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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE Excelentíssimo Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Itabirito/MG

Autos Criminais nº XXXXXXXXXX

O órgão do Ministério Público subscrevente, no uso de suas atribuições legais, com base no incluso inquérito policial, vem à presença Vossa Excelência oferecer DENÚNCIA em face de

XXXXXXXXXX, brasileiro, solteiro, natural de Vila Velha/ES, nascido em 26.03.1983, filho de XXXXXXXXXX e XXXXXXXXXX, residente e domiciliado à Rua José Moreira, nº 23, Bairro Nova Esperança, - MG;

XXXXXXXXXX, brasileiro, solteiro, natural de Ilhéus/BA, nascido em 04.05.1995, filho de XXXXXXXXXX e XXXXXXXXXX, residente e domiciliado à Rua Água Limpa, nº 12, Bairro Água Limpa, Nova Lima/MG;

XXXXXXXXXX, brasileiro, casado, natural de Nova Lima/MG, nascido em 11.05.1980, filho de XXXXXXXXXX, residente e domiciliado à Rua Salutares, nº 585, Bairro São Lucas, /MG;

XXXXXXXXXX, brasileiro, solteiro, natural de Belo Horizonte/MG, nascido em 19.02.1997, filho de XXXXXXXXXX, residente e domiciliado à Rua Ageo Pio, nº 53, Bairro Palmeiras, Belo Horizonte/MG;

XXXXXXXXXX, brasileiro, estado civil ignorado, natural do distrito de Santana do , pertencente ao município de /MG, nascido em 13.07.1966, filho de XXXXXXXXXX, residente e domiciliado na localidade de Costa, s/nº, zona rural de Belo Vale/MG;

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS XXXXXXXXXX, brasileiro, solteiro, natural de /MG, nascido em 16.09.1991, filho de XXXXXXXXXX e XXXXXXXXXX, residente e domiciliado à Rua Deputado Sebastião Nascimento, nº 2120, Bairro Palmeiras, Belo Horizonte/MG;

XXXXXXXXXX, brasileiro, solteiro, natural de Caraí/MG, nascido em 19.06.1980, filho de XXXXXXXXXX e XXXXXXXXXX, residente e domiciliado à Rua Silvio Guedes, nº 150, Bairro Palmeiras, Belo Horizonte/MG; pela prática dos fatos delitivos a seguir expostos:

Consta do incluso inquérito policial que no dia 16 de dezembro de 2016, no período da madrugada, mas em horário que não se pode precisar, na Rua Água Limpa, nº 12, Balneário Água Limpa, nesta cidade, os denunciados, voluntária e conscientemente, empregaram violência e grave ameaça, com o objetivo de constranger XXXXXXXXXX a pagar dívida de drogas e, com isso, obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, tendo resultado da violência empregada a morte da vítima.

Breve intróito – Histórico do Bairro Água Limpa

Conforme é de conhecimento geral em toda a região de Itabirito e Nova Lima, o Balneário Água Limpa, que fica às margens da Rodovia BR 040, tendo uma parte situada na comarca de Nova Lima e outra na comarca de Itabirito, foi criado na década de 1950 e há muito se tornou uma localidade dominada pela criminalidade.

Ocorre que, pelo fato de o Município de Itabirito nunca ter exigido do loteador que implantasse a infraestrutura do bairro, o local foi e continua sendo alvo de vários grileiros, que ali se instalam, apropriando-se dos lotes de terreno mediante o emprego de violência e grave ameaça à pessoa.

