensificação do turismo acontece na região de Aiuruoca, no Vale do Matutu, onde existem diversas pousadas, vivem muitos habitantes provindos das cidades e o fluxo turístico é intenso. As atividades agrícolas foram praticamente

47 abandonadas, uma vez que a maioria da população caipira já não dispõe de terra para o plantio em decorrência das subdivisões das heranças e da venda das propriedades. As restrições ambientais foram também lá apontadas pelos moradores locais como uma das causas do fim do “tempo de roçado” e início do “tempo atual”, quando os moradores têm que comprar todos os seus alimentos na cidade 17 .

“O povo podia pensar mais em plantação. Aqui tem um tanto de terra e a gente não pode usar. Se for pra comprar tudo é melhor mudar de vez para a cidade! Eu tenho meu pedaço de terra que eu planto, mas eu me preocupo com os outros que não tem. Tanta gente no mundo querendo plantar, a gente tem e não pode usar” (morador do Vale do Matutu ). “É até feio o tanto de coisas que temos que comprar na cidade” (moradora do bairro da Pedra, em Aiuruoca).

Figura 8: o entorno do Parque Estadual da Serra do Papagaio

17 Fundação Matutu/ Sebrae/ Projetho. Programa de desenvolvimento sustentável da Serra do Papagaio. Relatório de diagnóstico socioeconômico participativo da microbacia do Riberão da Água Preta, 2005.

48 No Vale do Gamarra, em Baependi, as relações históricas e sociais são distintas das descritas acima, mas também tem estado sujeitas a profundas transformações. O município tem a mais extensa área dentro do PESP e as desapropriações ainda não aconteceram, contudo as áreas já têm seu aproveitamento econômico limitado. Em decorrência disto, as áreas de encostas e próximas aos cursos d’água deixaram de ser alternativas viáveis e produtos que anteriormente eram cultivados nesses brejos, como o arroz, tornaram-se inviáveis na região. Assim como a retirada de madeira para a construção de casas e para a obtenção de fogo. O que levou algumas famílias a optarem também pela utilização de fogão a gás ao invés de exclusivamente o fogão à lenha.

“Antigamente, quando não tinha o Ibama, podia derrubar capoeira pra plantar, usar os brejos pra plantar arroz, muito arroz. Aí a gente tinha fartura, alimentava a família e mais muita gente . A lenha também tá muito difícil, a gente tem que ir longe pra trazer um feixe de lenha, tem gente que agora só usa o gás, eu uso a lenha ” (Seu A, 70 anos). “Anos atrás essas encostas eram todas cultivadas, produzia-se muito, a gente tinha muita produção, agora não podemos plantar. O povo não planta mais por que não pode roçar, o Ibama embarga. Pode roçar capoeirinha, mas na mata não pode entrar. Pro proprietário é um caminho sem saída esse Ibama aí. Vai fazer o que, é lei do país. Ficou muito difícil pro proprietário. Eu achava que o Ibama podia funcionar, mas de outro jeito, você tira uma guia, quanto de candeia eu tirei, mas com guia, mas agora eles não querem dar direito a nada. Eu plantava milho, feijão, batata, mandioca; tinha gente pra trabalhar, mas com essa dificuldade o povo começa a sair, vai embora procurar outro meio de viver. O sítio da passagem eu vendi por causa disso. Não liberam a candeia que tá embargada, plantar roçado também não pode. Vendi porque não pode fazer nada lá.” (Seu J, 65 anos). “Eu acho que o Parque tá me cortando mais de 30 hectares. Agora eles vêm [..] não pode cortar, não pode fazer isso não pode fazer aquilo. Mas o Estado ainda não pagou o cara tá pagando imposto .” (Seu J, 65 anos).

Uma outra atividade extinta no Vale é a extração de madeira. Caminhões de candeias e outras espécies saíam constantemente, alimentando madeireiras locais.

Com a extinção de algumas atividades, novas alternativas foram sendo encontradas, a exemplo, o artesanato de cestos de bambu a que muitas famílias dedicam-se. Confeccionam cestos, bandejas, balaios, baús para vender. As molduras são trazidas por atravessadores para que os artesãos as completem com as tirinhas de

49 bambu, produzindo charmosos utensílios e móveis que serão vendidos em Baependi e também levados para o Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Essa atividade econômica é uma alternativa para as mulheres e famílias com pouca ou nenhuma terra.

As diversas atividades econômicas da região integram-se a um laço familiar e de compadrio que unem as pessoas, em uma reprodução social que pode ser considerada, não capitalista, na qual o trabalho não se tornou mercadoria e há uma grande dependência dos recursos naturais e dos ciclos da natureza; seu manejo visa à reprodução social e cultural e não o lucro; apesar de haver uma ligação com o mercado ela ainda é branda. (DIEGUES, 1994).

As casas possuem arquitetura semelhante, são quadradas com sala, cozinha, quarto, um ou mais dependendo do tamanho da família. As construções mais recentes têm adicionado o banheiro, com serpentina 18 no fogão à lenha para proporcionar banhos quentes aos moradores e a varanda. As mobílias variam de casa para casa, mas todas possuem fogão à lenha nas cozinhas, algumas têm mesa e cadeiras, outras grandes bancos, camas nos quartos e cadeiras ou sofás nas salas e algumas possuem estante na sala e fogão à gás na cozinha.

Assim, tanto as casas como os modos de vida têm características comuns, simplicidade nas mobílias da casa, e na alimentação: arroz, feijão, farinha de milho, mandioca, banha de porco, alguma carne, café, bolinhos, broas e outra quitandas; atividade econômica: pecuária leiteira e a produção de queijo, trabalho no campo, agricultura, artesanato e um forte laço de solidariedade que une a todos.

Esse laço se expressa por meio de festas, orações, mutirões e as visitas que uns costumam a fazer aos outros. Como as casas podem ser distantes o pouso do visitante para passar a noite é muito comum.

As festas são freqüentes, todos são convidados e muita comida e bebida são oferecidos. A bebida vem da cidade e a comida é feita na casa; muitos animais são abatidos e servidos aos convivas, com arroz, feijão e farinha. Essas comemorações podem ter vários motivos, festa de Santos Reis ou outro santo, promessas e comemorações. Recentemente o senhor J. promoveu uma festa de Santo Reis em sua fazenda como pagamento de uma promessa feita trinta anos antes. Com um funcionário

18 A serpentina é um sistema de encanamento que passa pelo fogão à lenha, e permite que a água esquente e se dirija a um boiler, onde será armazenada, ligando-se aos chuveiros e torneiras proporciona banho quente para as famílias.

50 picado de cobra em sua sala, o senhor J, diante da impossibilidade de transportá-lo para um local onde pudesse receber assistência adequada, recorreu à ajuda dos Santos Reis e fez a promessa de promover uma festa no dia 6 de janeiro, caso o enfermo fosse curado. Assim o fez, uma vez que o funcionário, apesar da gravidade de seu estado de saúde, conseguiu se recuperar.

A notícia que a festa seria realizada no dia 6 de janeiro de 2007 se espalhou rapidamente pela região. Não existem convites individuais, todos que comparecessem seriam bem recebidos e a expectativa era de que aparecessem em torno de quinhentas pessoas. A fazenda possui difícil acesso a carros, entretanto naquele ano em conseqüência das chuvas excessivas e das péssimas condições das estradas, os convidados só podiam chegar a pé ou a cavalo. O que acabou resultando em uma imagem bastante inusitada: mais de duzentos cavalos selados e arriados, amarrados, um ao lado do outro, na cerca em frente à fazenda.

Assim que se chegava à festa, a primeira visão que se tinha, além da enorme fila de cavalos esperando seus donos, era o couro da novilha abatida para as comemorações. Ela estava esticada com uma armação de madeira e pendurada em uma frondosa árvore bem em frente ao local da festa, para secar e ser utilizada posteriormente. Além da novilha, foram abatidas três leitoas e uma grande quantidade de frangos caipiras. Esses formavam o cardápio oferecido, composto de arroz, feijão, carne de panela, leitoa assada e frango ensopado. A comida estava disposta em uma grande mesa, colocada em um alpendre ao lado da casa em enormes panelas onde os convidados podiam se servir à vontade com pratos coloridos de plástico. A bebida que seria servida na festa, os refrigerantes e a cerveja encomendados, não conseguiram chegar, em decorrência das fortes chuvas de verão. Assim, os convidados beberam água, servida das torneiras da fazenda, que vinha diretamente da nascente.

Em frente ao alpendre, havia um grande terreiro de terra batida todo enfeitado de bandeiras, no estilo das bandeirolas das tradicionais festas juninas, com um grande mastro ao centro, de onde balançava ao vento um estandarte bordado em homenagem aos Santos Reis.

Logo atrás se encontrava a sede da fazenda, emoldurada pela visão de uma cachoeira, cercada pela floresta, a antiga casa de adobe, feita com materiais da própria fazenda. Era a mesma que trinta anos antes havia presenciado os acontecimentos que deram origem à festa. Era também a mesma, a pequena sala, de assoalho de madeira e

51 paredes caiadas de branco, onde o funcionário foi colocado depois de ter sido picado pela cascavel, que os músicos convidados desfiavam os versos musicados que compõem a tradição das festas de Reis.

O grupo era composto por dois violeiros, dois cantadores e dois percursionistas, um tocador de pandeiro e outro de zabumba, que chegaram à fazenda logo pela manhã, quando os primeiros convidados começaram a aparecer. Depois de receber os calorosos cumprimentos dos donos da casa, os músicos se instalaram na sala da casa e iniciaram a execução das músicas. Tocaram, com raras e curtas interrupções, até o fim da tarde, quando os últimos convidados estavam se retirando, os versos eram repetidos e com sua melodia triste eram acompanhados pelo couro. Ao entardecer, aqueles que ficaram na festa entraram na casa e ocuparam a sala, os corredores, os quartos e a varanda e as músicas com letras de inspiração religiosa, ecoavam na sede da fazenda criando um fundo musical que envolvia a todos, estabelecendo um ambiente, ao mesmo tempo alegre e austero. Afinal, se tratava de mais uma das festas do catolicismo popular brasileiro, onde o profano e o sagrado caminham de mãos dadas.

Além das festas dos santos, outras formas de expressão de religiosidade são também bastante peculiares, como as novenas e rezas que acontecem nas casas dos moradores e também na capela que existe no Vale. Os moradores, a cavalo, seguem para as casas dos devotos, a fim de rezar o terço. Algumas vezes rezam dez ave-marias em uma casa, e dirigem-se para a próxima, até completar o terço. Esses encontros constituem momentos de interação social, uma vez que os moradores mais religiosos ou menos, dirigem-se às rezas para encontrar e rever amigos e parentes e passar um tempo juntos. Alguns homens, inclusive levam bebida, a pinga, para beber com os companheiros no terreiro e não dentro da capela ou na casa na qual estará acontecendo a reza.

Os dias de santos também são muito importantes e todos os dias de santos são considerados sagrados, portanto os moradores não trabalham nesses dias. Nos feriados oficiais, eles trabalham normalmente, a não ser que seja um feriado religioso, como Nossa Senhora Aparecida.

Essa reprodução cultural, as festas, os mitos, os ritos e as religiões possibilitam a coesão social; entretanto, não impedem o aparecimento de conflitos, e é claro, um movimento de transformações sociais. Não são sociedades estáticas, mas sim suscetíveis a mudanças decorrentes de fatores internos e externos da sociedade. Apesar

52 de voltados para a produção de valores de uso para sua auto reprodução enquanto grupo social ligam-se também ao mercado e incorporam em certa medida valores capitalistas. Seu modo de vida pode ser caracterizado, segundo Diegues de “pequena produção mercantil” (DIEGUES, 1994).

Figura 9: Capela no vale do Gamarra – exterior e interior

Essas transformações acontecem também no Vale do Gamarra, onde muitos herdeiros acabaram vendendo suas partes da propriedade para a gente de fora, da cidade grande que começa a chegar à região atraída pelas belezas naturais surpreendentes do local com água pura e distante do modo de vida ocidental das grandes cidades. Por outro lado, a população local mais jovem também se vê atraída pelas possibilidades da cidade, escola para as crianças, várias possibilidades de trabalho e o conforto que esse novo modo de vida proporciona aos moradores, como a luz elétrica, transporte, hospitais entre outros.

Observando tantas peculiaridades, seria pertinente enquadrar essa população ao que alguns autores denominam de sociedades tradicionais em regiões de São Paulo e também parte de Minas Gerais, como Caipiras.

53 A denominação de tradicional é amplamente discutida e lançarei mão da definição que pensa essa sociedade como um grupo que isoladamente reproduz formas peculiares de vida.

“As sociedades tradicionais: grupos humanos diferenciados sob o ponto de vista cultural que reproduzem historicamente seu modo de vida, de forma mais ou menos isolada, com base na cooperação social e relações próprias com a natureza. Essa noção refere-se tanto aos povos indígenas quanto a seguimentos da população nacional, que desenvolveram modos particulares de existência adaptados a nichos ecológicos específicos.” (DIEGUES; ARRUDA, 2000: p. 27).

Essa terminologia engloba a população rural sob as modalidades étnicas e culturais da região de São Paulo, como foi salientado por Antônio Candido e também em Minas Gerais.

Partindo da observação dessa população na zona rural de Baependi, foi possível encontrar diversas semelhanças àquelas observadas por Antônio Candido em sua pesquisa. Também corresponde à cultura rústica caipira conforme definida por Darcy Ribeiro (2006). Entretanto, não é possível pensá-las como populações estáticas, que não estão sujeitas à mudança e às transformações sociais. Pois as populações descritas pelos autores acima, passaram por amplos processos de interação cultural e talvez, segundo Antônio Cândido, os caipiras até deixaram de existir enquanto tal, na região estudada por ele; Porém essa população rural do Vale do Gamarra em Baependi, ainda mantém características muito marcantes da cultura caipira, apesar de não serem idênticas às estudadas anteriormente, também não estão isentas de influências.

O habitante dessa região é um caipira que interage com as populações que vêm da cidade, comercializa os seus produtos, faz compras nos mercados e por vezes procura emprego no campo ou mesmo na cidade. Sua reprodução sócio-cultural não está condicionada ao lucro, mas possuem de fato pequenos valores capitalistas presentes em seu cotidiano e um vínculo com o mercado. Não podem mais ser considerados, hoje em dia, uma sociedade totalmente isolada, mas apesar de inserida num contato mais amplo de sociabilidade, suas interações ainda não produzem grandes mudanças.

54 Nestas novas relações campo-cidade, a proximidade que começa acontecer entre essas duas populações, o intercâmbio cultural, lança novos valores a essa população, assim, alguns jovens começam almejar prosseguir os estudos.

Esses jovens inserem-se no sistema escolar carregando vasta bagagem, que é definida segundo Bourdieu como capital econômico, social e cultural, que nessa região são peculiares. Não são indivíduos isolados e sim inseridos em uma estrutura social. Constituindo um grupo social específico, a disposição para ações específicas estaria sendo transmitida por meio do habitus 19 . Assim as expressões individuais, estão vinculadas às origens sócio - culturais.(BOURDIEU, 1997).

A permanência da lógica desse habitus mantém a conexão das novas práticas sociais com as antigas. Constitui uma continuidade dentro da mudança. Nesse contexto as transformações implicam em um movimento sócio cultural peculiar que imprime novas influências, no entanto mantém uma congruência com o tradicional, sem significar o desaparecimento do sistema cultural caipira.

O que se destaca nessa região é a tendência à transformação desse capital social e cultural e consequentemente do habitus . Assim, surpreendendo as expectativas dos pais e dos mais velhos, as crianças anseiam por estudar, conhecer novas realidades, não necessariamente para se mudarem da região e terem uma vida diferente, mas simplesmente pelo conhecimento.

No passado, a inexistência de escolas era comum e eram raras as localidades nas quais se podiam encontrar uma instituição de ensino. Para que as crianças aprendessem, os pais tinham que levá-las para a cidade ou contratar um professor particular para os filhos. Ou ainda se encarregar da tarefa educacional, o que de fato era muito difícil, na medida em que os afazeres da fazenda ocupavam por completo o tempo dos seus moradores. Mas no final do século XX, ela se torna uma instituição cada dia mais presente na vida das crianças.

19 Habitus, definido por Bourdieu, é um conceito que se associa ao acúmulo histórico de experiências em um grupo histórico, construindo um conhecimento prático, real que pode ser alcançado pelos membros daquela realidade social concreta. "sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador e estruturador das práticas e das representações que podem ser objetivamente "reguladas" e "regulares", sem ser o produto de obediência a regras, objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-los e coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação organizadora de um regente." Bourdieu, Pierre - "Esboço de uma teoria da prática", pg. 61. In, Ortiz, Renato (org.) - Pierre Bourdieu: sociologia. São Paulo, Ática, 1983.

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“Meus filhos para conhecer o ABC eu levei em Piracicaba. Quando eu era pequeno, não tinha aula nem em Piracicaba. Meu pai ajustou um professor para dar aula pra nós .” (Seu J, 65 anos)

A escola que existia no vale até 2006 era uma escola rural, na qual as crianças estudavam até a primeira fase do Ensino Fundamental (quarta série). Após essa fase eram obrigados a parar os estudos ou tinham que ir morar na cidade ou no bairro rural vizinho, Piracicaba.

Foi justamente da população mais jovem que veio o apelo ao estudo, como aconteceu com F, 25 anos, que parou de estudar durante oito anos, mas nunca desistiu. Incentivando os irmãos mais novos a também compartilharem esse sonho, conseguiu que a mãe mudasse com os sete filhos para a cidade de Baependi, deixando o pai e os três irmãos mais velhos na lida da fazenda.

Para tanto, eles compraram um lote na cidade, começaram a construção da casa e mesmo antes que essa tivesse completamente pronta mudaram-se e matricularam-se na escola. Para F., não foi tão fácil assim, como ela era mais velha e não tinha feito reserva de vaga e a preferência é dada às crianças mais novas, ela ainda ficou um ano sem estudo, até que conseguiu se inserir em um programa de educação de jovens adultos do Governo de Minas Gerais, que torna acessível a formação escolar em tempo menor – EJA. Assim, completou o Ensino Fundamental e hoje cursa o primeiro ano do Ensino Médio. Lamenta-se não poder voltar no tempo para não ter precisado parar os estudos. Hoje as crianças têm mais acesso à escola, a partir da obrigatoriedade da freqüência, muita coisa mudou e ela comenta:

“Hoje não tem mais crianças fora da escola, é lei e todos estudam. Por que não era lei há dez anos atrás, assim eu não teria ficado tanto tempo sem escola” (F, 25 anos).

Em 2007, a escola de Piracicaba foi reformada e ampliada, com verba do Governo Estadual, passando a oferecer Ensino Fundamental de nove anos e Ensino Médio. A escola do Vale do Gamarra foi fechada e a prefeitura disponibilizou condução para que as crianças tenham acesso à escola.