Muitos destes grileiros, vislumbrando uma situação de abandono por parte do Estado, que não se mostra presente nem com o seu braço armado e nem tampouco com a implementação de serviços à população, se organizaram entre si e formaram verdadeira milícia.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Conforme consta da Ação Civil Pública nº XXXXXXXXXX, com tramitação perante a 1ª Vara, há notícias de envolvimento de policiais militares e civis nas referidas milícias, que expulsam as pessoas de suas moradias, ou, ainda, impedem que os proprietários, consumidores adquirentes de lotes junto à loteadora exerçam a posse sobre seus terrenos. Consta também da referida ação civil que não há naquele bairro sistema de abastecimento de água e esgotamento sanitário, de forma que a população acaba por consumir água sem tratamento, captada diretamente de cursos d’água contaminados pelos esgotos. Também não há iluminação pública e domiciliar regulares e tampouco áreas destinadas a equipamentos públicos e comunitários, revelando-se situação de verdadeira calamidade pública.

Dentre as atividades das milícias, está a de fornecer “segurança” aos moradores. Nesse passo, os moradores são constrangidos a pagar valores à milícia como se fora uma contraprestação pelo tal serviço de “segurança” e até mesmo pelo fornecimento de alguns serviços de utilidade pública, como o fornecimento de água e luz. Na localidade, os milicianos monopolizaram a prestação de serviços tipicamente públicos, de forma que somente eles os fornecem, sendo tal a sua audácia que chegam a retirar as instalações oficiais (de luz, por exemplo), para que os moradores somente possam acessar tais serviços se contratarem diretamente com eles.

Como comumente acontece nestes casos, os componentes da associação criminosa resolveram diversificar suas atividades ilícitas, de forma que também constrangem os comerciantes locais, que somente podem se instalar ou ali se manter mediante o pagamento de uma parcela de seus lucros. O domínio e monopólio é tal que os milicianos não admitem sequer que os moradores adquiram materiais de construção, senão com os comerciantes autorizados, instalados na própria localidade.

Por fim, há notícias de que se organizou uma segunda modalidade de organização criminosa, voltada não para o fornecimento de serviços, mas para a prática de delitos como o tráfico de drogas e associação para o tráfico, bem como extorsão, receptação e desmanche de veículos entre outros. O grupo estabeleceu um nível de controle por meio do

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS qual monopolizou as referidas atividades ilícitas e, por conta disso, somente admitem que outros bandidos se estabeleçam no local com a sua autorização e desde que a eles se associem.

Foi neste contexto que se deu a extorsão que culminou com a morte da vítima XXXXXX, conforme descrição abaixo.

Dos Fatos

Do Crime de Extorsão

Conforme restou apurado, os denunciados XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX e XXXXXXXXXX, estavam associados de forma estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com objetivo de obter, direta e indiretamente, vantagens de diversa natureza, mediante a prática de infrações penais, dentre elas o tráfico de drogas.

No caso, conforme salientado no breve intróito, a organização criminosa composta pelos denunciados e também por outros indivíduos ainda não identificados, dominava o tráfico de drogas no Balneário Água Limpa e já possuía ramificações na região, restando comprovado que também estavam associados ao traficante XXXXXXXXXX, conhecido como XXXXXX, o qual traficava drogas em um bar de sua propriedade, localizado na cidade Belo Vale.

Conforme consta, XXXXXXXXXX e XXXXXXXXXX, o XXX, seriam os fornecedores das drogas vendidas pelos demais integrantes do grupo criminoso.

Ocorre que a vítima XXXXXXXXXX, que era moradora da localidade de Costa, pertencente ao município de Belo Vale, devia um alto valor ao traficante XXXXXXXXXX, XXXXX, proveniente do tráfico de drogas. Segundo informações, a dívida estaria entre R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) e 120.000,00 (cento e vinte mil reais).

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Por este motivo, XXX passou a ser constantemente constrangido, mediante graves ameaças, a quitar a referida dívida, oriunda do tráfico de drogas. Tanto o é que existe notícia nos autos de que, à época dos fatos, a vítima não saía de casa já havia três meses, certamente temerosa de sua segurança em razão das ameaças perpetradas.