56 Na família de F., as duas irmãs mais novas dela voltaram para morar com o pai para freqüentar a escola de Piracicaba, pois segundo elas é melhor. E ainda, todos gostam muito da vida na fazenda, só mudaram-se por necessidade e pensam em voltar, logo se torne possível.

“Minha mãe pensa em voltar a morar aqui, eu também voltaria se tivesse escola para mim. A família inteira pensa em voltar, mas não pode agora por que não tem escola para todos. As minhas irmãs que vieram para cá no ano passado terão que voltar pra cidade ano que vem, pois a série que elas vão só tem à noite em Piracicaba e é difícil pra elas irem pra lá, então elas vão estudar de manhã na cidade.” (F, 25 anos).

Algumas famílias sentem o apelo dos jovens para estudar e acabam dirigindo-se para a cidade. Com a nova escola em Piracicaba e a condução para pegar as crianças, agora a tendência é que essa pressão migratória para fora se torne mais branda.

Muitos jovens também vão para a cidade com intuito de conseguir emprego. Uma empresa que comercializa pedras, G.A. Pedras, oferece vagas para essa população que sai do campo e garante um salário fixo para se manter na cidade. As pessoas também vão para algumas cidades do Vale do Paraíba, onde possuam parentes, para trabalhar em alguma indústria. Alguns procuram na zona rural um emprego, para complementar a renda familiar ou possibilitar constituir uma nova família. Esses novos empregos, que vão surgindo na região, partem dos novos sitiantes – novos rurais - que se mudaram e precisam de mão-de-obra para roçar pastos e cuidar de novas culturas ou atividades.

Portanto, a educação, as escolas, a busca por serviços e hospitais são os fatores que mais levam famílias para fora do Vale. Quando essas pessoas possuem terra, elas continuam com um vínculo ao local. Caso vendam suas propriedades ou se morassem em casas e propriedades alheias, esse vínculo se enfraqueceria e muitos só voltam para breves visitas.

A dificuldade do acesso ao local teve uma substancial transformação nos últimos quinze anos. A estrada era muito precária, a circulação muito difícil e o ir e vir era tarefa árdua. Raramente chegavam visitantes à região e os moradores não possuíam meios de transportes motorizados, como carros e motos, apenas animais: cavalos, burros, mulas e jumentos. Hoje são duas as estradas conservadas e muitos moradores

57 têm motos ou carros. E ainda muitos sítios tiveram recentemente a abertura de estradas, dando acesso às suas propriedades.

“No passado o povo até tinha medo de moto, agora todo mundo tem. Em todas as casas tem pelo menos uma moto. Tem casa que cada morador tem uma. Aí tudo fica mais fácil. Agora tem duas estradas conservadas, antigamente não tinha nenhuma.” (F, 25 anos). “Antigamente não chegava ninguém aqui, hoje tem muita gente boa, de fora, que conversa com a gente, nos trata muito bem.” (Seu A, 70 anos).

Mesmo com as novas facilidades, ainda é uma vida mais distante e difícil, então alguns procuram estar mais perto de recursos, de hospitais, de comerciantes e acabam migrando para São Pedro ou para a cidade de Baependi.

Para quem vive do artesanato de cestos, podem encontrar algumas dificuldades, pois o atravessador, o “balaieiro”, como é chamado, não vai até o Vale e, sim, até São Pedro ou Piracicaba; o que faz com que o artesão precise encontrar carreto para sua mercadoria. Como o bambu está se tornando escasso pela grande utilização, os artesãos têm que comprá-lo de fora, e esse frete também não chega ao Vale.

“Os meus filhos acham que morar aqui é custoso e em São Pedro é mais fácil, é mais perto dos recursos. Eu não, eu não saio daqui, aqui é que é bom, só saio quando Deus me levar. Na cidade é bom pra quando a gente ficar doente, eu tenho vontade de ter uma casinha na cidade, mas não pra viver, não tem onde plantar!”( AV, 70 anos).

O hospital da cidade é utilizado por todos os entrevistados na pesquisa. Mães levam os filhos para a vacinação e para as consultas de rotina. Além disso, grávidas e trabalhadores que eventualmente sofrem algum acidente de trabalho, picadas de animais peçonhentos, como de cobra, por exemplo, também freqüentam o hospital. Os idosos também fazem seus tratamentos na cidade.

Em 2007, o Programa de Saúde da Família colocou em funcionamento o posto de saúde inativo nos bairros rurais, possibilitando um acesso mais fácil à saúde. As agentes encaminham os casos mais complicados para o hospital da cidade e os mais simples são tratados nos postos, nos dias em que o médico vem da cidade. O acesso aos

58 medicamentos é problemático, pois não tem farmácia nesses bairros, assim se esses não forem fornecidos pelo posto, dificilmente o doente terá acesso a eles.

“A gente vai pro hospital e não adianta nada, aí a gente vai pra casa com uma lista de remédios que não dá pra comprar, porque é muito caro.”( Seu P, 85 anos)

Quando precisam ir para a cidade, pousam nas casas de familiares ou em suas casas, já que a cada dia mais os moradores da zona rural têm comprado casas nas cidades. Essas são usadas para emergências, fazer compras, ir às festas ou quaisquer outras atividades que desejarem. A idade avançada tem pressionado os idosos a ficarem mais perto do hospital, na cidade. O casal mais idoso do vale, agora vive na cidade, pois com saúde frágil, a proximidade do hospital se torna muito importante. Os enfermos também passam longas temporadas na cidade até recuperarem-se.

Nesse sentido, muitos possuem casas na cidade e essas se tornam pontos de apoio para essa população que vive em uma região distante, onde o acesso à educação e à saúde é difícil. Mas não completamente isolados, pois os laços de parentesco transpassam o vale para a área urbana, os bairros rurais, constituindo uma rede intensa de solidariedade. Assim os familiares compram lotes próximos uns dos outros, constroem casas nos mesmos moldes das da zona rural e trazem seus laços familiares do campo também para a cidade.

“Para mim, morar lá na cidade ou aqui no Gamarra é a mesma coisa, a gente ora está lá ora está aqui, se a gente precisa de escola, emprego na cidade a gente fica. Mais é como aqui no Gamarra, só gente da família no bairro”. (F, 25 anos).

Entretanto, não são todos que possuem tantas facilidades. Para alguns a vida pode ser mais difícil do que para outros. Assim Dona M. que mora em uma terra distante da estrada, no fundo do Vale, vive sozinha, pois seu marido morreu há muito tempo e ela já idosa, teve um problema nas pernas, o que dificulta a locomoção. Como não consegue mais plantar roça, precisa comprar toda sua comida. Prefere comprar os produtos produzidos pelos moradores, pois não gosta da comida que vem da cidade. Só

59 come o feijão da cidade, quando não tem produto disponível na região. A farinha ela só come a da roça.

Para comprar sua alimentação, pagar a condução para ir a cidade ao hospital, pagar seus inúmeros remédios, ela conta com a sua aposentadoria, sem a qual ficaria desamparada. Para ir para à cidade, precisa alugar um carro, que a leva, a espera ser consultada no hospital e a traz de volta. Já que a perna não permite que ela caminhe até Piracicaba, onde poderia pegar o ônibus para Baependi, ela costuma pagar sessenta reais por esse serviço. Graças à aposentadoria do trabalhador rural, ela tem assistência.

“Eu vou ao hospital em Baependi e depois eu compro todos os remédios. No posto eu peguei só uma vez.” (Dona M, 72 anos).

Quando as famílias são menores, a quantidade de parentes também é menor. E se parte dela muda-se para a cidade ou para outra região, ou tem alguma intempérie, como a morte ou acidentes, o resto da família pode ficar desamparado. Com poucas pessoas para a lida na roça e crianças pequenas, a situação dessa família pode se tornar muito precária. A alternativa para as mulheres, como exposto anteriormente, se torna o artesanato, e para os idosos, a aposentadoria.

Dentre as inúmeras transformações que vem ocorrendo no século XXI, está a chegada da luz elétrica, que aconteceu em junho de 2007. Os moradores que haviam se inscrito alguns anos antes foram contemplados com a energia, mas não foram todos. Aqueles que foram contemplados com a luz ficaram muito satisfeitos, puderam deixar de lado o querosene, que era utilizado como lamparina ou o lampião a gás, e economizar também nas pilhas que eram usadas para o rádio.

No início apenas alguns compraram televisão, portanto os que não tinham comprado ainda ficavam na casa do vizinho assistindo a programação até às vinte e três horas ou meia noite. Quando todos compraram esses encontros restringiram-se a alguns programas especiais, como jogos de futebol.

Como ainda é recente a chegada da luz, poucas mudanças foram observadas. Uma delas é a hora de dormir, pois os moradores que acompanham programas na televisão começaram a dormir mais tarde, mas continuaram a acordar no mesmo horário. Se a observação cotidiana de um modo de vida tão diferente irá acarretar

60 mudanças substanciais às crianças e aos jovens, só iremos saber transcorridos alguns anos, talvez dez ou até mais.

A empolgação é maior entre os mais jovens, que desfrutam das inovações tecnológicas que chegaram ao vale, televisões, geladeira, celulares. Contudo entre os mais idosos, a luz elétrica não chama atenção. Dona M. não quis que a luz fosse instalada na sua casa, com medo dos raios nas noites de chuva. Como mora sozinha, não poderia sair à noite para desligar o relógio e como a sua casa situa-se no topo do morro, os raios poderiam cair lá. Não se queixa de não ter luz, pois já está habituada a essa rotina e à noite ela dorme cedo. Ademais, próximo a ela está sua filha e um neto, que possuem televisão. Assim, Dona M. pode assistir as missas aos domingos, seu programa predileto.

Uma outra moradora teve um contratempo com o encarregado da CEMIG, Companhia Energética de Minas Gerais. O indivíduo estava encontrando muitas dificuldades em identificar as casas com os nomes da lista, pois como são todos parentes, têm nomes parecidos, às vezes iguais. E ameaçou-a que esta poderia ficar sem receber a ligação elétrica. Ela retrucou:

“Eu já passei até aqui sem luz, se não chegar eu passo até o fim sem ela, tá bom também” (Dona E, 60 anos).

Essa moradora tem uma casa na cidade para possíveis emergências, no entanto, ainda não construiu o banheiro em sua casa, o que ela pretende fazer em breve. Esse fato explicita algumas das características sócio culturais do povo e marca diferenças de valores e de prioridades entre a população do Vale do Gamarra, principalmente os mais antigos, e a sociedade urbana moderna.

Essa população mais velha que vive no Vale desde a sua infância, tendo vivenciado um estilo de vida por décadas, não sente necessidade a essa altura de suas vidas de imprimir significativas transformações ao seu tradicional modo de vida. Não se interessa pela luz elétrica e pelos aparelhos que poderão ser utilizados a partir dela. Assim, dois meses depois de chegar a luz para dona E., ela ainda não tinha adquirido nenhum aparelho novo. A única mudança havia sido a presença do poste em frente a casa em que não chega nem estrada e os interruptores na casa dela.

61 A presença dos funcionários da Companhia Elétrica na região e a dificuldade que encontraram para vencer grandes distâncias com os imensos postes, movimentou a vida dos moradores por alguns meses. Eles se preocupavam com o café dos funcionários já que vinham da cidade só com o almoço e passavam o dia todo no Vale.

Como acontece na região, os visitantes são muito bem recebidos pelos donos das casas, que sempre oferecem café e bolinhos para os recém chegados e se a visita se alongar mais, almoço e café da tarde também são providenciados. Não aceitar esse agrado constitui em um grande desgosto para o anfitrião, que constantemente insiste para o visitante tomar mais um golinho de café ou tirar mais bolinho ou biscoito. O café é um produto muito consumido em diversos momentos do dia e é preparado ao gosto da região, muito doce e fraco. Antigamente adoçava-se o café com a rapadura, mas hoje isso é feito com o açúcar comprado na cidade.

Essa receptividade ocorreu tanto entre os trabalhadores da CEMIG, que tiveram a atenção dos moradores com as suas generosas hospitalidades, quanto para qualquer visitante que bata à porta de uma casa no Vale do Gamarra. Apesar das transformações que vêm acontecendo, a solidariedade entre eles e com os visitantes perdura.

Se para alguns as inovações não atraem, muitos estão satisfeitos com a possibilidade em desfrutar alguns dos confortos que vem da cidade. Puderam dispensar produtos como o querosene para a iluminação. O querosene tem um cheiro desagradável e para garantir a constante iluminação, ele tem que ser adquirido na venda. O gás é um produto muito caro, e assim como o querosene, derivado do petróleo. As pilhas também constituíam um problema do local, pois eram compradas em abundância para abastecer os radinhos de pilha e depois descartadas indevidamente na terra. Com a possibilidade de utilizar eletrodomésticos ligados a rede elétrica, a economia também é de pilhas.

A facilidade da obtenção de luz, via companhia elétrica, dispensa gastos mais elevados como a construção de usinas. Alguns moradores montaram usinas para a obtenção de luz em uma época em que nem se sonhava com a chegada da luz.

“Eu construí uma mini usina para iluminar a minha casa” (Seu J, 65 anos).

62 Como nem todas as famílias foram contempladas com a inovação, algumas ainda esperam a ampliação do programa de fornecimento de luz elétrica para o ano de 2009, e continuam utilizando os produtos, que tradicionalmente geravam luz em suas residências. Mesmo que não tenham disponíveis os eletrodomésticos vinculados a eletricidade, essas famílias não estão isoladas das diversas possibilidades de influências da sociedade urbano industrial. Assistem televisão na casa de vizinhos, visitam bairros próximos como São Pedro e Piracicaba e também a cidade de Baependi.

Enfim, é uma região onde o fluxo migratório para fora está vinculada principalmente à dificuldade de acesso a recursos básicos, como educação e saúde e uma estagnação da atividade econômica predominante, a pecuária leiteira e a agricultura. Assim a busca por empregos mais rentáveis associada a serviços básicos oferecidos nas cidades são as principais causas de êxodo rural. Fato comum em diversas áreas rurais brasileiras, uma vez que os rendimentos das atividades urbanas são superiores aos vinculados com a agropecuária. Esse fluxo algumas vezes concentra-se na cidade de Baependi e por outras, leva os camponeses caipiras para cidades do Vale do Paraíba. Segundo Graziano da Silva (2002), a falta de infra-estrutura social básica nessas áreas rurais vinculadas à agropecuária é responsável pelo êxodo dessas populações que muitas vezes fixam-se brevemente nas pequenas cidades para então se dirigir para os grandes centros. O que de fato é uma realidade nessa região.

Apresentam peculiaridades particulares, são populações consideradas tradicionais, que estão em constante transformação, não são estáticas e sim, sujeitas às influências externas e internas, podendo reinventar seu modo de vida em uma reprodução social, que mesmo estando em processo de transformação, estão muito longe de se enquadrar em uma sociedade urbana - industrial. Tão distantes que seria um absurdo enquadrá-los como tal. Por outro lado, não são também os caipiras típicos descritos por Antônio Candido. Entretanto, podemos observar que mesmo com todas as transformações em curso ainda mantém certas características que os marcam como uma população peculiar que se reinventa num novo contexto, mas mantendo a conexão com a lógica da vida caipira.

63

Figura 10: Moradora e casa do Vale do Gamarra

2.1 O caipira e as peculiaridades do processo de povoamento

O processo de povoamento da região teve a participação de inúmeros agentes, como os índios e portugueses, que vão estabelecendo relações sociais e mercantis totalmente diferentes das da metrópole brasileira. Os arraiais paulistas e mineiros eram constituídos por pequenos casebres de taipa, cobertos de palha. A agricultura de subsistência da mandioca, feijão, milho e tubérculos garantiam a alimentação do caipira, que a incrementava com uma carne de caça ou peixe. Mesmo os bandeirantes mais proeminentes com índios cativos a seu serviço, também se enquadravam nessa atmosfera de pobreza; interagindo constantemente com os índios, falavam a língua geral, variante do Tupi, e utilizavam técnicas da lavoura indígena, como a coivara, artefatos indígenas, como a peneira e a canoa. (RIBEIRO, 2006). Esse mestiço que vai se constituindo enquanto grupo étnico inserido em relações sociais, culturais e históricas peculiares distingue-se do negro escravo e depois alforriado, do imigrante que começa a chegar à região de São Paulo para trabalhar na

64 agricultura comercial que se expandiu em parte da região e é claro, do índio que sempre foi totalmente discriminado de nossa história. Esse grupo possui um espaço delimitado e é inserido nesse território onde vai acontecer a reprodução social do Caipira, como define Antônio Candido, totalmente descolada dos moldes capitalistas, com características culturais e étnicas muito peculiares. Como afirma Darcy Ribeiro (2006: p.333): “ Formavam uma sociedade que, por ser mais pobre, era também mais igualitária, na qual senhores e índios cativos se entendiam antes como chefes e seus soldados, do que como amos e seus escravos”. Essa sociedade que estava se formando, segundo esse mesmo autor, era nova, configurando-se pelas diversas etnias e culturas existentes, sob a regência do dominador. Com o advento da mineração o fluxo migratório para as minas gerou a possibilidade da existência de núcleos urbanos e da diversificação das atividades econômicas. Passados cinqüenta anos, Minas Gerais já era a região mais rica da colônia com grande rede urbana. Essa demanda urbana possibilitou o desenvolvimento da agricultura comercial na região. Entretanto, foi a decadência da mineração a responsável por lançar a região mineradora de Minas Gerais em uma economia de subsistência, na qual os citadinos e mineradores passam a engrossar a vida rural caipira, numa variante, que passou a ser conhecida como ”área cultural caipira”. Apesar de ter havido uma evasão de áreas urbanas em regiões de Minas Gerais nas quais a mineração era a atividade principal, esse fato não significou substancial transformação na região a que estamos estudando no Sul de Minas Gerais, na zona rural do município de Baependi. Como já foi exposto no primeiro capítulo, essa região teve uma incipiente atividade mineradora e a principal atividade econômica sempre foi a agricultura. Portanto, não podemos considerar a decadência da mineração o início dessa área cultural, pois ela sempre existiu. Os caipiras de São Paulo, assim como a do sul e oeste de Minas Gerais, foram considerados por Saint-Hilaire semelhantes em sua rusticidade e pouca educação devido à economia de subsistência, enquanto os outros mineiros eram provenientes de outras regiões do Brasil e muito mais agradáveis e polidos. A vida rural do caipira valoriza o equilíbrio entre o trabalho e o lazer, numa forma autárquica e não mercantil que não pretende um padrão mais alto de vida ou um

65 ritmo intenso de trabalho, mas sim sua independência inserida no sistema tradicional de produção. A implantação de um novo sistema produtivo, com agricultura comercial, mercado de carne e a exportação desses gêneros alimentícios associados ao crescimento das cidades, vão tornando insustentável a vida do caipira de muitas regiões, que vai gradativamente perdendo suas terras e encontrando imensas dificuldades em trabalhar em parceria com os grandes produtores. Vêem - se restritos a poucas alternativas, como a de tornar - se posseiros a espera de um trabalho esporádico no campo ou incorporar-se definitivamente às massas urbanas. A economia caipira pode ser considerada como uma economia semi-fechada nas estruturas dos bairros, utilizando técnicas rudimentares, troca de produtos e serviços e a auto-suficiência dos bens de consumo, evitando ao máximo os intercâmbios constantes entre a cidade e o campo. Contudo, com as influências capitalistas e a transformação de valores sócio culturais, associado ao movimento interno e externo da sociedade, essa auto-suficiência vai se deteriorando, manifestando os sintomas de grandes mudanças que acarretam uma crise social e cultural. Nesse momento de crise, observamos dois possíveis movimentos, de persistência ou de alteração, podendo originar uma reorganização das estruturas sócio-culturais ou uma desorganização das mesmas. Assim, segundo Antônio Candido produziria: enquistamento; desorganização; aculturação. O caipira pode reagir migrando ou adaptando-se como possível. É exatamente o que vem acontecendo no Vale do Gamarra: alguns moradores mudam-se e outros continuam ali, numa reprodução sócio- cultural mutável e sujeita à influências. De maneira mais drástica, Wallerstein (1984), na análise de macro-sistemas, aponta para a crise como sendo necessariamente um momento de encerramento ou morte de um sistema histórico qualquer, passando por um processo de transformação ou transição para um outro modelo. A crise, nessa perspectiva, acarretaria o fim dessas sociedades caipiras e consequentemente da cultura caipira. Entretanto, o que se pretendeu verificar é se podemos de fato pensar em fim do sistema sociocultural Caipira. E o que se tem verificado na região estudada é uma reorganização, um movimento sócio cultural interativo com as pessoas de fora e com a própria sociedade urbano-industrial, e não o fim da mesma. O modelo de vida desses grupos tem mantido um sistema de produção e reprodução social, cultural e ecológica por um longo período histórico, diferenciando-as

66 muito da sociedade capitalista, que pode ser considerada menos homogênea ou igualitária que as primeiras. O manejo permite ao ecossistema uma renovabilidade que confere sustentabilidade aos recursos naturais geridos por essas populações. Seu sistema produtivo possui pequena capacidade de acumulação de capital, dificultando a emergência de classes sociais. Se por um lado não podemos falar em aparecimento de classes sociais e grandes desigualdades, elas também passaram a existir no transcurso do processo histórico na região. Assim, as famílias que receberam heranças maiores e têm propriedades mais extensas, acabam tendo mais oportunidades de prosperar pela agricultura, ter mais fartura em decorrência do trabalho da família. Seus herdeiros também estarão assistidos, podendo inclusive construir uma casa em um pedaço de terra e ter o sustento garantido. Aqueles que tiveram a propriedade excessivamente dividida pelo grande número de herdeiros ou pela venda de terra, podem ter a produção inviabilizada pelo tamanho insuficiente. Muitas vezes precisam buscar um emprego, e se não conseguem, são impulsionados a mudar-se para outra região. Essas culturas ditas tradicionais possuem um modo de vida específico, uma relação peculiar com a natureza e os recursos naturais, interagindo sem acarretar destruições e transmitindo o conhecimento para perpetuar a identidade do grupo (DIEGUES, 1998). Estabelecem, no interior de seus grupos meios de subsistências peculiares, que só podem ser compreendidos inseridos em um conjunto de reações culturais que são desenvolvidas a partir de necessidades básicas dos indivíduos que compõem esse grupo social (CANDIDO, 2001).

Nesse contexto, sociedades caipiras tradicionais que ainda preservam suas relações de sociabilidade são extremamente raras em nossos dias e estão confinadas às áreas mais remotas e menos integradas ao sistema produtivo nacional. Segundo Antônio Candido, constituiria uma extensa camada marginal, com condições precárias de vida, sem possibilidade de mobilidade social.

”No estudo da vida social do caipira, deve-se justamente levar em conta estas necessidades, desenvolvidas, em virtude do rompimento da estrutura tradicional e do aparecimento de novos incentivos, tudo devido à passagem da economia fechada de bairro à economia aberta, dependente dos centros urbanos e suas flutuações econômicas” (CANDIDO, 2001: p.282).

67 No entanto, no século XXI, observando essas realidades distintas, nos deparamos com uma situação muito peculiar no Vale do Gamarra, com outras características socioculturais e outros valores de vida, os moradores nem sempre pretendem uma transformação social ou essa possível mobilidade, pois a vida que lhes cabe é plenamente satisfatória.

A transformação socioeconômica procedida no Brasil leva a interação, cada dia mais intensa, entre o caipira no campo e o homem da cidade ou a sociedade urbano- industrial.

Essa influência da sociedade urbano-industrial, apesar de ainda não ter determinado grandes alterações ao modo de vida da população rural, chegou também com a presença de “eco turistas” e citadinos que buscam novas áreas para estabelecer um novo modo de vida, com os meios de comunicação e com os tentáculos que a sociedade urbana industrial acaba lançando para todos os lados. Os indivíduos mais influenciáveis são, sem dúvida nenhuma, os jovens que muitas vezes optam por uma vida com novas oportunidades na cidade. Entretanto, os mais velhos estão plenamente satisfeitos com seu modo de vida, não almejando nenhuma transformação.

Mas para os jovens essas inovações encantam, e para os indivíduos da cidade a beleza do local é especialmente atraente, em meio uma vida agitada, conturbada, deslocada da natureza vêem na região a possibilidade de uma vida nova, com novos valores individuais e a possibilidade da tão sonhada “felicidade”.

O caipira do Gamarra, não poderia ser estudado como uma população totalmente isenta de transformações e influências. E sim, influenciado por um movimento cultural dinâmico de todas as sociedades, criando e recriando formas distintas de reprodução social, interagindo constantemente interna e externamente com diferentes indivíduos oriundos de locais diferentes, com modos de vida diferentes e que vão constituindo a vida na região um movimento todo particular.

68 Capítulo 3

As interações cidade e campo

O processo de urbanização, o êxodo rural, o crescimento das cidades e a industrialização significaram, em âmbito mundial, profundas transformações nas sociedades. No Brasil, essas mudanças aprofundaram-se no final do século XIX e primeira metade do século XX, quando a população rural foi deixando o campo e dirigindo-se para as cidades.

São inúmeros os motivos que impulsionaram essa população para uma nova realidade, entre eles a procura de melhores condições de vida, saúde e educação, novas perspectivas de emprego e a expulsão a que sofreram em decorrência da concentração fundiária. O esgotamento do antigo modelo rural, a modernização dos sistemas agrícolas, libera grande contingente de migrantes para as indústrias, que ainda absorvia essa mão-de-obra barata e desqualificada.

No transcurso do século XX as cidades vão crescem assustadoramente, associadas ao aumento populacional, desenvolvimento da medicina e da tecnologia e o campo, por sua vez, é chamado a atender a demanda alimentar urbana. Para tanto, passa a utilizar maquinários modernos, produtos químicos, defensivos agrícolas e propriedades cada vez maiores. Os espaços destinados aos colonos e agregados, para viverem e produzirem suas roças de subsistência, são substituídos pela lavoura comercial e pelo lucro. A indústria capitalista chega ao campo com o nome de agro negócio.

Essas transformações trouxeram para o campo teórico uma análise dos rumos da ruralidade, e das oposições do campo - cidade e do rural – urbano. Segundo Favareto (2007), a primeira oposição está vinculada à idéia de espaço e o campo é visto como um lugar onde a atividade predominante é a agrícola. Enquanto a segunda está impregnada de um sentido de artificialização desses espaços e seus impactos sobre o modo de vida, combinam aspectos ecológicos com socioeconômico.

69 Nessa abordagem sobre a ruralidade, Veiga (2006) propõe a originalidade dessa relação, chamando-a de nova ruralidade; diferentemente de outros autores criticados por ele, 20 observa uma nova relação com o rural.

“O que é novo nessa ruralidade pouco tem a ver com o passado, pois nunca houve sociedades tão opulentas quanto as que hoje tanto estão valorizando sua relação com a natureza” (VEIGA, 2006: p. 334).

Nessa nova perspectiva, Abramovai (2003) propõe características fundamentais dessa nova ruralidade, que seria a proximidade com a natureza, a ligação com as cidades e as relações interpessoais que derivam da baixa densidade populacional. E ainda segundo Favareto, as relações que existiam no passado, exclusivamente vinculadas à produção de bens primários, agora apresentam novas formas de uso social, com destaque para a conservação da biodiversidade e o aproveitamento do potencial paisagístico. A relação com as cidades permitiu uma interação que além de ser econômica passa a ser também interpessoal, podendo significar uma mudança demográfica e imprimindo uma transferência de renda. A mobilidade moderna permite uma integração entre os mercados de bens e serviço, de trabalho e também de bens simbólicos.

Outro traço marcante observado na nova vida rural é a racionalização, uma vez que em grande parte das áreas rurais, o trabalho também se tornou mais dinâmico, diversificado e exigindo novas habilidades gerenciais e técnicas para conquistar parcelas do mercado. Assim, o conhecimento tradicional que é passado de pai para filho, começa não mais bastar para o sucesso dos empreendimentos rurais.

Nas regiões na qual o acesso à infra-estrutura, à educação, à saúde e a outros confortos como luz elétrica, são restritas às áreas urbanas, o êxodo rural continua a acontecer. Inversamente, as regiões rurais com acesso aos serviços urbanos, vivenciam uma grande integração de espaços rural – urbano, apresentam não só a diminuição do êxodo como a atração populacional.

Nessa nova ruralidade, podemos perceber grandes transformações associadas à relação sociedade – natureza, assim a exclusividade de fornecimento de produtos primários dá lugar a uma multiplicidade de possibilidades, como o aproveitamento de

20 Lefebvre, H, em 1970 propôs o desaparecimento das sociedades rurais, por meio de uma completa urbanização e Kyser, B a partir de 1972 contrariou-a defendendo um renascimento rural.

70 bens naturais, conservação da biodiversidade e utilização de fontes renováveis de energia associadas aos mercados urbanos. As comunidades passam a ter traços heterogêneos e os antigos laços de solidariedade começam a ser substituídos por novas formas de reprodução sócio cultural. Nesse novo contexto, os territórios rurais passam a ser atrativos de novas populações e de rendas e empreendimentos urbanos.

Essa dicotomia total apontada por alguns autores entre o rural e o urbano está sendo diluída na atualidade, hoje a observamos no campo teórico, mas na realidade brasileira o conceito de rurbano ganha cada dia mais sentido O projeto rurbano procurou lidar com as transformações nas relações campo e cidade no Brasil com base nos dados das PNADs 21 . Percebeu-se uma dificuldade crescente em se delimitar o que é rural e o que urbano.

“Está cada dia mais difícil delimitar o que é rural e o que é urbano. Mas o tema que aparentemente poderia ser relevante não o é: a diferença entre o rural e o urbano é cada vez menos importante. Pode-se dizer que o rural hoje só pode ser entendido como um continum do urbano, do ponto de vista espacial; e do ponto de vista da organização da atividade econômica, as cidades não podem mais ser identificadas apenas com a atividade industrial, nem os campos com a agricultura e a pecuária.” (GRAZIANO DA SILVA, 2002: p.1).

Portanto, as delimitações do que é rural e o que é urbano já perderam suas características tradicionais. Assim o meio rural brasileiro se urbanizou incorporando diversas atividades tipicamente urbanas, como prestação de serviços, empregos em agroindústrias, comércio e atividades relacionadas à preservação do meio ambiente, diminuindo drasticamente as atividades exclusivamente agropecuárias. Um novo cenário rural se delineou não vinculado exclusivamente com o agrário, mas com diversas atividades em um universo de pluriatividades. Dessa nova realidade, sua pesquisa procurou entender as diferentes dinâmicas que impulsionaram a geração de empregos não agrícolas no meio rural brasileiro. A demanda da população de alta renda por casas de campo, de veraneio e chácaras abrem a possibilidade de serviços de

21 PNADs – Pesquisa Nacional de amostras domiciliares. Foram usados dados da década de oitenta e da década de noventa para articular a discussão.

71 caseiros, jardineiros, empregados domésticos inclusive possibilitando o acesso a casa para moradia e um terreno para uma horta. (GRAZIANO DA SILVA, 2002).

As diferentes metodologias que são estabelecidas para se definir o que é rural e o que é urbano dificultam as análises ao longo das décadas e as comparações com outros países. No Brasil é urbano quem habita as sedes urbanas dos municípios, independentemente do tamanho destas e das profissões desempenhadas. É nesse movimento de interação das atividades econômicas, que vai desaparecendo a linha divisória que costumava separar o rural do urbano, criando uma nova realidade, o rurbano.

A criação desses empregos não agrícolas está associada diretamente à dificuldade em conseguir uma reprodução econômica em realidades peculiares, possibilitando a elevação de renda e consequentemente reterem a população no campo. Esse novo contexto vê o espaço agrário como fornecedor de água, ar, turismo, lazer, bens de saúde, possibilitando uma gestão múltipla do espaço rural, combinando postos de trabalho, pequenas empresas e atividades agropecuárias.

E ainda nessa realidade de globalização contemporânea, Veiga (2006) discute duas dimensões importantes que atuam influenciando o meio rural: a econômica e a ambiental. A primeira, envolve cadeias produtivas, de comércio e fluxos financeiros que pretendem tornar essas áreas rurais marginais, periféricas à economia global. Contrastante a essa dimensão, a ambiental valoriza essas áreas como valiosas para a reprodução da qualidade de vida e do bem estar.

“A ação simultânea dessas duas tendências está tendo um duplo efeito sobre a ruralidade”. Por um lado, faz com que aquele rural “remoto”, ou “profundo”, seja cada vez mais conservado, mesmo que possa admitir várias das atividades econômicas de baixo impacto. Por outro, faz que no rural “próximo”, ou “acessível, ocorram inéditas combinações socioeconômicas” (VEIGA, 2006: p. 334).

Se as transformações sociais acontecem na esfera rural, produzindo e reproduzindo novas realidades, é evidente que também estão presentes no meio urbano.

As cidades, segundo Weber (1998), podem ser entendidas historicamente como uma unidade entre mercado, fortaleza, guarnição e sede administrativa de um determinado

72 domínio. Seriam assentamentos fechados em oposição à ocorrência de moradias isoladas, com grande concentração humana.

A emergência desse fenômeno urbano, a distinção entre o campo e a cidade, tornou-se possível com a Revolução do Neolítico, quando a agricultura e a criação permitiram que os homens abandonassem o nomadismo e a vida da caça, pesca e coleta e firmassem assentamentos, as primeiras cidades. A aglomeração estava totalmente vinculada à capacidade produtiva da sociedade, de produtos primários e as trocas estavam relacionadas à obtenção de um excedente.

O setor primário destacava-se como área mais dinâmica economicamente no complexo rural e urbano até a Revolução Industrial, quando esse eixo começa a ser alterado para as cidades. A cidade vai concentrando renda, mão de obra qualificada, mobilidade social e o lugar da monetarização das relações e posteriormente o lugar da formação das massas. O processo de urbanização a que passou o mundo ocidental nos últimos dois séculos foi tão intensa que alguns autores passaram a falar em Revolução Urbana ou em Civilização Urbana. (LEFEBVRE, 2002)

No Brasil, a peculiaridade do processo histórico esteve associada ao colonialismo, assim as cidades não tiveram a princípio grande importância e é a sociedade agrária que controla econômica e politicamente a colônia. Entretanto, a partir do século XIX, as cidades experimentam uma crescente importância.

“...foram os senhores da terra que esboçaram o primeiro perfil do Brasil colonial, ao passo que as populações urbanas- artesãos e pequenos funcionários, clérigos e pequenos comerciante- foram suplantadas. Até o século XIX, só algumas cidades- Salvador da Bahia e, sobretudo, a Recife holandesa - insinuaram sua capacidade de influir na poderosa aristocracia fundiária, que amava a vida rural e residia em meio a suas propriedades” (ROMERO ,2004: 96 - 97 ).

As inovações tecnológicas trazidas da Europa, associadas às novas técnicas médicas e sanitárias, a urbanização e a introdução da atividade industrial no país, levaram grande contingente populacional a deixar o campo e experimentar um novo modelo de vida. A vida nas cidades ofereceu salários mais altos que nos campos, crescente acesso a educação e saúde. Assim, a partir da década de vinte e trinta do

73 século XX, as cidades já podiam ser consideradas grandes centros urbanos, contabilizando um fluxo migratório tão intenso quanto inédito.

As cidades brasileiras, portanto, acompanharam o processo de urbanização e industrialização típicas do terceiro mundo, no qual a industrialização não significou grande dinamismo econômico, enquanto as regiões rurais onde não houve a introdução da mecanização tiveram déficit de mão-de-obra. Ocasionando uma diminuição da produção agrícola e um crescimento vertiginoso das cidades.

Esse processo de superurbanização, com um crescimento acelerado e desordenado das cidades, ocasionou rapidamente a hipertrofia urbana, criando um déficit dos empregos urbanos e o esgotamento dos setores secundários e terciários. Nesse sentido, a urbanização não significou de fato, nos países de capitalismo tardio, um processo que acarretasse o desenvolvimento, e sim a reprodução de problemas típicos do subdesenvolvimento.

Contrastando com as cidades européias, as cidades brasileiras e de outros países ditos subdesenvolvidos crescem a um ritmo surpreendente e nunca antes visto no processo de urbanização, ocasionando novos problemas urbanos para o país, como carência de moradia e alimentação, empregos, levando grande contingente populacional para a marginalidade, sujeitando-se a subempregos e ao desemprego.

Essas transformações estruturais, que ocorreram no mundo todo em consequência ao processo de urbanização e industrialização, vão influenciar drasticamente, toda a sociedade, criando inclusive uma nova manifestação sócio- cultural que é denominada cultura urbano e industrial, chamada por Morin (2000) de cultura de massas.

Essa cultura industrial engloba diversas realidades, símbolos, mitos, adaptam temas folclóricos locais e os torna globais, transforma uma cultura religiosa humanista, nacional em uma realidade policultural, que seria comum ao mundo. Uma nova realidade cultural e econômica começa a se delinear dentro da cultura de massas, globaliza os sistemas de produção, as transferências financeiras e possibilita um rápido deslocamento de pessoas e informações,

A Revolução Industrial integra um sistema industrial associado ao crescimento da produção que visa o consumo em massa. Para alcançar esse objetivo, esse sistema expande cada vez mais seu público alvo, buscando acima de tudo a satisfação de todos

74 os consumidores, reunindo valores distintos e aos poucos os padronizando. Essa cultura, uma nova cultura criada pelo capitalismo, possibilita a democratização do consumo, a padronização dos gostos e a progressão de determinados valores. Os tradicionais temas folclóricos locais são transformados em cosmopolitas e inserem-se num mercado mundial, cabendo à “mass media”, sua divulgação e não a pura e simples participação social.