Não obstante as graves ameaças, XXXXXXXXXX não pagou a dívida do tráfico de drogas, motivo pelo qual XXXXXXXXXX, o xxxx, como derradeiro ato da extorsão, acionou os demais denunciados, todos integrantes da organização criminosa, e com eles deliberou matar a vítima, em razão da referida dívida e por não ter cedido às ameaças extorsivas, como forma de demonstrar para terceiros o poderio e violência do grupo criminoso e, assim, não perder ou enfraquecer o domínio por eles exercido na região.

Aliás, aclarou-se que o expediente de constranger pessoas mediante graves ameaças de morte é conduta comum na atuação do grupo criminoso. Tanto que consta que a testemunha XXXXXXXXXX era constantemente ameaçado por eles, o que também aconteceu com a líder comunitária XXXXXX.

Neste toar, estando tudo acertado entre XXXXXXXXXX, o XXXXXX, e os demais integrantes do bando, na data de 16 de dezembro de 2016, por volta da 21h00min, aos denunciados XXXXXXXXXX e XXXXXXXXXX, vulgo XXXX, incumbiu a tarefa de se dirigir até a localidade de Costa, a fim de sequestrar a vítima XXXXXXXXXX, sendo que, para tanto, utilizaram um veículo Saveiro, cor prata.

Colocando o plano em prática, eles chegaram ao local, identificaram a residência da vítima e se utilizaram de ardil para enganá-la, a fim de que pudessem atraí-la até eles e executar o sequestro. Deveras, chamaram pela vítima, na porta de sua residência, pelo nome, dizendo que precisavam de ajuda com o veículo, que estava com defeito. A fim de evitar desconfiança, disseram que teria sido um amigo de XXXXXXXXXX, o XXXXXXXXXX, vulgo XXXX, quem o indicou para auxiliá-los.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Então, XXXXXXXXXX foi até a rua e, após alguns momentos conversando com XXXXXXXXXX e XXXXXXXXXX, estes o renderam, colocaram dentro do veículo e saíram em fuga, levando a vítima até o Bairro Água Limpa.

Neste local, no mesmo dia 16 de dezembro, durante a madrugada, XXXXXXXXXX e XXXXXXXXXX, juntamente com “xxxx” e “xxxx”, compareceram na residência do denunciado XXXXXXXXXX, oportunidade em que estavam com a vítima dentro da Saveiro do XXXXXXXXXX. Então, todos eles, inclusive o XXXXXXXXXX, levaram a vítima para os fundos da casa de XXXXXXXXXX.

Conforme apurado, XXXXXXXXXX, o XXXXXX, dava vários socos e chutes na vítima, e, em seguida, o grupo levou a vítima até o terreno de propriedade de XXXXXXXXXX, onde XXXXXXXXXX seria executado.

No local, estando todos eles presentes, ou seja, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, o XXXXX, XXXXXXXXXX, o XXXXX, XXXXXXXXXX e XXXXXXXXXX, efetivamente executaram e enterraram a vítima.

Ali estando, incumbiu a XXXXXXXXXX e, num ato de extrema crueldade, à própria vítima, cavarem a cova onde esta última seria enterrada. Então, o acusado XXXXXXXXXX se aproximou e efetuou o primeiro disparo contra a vítima, atingindo-a na cabeça, motivo pelo qual esta saiu correndo, desnorteada, e se agarrou a um arame da cerca. Ato contínuo, XXXXXXXXXX, o XXXXXX, efetuou outros três disparos contra a vítima, e, ao final, XXXXXXXXX também efetuou disparos contra a vítima. Feito isso, XXXXXXXXXX, o XXXX, pegou a vítima pela perna e levou até a cova rasa recentemente aberta, onde XXXXXXXXXX finalmente foi enterrado.

Posteriormente, na data de 09 de janeiro de 2017, após denúncias, a Polícia Militar logrou encontrar e apreender drogas e uma arma de fogo de numeração raspada na residência de XXXXXXXXXX, o XXXXXX, e, no terreno vizinho, de propriedade de XXXXXXXXXX, foi encontrado o cadáver da vítima XXXXXXXXXX.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Vejamos ter restado, então, configurada a prática do delito de extorsão com resultado morte. Com efeito, a definição do crime de extorsão consta do art. 158 do Código Penal, consistindo em “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa”. A característica básica desse crime é que os agentes coagem as vítimas a fazer, não fazer, ou tolerar que se faça algo, mediante o emprego de violência ou grave ameaça.