Essa nova situação social cria uma nova civilização, na qual o homem se torna universal e sua cultura (industrial) é determinada pelo mercado. Portanto, é ele, o mercado ou o consumo que determinará a própria produção e reprodução cultural, estabelecendo um novo sincretismo da cultura impressa –arcaica- folclórica, recriando-a de acordo ao interesse do consumidor; isto é essa cultura se reproduz nos moldes capitalistas do lucro.

Esse processo começa a ser chamado por muitos autores de globalização cultural, no qual as particularidades culturais locais tornam-se globais e nesse processo social construído na intersecção do que é global e local, surgem às diversas culturas. Para Santos (2002), essa globalização é a hegemônica, padronizando sob influência do capitalismo das classes e países dominantes. Os que resistem fazem parte da globalização contra-hegemônica, criticando esse sistema que por estar impregnado de desigualdades, produz uma sociedade injusta. Os cidadãos que antes eram considerados importantes por governos e empresas são substituídos pelos consumidores, que passam a ser os atores principais. Essa globalização, segundo o autor constitui, na verdade uma “globalização da pobreza”, ou ainda segundo Bauman (1989), a nova desordem mundial.

A cultura dessa sociedade de consumo enfatiza o esquecimento e não o aprendizado. Assim a relação tradicional de necessidade é substituída pela a satisfação e o desejo de adquirir ou consumir, às vezes de maneira desmedida. Esse consumo vai sendo alimentado pela indústria que por sua vez retira os recursos da natureza, utiliza e polui as águas, os solos e o ar. A ânsia pelo desenvolvimento ignora qualquer tipo de qualidade de existência, do meio da solidariedade, a qualidade de vida, as riquezas humanas que não podem ser compradas, a consciência, destrói os tesouros culturais de civilizações antigas e vende a imagem de que é a melhor forma de se viver.

Essa nova economia que vai se estabelecendo no mundo começa a apresentar conseqüências danosas para a sociedade na medida em que aumenta a desigualdade

75 social, a exclusão social torna-se cada dia mais preocupante, há um colapso na democracia, a deterioração do ambiente natural, enfim a pobreza e a alienação são crescentes. A tecnologia que deveria ser utilizada para solucionar esses problemas modernos é mal empregada, violando o caráter sagrado da vida e transformando-a em mercadoria (CAPRA, 2002). O crescimento econômico gera destruição do ecossistema, da água, do solo, alteração do clima, excesso de resíduos tóxicos que se tornarão insustentáveis no futuro.

Assim, Capra (2002) propõe uma mudança sistêmica profunda, para que seja possível uma virada do jogo no capitalismo globalizado. Dentre essas transformações, ele destaca a valorização da dignidade humana, dos direitos humanos básicos, da ética como padrão de conduta e a sustentabilidade, isto é, o estabelecimento de uma sociedade sustentável, capaz de satisfazer suas necessidades sem comprometer as gerações futuras.

Seria, portanto, um projeto ecológico capaz de solucionar os problemas do capitalismo globalizado, com uso de tecnologia bem empregada para ter um índice de poluição zero e abolir a emissão de resíduos tóxicos – zeri 22 . Esse princípio de emissão zero, parte do pressuposto que resíduos são alimentos, portanto poluição zero aumenta também a produtividade e qualidade dos produtos e gera empregos. Uma economia de serviços e fluxos, que se apóia nos recursos humanos, seria desenvolvida. Substituindo a economia de propriedade dos bens, a matéria prima circularia entre os fabricantes e usuários e outras indústrias, possibilitando a redistribuição da matéria prima. Nesse contexto, haveria uma reestruturação econômica completa, na qual uma harmonização dos interesses dos fabricantes e usuários levaria a uma maior durabilidade dos produtos. (CAPRA, 2002).

Apesar de haver tecnologia suficiente para a elaboração desse novo plano econômico, ele está longe de acontecer de fato; não por falta de subsídios técnicos, mas por falta de vontade política.

Uma política de civilização seria para Morin (1997) a saída para essas questões levantadas por Capra. Essa política teria por imperativo: solidarizar, revitalizar,

22 Zeri – Zero Emissions Reserch and Iniciatives (Pesquisa e iniciativas de emissão zero). Fundado em 1990 pelo empresário Gunter Pauli, o princípio da emissão zero agrupou indústrias que passaram a adotá- lo. Emissão zero significa zero de resíduo e desperdício.

76 conviver e moralizar. Então haveria uma reconstrução do modo de vida, de produzir, consumir, substituindo a quantidade pela qualidade.

“A elevação do nível de vida no âmbito da civilização ocidental está gangrenada pelo abaixamento da qualidade de vida. O mal estar parasita o mal estar.” (MORIN, 1997: p. 136).

Nesse contexto, a ânsia de uma vida melhor e mais confortável faz com que os homens produzam uma sociedade injusta e destruam o meio natural, imprescindível para todos, num desenvolvimento desenfreado, que vai moldando novos valores e perspectivas de vida para os cidadãos urbanos.

Dessa reconstrução cultural, um dos novos elementos que vai se destacando é o tempo do trabalho e em contraste, ao de lazer. Ou o lazer moderno, no qual o trabalhador conquista um tempo livre para o descanso, consumo ou o lazer propriamente dito. Esse indivíduo urbano, cosmopolita, inserido numa civilização preocupada com o bem estar procura em seu tempo livre, diversas atividades culturais e turísticas. De dentro do bem estar, nasce o mal estar; se por um lado cresce o poder de compra e turístico dos cidadãos, por outro aumentam as doenças psicológicas, suicídios e consumo de remédios anti-stress, depressões, pressão alta, artritismo, entre outras.

“...Há uma angústia que deve, necessariamente, assaltar o ser humano, o qual, quando se torna tudo, sabe ao mesmo tempo que não é nada. A cultura de massa recalca essa angústia tanto nos divertimentos cósmicos como no mito da felicidade ou na procura da segurança. Na realidade, a angústia sai por todos os poros da cultura de massa, mas, precisamente, sai expulsa por movimentos, agitações, trepidações, imagens de golpes, armadilhas, ataques, homicídios...(...)Na realidade, a cultura de massa é tão frágil quanto conquistadora, frágil na medida em que ela depende das contradições da crise mundial, conquistadora na medida em que se baseia nos processos dominantes da era técnica...(...)De um lado uma vida menos escravizada às necessidades materiais e às probabilidades naturais, de outro lado, uma vida escravizada às futilidades. De um lado, uma vida melhor, de outro lado, uma insatisfação latente. De um lado, um trabalho menos penoso, de outro lado, um trabalho destituído de interesse. De um lado, uma família menos opressiva, de outro lado uma solidão mais opressiva. De um lado uma sociedade protetora e um Estado assistencial, de outro lado, a morte sempre irredutível e mais absurda do que nunca. De um lado o aumento das relações de pessoa a pessoa, de outro lado a instabilidade das relações. De um lado o amor mais livre, de outro lado, a precariedade dos amores. De um lado a emancipação da mulher,

77 de outro lado, as novas neuroses da mulher” (MORIN, 2005: p.179-180-181- 182).

O turismo emerge como uma atividade importante para esse homem universal dotado de meios de transportes, comunicação e ânsia por distração em uma vida estressante e dissociada da natureza. O reencontro com essa mesma natureza, por meio de caminhadas, pescarias, mergulhos, cavalgadas, começam a ser disseminadas entre cidadãos urbanos.

A possibilidade do desenvolvimento do turismo está atrelada à conquista de férias remuneradas, consolidada pelos sindicatos principalmente no período entre a primeira e a segunda Guerra Mundial nos países considerados desenvolvidos e sua generalização aconteceu na década de setenta. A partir de então, fez-se possível a explosão do turismo de massa, e as correntes migratórias de aposentados. Curtir o tempo livre em uma casa de campo, ou em áreas naturais protegidas, passou a ser uma possibilidade aberta principalmente às classes médias, primeiro dos países centrais e posteriormente aos demais países.

A felicidade aqui passa a ter uma importância nunca antes vista, pode de fato ser considerada a religião da sociedade urbano-industrial, uma vez que o homem universal não mede esforços, lança mão de todos os artifícios que possui. Os antigos valores de amor, casamento, família são transformados. Um amor único, espiritual, sexual, o centro da existência passa a ser a ânsia dos indivíduos, que passam a ter vários amores únicos.

No decorrer da história, a vida privada mergulha em uma seqüência de crises: do amor, do erotismo, do casal, de pais e filhos e dessa felicidade utópica. Assim, na busca incessante pelas formas, o homem acaba se esquecendo do que é de fato mais importante para a existência, o que o leva a um sentimento de angústia e ânsia por encontrar uma saída.

É exatamente nesse contexto, que esse homem universal, impregnado de conhecimentos, gozando de conforto, passa a dar importância a uma outra maneira de se relacionar com o mundo, abdicando da cidade e se internando por longas temporadas, ou até pelo resto da vida no contato com a natureza. Passa a estabelecer novas relações com as pessoas que vivem nesses locais, com os recursos naturais e consequentemente, consigo mesmo.

78 3.1. A gente de fora no Vale

Os indivíduos urbanos que saem das cidades, buscam locais com belezas cênicas surpreendentes, um ambiente natural peculiar, com água pura, florestas, vegetação nativa, ar puro e a possibilidade de um ritmo e um modo de vida diferente.

O Vale do Gamarra é uma região na Serra da Mantiqueira, com rios límpidos, floresta nativa, ar puro e um distanciamento da cidade, que conferem à região peculiaridades tanto sociais como naturais.

Figura 11: o Vale do Gamarra e o Rio Santo Agostinho

Neste contexto, no fim do século XX, na década de oitenta, a região começou a ser conhecida por esses citadinos que procuravam uma relação mais próxima com a natureza e um novo modo de vida.

Os motivos que os levaram para a região são distintos: alguns procuravam um espaço para abrigar seus sítios, no qual passariam parte da semana imersa nessa realidade rural e parte na cidade trabalhando e mantendo sua fonte de renda, às vezes

79 grandes centros urbanos como São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Outros, procuravam transformar por completo seu modo de vida, imergindo num modo alternativo de reprodução sociocultural distante do modo capitalista da cultura de massa. Há ainda na região um movimento religioso, daimistas e hare krishnas que procuram uma nova região para colocar em prática valores religiosos.

A Doutrina do Santo Daime teve uma significativa importância para esses novos fluxos migratórios, pois foi na década de oitenta, enquanto a região permanecia bastante isolada das áreas urbanas e do poder público de maneira geral, que Fábio Pedalino conheceu esse lugar com intuito de fundar uma igreja. A Doutrina é uma religião cristã brasileira fundada na Floresta Amazônica, no início do século XX, e que ao longo do tempo teve uma difusão para outros estados brasileiros e também países.

Ele conhecia a região do Sul de Minas Gerais de sua infância e lembrava das florestas e estâncias hidrominerais em que viveu até os dez anos, na cidade de Cambuquira. Na época, seu avô tinha um hotel na cidade e hospedava muitos turistas cariocas, que vinham em uma custosa jornada a se internar em férias repousantes, por até três meses; chegavam em dezembro para a festividade do Natal e ficavam na cidade até o carnaval. A chegada era difícil, uma vez que as estradas eram de terra e com as chuvas de fim de ano na região, a viagem era de fato uma verdadeira aventura.

Entretanto, foi incentivado pela Doutrina do Santo Daime e pelo líder espiritual Padrinho Sebastião, que ele decidiu, junto a sua família, deixar a cidade do Rio de Janeiro aos trinta anos e retornar para a cidade de sua infância, Cambuquira. O ideal de aproximar-se da natureza para com isso desenvolver a espiritualidade, com espaço e tempo para uma nova vida eram os estímulos encontrados por sua família para edificar uma igreja.

Quando chegou na cidade de Cambuquira, percebeu uma enorme diferença de sua infância, as florestas não existiam mais e o local em nada correspondia com a sua memória, assim começou a buscar um novo local. Até que um conhecido ofereceu-lhe uma terra para comprar em uma cidade próxima, Baependi, lugar segundo ele com muita água, matas e corredeiras. Interessado por esse novo local, foi conhecê-lo. Essa foi a primeira vez que chegou ao Vale do Gamarra, já que essa terra na qual comprou ficava no fundo do Vale, com um acesso realmente muito difícil, uma verdadeira expedição.

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“Chegar lá era tão difícil, que podia ser considerado uma verdadeira expedição. Entretanto, foi só na segunda expedição que eu consegui chegar ao terreno, mas me apossei do terreno do vizinho, que depois chegou lá e me mostrou qual era na realidade o meu pedaço de terra. O projeto de construir ali foi se tornando inviável, na medida em que percebi as dificuldades de acesso, seria impossível levar o material para a igreja. Aí comecei a procurar outra terra para comprar ali no Vale mesmo.” (Padrinho 23 Fábio, 54 anos).

Começou a procurar outros terrenos para comprar, que fossem mais acessíveis. Nessa busca para fundar esse novo centro da doutrina do Santo Daime, encontrou um que julgou excelente e o trocou por um sítio em São Pedro, no qual o morador ficou tão satisfeito que muitos outros moradores começaram a lhe procurar para vender-lhe também suas propriedades.

“Comprei a terra de um e no dia seguinte tinha um tanto de gente querendo vender suas terras para mim, achei meio estranho, mais aí vi que eles estavam vendendo e se mudando para São José dos Campos para trabalhar na General Motors, já que alguns parentes já tinham ido também. Esse era o dinheiro que eles levavam ”.(Padrinho Fábio, 54 anos)

Apesar de sentir-se muito bem recebido na região, percebeu que os moradores viam nele uma possibilidade de mudança, a “tábua de salvação”; todos queriam vender suas terras e acharam que ele, por ser da cidade e não entender nada de terra, não tinha noção do negócio, comprava terra que não valia nada, só com mata e cachoeira, e por um preço muito superior ao que fariam um negócio entre si. Mas para ele o preço era muito bom, e como tinha uma visão ambientalista e não de fazendeiro criador de gado, ficava satisfeito com as negociações.

Quando chegaram, sua esposa Madrinha 24 Suzana relembra a amabilidade a que foram recebidos na região, melhor inclusive do que na zona urbana, o relacionamento foi muito amistoso e de cooperação.

23 O fundador de uma igreja do Santo Daime é chamado de Padrinho, ele é o comandante da sessão, responsável pelos trabalhos espirituais realizados; portanto, a partir da fundação da Igreja ficou conhecido como Padrinho Fábio. 24 As mulheres que são responsáveis pelo encaminhamento do trabalho espiritual na doutrina do Santo Daime, são denomunadas madrinhas.

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“Quando a gente chegou, os moradores do Gamarra se queixavam de que o povo de Baependi não dava valor a eles, do Gamarra e da Piracicaba. Sentiam-se esquecidos pela prefeitura e pelo povo da cidade, então viam no Fábio a possibilidade de abertura de uma porta do Gamarra para o mundo, vindo gente de fora, consertando estrada e também se sentiam valorizados por nós estarmos vindo pra cá, nos interessando pelo lugar deles.” (Madrinha Suzana, 47 anos).

O que chamou sua atenção na região e no bairro rural de Piracicaba foram as características sociais que se assemelhavam, segundo ele, a sociedades rurais do século XIX. Tanto tecnologicamente como socialmente as peculiaridades eram muitas. Bebiam desmedidamente, a pinga, e a violência era corrente. Todos andavam armados e os tiros, as facadas, eram comuns. Assim, começavam a beber e logo qualquer confusão, já que andavam armados, acabava em morte. Foram muitos os assassinatos que presenciou na região.

“Piracicaba era igualzinho o faroeste, coisa de filme, achei surreal aquilo na década de oitenta do século XX: muitos cavalos amarrados em uma madeira em frente ao bar, todos armados com cartucheiras na cintura, e como bebem muito, sempre uma briga acabava em morte. Uma vez um empregado nosso matou o outro, e ninguém foi punido, pois o poder público não existia na região.” (Madrinha Suzana, 47 anos).

A precariedade de muitas moradias também foi destacada, assim a casa que existia na área que foi comprada para a construção da igreja estava tão deteriorada que as paredes estavam prestes a cair, a troca por um outro sítio possibilitou ao morador uma outra residência.

Com as novas propriedades, o líder espiritual da Igreja do Santo Daime, Padrinho Fábio, começou a plantar os vegetais que seriam necessários para a produção do Santo Daime: um cipó, o Jagube e uma rubiácea, a Rainha. Esses vegetais são nativos da região amazônica, contudo, com o aumento do consumo da bebida pelo mundo, começou a crescer a preocupação de plantá-los para serem auto-suficientes na produção de sua bebida ritual. Entretanto, as dificuldades de adaptação climática foram muitas e custou encontrar um local em que esses cultivos prosperassem.

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Figura 12: a Rainha e o Jagube, as novas plantações no Vale.

Esses novos empreendimentos na região, as plantações e as construções, empregaram vinte e dois camaradas. Assim foram vinte duas famílias que passaram a ter vínculo empregatício e ganhar um salário fixo por mês. Essa nova realidade vai impulsionar economicamente o bairro rural vizinho, Piracicaba, pois com seus salários consumiam na venda. Além do emprego, começa aí um intercâmbio cultural entre ambos, pois como a violência era imensa, eram imensos também os seus esforços em convencer seus funcionários e amigos a não lançarem mão dessa prática, em não dispor da vida alheia em terem um comportamento menos violento e mais respeitador e também em não irem embora para a cidade.

“Meu vizinho foi embora com medo de morrer, ele foi jogar futebol, deu uma topada em um lá que o jurou de morte e aí ele vendeu suas terras e foi para a cidade. Naquele tempo quando ganhavam um dinheiro, o primeiro investimento que faziam era comprar uma arma e andavam com ela na cartucheira.” (Padrinho Fábio, 54 anos).

Depois de uma leva de mortes e infortúnios pareceu-lhe que a região se acalmou, uma venda nova foi construída, muitos moradores construíram novas casas e aparentemente, havia ocorrido uma transformação cultural, na qual houve uma

83 verdadeira mudança de paradigmas da antiga sociedade, com novas influências e valores.

“Essa situação foi mudando e acho que teve muito a ver com a nossa chegada. Fábio falava muito na cabeça dos meninos (funcionários) para não usarem da violência e também o acesso, com a melhoria das estradas, começou a ter mais contato com a cidade, inclusive da polícia, que antes não chegava à Piracicaba e agora existe um contato grande entre a cidade de Baependi e a Piracicaba. Talvez seja só coincidência, mas hoje o lugar não é perigoso, como quando chegamos.” (Madrinha Suzana, 47 anos).

O proprietário mais abastado da região sentiu muito as novas influências, pois os salários foram duplicados devido aos novos parâmetros trazidos com os que vieram da cidade.