Pois bem, neste caso, a palavra indevida, constante do tipo penal deve ser interpretada como expressão indicadora de vantagem contrária ao Direito, representando um elemento normativo do tipo.

No caso, é fácil notar que a vítima vinha sendo constrangida para o pagamento de dívida oriunda do tráfico de drogas, estando aí escancarada a natureza ilícita da indevida da vantagem pretendida, sendo certo que o constrangimento exercido com o emprego de grave ameaça e violência, tinha uma finalidade especial, qual seja a de obtenção desta indevida vantagem de natureza econômica, para si ou para outrem.

Por fim, a qualificadora se implementa quando da violência empregada na extorsão resulta a morte da vítima. Exatamente como no caso, em que a morte da vítima representou somente o ato final e macabro de uma extorsão contínua que já vinha perdurando por vários meses.

Giza-se ainda que o grupo ao ameaçar qualquer cidadão que se arvore em delatar as atividades criminosas às autoridades policiais, faz no único propósito de perpetuar as vantagens econômicas indevidas que auferem da mercancia de drogas e outros ilícitos, obrigando terceiros, mediante ameaça e violência, inclusive com arma de fogo, a não fazer o que a lei permite, qual seja, noticiar às autoridades competentes a prática de crimes.

Boletim de Ocorrência de fls. 05 ss., dando conta da apreensão de armas e drogas na residência de XXXXXXXXXX, bem como o encontro do cadáver, nos fundos da residência de XXXXXXXXXX.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Boletim de Ocorrência de fls. 286/290 que dá conta do desaparecimento de XXXXXXXXXX, ocorrido na cidade de Belo Vale.

Auto de Prisão em flagrante de fls. 256/275 em que a vítima havia sido surpreendida no bar de propriedade de XXXXXXXXXX, o XXXXXX, oportunidade em que denunciou que este último era traficante e que comprava drogas em sua mão, ali mesmo naquele bar.

Boletim de Ocorrência de fls. 332/334 em que consta que XXXXXXXXXX vinha sofrendo ameaças por parte do acusado XXXXXXXXXX.

Relatório circunstanciado de investigações – fls. 344/351 – dá conta de interceptações telefônicas nas quais XXXXXXXXXX foi flagrado em tratativas relacionadas com a prática do crime de tráfico de drogas.

Destaca-se que, com autorização judicial, foi instaurado procedimento investigatório criminal na curadoria de Combate ao Crime Organizado, mormente para apurar o organograma da Organização Criminosa e identificar todos os seus integrantes, inclusive porque não fincada apenas no delito de tráfico de drogas.

Assim, tendo os denunciados XXXXXXXXXX, vulgo “XXXXX”, XXXXXXXXXX, vulgo “XXXXXXX”, XXXXXXXXXX, vulgo “XXXXXX”, XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, vulgo “XXXXXX”, XXXXXXXXXX e XXXXXXXXXX incorrido nas sanções esculpidas no artigo 158 (extorsão), § 2º (resultado morte), do Código Penal, requer este órgão ministerial seja recebida a inicial acusatória e o mesmo devidamente citado para apresentação de resposta escrita, designando-se, posteriormente, audiência de instrução e julgamento para oitiva das testemunhas arroladas e interrogatórios, cumprindo-se as demais formalidades legais, e, afinal, sejam os mesmos condenados nas sanções que lhes couberem.

Rol:

1. XXXXXXXXXX;

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS 2. XXXXXXXXXX;

3. XXXXXXXXXX;

4. XXXXXXXXXX;

5. XXXXXXXXXX;

6. XXXXXXXXXX.

Itabirito, XX de XX de 2017.

XXXXXXXXXX Promotor de Justiça

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