“Não dá pra gente ficar explorando as pessoas, por questões sociais, morais e espirituais. Em consequência disso todos puderam construir casas novas, que as antigas já estavam caindo. É claro que não é só uma questão financeira, e sim cultural. Houve aqui uma verdadeira mudança de paradigmas, uma nova relação entre dinheiro e conforto” ( Padrinho Fábio, 54 anos).

A construção da igreja também movimentou muito a região. Uma das razões foi a obras que empregou trabalhadores assalariados e simpatizantes que foram ajudar. Depois de pronta, começaram os trabalhos espirituais, ritual da religião do Santo Daime e vinham muitas pessoas de fora para participar. Amigos da cidade de Baependi e Caxambu e de grandes centros urbanos começaram então a chegar à região na década de noventa, gerando a necessidade em consertar estradas, facilitando o acesso. Esse investimento em infra-estrutura, ligando o Gamarra com o bairro de Piracicaba, foi feito com o financiamento privado, para dar acesso ao material de construção e ao povo que queria conhecer a doutrina e o lugar.

As obras não pararam, pois as casas também eram necessárias e enquanto o povo ia chegando, novos empreendimentos iam sendo feitos: casas, pomares, abelhas, roçados e mais recentemente, as oliveiras. E os empregos também iam se expandindo, assim como o contato entre essas duas populações, o intercâmbio cultural e a chegada ao vale de outras pessoas das cidades.

84 Existem diversas igrejas na região, protestantes e católicas, mesmo assim alguns moradores chegaram a freqüentar a igreja recém instalada do Santo Daime. Entretanto, a chegada de uma população extremamente diferente, vinda da cidade, conforme Madrinha Suzana, talvez tenha constrangido os antigos freqüentadores. Apesar disso, são abertos à doutrina no Vale, não são preconceituosos e atendem aos convites para casamentos, batizados e festas na igreja.

Figura 13: Igreja do Santo Daime no Vale do Gamarra

A década de noventa foi de muita transformação, os trabalhos espirituais aconteciam e mais gente conhecia o Vale. As estradas melhoravam e outras terras foram sendo adquiridas por outros grupos.

A comunidade do Santo Daime cresceu com a construção de doze novas casas, que passaram a atrair tanto o turismo religioso, como as migrações definitivas para a região e a organização de uma associação de moradores – Sou – Sociedade Universal - que deveria zelar pela área das moradias. A área doada se tornou comunitária: as pessoas são proprietárias de suas casas, mas a gestão da área é da associação.

85 Não são todos os proprietários de casas que residem no Vale, algumas casas são ocupadas esporadicamente. No entanto, o objetivo da maioria dos proprietários é desenvolver uma atividade econômica que torne possível a mudança definitiva. Entre as atividades, está o novo empreendimento do local: o plantio de oliveiras para a produção de azeite.

Para tornar possível a formação de uma comunidade, foi preciso mais do que pedras para construir as casas, as casas são de pedras resultantes do processo de mineração no rio Santo Agostinho, como abordado no primeiro capítulo. Mas o que é realmente necessário, segundo o Padrinho Fábio, são pessoas que compartilhem de um mesmo ideal, de mesmos valores e tenham uma vocação em viver em comunidade e serem solidários uns com os outros.

Figura 14: casa construída na área do Sou e nova moradora do Vale

Porém, a vida em um lugar distante só se tornaria possível, caso houvesse um projeto para sustentabilidade econômica. Entretanto, para muitos o significado espiritual da mudança é maior do que material ou emocional, assim o contato com a natureza se torna um valor muito importante.

“A Doutrina combina com a natureza, para mim é muito complicado tomar Daime em grandes centros, por isso saí do Rio de Janeiro e as pessoas que chegam à nossa igreja também estão querendo ir pra terra, ter um modo de vida diferente.” (Madrinha Suzana, 47 anos).

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Muitos se mudam em busca de uma transformação espiritual, mas outros buscam alternativas sociais, de sociabilidade, uma vida mais calma, sem o stress da cidade, com novas alternativas econômicas, um vínculo menos brando com o mercado. São muitas as causas que levam vários tipos de cidadãos da cidade a dirigirem-se ao campo, em específico, ao Vale do Gamarra.

Dentre os sítios adquiridos pelas pessoas de fora, uma propriedade foi sede de um grande encontro de comunidades alternativas, ENCA, em 1998. Em uma época que as estradas ainda eram muito ruins, só se chegava carros com tração nas quatro rodas, quinhentas pessoas do Brasil todo passaram pelo Vale, ajudando a divulgar a região nacionalmente. Contudo, não houve uma fixação dessas pessoas, nem dos proprietários do terreno a não ser esporadicamente.

No entanto, foi no século XXI, que o fluxo se intensificou assustadoramente, uma nova estrada foi aberta, com iniciativa privada, possibilitando a circulação de carros de passeio, fuscas, brasílias, combis, motos, aumentando o tráfego de toda a gente, de fora e de dentro do Vale.

Essas transformações associadas à escola que entrou em funcionamento em 2007, em Piracicaba, foram elementos marcantes nas inter-relações culturais e na possibilidade de novas fixações no Vale, dessa gente de fora, como evitando também as migrações para a cidade.

“Para nós, é preciso acima de tudo muita coragem de abandonar a cidade e o que achávamos que era prioritário na nossa vida, por exemplo, a escola para as crianças. Mas com a abertura da escola na Piracicaba, que está muito boa, a situação ficou mais fácil. A diferença da escola daqui com a que minha filha estudava em Caxambu é pequena. O difícil é sair com filhos maiores, já acostumados ao modo de vida da cidade, minha filha, de seis anos, está muito animada, não quer outra vida. Para mim, a diferença não foi muito grande, pois eu já estava acostumada a isso, há muitos anos, o diferente mesmo foi sair do Rio para ir pra Caxambu. Hoje, quero colocar minha pousada pra funcionar e trabalhar no Gamarra”. ( Madrinha Suzana, 47 anos).

Pessoas chegando à região, fazendo empreendimentos, valorizando o local, trazem satisfação para aqueles que lá vivem e também acreditam ser ali aquele um lugar

87 bom de se viver e levam os que pensavam em ir embora para a cidade, repensar suas escolhas.

Figura 15: Comunidade do Santo Daime

O modo de vida que tinham na cidade vai se alterando, os valores, o cotidiano, a criação dos filhos, a alimentação também. A busca por um local mais sossegado, com tranqüilidade e um contato mais estreito com a natureza e com a terra passam a ser valorizados.

Alguns dos novos moradores tiveram mais dificuldades em se adaptar do que outros, entretanto, por meio da pesquisa, o que observei foi uma completa adaptação dessas pessoas ao seu novo modo de vida e, acima de tudo, estão extremamente satisfeitos com a vida que levam.

“Eu não penso em sair daqui e em voltar para a cidade. Só quero sair daqui carregado, o Gamarra é minha vida, adoro esse lugar e estou muito, mais muito satisfeito, quero continuar aqui, trabalhar, ter uma nova família e não voltar para a cidade de jeito nenhum.” (Tiago, 26 anos).

Dentre as dificuldades apontadas por eles, está o isolamento e o difícil acesso à cidade, menor número de amigos e companhia no dia-a-dia e a dependência física para todas as atividades, diferente da cidade. A adaptação vai acontecendo com o tempo, na alimentação, como fazer as compras e como programar a vida nessa nova realidade.

88 Quem vem da cidade custa um pouco a se adaptar a não ter mais uma padaria, um mercado ou uma quitanda para comprar os produtos necessários. Fazem compras na cidade, geralmente, uma vez por mês, e cultivam a horta para ter verduras e fazer o pão e bolo para tomar café da manhã. Como na comunidade ainda não tem luz elétrica, o banho quente também requer uma produção, buscar a lenha, rachá-la e acender o fogão para que por meio da serpentina, o banho fique quente.

As mudanças alimentares são grandes, na medida em que o consumo de carne se torna raro, quando fazem compras, eventualmente compram alguma carne e a salgam para o consumo posterior. No caso de comprarem lingüiça ou bacon, utilizam à moda da região e penduram em cima do fogão à lenha para defumá-los. As compras constituem arroz, feijão, óleo, café, açúcar, farinha de trigo, sal, macarrão, molho de tomate, verduras e legumes para complementar os da horta, produtos de higiene e limpeza e eventualmente dependendo da família, leite condensado ou outro enlatado. O leite, o queijo, manteiga, ovos e farinha de milho podem ser comprados de moradores locais. Como não possuem geladeira, é necessário uma atenção especial aos produtos comprados na cidade.

“Eu compro os legumes e vou usando primeiro os que estragam mais rápido, como a cenoura. A batata e o inhami são muito difíceis de estragar então eu compro bastante e uso por último. O feijão eu cozinho meio saco e todo dia eu fervo e deixo em um lugar fresco, assim não estraga. A carne eu salgo e a lingüiça eu penduro em cima do fogão à lenha. Eu não sinto falta da geladeira, eu já me acostumei. Na horta a gente tem verdura fresquinha, alface, rúcula, couve, salsinha, cebolinha, azedinha, abóbora, tomate” (Priscila, 26 anos). “Deixei de comer várias comidas que eu comia na cidade, como bolacha e outras besteiras e substitui por comida da roça. De manhã, às vezes como mandioca em vez de pão, broa e bolo ao invés de bolacha. Como a verdura da horta, produtos produzidos aqui, eu me alimento melhor do que eu me alimentava na cidade.” (Tiago, 26 anos).

A mudança de valores e conceitos foi apontado por eles como um fator importante, levando a uma alteração na maneira de pensar, de consumir, de encarar as prioridades. Em decorrência de um acesso mais restrito ao dinheiro, começam a controlar o consumismo e procuram comprar o que de fato terá utilidade em suas vidas. O mesmo foi apontado para as crianças, que mesmo com o apelo de propagandas na televisão, não pedem tudo o que vêem.

89

“Eu comecei a ver a vida com outros olhos, de uma outra forma, com outros valores, tudo mudou, comecei a perceber que o importante não é o que você tem, mas a paz, a tranqüilidade, a qualidade de vida. Longe da violência e o stress da cidade, criar meu filho de uma maneira diferente, com mais simplicidade em contato com a natureza.” (Priscila, 26 anos). “Eu aqui mudei os meus valores os meus conceitos, aprendi a dar valor às pequenas coisas, o que eu não fazia na cidade, como uma verdura que vem da horta, ou um leite tirado da vaca, e ela tem que ser alimentada, ordenhada para a gente beber.” (Vinícius, 29 anos).

A relação mais estreita com os ciclos da natureza faz com que a realidade seja outra, quando chove ou você se molha, ou fica em casa, pois o trabalho no campo se torna difícil; com a seca, novas atividades podem ser desenvolvidas, como a construção, muito dificultada na época de chuva. Até a escola tem que se adaptar, assim no mês de julho, as aulas avançaram até o final do mês em decorrência das chuvas de fevereiro, que atrasaram o ano escolar.

Nesse sentido, quando uma pessoa decide abandonar a cidade e mudar para o campo, para a terra, ela tem que estar preparada para um modo de vida muito diferente do que ela tinha anteriormente, principalmente se esse lugar for de difícil acesso, como o Vale do Gamarra.

“Quando eu mudei para o Vale eu queria ter um contato mais próximo da natureza, viver da terra, trabalhar no campo, plantar, cuidar de bichos, de abelhas. Ter uma vida mais tranqüila sem o stress da cidade. Estar junto da minha família e da igreja. Para mim que já vivi aqui quando eu era criança não foi tão difícil, mas para muita gente, é tão complicado esse isolamento que eles voltam para a cidade. Para ficar aqui você tem que abrir mão de vários valores e resgatar outros.” (Tiago, 26 anos).

Nesse contexto, foram muitas as pessoas que se mudaram para o Vale do Gamarra, mais depois resolveram voltar para a cidade, não se adaptaram ao estilo de vida da roça. Assim como moradores locais foram para a cidade e também voltaram para o Vale. Os fluxos migratórios, o ir e vir, a relação campo cidade, é bastante intensa na região.

O intercâmbio social é grande, assim todos os entrevistados apontaram a relação que mantém com a população local. São amigos, colegas de trabalho e vizinhos. Têm

90 por hábito a ajuda mútua, freqüentam os mutirões e visitam-se com freqüência. As crianças também mantêm um relacionamento que transpassa a escola, visitam-se e brincam nas horas vagas.

Para alguns, que chegam sem um conhecimento prévio da região, a adaptação às diferenças culturais e sociais podem ser mais difíceis. Assim, um entrevistado apontou primeiramente a dificuldade em se entender o dialeto local. Após esse estágio de reconhecimento, precisou aprender a conviver com eles, o modo de ser para então ter uma amizade. O serviço que está disponível na região também requer novas aptidões, como o de fazer um roçado, capinar, plantar, serviços de pedreiro. Os novos habitantes precisam dedicar-se em aprender novos ofícios, não só para poder ter um salário, como também para possibilitar sua reprodução social no local.

A relação de trabalho também é extremamente peculiar à região, assim os camaradas prestam serviço, mas também têm seus empreendimentos, e muitas vezes preferem as diárias ao trabalho por mês e a carteira assinada.

“Precisei primeiro conhecer o povo daqui, pra depois saber lidar com eles, eles são muito fortes no trabalho, a gente depende deles. E o mais interessante é que o dinheiro não comanda a vida deles, quando não querem o trabalho, por mais que você diga que paga dobrado, não adianta, não é igual à cidade. Eu aqui precisei aprender a trabalhar com a terra, que eu não sabia, também aprendi serviço de pedreiro e de motorista de caminhão, caminhonete, trator, que aqui é muito importante .”(Vinícius, 29 anos).

Todos esperam com grande expectativa a chegada da luz também na comunidade para facilitar a utilização de equipamentos e possibilitar a aquisição de alguns eletrodomésticos. Algumas casas usam a energia solar e a igreja possui um motor a diesel que funciona nos dias de trabalhos espirituais, para iluminação e também possibilitar a eletrificação dos instrumentos musicais.

Em geral, as pessoas vêem muito positivamente a chegada da luz nas casas de outros moradores, assim poderão ter acesso à comunicação, informação e também às facilidades da vida cotidiana, como eletrodomésticos - tanquinhos e liquidificadores. Com os meios de comunicação, tomar conhecimento de uma outra realidade a que não estão acostumados, da existência de outras cidades, estados, países, e principalmente

91 outras culturas. Mudando uma realidade de extremo isolamento a que os moradores locais vivem.

Entretanto, também observam algumas mudanças como uma nova ligação com o sistema e uma nova relação com o consumismo, exemplificada na importância em que alguns passam dar a roupas da moda, em adquirir um carro ou uma moto, ou sofás para substituir os antigos bancos que eram comuns nas salas das casas.

A chegada de novos moradores vem se tornando cada dia mais freqüente na região. Pessoas que fogem à pressão ou ao stress da cidade, ao desemprego crescente dos centros urbanos. E também os que desejam uma proximidade com a natureza e com a terra impulsionados pelo lado espiritual.

Em busca de uma vida espiritualizada, mais simples e natural em contato com a natureza, fazendo valer a tradição religiosa dos hare krishna, um discípulo adquiriu uma terra no Vale, onde está construindo uma casa e um templo. Outros discípulos hare krishna têm freqüentado o espaço. Buscando uma qualidade de vida vinculada aos valores espirituais e eternos e não materiais esse grupo também está em processo de estabelecimento no Vale.

Figura 16: templo hare krishna no Vale

92 Dez anos após o primeiro encontro de comunidades- ENCA- que aconteceu no Vale, no ano de 2008, houve novo evento que aglutinou uma enorme quantidade de pessoas, de comunidades alternativas de todo o Brasil e simpatizantes. Esse momento em que o evento aconteceu, com estradas preservadas, possibilitando o fluxo de carros de passeio, trouxe grande quantidade de pessoas à região, estima-se que duas mil pessoas tenham passado pelo Vale, em julho de 2008.

O local do evento foi alterado e aconteceu dentro da comunidade do Santo Daime, embora um pouco afastado das casas. Muitas pessoas conheceram o local e algumas resolveram permanecer morando na região, buscando um contato mais estreito com a natureza e um novo modo de vida, assim novos moradores vão ocupando o Vale do Gamarra.

Figura 17: ENCA – encontro de comunidades em julho de 2008

Enfim, a realidade que vai se delineando no Vale de Gamarra é extremamente peculiar no ponto de vista da população tradicional que lá vive, dos indivíduos da cidade que chegam ao local com vários propósitos diferentes, e, principalmente, pelo processo de interação que acontece entre essas populações. A construção de novos valores, tanto para os primeiros quanto pelos novos habitantes da região, tem significado uma transformação profunda, resultantes desse processo de interação.

93 A construção de uma sociedade diferente, com distintos valores da sociedade urbana, mas também diferentes da sociedade tradicional, parece estar se delineando dentro dessa nova realidade, peculiar ao Vale do Gamarra.

94 Capítulo 4

As novas realidades

Figura 18: pôr-do-sol no Vale do Gamarra

Tendo em vista uma vida comunitária mais próxima à natureza, conforme a proposta da doutrina do Santo Daime, alguns daimistas 25 chegaram à região, vindos de várias grandes cidades do país como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Contudo, para se estabelecerem no Vale começaram a experimentar alternativas de geração de renda que lhes possibilitasse a permanência no local, podendo vivenciar uma realidade diferente, enfatizando valores espirituais e comunitários. Enquanto isso não acontecia, conseguiram empregos como professores nas cidades próximas e passaram a investir na região.

A apicultura foi a primeira alternativa encontrada, entretanto as limitações do espaço apícola, associado ao baixo rendimento da atividade, desestimulou os produtores

25 Estudantes universitários recém formados optaram por uma vida diferente, buscando uma atividade econômica próxima à natureza, o grupo que começou investir era composto por três integrantes, Anderson Mignac, Breno Monteiro e Cláudio Ferreira.

95 que partiram para uma nova possibilidade, a truticultura. Como a truta é criada em várias cidades do Sul de Minas, e precisa de água limpa e gelada, pensaram que poderia ser uma boa alternativa. Um consultor foi chamado à região para medir a vazão da água e verificar se o relevo era apropriado. Ao mesmo tempo, começaram visitar trutários para compreender o funcionamento dos mesmos. Em uma dessas visitas, ao passarem por Maria da Fé, viram uma oliveira plantada na praça da cidade, o que lhes chamou atenção, pois poderia ser um bom empreendimento, contudo o sonho do trutário ainda não havia sido abandonado. No entanto, logo essa atividade econômica se mostrou inviável na região, pois as condições do relevo eram inapropriadas nas terras disponíveis além das interferências necessárias ao curso d’água e a matéria orgânica que seria despejada na água em uma região de entorno do PESP e de nascentes associadas ao custo elevado descartaram por completo essa alternativa de geração de renda.

As oliveiras de Maria da Fé voltaram a ser uma alternativa. Plantadas há cinqüenta anos por um português de visita à cidade, uma muda se desenvolveu surpreendentemente na praça da cidade, atraindo a atenção da EPAMIG 26 de Maria da Fé, que passou a pesquisar o cultivo, há trinta anos, e adaptou a espécie ao Sul de Minas, essa recebeu o nome da cidade, maria de fé e trouxe outras da Europa, como: arbequina, grápulo e francoio.

Em uma visita à EPAMIG para conhecer mais sobre o cultivo e as possibilidades de introduzi-las no Vale do Gamarra, em Baependi, saíram com mil mudas encomendadas para o fim daquele ano de 2006. E começaram a empreitada de pesquisar as melhores opções de plantio, adubação, manejo e uma terra apropriada para o cultivo. Eles já haviam adquirido uma terra no Vale, entretanto, como se situava em uma área de mata sem acesso à estrada, foi trocada por uma outra maior em área de pastagens, onde as mudas de oliveiras poderiam ser plantadas, possibilitando uma maior facilidade de manejo das mesmas e acesso à estrada. Essa área por ser de pasto já havia sido queimada muitas vezes, assim a introdução de um cultivo perene passou a evitar novas queimadas na área.

O agrônomo da EMATER 27 , foi procurado. Ele estava desenvolvendo um trabalho de agricultura orgânica na região e sugeriu esse modelo para a nova plantação.

26 EPAMIG – Empresa de pesquisa agropecuária de Minas Gerais - presentes em vários municípios de Minas Gerais 27 EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais

96 Os futuros produtores interessaram-se pela alternativa e começaram o plantio no final do ano, na época de chuvas. Vale ressaltar que o manejo orgânico para a olivicultura no Brasil era um fato inédito, assim tornaram-se os primeiros olivicultores orgânicos do Brasil, num modelo orgânico em processo de adaptação para a região.

Uma análise de solo foi encomendada para o laboratório da Universidade Federal de e, a partir do laudo das deficiências, a EMATER forneceu as possíveis correções: química e orgânica. A adubação orgânica foi escolhida e para a correção do solo foram aplicados: calcário mineral, termofosfato de rocha e micronutrientes, dentro dos limites aceitáveis para certificação orgânica. Para não haver interferência na cobertura do solo, a aração e subsolagem 28 foram dispensadas e a movimentação de terra restringiu-se aos berços, feitos em um espaçamento de sete por sete metros, com uma profundidade de um metro cúbico.

A opção por essa forma de cultivo esteve vinculada diretamente a questões ambientais por se tratar de uma área de mananciais, com muitas nascentes. Além disso, por tratar-se de uma área de entorno do Parque Estadual da Serra do Papagaio (PESP), a utilização de produtos químicos seria extremamente prejudicial ao ambiente produzindo efeito cumulativo na cadeia alimentar.

“O adubo químico sintético é extremamente prejudicial ao homem e ao meio ambiente, pois eles são subprodutos de outros processos industriais, que possuem resíduos de metais pesados. Esses produtos eram utilizados para matar gente em guerras, são produtos extremamente venenosos, que foram adaptados para matar insetos, quando elas terminaram. E são também cumulativos na cadeia alimentar, isto é eles vão sendo transmitidos de nível para nível, até chegar a nós. Não queríamos usar um manejo que fosse nos contaminar e também o ambiente em que vivemos.” (Breno 29 , 31 anos)

A agricultura orgânica hoje merece um destaque especial, pois vem sendo bastante divulgada e defendida por diversas camadas da sociedade, ambientalistas, agrônomos, sociólogos e outros especialistas que acreditam ser essa agricultura um dos elementos de solução dos problemas socioambientais do planeta. Ela não constitui uma grande novidade, pois é utilizada milenarmente por diversos povos na história da humanidade; o que é novo é a integração de técnicas tradicionais com novos

28 Subsolagem é o processo de revolver a terra. 29 Breno Monteiro é engenheiro de alimentos e mestre em engenharia agrícola pela Unicamp.

97 conhecimentos científicos. Assim, a partir da análise do solo, com o acompanhamento de um agrônomo, buscou-se descobrir qual é a necessidade de suprimento da planta, sem prejuízos para o ambiente ou para o homem.

Após abertos os berços e corrigido o solo, foram plantadas mil mudas de oliveiras que passaram a ser manejadas com produtos orgânicos, no Olival batizado como Santa Maria. O biofertilizante foi preparado: em um tonel coloca-se uma parte de esterco para uma parte de água e deixa-se descansando para ocorrer uma fermentação anaeróbica. Posteriormente aplica-se na planta: no solo e também nas folhas. A urina de vaca também foi uma alternativa encontrada; rica em hormônio de crescimento, auxina, a urina pode ser aplicada no solo, mais concentrada e também nas folhas, menos concentrada. As folhas de mamona socadas misturadas com água foram aplicadas como formicida natural. Esses produtos permitem que o solo mantenha-se vivo, preceito defendido pela agricultura orgânica.

Figura 19: A olivicultura no Vale do Gamarra

“O gado se alimenta de brotos de grama que são ricos em hormônio auxina de crescimento vegetal eliminado pelo sistema excretor dos animais. Nós coletamos a urina e devolvemos para a planta esse hormônio e a urina é rica também em boro e nitrogênio” (Anderson 30 , 36 anos).

30 Anderson Mignac é biólogo.

98 A agricultura orgânica da atualidade, conforme Darlot (2000) é uma fusão de diferentes correntes de pensamento alternativos ao modelo convencional da agricultura: a agricultura biodinâmica, natural, biológica, orgânica e agroecológica. A agricultura biodinâmica foi formulada por Rudolf Steiner e vê a propriedade rural como um organismo vivo, uma célula que deveria produzir todos os insumos para se sustentar. A relação entre os animais e vegetais é valorizada, utiliza insumos biodinâmicos, substâncias de origem mineral, vegetal e animal, altamente diluídas segundo os princípios da homeopatia e são aplicados nas plantas, no solo e nos compostos, vitalizando e estimulando o crescimento dos vegetais. As operações agrícolas (plantio, poda, colheita) também apresentam particularidades e são guiadas por um calendário astral, com atenção especial para a disposição da lua e dos planetas, chamado calendário biodinâmico.

Com princípios filosóficos e religiosos, a agricultura natural defende a purificação do espírito por meio da purificação do corpo. Para tanto, se evita o consumo de produtos tratados com substâncias tóxicas e valorizam-se aqueles produzidos por atividades agrícolas que acompanham as leis da natureza e minimizam a interferência sobre o ecossistema. Os compostos orgânicos de origem animal são rejeitados e os produtos utilizados são comercializados com o nome de microorganismos eficientes (EM).

A agricultura biológica valoriza a preocupação com a proteção ambiental, qualidade biológica do alimento e de fontes renováveis de energia. Assim, uma planta bem nutrida possibilita uma resistência maior a doenças e pragas e fornece ao homem um produto de maior valor biológico. A preocupação com o produtor também se destaca nessa corrente, portanto preocupações socioeconômicas se associam com ideais ambientais. Seus princípios são praticamente os mesmos da agricultura orgânica e em alguns países consideradas sinônimas. A agricultura orgânica, uma das correntes mais difundidas dentro do movimento orgânico, foi desenvolvida a partir de pesquisas de Albert Howard na Índia durante quarenta anos. Procurando demonstrar que a saúde e a resistência humana às doenças estão associadas à qualidade dos alimentos produzidos e esses à estrutura orgânica do solo, práticas agrícolas de compostagem e adubação orgânica, passou a defender a utilização de matéria orgânica para a fertilidade do solo e combater os produtos químicos sintéticos.

99 Os precursores da agroecologia defendem a incorporação de um discurso social mais amplo. Assim o enfoque dessa corrente além de versar sobre as práticas agropecuárias, trata das interações complexas entre pessoas, culturas, solos e animais.

Enfim, as diferentes correntes mencionadas acima formam genericamente o que passou a ser conhecido como agricultura orgânica. Apesar de divergências, têm em comum a busca por um sistema de produção sustentável baseada no manejo e proteção dos recursos naturais, sem utilização de produtos químicos agressivos à saúde e ao meio ambiente, mantendo a fertilidade e a vida do solo, diversidade biológica e integridade cultural dos agricultores. (DARLOT, 2000).

Portanto, o modelo da olivicultura no Vale do Gamarra, diferente da agricultura biodinâmica, é agroecológico e não tem por objetivo produzir tudo que será utilizado, e sim aproveitar os produtos já tradicionalmente produzidos na região, mantendo uma relação econômica com os vizinhos, possibilitando a manutenção dessa prática agrícola se constituindo em um mecanismo de geração de renda para a população local.

O Olival compra esterco e urina dos moradores locais que têm como atividade econômica principal a pecuária leiteira. O esterco é comprado por dois reais o saco de linhagem e a urina, vinte cinco centavos o litro. Essa nova atividade gera renda para a população e ainda serve como exemplo de uma nova possibilidade de manejo agrícola, sem queimadas ou produtos químicos. Muitas vezes são os filhos mais novos os encarregados da tarefa de raspar o esterco seco no curral, ensacá-lo, negociar com os compradores, contabilizar e cobrar as dívidas.

“Um dos fornecedores nossos de esterco, quem cuida de todo o negócio são os filhos pequenos dele, os meninos coletam e ensacam o esterco, recebem o dinheiro, sabem quanto estamos devendo, enfim é um negócio deles e sabem fazer tudo direitinho.” (Breno, 31 anos). “O curioso é que vendem o esterco e com o dinheiro arrecadado eles compram o adubo químico para plantar milho no final do ano. Semana passada vieram nos cobrar porque precisavam do dinheiro para plantar. Quem sabe no futuro eles vendo que esse tipo de manejo dá certo, não comecem também a usar a agricultura orgânica?”( Anderson, 36 anos).

A relação entre todos os moradores é muito importante nesse sistema de manejo. Como o Olival Santa Maria utiliza esses produtos, precisa manter um bom relacionamento com os moradores locais, porque como o dinheiro na região não

100 controla o sistema social, como já foi levantado por outro novo morador, assim, caso o relacionamento não seja amistoso, a aquisição desses produtos pode ser comprometida. A população caipira não tem uma relação monetária com sua produção, ao contrário valoriza um equilíbrio do trabalho e do lazer numa relação autárquica não mercantil na qual sua independência está inserida num sistema tradicional de produção. Portanto a busca por um padrão mais elevado de vida ou um ritmo intenso de trabalho não são prioridade de sua reprodução social.

O cultivo orgânico também requer uma atenção maior às necessidades das plantas, a observação e o cuidado demandam mais mão de obra. Se o manejo fosse o convencional, a necessidade de funcionários seria menor e o processo de capacitação mais simples e rápido.

“Pode–se valorizar o fato de mais pessoas serem demandadas no processo produtivo o que é muito bom, mais produtores são envolvidos num processo produtivo ecologicamente mais sadio e melhor remunerado” (D’AGOSTINI, 2002: p. 60).

Nesse contexto estamos nos deparando com uma atividade mais complexa, dependente do relacionamento com a comunidade local para aquisição de produtos das fazendas, gerando renda e serviço. Não é simplificada como a produção em grande escala, que utiliza produtos químicos e venenos comprados na cidade, diminuindo drasticamente a relação com a população e seus produtos.

Para abrir os berços para o plantio, a mão-de-obra foi encontrada na própria comunidade, vários camaradas foram chamados, já que a empreitada era grande. Uma máquina de fazer buracos foi comprada para agilizar o processo, entretanto nas áreas mais pedregosas se mostrou ineficiente. Quando as mil mudas já estavam no chão, foram mantidos dois funcionários fixos para o cuidado com as plantas: adubação, capina e o combate às formigas, que já mataram cem plantas até agora.

Um desses funcionários tinha como atividade econômica o artesanato de cestos de bambu, entretanto por ser pouco rentável ele já estava desestimulado em continuar e pensava em procurar um serviço na cidade. Foi quando apareceu o emprego no olival, ele se empenhou ao máximo no plantio, no cuidado das plantas e é com grande alegria

101 que vê hoje as flores e os primeiros frutos. Está muito satisfeito com o emprego e com a possibilidade de continuar morando em sua casa, em seu lugar.

“Eu fazia artesanato lá em casa, só que não rendia muito, não valia a pena e eu já estava pensando em sair do meu lugar para procurar um serviço. Aí veio a oportunidade de emprego no olival, eu agarrei, peguei firme e pensei: quero vencer e estou muito bem, muito feliz, vou continuar aqui até quando Deus quiser, estou ganhando bem, tá valendo a pena. Espero sucesso pra todos nós.” (Claudinei, 19 anos).

As oliveiras atraíram a atenção de diversos moradores locais, um cultivo diferente que pode trazer renda e oportunidade de empregos à região. Assim os caipiras não vêem com preconceito ou resistência o novo negócio e sim, como uma nova possibilidade. E vários outros moradores locais já estão interessados em plantar. O que está faltando são mudas mais acessíveis para então poder haver uma difusão maior no Vale.

Possivelmente o primeiro morador local a começar a plantar será o funcionário do olival, Claudinei, pois está muito entusiasmado com a produção de mudas e a possibilidade de plantá-las em seu terreno. Ele associa várias atividades econômicas, trabalha no olival, faz sua roça de feijão e milho próximo à sua casa na época de chuva e também cuida de algumas caixas de abelha de seu irmão que foi embora, tirando mel e própolis para vender na cidade. Estudou na antiga escola do Vale até a quarta série e depois parou de estudar. Hoje pensa em voltar a estudar, já conversou com o diretor da escola em Piracicaba para estudar à noite depois do trabalho e com luz em casa vê a possibilidade de ler depois do serviço e aprender mais.

“Desde que eu me lembro existe a igreja, eu vinha estudar na escolinha e via o movimento, mas nem sonhava em estar aqui, trabalhar no olival, estar conversando com você agora. A vida é assim, muito legal mesmo eu gosto muito de viver. A gente sonha e de repente aparece o que a gente sonhou. Agora chegou a luz em casa, a escola da Piracicaba tá muito boa e eu penso em voltar a estudar à noite. Com luz dá pra ler e estudar à noite.” (Claudinei,19 anos).

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Figura 20: Claudinei no Olival Santa Maria (outubro/ 2008).

As transformações são enormes no Vale, com a chegada da luz e de novas atividades econômicas, muita coisa mudou. Assistir televisão, entrar em contato com outras realidades têm modificado o modo de pensar principalmente dos jovens. Muitos foram para a cidade. Entretanto, com alternativas de geração de renda, há a possibilidade de diminuir essa pressão migratória para fora.

“Eu queria ir embora para a cidade, agora não quero mais, acho que não ia dar certo ir morar na cidade, aqui a gente faz uma roça, uma horta, aí você vive. Na cidade não tem lugar pra plantar, tudo fica mais difícil. Tem gente que tem casa na cidade e aqui na roça, daí fica bom, se ficar doente precisar ir pro hospital fica mais fácil. Agora chegou a luz e ficou muito bom, os anos passam e as coisas vão mudando, na minha opinião pra melhor.” (Claudinei, 19 anos).

O companheiro de trabalho de Claudinei é um rapaz que mudou há cinco anos para o Vale, Tiago, vindo da cidade. Eles trabalham juntos, retiram mel juntos e quando a família de Claudinei precisa ir à cidade, como o Tiago tem um carro, ele os leva. Também pensa em plantar oliveiras no pedaço de terra que ele tem e no futuro, participar da cooperativa.

103 O que observamos na região é exatamente o mesmo que ocorre em outros locais rurais no Brasil: quando não há acesso à infra–estrutura, a população rural tende a migrar para as cidades próximas; contudo quando os serviços que antes só eram oferecidos nas cidades também o são no campo ocorre uma diminuição do êxodo rural e pode até acontecer uma atração populacional. No Vale do Gamarra a realidade é a interação entre a população do campo e a da cidade, num movimento de transformação intenso.

Apesar de inovador o empreendimento vai muito bem e atraiu outros membros da comunidade do Santo Daime, com o mesmo ideal de morar no Vale, a investirem no plantio. Entre 2007 e 2008, um novo olival foi formado com mais mil mudas e no fim de 2008 um novo empreendimento iniciou seu processo de implantação com mais mil mudas. Portanto serão três mil mudas plantadas no Vale do Gamarra, no início de 2009, em três olivais. Moradores tradicionais também observam o cultivo para ver se irá gerar renda, alguns já pensam em plantar e outros eventualmente podem optar pelas oliveiras no futuro.

Mesmo sendo uma árvore exótica, a oliveira pode restringir as queimadas no Vale, possibilitar um reflorestamento em áreas extremamente desgastadas de pasto e ser uma alternativa de geração de renda para os novos moradores, como também para os moradores tradicionais. A pecuária leiteira está em decadência e gera pouca renda e muito trabalho, o leite hoje é vendido por sessenta centavos o litro.

Portanto, o modelo agroecológico adotado associa o manejo orgânico com um desenvolvimento sustentável para a região com intenção de agregar valor ao produto e ao mesmo tempo criar uma alternativa econômica para a área do entorno do PESP, criando um cinturão verde de proteção para a unidade de conservação. Entretanto, os órgãos de fiscalização ambiental responsáveis pela região não aprovaram o cultivo de uma planta exótica em uma região ecologicamente estratégica. Essa resistência só foi superada quando o projeto ganhou visibilidade na mídia: uma reportagem da EPTV 31 , a participação do projeto em dois encontros regionais de agroecologia e a recomendação no plano de manejo 32 do PESP para o cultivo de oliveiras no seu entorno. Entretanto, os produtores enfrentaram grande dificuldade burocrática para averbar reserva legal, tirar

31 EPTV é a concessionária da Rede Globo no Sul de Minas Gerais. A reportagem foi exibida no jornal local em setembro de 2008 e no Globo Rural. 32 O plano de manejo do PESP está sendo feito pela ONG mineira, Valor Natural.

104 licença ambiental e outorgar o uso da água, o que inviabiliza para a grande maioria dos pequenos proprietários no Brasil a legalização de seus empreendimentos agrícolas.

“Quando se iniciou o cultivo sob a supervisão da EMATER - Caxambu adotou-se o modelo agroecológico com a dupla intenção de agregar valor ao nosso produto e ao mesmo tempo criar uma alternativa econômica para a área do entorno do Parque que pudesse criar um cinturão verde de proteção para a unidade de conservação. Entretanto, apesar das boas intenções, os órgãos de fiscalização ambiental responsáveis pela região (IEF e IBAMA) não viram com bons olhos o cultivo de uma planta exótica em uma região ecologicamente estratégica. Inclusive, o gerente da APA/Mantiqueira tentou inviabilizar a assistência da EMATER interferindo junto aos superiores do agrônomo encarregado em Caxambu. Foi necessária a intervenção deste, junto aos seus superiores para manter o projeto. Essa resistência acabou quando o projeto ganhou visibilidade na mídia, com uma reportagem da EPTV, com a participação do projeto em dois encontros regionais de agro-ecologia, inclusive sendo mencionado em uma cartilha de agro-ecologia e principalmente, com uma recomendação no plano de manejo do Parque para o cultivo de oliveira em seu entorno. Entretanto, é importante ressaltar a dificuldade na burocracia para averbar reserva legal, tirar licença ambiental, outorgar o uso da água, o que inviabiliza para a grande maioria dos pequenos proprietários o processo de legalização total de seus empreendimentos agrícolas.” (Cláudio 33 , 37 anos).

São justamente essas dificuldades em manter a rentabilidade de empreendimentos agropecuários que acarretam o crescimento de outras atividades econômicas, Graziano da Silva (2002), chama-as de “novas” atividades agropecuárias altamente intensivas. Não por serem completamente novas, mas sim por terem ganhado um sentido e uma importância novas no cenário atual. As causas da diversificação são múltiplas, a crise da década de noventa que rebaixou os preços dos produtos agrícolas e redobrou os custos, o desenvolvimento tecnológico no campo causando liberação sistemática de mão de obra e a abertura do mercado brasileiro para o mercado internacional, aumentando a competitividade dos empreendimentos e consequentemente uma concentração fundiária e de renda.

Inseridos em uma realidade nas quais as atividades tradicionais não significam a manutenção do nível de emprego ou de renda, novas atividades estão sendo introduzidas no meio rural, algumas agrárias outra não. Daí decorre a pluriatividade, resultante dos

33 Cláudio Ferreira é historiador, especialista em eco turismo pela UFLA e mestre em Ciência da Religião pela PUC – SP.

105 esforços de diversificação do pequeno proprietário, procurando se inserir nos novos mercados abertos hoje no mundo. Nesse panorama muitas atividades começam a ganhar vulto comercial, como a criação de aves raras, a piscicultura, ranários, criação para corte, complexos hípicos, floricultura e mudas de plantas ornamentais, fruticultura de mesa, produção de verduras para supermercado, produção de sucos naturais e polpas congeladas, produção orgânica de plantas medicinais, produção orgânica para mercado internacional diferenciado e o turismo rural. (GRAZIANO DA SILVA, 2002).

Essas novas atividades estão vinculadas a uma demanda específica de grupos de consumidores de média e alta renda dos grandes centros urbanos do país, que procuram novos produtos em uma realidade do século vinte um, tanto agrários como não agrários. Produtos de uma qualidade maior, no entanto, não acessível para a maioria da população mundial, em decorrência dos altos custos.

Na região do Vale do Gamarra, as atividades tradicionais encontram-se em decadência, não em decorrência da tecnologia como em algumas áreas estudadas pelo projeto rurbano, mas pela estagnação e desvalorização dos produtos do local.Nesse panorama, poderia ser possível o crescimento de algumas atividades alternativas, como a olivicultura orgânica e o turismo rural.

As condições climáticas da Serra da Mantiqueira se mostraram ideais para a olivicultura: a temperatura baixa no inverno, elevada no verão; e água pura. Além disso, as geadas em nada afetaram as plantas muito pelo contrário elas precisam de muito frio. Assim a floração das plantas no Olival Santa Maria aconteceu em dois anos após o plantio, fato inédito uma vez que em Maria da Fé havia acontecido em três anos e na Europa os frutos só aparecem após cinco a oito anos.

“As oliveiras parecem que foram adaptadas para cá, temos as condições ideais de temperatura, o frio anual, e não sofrem com geadas como as outras plantas. A Serra da Mantiqueira está se mostrando o melhor local no Brasil para o cultivo, o desenvolvimento aqui é mais rápido que no sul, mas ninguém tinha tentado o cultivo orgânico, estamos muito satisfeitos com o resultado .” (Anderson, 36 anos).

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Figura 21: Olival Santa Maria: oliveiras em sua primeira floração (outubro/2008)

O objetivo do cultivo é a produção de azeite. Para sua consecução, os produtores do Vale pretendem organizar uma cooperativa de produtores agroecológicos. Essa cooperativa visará manter uma prática agrícola que interaja socialmente com a comunidade, que produza um produto de qualidade e busque a melhoria das condições de vida dos cooperados. Entretanto, a grande dificuldade em dar continuidade ao empreendimento é a carência de linhas de crédito disponíveis pelo Governo Federal. Os financiamentos para produtos orgânicos são difíceis de se obter e ainda para um produtor com vínculo empregatício na cidade a linha de crédito se torna inacessível 34 .

“O Governo não visualizou o azeite como um produto que seja digno de financiamento, nem há incentivo para a agricultura orgânica. Muito pelo contrário só encontramos dificuldades nesse manejo, como ele é mais custoso, o investimento também tem que ser maior”. (Breno, 31 anos).

Com o aumento do número de oliveiras no Vale, o grande desafio consiste em processá-las. Uma oliveira rende cinqüenta quilos de azeitonas por ano. Como serão três

34 No início de 2009 o PRONAF disponibilizou uma linha de crédito para a olivicultura no Sul de Minas Gerais. Única linha de crédito disponível, entretanto continua inacessível para aqueles que não tenham renda rural, ou que possua vínculo empregatício na cidade.

107 mil plantas, a produção estimada será de cento e cinqüenta mil toneladas de azeitonas por ano, isto é, trinta mil litros de azeite. O projeto consiste na construção de um lagar 35 , como a vigilância sanitária requer diversas exigências, o custo do investimento é alto e a construção via cooperativa parece ser a melhor forma de realizar o processamento da produção de todos e incentivar outros moradores do Vale também a plantar. A expansão da olivicultura hoje no Vale está limitada em decorrência do alto custo das mudas, adquiridas em Maria da Fé, da EPAMIG ou em Wenceslau Brás, de um agrônomo especialista na olivicultura. Contudo, a previsão é a produção de mudas no Vale, possibilitando à futura cooperativa tornar possível o acesso às plantas para um cooperado a um custo reduzido e facilitado.

“Em relação ao Vale o projeto contempla a confecção de mudas já na primeira colheita para a difusão da olivicultura. Proporcionando mudas com custo reduzido e assistência para os interessados e com isso formar o cinturão verde e ao mesmo tempo melhorar o padrão de vida da população local, não só dando emprego ou comprando esterco ou urina, mas transformando os pequenos pecuaristas em prósperos olivicultores” (Cláudio, 37 anos).

Existem duas formas de se extrair o azeite das azeitonas, a prensa a frio e a de fluxo contínuo. Tem havido na União Européia uma pressão da vigilância sanitária para os antigos lagares de produção a frio serem desativados e se transformem em museus. Assim, a extração que vem se expandindo é a de fluxo contínuo, ela utiliza o processo de centrifugação, mais higiênico e com melhores resultados para a qualidade do azeite. O azeite pode ser armazenado por dois anos e não precisa de refrigeração, só tem que estar abrigado da exposição de luz e oxigênio. Os restos do processo de produção podem virar adubos.

A futura meta do projeto será viabilizar essa fábrica de fluxo contínuo, contudo, para se tornar possível, é imprescindível a chegada de luz elétrica na comunidade do Santo Daime, já que isso ainda não aconteceu. Com a fábrica funcionando, haverá a demanda de trabalho, possibilitando aos produtores proprietários dos olivais, hoje trabalhando nas cidades, concentrarem-se suas atividades na região. Essa demanda pode aumentar tanto a ponto de inverter o fluxo migratório da população caipira, possibilitando àqueles que saíram do Vale e estão morando e trabalhando na cidade,

35 Lagar é a fabrica que se processa azeitona, fabricando azeite.

108 retornarem. A produção de azeite extra virgem orgânico da Serra da Mantiqueira poderá abastecer o mercado interno e também ser exportado.

Portanto, o projeto da olivicultura agroecológica no Vale do Gamarra possui hoje mudas plantadas em diferentes locais em diversos estágios de desenvolvimento, algumas plantas já produzindo azeitonas e outras ainda em fase de crescimento. A primeira produção do Olival Santa Maria acontecerá no início de 2009, e a produção de mudas será após a poda das plantas, com assistência técnica da EPAMIG de Maria da Fé, e ao se desenvolverem possibilitarão a difusão da olivicultura no Vale. Outra perspectiva é o funcionamento da cooperativa, com o objetivo de produzir mais mudas e construir uma fábrica para o processamento do azeite. A idéia é ter uma cooperativa que administre um viveiro e uma fábrica, que poderá beneficiar também frutas da época, produzindo geléia e doces.

Figura 22: Oliveiras em sua primeira frutificação (janeiro/2009)

Colocar em funcionamento a cooperativa além de ter objetivos econômicos, carrega os ideais de vida comunitária; assim, os cooperados poderão aprender a viver e trabalhar juntos. Além disso, os intuitos espirituais da comunidade vieram de encontro a esse novo cultivo, uma vez que a oliveira está impregnada de um simbolismo bíblico.

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Figura 23: Oliveiras em sua primeira frutificação (janeiro/2009)

“As oliveiras carregam um simbolismo bíblico, somos uma comunidade espiritual cristã e na bíblia encontramos diversas parábolas que falam sobre a utilização do azeite e o Monte das Oliveiras. As bem aventuranças foram proclamadas por Jesus no Monte das Oliveiras”. (Anderson, 36 anos).

Na busca de uma sustentabilidade econômica, muitos membros da Igreja do Santo Daime abraçaram essa idéia. Uma nova perspectiva de vida vai se delineando: produzir, trabalhar e futuramente também morar no Vale.

“Nós já havíamos conseguido a auto-suficiência espiritual, já que produzimos o Daime que consumimos, mas ainda não tínhamos a material, assim só podíamos vir pra cá nos fins de semanas. Agora temos um novo projeto: as oliveiras, que está prometendo mudar esse cenário” (Padrinho Fábio, 54 anos).

Uma outra atividade econômica do Vale é a pousada 36 , que já foi construída, mas ainda não foi colocada em funcionamento. A estrutura é composta pela sede, sete chalés, sauna, ofurô, piscina, salão de estar e restaurante. A possibilidade de geração de

36 A pousada é propriedade do Padrinho Fábio e da Madrinha Suzana, mas ainda precisa ser concluída para entrar em funcionamento.

110 emprego e o aumento do turismo são iminentes. A região é muito visitada por moradores de Caxambu e da zona urbana de Baependi, mas como não existe nenhuma pousada em funcionamento, os visitantes acabam voltando para as cidades no fim do dia, ou acampam em alguma propriedade. A comunidade do Santo Daime aloja muitos visitantes, nas casas dos moradores e em um albergue, e cabe aos visitantes trazerem comida e cobertor. Não há ainda estrutura turística montada, assim a quem chega nada é cobrado pela estadia. O turismo de aventura é muito praticado na região, em decorrência das inúmeras cachoeiras, das águas puras e das bonitas montanhas.

A expansão do turismo está acontecendo apenas agora em que as estradas estão conservadas e se torna promissor. As estradas costumavam significar violentos rallys, principalmente nas temporadas de chuva. Com a dificuldade de acesso, a região mantinha-se bastante isolada.

O acesso a serviços fundamentais constitui uma das principais diferenças entre algumas áreas urbanas e rurais do país, como é o caso do Vale. A saúde, educação, energia elétrica e a conservação das vias de circulação, muito recentemente passaram a fazer parte da vida dos moradores. Mesmo assim, a escola situa-se no bairro vizinho e a antiga escolinha que existia no Vale só ia até a quarta série (Ensino Fundamental I – como é hoje chamado). O posto de saúde, assim como o transporte público, também estão restritos ao bairro próximo, Piracicaba. Portanto, para um doente sair do Vale, se não possuir carro, tem que conseguir um transporte por conta própria.

“Não é de se estranhar que acreditem que para alcançar a cidadania é preciso mudar para a cidade mais próxima. Mas como infelizmente as pequenas e médias cidades que são contíguas aos espaços rurais não urbanizados tampouco tem condições para oferecer ao migrante rural, estão dadas as condições necessárias e suficientes para que ele empreenda a segunda etapa de sua migração, em busca das grandes cidades do Centro-Sul do país.” (GRAZIANO DA SILVA, 2002: p. 106).

Muitos moradores locais, caipiras, migraram para a cidade de Baependi, enquanto outros foram para cidades do Vale do Paraíba. Para que esse fluxo migratório não acontecesse nessa região assim como em outros locais do país, acarretando diversos problemas urbanos dos grandes centros, como favelização, desemprego, pobreza e miséria urbana, seria necessário um empenho em melhoria da infra–estrutura nas áreas rurais, junto ao apoio oficial em dinamizar as economias locais. O programa de

111 seguridade social rural representa hoje grande apoio às famílias do campo, garantindo a sobrevivência de diversas famílias.

O Estado, portanto, tem papel fundamental no mundo rural, promovendo infra- estrutura, estimulando ou coibindo ações tendo em vista o meio ambiente e principalmente o bem estar das populações residentes. (GRAZIANO DA SILVA, 2002). Nesse contexto, é imprescindível o papel do Estado para essas novas atividades que vão se desenvolvendo no Vale, há uma demanda de energia elétrica, pois em muitas áreas não há luz, conservação das estradas, uma vez que as chuvas de verão costumam deixá-las intransitáveis e financiamento para os empreendimentos existentes e para se tornar possíveis outros novos.

A olivicultura na região visa articular e dinamizar a economia, promovendo melhoria na qualidade de vida, alternativa de geração de renda e a preservação do meio ambiente. Num enfoque de pluriatividade, a diversificação econômica vai se tornando uma realidade: o setor agrário é movimentado com a introdução de novos cultivos e o artesanato de cestos de bambu, pode ser valorizado com o aumento da infra-estrutura turística e de visitantes na região. A agroindústria em funcionamento pode também significar uma expansão de atividades, pois além do azeite, o beneficiamento de frutas para a produção de doces e geléias é uma alternativa para ocupar a estrutura montada na entre safra da azeitona.

Uma outra alternativa para as áreas de interesse ambiental são as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), uma vez que o Vale se encontra no entorno do Parque Estadual da Serra do Papagaio é uma região considerada de prioridade ambiental e permitiria a formação de cinturão de segurança para a fauna regional. O proprietário não perde a posse da terra, pode inclusive vendê-la e a RPPN é anexada à escritura. A vantagem para o proprietário é que o isenta do pagamento de imposto sobre a terra, ITR. A RPPN também permite o direito a recursos junto ao Fundo Nacional do Meio Ambiente para o manejo da área.

Estamos presenciando uma fase em que acontecem profundas transformações em decorrência de diversos fatores, como a melhoria das condições das estradas, a chegadas da luz em diversas casas, a construção de uma escola maior até o Ensino Médio no bairro rural próximo e as migrações de muitos moradores tradicionais caipiras para a cidade enquanto outros cidadãos urbanos começam a se estabelecer na região. Novos cultivos foram plantados no lugar de alguns pastos, a pousada entrará em

112 funcionamento e são claras as perspectivas da instalação de uma fábrica de azeite e a criação de uma cooperativa de olivicultores.

Nesse contexto, as interações culturais, sociais e econômicas são imensas, o movimento tem uma característica complexa na medida em que os caipiras vão morar na cidade, eventualmente moram na cidade e no campo ao mesmo tempo e muitos também retornam para o vale. Enquanto cidadãos urbanos vão morar na região, muitos também já voltaram para a cidade. Nesse movimento migratório peculiar, vai ocorrendo uma interação intensa entre os valores culturais e a própria reprodução social dos indivíduos que participam desse movimento. As sociedades não são estáticas nem no tempo e nem no espaço, tudo está em um processo de constante transformação, com características muito peculiares.

Os caipiras em uma reprodução social não capitalista, mas com um vínculo brando com o mercado e os citadinos, buscando novas formas de vida, encontram no morador local uma possibilidade de reprodução social. Contudo, apesar de ansiar por uma nova vida, estão impregnados de valores capitalistas. Ocorre, portanto, a absorção de valores caipiras em uma mentalidade capitalista, produzindo novas e peculiares formas de interação social. Já os moradores locais, carregam consigo valores tradicionais e interagem com os novos moradores, esses por sua vez também não estão presos nem estáticos no tempo e sim susceptíveis a influências e ambos convivem numa reprodução sociocultural peculiar nessa área cultural caipira.

O caipira que aí vive mantém suas características culturais, mas estão sujeitos às novas influências e transformações, como todas as sociedades tradicionais, pois não são isoladas no tempo e no espaço e sim interagem com os agentes presentes. Na região, esses são: a mídia, que acaba de chegar via televisão, os citadinos que foram viver em sua área cultural.

Apesar de comum a muitas áreas rurais essa interação com o urbano nas últimas décadas, cada uma delas apresenta particularidades peculiares. E foi justamente a peculiaridade do Vale do Gamarra, zona rural de Baependi, que eu pretendi estudar nesse trabalho. Uma região de grande beleza cênica, muito montanhosa e de difícil acesso, apesar de situar-se em uma relativa proximidade a grandes centros urbanos nacionais, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo horizonte.

113 Essa característica é comum a algumas localidades da Serra da Mantiqueira: às vezes são próximas, mas muito difícil de chegar. O que confere aos seus habitantes, historicamente, uma reprodução cultural bastante particular; em cada uma dessas regiões podemos encontrar um caipira diferente e um processo histórico típico. É claro que mantém diversos traços semelhantes, como a pecuária leiteira, a agricultura de subsistência e muitos valores socioculturais. Também compartilham algumas dificuldades, como o baixo valor de seus produtos, restrições ambientais, vontade dos jovens de irem para a cidade e as estradas precárias. Convivem com grandes transformações do século XXI: a chegada de muitos citadinos que querem comprar suas terras, novas atividades econômicas sendo introduzidas, o turismo e mais recentemente a olivicultura.

Em decorrência da indicação da olivicultura pelo plano de manejo do Parque Estadual da Serra do Papagaio como uma sugestão de cultivo sustentável, possivelmente apareçam incentivos governamentais para ser difundida na região, possibilitando uma nova forma de interação de áreas tão próximas e também tão isoladas da Serra da Mantiqueira.

Enfim, as novas realidades são múltiplas, produzindo e reproduzindo formas peculiares de vida e de atividades econômicas que estão transformando essa área tradicional caipira. Não podemos prever os rumos dessas transformações e nem estou propondo previsões para o futuro, basta-nos conhecer a população tradicional caipira da região, suas características socioculturais e saber que não são estáticas no tempo. A partir daí, apontar novos atores dessa área cultural e também novas atividades econômicas que surgem como alternativas em um tempo em que o mundo rural entrelaça-se ao mundo urbano produzindo uma sociedade extremamente peculiar , no Vale do Gamarra

114 CONCLUSÃO

Essa pesquisa abordou especificamente o caipira do Sul de Minas Gerais, na região rural de Baependi, no século XXI e suas relações com as transformações da sociedade urbano-industrial.

Partindo da análise do povoamento da região, a área foi caracterizada como um local tipicamente agrário, diferentemente dos povoados ricos em ouro. Portanto, a sugestão de Darcy Ribeiro da formação de uma área cultural caipira associada à decadência da mineração, não se aplica totalmente a Baependi. Apesar da grande importância no processo de fixação do Homem ao território, o ouro era escasso e rapidamente se extinguiu, levando o baependiano a encontrar uma outra forma de atividade econômica, a agropecuária. Assim desde cedo, a reprodução sociocultural esteve vinculada ao campo.

As características naturais da região são peculiares: o relevo montanhoso integra a Serra da Mantiqueira e na década de noventa foi criado o Parque Estadual da Serra do Papagaio. A elevada declividade manteve a área bastante isolada das influências externas, pois as estradas não eram conservadas e se tornaram intransitáveis. O único meio de transporte foi, durante séculos, até a década de oitenta os animais: cavalos, jumentos e bois.

Nesse panorama, a sociedade tradicional caipira possuía características socioculturais marcantes, mantidas até hoje. Entre elas, destaca-se a solidariedade caipira, forma de unir as famílias, vizinhos e parentes, garantindo a reprodução social em um sistema isolado e distante da cidade, na qual as dificuldades são vencidas justamente com essa ajuda mútua em uma sociabilidade extremamente peculiar, responsável pela coesão social.

Ao longo dos séculos, as propriedades foram sendo subdivididas entre os herdeiros; os que mantiveram fazendas maiores obtêm hoje uma possibilidade de melhores condições de vida, associada à pecuária leiteira, agricultura de subsistência e artesanato de cestos de bambu. As famílias com pequenos lotes ficam restritas às atividades de artesanatos, muito mal remuneradas. Essa situação tem levado muitos

115 caipiras a migrarem para a cidade, para outras áreas rurais ou empregarem-se em algum serviço disponível no Vale.

A nova legislação ambiental também é responsável por intensas transformações. Muitas áreas anteriormente utilizadas para produção agrícola, hoje se tornaram de preservação, restringindo os produtos cultivados e atividades como a extração de madeira para comercialização, construção de casas e obtenção de fogo nos fogões à lenha. As queimadas também passaram a ser proibidas e como o manejo dos pastos sempre esteve associado à coivara, essa limitação passou a ser um problema local. Muitas novas dificuldades tornaram-se presentes em uma reprodução social tradicional, difíceis de serem solucionadas sem o apoio do Estado, acarretando um fluxo migratório para as cidades. A decadência da pecuária leiteira também constituiu outro fator a pressionar esse fluxo, uma vez que os jovens vêem alternativas mais rentáveis em empregos na cidade. Se por um lado perdeu áreas ainda não desapropriadas para o PESP, essa região apresenta possibilidades de grande crescimento da atividade turística, ainda pouco explorada na região.

A reprodução cultural caipira também merece destaque, pois ela pode ser considerada não capitalista, na medida em que o objetivo de suas atividades econômicas não é o lucro e o trabalho não virou uma mercadoria. Assim, o vínculo com o mercado apesar de existir, é brando e não determinante na vida das pessoas. Esse modo de reprodução, ainda que possibilite a coesão social, não impede o aparecimento de conflitos e transformações sociais. Apesar de manterem o habitus , definido por Bourdieu, as mudanças são comuns, pois não podem ser consideradas sociedades estáticas, mais sim suscetíveis a alterações decorrentes de fatores internos e externos da sociedade.

A infra-estrutura oferecida aos cidadãos urbanos, como luz elétrica, transporte, educação e saúde não estavam presentes na vida dos caipiras do Vale do Gamarra, levando muitos para a cidade em busca de uma vida mais confortável com acesso a esses serviços. Por outro lado, os atributos da região de grande beleza cênica, com água pura, inúmeras cachoeiras e bonitas montanhas foram atraindo uma população urbana, imersa no modo de vida deslocado do meio natural em busca de um contato mais estreito com a natureza longe do stress das grandes cidades.

Esse contexto da sociedade caipira interagindo com a população urbana e com as novas transformações decorrentes do acesso aos serviços públicos que começam a

116 chegar à região, foi o foco do trabalho. A luz elétrica chegou em 2007, uma nova escola até o segundo grau foi construída no bairro rural próximo, um transporte escolar foi colocado para levar os estudantes, as estradas passaram a receber constante manutenção. O caipira, em contato com a população vinda da cidade, comercializando seus produtos, fazendo compras nos mercados e por vezes procurando emprego no campo e também nas cidades, inseriu-se num movimento cultural dinâmico, criando e recriando formas distintas de reprodução social. Interagindo interna e externamente com diversos indivíduos de locais diferentes e com modos de vida diferentes, vão constituindo na região um movimento todo particular. O intercâmbio cultural lança novos valores tanto para a população local como para os novos moradores do Vale.

As grandes transformações decorrentes da introdução de inovações tecnológicas, novas técnicas médicas e sanitárias, a urbanização e as atividades industriais no Brasil impulsionaram grande transformação no campo e na cidade. No meio urbano, a cultura de massa, como foi denominada por Morin, moldou diversas sociedades aos padrões culturais universais e de consumo. As relações tradicionais de necessidade foram substituídas pela procura de satisfação e o desejo de consumir, às vezes de maneira desmedida. O consumo foi sendo alimentado pela indústria que retira os recursos da natureza e ignora qualquer qualidade de existência, de solidariedade, qualidade de vida, riquezas humanas que não podem ser compradas, a consciência e vende para o mundo a imagem de que essa é a única e melhor maneira de se viver. Esse crescimento econômico desmedido gera destruição do ecossistema, da água e do solo, alterações climáticas e exclusão e desigualdade social.

Apesar de já existir tecnologia suficiente para alterar esse quadro, ela não é empregada nesse sentido, portanto só haveria uma possibilidade para o futuro: uma reconstrução do modo de viver, consumir, substituindo a quantidade pela a qualidade. Presenciamos a ânsia por uma vida melhor e mais confortável gerando uma sociedade injusta e destruidora do ambiente natural. De dentro do bem estar surge o mal estar; se por um lado cresce o poder de compra e turístico do cidadão, por outro aumentam as doenças psicológicas, suicídios, consumo de remédios anti-stress, depressões, pressão alta. A felicidade passa a ser um valor a ser alcançado, entretanto de maneira tão utópica que as frustrações provocam um sentimento de angústia nesse homem moderno, a busca por encontrar uma saída pode muitas vezes remodelar valores e o próprio modo de vida.

117 E ainda da dicotomia trabalho e lazer, nasce a conquista do tempo livre para o descanso, lazer ou o turismo. As férias remuneradas possibilitaram o crescimento do turismo. Diversas atividades turísticas se desenvolvem; dentre elas, as que levam a um contato mais estreito com o ambiente natural. Esse homem impregnado de conhecimentos, gozando de conforto, passa a dar importância a uma outra maneira de se relacionar com o mundo, abdicando da cidade e se internando por longas temporadas, até pelo resto da vida, em contato com a natureza, estabelecendo novas relações com os moradores locais, com os recursos naturais e também consigo mesmo.

Muitos indivíduos urbanos saíram das cidades em busca desses locais de grande beleza, ar puro, ambiente natural peculiar, água límpida enfim, um contato mais próximo com a natureza e a possibilidade de um modo de vida diferente. E um desses locais é o Vale do Gamarra, portanto a região apesar de ainda isolada passou a receber novos moradores. Alguns procuravam um sítio para passarem finais de semanas, outros um lugar para transformar por completo o modo de vida, imergindo em uma reprodução sociocultural alternativa, distante do modo capitalista da cultura de massa. Portanto alguns se mudaram em busca alternativas sociais, uma vida mais calma e outros buscam uma proximidade maior aos valores espirituais, entretanto todos almejam um contato mais estreito com o meio natural.

Esses novos habitantes chegando ao Vale do Gamarra imprimem uma transformação socioeconômica, uma vez que novos empreendimentos começaram a acontecer, construções e plantações empregaram trabalhadores, aumentando a renda familiar, as estradas começaram a ter manutenção e novas estradas foram abertas. A interação cultural entre a população tradicional caipira e os novos moradores é intensa, a construção de novos valores, tanto para os primeiros como pelos novos habitantes da região tem delineado uma transformação profunda, resultante desse processo. A interação pode ser considerada cultural, mas também socioeconômica, na medida em que a relação campo cidade tornou-se principalmente a partir do século vinte e um, uma realidade na região. Assim, como verificado pelo projeto rurbano de Graziano da Silva, no Vale do Gamarra estamos presenciando um movimento de crescente pluriatividade, isto é, atividades não agrárias sendo intercaladas com atividades agrárias tradicionais. Entre elas, podemos destacar: o artesanato de cestos de bambus, o turismo e a olivicultura.

118 Os novos moradores, ao mudarem para o Vale, buscam alternativas de geração de renda: uns vão trabalhar nos roçados, em artesanato, serviço de pedreiros, como os moradores locais, enquanto outros buscam outras alternativas de geração de renda, como a olivicultura e o turismo, para possibilitar sua fixação no local podendo vivenciar uma realidade diferente, enfatizando valores espirituais e comunitários.

A construção de uma sociedade diferente, com distintos valores da sociedade urbana, mas também diferentes da sociedade tradicional, parece estar se delineando dentro dessa nova realidade, peculiar ao Vale do Gamarra.

A olivicultura foi introduzida em um modelo agroecológico peculiar ao Vale do Gamarra, associando o manejo orgânico com um desenvolvimento sustentável para a região, com intenção de agregar valor ao produto e ao mesmo tempo criar uma alternativa econômica para a área do entorno do PESP, criando um cinturão verde de proteção para a unidade de conservação. Nesse contexto a relação entre todos os moradores é muito importante nesse sistema de manejo. Como a olivicultura utiliza produtos locais, é indispensável um bom relacionamento com os moradores, uma vez que o dinheiro na região não controla o sistema social. Caso o relacionamento não seja amistoso, a aquisição desses produtos pode ser comprometida, pois a população caipira não tem uma relação monetária com a sua produção, ao contrário, valoriza um equilíbrio do trabalho e do lazer numa relação autárquica, não mercantil, na qual sua independência está inserida num sistema tradicional de produção.

As oliveiras atraíram a atenção de diversos moradores locais, um cultivo diferente que pode vir a trazer renda e oportunidade de empregos à região. Assim os caipiras não tiveram um olhar preconceituoso ou de resistência ao novo negócio, e sim o encararam como uma nova possibilidade e muitos já estão interessados em plantar. Essa nova atividade tem gerado emprego e seu desenvolvimento pode significar uma expansão da demanda a ponto de inverter o fluxo migratório, possibilitando àqueles que saíram do Vale e estão morando e trabalhando na cidade, retornarem e também a fixação de novos moradores.

A difusão da olivicultura estará vinculada à produção de mudas, o que deverá acontecer em 2009. Outra perspectiva é a criação de uma cooperativa que possibilite a construção do lagar e administre um viveiro para a produção de mais mudas para os cooperados, a fábrica poderá beneficiar também frutas da época, produzindo geléia e doces. Nesse novo empreendimento, abraçando um ideal comunitário, os cooperados

119 poderão além de alcançar objetivos econômicos, aprender a viver e trabalhar juntos. E ainda todos os moradores interessados terão a possibilidade de participar da cooperativa e plantar oliveiras para complementar o orçamento familiar.

Com essa possibilidade de sustentabilidade econômica, muitos membros da Igreja do Santo Daime abraçaram essa idéia e já plantaram. Agora alguns locais esperam as mudas para também diversificar suas atividades econômicas. Uma nova perspectiva de vida vai se delineando para os indivíduos urbanos que freqüentam o Vale: produzir, trabalhar e futuramente também morar no Vale.

A olivicultura na região tende a articular e dinamizar a economia gerando alternativas de geração de renda para todos os moradores interessados e a preservação do ambiente natural, num enfoque de pluriatividade. A diversificação econômica comum a várias áreas rurais também se torna uma realidade na região: o setor agrário é movimentado com a introdução de novos cultivos e o artesanato de cestos de bambu, pode ser valorizado com o aumento da infra-estrutura turística e de visitantes na região. A agroindústria em funcionamento pode também significar uma expansão de atividades, pois além do azeite, o beneficiamento de frutas para a produção de doces e geléias é uma alternativa para ocupar a estrutura montada na entre safra da azeitona.

Essa nova realidade nessa região imprime profundas transformações, inclusive nas direções dos fluxos migratórios, pois muitos moradores locais, caipiras, migraram para a cidade de Baependi, enquanto outros foram para cidades do Vale do Paraíba. Para que esse fluxo migratório não aconteça nessa região assim como em outras regiões do país, acarretando diversos problemas urbanos dos grandes centros, como favelização, desemprego, pobreza e miséria urbana, seria necessário um empenho em melhoria da infra–estrutura nas áreas rurais, junto ao apoio oficial em dinamizar as economias locais. O que de fato tem acontecido, as estradas mais preservadas possibilitam o deslocamento das pessoas, a escola em funcionamento, a luz elétrica e alternativas de renda indicam uma diminuição dessa pressão para fora e eventualmente correspondam a um movimento contrário, não só de novos rurais, mas também da população caipira que se encontra nas cidades.

Nesse contexto, as interações culturais, sociais e econômicas são imensas, o movimento tem uma característica complexa, pois os caipiras mudam-se para as cidades, eventualmente, ao mesmo tempo, intercalam a cidade e o campo e muitos também retornam para o vale. Enquanto cidadãos urbanos dirigem-se para a região,

120 outros tantos também retornam à cidade. Nesse movimento migratório peculiar, ocorre uma interação intensa entre os valores culturais e a própria reprodução social dos indivíduos que participam desse movimento. As sociedades não são estáticas nem no tempo e nem no espaço, tudo está em um processo de constante transformação, com características muito peculiares.

Os moradores locais na região reproduzem-se socialmente de forma não capitalista, e os novos rurais em busca de novas formas de vida encontram no sistema social caipira uma possibilidade de reprodução social. Contudo, apesar de ansiar uma nova vida, carregam consigo valores capitalistas. Ocorre, portanto, a absorção de valores caipiras em uma mentalidade capitalista, produzindo novas e peculiares formas de interação social. Já a população tradicional está impregnada de valores tradicionais e interagem com os novos moradores. Esses por sua vez, também não estão presos nem estáticos no tempo e sim susceptíveis a influências e ambos convivem numa reprodução sociocultural peculiar nessa área cultural caipira.

Enfim, imersos em múltiplas novas realidades, produzindo e reproduzindo formas peculiares de vida e de atividades econômicas os moradores do Vale do Gamarra tem transformado essa área tradicional caipira. Não há como prever os rumos dessas transformações, mas esse trabalho aponta algumas tendências. Já que não são estáticas no tempo e no espaço, se transformam, sem, contudo perder características peculiares a sua reprodução social tradicional caipira. A partir disso, novos atores emergiram e também novas atividades econômicas surgiram como alternativas em um tempo em que o mundo rural entrelaça-se ao mundo urbano produzindo uma sociedade extremamente peculiar.

121 Anexos

Anexo 1

PROMULGAÇÃO REAL DOS CASOS EM QUE OS ÍNDIOS PODIAM SER ESCRAVIZADOS (VASCONCELOS, 1948, p.140).

1 – Se aprisionados em guerra justa;

2- Se tomados aos antropófagos, de presos para serem comidos;

3- Se em crianças compradas aos pais;

4- Se pertenciam a tribos proscritas, e estas foram, todas, as que praticaram a antropofagia por hábito;

122 Anexo 2

VALOR TOTAL DO OURO EM PÓ PERMUTADO, COMARCA DO RIO DAS MORTES, 1809-11 (CARRARA, 2006).

1809 1810 1811

Aiuruoca 2.368.575,0 1.772.775,0 2.414.475,0

Baependi 221.400,0 111.825,0 56.700,0

Barbacena 782.062,5 341.700,0 505.650,0

Barroso 45.337,5 104.362,5

Bom sucesso 1.229.662,5 474.375,0 372.900,0

Brumado 1.177.650,0 524.677,5 456.512,5

Cabo Verde 383.925,0 629.100,0 364.800,0

Cajuru 613.116,0 838.579,0 579.412,5

Camanducaia 14.175,0 102.150,0 68.400,0

Caminho Novo 76.800,0 291.450,0 131.775,0

Campanha 3.770.850,0 5.947.012,5 5.056.425,0

Catas Altas da 2.200.012,5 3.118.500,0 2.033.400,0

Noruega

Conceição da 799.837,5 353.625,0 334.050,0 Barra

Ibitipoca 243.300,0 177.862,5 155.325,0

Itaverava 2.109.375,0 2.350.200,0 1.652.700,0

Jacuí 355.800,0 436.800,0 141.000,0

Lagoa Dourada 2.036.587,5 2.269.837,5 1.361.825,0

Lavras 915.037,5 154.575,0 148.987,5

Madre de Deus 709.550,0 409.800,0 450.600,0

123

VALOR TOTAL DO OURO EM PÓ PERMUTADO, COMARCA DO RIO DAS MORTES, 1809-11 (CARRARA, 2006).( continuação)

Nazaré e 916.975,0 705.900,0 1.177.800,0

Ouro Fino 182.962,5 501.412,5 519.112,5

Piedade dos 664.537,0 454.800,0 Gerais

Piuí 231.112,5 352.125,0 203.700,0

Ponte Nova da 976.800,0 1.072.537,5

Parte de Lá

Pouso Alto 110.400,0 61.050,0 66.300,0

Prados 2.699.137,5 3.595.800,0 3.621.087,5

Queluz 1.052.100,0 2.115.562,5

Rio Novo 121.125,0 79.700,0 105.000,0

Rio Preto 1.368.468,0 2.094.637,5 2.663.013,3

Rio Verde 136.200,0 278.325,0

Santa Catarina 307.687,5 251.850,0 133.575,0

Santa Luzia 1.700.062,5 1.800.037,5 2.806.312,5

Santana do 275.775,0 288.000,0 275.437,5

Garambéu

Santana do 800.025,0 1.249.762,5 942.825,0 Sapucaí

São Gonçalo da 3.300.075,0 8.001.262,5 6.903.525,0

Campanha

São João del Rei 7.606.737,5 13.332.487,0 13.439.587,0

São José del Rei 5.300.100,0 7.400.493,3 8.403.712,5

124

VALOR TOTAL DO OURO EM PÓ PERMUTADO, COMARCA DO RIO DAS MORTES, 1809-11 (CARRARA, 2006).continuação

São Tiago 85.237,5 53.775,0 73.087,5

Serra das Letras 218.250,0 94.912,5 14.400,0

Suaçuí 93.000,0 540.600,0 512.400,0

Tamanduá 2.028.937,5 593.400,0 674.400,0

Três Pontas 500.700,0 109.650,0 20.400,0

Turvo 287.287,5 54.850,0

Total 48.564.921,5 64.400.548,8 62.761.837,8

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